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Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil


Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

O Programa

A União Faz a Vida

na Educação Infantil

(PUFV EI)
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
© Fundação Sicredi, 2019

Contribuições Teóricas e Prá cas Pedagógicas:


o Programa A União Faz a Vida na Educação Infan l

A presente obra foi desenvolvida pela Fundação Sicredi,


em representação às en dades integradas ao
Sistema de Crédito Coopera vo - Sicredi
(Coopera vas Singulares, Centrais, Confederação e
Banco Coopera vo), em parceria com Ins tuto Criar Ltda.

Edição
Fundação de Desenvolvimento Educacional e Cultural do Sistema de
Crédito Coopera vo – Fundação Sicredi.

Organizadores
Daniela Hae nger
Max Günther Hae nger

Desenvolvimento do Material
Ins tuto Criar Ltda.

Autores - Consultores e Especialistas em Educação Infan l


Profa. Dra. Emília Cipriano Sanches
Profa. Ms. Jussara Cris na Mayer Ceron
Profa. Dra. Maria Carmen Silveira Barbosa
Prof. Dr. Max G. Hae nger
Psicóloga Paula C. Pedroso
Profa. Ms. Raquel Karpinski
Prof. Dr. Ricardo Casco
Prof. Dr. Sergio Vale da Paixão

Edição de Textos
Daniela Hae nger

Projeto Gráfico e Diagramação


Definir Comunicação
Marcos Filomena

Ilustrações
freepik.com
pixabay.com

S565c Sicredi
Contribuições teóricas e prá cas pedagógicas: o Programa A União
Faz a Vida na educação infan l (PUFV EI) / Daniela Hae nger; Max
Günther Hae nger (organizadores).-- 2ª. ed. Porto Alegre: Sicredi, 2019.

108p.

1. Programa A União Faz a Vida. 2. Educação infan l.


3. Prá ca pedagógica I. Título. II. PUFV. III. Fundação Sicredi

CDU 37-053.2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Todos os direitos reservados à Fundação de Desenvolvimento


Educacional e Cultural do Sistema de Crédito Coopera vo –
Fundação Sicredi.
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Caro(a) Leitor(a),

Você está iniciando a sua jornada no Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
(PUFVEI), cujo objetivo é a promoção de vivências, atitudes e valores de cooperação e
cidadania, por meio da aprendizagem baseada em projetos, contribuindo para a educação
integral das novas gerações. Os princípios do Programa – a cooperação e a cidadania –
projetam a nossa visão de mundo e orientam as nossas práticas: acreditamos que podemos
juntos transformar a realidade.

A presente obra integra as iniciativas do Programa para a Educação Infantil, seguindo a


metodologia utilizada nos demais níveis do ensino escolar, porém, revista com um olhar
atento para as especificidades da primeira infância. Além da presente publicação, contamos
com o título “O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil”, que resume a nossa
metodologia para uma aplicação mais adequada entre crianças de zero a 5 anos de idade, e
ainda, com a habilitação presencial para os assessores(as) pedagógicos(as) que
desenvolvem e acompanham as nossas ações junto aos educadores(as) e escolas infantis
participantes do Programa.

A cooperação sempre marcou as nossas iniciativas e foi também cooperando que


construímos o nosso olhar para a Educação Infantil, tendo como referencial normativo a Base
Nacional Curricular Comum (BNCC, 2017). A Fundação Sicredi, em conjunto com as Centrais do
Sicredi (Central Sul Sudeste, Central Sicredi PR/SP/RJ, Central Sicredi Centro Norte e Central
Sicredi Brasil Central), com assessores pedagógicos do Programa e profissionais
especializados em Educação, formou uma equipe de excelência para trabalhar na revisão
metodológica e na elaboração das publicações, materiais e formações específicas para a
Educação Infantil.

Participaram da equipe de profissionais desenvolvedores do Programa A União Faz a


Vida na Educação Infantil: doutores em Educação – a Profa. Dra. Maria Carmem Silveira
Barbosa (especialista em educação infantil e autora de várias publicações nesta área), a
Profa. Dra. Emília Cipriano Sanches (especialista em educação infantil, consultora e
palestrante na área), o Prof. Dr. Ricardo Casco (consultor da Fundação Sicredi e formador da
habilitação do Programa), o Prof. Dr. Max Haetinger (especialista em aprendizagem, novas
tecnologias e criatividade, autor de diversos livros e coordenador do grupo de trabalho PUFV
EI); o Prof. Dr. Sergio Paixão (doutor em psicologia e parceiro do PUFV) e a psicóloga Paula
Pedroso (psicóloga escolar e especialista em desenvolvimento socioafetivo na infância);
mestres em Educação – a Profa. Ms. Jussara Mayer Ceron e a Profa. Ms. Raquel Karpinski,
ambas assessoras pedagógicas do Programa; e a Esp. Daniela Haetinger (jornalista,
especialista em educação e produtora de conteúdo e materiais educativos).
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

“Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas” é uma coletânea de artigos que


refletem a cooperação entre a multiplicidade de vozes e autores que se uniram, trabalharam
e somaram as suas competências para qualificar a aplicação do PUFV junto às crianças
pequenas. O livro apresenta os conteúdos organizados em três grandes eixos temáticos: 1)
Conceitos de base na Educação Infantil; 2) Aportes teóricos e metodológicos do PUFV para a
Educação Infantil; 3) Práticas pedagógicas para a escola da infância.

O primeiro eixo temático da publicação aborda conceitos elementares da Educação


Infantil, como a atual concepção de crianças e infâncias, as relações do corpo na infância, as
especificidades da docência, bem como os direitos de aprendizagem e desenvolvimento da
criança e a proposta de organização do currículo por campos de experiência da Base
Curricular Nacional Comum para a Educação Infantil.

A segunda parte do livro apresenta a fundamentação teórica e as contribuições mais


específicas do Programa A União Faz a Vida para a Educação Infantil, relacionadas à
realização de projetos de aprendizagem nesse nível de ensino, o que também passa por
refletirmos sobre as fases do desenvolvimento infantil, as relações de desenvolvimento
socioafetivo e integral na infância, as brincadeiras e interações como direitos e práticas
norteadoras da aprendizagem das crianças e a atuação dos educadores infantis.

O terceiro eixo temático desta obra enfoca práticas pedagógicas defendidas e


realizadas pelos autores em suas realidades educativas, nos ambientes de Educação Infantil.
São aspectos e experiências que contribuem com os aprendizados e a formação global das
crianças pequenas: o brincar como recurso de comunicação, a importância da participação
das famílias e da comunidade, a construção do cotidiano cooperativo, a literatura infantil no
desenvolvimento de valores e o uso da música e da tecnologia nas escolas infantis.

Esperamos que você aproveite ao máximo as nossas contribuições para ampliar o seu
olhar sobre a infância, aprofundar os seus conhecimentos e realizar as ações e práticas
pedagógicas do PUFV EI. Sua atuação nas escolas participantes do Programa fará toda a
diferença para construirmos um futuro melhor por meio da Educação Infantil.

Fundação Sicredi
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

SUMÁRIO

Apresentação
A Metodologia do Programa A União Faz a Vida para a Educação Infantil ................................................................................................. 9
Fundação Sicredi

PARTE 1: CONCEITOS DE BASE NA EDUCAÇÃO INFANTIL


1.1 Conceituando Crianças e Infâncias ..................................................................................................................... 17
Profa. Dra. Maria Carmen Silveira Barbosa

1.2 A Base Nacional Comum Curricular e o Currículo Escolar .................................................................................. 21


Profa. Dra. Maria Carmen Silveira Barbosa

1.3 Algumas Especificidades da Docência na Educação Infantil ................................................................................25


Profa. Dra. Maria Carmen Silveira Barbosa

1.4 Relações do Corpo na Infância ............................................................................................................................ 29


Profa. Dra. Emília Cipriano Sanches

PARTE 2: APORTES TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO PUFV PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL


2.1 Experiências de Aprendizagem por Projetos na Educação Infantil .................................................................... 37
Prof. Dr. Ricardo Casco

2.2 Encaminhamentos Metodológicos dos Projetos da Infância ............................................................................... 47


Profa. Dra. Emília Cipriano Sanches

2.3 Desenvolvimento Socioafetivo no Cotidiano da Escola ....................................................................................... 55


Psicóloga Paula Pedroso

2.4 As Fases do Desenvolvimento Infantil e suas Relações com as Aprendizagens ................................................ 61


Prof. Dr. Max G. Haetinger

2.5 O Desenvolvimento Integral na Educação Infantil: direitos e brincadeiras ....................................................... 69


Profa. Ms. Raquel Karpinski

2. 6 Atuação Docente: um diálogo sobre o processo de formação dos educadores da Educação Infantil .............. 73
Profa. Ms. Jussara Cristina Mayer Ceron

PARTE 3: PRÁTICAS pedagógicas para a escola da infância


O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

3.1 O Brincar como Recurso de Comunicação da Infância .......................................................................................... 79


Psicóloga Paula Pedroso

3.2 Envolvimento da Família e da Comunidade na Cultura do PUFV ............................................................................. 83


Prof. Dr. Ricardo Casco

3.3 Trabalhando Valores a partir dos Livros de Histórias Infantis .......................................................................... 87


Psicóloga Paula Pedroso

3.4 O Educador e a Construção do Cotidiano Cooperativo na Educação Infantil ........................................................ 95


Profa. Ms. Jussara Cristina Mayer Ceron

3.5 A Música na Educação Infantil ............................................................................................................................. 99


Prof. Dr. Sergio Vale da Paixão

3.6 O Uso da Tecnologia na Educação Infantil .......................................................................................................... 103


Prof. Dr. Max G. Haetinger
Contribuições
Contribuições
Teóricas
Teóricas
e Práticas
e Práticas
Pedagógicas
Pedagógicas

Apresentação

A Metodologia do Programa A União Faz a Vida para a Educação


Infantil
Fundação Sicredi

O Programa A União Faz a Vida vem ampliando de modo substancial a sua área de
influência no âmbito da educação básica, em centenas de escolas, localizadas em diversos
estados brasileiros. Sua proposta metodológica está baseada nos princípios das pedagogias
ativas, particularmente, na pedagogia por projetos de trabalho. Esse aporte considera que a
criança aprende mediante sua experiência ativa no mundo social e em interação com outras
crianças e com os adultos.

A pedagogia por projetos valoriza as curiosidades das crianças sobre o mundo que as
cerca, mobilizando os conhecimentos escolares para auxiliar na elucidação de suas
perguntas e de seus interesses de aprendizagem. Nesse sentido, o Programa A União Faz a
Vida propõe uma verdadeira pedagogia da pergunta (Freire, 1985), oportunizando a formação
do espírito científico e do cidadão democrático. Professores (as), familiares e outros atores
sociais fazem parte do esforço coletivo em prol da construção de uma educação de qualidade,
visando favorecer as aprendizagens, o fortalecimento do espírito comunitário e da
democracia.

Um dos grandes inspiradores das pedagogias ativas foi John Dewey. O pensador
compreendia que a criança em idade escolar teria quatro “impulsos naturais” que deveriam
ser desenvolvidos mediante a experiência da criança com o mundo social: o impulso de
comunicar, o de construir, o de indagar e o de expressar-se. Dewey compreendia que o
exercício necessário para o crescimento da criança se dá mediante a experiência ativa que ela
estabelece com aspectos da vida social que são de seu interesse, por meio da resolução de
problemas e do favorecimento da expressão de suas curiosidades (Cf. Westbrook, 2010).

Dewey postulava que uma educação escolar eficaz necessita de um professor atento,
um professor que possa auxiliar as crianças a desenvolverem seus impulsos criativos,
orientando-as rumo às aprendizagens científicas, históricas e artísticas. É importante
considerar que as crianças não são de modo algum passivas nesse processo. À medida que
são inseridas na cultura, elas também a reconstroem mediante suas necessidades e suas
atividades. Dewey concebe o conhecimento como fruto dos esforços humanos e coletivos,
fruto dos esforços para a resolução de situações-problema que a experiência social
apresenta. Considerava a escola uma instituição importante para a formação integral dos
educandos, afirmando que os conhecimentos por ela mediados deveriam estar a serviço da
democracia, do bem-estar da comunidade e de toda a sociedade.

Os princípios anunciados por John Dewey orientam as práticas pedagógicas

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O Programa
O Programa
A União
A Faz
União
a Vida
Faz a
naVida
Educação
na Educação
InfantilInfantil

promovidas pelo Programa A União Faz a Vida em todos os segmentos educativos, e são
basilares para a promoção de uma escola ativa, que convida as crianças a explorarem o
mundo que as cercam, a formularem hipóteses e a aprenderem os procedimentos que lhes
permitem responder às suas perguntas e curiosidades. No entanto, são necessárias algumas
adaptações dessa perspectiva pedagógica tendo em vista as diferentes faixas etárias
atendidas pelas redes de educação básica.

Em consonância com as atuais normativas que orientam a formulação dos currículos


em cada etapa da escolarização (Base Nacional Comum Curricular, 2018), foram definidos
três segmentos etários no Programa A União Faz a Vida para a Educação Infantil:

crianças de zero a 1 ano e 6 meses de idade – os Exploradores de si no mundo;

crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses – os Exploradores do mundo;

crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses – os Exploradores Investigadores.

As práticas pedagógicas propostas pelo PUFV consideram fundamental que os(as)


professores(as) reconheçam as aprendizagens que devem ser favorecidas para cada uma
dessas faixas etárias. Geralmente, as redes de educação básica elaboram materiais
prescritivos, que informam o professor sobre quais experiências devem promover junto às
crianças e sobre os conhecimentos que elas devem aprender. Dá-se o nome de currículo a
esse conjunto de conhecimentos escolares prescritos nos materiais instrucionais. Claro que
também constitui o currículo escolar a organização dos espaços, dos tempos, dos materiais e
das interações sociais que se dão entre alunos e demais adultos.

No caso dos bebês – os Exploradores de si no mundo – e para as crianças pequenas –


Exploradores do mundo e Exploradores Investigadores – o currículo é a própria vida
cotidiana. Como analisa Freire (2011), é preciso considerar que, para as crianças pequenas, o
tempo vivido na escola e as experiências por elas compartilhadas constituem a sua própria
vida. O que lhes interessa ocorre no aqui e agora. Freire (2011) analisa que, quanto menor a
criança, menor a sua capacidade de separar as experiências escolares da sua própria vida. As
crianças reagem de forma relativamente indiferenciada a todas as suas experiências – para
elas, a escola é a vida.

Mesmo que todo percurso da Educação Infantil enfatize a vida cotidiana como
currículo, observam-se diferenças nas dimensões e experiências a serem trabalhadas em
cada etapa de aprendizagem, como será apresentado a seguir.

Quais seriam as dimensões que devem ser consideradas para a oferta de experiências
de aprendizagem de qualidade para os Exploradores de si no mundo? Segundo Fochi,
Drechsler, Foestein e Cavalheiro (2017), Emmi Pikler (1902 - 1984), médica e estudiosa da
infância no período pós II Guerra Mundial, considerava que a escola deveria valorizar quatro
dimensões importantes para a constituição de um espaço privilegiado para o(s) bebê(s): a) a
valorização da atividade autônoma e do movimento livre – a exploração dos espaços,
materiais e interações sociais; b) as atividades de atenção pessoal – cuidados com o sono,
com a higiene, com a nutrição; c) o acolhimento – o contato afetivo com o adulto que o

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Contribuições
Contribuições
Teóricas
Teóricas
e Práticas
e Práticas
Pedagógicas
Pedagógicas

considera como sujeito de direitos e não como um objeto destituído de emoções e


necessidades; d) o brincar dos bebês – essência da vida da criança, a atividade lúdica, livre.
Pikler considerava os meninos e meninas bem pequenos como seres ativos e “competentes
para eleger as suas próprias atuações, mas, ao mesmo tempo, dependentes do outro, da
presença do adulto que cria bons contextos para que possam atuar de forma autônoma”
(Fochi et al, 2017, p.38). Tendo em vista essas considerações iniciais, seria possível constituir
projetos de trabalho junto aos bebês?

Os bebês ainda não se expressam oralmente de modo complexo, no entanto, devem


ser considerados sujeitos de ação, capazes de fazer escolhas. E cabe ao adulto proporcionar
os espaços e as condições a fim de que possam, por meio da sua atividade autônoma e do
brincar espontâneo, livre de constrangimentos, progressivamente, adquirir novas
aprendizagens.

No âmbito do Programa A União Faz a Vida, de modo distinto do que ocorre no Ensino
Fundamental, a pergunta exploratória é elaborada pelo(a) professor(a) a partir da
observação atenta de elementos importantes do currículo emergente: ou seja, as
necessidades e curiosidades dos bebês. No caso específico do trabalho com esse segmento
etário, a formulação da pergunta exploratória expressa as inquietações que os(as)
professores(as) têm com relação à qualidade da oferta das experiências necessárias para o
desenvolvimento integral dos bebês sob sua responsabilidade. Assim, a pergunta
exploratória, elaborada pelo(a) educador(a), nesse caso particular, poderia ser a seguinte: a
organização dos espaços e materiais na sala de aula atende às necessidades dos bebês?
Favorece sua autonomia e a interação com os outros coleguinhas? Nesse caso, o projeto teria
por objetivo a garantia e a melhoria da oferta de materiais e da organização dos espaços,
tendo em vista as necessidades de exploração, de movimentação e as interações sociais dos
bebês.

O índice inicial, no caso dos Exploradores de si no mundo, refere-se ao levantamento


dos conhecimentos prévios que os bebês já possuem, sobre como interagem com o próprio
corpo, com os espaços e materiais, com os seus colegas e com o próprio professor. É preciso
lembrar que os bebês já elaboram questões sobre si e sobre o mundo que as cerca, expressam
interesses e necessidades. Tais interesses e curiosidades, expressos nas relações que os
bebês estabelecem consigo mesmo, com os materiais, com os espaços, com os outros bebês
e com os adultos constituem o índice formativo. Cabe ao professor atento observar tais
interações e reconhecer o que interessa às crianças, a fim de promover experiências que
favoreçam as explorações delas consigo mesmas e com o mundo que as cerca. É preciso
ainda que os (as) professores (as) compreendam que

Para as crianças pequenas aprenderem a se deslocar, a comer, a dormir sozinha, a


utilizar materiais gráficos, a vestir-se, a comunicar seus desejos, a construir torres
com blocos de madeira, a separar e classificar materiais, não é necessário conduzi-
las através de meras atividades sequenciais, direcionadas e fragmentadas, que
apenas preenchem o dia (FOCHI e BARBOSA, 2015, p.59).

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O Programa
O Programa
A União
A Faz
União
a Vida
Faz a
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Educação
na Educação
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É preciso considerar que os bebês de zero a 1 ano e 6 meses de idade aprendem sobre si e
sobre o mundo por meio da exploração livre dos materiais, por meio de interações livres em
espaços seguros, organizados por adultos de modo a garantir o pleno desenvolvimento das
capacidades das crianças. Como apontam Fochi e Barbosa (2015, p. 63),

Conforme as experiências sensoriais acontecem, nosso pensamento organiza


essas sensações, classifica, compara, reorganiza com aquelas já vividas e vai
criando significados provisórios para essas experiências. Nesse sentido, estamos
falando que as interações das crianças com as coisas, mas também com os outros,
fornecem a elas maneiras de conhecer o mundo, as pessoas e a si mesmas.

O planejamento das atividades que auxiliam na promoção das aprendizagens ocorre a


partir das observações que os os(as) professores(as) realizam a respeito das curiosidades
dos bebês. Ainda que as crianças bem pequenas não formulem perguntas oralmente, o
professor, mediante a observação e o reconhecimento de suas necessidades e curiosidades
de aprender, planeja as experiências pedagógicas, arranjando espaços e materiais
estimulantes, por meio dos quais ocorrem interações sociais importantes.

Para as crianças maiores – os Exploradores do mundo e os Exploradores


Investigadores – a pergunta exploratória pode ser feita pelos educadores, para que as
crianças a tomem como referência para a exploração dos territórios de aprendizagens
durante a expedição investigativa. Para tanto, os(as) professores(as) tomam como referência
o currículo emergente, fruto da observação dos interesses espontâneos infantis, e/ou os
conteúdos escolares, conforme os campos de experiência apontados nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) e na Base Nacional Comum
Curricular – BNCC (BRASIL, 2018).

Se para as os Exploradores de si no mundo e para os anos iniciais dos Exploradores


do mundo é necessário adaptar a perspectiva metodológica, para as idades finais dos
Exploradores do mundo e para os Exploradores Investigadores, as etapas previstas para o
desenvolvimento dos projetos não se diferem de modo substancial das já constituídas no
âmbito do Programa A União Faz a Vida para os demais segmentos escolares. São elas:

a) os(as) professores(as) devem reconhecer que aprendizagens podem ser


apropriadas pelas crianças, informados(as) pelo currículo emergente e/ou
pelos materiais instrucionais que orientam a atividade docente;

b) escolha de um território adequado, no qual essas aprendizagens possam ser


desenvolvidas;

c) a elaboração, por parte do professor, da pergunta exploratória – situação-


problema que orienta o olhar da criança durante a realização da expedição
investigativa;

d) a realização da expedição investigativa propriamente dita;

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Contribuições
Contribuições
Teóricas
Teóricas
e Práticas
e Práticas
Pedagógicas
Pedagógicas

e) a construção dos registros dos elementos que mais chamaram a atenção das
crianças durante a expedição investigativa;

f) a escolha do tema do projeto da turma;

g) a construção do índice inicial – o levantamento do que as crianças já sabem


sobre o projeto escolhido, e do índice formativo – a organização das perguntas
das crianças sobre temas de interesse destacados no desenvolvimento do
projeto;

h) o planejamento das estratégias visando à mobilização dos conhecimentos


escolares, de modo que contribuam para a elucidação das curiosidades
infantis;

i) a mobilização dos saberes das comunidades de aprendizagem – no caso das


crianças pequenas, a proximidade da escola com as famílias é essencial para
que os(as) professores(as) reconheçam as singularidades de cada um dos
meninos e meninas que estão sob a sua responsabilidade na instituição escolar.

Antes de comentarmos sobre o fechamento de um projeto de trabalho, que são as


atividades integradoras da última etapa da proposta pedagógica do Programa A União Faz a
Vida, cabe lembrar que, para que as aprendizagens na primeira infância atendam às
necessidades e curiosidades infantis, é preciso deixar as crianças livres para explorarem,
construírem espaços, arranjos materiais, interagirem com seus colegas e também com os
adultos.
Segundo Katz e Chard (1997), as brincadeiras espontâneas e o uso dos jogos
dramáticos, tematizados, também são importantes estratégias que favorecem a aquisição de
novos conhecimentos. Segundo as autoras, quanto menores as crianças, maior a
necessidade de brincarem livremente, ou seja, mais necessitam dos jogos espontâneos. À
medida que as crianças crescem, os jogos dramáticos podem ser mobilizados para que elas
possam se apropriar de diferentes dimensões, consolidadas nas temáticas escolhidas pela
turma. As autoras também comentam que, pouco a pouco, conforme as crianças crescem, as
atividades de caráter acadêmico, com maior formalização das aprendizagens escolares por
meio da adoção de diferentes suportes plásticos para o seu registro, devem ser incorporadas
no dia a dia da sala de aula. Porém, isso não implica abandono dos momentos de jogos
espontâneos. As crianças têm o direito, no cotidiano escolar, de tempos planejados para
poderem escolher livremente com quais materiais brincar, do que brincar, de que modo
brincar e com quais companheiros desejam brincar. O exercício da autonomia se dá mediante
a liberdade de explorar o mundo, a liberdade de ser, de viver e conviver.

É preciso ter claro que as experiências escolares na Educação Infantil devem se


relacionar mais com acontecimentos e tópicos que fazem parte da vida da criança, do que com
disciplinas ou conteúdos afastados das suas experiências cotidianas. O conhecimento sobre
a vida não é, portanto, compartimentalizado em disciplinas escolares, ao contrário, deve ser
integrado, globalizado. Como comentam Katz e Chard (1997, p. 12), “o trabalho com projetos é
elaborado para libertar as mentes das crianças das condicionantes impostas pelos limites
das disciplinas”.

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O Programa
O Programa
A União
A Faz
União
a Vida
Faz a
naVida
Educação
na Educação
InfantilInfantil

Finalmente, como última etapa da nossa perspectiva pedagógica, o Programa A União


Faz a Vida propõe que o que as crianças aprenderam ao longo do desenvolvimento de um
projeto seja tornado público por meio da organização das atividades integradoras, como as
mostras de trabalho, eventos culturais, etc. Ao tornarem público o que aprenderam, as
crianças são incentivadas a tomar consciência dos procedimentos que favoreceram as
aquisições de novos conhecimentos escolares.

As atividades integradoras referem-se ao índice final do projeto da turma. Esse


produto, materializado em maquetes, textos, desenhos, pinturas, modelagens, mostra de
músicas, teatro, portfólios, entre outras possibilidades, constitui as mediações que
comunicam aquilo que foi aprendido e conquistado pelos próprios educandos. Esse ato de
comunicar o que foi aprendido pode também ensinar o outro, democratizando o acesso ao
saber e fortalecendo as finalidades sociais da escola. Assim, a escola ultrapassa seus muros e
a aventura do aprender torna-se a expressão das ações coletivas, favorecendo o
fortalecimento dos vínculos sociais de toda a comunidade.

Referências

BRASIL. (2018). Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – Educação é a Base.
Brasília, MEC. Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-
content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf

BRASIL. (2009). Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Resolução Nº 5, de 17 de


dezembro de 2009. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.

BRASIL. (1998). Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental.


Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, MEC/SEF.

FOCHI, P.; DRESCHSLER, C. F. B.; FOESTEN, P.; CAVALHEIRO, C. (2017). A pedagogia dos detalhes para o
trabalho com bebês na creche a partir dos pressupostos de Lóczy. In: Olhares, Guarulhos, v.5, n.1,
p.35-49, maio 2017.

FOCHI, P.; BARBOSA, M. C. S. (2015). Os bebês no berçário: ideias – base. In: FLORES, M. L.R.,
ALBUQUERQUE, S. S. (Orgs). Implementação do Proinfância no Rio Grande do Sul: perspectivas
políticas e pedagógicas. Porto Alegre, EDIPUCRS.

FREIRE, Madalena. (2011). A paixão de conhecer o mundo. São Paulo, Paz e Terra.

FREIRE, Paulo. (1985). Por uma Pedagogia da Pergunta. Paulo Freire e Antonio Faundez. Coleção
Educação e Comunicação, v. 15. Rio e Janeiro, Paz e Terra.

KATZ, L.; CHARD, S. (1997). A abordagem de projeto na educação da infância. Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian.

WESTBROOK, R. B.; TEIXEIRA, A.; ROMÃO, J. E.; RODRIGUES, V. L. (Orgs.). (2010). John Dewey. Recife,
Fundação Joaquim Nabuco/Ed. Massangana.

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Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

CONCEITOS
DE BASE NA
EDUCAÇÃO
INFANTIL

Parte 1
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

1.1 Conceituando Crianças e Infâncias


Profa. Dra. Maria Carmen Silveira Barbosa

As crianças e os seus direitos

Ellen Key (2015) denominou o século XX como o Século da Criança pelo fato de
elas terem, neste momento da história ocidental, assumido um destacado lugar
como sujeito social. Um dos grandes responsáveis por essa conquista foi Janusz
Korczak (1984), médico e pedagogo polonês, que esboçou o primeiro documento
mostrando aos adultos o quanto as crianças tinham especificidades próprias, não
sendo apenas adultos em miniatura. A tarefa inicial desse movimento foi dar
visibilidade às crianças e comprometer os adultos com a dignidade da vida das
mesmas.

Após a Segunda Guerra Mundial, com toda a sua violência, foi elaborada a
Declaração Universal dos Direitos do Homem pela ONU (1948), porém, alguns
representantes dos países membros consideraram que as crianças necessitavam de
um documento específico, devido às especificidades de sua faixa etária. Assim foi
promulgada, em 1959, a Declaração dos Direitos das Crianças, apontando o papel da
sociedade de proteger as crianças, que devem ter prioridade e atenção privilegiada, e
de assumir a responsabilidade pelo direito à provisão seja de alimentos, segurança,
educação, recreação, dentre outros. Em 1989, foi realizada uma revisão da
Declaração e escrita a Convenção dos Direitos das Crianças, que detalha vários
aspectos dos seus direitos e acrescenta a perspectiva da participação das crianças
nas decisões relativas à sua própria vida. Finalmente, o reconhecimento das
crianças como atores sociais concretos, pessoas capazes de pensar, imaginar, falar,
brincar, discutir, decidir, isto é, a serem vistas como seres humanos integrais,
sujeitos de direitos.

O reconhecimento dos direitos das crianças em quase todos os países não


garantiu, ainda, o seu cumprimento, mas a sua divulgação estabelece parâmetros e
indica metas e políticas em quase todo o mundo. Ainda existem países nos quais as
crianças têm suas vidas influenciadas pela situação de suas famílias, a cor de sua
pele, seu sexo, sua classe social, sua escolaridade, sua religião. Garantir para todas
as crianças, sem discriminação, educação de qualidade com o direito à
aprendizagem e ao desenvolvimento integral é uma importante responsabilidade de
todos os cidadãos, especialmente dos educadores.

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O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

A construção social do conceito de infância e de criança

As crianças são seres humanos que se caracterizam como grupo social. São
pessoas que estão fazendo as suas iniciações no mundo em que vivemos, elas estão
apreendendo o mundo pela primeira vez. Em determinado ponto de seu
desenvolvimento, os meninos e as meninas deixam de ser crianças e se
transformam em jovens ou adultos. A idade em que isso acontece é variável, cada
sociedade define de acordo com sua cultura, em suas normativas e leis. No Brasil,
segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, elas deixam de ser crianças aos 12
anos; em outros países, pode ser aos 18 ou 20 anos.

É importante distinguir conceitualmente a diferença entre as crianças, que são


sujeitos concretos, são um fenômeno natural, e a infância, que é uma categoria
social. Na sociologia, a infância constitui-se como um grupo etário e é reconhecida
como uma variável geracional. Ela esteve sempre profundamente relacionada aos
primeiros anos de vida, mas muitos campos do conhecimento vêm ampliando esse
conceito como a Sociologia da Infância (SARMENTO, 1997; CORSARO, 2011) e a
Antropologia da Infância (COHN, 2005).

O historiador Philippe Ariès (1978) foi o primeiro a afirmar que a infância não era
uma realidade natural ou um conceito universal, nem uma categoria generalizável,
mas uma construção social que se modificava no tempo e no espaço. Também a
antropologia reconheceu a presença das crianças mostrando como elas fundam
suas culturas infantis a partir dos modos como participam e interagem com o mundo
natural e simbólico (COHN, 2005; ROGOFF, 2005).

Os estudos da psicologia (COLE, 2012; BRUNER, 1997) enfatizaram nos últimos


anos como as crianças são ativas na formulação de sentidos para o mundo em que
vivem, e destacam a importância do protagonismo infantil na elaboração de si
mesmas, nas aprendizagens sociais e na construção da cultura. Por fim, a filosofia da
infância (KOHAN, 2004) contribui com a defesa da ideia de que a experiência de
infância não tem fim, ela permanece para sempre nos adultos.

A sociologia da infância tem três importantes contribuições para a reflexão


sobre a infância: (a) mostrar que a diversidade das infâncias pode ser compreendida
de acordo com as condições de vida e existência das crianças (trabalhadoras,
imigrantes, consumistas, superprotegidas, etc); (b) indicar que a socialização das
crianças não é um processo vertical, isto é, da cultura dos adultos para as crianças,
mas um processo de interação social, por meio do qual a criança se insere de modo
ativo, criativo e crítico na cultura; (c) a perspectiva de que as crianças criam culturas
infantis ao conviverem com outras crianças e realizarem brincadeiras.

Contribuições dos novos estudos sociais da infância para a prática


pedagógica

Os conceitos de criança e infância sofreram uma profunda alteração no último


século. Esta mudança nas concepções está profundamente relacionada com a
exigência de modificações nas práticas educativas das crianças. A imagem que
temos das crianças indica um modo de educá-las. Se as vemos como pessoas

18
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

frágeis, incapazes, deficitárias em relação ao adulto, a atitude do professor será a de


oferecer propostas prontas para elas e considerá-las apenas como executoras
daquilo que foi projetado.

Se os professores, educadores e gestores acreditarem que as crianças são


sujeitos de direitos, capazes de ação e de participação, as propostas pedagógicas
serão muito mais interativas. Haverá uma troca entre os sujeitos adultos e crianças.
A escola acolherá as crianças pequenas com propostas que potencializem as suas
capacidades, oferecerá vivências diversificadas, que ampliem seus modos de ver e
conceber o mundo social, científico, artístico, natural, e que as introduzam num
mundo social plural, afinal, a escola é a primeira experiência de cidadania das
crianças.

As Pedagogias da Infância constituíram-se ao longo dos séculos XX e XXI


procurando responder às inquietações provocadas pelas novas concepções de
criança e infância. Os adultos, na escola, deixam de ser apenas transmissores de
informações e definidores de comportamento para tornarem-se companheiros
experientes na jornada de aprendizagens. Eles estão com as crianças, amparando-
as e desafiando-as, oferecendo tempo e espaço para as brincadeiras e as conversas,
provocando com perguntas, escutando as curiosidades, acompanhando as
investigações, enfim, apoiando as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças.

As belas palavras Aldo Fortunati (2009, p. 8), no poema “Por uma ideia de
Criança”, sintetiza a atual concepção de criança:

Por uma ideia de criança rica,


na encruzilhada do possível,
que está presente
e que transforma o presente em futuro.
Por uma ideia de criança ativa,
guiada, na experiência,
por uma extraordinária espécie de curiosidade
que se veste de desejo e de prazer.
Por uma ideia de criança forte,
que rejeita que sua identidade seja
confundida com a do adulto, mas que a oferece a ele
nas brincadeiras de cooperação.
Por uma ideia de criança sociável,
capaz de se encontrar e se confrontar
com outras crianças
para construir novos pontos de vista e conhecimentos.
Por uma ideia de criança competente,
artesã da própria experiência
e do próprio saber
perto e com o adulto.
Por uma ideia de criança curiosa,
que aprende a conhecer e a entender
não porque renuncie, mas porque nunca deixa
de se abrir ao senso do espanto e da maravilha.

19
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

A imagem de criança ilustrada nesse poema, com base nas atuais concepções
de criança e infância, mostra-nos que é possível rever e potencializar toda a
proposta pedagógica de uma escola, desde a organização do dia a dia, da reflexão
sobre currículo, até repensar qual imagem queremos construir para o adulto
educador.

Referências

ARIÈS, Phillipe. (1989). História social da Criança e da família. Rio de Janeiro, Zahar.

BRASIL. (1990). Estatuto da criança e do adolescente. Disponível em


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm

BRUNER, Jerome. (1997). La educación: puerta de la cultura. Buenos Aires, Visor.

COHN, Clarice. (2005). Antropologia da Criança. Rio de Janeiro, Zahar.

COLE, Michael; COLE, Sheila R. (2004). O desenvolvimento da Criança e do adolescente.


Porto Alegre, Artmed.

CORSARO, Willian A. (2011). Sociologia da infância. Artmed, Porto Alegre.

FORTUNATI, Aldo. (2009). A educação infantil como projeto da comunidade: crianças,


educadores e pais nos novos serviços para a infância e a família – a experiência de San
Miniato. Porto Alegre, Artmed.

GOTTLIEB, Alma. (2009). Para onde foram os bebês? Em busca de uma Antropologia de
bebês (e de seus cuidadores). São Paulo, Revista de Psicologia USP. Disponível em
http://www.scielo.br/pdf/pusp/v20n3/v20n3a02.pdf

GOTTLIEB, Alma. (2012). Tudo começa na outra vida: A cultura dos recém-nascidos no
oeste da África. São Paulo, UNIFESP.

KEY, Ellen. (2015). The education of child. Charleston, Createspacepub.

KOHAN, Walter. (2004). A infância da Educação. Rio de Janeiro, SME. Disponível em


http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0184.html

KORCZAK, Janusz. (1984). O Direito da Criança ao Respeito. São Paulo, Perspectiva.

ONU. (1959). Declaração dos direitos das crianças. Disponível em


http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex41.htm

ONU. (1989). Convenção dos direitos das crianças. Disponível em


https://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf

ROGOFF, Barbara. (2005). A natureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre,


Artmed.

SARMENTO, Manuel J. (1997). As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o


campo. In: PINTO, M.; SARMENTO, M .J. (Coords.) As crianças: contextos e identidades.
Braga, Universidade do Minho. Disponível em
https://pactuando.files.wordpress.com/2013/08/sarmento-manuel-10.pdf

________________ . (2002). Imaginário e culturas da Infância. Disponível em


http://titosena.faed.udesc.br/Arquivos/Artigos_infancia/Cultura%20na%20Infancia.pdf

20
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

1.2 A Base Nacional Comum Curricular e o Currículo


Escolar
a a
Prof . Dr . Maria Carmen Silveira Barbosa

Apesar de ter sua articulação iniciada em 2015, a discussão sobre a


necessidade de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) começou a ser gestada
em 1988, na Constituição Federal. O seu Artigo 210 aponta que devem ser fixados
“conteúdos mínimos para o ensino fundamental”, com o objetivo de “assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais”. O mesmo artigo defende ainda a importante ideia de igualdade entre
todos os estudantes brasileiros. Nesse sentido, as escolas ficam comprometidas,
independentemente da região geográfica, a ofertar saberes e conhecimentos
semelhantes para todas as crianças, independentemente de classe social, sexo,
raça, etnia, religião.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394, de 1996), ao falar


em currículo no seu Artigo 25, aprofunda e atualiza a concepção curricular anterior
como uma lista de conteúdos mínimos. Ela deixa claro que o currículo será formado
por uma “Base Nacional Comum”, isto é, uma parte homogeneizadora dos
conhecimentos tendo em vista a igualdade, mas, por outro lado, afirma que esta
Base Nacional Curricular precisará ser complementada, “em cada sistema de ensino
e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada”, o que se refere ao respeito à
diversidade social do país.

Somente em 2013, com a revisão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional, a decisão sobre a elaboração de uma Base Nacional Comum para a
Educação Infantil fica definida. Com relação ao que deverá conter a parte
diversificada, foi acordado que serão as questões relativas às características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. Portanto,
a publicação de uma BNCC para a Educação Infantil, no ano de 2017, exige dos
profissionais de educação e dos envolvidos com a escola, sejam eles gestores,
professores, familiares, uma grande revisão e compreensão da normativa, que
deverá ser implementada em todas as escolas, preferencialmente até 2019 e, no
máximo, até 2020, conforme a Resolução n. 2, de 2017, do Conselho Nacional de
Educação.

Expandir os temas transversais e realizar a elaboração de objetivos de


aprendizagem e desenvolvimento complementares, voltados à parte diversificada
do currículo, será necessário por parte de cada escola ou sistema de ensino para
garantir o enriquecimento e a complementação curricular, visando à identidade do
seu projeto pedagógico.

21
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Direitos de aprendizagem e campos de experiências

As Diretrizes Curriculares da Educação Infantil (2009) definem as interações e


as brincadeiras como os dois grandes eixos da Educação Infantil, e afirmam a
indissociabilidade entre o cuidar e o educar na educação das crianças pequenas. A
definição de Currículo como um conjunto de práticas que buscam articular as
experiências e saberes das crianças com os conhecimentos que circulam na cultura
mais ampla, e que despertam o interesse das crianças, inaugura uma nova maneira
de compreender o currículo, não como conteúdo abstrato situado fora da vida, mas
como vivências e experiências das crianças na escola. Um currículo como intenções,
ações e interações presentes no cotidiano.

Na Educação Infantil, entende-se hoje que o currículo precisa favorecer


“experiências que permitam às crianças a apropriação e a imersão em sua sociedade,
através das práticas sociais de sua cultura, das linguagens que essa cultura produz,
e produziu, para construir, expressar e comunicar significados e sentidos” (BRASIL,
2009, p. 1).

Os princípios defendidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Infantil (DCNEI, 2009) foram sintetizados em seis grandes direitos de
aprendizagem. Como princípios éticos estão o conviver e conhecer-se; como
tradução do princípio político, temos o participar e o expressar e, como princípio
estético, o brincar e o explorar. Esses direitos sintetizam importantes ações das
crianças frente ao mundo, ao conhecimento e à sua experiência de construção de
subjetividade.

O modo de organização pedagógica da BNCC foi definido no Plano Nacional de


Educação (PNE/2014), porém, na Educação Infantil, a Base apresenta uma
organização peculiar. Primeiro, ela não está organizada por disciplinas ou áreas de
conhecimento, mas por Campos de Experiência, e os objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento não seguem uma seriação anual, mas um grupo etário.

Os Campos de Experiência foram estruturados a partir do Artigo 9º das DCNEI,


explorados a partir dos “mundos cotidianos de experiências das crianças” (BORGHI &
GUERRA, 1992), isto é, o mundo das brincadeiras e das interações das crianças, de
onde emergem as observações, as investigações, as perguntas e outras ações das
crianças, articuladas pelas propostas oferecidas pelas professoras.

Tratam-se de âmbitos do fazer e do agir próprios das crianças, do qual o adulto


torna-se um válido apoiador, observando atentamente o que acontece, aumentando
a potencialidade da mesma ação, ajudando a colher os significados e as descobertas
que constantemente se revelam (ZUCCOLI, 2015, p. 209).

Cada Campo de Experiência oferece um conjunto de objetos, situações,


imagens, ações e linguagens relacionadas às práticas sociais e culturais realizadas
na vida cotidiana da escola e aos sistemas simbólicos de nossa cultura, que estão
presentes nas canções, nos jogos, nas histórias, nos desenhos. Os Campos de
Experiência não são disciplinares, mas integrados, pois as experiências das crianças
são interdisciplinares.

22
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

No início do século XX, John Dewey (1967) já criticava as escolas que fixavam
sua atenção mais na importância e na sequência das matérias do programa do que
no conteúdo da experiência da própria da criança. Tais escolas, segundo o autor,
deixavam de lado a vida da criança, as particularidades individuais, as fantasias e as
experiências pessoais da criança, subordinando “a vida e a experiência da criança ao
programa”, transformando “estudo” em fadiga e “lição” em tarefa (DEWEY, 1967, p.
45-46).

Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças apresentados


na BNCC (2018) procuram elencar situações recorrentes no espaço escolar,
apontando a possibilidade de sua manifestação no cotidiano de brincadeiras e
interações das crianças. Mais que objetivos são direitos de todas as crianças
brasileiras e devem ser complementados com a parte diversificada do currículo a ser
produzida de acordo com as realidades locais.

Referências

BRASIL. (2018). Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – Educação é a


Base. Brasília, MEC. Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em
26/12/18.

BRASIL. (1988). Constituição Federal. Brasília, DF, Câmara dos Deputados/Biblioteca


Digital. Disponível em file:///C:/Users/Usuario/Downloads/constituicao_federal_35ed.pdf

BRASIL. (2010). Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação


Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental. Brasília, MEC/CNE.

BRASIL. (2009). Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Resolução Nº 5, de


17 de dezembro de 2009. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
Disponível em
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2298-
rceb005-09&Itemid=30192. Acesso em 02/03/17.

BRASIL. (1996). Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e


Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília:
1996. Brasília, DF. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L9394.htm.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Secretaria de Educação Básica. Parecer nº 20, de


11 de Novembro de 2009. Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil. Brasília, CNE/SEB. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2097-
pceb020-09&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192.

BRASIL. (2009). MEC/ SEB/COEDI. Práticas cotidianas na educação infantil - bases para a
reflexão sobre as orientações curriculares. Consultora Maria Carmen Silveira Barbosa.
Brasília, MEC. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf

ZUCOLLI, Franca. (2015). As indicações nacionais italianas: campos de experiência e arte.


In: Campos de experiências na escola da infância. Contribuições italianas para inventar
um currículo de educação infantil brasileiro. Campinas, Leitura e Crítica. Disponível em
https://pt.scribd.com/document/302974726/Campos-de-experiencia-na-escola-da-
infancia

23
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

1.3 Algumas Especificidades da Docência na Educação


Infantil
a a
Prof . Dr . Maria Carmen Silveira Barbosa

Corpo, afetividade e ludicidade

Na Educação Infantil, o corpo da professora precisa, muitas vezes, ser


compartilhado com as crianças. Ele é o lugar seguro do colinho do bebê, é o balanço num
momento de tristeza, faz uma corrida para apoiar uma subida imprevista no
escorregador. A professora tem um corpo em movimento, um corpo que abraça, oferece
a mão, sustenta outro corpo e convida para brincar. Além desse corpo disponível ao
outro, a educadora infantil precisa se alfabetizar nas múltiplas linguagens das
crianças, transformar-se em uma tradutora de gestos, de palavras incompletas, de
histórias que não tem fim, de brigas por dificuldade de comunicação.

À professora de Educação Infantil também são exigidas suas emoções e


afetividade. Ela precisa criar vínculos com as crianças, apresentar empatia nas
diferentes situações com adultos e crianças, isto é, colocar-se no lugar do outro.
Oferecer, por meio de sua prática pedagógica, confiança para as crianças e suas
famílias. Desenvolver capacidades sociais, corpóreas, relacionais, pessoais, num
contexto de pouco apoio institucional na formação inicial e na formação continuada. É
uma atitude muitas vezes extenuante.

Como a ludicidade é um foco central na docência com as crianças pequenas, o(a)


professor(a) de Educação Infantil constituir-se-á como um ser brincante, um adulto que
sabe escolher e fazer brinquedos que possam ser brincados pelas crianças, uma adulta
capaz de acompanhar as brincadeiras das crianças com o olhar e a escuta e, quando
necessário, fazer interações que engrandeçam a brincadeira. Enfim, uma professora
que necessita constituir um amplo repertório de brincadeiras, cantigas, brinquedos e
histórias cantadas, rodas, pois este patrimônio cultural precisa ser transmitido para as
novas gerações, e, atualmente, as escolas de Educação Infantil são os grandes espaços
de encontro para as crianças pequenas.

Além de grande multiplicidade de saberes e fazeres com as crianças, a professora


de crianças pequenas precisa constituir uma boa relação com as famílias e a
comunidade, pois essa docência exige muito diálogo e colaboração. Mas também será
uma professora inventiva, criadora de práticas pedagógicas emancipatórias. Cada vez
mais se observa que os instrumentos didáticos trabalhados no Ensino Fundamental
não são os mais adequados para a ação pedagógica na Educação Infantil. No Brasil, tem
havido grande ênfase na construção de uma Pedagogia da Infância, por meio da qual as
principais variáveis pedagógicas rompem com a didática linear e tradicional.

25
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Por uma didática emancipatória

Ao pensar em uma ação pedagógica assentada no cotidiano e nas vivências e


experiências das crianças, as variáveis da didática se modificam. Uma didática com
crianças pequenas inicia com a organização dos espaços internos e externos de
convivência, de modo a propiciar as interações entre as crianças, pelas explorações
que realizam no mundo. Construir um ambiente em que as atividades imediatas das
crianças se confrontem com situações-problemas que exijam conhecimentos da
esfera científica, artística, motora, dentre outras, para resolvê-los. Realizar a
seleção de materialidades – objetos, brinquedos, tintas, figuras, blocos de
construção, adequadas e desafiadoras para as crianças em suas incursões pela sala
e no pátio da escola. Requer a organização do tempo, para que possamos escutar as
crianças, responder-lhes com gentileza e astúcia, e acompanhá-las nos mundos que
elas constroem em suas brincadeiras.

A função docente na Educação Infantil está situada na intenção pedagógica de


planejar tempos, espaços e materialidades que possibilitem às crianças se sentirem
desafiadas a criar, inventar, construir ações individuais e em grupo. A
intencionalidade é aberta, pois todas as ações infantis são consideradas, não
havendo resposta única.

Organizar a vida do grupo, a rotina das crianças, é um dos modos de inverter


uma pedagogia para as crianças em uma pedagogia com as crianças. Como é o
ambiente em que vivemos e que compartilhamos? O que poderíamos fazer com ele
para ficar mais habitável? Quem são as pessoas que convivem conosco na escola?
Como se chamam nossos colegas? Que qualidades eu reconheço nos meus
amigos/as. As crianças aprendem a conviver e a se conhecer estando junto com as
outras crianças. Dar visibilidade aos relacionamentos, as suas alegrias e as suas
dificuldades é uma tarefa importante na Educação Infantil.

Currículo construído no cotidiano, a partir de projetos com as crianças, as


famílias e a comunidade

John Dewey (1967) criticava a oposição entre ter atenção às experiências e aos
interesses das crianças e a existência de um programa ou estudo sistemático. Para o
autor, não são oposições, mas uma linha contínua. Os conhecimentos científicos
podem apoiar o professor visando à continuidade da experiência, para torná-la mais
rica e complexa. Não há uma oposição entre a experiência da criança e os saberes e
conhecimentos sistematizados pela cultura.

Uma didática da Educação Infantil pauta-se em algumas ferramentas de


trabalho como a observação, o registro, a análise da experiência vivida, o
planejamento coletivo (FREIRE, 1988). Adotar a experiência de cada criança como
ponto de partida demanda a compreensão de que cada uma delas dispõe de
conhecimentos próprios, conforme sua experiência prévia, vivência em diferentes
famílias, comunidades, com especificidades nas suas condições de vida, como o
pertencimento a determinada etnia, classe social, sexo, experiência cultural, e
requer formas educativas diversas para atender seus interesses e necessidades.

26
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Após a escuta contínua das crianças, das observações realizadas em


momentos diversificados, o grupo de crianças, com o apoio dos adultos, pode
identificar qual a experiência quer ampliar em conjunto. Isto requer um plano, uma
programação que vá detalhando a reorganização do espaço, do tempo, dos materiais
e das interações para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças.

O desenvolvimento de um projeto com as crianças pequenas é como produzir e


escrever uma história de aprendizagens. É relacionar as histórias de vida de cada
criança e da professora com aquele elemento de aprendizagem comum a todos e,
pouco a pouco, ir construindo uma narrativa, formulada coletivamente na ação de
aprender. Supõe mudarmos a concepção predominante da aprendizagem como
aquisição e acumulação para uma concepção de aprendizagem enquanto um
processo de experiência e narração.

Ser professor/a em uma escola de Educação Infantil significa estar junto com
as crianças procurando estabelecer conexões entre os mundos cotidianos onde elas
vivem, criam experiências, estabelecem relacionamentos, formulam perguntas,
expressam suas dúvidas e inventam modos de ser criança, com as histórias criadas
pela humanidade para conhecer e explicar o mundo, com as brincadeiras
tradicionais e universais que nos ligam, com a observação e preservação da
natureza, com as possibilidades expressivas e comunicativas da arte e da cultura,
com as construções científicas e tecnológicas do mundo e, principalmente,
oferecendo tempo e espaço para a palavra, a conversa, o diálogo – prática
fundamental para a vida em cooperação e em solidariedade.

Referências

DEWEY, John. (2010). Experiência e educação. Petrópolis, Vozes.

FREIRE, Madalena. (1998). A paixão de conhecer o mundo. São Paulo, Paz e Terra.

27
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

20
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

1.4 Relações do Corpo na Infância


Profa. Dra. Emília Cipriano Sanches

A criança é feita de cem.


A criança tem
cem mãos
cem pensamentos
cem modos de pensar
de jogar e de falar.
Cem sempre cem
modos de escutar
as maravilhas de amar.
Cem alegrias
para cantar e compreender.
Cem mundos
para descobrir.
Cem mundos
para inventar.
Cem mundos
para sonhar.
A criança tem cem linguagens
(e depois cem cem cem)
mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
lhe separam a cabeça do corpo [...]
(MALAGUZZI, 2016, p.8).

Há uma discussão multidisciplinar que se faz atualmente nas Ciências Sociais e


Humanas, especialmente na Sociologia, Pedagogia, História e Antropologia,
referente à questão do corpo na modernidade. As epistemologias sobre o corpo
compreendem o seu significado em dimensões filosófica, social, cultural, biológica,
econômica, política e histórica e, na complexidade dos conceitos de Infância e
Criança, estudar a criança pequena também requer estudar o corpo, pois tais
conceitos nos levam a pensar que essas áreas – todas – têm que dialogar.

Para essa reflexão, alguns apontamentos são importantes e iniciamos pela


recente pesquisa de Arroyo (2012) sobre a Infância, na qual o autor faz uma
discussão conceitual na busca de articular duas vertentes – a análise do
desenvolvimento do corpo infantil com a construção social e cultural da Infância.
Nesse sentido, Sarmento (apud ARROYO, 2012, s/n) destaca que “a pesquisa sobre
criança tem enfatizado uma ou outra vertente, mas raramente se constitui como um

29
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

pensamento integrador das dimensões biológicas do desenvolvimento infantil com


as dimensões decorrentes da administração simbólica da infância”.

Silva (2012, p. 218) explica que o corpo é um retrato, uma radiografia do social,
portanto, se entendermos a Infância como construção social, sem dúvidas o corpo é
algo que tem uma dimensão cultural, política e histórica, e tem um objeto de
investimento coletivo, marcado por práticas, distinção e discursos – o corpo da
criança como um corpo-objeto.

A ‘infância é a única pátria do homem’ e o ‘corpo é a pátria’, à medida que se


articulam, dialeticamente, principalmente, se pensarmos as políticas do
corpo e as políticas públicas para a infância em suas dimensões histórico e
socioculturais. Assim, pode-se pensar o corpo das crianças em movimento
nos tempos e espaços formais, não formais e informais, como um
‘território em disputa’ no ponto de vista político-pedagógico das instâncias
do currículo [...] (LE BRETON, 2007, apud SILVA, 2012, p. 218-219).

As políticas públicas e as práticas pedagógicas para a Infância têm de pensar


nos tempos e nos espaços formais, não formais e informais que permitem às
crianças explorarem o movimento em todo seu potencial. A expressão do corpo em
movimento traz o gesto, o hábito, o rito e as práticas corporais que, para a criança
pequena, são entendidas como a linguagem do corpo, uma das mais importantes
nessa fase de vida. O corpo é reconhecido como uma das categorias constituidoras
da ação social dos bebês (COUTINHO, 2012).

Com o corpo (por meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou


intencionais, coordenados ou espontâneos), as crianças, desde cedo,
exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem
relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre si,
sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se,
progressivamente, conscientes dessa corporeidade. Por meio das
diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de
faz de conta, elas se comunicam e se expressam no entrelaçamento entre
corpo, emoção e linguagem. As crianças conhecem e reconhecem as
sensações e funções de seu corpo e, com seus gestos e movimentos,
identificam suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo, ao mesmo
tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode ser um risco à sua
integridade física. Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha
centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas
de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para
a submissão (BRASIL, 2010, p. 38-39).

Arroyo (2011) afirma com propriedade que a relação de poder que envolve os
currículos não pode ser considerada como um território somente de disputas de
concepções teóricas. A disputa atual se constitui pelos sujeitos da ação educativa –
educando e educador – a serem considerados como sujeitos de experiências sociais
e de saberes que requerem estar presentes no currículo.

30
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

[...] o processo de seleção e articulação dos conteúdos programáticos em


creches e pré-escolas só atingirá os desejos, interesses e as necessidades
das crianças, ou seja, o mais significativo da vida das crianças, se realizado
a partir da leitura articulada, pelo professor, das diferentes linguagens a
partir das quais as crianças se produzem e se inscrevem no dia-a-dia de
sua vida, seja em família, seja na escola de educação infantil. [...] só a partir
do momento em que a professora conhece pessoalmente os seus alunos,
com a chegada deles, no início do ano, à escola; e continua a conhecê-los,
pelas trocas de leituras e diálogos produzidos entre ambos na convivência
cotidiana da vida do grupo, é que ela terá elementos para chegar aos
conteúdos mais significativos da vida daquelas crianças, e problematizá-
los juntos a elas (JUNQUEIRA FILHO, 2005, p.13).

Quanto ao conteúdo programático e sua relação dialógica, Freire (1987)


complementa que,

[...] o diálogo começa na busca do conteúdo programático: daí que, para


esta concepção (de educação) como prática liberdade, a sua dialogicidade
comece, não quando o educador-educando se encontra com seus
educandos-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando
aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta
inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do
conteúdo programático da educação (FREIRE, 1987 apud JUNQUEIRA FILHO,
2005, p.22).

Relação corpo-espaço

O professor da Educação Infantil precisa desenvolver a sua sensibilidade para


perceber o corpo da criança em movimento. Para isso, terá que perceber que esse
corpo não está desconectado da mente e que o movimento e a expressão corporal
não estão dissociados de todas as relações que a criança tem no seu espaço. O corpo
da criança retrata o seu espaço, como por exemplo, o tipo de andar, os gestos, o
ombro caído, a expressão de tristeza, a relação que esta tem com a própria postura
de ficar de pé, ou seja, tudo isso envolve uma leitura para identificar o que a criança
está revelando ao educador.

O que o corpo da criança revela para o professor da Educação Infantil é muito


significativo, porque ela lê o corpo antes mesmo de ler a palavra. As crianças, às
vezes, falam confirmando alguma coisa e os seus corpos negam aquilo que elas
estão falando. E, se a observação do educador for precisa, tem uma possibilidade que
os outros profissionais não têm, de ser abraçado pelas pernas – as crianças abraçam
as nossas pernas e, nesse gesto, transmitem, inclusive, as suas emoções, o que
podemos compreender como uma relação entre a cultura das próprias dimensões de
afetos.

As crianças sentadas o tempo todo, enfileiradas e em silêncio são crianças em


que o corpo não reage, não vibra, não dança e não cria, sem dúvida não possibilita

31
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

vivenciar todas essas experiências. A cultura corporal é uma cultura muito forte. O
corpo se manifesta em movimentos criativos e críticos, possuindo um elemento que
contribui para o pensamento da criança. Tudo aquilo que faz a criança trabalhar com
o corpo também trabalha o seu pensamento.

O professor precisa entender que os movimentos são importantes para não


haver o engessamento do corpo e, principalmente, da mente. Às vezes, quando o
professor está desenvolvendo uma atividade e deita no chão com as crianças ou,
ainda, quando elas estão fazendo aquela descida na terra, em um labirinto da Escola,
por exemplo, podemos afirmar que não é simplesmente uma atividade isolada,
muito pelo contrário. Na movimentação do corpo está fluindo todo o seu
pensamento, a sua energia e as suas possibilidades. Esse movimento não é apenas
uma manifestação mecânica, mais do que isso, é uma expressão de vida. Portanto,
quanto mais desenvolvermos o corpo das crianças em todas as ações educativas,
mais estaremos desenvolvendo a sua mente, abrindo o seu pensamento. O corpo é
de uma natureza importante no que se refere à maturação do próprio sistema
nervoso da criança.

Movimento, jogo e afetividade

Na Educação Infantil, as relações corpo-sujeito-criança, juntamente com o


jogo, são bases para o trabalho do educador. O jogo, por exemplo, é estratégia muito
significativa para trabalhar com o corpo, porque jogar implica em negociar
combinados, em organizar ideias. Vamos refletir a respeito do jogo do passa anel,
que é um jogo clássico – aquela menina que está com o anel escondidinho nas mãos,
quando passa nas mãos das outras, ela não poderá demonstrar com o seu corpo
quem está recebendo o anel; e aquela criança que está recebendo o anel não poderá
fazer uma expressão corporal que dê pistas aos demais participantes de que o anel
está com ela. Esse jogo é simbólico e profundo, pois requer uma sinergia, uma
energia e, principalmente, uma sintonia entre essas crianças. Essa é a expressão do
corpo da criança que não pode ser retirada do olhar de investigação do educador.

A ênfase à valorização do movimento na Educação Infantil verifica-se, ainda,


na dimensão afetiva do movimento, porque o corpo da criança expressa emoção e,
nesse sentido, há um ponto importante a ser discutido, das obras de Henri Wallon,
que é o ato motor, o mundo físico e a motricidade em relação direta com o
movimento.

Quem não brincou daquele cabo de ferro, o jogo em que você vai puxando uma
corda, cada um de um lado, e a força que você estabelece representa todo um
movimento de equipe, grupo, intenção, que são construções que a criança está
realizando, não só fisicamente mas mentalmente e relacionalmente. Nesse
momento, a criança é um todo e a gente fala o tempo todo da integralidade do ser. É
impossível falar da integralidade do ser sem trazer os corpos, sem trazer essa
referência.

Falar de movimento na Educação Infantil implica em discutir princípios, um


deles é a formação do professor para essa dimensão de trabalho com o corpo. Às
vezes, o seu próprio corpo não está em movimento, e isso fica muito evidente na

32
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

relação com as crianças. Quando o educador trabalha a formação integral, não é só


para a criança, mas também para si mesmo, como um corpo que se expressa.

As relações e os conteúdos têm que compor as ações desenvolvidas pelos


educadores, e estes perceberem que o corpo tem que estar presente não só em
algumas ações, mas em todas. Em uma música, por exemplo, as crianças interagem
com o corpo, o movimento expressa uma letra e, também, o que a sonoridade e a
musicalidade trazem. Essa manifestação não é uma receita para fazer com o corpo,
nem deve ser uma imitação coreográfica dos adultos, mas sim a própria criança
explorando e descobrindo o seu corpo.

A roda de conversa é outro exemplo de atividade que tem um movimento


próprio quando as crianças levantam, sentam ou expressam alguma coisa. As
culturas infantis se expressam por meio desse processo, o domínio dos símbolos
tratados pela criança, a questão da exploração da linguagem nas narrativas, entre
outras. Se eu vou contar uma história, como é que o meu corpo vai retratar isso? E o
meu tom de voz, o movimento das minhas mãos, dos meus braços e das minhas
pernas? Todos falando juntos!

É preciso reconhecer que temos observado pouco a criança em sua


integralidade e na linguagem do seu corpo. Nós estamos muito mais em uma posição
de observadores e expectadores, do que de protagonistas do espetáculo da vida. E
quem gosta de literatura sabe disso, um texto onde você coloca o seu corpo para
falar junto com o poema, aquele corpo é compreendido de outras formas, pois atinge
a sensibilidade, a relação com o próprio exercício do pensamento e, assim,
estabelece a questão da emoção do pensar sobre aquilo, e o corpo é a grande
mediação desse processo.

Precisamos ainda reconhecer que o corpo, o movimento e o jogo estão


intimamente ligados aos processos criativos; portanto, como seria possível
desenvolver um processo criativo sem que o corpo se manifeste? A cultura corporal
de movimento na Educação Infantil é uma cultura que faz com que as crianças se
juntem pelo tempo do lúdico, dos sentidos e significados. Por isso é importante que,
desde muito cedo, elas possam brincar. A brincadeira é uma maneira de ser homem
no mundo. Nesse contexto, é lúdica e leva em conta a relação com outras crianças,
pais e mães e famílias na organização, a partir da própria produção dessa cultura.

O corpo da criança é educado, treinado e disciplinado por meio de rotinas, da


regulamentação do tempo, espaço e do movimento na vida cotidiana, que institui e
normatiza os tempos fixos. O corpo é lúdico, um corpo brincante – você também pode
tirar dele a possibilidade de expressão. Nessa perspectiva, precisamos tanto
estabelecer quanto flexibilizar as rotinas. Quando uma criança está no meio de um
jogo e é retirada daquele espaço porque tem que cumprir outra tarefa, a ação de
retirá-la está quebrando uma descoberta que poderia ser um movimento forte. A
Escola da Infância precisa considerar os ritmos das crianças e aquilo que o adulto
tem como ritmo.

Trabalhar com o corpo é também a manifestação dos direitos que as crianças


têm de viver suas Infâncias, e nós não temos o direito de roubar a Infância das
Crianças. Nossas práticas pedagógicas com as crianças pequenas devem

33
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

considerar, potencializar e refletir todas as dimensões das relações do corpo.

Referências

ARROYO, Miguel G. (2011). Currículo, território em disputa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

ARROYO, Miguel G.; SILVA, Maurício R. da (Orgs.). (2012). Corpo Infância – exercícios tensos
de ser criança por outras pedagogias dos corpos. Petrópolis, Vozes.

BRASIL. (2013). Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de


Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação
Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Ministério da
Educação/Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC/SEB/DICEI. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=comdocman&view=download& alias=13448-
diretrizes-curiculares-nacionais-2013-pdf&Itemid=30192

BRASIL. (2010). Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes


Curriculares para a Educação Infantil. Brasília, MEC/SEB. Disponível em:
http://basenacional comum.mec.gov.br/images/ BNCC_20dez_site.pdf

COUTINHO, Angela Maria Scalabrin. (2012). O corpo dos bebês como lugar do verbo. In:
ARROYO, Miguel G.; SILVA, Maurício R. da (Orgs.). Corpo Infância – exercícios tensos de ser
criança por outras pedagogias dos corpos. Petrópolis, Vozes.

JUNQUEIRA FILHO, Gabriel de Andrade. (2005). Linguagens Geradoras – seleção e


articulação de conteúdos em educação infantil. 8ª ed. Porto Alegre, Mediação.

MALAGUZZI, Loris. (2016). In: EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As Cem
Linguagens da Criança: a abordagem de Reggio Emília na Educação da Primeira Infância.
Vol. 1. Trad. Dayse Batista. Porto Alegre, Artmed.

SILVA, Maurício R. da. (2012). Exercícios de ser criança – o corpo em movimento na


Educação infantil. In ARROYO, Miguel G.; SILVA, Maurício R. da (Orgs.). Corpo Infância –
exercícios tensos de ser criança por outras pedagogias dos corpos. Petrópolis, Vozes.

34
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

APORTES
TEÓRICOS E
METODOLÓGICOS
DO PUFV PARA A
EDUCAÇÃO
INFANTIL

Parte 2
27
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

28
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

2.1 Experiências de Aprendizagem por Projetos na


Educação Infantil
Prof. Dr. Ricardo Casco

O presente texto tem como objetivo apresentar algumas contribuições das


experiências de Educação Infantil (EI), que se apropriam dos princípios e práticas das
pedagogias ativas, particularmente, a pedagogia de projetos – perspectiva
pedagógica adotada pelo Programa A União Faz a Vida para a promoção das
experiências de aprendizagens escolares. Para tanto, serão mobilizadas
contribuições de experiências exitosas, concebidas em diferentes períodos
históricos e países. Será dado destaque à pedagogia de projetos para a EI proposta
por Kartz e Chard (1997); às contribuições da experiência estadunidense da Bank
Street (Oliveira, 1994); à experiência italiana de Reggio Emilia e às contribuições
desenvolvidas por Madalena Freire (2007). Os destaques selecionados das
diferentes correntes não serão apresentados separadamente. O texto foi construído
de maneira a fazer comparecer as contribuições dessas experiências educacionais
para a compreensão de alguns dos principais elementos constitutivos dessa
abordagem pedagógica.

Notas sobre a pedagogia de projetos

A pedagogia de projetos é uma perspectiva educativa que tem como uma de


suas principais bases epistemológicas a teoria do conhecimento desenvolvida por
John Dewey, durante a primeira metade do século XX, nos Estados Unidos. Segundo
Westbrook (2010), Dewey compreendia que a criança em idade escolar teria quatro
“impulsos” cujo exercício promoveria o seu crescimento ativo: o impulso de
comunicar, o de construir, o de indagar e o de expressar-se. O exercício necessário
para o crescimento da criança se dá mediante a experiência ativa com aspectos da
vida social que lhe suscitam interesse, considerando a escola instância importante
para sua promoção. Dewey considerava as crianças e também os adultos “seres
ativos que aprendem mediante o enfrentamento de situações problemáticas que
surgem no curso das atividades que merecerem seu interesse” (WESTBROOK, 2010,
p.15).

Ainda segundo Westbrook (2010), Dewey compreendia que uma educação


eficaz necessita de um professor que explore as tendências e interesses, orientando
os educandos rumo às aprendizagens científicas, históricas ou artísticas. Sua teoria
concebe o conhecimento como fruto dos esforços humanos para resolver os
problemas que a experiência social lhe apresenta, e deve se voltar para a promoção
de uma sociedade democrática. Considerava a escola uma instituição importante
para a formação política dos educandos, e que os conhecimentos por ela mediados

37
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

deveriam estar a serviço da democracia, do bem-estar da comunidade e de toda a


sociedade. Essa perspectiva reconhece que a educação para a democracia requer
que a escola se transforme no lugar de vida provisório para a criança, uma instituição
que a considere como um membro da sociedade, a fim de que tendo consciência de
seu pertencimento para ela contribua. Enfim, a escola deve constituir-se numa
comunidade cooperativa, orientada para o bem comum.

A escola é o lugar dos desafios do presente. Tal perspectiva afasta-se da


concepção de uma escola voltada apenas para a preparação para o futuro, pois o que
interessa à criança ocorre no presente vivido. As práticas pedagógicas calcadas nos
princípios desenvolvidos por Dewey, portanto, preconizam ações educativas que
possibilitem aos alunos terem experiências vivas, dinâmicas, mobilizadoras de
conhecimentos significativos compartilhados, consubstanciadas em atividades que
possibilitem exercitarem seus “impulsos” de comunicar, de construir, de indagar e
expressar-se.

Dentre as diferentes correntes pedagógicas inspiradas no ideário de John


Dewey, a pedagogia por projetos constitui uma de suas mais emblemáticas
expressões.

Katz e Chard (1997) destacam que:

Nalguns países, o trabalho de projeto é referido como sendo um tema ou


tópico de trabalho. Noutros, um projeto é referido como sendo uma
unidade. Alguns professores combinam o trabalho de projeto com uma
abordagem de um centro de aprendizagem. Embora os significados desses
termos variem de alguma forma, todos eles dão ênfase à parte do currículo
que incentiva as crianças a aplicar as suas capacidades emergentes em
atividades informais e abertas que são destinadas a melhorar a
compreensão do mundo em que vivem (Idem, p. 1).

Como salientam as autoras, se a adoção da perspectiva de projetos pode


variar, sendo um tema, um tópico, uma unidade ou um centro de aprendizagem,
independentemente do espaço que ocupe no cotidiano escolar, as atividades
reunidas sob essa perspectiva aberta implicam no desenvolvimento das
capacidades emergentes das crianças, tendo como objetivo favorecer a sua
compreensão sobre o mundo em que vivem. Nesse sentido, pode-se afirmar que a
perspectiva dos projetos constitui-se numa poderosa estratégia pedagógica para
favorecer as aprendizagens infantis.

Na pedagogia por projetos, as crianças são incentivadas a explorar temáticas,


formular perguntas, confrontar hipóteses, construir ambientes, representar suas
ideias por meio de diferentes suportes, comunicarem-se por meio de diferentes
linguagens, expressar seus sentimentos e adquirir conhecimentos sobre o mundo
em que vivem.

38
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Currículo e interesses emergentes

Rinaldi (1999) comenta sobre aspectos importantes com relação às diferentes


compreensões sobre o trabalho docente na definição das formas de planejamento
do currículo e das atividades escolares voltadas para as crianças da Educação
Infantil.

Dois pontos de vista contrastantes têm sido enunciados. O primeiro define


o planejamento como um método de trabalho que estabelece de antemão
objetivos educacionais gerais, juntamente com objetivos específicos para
cada atividade. O segundo define o planejamento como um método de
trabalho no qual os professores apresentam objetivos educacionais
gerais, mas não formulam objetivos específicos para cada projeto ou cada
atividade de antemão. Em vez disso, formulam hipóteses sobre o que
poderia ocorrer, com base em seu conhecimento das crianças e das
experiências anteriores. Juntamente com essas hipóteses, formulam
objetivos flexíveis e adaptados às necessidades e interesses das crianças,
os quais incluem aqueles expressados por elas a qualquer momento
durante o projeto, bem como aqueles que os professores inferem e trazem
à baila à medida que o trabalho avança. Esse segundo tipo de
planejamento é chamado por nós de “currículo emergente” (RINALDI, 1999,
p.113).

O primeiro ponto de vista, destacado por Rinaldi (1999), aproxima-se mais de


uma pedagogia por objetivos, segundo a qual o professor fixa de antemão os
objetivos gerais e específicos das atividades escolares. O segundo posicionamento
caracteriza-se por dar importância ao currículo emergente, que, no âmbito da
experiência de Reggio Emilia, caracteriza a abordagem de projetos de trabalho.
Como se pode notar, nessa perspectiva, é dada centralidade para as necessidades e
interesses das crianças. O reconhecimento de suas necessidades e interesses, que
se faz por meio da observação das brincadeiras espontâneas, do jogo livre da
criança, é uma estratégia fundamental no processo de desenvolvimento dos
projetos da turma. Porém, isso não quer dizer que a intenção de ensinar do professor
esteja ausente no processo.

Como salienta Rinaldi (1999), os professores podem inferir e apresentar


possibilidades de exploração de temas, porém, na concepção de Reggio Emila, a
ênfase é direcionada para os interesses emergentes das crianças, expressos
durante suas atividades espontâneas. Ainda segundo Rinaldi (idem), a concepção de
base dessa perspectiva pedagógica não se encerra apenas na compreensão da
importância de se reconhecer as necessidades e interesses infantis. As crianças são
compreendidas como

[...] ricas, fortes e poderosas. A ênfase é colocada em vê-las como sujeitos


únicos com direitos, em vez de simplesmente com necessidades. Elas têm
potencial, plasticidade, desejo de crescer, curiosidade, capacidade de
maravilharem-se e o desejo de relacionarem-se com as outras pessoas e
de comunicarem-se (RINALDI, 1999, p. 114).

39
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Compreender as crianças como sujeitos de direitos implica em


desdobramentos importantes para o planejamento do currículo e das atividades
escolares direcionadas para a Educação Infantil. A primeira consequência dessa
compreensão define uma ação pedagógica que rompe com a tradição didática na
qual o professor é o transmissor de conhecimento, cabendo à criança a passividade.
Segundo Rinaldi (1999): “Estamos falando sobre uma abordagem baseada em ouvir
ao invés de falar, em que a dúvida e a fascinação são fatores bem vindos, juntamente
com a investigação científica e o método dedutivo do detetive” (idem, p.114).

Outra implicação importante é a ênfase na aprendizagem em grupo. Isto


porque, como Vigotsky (2007) pode analisar, as crianças aprendem mais e melhor
quando colocadas em situações grupais, já que no interior do grupo podem trocar
experiências, comparar hipóteses, aprender uma com as outras, considera-se o
conhecimento como fruto de experiências sociais compartilhadas. O professor,
nessa perspectiva, não se ocupa simplesmente em satisfazer ou responder
perguntas, mas, sobretudo, em ajudar as crianças a descobrir respostas, fazer novas
perguntas, escolher os melhores procedimentos para elucidar suas questões. O
professor deve estar presente, ser um observador ativo, um verdadeiro pesquisador
sem ser um intruso, não pode se tornar o centro da atenção, pois o centro é a própria
atividade da criança. Por meio de sua escuta e observação atentas, o professor deve
auxiliar as crianças na resolução de conflitos e a superar dificuldades, escolher as
melhores estratégias para favorecer a aquisição de aprendizagens significativas.

Uma terceira consequência da abordagem pedagógica desenvolvida em


Reggio Emilia implica que os professores devem reunir-se e discutir os possíveis
desdobramentos dos projetos, considerando as ideias das crianças, suas hipóteses
e escolhas. As escolhas dos materiais, a organização do tempo para o
desenvolvimento das atividades, a organização do espaço e materiais de modo a
estimular experiências de aprendizagens, também se configuram em ações
docentes fundamentais para o sucesso dos projetos de interesse.

Katz e Chard (1997) entendem que a inclusão de projeto num currículo para a
Educação Infantil promove o desenvolvimento intelectual das crianças por meio do
envolvimento de suas mentes. O termo mente “engloba não só os conhecimentos e
capacidades, mas também a sensibilidade emocional, moral e estética” (idem, p.6). É
preciso criar situações por meio das quais as crianças possam ter experiências que
as auxiliem a explorar um tema que expresse seus interesses sobre o mundo.
Construir espaços e arranjos materiais para que as crianças possam brincar por
meio dos jogos dramáticos com os temas que lhes interessam é uma das etapas
importantes para o desenvolvimento de aprendizagens por meio dos projetos.
Podem ser construídos espaços peculiares, que constituem a base material para a
exploração dos temas de interesse, o que se dá por meio dos jogos dramáticos. Por
exemplo, em conjunto com o professor podem construir casas, construir um ônibus
escolar, um navio, organizarem lojas de departamentos, pet shop, bancas de feiras
livres, habitats de animais, o funcionamento de um aeroporto e dos aviões,
construírem pequenas fazendas, mimetizarem a rotina de um hospital, etc.

É preciso que as experiências que se dão durante o projeto envolvam as


crianças de forma a poderem aprofundar a compreensão do mundo em que vivem e

40
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

fortalecer a sua vontade de continuarem a aprender: “quando as práticas educativas


conseguem fazê-lo, os alunos consideram suas experiências agradáveis”, sendo o
prazer um “efeito secundário ou um subproduto do fato de se estar envolvido numa
atividade, num esforço ou numa aprendizagem meritórios” (KATZ e CHARD, 1997,
p.10).

Segundo Katz e Chard (1997), o trabalho de projeto não deve substituir todas as
práticas infantis que se dão na escola, nem constituir a totalidade do tempo vivido na
sala de aula, porém, deve-se entender o projeto como uma parcela significativa do
programa educativo da escola de Educação Infantil. O trabalho de projeto deverá
“complementar e intensificar aquilo que as crianças mais novas aprendem com a
brincadeira espontânea assim como com a instrução sistemática” (idem, p.10). Ou
seja, a origem do tema do projeto se dá por meio das observações do professor sobre
os temas que emergem dos jogos espontâneos das crianças, bem como podem se
originar da intenção do professor de provocar seus interesses para temas que
julguem relevantes e que estejam em íntima relação com os direitos da criança, suas
necessidades e possibilidades de aprender.

Como o projeto na Educação infantil é mais emergente e negociado, ele não é


planejado de antemão pelo professor. Grosso modo, pode-se afirmar que quanto
menor a criança, maior atenção deve ser concedida aos temas emergentes de seus
jogos espontâneos, sendo o projeto nessa fase menos estruturado e mais informal.
Quanto maior a criança, maior é o tempo que pode ser destinado ao desenvolvimento
dos projetos e maior sua estruturação e formalização.

Com relação à importância de o professor observar os temas emergentes nos


jogos espontâneos infantis, Madalena Freire (2007) comenta:

É procurando compreender as atividades espontâneas das crianças que


vou, pouco a pouco, captando os seus interesses, os mais diversos. As
propostas de trabalho que não apenas faço às crianças, mas que também
com elas discuto, expressam, e não poderia deixar de ser assim, aqueles
interesses. Por isso é que, em última análise, as propostas de trabalho
nascem delas e de mim como professora. Não é de se estranhar, pois, que
as crianças se encontrem nas suas atividades e as percebam como algo
delas, ao mesmo tempo em que vão entendendo o meu papel de
organizadora e não de “dona” de suas atividades. Daí a importância de
salientar esse papel do professor como organizador. Organizador no
sentido, porém, de quem observa, colhe os dados, trabalha em cima deles,
com total respeito aos educandos que não podem ser puros objetos da
ação do professor (Freire, 2007, p. 21).

Como salientado, quanto menor a criança, a principal origem dos possíveis


projetos é o jogo espontâneo. O professor deve observar o que interessa às crianças,
coletar dados e organizar atividades que possibilitem a expressão de seus
interesses, tendo em vista ampliar os conhecimentos possíveis por meio do
desenvolvimento de projetos.

41
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Segundo Katz e Chard (1997), é preciso haver equilíbrio entre as diferentes


atividades mobilizadas na rotina da criança: jogos espontâneos, jogos dramáticos
(tematizados), jogos de construção, jogos motores, jogos com regras, atividades
artísticas, musicais, projetos e aprendizagens acadêmicas. A organização dos
tempos, espaços e materiais é fundamental para que as diferentes atividades
possam ser desenvolvidas na rotina diária da turma.

A organização dos espaços

Uma concepção interessante de organização dos espaços para a Educação


Infantil é a proposta pela Bank Street, uma escola de Educação Infantil e Ensino
Fundamental criada em 1919, em Nova Iorque. Ela ainda é referência na tradição
educativa “centrada no desenvolvimento da criança”, inspiradora de diferentes
abordagens de educação infantil em diferentes países. Sua filosofia de trabalho tem
forte influência de John Dewey, entre outros pensadores (como Piaget e Freud).
Segundo Oliveira (1994), a concepção da organização do espaço da sala de aula na
escola Bank Street valoriza a estruturação em áreas distintas, característica de um
ambiente organizado por cantinhos:

Segundo a proposta, as salas devem ter espaço físico estruturado em


áreas distintas, separadas por prateleiras e armários de pouca altura:
áreas dos blocos, da casinha, da biblioteca, dos cavaletes de pintura, da
caixa de areia, a tina de água, de jogos e quebra-cabeças, uma área para
lanchar e a área onde fica um viveiro com pequenos animais [caramujos,
tatuzinhos, minhocas [...]. Propõe muito material escolar e para brincar,
além de grande quantidade de materiais visuais nas paredes, incluindo
cartazes feitos pelas crianças, calendários e quadro de tarefas (OLIVEIRA,
1994, p. 108).

A organização do espaço é muito importante, pois é por meio da interação das


crianças com o espaço, os materiais e com os colegas de turma que se expressam
seus interesses de conhecimento sobre o mundo. A base material da sala de aula
pode ser um forte aliado do professor em seu exercício de observar os temas que
emergem dos jogos espontâneos. Cabe lembrar que cada “canto” de materiais
organizados remete às diferentes possibilidades de aprendizagens, sejam elas
informais ou mais próximas às atividades acadêmicas estruturadas. Cabe destacar,
também, a importância do uso de materiais não estruturados (caixas de papelão,
retalhos de tecidos, tubos de papelão etc.), pois não só servem de base para os jogos
espontâneos, como podem ser também utilizados para a construção de ambientes e
materiais durante o desenvolvimento de um projeto de interesse de um grupo de
crianças ou a totalidade da turma. Por exemplo: podem ser construídas, com as
crianças, pequenas bancas de supermercado, caixas registradoras, aviões, carros,
barcos, castelos, consultórios médicos, enfim, toda uma série de possibilidades
criativas para a construção de materiais e espaços que servem de apoio para o
desenvolvimento de jogos dramáticos (tematizados), por meio dos quais as crianças
ampliam os seus conhecimentos sobre o mundo, organizados no âmbito de um
projeto de interesse comum.

42
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

O sentimento de comunidade

É preciso considerar que, para as crianças pequenas, o tempo vivido na escola,


as experiências por elas compartilhadas, constituem a sua própria vida. Quanto
menor a criança, menor a capacidade de separar as experiências escolares da sua
própria vida, elas reagem de forma relativamente indiferenciada a todas as suas
experiências, para elas, a escola é a vida. Como analisa Freire (2007),

[...] o que tenho observado, sentido nas crianças (e em mim), como reflexo
de nosso trabalho, é um grande entusiasmo, os desafios sendo
enfrentados com alegria e prazer. O que nos dá a certeza de que a busca do
conhecimento não é, para as crianças, preparação para nada, e sim vida
aqui e agora (FREIRE, 2007, p. 50).

As experiências escolares na Educação Infantil devem se relacionar mais com


acontecimentos e tópicos que fazem parte da vida da criança do que com disciplinas
ou conteúdos afastados de experiências que fazem parte de seu dia-a-dia. O
conhecimento sobre a vida não é, portanto, compartimentalizado em disciplinas
escolares, ao contrário, deve ser integrado, globalizado.

Como comentam Katz e Chard (1997, p. 12), “o trabalho com projetos é


elaborado para libertar as mentes das crianças das condicionantes impostas pelos
limites das disciplinas”. As autoras também chamam a atenção para a compreensão
da necessidade das crianças sentirem e viverem a classe como uma comunidade. A
construção do sentimento comunitário é criada “quando se incentivam todas as
crianças e se espera que todas contribuam para a vida de todo o grupo” (idem, p. 13).

Freire (2007) compartilha desse entendimento ao comentar que “as crianças,


por meio das atividades concretas, vão percebendo, de um lado, a importância de
cada uma, individualmente, na construção do grupo; de outro, a importância do
grupo para o seu próprio crescimento” (FREIRE, 2007, p. 21).

Kilpatrick (2011) compreende, no mesmo sentido, que “as melhores condições


para o aprendizado se fazem presentes quando [as crianças] estão cooperando
mutuamente em uma iniciativa compartilhada” (idem, p.94). Assim, o conhecimento
é concebido como uma experiência compartilhada, socialmente significativa para o
grupo. Nesses termos, o desenvolvimento de um projeto é sempre um desafio
coletivo, compartilhado entre professores e alunos, e pode envolver uma criança,
individualmente, um grupo de crianças ou toda a classe, ainda que as crianças
tendam a preferir trabalhar em pequenos grupos, ou mesmo em conjunto com toda a
turma, a trabalharem sozinhas.

Segundo Kilpatrick (2011, p. 115):

O trabalho conjunto de professor e alunos, na resolução de um problema é,


aparentemente, o mais importante empreendimento educativo de toda a
escola. O sentimento de aventura coletiva em tal atividade é um estímulo
definitivo ao melhor que cada um é capaz de oferecer.

43
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Quando os professores se tornam parceiros na aventura coletiva de ampliar os


conhecimentos sobre um tema de interesse da turma, as perguntas feitas pelas
crianças, expressão de seu interesse de aprender, tornam-se as guias, balizam o
itinerário formativo nas diferentes etapas de um projeto.

Duração e etapas

O tempo de duração de um projeto pode variar: durar alguns dias, algumas


semanas, podendo ser até mais ampla a duração com as crianças maiores. Ou seja, o
tempo de um projeto não é determinado a priori, sua extensão varia de acordo com o
interesse do grupo de crianças, a faixa etária e o potencial de exploração de cada
tema de interesse. Além dos jogos dramáticos, por meio dos quais as crianças
aprendem brincando em meio aos suportes materiais selecionados segundo os
temas de seu interesse, há a necessidade de ações de planejamento conjunto,
objetivos a serem perseguidos e diferentes etapas para o seu desenvolvimento.

No que diz respeito às etapas de desenvolvimento de um projeto, ainda que


existam diferentes correntes em diferentes países, parece haver um consenso sobre
algumas de suas principais etapas.

Um projeto, geralmente, parte da exploração dos temas de interesse


emergentes, ou suscitados pela ação do professor, sobretudo por meio das
brincadeiras com os materiais em espaços organizados para favorecer o seu
desenvolvimento.

A segunda etapa do projeto implica na organização das ideias. A


documentação do trabalho se dá por meio de desenhos, construções de espaços,
fotografias, colagens, textos, vídeos e outras expressões plásticas.

O diálogo deve estar presente durante todas as etapas do projeto, pois,


compreende um dispositivo fundamental para a troca de experiências, comunicação
de hipóteses e compartilhamento de aprendizagens.

Por fim, os projetos são concluídos com um rito de fechamento, por meio do
qual são reconhecidas e celebradas as experiências compartilhadas (cf. SILVA e
FERREIRA, s.d.). Assim, se o projeto comumente se origina dos jogos espontâneos da
criança, mas não exclusivamente, o seu desenvolvimento é fruto de um
planejamento conjunto.

Os projetos constituem uma gama ampla de possibilidades de pesquisa,


arranjos de materiais e processos de documentação. É preciso que o processo
educativo possa proporcionar o êxito das crianças em relação a sanar seus
interesses, suas indagações. O sucesso do projeto implica também na tomada de
consciência do que foi aprendido mediante as diferentes etapas de sua execução. O
reconhecimento dos esforços empreendidos pelo conjunto de alunos em prol de um
objetivo comum reforça o desejo de se ampliar os conhecimentos por meio do
desenvolvimento de novos projetos de trabalho.

44
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Referências

FREIRE, Madalena. (2011). A paixão de conhecer o mundo. São Paulo, Editora Paz e Terra.

KATZ, L.; CHARD, S. (1997). A abordagem de projeto na educação da infância. Lisboa,


Fundação Calouste Gulbenkian.

KILPATRICK, William H. (2011). Educação para uma sociedade em transformação.


Petrópolis/RJ, Vozes.

OLIVEIRA, Zilma M. Ramos de. (1994). Discutindo uma experiência americana de educação
infantil: a escola Bank Street. In: ROSENBERG, F.; CAMPOS, M. M. Creches e pré-escolas no
Hemisfério Norte. São Paulo, Cortez/Fundação Carlos Chagas.

RINALDI, Carlina. (1999). O currículo emergente e o construtivismo social. In: EDWARDS, C.;
GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança – A abordagem de Reggio Emilia
na educação da primeira infância. Vol. 1. Porto Alegre: Ed. Artmed.

SILVA, Sandra C. V.; FERREIRA, Valéria S. Educação infantil e projetos: uma questão de
currículo ou método? (mímeo, s.d.).

WESTBROOK, Robert B.; TEIXEIRA, Anísio; ROMÃO, José E.; RODRIGUES, Verone L. (Orgs.).
(2010). John Dewey. Recife, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana.

VIGOTSKY, Lev S. (2007). A formação social da mente. São Paulo, Editora Martins Fontes.

45
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

2.2 Encaminhamentos Metodológicos dos Projetos da


Infância
a a
Prof . Dr . Emília Cipriano Sanches

As crianças pequenas dependem dos adultos em muitos aspectos de suas


vidas e de suas experiências de aprendizagem; entretanto, o trabalho em
projetos é a parte do currículo na qual seus próprios interesses, ideias,
preferências e escolhas podem ter rédeas relativamente soltas (KATZ,
1999, p. 41).

A Pedagogia de Projeto tem sido um valioso instrumento de trabalho para o


professor da Educação Infantil quando compreendida como uma metodologia que
valoriza a experiência e a curiosidade da criança por meio da vivência de
aprendizagem. O trabalho com projetos tem também o objetivo de promover
autonomia, integração e cooperação entre educadores e educandos, e devemos
considerar as capacidades das crianças nesse processo. Um importante argumento
é apresentado por Katz (2005), ao afirmar que:

As crianças tanto resolvem problemas como os criam: tentam resolver


problemas apresentados a elas e também buscam novos desafios. Elas
refinam e melhoram suas estratégias de resolução de problemas não
somente diante do fracasso, mas também como base em sucessos
anteriores. Eles persistem porque o sucesso e a compreensão são
elementos por si só motivadores (KATZ, 2005, p. 35).

Rinaldi (2002, p.77) complementa o entendimento do processo de


aprendizagem das crianças, esclarecendo que elas “[...] aprendem através da
relação com o contexto cultural e social [...]. Devemos tentar organizar um contexto
social e cultural que possa tornar-se um lugar ideal para o desenvolvimento e a
valorização das aprendizagens e das experiências das crianças”.

O projeto é uma metodologia de trabalho a ser desenvolvida de maneira


articulada com a Proposta Pedagógica de cada escola, considerando-se que o
conhecimento precisa ser construído em estreita relação também com o contexto
em que as crianças estão inseridas, ressaltando-se os aspectos cognitivos,
emocionais e sociais presentes nesse processo, como fazemos no Programa A União
Faz a Vida.

Na realização dos projetos, devemos considerar o repertório infantil porque as


crianças aprendem ao participar da vida coletiva, ao vivenciar sentimentos, ao ter
atitudes diante de fatos e ao escolher procedimentos para atingir determinados

47
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

objetivos. Elas não aprendem somente por respostas prontas e dadas pelo
professor, mas por meio de experiências que ele lhes proporciona, pela
problematização dos objetos de conhecimentos e ações desencadeadas na busca de
respostas e soluções, por exemplo.

É importante ter clareza de que trabalhar com Projetos visa assegurar às


crianças a autoria do conhecimento. Nesta perspectiva, cabe ao professor propor as
situações baseadas nas descobertas espontâneas e significativas das crianças. Essa
atuação tem sido uma possibilidade de ressignificar o espaço da Educação Infantil,
que se configura como um espaço propício a interações – criança/criança,
criança/adulto – caracterizando-se como um trabalho pedagógico que extrapola os
muros da escola e as paredes da sala de aula.

Linhas gerais dos projetos e seus desdobramentos

Na literatura, não existe uma única forma de organização e estruturação de um


projeto. São muitos os modos de operacionalizá-los e muitos atores podem estar
envolvidos (educadores e gestores escolares, famílias, comunidade de
aprendizagem, entre outros colaboradores).

Apresentamos a seguir as linhas gerais que orientam o processo de trabalho


com projetos na Educação Infantil. São elas:

o que queremos saber perpassa por levantar questões, construir


hipóteses, delimitar o tema do campo de pesquisa, definir os temas para
pesquisar;

o que sabemos refere-se à identificação de saberes, à partilha de saberes,


à construção de uma base comum coletiva, à celebração do saber, à
partida para novas questões de pesquisa e não para a memorização
repetitiva e mecanicista, à formulação de perguntas que serão a origem do
projeto;

como vamos saber, do ponto de vista da pesquisa, significa o


reconhecimento das fontes de informação e a seleção de algumas fontes
para pesquisa;

como se constituem as aprendizagens remete à organização de grupo, à


distribuição de tarefas e responsabilidades, ao desenvolvimento de
tarefas e à decisão sobre como monitorizar o processo;

o que aprendemos refere-se ao reconhecimento e ao registro dos


conhecimentos construídos, uma síntese do conhecimento produzido, a
aprendizagem de instrumentos de registro e a celebração da
aprendizagem em grupo;

48
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

o que queremos fazer significa, em termos epistemológicos, a


identificação da utilização dos novos saberes para novas produções, uma
eventual oportunidade de construção intrapessoal através da produção e
o gosto de produzir em torno de novos saberes;

a quem vamos explicar o que aprendemos correponde à comunicação do


conhecimento construído, sujeita à avaliação;

como vamos comunicar o que aprendemos diz repeito aos


procedimentos de produção, registro e documentação, voltados à
partilha e disseminação dos conhecimentos construídos;

preparação e apresentação do conhecimento construído engloba


planejar, realizar, avaliar, apresentar e avaliar de novo as realizações do
grupo que faz um projeto.

No percurso da realização de projetos na Educação Infantil, teremos a


oportunidade de construir um olhar voltado para os diferentes momentos desse
desenvolvimento, que precisam ser organizados e voltados para a busca de
informações e a construção de novos conhecimentos. Vamos conduzir esses
momentos para assegurar que as crianças assumam o tema do seu projeto; para que
possam se situar diante das informações; para que elas se descubram responsáveis
pela própria aprendizagem e para que reconheçam a importância da participação de
outras pessoas, não necessariamente aquelas com as quais convivem na Escola,
pois a comunidade de aprendizagem ultrapassa o espaço escolar e se constitui uma
fonte muito rica de saberes. O levantamento e a identificação das fontes que
fornecerão informações é um trabalho feito de modo integrado, com o educador
trabalhando junto com as crianças a relação de busca por fontes de informação.

Após a escolha da temática do projeto, o professor deve direcionar a discussão


do tema com os alunos, especificando os aspectos que irão trabalhar. Dependendo
da faixa etária da criança, o educador também é o escriba que faz todos os registros,
que vai construindo um mapa com as crianças, pontuando por meio de desenhos e
imagens e situações concretas.

As experiências ao longo do projeto precisam de uma metodologia própria


para documentação e avaliação. Na sistematização das informações coletadas, ao
professor cabe identificar as perguntas para organização, por isso, a documentação
assume papel importante no momento de registro das práticas e descobertas das
crianças, e pode ser feita por meio de diferentes formas.

O portfólio pode ser outro instrumento que nos auxilia, por exemplo, no
registro de: foco (aprendizagem); postura de investigação; intervenção do educador;
pesquisas (biblioteca da escola, em casa em diferentes fontes); socialização de
descobertas; falas dos educandos (síntese das ideias); produções escritas
(individual com interferência, individual sem interferência, em duplas, coletiva);
momentos de leitura (perguntas, respostas, participação ativa).

49
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

A organização do projeto pode dispor de três momentos: 1) momento em que o


professor dialoga com as crianças sobre o foco do projeto e as questões a que suas
investigações tentarão responder; 2) momento em que as crianças geralmente
trabalham em pequenos grupos e com assuntos que estão relacionados às suas
curiosidades (conversam entre elas, compartilham suas hipóteses), muito
importante para aprenderem a trabalhar em grupo, uma aprendizagem muito
significativa; 3) também com a orientação do professor, momento em que as
crianças planejam e realizam uma atividade de investigação e vivem – no coletivo –
as suas experiências de descobertas. Trabalhar com projetos possibilita à criança
atuar coletivamente, trabalhar com os outros, descobrir que a produção fica muito
mais rica e lidar com as perguntas que os outros fazem.

É preciso ter clareza de que a criança é uma potência. Se o educador não tiver
essa concepção, a criança termina a atividade ainda querendo fazê-la, com a
sensação de não ter concluído o processo, com a sensação de não ter feito o que foi
proposto. Nesse sentido, o profissional precisa exercitar o desenvolvimento que
Freinet chama de tateamento sensível – tatear as experiências para perceber onde é
que as crianças realmente estão mais atentas, de onde é que vem a pergunta, quais
são os seus sentimentos e as suas observações (FREINET, 1979 apud ELIAS &
SANCHES, 2007), em cada momento, considerando os objetos de conhecimento, a
sua relação com o espaço e com as pessoas.

John Dewey nos traz algumas contribuições, que são os princípios de intenção,
situação-problema, ação, real experiência anterior, investigação científica,
integração e celebração do saber (DEWEY, 1959 apud, PINAZZA, 2007), a serem
aplicados na realização dos nossos projetos com as crianças pequenas.

Modelos PUFV para a Educação Infantil (EI)

O Programa A União Faz a Vida elaborou a sua metodologia de projetos para


aplicação na Educação Infantil, considerando as especificidades das crianças
pequenas em relação aos demais públicos. O conceito de exploradores foi
introduzido na Metodologia PUFV para ressaltar a importância das explorações
realizadas nas interações e brincadeiras que permitem as crianças descobrirem a si
mesmas, seus interesses e ao mundo do qual fazem parte. Nessa perspectiva, elas
se iniciam no Programa como exploradoras e, conforme avançam em seu
desenvolvimento e nas séries escolares, realizarão projetos mais estruturados e
poderão também se desenvolver como pesquisadoras conscientes da sua realidade.

Foram elaborados três modelos de Exploradores PUFV EI, conforme a faixa


etária das crianças: 1) Exploradores de si no mundo (zero a 1 ano e 6 meses); 2)
Exploradores do mundo (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses); 3) Exploradores
Investigadores (4 anos a 5 anos e 11 meses), tendo-se como fundamento a
organização etária dos objetivos de aprendizagem definida pela Base Nacional
Curricular Comum (2018).

50
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Podemos compreender os modelos descritos a seguir como movimentos que


vão se complementando, uma vez que não representam uma divisão, mas respeitam
as fases do desenvolvimento humano. É importante que o educador tenha
consciência de que cada movimento vai se articular com o anterior.

Os Exploradores de si no mundo (zero a 1 ano e 6 meses) vivem um momento


da Infância em que as crianças pequenas estão descobrindo a si mesmas. Os
projetos partem das rotinas da Infância, preservando o conviver e a partilha e, ainda,
o que chama a atenção dessas crianças no ambiente que habitam ou no espaço que
constroem e nas relações que estabelecem – esse é o momento explorador. A
criança explora o que está mais perto de si – o ambiente, a relação com o outro e a
observação daquele espaço. Assim, a criança está trabalhando mais o seu
pertencimento ao ambiente, a relação que ela tem com os objetos (objetos afetivos).
Tudo isso faz parte do Projeto, porque é dessa vivência que vem a questão da
interação das crianças. Um exemplo é quando a criança está reconhecendo o espaço
e se expressando de múltiplas formas, preferências, dificuldades e, até mesmo, suas
insatisfações. É o momento de espaço para explorar concretamente os seus cinco
sentidos – olfato, paladar, visão, audição e tato.

Os Exploradores do mundo (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) estão na fase


em que os projetos partem de suas perguntas e curiosidades, a respeito daquilo que
já sabem e da orientação de onde e como devem procurar novas informações. O
papel do educador é fundamental como mediador das perguntas infantis, como
alguém que está o tempo todo escutando o que as crianças dizem e o que lhes
interessa. Nessa fase, a criança desponta para a linguagem, a comunicação, faz as
perguntas. Também está incorporando as rotinas da Infância e começa a lidar com os
combinados do grupo – é quando começa a constituir essa identidade de grupo. Ao
educador, requer um olhar sensível para observar e trabalhar um projeto, por
exemplo, que valorize diferentes formas de exploração e criação, como a criação de
materialidades tridimensionais, utilizando diferentes técnicas para estimular
criações significativas e prazerosas às crianças, em que, de fato, sejam
protagonistas nesse processo criativo.

Os Exploradores Investigadores (4 anos a 5 anos e 11 meses) vivem um


momento da Infância de movimentação, da procura e das descobertas, porque já
estão na fase da construção de maior autonomia. Entendemos que o olhar do
educador deve se voltar para 'o que se quer saber', pois esses Exploradores têm o
detalhe, querem ver as coisas em uma dimensão mais própria e já fazem relações
das suas próprias observações. O papel do educador é ampliar isso, cada vez mais. A
investigação nos possibilita sair da sala de aula, ir para outros espaços, explorar a
área externa, ir para outros lugares, pois muitas oportunidades se abrem em relação
aos dois modelos anteriores. Um bom exemplo é a exploração do meio ambiente, da
natureza e de tudo o que a criança pode compreender sobre a vida humana e sua
relação com o meio.

Nos três modelos PUFV EI, a exploração que a criança faz – de si, do mundo e da
investigação – tem alguns pontos comuns. É nas culturais infantis – brincadeiras e
interações – que se dá o processo de apropriação do conhecimento da criança, e a
vida cotidiana é a grande fonte dessa relação – o currículo da criança e o currículo

51
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

infantil, porque é a sua própria vida que ela vai relacionar a tudo aquilo com que está
interagindo na Escola da Educação Infantil.

Os direitos de aprendizagem e os campos da experiência, definidos pela Base


Nacional Curricular Comum (2018), vão sendo descobertos nos três caminhos de
exploração, além da Comunidade de Aprendizagem que se estabelece nas relações
do aprender com o outro, com a vida, com o mundo, e do Currículo (práticas sociais e
culturais, múltiplas linguagens e conhecimentos).

O professor, ao trabalhar com Projetos na Educação da Infância, precisa


considerar que as crianças têm as suas vivências e as suas próprias teorias e são
capazes de explicar e partilhar com os adultos. Uma teoria é uma investigação de
significados – a nossa vida é uma procura de sentido – e dessa relação podemos
afirmar que se trata de um aprendente-ensinante e um ensinante-aprendente
trabalhando relações de autonomia e cooperação.

É importante reforçar que há um grande objetivo comum – a intencionalidade –


no trabalho com Projetos na Educação Infantil, e essa compreensão requer termos
clareza de outras concepções que contemplam muitas outras Pedagogias
denominadas como as Pedagogias do Olhar, da Escuta, das Relações, do Diálogo, da
Autoria, da Documentação e da Expressão.

Ao discutirmos os modelos Exploradores PUFV EI como fases dos Projetos e


fases do desenvolvimento humano, em especial da criança pequena, é
imprescindível reconhecer que a criança é um ser epistêmico e curioso cuja
curiosidade se alimenta nas interações com adultos que o tempo todo a estimule a
criar situações e que abram o espaço, mas sempre com intencionalidade, com
clareza das descobertas e por acreditar no potencial das crianças. Desenvolver o
olhar sensível às fases de desenvolvimento das crianças pequenas tem se tornado
um grande desafio para o trabalho do professor da Infância.

Referências

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ELIAS, Marisa Del Cioppo; SANCHES, Emília Cipriano. (2007). Freinet e a pedagogia – uma
velha idéia muito atual. In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; KISHIMOTO, Tizuko Morchida;
PINAZZA, Mônica Appezzato (Orgs.). Pedagogia(s) da Infância: Dialogando com o
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KATZ, Lilian G. (2005). A construção de sólidos fundamentos para as crianças. In: HELM,
Judy Harris; BENEKE, Sallee (Orgs.). O Poder dos Projetos – novas estratégias e soluções
para a educação infantil. Porto Alegre, Artmed.

__________ . (1999). O que podemos aprender com Reggio Emilia? In: EDWARDS, Carolyn;
GANDINI, Lella; FORMAN, George. As Cem Linguagens da Criança – A abordagem de
Reggio Emilia na Educação da Primeira Infância. Vol.1. Porto Alegre, Artmed.

PINAZZA, Mônica Appezzato. (2007). John Dewey: inspirações para uma pedagogia da
infância. In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; KISHIMOTO, Tizuko Morchida; PINAZZA, Mônica
Appezzato (orgs.). Pedagogia(s) da Infância: Dialogando com o Passado: Construindo o
Futuro. Porto Alegre, Artmed.

52
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

RINALDI, Carla. (2002). Reggio Emília: a Imagem da Criança e o Ambiente em que Ela Vive
como Princípio Fundamental. In: EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella. Bambini: A abordagem
italiana à educação infantil. Porto Alegre, Artmed.

53
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

2.3 Desenvolvimento Socioafetivo no Cotidiano da Escola


Psicóloga Paula Pedroso

Vivemos um tempo da consciência de que "todo ponto de vista é a vista de um


ponto" (BOFF, 1997, p. 2), em que a ciência relativizou as verdades e, portanto, as
escolas, famílias, comunidades e cada um na sua individualidade, vivem as
consequências dessas relações líquidas (Bauman, 2003). Professores, educadores e
pesquisadores buscam compreender melhores formas de educar as crianças e
jovens, de gerir e organizar o tempo e o espaço na escola.

Faz parte do papel da escola reconhecer os processos individuais e coletivos de


todos os seus atores, com a consciência de que as crianças chegam às instituições de
ensino repletas de significados e de conhecimentos adquiridos a partir de seus
outros papéis sociais, independentemente de sua idade.

A escola é o espaço social com as melhores condições para atuarmos de forma


educativa, na prevenção ou antecipação, de necessidades socioafetivas. Isso se
torna possível com a escola assumindo e reforçando, na sua prática e na sua retórica,
o seu papel de educadora, formadora e facilitadora da construção de Sujeitos plurais
e integrais na sua essência, na relação com os seus pares e com o conhecimento. Sem
isso e sem o autoconhecimento, como vamos construir uma escola democrática?
Como reforçaremos o valor da cidadania e da cooperação em nossas crianças?

Sabemos que o ser humano nasce dotado do potencial de adaptação ao seu


contexto, no entanto, necessita de mediações para desenvolver estratégias de
inserção social. Além de ler e se apropriar de seu mundo, necessita desenvolver
aprendizagens para manejar seus medos, suas alegrias, tristezas, raivas, amores,
suas surpresas, entre outras emoções. As crianças vão compreendendo o mundo e a
si próprias a partir das relações que estabelecem com outras pessoas e do olhar do
outro, e atribuindo significados ao mundo, humanizando-se e compreendendo as
suas reações, sentimentos, adequações e desajustes.

Questões cotidianas

Como aprendemos a hora certa de falar e de calar? Quando devo revidar e de


que forma? Como posso entender a reação do outro sem entender as minhas
reações? O que é isso que eu sinto que parece que dói dentro do peito? Se eu quero
esse brinquedo do meu colega, por que não posso simplesmente arrancar da mão
dele? Se gosto tanto da minha mãe, do meu pai, da minha família, por que tenho que
ficar longe deles durante todo o dia? São algumas das perguntas que fazem parte do
universo da criança, do descobrir-se no mundo, das relações cotidianas, do processo

55
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

de aprender e dar sentido ao que é vivido nos espaços educativos.

Diante dessa realidade vivida nas escolas, sublinha-se a importância do


trabalho de desenvolvimento socioafetivo com base nos pressupostos de Henri
Wallon (2007), que define as emoções como manifestações do campo afetivo de uma
pessoa, e que a afetividade se constrói a partir da qualidade das relações
estabelecidas ao longo da vida. Portanto, faz-se primordial a atuação do educador
sobre as suas próprias emoções e a das crianças, tendo em vista a construção de um
campo afetivo harmonioso, com relações pautadas em valores como o respeito e a
consciência de si, do outro e do universo à sua volta.

Compartilhar os mesmos ambientes com outras pessoas exige constantes


adaptações e ajustes internos de ordem emocional. Sendo assim, não há
aprendizagem sem resiliência (CLAXTON, 2005, p. 35), ou seja, sem que consigamos
lidar com mudanças e transformações.

O aprendiz, seja aluno ou professor, necessita desenvolver um conjunto de


estratégias e de repertório para lidar com as variáveis da vida em sociedade. A
criança precisa aprender a dar e respeitar limites, assim como a compreender e a se
sentir parte do grupo, da escola, da comunidade, para, então, desenvolver o
sentimento de pertencimento.

É muito importante que os educadores ajudem as crianças a identificar,


nomear, reconhecer em si e no(s) outro(s) as emoções básicas: alegria, raiva, tristeza,
surpresa e medo, por meio de atividades reflexivas e práticas com as crianças,
utilizando-se as histórias dos livros e as vividas pelas pessoas da comunidade
escolar em geral, por meio de filmes, de músicas (cantadas, inventadas, videoclipes),
de teatro, jogos e brincadeiras, com o objetivo de construir a individuação, a
autonomia, o pertencimento e a autorregulação de suas emoções e de suas
estratégias pessoais de convivência, aprendizagem e desenvolvimento.

Campos de desenvolvimento afetivo

Claudio Naranjo (2015) organiza o desenvolvimento afetivo em três áreas


básicas: 1) no campo cognitivo, destaca o amor ao saber, à verdade, à beleza, à arte e à
sabedoria; 2) no campo relacional, ressalta o desenvolvimento do companheirismo,
da empatia e da compaixão; 3) no campo instintivo, salienta o desenvolvimento do
amor a si mesmo, da autoestima.

Na escola, perseguimos com mais facilidade o desenvolvimento do campo


cognitivo, mas é necessário construirmos realidades que trabalhem de forma
consciente e intencional o campo relacional e instintivo. Não precisa de um horário
ou espaço específico, esse trabalho deve acontecer a partir das situações vividas
pelo grupo, pelas crianças, e, ao passar dos dias e do ano, deve construir uma trama
social que garanta um clima afetivo emocional que, por sua vez, permita o
desenvolvimento socioafetivo saudável de todos os envolvidos.

Nos projetos do Programa A União Faz a Vida para a Educação Infantil, temos o
campo cognitivo sendo desenvolvido a partir do olhar atento do professor ao que

56
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

chama atenção do bebê e às curiosidades e aos campos de experiência


demonstrados pelas crianças. Sentir o respeito e a valorização do professor frente
ao seu conhecimento prévio e ter a possibilidade de manifestar-se a partir da sua
cultura são formas de se preservar, no bebê e na criança, o seu amor ao saber, à
verdade, beleza, arte e à sabedoria.

No campo relacional e instintivo, as práticas do PUFV estão voltadas ao


desenvolvimento de cidadãos cooperativos, a partir da criação e manutenção de um
ambiente democrático de diálogos, de convivência e partilhas; a partir do incentivo à
curiosidade, à criatividade e, ainda, o reconhecimento de oportunidades de
aprendizagens nas rotinas da infância. Essa prática cria e desenvolve o sentimento
de companheirismo, de empatia, e a conexão que se estabelece entre todos do grupo
possibilita à criança reforçar o seu amor próprio.

Para que o professor possa contribuir para o desenvolvimento socioafetivo


das crianças, ele precisa trabalhar as suas próprias emoções, precisa aprender a se
cuidar, compreender o momento de silenciar e de falar, trabalhar as suas
inseguranças e fortalecer as suas virtudes, pois só podemos entregar ao outro aquilo
que já possuímos. O foco no autoconhecimento e na sua promoção é fundamental.
Nesse sentido, lembramos que:

[...] as emoções possuem características específicas que as distinguem de


outras manifestações da afetividade. São sempre acompanhadas de
alterações orgânicas, como aceleração dos batimentos cardíacos,
mudanças no ritmo respiratório, dificuldades na digestão, secura na boca.
Além das variações no funcionamento neurovegetativo, perceptíveis para
quem as vive, as emoções provocam alterações na mímica facial, na
postura, na forma como são executados os gestos. Acompanham-se de
modificações visíveis do exterior, expressivas, que são responsáveis pelo
seu caráter altamente contagioso e por seu poder mobilizador do meio
humano (GALVÃO, 2002, p. 61-62).

Considerando que o reconhecimento das emoções passa por identificarmos


essas alterações físicas e orgânicas explicitadas acima, e que vivemos um tempo de
relações mediadas pela tecnologia, torna-se ainda mais importante os educadores
da infância trabalharem para o desenvolvimento socioafetivo nas suas turmas. À
medida que as crianças crescem, elas passam a olhar e se relacionar cada vez mais
por meio de de telas (da TV, do celular, do tablet, etc.), mas também precisarão ter a
possibilidade de ler a expressão do outro, de buscar os sinais das emoções na
mudança do tom de voz, do detalhe do olhar, da coluna que se dobra para baixo ou
que se levanta em sinal de confiança e poder. Sabendo reconhecer esses sinais em si,
elas compreenderão a riqueza e a magia do olho no olho e poderão construir relações
em que se equilibrem as diferentes formas de convívio e de compreensão do outro e
do mundo ao qual pertencem.

57
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Algumas práticas para os educadores

Ao longo do texto falamos sobre o desenvolvimento socioafetivo e aspectos


importantes de se trabalhar na escola com as crianças, desde a Educação Infantil.
Elencamos a seguir algumas sugestões de ações para o cotidiano da escolar da
infância:

O adulto deve nominar a emoção que ele próprio sente no decorrer do dia,
e, se possível, ajudar as crianças a fazerem o mesmo. Exemplo: “Puxa, o
capricho e empenho de vocês faz meu coração bater mais forte de alegria
e orgulho!” ou “Quando outro professor da escola me diz que teve
dificuldade de dar aula para vocês, fico muito triste, com vontade de
chorar...”, sempre colocando a mão na parte do corpo onde essa emoção se
manifesta (peito, barriga, cabeça, etc.).

Ajudar a resolver conflitos entre pares acolhendo a emoção e dando limite


para a ação. Toda emoção é legítima, não podemos afirmar que não há
motivos para ficarmos tristes, com raiva ou alegres, por exemplo. Porém,
devemos dar limite à ação da criança quando ela o extrapola. Por exemplo:
“Entendo que você esteja triste por não ter trazido seu brinquedo, mas
você não pode estragar o brinquedo do seu amigo em função disso”.

Para as crianças de até 3 anos de idade, pedir que identifiquem no próprio


corpo as emoções e sensações. Por exemplo: quando choro, quando dou
risada, quando levo um susto, quando tenho dor... Como eu reajo? Onde o
meu corpo expressa essa emoção?

Em roda de conversa, ao final do dia, pedir para que cada criança


identifique o melhor e o pior momento do seu dia, explicando-o ao seu
modo.

Em situações de inadequação, construir com a criança a reflexão de seu


comportamento e a consequência dele no grupo.

Em situações de conflito de ideias, interesses e desacordos, ajudar as


crianças a compreenderem os outros pontos de vista envolvidos naquela
situação.

Quando bebê chora e o adulto identifica o motivo do choro, é importante


que nomeie e explique ao bebê, por exemplo, “Você se desequilibrou e caiu,
é muito chato quando isso acontece” – sempre acolhendo a emoção e
dando sentido e organizando a ações do bebê.

Alguns adultos possuem o hábito de “brigar” com um objeto com o qual um


bebê, ou criança, tenha se machucado. Por exemplo: o bebê estava
engatinhando e foi se levantar apoiando no pé da mesa, mas bate a cabeça
no tampo e começa a chorar. Acolha o bebê, cuide da sua dor, do ferimento,
mas explique que ele é grande e precisa cuidar quando for levantar. Alguns

58
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

adultos teriam a reação de dar um tapinha na mesa e dizer: “Mesa feia!


Bateu no bebê.” Lidar com a legitimidade das situações é muito importante
no desenvolvimento socioafetivo.

Essas são algumas das possibilidades de trabalho com o foco no


desenvolvimento socioafetivo no cotidiano da Educação Infantil, lembrando que a
própria metodologia do PUFV valoriza aspectos importantes nessa empreitada de
contribuirmos para que nossas crianças aprendam a ser cidadãos cooperativos,
autônomos, capazes de se respeitarem e se escutarem, mas também de construírem
relações de diálogo no convívio com outras pessoas.

Referências

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Brasília, Verbena.

WALLON, Henri. (2007). A Evolução psicológica da criança. São Paulo, Martin Fontes.

59
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

2.4 As Fases do Desenvolvimento Infantil e suas Relações


com as Aprendizagens
Prof. Dr. Max G. Haetinger

Um dos fatores de suma importância para compreendermos as crianças que


interagem conosco nos ambientes educativos, e suas relações com as
aprendizagens, está no entendimento das fases e/ou etapas do desenvolvimento
infantil. A própria metodologia do Programa A União Faz a Vida (PUFV) para a
Educação Infantil considera a Base Nacional Comum Curricular (2018) e sua proposta
de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento segmentados em três faixas
etárias (de zero a 1 ano e 6 meses; de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses; de 4 anos a 5
anos e 11 meses).

As construções psicomotoras e socioafetivas na infância são os principais


sustentáculos das descobertas das crianças, inclusive em termos cognitivos.
Sabemos que é difícil separar as múltiplas dimensões do desenvolvimento humano
(psicomotor, cognitivo, afetivo, social e cultural) porque, na prática, vivemos,
aprendemos e sentimos de forma integrada, não existindo desenvolvimento só
motor ou só afetivo ou só cognitivo. Sabemos também que, em cada faixa etária, as
crianças são capazes de lidarem de forma diferente com os mecanismos de recolha
de informação, os sentidos, os sentimentos, o processamento dos conhecimentos,
as vivências, curiosidades e descobertas.

As pesquisa e ideias de Jean Piaget representam um marco no entendimento


das crianças e das suas relações com o conhecimento. A Epistemologia Genética
(PIAGET, 1987) analisa e explica o desenvolvimento da inteligência por meio das
trocas entre sujeito-objeto, e define os estágios pelos quais as crianças passam
nesse processo. Esta teoria fundamenta o nosso olhar de educadores para a
integração de todas as dimensões do desenvolvimento humano em nossas
propostas pedagógicas, bem como a valorização da exploração e das interações e
brincadeiras das crianças.

Nos projetos que realizamos com as turmas de Educação Infantil no PUFV, a


Epistemologia Genética nos traz uma enorme contribuição no sentido de
respeitarmos cada estágio de desenvolvimento das crianças, suas capacidades e
possibilidades de construção de conhecimentos em nossas propostas, bem como a
ênfase em promovermos as relações de observação e interação entre a criança, seu
meio e os objetos com os quais interage.

Outra contribuição de destaque sobre o desenvolvimento na infância, e


também em sintonia com o proposto na Metodologia do PUFV para a Educação
Infantil, vem de Jerome Bruner, um dos pioneiros da Psicologia Cognitiva. Uma ideia

61
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

importante de sua teoria é designada como “culturalismo” (Bruner, 2000, p. 19), que
se refere à “proposta de que a mente é simultaneamente constituída e realizada no
uso da cultura humana” (idem, p. 17). O autor reafirma a cultura como a dimensão de
referência do trabalho pedagógico, e destaca o diálogo do desenvolvimento
cognitivo e relacional com o aparato cultural proposto pela educação escolar. Esta
visão que valoriza a cultura e a sociedade reflete-se na importância da comunidade
de aprendizagem nos projetos realizados pelas crianças no Programa A União Faz a
Vida.

[...] por muito que os indivíduos pareçam operar por si próprios na


condução da procura de significados, ninguém o pode fazer
desenquadrado dos sistemas simbólicos da cultura […]. O traço distintivo
da mente humana é o da mente se ter desenvolvido num quadro que
capacita os seres humanos a utilizar os instrumentos de cultura (Bruner,
2000, p. 20).

A perspectiva teórica desenvolvida por Bruner se aproxima de aspectos


importantes da Metodologia PUFV para a Educação Infantil, porque tem na base de
suas ideias a percepção de que a razão do ensinar não é apenas transmitir
conhecimentos, mas sim ensinar aos alunos a pensar e resolver problemas por si
mesmos. Sua proposta de aprendizagem por descobertas cria uma sintonia direta
com a Pedagogia de Projetos.

Principais autores e suas teorias

Muitos autores contribuíram para que pudéssemos entender o


desenvolvimento humano, em específico na infância, fase que estamos trabalhando
no PUFV EI, e associam o desenvolvimento às aprendizagens. Apresentamos no
quadro a seguir um resumo das principais abordagens conceituais e contribuições
teóricas referentes ao desenvolvimento humano e às aprendizagens, em sintonia
com as ações do Programa na exploração de vivências de cooperação e cidadania, e
que contribuem com a promoção do diálogo e das aprendizagens na infância.

Abordagem conceitual
Principais tópicos
e autores

Epistemologia Marco no entendimento da criança e da construção do


Genética e os estágios conhecimento, do período pré-natal e por toda infância.
de desenvolvimento da É a teoria mais lembrada na Educação Infantil, sobre o
inteligência, de Jean desenvolvimento da inteligência como processo
Piaget interativo entre a biologia e o meio ambiente, entendida
na educação pela promoção das interações entre
sujeito e objetos.
Piaget definia o desenvolvimento cognitivo infantil em
quatro estágios: 1) sensório-motor, compreendendo as
idades de 0 a aproximadamente 18 ou 24 meses; pré-
operatório (de 2 a 6 anos); operatório-concreto

62
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

(7 até 11-12 anos); operacional-formal (a partir dos 12


anos). As faixas etárias são referências aproximadas
indicadas por Piaget, mas podem variar conforme o
desenvolvimento de cada criança. Esta classificação
nos ajuda a compreender o aprimoramento das
capacidades da criança em lidar com as relações de
conhecimentos e desenvolvimento emocional, a partir
de suas interações e dos movimentos de acomodação e
assimilação de novos conhecimentos. Piaget acredita
que, por meio dos jogos, as interações vão se tornando
cada vez mais elaboradas por parte das crianças. O jogo
simbólico e as relações de ordenamento, classificação e
seriação possibilitam avaliar a evolução de
desenvolvimento infantil. Nesta teoria, as interações
individuais são marcantes no início do
desenvolvimento.

Teoria Sócio- Aborda a influência da interatividade entre homem e


Interacionista, de meio, e a aprendizagem humana como um processo
Lev Vygotsky cotidiano e cultural, destacando que as atitudes e os
comportamentos individuais estão impregnadas pelas
trocas coletivas e o meio sociocultural. A criança se
desenvolve por meio das trocas estabelecidas com seus
pares e com outras crianças ou adultos mais
experientes.
Caracteriza o desenvolvimento na infância vinculado à
aquisição da linguagem. Na escola infantil, podemos
observar essa evolução quando as crianças vão
progressivamente se apropriando da fala, do mundo
social e da leitura e escrita – marcos de destaque no
desenvolvimento. Nesse sentido, Vygostky prevê uma
intersecção organizada e direcionada pelo educador. As
interações infantis são facilitadas e potencializadas por
meio da intencionalidade e ação dos educadores no
processo de aprendizagem.
O trabalho em grupo, o desenvolvimento do diálogo
entre pares e com pares mais experientes e a
exploração coletiva são características do processo de
aprendizagem do PUFV que convergem com as ideias de
Vygotsy. A realização dos projetos de aprendizagem
representa inúmeras possibilidades de avanço da zona
de desenvolvimento proximal das crianças, também por
incluírem experiências com a comunidade.

63
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Psicologia Cognitiva, Determina o aprendizado como um processo ativo, no


de Jerome Bruner qual os aprendizes constroem novas ideias e
conhecimentos a partir das relações entre as suas
histórias pregressas e atuais. Desde pequenas, as
crianças constroem o mundo a partir da formulação de
hipóteses, da tomada de decisões e das suas
descobertas, contando com esquemas e modelos
mentais que vão se elaborando por meio de vivências
sociais. Estas são alimentadas pelas histórias de vida e
vão além do acesso a informações recebidas, gerando
evolução e aprendizados.
O desenvolvimento cognitivo é a chave do
desenvolvimento global, caracterizado por alguns
conceitos estruturantes para o autor:
a) Independência crescente da resposta em relação à
natureza imediata do estímulo, por parte dos indivíduos;
b) O meio ambiente estimula o desenvolvimento
intelectual quando as pessoas absorvem situações e
eventos, em um sistema de armazenamento contínuo e
acumulativo;
c) O desenvolvimento intelectual acontece à medida que
vamos adquirindo maior capacidade para dar conta de
várias sequências ao mesmo tempo, equilibrar o uso do
tempo e ter atenção, de maneira apropriada a cada
idade ou fase. Nesta perspectiva, a criança tem
capacidade de lidar com problemas relacionados a um
mesmo tema, por exemplo, em qualquer idade, o que
muda é a complexidade das suas explorações e
descobertas.
Bruner ecoa na Metodologia do PUFV EI porque a
introdução de projetos de aprendizagem permite as
crianças pequenas explorarem suas curiosidades e
descobertas. Também as crianças são confrontadas
com sua cultura e história, junto à comunidade de
aprendizagem, e, progressivamente, lidam com novas
situações-problema que geram novos interesses e
aprendizagens. À medida que evoluem suas vivências na
comunidade de aprendizagem, elas elaboram suas
respostas aos desafios.
Bruner propõe as aprendizagens a partir de um currículo
em espiral, em que os “conceitos básicos são ensinados
em um primeiro momento e depois revistos em
diferentes anos. Assim, as crianças primeiro aprendem
o básico sobre um assunto, e depois passam a revisitar
esse conteúdo e incorporar outros conhecimentos mais
complexos sobre o mesmo fenômeno”. A figura a seguir
ilustra o processo em espiral.

64
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Disponível em https://www.psicologiaexplica.com.br/jerome-bruner/,
pesquisado em 20/02/2018.

Método Montessori, Desenvolveu uma observação sistemática das crianças


de Maria Montessori nos seus primeiros 6 anos de vida, organizando o
desenvolvimento infantil em “períodos sensíveis”, que
são uma sequência de despertares da consciência da
criança para o mundo que a rodeia. Esta sequência não
se estrutura ao acaso, mas é organizada
biologicamente. Os períodos sensíveis, típicos de cada
idade, são bastante regulares em todas as realidades e
hábitos familiares, estão relacionados ao florescer das
crianças.
Segundo a autora, em termos de desenvolvimento
infantil, trabalhamos os períodos sensíveis das crianças
na respectiva fase em que em eles se demonstram.
Montessori acredita que não é possível retomar uma
curiosidade e, por isto, a importância do educador
reconhecer a fundo os períodos de cada criança no
momento em que se manifestam, para poder respeitá-
los e estimulá-los. A ação educativa deve estar centrada
na criança. O adulto aperfeiçoa o ambiente, mas a
criança aperfeiçoa o ser, e há uma interferência
marcante dos materiais nas relações educativas e no
estímulo dos períodos sensíveis.
O gráfico resume os períodos sensíveis do
desenvolvimento infantil.

65
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Os Períodos Sensíveis Fonte: The Montessori Foundation

Mente Absorvente Inconsciente Mente Absorvente Consciente

0 ...... 1....... 1.5 ...... 2 ....... 2.5 ..... 3 ...... 3.5 ...... 4 ...... 4.5 ...... 5 ...... 5.5 ...... 6
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11

1 - Movimento 4 - Ordem 8 - Escrita 10 - Relação Espacial


2 -Linguagem 5- Música e Ritmo 9 - Leitura 11 - Matemática
3 - Pequenos Detalhes 6 - Graça e Cortesia
7 - Refinamento dos Sentidos

Disponível em https://larmontessori.com, pesquisado em 12/03/2018.

Abordagem Reggio Abordagem pedagógica que se baseia na interconexão e


Emilia/As Cem contextualização, mostrando que o conhecimento não
Linguagens da pode estar separado do mundo e da realidade da
Criança, idealizada criança. As escolas Reggio Emilia não têm divisão
por Loris Malaguzzi curricular porque consideram que os conhecimentos
nunca estão isolados, eles são sempre
interdependentes, construídos em conjunto, de forma
colaborativa. Por este motivo também não há divisão
escolar por faixa etária, e turmas infantis são formadas
conforme as possibilidades de interação e relação das
crianças, fazendo com que umas ensinem as outras
pelas vivências espelhadas e experimentadas em
conjunto. Mallaguzzi também defende a relação
intrínseca entre corpo e mente no aprendizado.
Afirma que a infância é composta de suas “cem
linguagens”, assumindo que os adultos têm como tarefa
essencial a escuta e o reconhecimento das múltiplas
potencialidades e modos de expressão de cada criança,
para atendê-la da melhor forma na sua individualidade.
As escolas Reggio Emilia contam com “laboratórios do
fazer” (também chamados de atelier, pela ênfase
estética e artística), cuidadosamente pensados para dar
espaço à combinação das tradicionais linguagens
g r á fi c a s , p i c t ó r i c a s e d e m a n i p u l a ç ã o co m o
desenvolvimento corporal e expressivo, ligado ao
movimento, às formas de comunicação verbal e não-
verbal, à vida coletiva e comunitária e ao diálogo,
sempre objetivando que a criança aprenda “com todo

66
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

corpo”, de forma fluída, em conjunto e pela apropriação


das linguagens que geram o desenvolvimento infantil,
de forma integrada e interdependente. Assim, cada
criança cria a sua trajetória de desenvolvimento. Nessa
perspectiva, os projetos também têm lugar especial
para a exploração infantil.

Podemos ver no quadro alguns dos conceitos e propostas de desenvolvimento


infantil e aprendizagem em concordância com o proposto na metodologia de
projetos do Programa União Faz a Vida para a Educação Infantil. Nota-se a sintonia
entre os autores no sentido de destacarem fases, estágios ou momentos do
desenvolvimento em que as crianças são capazes de lidar com determinados
estímulos, linguagens, materiais e interações. A determinação de faixas etárias não
compreende apenas a idade biológica, mas também os fatores sociais, culturais e
emocionais da realidade de cada criança e sua comunidade. Em cada momento da
infância, as crianças vão ampliando suas explorações, experiências, capacidades
cognitivas, a forma como brincam e como se organizam e interagem em grupo.

As curiosidades da criança, quando bem percebidas e trabalhadas pelos


professores, propiciam o desenvolvimento das linguagens de forma mais ampla, por
meio da realização de projetos, e assim, progressivamente, as crianças ampliarão o
seu pensamento sistêmico, transformando exploração em investigação e,
posteriormente, investigação em pensamento científico. O parâmetro etário é uma
referência, precisamos considerar que cada criança tem o seu próprio ritmo de
desenvolvimento e singularidades que influenciam o seu desenvolvimento e as suas
aprendizagens. Fundamental é reconhecermos as capacidades de cada criança em
cada fase e trabalharmos para que se ampliem por meio de nossas práticas, sempre
considerando e inter-relacionando todos os fatores que influenciam no
desenvolvimento e nas aprendizagens da criança.

Referências

ALVES, Rubem (2003). A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.
5ª ed. São Paulo, Papirus.

BLOOM, B. S. et al. (1956). Taxonomy of educational objectives. Vol.1. New York, David
Mckay.

BRASIL. (2018). Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, MEC.

BRUNER, Jerome (2000). A cultura da educação. Lisboa, Relógio d'Água.

GANDINI, Lella; EDWARDS, Carolyn; FORMAN, George. (2016). As Cem Linguagens da


Criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Vol. 1. São
Paulo, Penso Ed.

HAETINGER, Max G. (2003). O Universo Criativo da Criança na Educação. Porto Alegre, Inst.
Criar.

MONTESSORI, Maria. (1970). Formação do Homem. Rio de Janeiro, Portugalia.

67
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

PIAGET, Jean. (1971). A Formação do Símbolo na Criança: imitação, jogo e sonho, imagem e
representação. Rio de Janeiro, Zahar.

__________. (1987). O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Guanabara.

Vygotsky, Lev. (1987). Pensamento e Linguagem. SP, Martins Fontes.

. (1999). Desenvolvimento Psicológico na Infância. SP, Martins Fontes.

_______ . (2001). Construção do Pensamento e da Linguagem. SP, Martins Fontes.

68
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

2.5 O DESENVOLVIMENTO INTEGRAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


DIREITOS E BRINCADEIRAS
a
Prof . Ms. Raquel Karpinski

Constituindo-se como a primeira etapa da educação básica, a Educação


Infantil cumpre papel fundamental no desenvolvimento físico e cognitivo das
crianças, dando as bases sobre as quais elas irão se desenvolver e atuar como
sujeitos de direitos e deveres na sociedade. Uma Educação Infantil de qualidade é
condição essencial para o desenvolvimento das demais etapas da educação básica,
de modo que, no fim do processo educativo, os objetivos mínimos traçados possam
ser atingidos.

Desde a Educação Infantil, estado, escola e educadores precisam oferecer


condições, espaços, tempos e materialidades capazes de estimular as crianças a
construírem os seus próprios conhecimentos, reconhecendo-se como sujeitos
sociais e culturais. Nesse sentido, o ambiente escolar infantil deve ser um espaço de
descoberta do mundo, de trocas de experiências, de vivências afetivas e de interação
social.

Na análise de Antunes (2004), uma Educação Infantil, quando efetivada com


qualidade e comprometimento de seus autores, marca profundamente a vida das
crianças, pois, nesse espaço, as crianças vivenciam as primeiras experiências
significativas de interação social, que serão levadas ao longo da vida. Nesse espaço,
desenvolvem-se e formam-se atitudes como as de autoconfiança, cooperação,
solidariedade e responsabilidade, possibilitando, assim, melhores aprendizagens ao
longo do processo educativo e ao longo de toda vida.

Para que a Educação Infantil realmente cumpra com seus objetivos, sabe-se
que é preciso o funcionamento de toda uma estrutura que envolve estado, sistemas
de ensino, escolas, educadores, famílias e sociedade em geral, embora o papel
fundamental seja cumprido pela escola e pelos educadores, uma vez que estão mais
diretamente envolvidos no trabalho diário com as crianças.

Direitos de aprendizagem e desenvolvimento

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI (BRASIL,


2009) definem, em seu Capítulo III, Artigo 4, Inciso II, que a Educação Infantil gratuita
é um direito de todas as crianças de até 5 anos de idade. Esse direito adquirido deve
ser preservado e assegurado pelos estados e municípios, para que a aprendizagem e
o desenvolvimento infantil ocorram de forma coerente, levando-se em consideração
todas as especificidades dos pequenos, bem como a sua faixa etária.

69
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

As Diretrizes ainda definem que a criança como “sujeito histórico e de direitos


que, nas interações cotidianas, constroem sua identidade pessoal e coletiva. Essa
construção dá-se enquanto a criança brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende,
observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a
sociedade, produzindo cultura” (BRASIL, 2009, p. 12). Ou seja, é de direito que a
criança se desenvolva de forma integral e construa sua autonomia a partir das
relações de seu cotidiano familiar e escolar.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil


(BRASIL, 2009), os eixos estruturantes das práticas pedagógicas devem estar
voltados para as interações e as brincadeiras que, organizadas e orientadas pelos
educadores, possibilitarão interação e vivências sociais indispensáveis para o
processo de aprendizagem e de socialização das crianças. Por meio desses
processos, as crianças interagem e desenvolvem também suas emoções, frustações
e afetos, indispensáveis ao seu desenvolvimento. Nesse sentido, o olhar e o
acompanhamento do professor são extremamente necessários na orientação do
desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças.

A Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017) aponta os direitos


de aprendizagem e desenvolvimento das crianças – conviver, brincar, participar,
explorar, expressar e conhecer-se – os quais devem ser assegurados pelas
instituições e atores educativos. Portanto, a “educação infantil precisa promover
interações e brincadeiras nas quais as crianças possam fazer observações,
manipular objetos, investigar e explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar
fontes de informação para buscar respostas às suas curiosidades e indagações”
(idem, p. 38). Nesse sentido, é fundamental que os educadores da Educação Infantil
estejam solidamente preparados e formados para trabalhar de forma adequada
com as crianças, potencializando de fato o seu desenvolvimento e não limitando as
suas capacidades e o seu desenvolvimento futuro.

As instituições necessitam oferecer espaços, tempos, recursos humanos e


materiais que possibilitem às crianças usufruírem e vivenciarem as experiências de
aprendizagem no cotidiano da escola, de forma que possam se desenvolver,
aprender e socializar. Além disso, devem criar procedimentos para o
acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das
crianças, com a intenção de favorecer o máximo possível o seu desenvolvimento
(BRASIL, 2009, p. 29), sem objetivo de seleção, promoção ou classificação.

Espaço, tempo e materiais

Assegurar o desenvolvimento integral das crianças exige das instituições de


ensino um amplo esforço de organização dos recursos materiais e humanos. Os
materiais pedagógicos são componentes fundamentais para se desenvolver uma
Educação Infantil de qualidade, e sua utilização influencia o modo como as crianças
sentem, pensam e interagem com o mundo, estabelecendo formas diversas de
socialização e apropriação da cultura.

Além de disponibilizar materiais pedagógicos adequados, é preciso que os


professores tenham sensibilidade suficiente para orientar o seu uso e estabelecer

70
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

estratégias para aproveitar ao máximo o potencial educativo dos instrumentos na


Educação Infantil, levando em conta as especificidades locais, quais brinquedos e
materiais serão escolhidos, como serão utilizados e com quais significações podem
ser trabalhados. Nesse processo, os professores devem considerar o projeto
político-pedagógico de sua instituição e, dessa forma, buscar materiais que estejam
alinhados aos objetivos e aspectos que a escola prioriza. Organizar os espaços de
forma adequada é imprescindível para o desenvolvimento de uma educação de
qualidade, que instigue a criança à apropriação de habilidades necessárias ao
desenvolvimento de sua autonomia e autoconfiança, com vistas a atitudes de
cooperação e cidadania.

O brincar como forma e meio de desenvolvimento e formação integral

O brincar é uma das caraterísticas fundamentais da infância, fazendo parte


das necessidades da criança, sendo o meio pelo qual ela se insere no mundo e na vida
social. Através das brincadeiras, a criança expressa e desenvolve suas atitudes e seu
modo de agir e de reagir diante das coisas, traçando meios de se relacionar com as
coisas e com os seus semelhantes.

A dimensão lúdica para as crianças sempre vem carregada de alegrias,


emoções e satisfações essenciais para o seu desenvolvimento. Por meio da
brincadeira, o aprendizado acontece de forma concreta, estimulando sentidos
fundamentais para o desenvolvimento infantil, embasando o desenvolvimento da
função sensorial, função motora e até mesmo a função emocional.

De acordo com Piaget (1971), "Quando brinca, a criança assimila o mundo à sua
maneira, sem compromisso com a realidade, pois a sua interação com o objeto não
depende da natureza do objeto, mas da função que a criança lhe atribui” (idem, p. 67).
A brincadeira tem função importante no desenvolvimento social e intelectual da
criança, pois cria oportunidades para ela produzir comportamentos e,
posteriormente, reproduzi-los em situações diversas do seu dia a dia,
principalmente no que tange às relações com os outros. Por isso, a estimulação do
brincar e das brincadeiras deve ser constante, principalmente, nas instituições de
Educação Infantil, oferecendo-se, por meio do brincar, a oportunidade de a criança
criar mecanismos de relacionamento enquanto sujeito social e cultural.

O brincar proporciona aprendizagem e integra os alunos socialmente. Pelo


brincar, a criança produz descobertas que acarretam o seu aprendizado. O
brinquedo, a brincadeira, introduz a criança em um universo de sentidos, não
somente de ações, valorizando o seu imaginário, relacionando suas fantasias com a
realidade, tornando o mundo representado mais desejável pela criança,
possibilitando que ela saia do real para descobrir outro mundo, por meio da
imaginação despertada pelo brincar.

Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil


(BRASIL, 2009), e também como acredita Ho mann (2014), a Educação Infantil deve
constituir-se num ambiente de brincadeiras, alegre, desafiador e espontâneo, no
sentido de favorecer a livre exploração dos objetos e a vivência de situações
adequadas ao tempo das crianças. Enquanto mediador desse processo o educador

71
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

estimula e cria condições para que a criança, por si mesma, possa escolher
brinquedos ou parceiros num ritmo próprio, mesmo que diferente de outras, sem
pressões ou expectativas dos adultos a serem cumpridas. “O papel dos professores
é o de ampará-las, de conversar com elas, de dar-lhes todo afeto e orientação
necessários, organizando e propondo ricas oportunidades de aprendizagem”
(HOFFMANN, 2014, p. 73).

Destaca-se a importância da preparação do professor, principalmente no que


diz respeito à formação continuada. O conhecimento das teorias da educação, das
teorias de aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo é fundamental para que o
professor possa entender o processo de aprendizagem das crianças, facilitando, e
não tolhendo ou inibindo o seu potencial criativo, ou limitando as suas capacidades.

Como direito da criança, a Educação Infantil é fundamental e indispensável


para o seu desenvolvimento porque, nos primeiros anos de vida, os pequenos
desenvolvem traços importantes de sua personalidade, os quais serão
determinantes na sua vida adulta. Embora o direito à educação integral esteja
assegurado em vários documentos normativos, alguns apresentados neste texto, é
preciso um amplo movimento para que esse direito seja efetivado. Embora seja
função do estado, dos municípios e dos sistemas de ensino garantir as condições
necessárias para a efetivação desse direito, assegurando os recursos materiais e
humanos necessários, é imprescindível a participação das famílias e da comunidade
em que as crianças vivem, além da sociedade como um todo, para que, de fato, essas
instituições e atores cumpram com suas obrigações.

Referências

ANTUNES, Celso. (2004). Educação infantil: prioridade imprescindível. Petrópolis, Vozes.

BRASIL. (2009). Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de


Educação Básica. Resolução nº 05, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes
Curriculares para a Educação Infantil.

BRASIL. (2017). Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Proposta


preliminar. Terceira versão, de 20 de dezembro de 2017. Brasília, MEC. Disponível em
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ >. Acesso em março de 2018.

HOFFMANN, Jussara. (2014). Avaliação na pré-escola: um Olhar sensível e reflexivo


sobre a criança. Porto Alegre, Mediação.

PIAGET, Jean. (1999). A linguagem e o Pensamento da criança. 7ª ed. São Paulo, Martins
Fontes.

__________. (1971). A Epistemologia Genética. Petrópolis, Vozes.

72
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

2.6 Atuação docente: um diálogo sobre o processo de


Formação dos Educadores da Educação Infantil
a
Prof . Ms. Jussara Cristina Mayer Ceron

O exercício da docência na Educação Infantil constitui uma atividade


contextualizada, que demanda saberes pedagógicos, práticas mediadoras, posturas
de cuidado e ações educativas pautadas em princípios éticos, políticos e estéticos.
Para o desenvolvimento desse exercício enquanto ação pedagógica, é
imprescindível pensar em dois aspectos: a formação e a profissionalidade docente.

Historicamente, a Educação Infantil passou por profundas transformações,


entre elas a formação dos educadores, que começou a se intensificar por meio de
políticas educacionais e debates acadêmicos nacionais, a partir da década de 1990,
sobretudo com o desdobramento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
– LDB (Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996), que instituiu a carreira profissional
para todos que trabalhavam nesse nível de ensino. Esse reconhecimento da
condição de professores incluiu os profissionais de creches, assim como a definição
de formação superior para todos.

Os movimentos se intensificaram ainda mais, principalmente na busca pela


compreensão das funções do profissional docente, como aponta o Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI (1998): “Faz necessário que os
profissionais, nas instituições de educação infantil, tenham uma formação inicial
sólida e consistente, acompanhada de adequada e permanente atualização em
serviço”. Isso significa que as instituições deverão investir na formação dos
educadores, aproveitando as experiências exitosas que já existem. Diante do desafio
que é a formação, o RCNEI defende: “O trabalho direto com as crianças pequenas
exige que o educador tenha uma competência polivalente” (BRASIL, 1998, p. 41).

A competência polivalente, necessária ao exercício do educador, utiliza-se dos


instrumentos de observação, planejamento, registro e avaliação, exigindo reflexão
constante sobre as próprias práticas. Para Kishimoto (1999, p.61), “a formação
profissional para a Educação Infantil ressurgiu com o clima instaurado após a
Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional e a Lei Orgânica de Assistência Social”. A autora revela
que esses dispositivos permitiram a inserção da criança pequena na Educação
Básica, garantindo o seu direito à educação e, consequentemente, impondo ao
Estado a obrigatoriedade de oferecer instituições educativas para as crianças.

A partir da LDB, a Educação Infantil passou a integrar a Educação Básica e os


debates em torno da formação de professores para esse nível de ensino
transformaram-se em um movimento expressivo e presente hoje nas políticas

73
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

públicas, e também em uma das ações formativas do Programa a União Faz a Vida. O
compromisso da Educação Infantil é desenvolver uma prática pedagógica que
proporcione a criança estabelecer contato com o mundo de possibilidades
exploratórias. Neste sentido, os fazeres dos educadores devem promover a
ampliação dos conhecimentos sobre natureza, sociedade, cultura e todos os
processos que envolvem a criança, cotidianamente.

Com olhar voltado às práticas nas instituições infantis e com o propósito de


contribuir para a formação dos educadores, de modo que o binômio educar/cuidar,
definido por Kramer (1994), também esteja na pauta da formação dos educadores,
uma vez que estas ações são indissociáveis no cotidiano pedagógico, o PUFV
desenvolveu um método pautado na Pedagogia de Projetos. Nas ações do Programa,
o professor é o ator/autor responsável por fomentar o protagonismo infantil e pela
cultura de pares. É o adulto que ajuda a criança a fazer descobertas por conta
própria, sendo imprescindível ao trabalho docente a reflexividade crítica sobre as
práticas, como um dos movimentos que fortalecem a formação e a atuação do
professor. Toda formação deve oferecer meios para o professor desenvolver um
pensamento autônomo, facilitando também a construção de sua autoformação.

É importante saber que o educador não termina o curso de formação


docente (inicial) pronto em diversos aspectos para o exercício profissional,
pois as situações vivenciadas serão totalmente diferentes e isso exige
todo um conhecimento e experiências envolvidas no meio educacional,
cabendo a ele “olhar para si e compreender-se educador”, sabendo que
uma das maiores habilidades de ser professor é a de trabalhar em grupo e
desenvolver trabalhos que envolvam uma massa coletiva, mas que tem
um objetivo único que é ensinar e ensinar com qualidade e respeito (GOMES
(2013, p. 40).

O processo de formação docente constitui um desafio permanente para o


educador e para as instituições educacionais. Para exercer a profissão, é preciso boa
formação dotada de conhecimentos específicos, assim como, responsabilidade e
compromisso para com as crianças. Neste sentido, GARCÍA (1999, p. 65) enfatiza que:
“o desenvolvimento profissional é entendido como o conjunto de processos e
estratégias que facilitam a reflexão dos professores sobre a sua própria prática, que
contribui para que os professores gerem conhecimento prático, estratégico e sejam
capazes de aprender com a sua experiência”.

Considerando a “profissionalidade” como um percurso individual e coletivo,


que se estrutura e se consolida nas diversas experiências e aprendizagens que
envolvem o ato de aprender e ensinar, o Programa desenvolveu uma metodologia
pensada para a realidade da Educação Infantil, reconhecendo as especificidades que
caracterizam as fases de desenvolvimento das crianças. Neste sentido, formação e
profissionalidade são essenciais porque resultam em práticas docentes que
contribuem com a construção do conhecimento e o desenvolvimento das
competências da criança, de modo que ela possa “transformar experiências em
pensamentos, os pensamentos em reflexões e estas em novos pensamentos e
novas ações” (MALAGUZZI, 1999, p. 82).

74
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

A proposta de formação do PUFV

A proposta formativa do PUFV contempla estudos teóricos e vivências


práticas, a partir da leitura do currículo, caracterizando o universo infantil, os
tempos e espaços e as fases pelas quais as crianças se desenvolvem, e considera
três fases da Educação Infantil: a primeira explora as peculiaridades do trabalho
pedagógico com crianças de zero a 1 ano e 6 meses; a segunda reconhece as
expressões das crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses; e a terceira, voltada
às práticas com crianças de 4 e 5 anos. Essas etapas reconhecem que a criança, no
seu processo de descoberta do mundo, constrói e é construída no contato que
estabelece com os objetos do conhecimento, seja através de gestos, olhares, sons,
fala, lugares, brincadeiras, histórias que ouvem e que inventam, dos pares com quem
se identificam, das relações que estabelecem, das preferências que manifestam e
das expressões diversas que revelam.

Ao olhar para as três faixas etárias da Educação Infantil, estabelecidas pela


Base Nacional Comum Curricular (2017), o PUFV estruturou uma habilitação para os
educadores agregando conteúdos sobre as especificidades da infância e a
aplicabilidade da metodologia de projetos proposta pelo Programa, de modo a
garantir a efetividade da prática pedagógica e, com ela, os direitos de aprendizagem
e desenvolvimento das crianças e suas significativas experiências de vida.

Na metodologia do Programa para atender a realidade da Educação Infantil,


está o entendimento de que o conhecimento do educador se relaciona aos próprios
saberes, ou seja, com a própria identidade profissional, com experiências e aspectos
históricos por ele vivenciados, com as suas relações com os educandos e no convívio
com os outros profissionais. Neste sentido, entrelaçam-se os dois aspectos
mencionados – formação e profissionalidade – permitindo que os educadores
tenham acesso ao conhecimento produzido na área da Educação Infantil e da cultura
em geral, para repensarem suas práticas, reconstruírem-se como cidadãos e
atuarem na condição de sujeitos da produção de conhecimento.

A formação da criança não pode visar apenas o acúmulo de informações. A


formação e a profissionalidade docente exigem conhecimentos profundos de
pedagogia e psicologia infantil, sociologia da infância e cultura da criança,
associados à experiência prática, incluindo atenção ao todo da criança, a ela e ao seu
mundo, porque “Uma educação fragmentada não produz eco na alma de uma
criança” (HADDAD, 2006, p. 540).

Referências

BRASIL. (2017). Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Terceira versão.
Brasília: MEC.

BRASIL. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/96, de 20 de


dezembro de 1996. Brasília.

BRASIL. (1998). Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação


Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília:
MEC/SEF.

75
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

BRUNER, J. (2001). A cultura da Educação. Porto Alegre. Artmed.

GARCÍA, Carlos Marcelo. (1999). Formação de professores: para uma mudança educativa.
Porto: Porto Editora.

GARCÍA, Carlos Marcelo. (2009). Desenvolvimento Profissional: passado e futuro. Sísifo –


Revista das Ciências da Educação, nº 08, p. 7-22, jan./abr.

GOMES, M. O. (2013). Formação de Professores na Educação Infantil. 2ª Ed. São Paulo,


Cortez.

HADDAD, L. (2006). Políticas integradas de educação e cuidado infantil: desafios,


armadilhas e possibilidades. Cadernos de Pesquisa, v. 36, nº 129, set./dez.

KISHIMOTO, Tizuka Morchida. (1999). Jogos Infantis: o jogo, a criança e a educação. 6ª ed.
Petrópolis: Vozes.

KRAMER, S. (1994). Currículo de Educação Infantil e a formação dos profissionais da creche


e pré escola: questões teóricas e políticas. In: Por uma política de formação do
profissional de educação infantil. Brasília: MEC/SEF/COEDI.

MALAGUZZI, L. (1999). História, Ideias e Filosofia Básica. In: EDWARDS, C; GANDINI, L.;
FORMANN G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artmed.

NÓVOA, A. (Org.). (1997). Os professores e a sua formação. Publicação Dom Quixote.


Lisboa, Portugal: Instituto de Inovação Educacional.

76
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

PRÁTICAS
pedagógicas para A
escola da infância

Parte 3
69
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

3.1 O Brincar como Recurso de Comunicação da Infância


Psicóloga Paula Pedroso

O brincar é fundamental na vida das pessoas, em especial no desenvolvimento


da criança, por ser um meio natural de expressão, uma forma de se demonstrar
sentimentos, fantasias, e o processo de internalização e significação do mundo.
Como afirma Winnicott¹ (1975), “... é a brincadeira que é universal e que é própria da
saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde” (idem, p.63).

Os bebês exploram as suas possibilidades a partir da brincadeira com seu


corpo, do toque, levando os objetos à boca, interagindo a partir da exploração de si na
relação com o mundo que os rodeia. Essa fase caracteriza o egocentrismo, momento
da infância em que “bebê e o objeto estão fundidos um no outro. A visão que o bebê
tem do objeto é subjetiva e a mãe (ou quem faça esse papel) se orienta no sentido de
tornar concreto aquilo que o bebê está pronto a encontrar” (WINNICOTT, 1975, p.70).

À medida que os bebês vão crescendo, passam a brincar explorando o mundo,


abrindo gavetas, armários, escondendo-se atrás das cortinas, descobrindo as flores,
o canto dos pássaros, a risada do amigo, o barulho dos carros, começam a olhar ao
redor e significar esse mundo a partir das brincadeiras: constroem diferentes
famílias, imitam a professora, as pessoas da família, um animal, um super-herói, etc.
Nessa fase, a brincadeira é de tanta entrega, intensidade e seriedade que, muitas
vezes, a criança não a vive como faz de conta, mas sim como sua realidade.

As brincadeiras acontecem de várias formas, sendo muitas delas mediadas por


um ou mais objetos concretos, que chamamos brinquedos, que muitas vezes são
parecidos ou fazem alusão a objetos reais do cotidiano. Os brinquedos têm função
muito importante nesse universo do brincar e para o desenvolvimento humano,
como explica psicanalista Arminda Aberastury (1992):

O brinquedo possui muitas das características dos objetos reais, mas, pelo
seu tamanho, pelo fato de que a criança exerce domínio sobre ele, pois o
adulto outorga-lhe a qualidade de algo próprio e permitido, transforma-se
no instrumento para o domínio de situações penosas, difíceis, traumáticas,
que se engendram na relação com os objetos reais. Além disso, o brinquedo
é substituível e permite que a criança repita, à vontade, situações
prazenteiras e dolorosas que, entretanto, ela por si mesma não pode
reproduzir no mundo real (Idem, p. 15).

¹ Donald Woods Winnico (1896 – 1971): Pediatra e Psicanalista que se dedicou ao estudo do desenvolvimento humano, em especial nas
relações familiares com os bebês e as crianças, dando ênfase à relação mãe e bebê e a sequência do seu desenvolvimento. Sua obra consiste em
mais de 10 livros referências para a Psicanálise e a compreensão do Desenvolvimento Infan l. No presente ar go destacamos a obra “O Brincar e
a Realidade”, referenciada algumas vezes ao longo do texto.

79
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Conforme as crianças vão compreendendo a diferença entre fantasia e


realidade, tornam-se exploradores pesquisadores e, por meio da brincadeira,
interiorizam e compreendem os seus limites pessoais e sociais, valores pessoais,
familiares e das instituições que frequentam. Vão de fato significando o mundo ao
redor e compreendendo o lugar de cada um, a sua forma de estar nos grupos e a
sociedade em que vivem, internalizando a cultura local, reconhecendo e se
apropriando do patrimônio cultural.

O faz de conta e a compreensão da realidade

Quando a criança brinca, ela faz de conta e este é um exercício de caráter


psicológico repleto de possibilidades e muitas variáveis. A criança pode imaginar ser
o que ou quem ela quiser, estar em lugares diferentes, existentes ou não, satisfazer
suas vontades, viver situações inesperadas, angustiar-se e divertir-se. Brincando a
criança coloca o seu corpo em cena, em relação consigo, com o outro, com a realidade
e o imaginário, representando e vivenciando diferentes personagens e situações.

Nas suas brincadeiras, as crianças vivenciam êxitos e frustrações,


acolhimentos e rejeições e vão pouco a pouco (cada criança no seu tempo e no seu
ritmo) desenvolvendo a sua compreensão da realidade. Para Winnicott (1975) “a
importância do brincar é sempre a precariedade do interjogo entre a realidade
psíquica pessoal e a experiência de controle de objetos reais” (idem, p.71), ou seja,
progressivamente, a criança aproxima a sua expectativa (o que imagina) da
realidade concreta.

O brincar é fundamental na vida das pessoas e, especialmente na infância, é o


início e o meio das relações entre a criança e o mundo. O mundo lúdico é o elo entre a
realidade interna do sujeito e a realidade externa, compartilhado com outras
pessoas. De acordo com Aberastury (1992):

Ao brincar a criança desloca para o exterior seus medos, angústias e


problemas internos, dominando-os por meio da ação. Repete no brinquedo
todas as situações excessivas para o seu ego fraco e isto lhe permite [...]
tornar ativo aquilo que sofreu passivamente, modificar um final que lhe foi
penoso, tolerar papéis e situações que seriam proibidas na vida real [...] e
também repetir à vontade situações prazerosas (idem, p. 15).

Como o brincar é a linguagem essencial da criança e sua forma de expressão,


quando trabalhamos na Educação Infantil somos convidados a olhar atentamente e
muitas vezes interagir e partilhar de momentos lúdicos, para nos aproximarmos das
crianças e compreendermos a sua linguagem. O adulto que brinca com suas crianças
está mais próximo delas também, porque o brincar é um meio de comunicação
pessoal e dos grupos culturais aos quais elas pertencem.

A cultura infantil vai se transformando a partir da cultura da família da criança,


de seus antepassados, dos grupos aos quais pertence, da cultura da escola e dos
educadores e colegas que compartilham espaços de vida com ela. Como destaca
Friedmann (2012),

80
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

No brincar há sempre uma história sendo contada que fala das raízes, das
origens e dos movimentos dos seres humanos [...] Ocorre na infância um
processo de produção e reprodução cultural: um sistema simbólico
acionado pelos atores sociais a cada momento, para dar sentido às suas
experiências, o que faz com que as pessoas possam viver em sociedade,
compartilhando sentidos formados a partir de um mesmo sistema
simbólico. A cultura está sempre em transformação e mudança
(FRIEDMANN, 2012, p. 88).

A cultura está sempre em transformação e mudança, e as crianças são


produtos e produtoras de cultura e de sentidos. Aos adultos educadores cabe a
compreensão e o respeito às novas manifestações culturais nas brincadeiras das
crianças, sem deixar de lado o papel de transmissores do patrimônio histórico e
cultural, contado por meio de diferentes expressões do brincar.

Na prática, o educador da infância precisa valorizar e reservar, na rotina


escolar diária, momentos de observação do brincar livre de seus alunos e possibilitar
que os mesmos possam trazer seus brinquedos preferidos para a escola e para a
interação com seus pares. Porém, também cabe ao professor da Educação Infantil
brincar e ensinar outras formas de interagir com os mesmos objetos, ou ainda,
apresentar antigas brincadeiras e brinquedos que remetam à infância dos mais
velhos.

Referências

ABERASTURY, Arminda. (1992). A criança e seus jogos. 2ª ed. Porto Alegre, Artmed.

FRIEDMANN, Adriana. (2012). O brincar na educação infantil: observação, adequação e


inclusão. São Paulo, Moderna.

WINNICOTT, Donald. (1971). O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro, Imago.

81
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

3.2 Envolvimento da Família e da Comunidade na Cultura


do PUFV
Prof. Dr. Ricardo Casco

Se a pedagogia de projetos se consumou no âmbito da Educação Infantil como


uma poderosa estratégia educativa, é preciso lembrar que a escola e, em particular,
os professores, a fim de poderem compreender melhor as crianças colocadas sob
seus cuidados e reconhecer seus interesses e necessidades, devem estabelecer uma
relação próxima com suas famílias.

Compreendidas como instâncias socializadoras, as instituições escolares e


familiares cumprem papeis diferentes na formação da criança. Segundo Oliveira e
Marinho-Araújo (2010):

A divergência entre escola e família está na tarefa de ensinar, sendo que a


primeira tem a função de favorecer a aprendizagem dos conhecimentos
construídos socialmente em determinado momento histórico, de ampliar
as possibilidades de convivência social e, ainda, de legitimar uma ordem
social, enquanto a segunda tem a tarefa de promover a socialização das
crianças, incluindo o aprendizado de padrões comportamentais, atitudes e
valores aceitos pela sociedade (idem, p.2).

Ainda que ambas instituições – escola e família – compreendam as principais


instâncias socializadoras durante a infância, elas divergem nos objetivos, no que diz
respeito ao que têm de ensinar. A escola cumpre o papel de inserir a criança no
mundo da cultura, no mundo dos conhecimentos socialmente elaborados e
organizados nos campos das ciências, da história e das artes. A família, por sua vez,
ocupa um papel primordial no que diz respeito à formação psíquica da maior parte
dos indivíduos (HORKHEIMER e ADORNO, 1973).

Estudos mostram a importância da aproximação da família e da escola para o


favorecimento das aprendizagens sociais e escolares. Segundo Carvalho (2000),
tanto nos Estados Unidos como no Brasil, “a fórmula da relação família-escola seria
a seguinte: mais envolvimento dos pais em casa equivale a maior aproveitamento e
permanência na escola, por parte dos alunos; mais participação dos pais na escola
resulta em melhores escolas” (idem, p. 148).

Educadores e escolas progressistas veem no fortalecimento da participação


dos pais na escola, seja na sua gestão como na sua proximidade com o trabalho
desenvolvido na sala de aula, um importante aliado na educação das crianças, pois
essa relação produtiva com a escola implica em ganhos para a “família (coesão,
‘empoderamento’), para a escola (eficácia), para os estudantes (o sucesso de todos)

83
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

e para a sociedade (construção democrática a partir da base e do cotidiano)”


(CARVALHO, 2000, p. 146).

Um dos principais aspectos apontados como positivos na aproximação entre a


escola e a família, para a educação da criança, refere-se “a atitudes de
corresponsabilidade e interesse dos pais com o processo de ensino-aprendizagem
incluindo a participação ou colaboração em atividades, em eventos ou solicitações
propostas pela escola" (HERNÁNDEZ, 1995, apud OLIVEIRA e MARINHO-ARAUJO,
2010).

A concepção educativa progressista, democrática, compreende a escola como


um microcosmo da vida social. Nela e por meio dela é que se dão as aprendizagens
sociais requeridas para a vida comunitária. Nesse sentido, esse empreendimento é
fruto da participação de toda a comunidade interessada nos processos educativos
das novas gerações. A esse respeito, Spaggiari (1995) comenta:

As ideias e habilidades que as famílias trazem à escola e, ainda mais


importante, o intercâmbio de ideias entre pais e professores, favorecem o
desenvolvimento de um novo modo de educar, e ajudam os professores a
ver a participação das famílias não como uma ameaça, mas como um
elemento intrínseco de companheirismo e como a integração de diferentes
conhecimentos (idem, p. 110).

A participação das famílias durante o processo educativo implica na


mobilização de todos em prol da formação das crianças. Além disso, é preciso
considerar que entre as instituições sociais existentes na contemporaneidade, a
escola assume grande relevância por se constituir num espaço de convivência, de
experiência comunitária.

Como Kilpatrick (2011) reconhece, a vida social sofreu grandes transformações


nos últimos dois séculos, sobretudo devido à modificação do modo de produção que
acabou por instaurar novas formas de socialização. As experiências comunitárias,
experiências por meio das quais se dava a formação das novas gerações, foram
substituídas por relações impessoais e por modos de viver tendencialmente
individualistas, processos que fragilizaram a formação de vínculos e de processos
identificatórios típicos dos períodos históricos anteriores à expansão das grandes
cidades e do advento do modo de produção industrial. Nesse cenário, a escola acaba
por se constituir notadamente como um espaço no qual as experiências de vida
comunal podem ser compartilhadas. A experiência coletiva comunitária é condição
básica para a construção de uma sociedade democrática que possa corresponder às
necessidades dos indivíduos que a compõe.

Aproximando as famílias da escola

As famílias, no âmbito do Programa A União Faz a Vida, fazem parte do


conjunto de atores sociais compreendidos como “comunidade de aprendizagem”.
São atores relevantes para o favorecimento das aprendizagens sociais e escolares
de seus filhos nos ambientes educativos. As famílias são convidadas a participarem

84
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

dos projetos de trabalho desenvolvidos pelas crianças na escola. Porém, sua


participação na instituição escolar pode se dar por meio de outras formas de
atuação.

Spaggiari (1995), além de defender a necessidade de uma gestão


compartilhada da escola com as famílias (notadamente por meio dos Conselhos de
Escola), considera que as mesmas podem participar do cotidiano escolar de
diferentes maneiras:

1. Encontros no nível de sala de aula individual: professores e pais reúnem-


se para discutir assuntos e acontecimentos relativos à turma, rumos
pedagógicos e práticos do grupo e compartilhamento de atividades
desenvolvidas. Recomenda-se que esse tipo de encontro ocorra cinco ou
seis vezes por ano.

2. Conversas individuais entre professores familiares: encontros sugeridos


por educadores ou familiares, destinam-se à resolução de problemas
específicos relativos a uma determinada família ou criança. Visam
oferecer a oportunidade de uma discussão mais aprofundada entre os
atores sociais.

3. Reuniões envolvendo um tema: destinam-se à ampliação de


compreensão sobre um tema de interesse comum. Visa à troca de ideias e
pontos de vista entre os participantes.

4. Encontros com especialistas: sob a forma de uma palestra ou discussão


em mesa redonda, visam ampliar a compreensão de um tema de interesse
da comunidade escolar (por exemplo: contos de fadas, sexualidade
infantil, nutrição, etc).

5. Sessões de trabalho: Pais e professores juntam-se para construir móveis


e equipamentos, melhorar o jardim da escola, decoração etc.

6. Laboratórios: encontros para “aprender fazendo”. Pais e educadores


adquirem conhecimentos por meio de oficinas (origami, culinária,
confecção de marionetes, teatro de sombras, etc.).

7. Feriados e celebrações: familiares, crianças, educadores e cidadãos da


comunidade reúnem-se para celebrar datas comemorativas de
relevância para a coletividade (aniversários, encerramento do ano letivo,
ocorrências sazonais etc.).

8. Passeios: organização de passeios, piqueniques, visitas em casa de


colegas, etc.

A formação das crianças na Educação Infantil compreende não apenas a

85
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

adoção de uma pedagogia que reconheça as suas necessidades e os seus interesses,


mas, sobretudo, que entenda a criança como sujeito de direitos. A pedagogia de
projetos constitui uma abordagem exitosa que vai ao encontro de um projeto de
sociedade comprometida com a democracia e com a justiça social. Seguindo essa
perspectiva, O Programa a União Faz a Vida compreende que cabe à escola, em
conjunto com toda a comunidade de aprendizagem, auxiliar a formação do espírito
democrático e do pensamento científico dos educandos. Essa tarefa é de
responsabilidade de todos os atores interessados na concretização desse ideário:
familiares, professores, gestores públicos e demais atores sociais devem se
responsabilizar cotidianamente pelo presente e pelo futuro das novas gerações.

Referências

CARVALHO, Maria E. P. (2000). Relações entre família e escola e suas implicações de


gênero. In: Cadernos de Pesquisa, nº 110, p. 143-155, julho 2000.

HERNÁNDEZ, A. M. S. (1995). A relação escola e família na opinião de seus agentes.


Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. (1973). Família. In: Temas básicos da sociologia. São Paulo,
Cultrix.

KILPATRICK, William Heard. (2011). Educação para uma sociedade em transformação.


Petrópolis/RJ, Vozes.

OLIVEIRA, C. B. E.; MARINHO-ARAÚJO, C. M. (2010). A relação família-escola: intersecções e


desafios. In: Estudos de Psicologia, vol. 27, nº1, Campinas, jan./mar. 2010.

SPAGGIARI, Sergio. (1999). A parceria comunidade-professor na administração das escolas.


In: EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança – A abordagem de
Reggio Emilia na educação da primeira infância. Vol.1. Porto Alegre: Ed. Artmed.

86
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

3.3 Trabalhando Valores a partir de Livros de História


Psicóloga Paula Pedroso

Era uma vez um menino que sempre ouviu histórias contadas pelos ávidos
leitores e escritores de sua família, e pelas entusiastas professoras que foi
encontrando no caminho. Um menino rodeado por histórias escritas, reescritas e
contadas de improviso. Apesar disso, não gostava de ler. Como pode? Com tantos
exemplos não gostar de ler? Ora, cada um tem seu tempo e sua história... Esse
menino, aos 9 anos de idade, com a ajuda de uma madrinha leitora, compreendeu que
ler era como ver um filme na cabeça e isto mudou tudo para ele.

Na caixa de ferramentas do aprendiz, a imaginação é a capacidade para


perceber e sentir situações que não estão fisicamente presentes, para
explorar como elas poderiam comportar-se e desenvolver-se nos olhos da
mente [...] A capacidade de 'assistir a um filme em sua mente' é uma das
ferramentas de aprendizagem mais poderosas que possuímos. As
crianças são adeptas do mundo da imaginação, e o valor e a validade da
fantasia em suas jovens vidas são amplamente reconhecidos (CLAXTON,
2005, p.73).

Desde muito cedo a criança já é capaz de imaginar e brincar com o “jogo do faz
de conta”. Esta brincadeira simbólica é fundamental no desenvolvimento humano
que se dá a partir da interação com outras pessoas, mas também na relação com
livros e histórias que podem nos fazer vivenciar diferentes realidades e situações.

Da mesma forma que a criança vai internalizando o mundo à sua volta e


manifestando o seu modo de compreendê-lo por meio de brincadeiras, as histórias
também possibilitam expressão, consciência e transformação do mundo interno,
por fazerem parte desse universo simbólico, levando as crianças para um mundo de
faz de conta. Nesse contexto, os livros e as brincadeiras, a interação com os pares e
com os adultos mobilizam a construção da subjetividade da criança.

Com base nos pressupostos de Bruner (1997), como uma forma de discurso que
descreve fatos em sequência do passado, real ou imaginário, a narrativa ocorre em
linguagem articulada, oral ou escrita, imagem fixa ou móvel (mito, lenda, fábula,
conto, história, tragédia, drama, comédia, pantomima, pintura, cinema, situações
diversas de conversação). Para o autor, as estruturas binárias (bom/mau,
certo/errado, entre outras) presentes nos contos de fadas e no cotidiano das
crianças facilitam, por parte das mesmas, a percepção da expressão de significados,
por sua ordenação de pertencente ou não pertencente.

À medida que as crianças vivenciam histórias de diversas ordens, contos de

87
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

fada e de encantamento, também vão construindo as suas narrativas e tornando-se


protagonistas do seu desenvolvimento, em interação com seus pares e com os
adultos mediadores de suas aprendizagens.

A narrativa está presente na conversação, no contar e recontar histórias,


na expressão gestual e plástica, na brincadeira e nas ações que resultam
da integração das várias linguagens, dando sentido ao mundo e tornando
essencial sua inclusão no cotidiano infantil (KISHIMOTO, SANTOS e BASÍLIO,
2007, p. 429).

As histórias dos livros e como elas são contadas

Um livro de história pode abrir caminho para trabalharmos diferentes


realidades com as crianças, para fazê-las refletir sobre os seus comportamentos e
até mesmo sobre as suas verdades absolutas. Na Educação Infantil, é fundamental
que se crie e se mantenha “um ambiente que registre os processos de aprendizagem
e a construção do conhecimento, que narra as trajetórias didáticas e que relata os
valores de referência” (CEPPI e ZINI, 2013, p.33).

As crianças aprendem diferentes formas de pensar e imaginar conforme o


ambiente onde vivem propicie a expressão de seus pensamentos e imaginações, e as
histórias são contadas e compartilhadas pelas crianças. As palavras, as imagens, o
tom de voz, a forma com que o professor apresenta uma história ao grupo – tudo isso
propicia uma gama enorme de possibilidades de trabalho.

Se no brincar temos a interação entre as crianças, com os livros de histórias e


narrativas infantis temos também a possibilidade de compreender como os
pequenos estão internalizando o mundo e as suas relações. E temos ainda a
possibilidade de criar um repertório cultural e social, de introduzir assuntos
pertinentes ao grupo, de construir ferramentas para o desenvolvimento
socioafetivo e para a internalização de valores sociais importantes, como a
cooperação e a cidadania. Essas ferramentas podem ser construídas a partir de
ideias, situações e estratégias vividas pelos personagens das histórias, que podem
ser discutidas pelo grupo quanto à viabilidade no contexto em que vivem. Histórias
de personagens com atitudes positivas frente aos desafios possibilitam ao
professor trabalhar junto às crianças a importância de acreditarmos em nós
mesmos para superarmos desafios diários, por exemplo.

Trabalhando em escolas, deparamo-nos com comunidades de aprendizagem


estressadas e pressionadas pela sociedade das incertezas e da fluidez das relações
e dos conhecimentos. Os adultos, em geral, tentam desenvolver ferramentas para se
adaptarem às constantes mudanças que vivenciam. A comunidade educativa tenta
compreender e se comunicar com essa geração de crianças e jovens, inserindo-se na
nova cultura. Estamos falando de uma geração que cresce no mundo do instantâneo,
que está adaptada a um mundo veloz, onde se resolvem as inquietações emocionais
com a mesma rapidez com que se faz uma comida ou se compra um aplicativo para o
celular. Nesse contexto, faz-se fundamental a mediação do educador para que todo
o suporte tecnológico e a rapidez da informação se configurem como instrumentos

88
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

de aprendizagem.

No convívio com as crianças e na realidade da Educação Infantil, os livros de


história são instrumentos bastante utilizados pelos professores e podem ser
explorados com diferentes intenções. Por meio de um livro, o professor pode
trabalhar positivamente para o desenvolvimento de valores fundamentais ao
convívio social e à construção e manutenção de uma sociedade cada vez mais
sustentável e consciente, mas lembrando-se da importância de planejar os
momentos de contação de histórias, de saber os objetivos da sua ação pedagógica.
Pode ser pelo simples prazer de ler uma boa história, porém, esse objetivo precisa
estar claro para o educador.

Especialmente na infância, os livros de história tornam-se disparadores para


as crianças perceberem e pensarem sobre os seus comportamentos e sentimentos,
para ampliarem a consciência de si mesmas, dos outros e do grupo. Cada turma que
se forma na escola possui características e identidades próprias, com muitas
variáveis. Portanto, cabe ao educador avaliar as necessidades e características dos
seus grupos e explorar de diversas formas as narrativas infantis e os livros de
histórias, valorizando o que o menino do início do artigo aprendeu com a sua
madrinha sobre a importância e a beleza de construirmos diferentes filmes na
cabeça quando ouvimos ou lemos uma história.

Dicas para a sua sala de aula

Buscando apoiar as práticas pedagógicas dos nossos colegas da Educação


Infantil, apresentamos a seguir uma lista de bons livros e histórias para os
educadores trabalharem valores com as crianças da sua sala de aula.

O sapo Zefirelo - de Péricles Augusto de Cenço.


Ilustrações: Carla Pilla. Porto Alegre, Ed. Mediação, 2008.

Zefirelo tem medo da água e não sabe nadar, mas enfrenta seus temores para salvar o
amigo Alfredo que caiu no laguinho. Uma história que nos permite trabalhar o medo, o
valor da amizade, e abertura para a experimentação de novas coisas e situações.

Zefirelo e o cão - de Péricles Augusto de Cenço.


Ilustrações: Carla Pilla. Porto Alegre, Ed. Mediação, 2010.

Os animais do bosque estão apavorados porque há um terrível bicho à solta. Ninguém o


viu, mas todo mundo diz que é terrível. Com essa história podemos trabalhar o medo do
desconhecido e os preconceitos.

Zefirelo e o pequeno Norberto - de Péricles Augusto de Cenço.


Ilustrações: Carla Pilla. Porto Alegre, Ed. Mediação, 2012.

Na hora do seu primeiro voo, o passarinho Norberto está com medo, mas o sapo Zefirelo
vai mostrar que os amigos do bosque viveram situações parecidas quando eram pequenos.
A história nos ajuda a abordar os medos, a coragem e a amizade entre as crianças.

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O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Dandara, seus cachos e caracóis - de Maíra Suertegaray.


Ilustrações: Carla Pilla. Porto Alegre, Ed. Mediação, 2015.

Os lindos cabelos de Dandara têm muitos cachos e caracóis, mas ela preferia que fossem
lisos como os das suas princesas preferidas. Seus cabelos vão contar a história de sua
família, de seus avós e antepassados. Esse livro convida à valorização das histórias
pessoais das crianças e ao respeito às diferenças.

Três Ursos - de Cli Wright.


Ilustrações: Cli Wright. São Paulo, Brinque-Book, 2007.

Três amigos ursos convivem e brincam juntos, até o dia em que um deles se machuca e
precisa ficar em casa, olhando pela janela os outros brincando. Essa história valoriza o
olhar sobre a amizade, o ciúme, o diálogo e as consequências de reações impulsivas.

Ana, Guto e o Gato Dançarino - de Stephen Michael King.


Ilustrações: Stephen Michael King. São Paulo, Brinque-Book, 2008.

Ana fazia botinhas porque as pessoas precisavam, mas não porque gostasse de fazê-las,
até que o dia em que conhece Guto e o gato dançarino, e resolve transformar a sua vida.
Com essa história podemos abordar a importância que nossos talentos têm em nossas
vidas e a nossa coragem para mudar o mundo ao redor.

O Homem que amava caixas - de Stephen Michael King.


Ilustrações: Stephen Michael King. São Paulo, Brinque-Book, 1997.

Um pai demonstra seu amor pelo filho construindo muitas coisas com caixas de diferentes
formas e tamanhos. Essa história nos oferece a possibilidade de trabalhar as várias
formas de demonstrarmos os sentimentos.

Gildo e os amigos na praia - de Silvana Rando.


Ilustrações: Silvana Rando. São Paulo, Brinque-Book, 2014.

Um elefante que tem medo de bexigas vai um dia numa festa e a mãe do amigo amarra
uma bexiga no pulso dele... A autora nos convida a refletir sobre o medo, a vontade de
vencê-lo, e a possibilidade de revertê-lo em coisa boa.

Guilherme Augusto Araújo Fernandes - de Mem Fox.


Ilustrações: Julie Vivas. São Paulo, Brinque-Book, 1995.

Guilherme mora ao lado de um asilo e conversa com os idosos. Um dia resolve devolver a
memória perdida de D. Antônia, para isso vai entender o que é memória e fazer um belo
presente à sua amiga. Essa história aborda o conceito de memória e a importância das
histórias e das lembranças de vida.

Obax - de André Neves.


Ilustrações: André Neves. São Paulo, Brinque-Book, 2010.

Uma menina que vive nas savanas africanas, onde os homens lavram a terra e as mulheres
cuidam dos afazeres domésticos, mostra-se diferente das outras crianças e busca viver e
imaginar muitas aventuras. O livro permite trabalhar o imaginário, a criatividade infantil, a
cultura africana e a vida nas savanas.

90
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Um porco vem morar aqui - de Claudia Fries.


Ilustrações: Claudia Fries. São Paulo, Brinque-Book, 2010.

Um porco muda de casa e os novos vizinhos, acreditando que todo porco é sujo e
bagunceiro, passam a culpá-lo por tudo que acontece de errado no prédio. Uma forma
diferente de abordarmos os preconceitos e as amizades surpreendentes.

A bruxa do batom borrado - de Anderson Novello


Ilustrações: Alessandra Tozi Editora Pensa+, 2017

A bruxa só quer viver a sua vida sossegada, inclusive com sua rotina de passar batom
vermelho, mas as crianças estão obstinadas em atrapalhar seu ritual. Com essa história
abordamos os temas como preconceito, arrependimento e desenvolvimento de vínculos
afetivos.

O Lobinho não quer compartilhar - de Orianne Lallemand.


Ilustração: Éleonore Thuilier. São Paulo, Brinque-Book, 2015.

O Lobinho convida sua prima para brincar em casa, mas não quer emprestar a ela os seus
brinquedos. A história discute as facilidades e dificuldades de dividirmos o que é nosso
com outras pessoas.

O grande rabanete - de Tatiana Belinky.


Ilustrações: Silvana Rando. São Paulo, Moderna, 2002.

O avô plantou um rabanete, mas na hora de colhê-lo precisará da ajuda de muitas pessoas,
de tão grande que ficou o tubérculo. Uma história divertida sobre o trabalho cooperativo.

Lúcia já-vou-indo - de Maria Heloísa Penteado.


Ilustrações: Maria Heloísa Penteado. São Paulo, Ática, 2015.

Uma lesminha sonhava em conseguir participar de uma festa do início ao fim, o que era
quase impossível devido ao seu ritmo lento, mas ela e seus amigos não desistiram desse
sonho. Esse livro nos convida a valorizar a solidariedade e o trabalho em grupo e
colaborativo.

Uma família é uma família, é uma família - de Sara O'Leary.


Ilustrações: Qin Leng. São Paulo, Brinque-Book, 2017.

Explora as diversas formações familiares e demonstra de maneira sutil que, mesmo


existindo famílias muito diferentes, o afeto une os seus integrantes e os tornam especiais.
Uma história que permite trabalharmos a diversidade de configurações familiares.

Até as princesas soltam pum - de Ilan Brenman.


Ilustrações: Ionit Zilberman. São Paulo, Brinque-Book, 2008.

Depois de discutir com seus colegas de escola, uma menininha pergunta ao seu pai se as
princesas soltam pum. De forma divertida e inusitada, esse livro possibilita a discussão
dos padrões de imagem e comportamento femininos trazidos pelas clássicas histórias de
princesas.

91
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Filhotes de bolso saem de férias - de Margaret Wild.


Ilustrações: Stephen Michael King. São Paulo, Brinque-Book, 2009.

Os cachorrinhos Bife e Bufe, adoram passear no bolso do enorme casaco do seu Totó. Mas
um dia o bolso rasga e eles não sabem se voltarão a serem filhotes de bolso. Essa história
aborda as mudanças inesperadas e a responsabilidade com os pertences.

Aí vem o crocodilo - de Kathryn White.


Ilustrações: Michael Terry. São Paulo, Ciranda Cultural, 2009.

Um crocodilo impaciente e faminto está à solta na floresta, e os demais animais terão de


correr ou serem muito espertos para fugir das suas dentadas. Essa história pode ser um
disparador para falar das mordidas, do autocontrole, dos impulsos, das consequências das
nossas ações e da importância dos amigos.

A verdadeira história dos 3 porquinhos - de Jon Scieska.


Ilustrações: Lane Smith. São Paulo, Companhia das Letrinhas, 2002.

A velha história dos três porquinhos contada pelo ponto de vista do lobo. Possibilita
trabalharmos a diferença dos pontos de vista e o respeito às opiniões e aos sentimentos.

Onde vivem os montros? - de Maurice Sendak.


Ilustrações: Maurice Sendak. São Paulo, Cosac Naify, 2014.

Max vestiu sua fantasia de lobo, fez muitas travessuras e levou bronca e castigo da mãe.
Sua cabeça não parou de imaginar coisas. Esse livro nos impulsiona à reflexão dos
“monstros imaginários” que as crianças constroem, bem como a relação de respeito com a
mãe e com os adultos em geral.

A menina e seus pontinhos - de Silmara Mascalha Casadei.


Ilustrações: Lisie De Lucca. São Paulo, Editora Cortez Editora, 2008.

Uma menina que olhava para o próprio coração e não conseguia entender os pontinhos
que via, que hora lhe deixavam triste, ora com medo, ora esquisita. Com muita
sensibilidade, essa história sublinha a importância das crianças buscarem um adulto para
falar de seus problemas e sentimentos.

O Planetinha Tosse-tosse - de Luca Rischbieter.


Ilustrações: Luca Rischbieter. Salvador, Ed Aymará, 2012.

Um planeta coberto de água está sendo poluído, e por isto fica doente e precisa de
cuidados e tratamento. Essa história aborda de forma simples e direta os conceitos
básicos de ecologia.

Tecelina - de Gláucia de Souza.


Ilustrações: Cristina Biazetto. Porto Alegre, Projeto, 2002.

Ela tece manta, roupas e histórias, aprendeu a tecer com a mãe, que aprendeu com a avó,
que aprendeu com a bisavó... Com esse enredo podemos trabalhar o respeito, as
características dos idosos, a história familiar e o pertencimento.

92
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Lilliput de sorvete & chocolate - de Hermes Bernardi Jr.


Ilustrações: Adriano Garcia Silva. São Paulo, Larousse Junior, 2011.

Tem horas que Luiz vai parar em Lillipute e fica bem pequeninho. Isso acontece quando ele
menos espera e quando todo mundo está de olho nele. Um livro que possibilita falarmos
sobre a vergonha e o que fazer em situações embaraçosas.

A história de uma folha - de Léo Buscáglia.


Rio de Janeiro, Editora Record, 1999.

Era uma vez uma folha que surgiu como um pequeno broto num grande galho, durante a
primavera. Junto com as demais folhas, ela vive as diferentes estações. Essa história
aborda as fases da vida, as estações do ano e o tempo das coisas.

Não-me-esqueças: desabrochar de uma amizade - de Michael Broad.


Ilustrações: Michael Broad. São Paulo, Fundamento, 2011.

Um elefantinho tenta se sentir pertencente aos diferentes grupos de animais, mas se


sente estranho, solitário e triste, até conhecer alguém especial. O livro aborda a
dificuldade de iniciarmos novas amizades.

Totem - de Márcia Széliga.


Ilustrações: Márcia Széliga. São Paulo, Cortez, 2013.

Um livro de imagens, sem história escrita, que aborda lendas ancestrais criadas pelos
índios. Possibilita trabalharmos a cooperação, o trabalho em equipe e as lendas indígenas.

Draguinho: diferente de todos, parecido com ninguém - de Claudio Galperin.


Ilustrações: Openthedoor. São Paulo, Ática, 2005.

Ele parece ser igual a qualquer outro dragãozinho de Dragz, a milenar aldeia de dragões,
mas só parece e será motivo de riso na escola. Com essa história, o educador pode
salientar a importância da inclusão, do respeito e da valorização das diferenças.

93
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Comunicação e encantamento

Os livros de história são um instrumento de comunicação e de encantamento


tão presentes na história da humanidade que temos milhares de obras acessíveis,
com diferentes enredos e possibilidades de contação e diálogo com as crianças. Os
livros que indicamos anteriormente podem ampliar ou reforçar o conjunto de obras
já utilizadas pelo professor em sala de aula. Cada livro pode produzir efeitos também
diversos em cada criança ou grupo, cabendo ao educador saber explorá-los.

Para o Programa A União Faz a Vida, diante das especificidades dos primeiros
anos de vida e da sutileza do olhar para a Educação da Infância, os livros e as
histórias são instrumentos e produtos da vida cotidiana das crianças, permitindo a
elas absorverem e produzirem cultura, explorarem os diferentes contextos a partir
das particularidades da região da escola, da idade e do nível de desenvolvimento dos
alunos.

Como educadores, precisamos explorar as várias maneiras de contar e ouvir


histórias, construir com os grupos de trabalho uma relação de proximidade, por meio
dessa linguagem, e permanecer atentos a tudo o que possa emergir do precioso
momento de contato e encantamento com um livro.

Referências

BRUNER, Jerome. (1997). Realidade mental, mundos possíveis. São Paulo, Artmed.

CEPPI, Giulio; ZINI, Michele (Org.). (2013). Crianças, espaços, relações: como projetar
ambientes para educação infantil. Porto Alegre, Penso.

CLAXTON, Guy. (2005). O desafio de aprender ao longo da vida. Porto Alegre, Artmed.

KISHIMOTO, Tisuko; SANTOS, Maria e BASÍLIO, Dorli. (2007). Narrativas infantis: um estudo
de caso em uma instituição infantil. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, nº3, p. 427-
444, set./dez. 2007.

94
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

3.4 O educador e a construção do cotidiano escolar


cooperativo na Educação Infantil
a
Prof . Ms. Jussara Cristina Mayer Ceron

Pensar a relação da criança com a cultura implica refletir sobre a presença dos
diferentes espaços, instrumentos e relações cotidianas. Envolve a análise de como
as crianças se relacionam com seus pares e com os adultos, como elas estabelecem
contato com o meio e com os objetos, e também como os educadores se relacionam
com a cultura e com os elementos que a constituem. A partir disso, é possível
reconhecer as mediações propiciadas no cotidiano das práticas escolares, e como os
bebês e as crianças bem pequenas constroem as relações cotidianas e se constituem
como sujeitos sociais e históricos.

Como as crianças interagem? Quais as formas de apropriação dos meios na


construção da expressividade das crianças? Como temos potencializada a
convivência na instituição escolar? Estas e outras questões relacionam o cotidiano
pedagógico e abrem espaço para reflexão sobre os elementos que caracterizam as
infâncias e as especificidades do “Ser Criança”, reconhecendo a importância que a
instituição tem na formação de sujeitos solidários, éticos e cooperativos.

Diante das peculiaridades que caracterizam as atividades pedagógicas com as


crianças, e da importância do educador na prática de princípios e valores, Elkonin
(1960), assim como Vigotski (2007) e Leontiev (1978), enfatiza o papel do adulto no
processo educativo das crianças:

Os adultos são os portadores dessa experiência social. Graças aos adultos


a criança assimila um amplo círculo de conhecimentos adquiridos pelas
gerações precedentes, aprende as habilidades socialmente elaboradas e
as formas de conduta criadas na sociedade. À medida que assimilam a
experiência social se formam nas crianças distintas capacidades
(ELKONIN, 1960, p. 498).

As instituições escolares precisam ter como foco a criança e, como opção


metodológica, um conjunto de ações pedagógicas que agrega a construção de
experiências de infância diversificada, qualificada, aprofundada, potente, e
sistematizada, com relações plurais abraçadas pelas famílias e comunidade,
através da cooperação.

O cotidiano da Educação Infantil é indissociável das práticas de educar/cuidar,


sendo que as crianças precisam de atenção e de um atendimento sustentado na
apreciação das relações, nas interações, nas brincadeiras e em práticas educativas

95
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

intencionalmente voltadas às experiências cotidianas coletivas, realizadas por meio


de princípios educativos, tais como: cidadania, diálogo, justiça, cooperação,
democracia e solidariedade. O ambiente oferecido para a criança deve constituir-se
como sociomoral. Por ambiente sociomoral, Devries e Zan (2006, p. 79) definem: “É
toda a rede de relações interpessoais que forma a experiência da criança na escola.
Essa rede pode ser imaginada como sendo formada de duas partes principais: a
relação professor-aluno e a relação das crianças com seus colegas”.

A rede de relações construídas no ambiente educativo pode agregar outros


sujeitos, por exemplo, outros educadores e as famílias das crianças, mas é o
professor o responsável por estabelecer um ambiente sociomoral organizando os
espaços/tempos com atividades individuais e de grupo que promovam a cooperação
entre as crianças. Para isto, o professor precisa estar atento às necessidades
fisiológicas, emocionais e intelectuais de cada fase vivenciada pelas crianças.

O professor é o promotor das práticas e das convivências éticas, estéticas e


políticas. A partir de suas mediações relacionais e articulações pedagógicas, deve
oportunizar convivências harmoniosas, podendo influenciar na qualidade das
interações entre as crianças de várias maneiras, por meio do oferecimento, por
exemplo, de atividades que engendrem a necessidade e o desejo da interação entre
as crianças e a vivência ativa da cooperação e da negociação entre elas.

Construindo sentidos e significados coletivamente

A construção de práticas pedagógicas cooperativas na escola se faz por meio


de experiências pautadas na construção dos sentidos e significados explorados nos
diferentes campos de experiências do currículo. As ações devem permitir que as
crianças construam as suas opiniões e que respeitem as opiniões dos outros,
potencializando assim o senso moral, a partir de expressões da vida cotidiana. Essa
construção só é possível quando as atividades pedagógicas favorecem a troca e a
aceitação, a autonomia e o respeito, quando, por exemplo, o professor compartilha
com as crianças a responsabilidade de fazer as regras, o que aumenta a propensão
de segui-las e lembra uns aos outros sobre as mesmas.

Os educadores determinam em suas práticas a natureza do ambiente, através


das interações que nele se estabelecem e das atividades que dinamizam. Encorajam
a criança a vivenciar situações de autorregulação, por meio de princípios construídos
coletivamente. Logo, a disposição dos recursos materiais e a forma como a turma é
organizada representam muito sobre as concepções educativas que a instituição
possui.

Em uma escola que adota uma pedagogia ativa, as crianças não estão sentadas
em cadeiras isoladas, realizando tarefas escritas. Em um ambiente ativo, no qual as
crianças são sujeitos protagonistas e respeitados, muitas atividades ocorrem
simultaneamente, e o interesse delas é potencializado por meio de diferentes
estratégias. Portanto, as práticas cotidianas de cooperação podem ser
desenvolvidas por meio dos jogos de faz de conta e dos jogos em grupo, entre outras
atividades que motivam as crianças a engajarem-se entre elas, a descobrirem juntas
formas de cooperar.

96
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Cooperar exige coordenar diferentes pontos de vistas, com ajuste progressivo


na compreensão do outro, na aceitação de iniciativas e no intercâmbio de propostas
e contrapropostas. Uma ação que “não é possível, a menos que as crianças
descentrem-se para pensar sobre a perspectiva de outros. A cooperação, com sua
reciprocidade implícita, é imprescindível para o ambiente sociomoral” (DEVRIES e
ZAN, 2006, p.78).

Uma atmosfera cooperativa é suscitada também pela liberdade de exploração


e de experimentação e pela compreensão de que os erros fazem parte do processo
de construção dos saberes e do desenvolvimento biopsicossocial da criança. Nas
suas explorações e experimentações, “a criança constrói não apenas o
conhecimento físico, mas também o poder intelectual e a própria inteligência”
(PIAGET, 1965, p. 197).

Na escola é importante que a criança seja entendida “[…] como um ser capaz de
construir significados sobre o mundo a partir das suas próprias experiências”
(VASCONCELOS, 2009, p. 39). Por isso, a Educação Infantil deve estar baseada em
atitudes de respeito dos educadores para com os interesses, sentimentos, valores e
ideias das crianças. Os espaços também precisam ser planejados e organizados para
atenderem e satisfazerem as necessidades físicas, emocionais e intelectuais das
crianças, para potencializarem as interações e brincadeiras entre os pequenos com
seus pares, para o exercício da responsabilidade infantil. As atividades precisam
atrair os interesses, a experimentação e a cooperação entre crianças, bem como os
adultos educadores cooperarem com os pequenos, buscando compreender seus
raciocínios e facilitando os seus processos construtivos.

O princípio da cooperação deve ser cultivado na Educação Infantil, assim como


outros princípios. O respeito pelos outros deve ser continuamente praticado e a
organização do tempo e do espaço deve oferecer a oportunidade de concretização
dos momentos de troca entre a cultura de pares e de brincadeiras que efetivamente
promovam aprendizagens, garantindo o desenvolvimento e a contemplação dos
direitos representados legalmente e em defesa das culturas infantis.

A vida cotidiana dos pequenos precisa ser regida pela ética do respeito à
criança, pela política de compreensão de seu contexto social, pelo reconhecimento
de suas culturas e pela atenção à estética do mundo simbólico infantil. Tal como
afirma Katz (2006), uma intervenção educativa de qualidade junto das crianças
apresenta contributos fundamentais para o resto das suas vidas, pois “os anos
iniciais providenciam as bases para todos os aspectos de crescimento,
desenvolvimento e aprendizagem para o resto da vida” (KATZ, 2006, p. 17). Os atos de
cuidar e de educar só ocorrem quando vivenciados e colocados em escuta a
necessidades, desejos, inquietações e revelações manifestadas pelas crianças.

O desenvolvimento de projetos no PUFV para a Educação Infantil enseja a


reciprocidade nas ações entre professores e crianças, as relações de respeito (pelos
outros, pelo meio ambiente e a natureza), e as responsabilidades compartilhadas.
Um processo em que o professor coopera com as crianças, considera as suas
expressões e culturas e facilita as suas aprendizagens. E, quando as crianças são
lideradas por um professor respeitoso, elas ficam muito mais inclinadas a
cooperarem.

97
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

Como afirma Oliveira (1994, p.118), “educar não é somente educar sujeitos para
esta sociedade, mas sujeitos que a transformem”. Por meio dos princípios de
cooperação e cidadania que orientam o Programa A União Faz a Vida, a serem
vivenciados cotidianamente pelas crianças em seus projetos coletivos, projetam-se
também as possibilidades de transformação da realidade social.

Referências

DEVRIES, R.; ZAN, B. (2006). A ética na educação infantil, o ambiente sócio-moral na


escola. Porto Alegre, Artmed.
ELKONIN, D. B. (1960). Característica general del desarrollo psíquico de los niños. In:
SMIRNOV, A. A.; LEONTIEV, A. N.; RUBINSHTEIN, S. L.; TIEPLOV, B. M. (Org.). Psicología.
México, Grijalbo.
FIGUEIRA, Maria C. C. (1998). Ser educador na creche. Cadernos de Educação de Infância,
n.º 48, Lisboa, APEI, p.69-70.
GARCÍA, Carlos M. (1999). Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto,
Porto Editora.
LA TAILLE, Y. de ;OLIVEIRA, M.K. e DANTAS, H. (1962). Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias
psicogenéticas em discussão. São Paulo, Summus.
LEONTIEV, A. N. (1978). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa, Livros Horizonte.
___________. (2001). Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 9ª ed. São Paulo,
Ícone.
KATZ, Lilian G. (2006). Perspectivas actuais sobre aprendizagem na infância. Saber (e)
Educar. Porto: ESE de Paula Frassinetti, nº 11, p. 7-21.
MOORE, C. W. (1998). O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de
conflitos. Porto Alegre, Artmed.
OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. (1999). A Construção Social da Moralidade pela Criança Pequena
– O Contributo do Projecto Infância na sua Contextualização do Modelo High Scope. In: J.
Oliveira-Formosinho (Org.). Educação Pré-Escolar – A construção da Moralidade. 2ª Ed.
Lisboa, Texto Editora.
OLIVEIRA, B. (1994). Fundamentação marxista do pensamento de Dermeval Saviani. In:
SILVA JR., C.A. (org). Dermeval Saviani e a educação brasileira - o simpósio de Marília. São
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ORTEGA, R.; DEL REY, R. (2002). Estratégias educativas para a prevenção da violência.
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PIAGET, J.; INHELDER, B. (1982). A psicologia da criança. 72ª ed. São Paulo, Difel.
TARDIF, Mourice. (2012). Saberes docentes e formação professional. 13ª ed. Petrópolis,
Vozes.
THONG, Tran. (1989). In: WALLON, Henri. Origens do pensamento na criança. São Paulo,
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VASCONCELOS, Teresa M. S. de. (2009). A educação de infância no cruzamento de
fronteiras. Lisboa, Texto Editores.
VASCONCELOS, A. et al. (2005). A presença de diálogo na relação professor-aluno.
V Colóquio Internacional Paulo Freire. Recife, 19 a 22-setembro 2005.
VIGOTSKY, L. (2007). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. 7ª ed. São Paulo, Martins Fontes.
WALLON, Henri. (1981). A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70.

98
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

3.5 A Música na Educação Infantil


Prof. Dr. Sergio Vale da Paixão

Promover a educação integral por meio das múltiplas linguagens, aliando


cognição e afetividade à prática educativa, é um dos grandes desafios deste século.
Grande parte dos(a) educadores(as) de todos os níveis escolares já utilizou da
música como recurso didático para algum fim. As apresentações em comemorações
festivas, os inícios de intervalo para o lanche, os momentos de despedida da turma,
quando chega a hora de ir pra casa ou para aprender regras a serem seguidas são
algumas das possibilidades em que a música se faz presente no cotidiano das
escolas. A maioria dos exemplos citados refere-se ao uso da música sem finalidades
específicas, ou seja, simplesmente os educadores se utilizam das músicas como
forma de continuidade dos inúmeros ritos existentes nas instituições de ensino, há
séculos.

A utilização das músicas nas escolas de Educação Infantil é um dos inúmeros


recursos de vital importância para o desenvolvimento cognitivo e afetivo das
crianças, uma vez que as possibilidades de trabalhos, sejam com os sons, ritmos,
movimentos e conteúdos composicionais presentes dessa linguagem, permitem
inúmeras aprendizagens, de conhecimentos curriculares ou de questões que dizem
respeito à educação emocional das crianças, compreendidas como dimensões
importantes para a promoção da educação integral nas instituições escolares.

Os recursos visuais e sonoros, hoje encontrados facilmente na internet, têm


facilitado sobremaneira a proposição de uso da música em sala de aula. Nesta
direção, é importante que levemos em consideração a ação docente e o modo como a
utilização desses recursos tem sido realizada nos projetos de aprendizagem da
Educação Infantil. Assim como nos dias atuais muito tem sido pensado e proposto
sobre a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação para fins
educativos, é fundamental pensar a necessidade de se utilizar a música, uma
linguagem tão presente na vida social das crianças e suas inúmeras possibilidades,
incluindo-a também com todos os seus múltiplos recursos.

Histórias musicadas

As canções infantis, na sua maioria, trazem em seus conteúdos uma


multiplicidade de movimentos, ritmos, histórias, imaginação e vivências... Tudo isso
vem ao encontro das orientações apontadas nos referenciais que tratam do trabalho
do educador infantil em nosso país (BRASIL, 1998). Trabalhar as histórias musicadas,
as músicas, de modo geral, é proporcionar às crianças inúmeras aprendizagens por
meio de uma linguagem agradável e universal, daí a presença essencial desse

99
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

recurso no universo da Educação Infantil. Porém, muito mais que sua utilização
tradicional nas escolas, apenas como letra a ser repetida e apresentada em datas
comemorativas, é necessário considerar as possibilidades de posturas criativas e
protagonistas a que as crianças são convidadas a assumirem por meio do uso
adequado deste recurso.

Culturalmente, vemos apresentações musicais sendo realizadas com as


crianças e, em muitos casos, movimentos idênticos aos sugeridos pela música sendo
reproduzidos por meio dos comandos dados pelo(as) educadores(as). Um caso
bastante comum é a música Coelhinho, utilizada com bastante frequência pelas
escolas em apresentações comemorativas da Páscoa. Há uma espécie de comando a
ser seguido, de “assim é que se faz”, quando se convida às crianças a seguirem os
passos apresentados nessa música, que as levam a obedecer aos comandos dos(as)
educadores(as), a imitarem as posturas corporais dos coelhos, posicionando-se em
relação a seu corpo como se fosse o próprio coelhinho, dando pulos para frente, para
trás, mostrando suas orelhas, olhos e assim por diante. A coreografia enfatiza os
comandos dados e não criados pelas crianças de modo autoral, criativo e
espontâneo.

Craidy e Kaercher (2001, p. 132) afirmam a importância desta expressão mais


livre por parte da criança como fundamental na construção sociocognitiva, “[...]
expressar é procurar dentro de si mesmo formas de expressar com o corpo os
sentimentos, as impressões ou os conceitos”. Portanto, o simples fato de
estabelecer comandos iguais aos da música, ou aqueles dados pelo(a) educador(a)
como sendo os únicos passos corretos a serem seguidos, não dá conta do trabalho
sobre o conhecimento de si, o despertar da identidade e autonomia da criança, uma
vez que nada há de autônomo e espontâneo em imitar o que foi previamente
estabelecido pela música ou pelo(a) educador(a).

A redução da expressão corporal a uma única possibilidade de ação, como é o


caso de se seguir os comandos da música ou do(a) educador(a), como dissemos,
implica em não considerar as possibilidades criativas e espontâneas das crianças,
desperdiçando uma grande oportunidade de tempos e territórios ideais para que
isso aconteça, ou seja, os tempos e os espaços da Educação Infantil.

Quando o assunto trabalhado é apenas o conteúdo composicional das músicas


– a letra e os comandos que integram sua escrita – percebe-se a quantidade de letras
que ignora o conhecimento de mundo, as vivências trazidas pelas crianças, muitas
vezes, de histórias de personagens que vivem no mundo da fantasia e, no trabalho
com o público infantil, desconsidera-se a astúcia e inteligência do grupo,
dentre outras características, colocando-as como incapazes de interagir
espontaneamente com os conteúdos. Daí “os refrões ‘tudo legal’... ‘eu sou feliz’... ‘sou
criança’ além das letras que pretendem dar 'lição de moral'” (CRAIDY; KAERCHER,
2001, p. 128).

Outro ponto importante para se pensar é que a linguagem musical, a partir dos
princípios da neurociência, colabora significativamente para o desenvolvimento
afetivo da criança e possibilita que a instituição escolar cumpra com seu papel
formativo na educação integral, considerando a cognição e a afetividade por meio de
uma linguagem lúdica que é a música.

100
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

A linguagem musical desperta interesses

É preciso refletir constantemente sobre o trabalho que se realiza na Educação


Infantil, na qual as músicas são parte da rotina, e sobre a forma como se tem utilizado
essa importante linguagem nos projetos de ensino e de aprendizagem.
Reconhecemos que temos aberto as portas das instituições de ensino para crianças
a cada dia mais envolvidas em avanços e recursos da tecnologia. Indiscutivelmente,
estamos próximos de grupos de crianças muito diferentes daquelas que fomos anos
atrás (e não há tantos anos assim!).

Felizmente, temos assistido à chegada de crianças nas escolas que exigem


cada dia mais posturas criativas e inovadoras dos(as) educadores(as), o que faz
emergir ideias de trabalho também criativas. E, assim, diante dessa nova
configuração de escola e de crianças que exige uma nova postura docente,
questionamos: como tem sido o trabalho realizado com as crianças no que diz
respeito ao tempo, ao espaço e aos materiais que possam vir ao encontro da
expectativa desse novo público? Temos observado os novos meios midiáticos – a
internet, por exemplo – como um espaço de investigação e de uso de recursos de
áudio e vídeo para planejarmos nossas atividades com as crianças? Quais têm sido
os objetivos quando optamos por trabalhar músicas e histórias musicadas com as
crianças da atualidade? Qual a qualidade dos produtos culturais eleitos pelos(as)
professores(as) para o trabalho de educação musical com as crianças?

As atividades que utilizam a música como ferramenta didática carregam em si


um universo de possibilidades que vai além do simples fato de cantar ou repetir
comandos. Elas colaboram para o desenvolvimento das ideias e sentimentos, como
afirma Carvalho (1997), quando comenta que a musicalização infantil desenvolve
nas crianças os campos: físico, mental, cognitivo e emocional.

Torna-se importante que o trabalho com a musicalização na Educação Infantil


seja conteúdo constituinte dos planejamentos, projetos e organizações didáticas,
incluindo não apenas o som como recurso de ambientação – o que é bastante
comum nas escolas de Educação Infantil – ou utilizado com propósitos já
institucionalizados, como as apresentações de início e términos de períodos, mas
sim como linguagem que desperta interesses.

Os sons, os batuques, a criação de instrumentos a partir de materiais


reciclados, os gritos, os silêncios, “[...] com a voz, o corpo e materiais”, os recursos
musicais devem ser utilizados com vistas a despertar nas crianças o conhecimento
de si e das coisas de seu entorno. Afinal, compreendemos que “[...] o objetivo é ouvir,
perceber e distinguir os inúmeros sons por meio da brincadeira, imitação e
reprodução musical. Explorar e identificar elementos e pensamentos, utilizando
composições e interpretações musicais, torna-se necessário” (MACHADO, 2012,
p.83).

Para os crianças de hoje, novas metodologias, novos(as) educadores(as) e


escolas. Para as aulas, novas possibilidades de trabalho utilizando-se novos e
velhos recursos didáticos. As escolas de Educação Infantil estão cada dia mais
empenhadas em ressignificar os ambientes que oferecem às crianças e a concepção

101
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

de educação nesse nível de ensino. A música, por sua vez, vem sendo utilizada nos
projetos educativos com objetivos bastante definidos e claros, dado o investimento
das ciências da educação que se refletem nas formações continuadas dos(as)
educadores(as), reconhecendo e denunciando práticas autoritárias ou mesmo
prejudiciais ao desenvolvimento musical das crianças, como procuramos apresentar
ao longo dessa discussão.

Que do atual cenário, otimista e aberto a um novo pensar sobre o uso desta tão
importante ferramenta que é a música, possamos enfim ressignificar as práticas
pedagógicas, pois é preciso reflexão constante sobre os “aspectos alusivos aos
elementos da linguagem musical: os graves e agudos, a duração curta e longa, a
intensidade fraca e forte e o timbre que distingue cada som devem constar no
planejamento do professor” (MACHADO, 2012, p.83), na intenção de colocar as
crianças em postura de protagonistas, relacionando sempre o seu conhecimento de
mundo ao que a escola propõe como conteúdo de ensino e aprendizagem.

Referências

BRASIL. (1998). Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação


Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília, MEC/SEF.

CARVALHO, Mônica Fontanari de. (1997). Pré-escola da música: musicalização infantil.


Curitiba, Martins Fontes.

CRAIDY, Carmem. KAERCHER; Gládis E. (2001). Educação Infantil: pra que te quero? Porto
Alegre, Artmed.

MACHADO, Carmem. (2012). Atividades Criativas e Corporais para a Educação Infantil. Rio
de Janeiro, Wak Editora.

102
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

3.6 O Uso da Tecnologia na Educação Infantil


Prof. Dr. Max G. Haetinger

As TICs estão revolucionando o mundo e têm provocado rápidas e


profundas mudanças na sociedade. Esses processos de mudanças
incluem o mundo da educação, da escola e de seus atores principais:
professores, alunos, coordenadores pedagógicos e diretores. Como
consequência, novas maneiras de pensar e conviver com as tecnologias no
âmbito da escola [...] (JESUS, ARAÚJO e SILVA, 2015, p. 61).

A tecnologia sempre esteve presente na escola e nas relações entre


aluno/professor/conhecimento. Nas salas de aula, há ou houve quadros negros, giz,
lápis, canetas, papel em abundância, retroprojetores, mimeógrafos, rádio, cinema,
materiais pedagógicos diversos, televisores, aparelhos de som, videocassetes,
DVDs, computadores, internet, lousas digitais ou projetores tridimensionais. A
Educação Infantil também sempre se utilizou de tecnologias para incluir em suas
práticas os jogos, as fantasias, a música, os brinquedos... O problema não reside no
uso ou não da tecnologia na escola, mas no modo como ela tem sido e como pode ser
utilizada.

É preciso reconhecer que, de modo geral, “os sistemas educativos estão ainda
em um mundo pré-informático” (LINDO, 2014, p. 634), e este é um problema com o
qual temos de lidar no cotidiano da escola. A “incongruência entre a cultura escolar
tradicional e a nova realidade é uma das causas do mal-estar nas instituições
educativas” (idem).

Como pensar o mundo e o educar crianças de hoje sem considerar a mediação


das tecnologias de informação e comunicação (TICs)? Como podemos viver sem TV,
internet ou celular? Já não conseguimos imaginar o mundo sem a tecnologia. Vemos
as relações tecnológicas perpassarem todas as esferas e classes sociais,
principalmente, por meio da participação das pessoas nas redes e mídias sociais.

Na Educação Infantil, via de regra, ainda temos usado as TICs de maneira


tímida, no apoio à ampliação das aprendizagens e repertório e como repositório
(biblioteca para pesquisas), valorizando-as mais como forma de diversão e
entretenimento do que, propriamente, para o encadeamento e a motivação em
projetos de aprendizagem. Porém, estamos educando crianças que todo dia nos
surpreendem e dizem algo que não sabemos, que pesquisam na rede mesmo quando
ainda não sejam alfabetizadas, e que rolam seus pequenos dedos nas telas de
tablets e celulares, como se fossem páginas de um livro.

A informação em rede circula de modo não-hierárquico, dá-se em todas as

103
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

direções e todos são interagentes. Podemos escolher o que, quando e onde


queremos ver e como desejamos perceber o mundo. O mundo inteiro encontra-se
acessível com a difusão da internet e de aplicativos digitais em computadores,
celulares, tablets, smartfones, iphones, ipads, etc. Essa construção coletiva, a
atuação recíproca e complementar, a reinterpretação e a ressignificação das
postagens, tudo contribui com um ambiente dialógico, de múltiplas falas, onde todos
constroem, comentam e aprendem juntos.

Para as crianças pequenas, o universo digital já é bastante familiar. Os


chamados “nativos digitais”, jovens nascidos a partir dos anos de 1990, cresceram
cercados por esse tipo de tecnologia. Navegam como ninguém na internet e operam
quaisquer aparelhos e botões ao seu alcance. Eles não têm medo de errar, diferente
de quem ainda não se atualizou aos novos tempos de cultura digital. Imagine as
crianças que estão hoje na Educação Infantil, nascidas na segunda década do século
XXI!

As TICs nos projetos do PUFV

O uso das TICs na infância pode ser potencializador de muitas atividades,


vivências e experiências capazes de ampliar os sentidos e as sensações, pelo caráter
de projeção, interação e experimentação das relações tecnomidiáticas,
p r i n c i p a l m e n t e , q u a n d o o b s e r va m o s e re co n h e ce m o s c a d a f a s e d o
desenvolvimento infantil, conforme estamos tratando na Metodologia do Programa
A União Faz a Vida para Educação Infantil. As tecnologias, para as crianças pequenas,
vão dos brinquedos às mídias disponíveis e são instrumentos eficazes de
mobilização e aprendizagem nos projetos do PUFV.

Em cada faixa etária da infância, a tecnologia pode potencializar atividades e


vivências cada vez mais complexas em termos cognitivos. Na primeira faixa etária (0
a 1 ano e 6 meses) proposta pelo método PUFV EI, podemos valorizar as músicas, as
imagens, os vídeos curtos, a câmera como recurso de espelho para crianças, o uso
dos tablets para elas interagirem. Nesta faixa, as exposições à tecnologia devem ser
mais breves e propiciarem alguma forma de movimento ou ação. Um dos cuidados a
serem tomados é não usar as projeções de imagem e vídeo em uma mesma atividade
por muito tempo, para não causarem letargia nas crianças, além de não utilizarmos
apenas aplicativos da moda ou aqueles com baixo potencial interativo. A música é a
grande estrela midiática nas interações com as crianças até os 2 anos de idade.

Na segunda faixa etária proposta pelo PUFV EI (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11


meses), as crianças estão descobrindo linguagens mais elaboradas, os vídeos
tomam conta do universo infantil e as músicas passam a ser mais associadas a
imagens e aos videoclipes que fazem parte da cultura familiar ou da comunidade. Os
modismos veiculados na mídia de massa começam a ser mais percebidos nessa fase.
Portanto, ao usar a tecnologia nos projetos do Programa, é importante explorar e
trazer outras possibilidades que ampliem o repertório das crianças, mas sempre
respeitando as culturas dos nossos alunos.

Os vídeos (filmes, desenhos, videoclipes) já fazem parte do imaginário infantil

104
Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

na segunda faixa etária da EI, e os personagens preferidos dos pequenos tomam


forma e corporeidade por meio das mídias digitais. O uso da música ainda é muito
importante, bem como a exploração de universos por meio de vídeos, simulações
computacionais e projeções em sala de aula. As telas sensíveis usadas em casa por
muitas crianças, por exemplo, tablets e mesas digitais de desenho, podem também
ser introduzidas na escola, em atividades que contribuam à apropriação de
linguagens na infância. Mas temos que ter a preocupação de não confundirmos o
fator educacional das TICs com o fator de entretenimento – é preciso planejar o uso e
haver intencionalidade educativa nas atividades propostas, evitando-se longas
projeções, filmes inteiros, jogos somente por diversão ou usar sempre os mesmos
aplicativos.

Na terceira faixa etária do método do PUFV para EI (4 anos a 5 anos e 11 meses),


os movimentos e expressões estimulados pelas músicas, as experiências e
múltiplas linguagens que podem ser desenvolvidas pelas apresentações
audiovisuais e a diversidade de interações em aplicativos e jogos digitais, ou outras
interações via internet, são aliados fundamentais na construção das aprendizagens
das crianças. Nesse momento do desenvolvimento, as crianças dominam
linguagens diversas e, por isto, os objetos de aprendizagem, as mídias e os
dispositivos digitais devem ganhar mais espaço, de modo a ampliarem as vivências
das crianças. É o momento de integrar as TICs com mais frequência nas explorações
das crianças, como recursos mobilizadores de questionamentos e curiosidades, no
diálogo, como espaço de expedição investigativa e para pesquisas de
aprofundamento temático. As TICs tornam-se elementos de interação mais ativos
na cultura infantil. O maior cuidado a ser observado por parte do educador, além
daqueles já citados, é perceber que a tecnologia não é começo, meio e fim de um
processo, mas sim um conjunto de ferramentas, fontes de informação e pesquisa
interativas, que não substituem vivências ou experiências da realidade concreta.

A mediação pedagógica bem planejada para o uso das TICs tem muito mais
importância que o domínio técnico das mesmas. O sucesso das propostas que
envolvam tecnologia em projetos de aprendizagem com as crianças depende do
olhar do professor e do reconhecimento das características de cada ferramenta –
maior ou menor potencial interativo, por exemplo. O educador elabora previamente
o uso da tecnologia em sua sala de aula, planejando atividades significativas para as
crianças, orientadas pelos princípios da cooperação, da interdependência, da
solidariedade e do apoio mútuo.

A multiplicidade de linguagens e de suportes de informação podem ser


recursos de inovação pedagógica, pois “as conexões com a internet, bem como o
ensino baseado em tecnologia, são fundamentais para todos os alunos de hoje”
(BENDER, 2014, p.76). Não é simplesmente uma relação de causa-efeito entre a
utilização das TICs e a transformação das práticas de ensino. Elas nos possibilitam
experimentar “novos papéis, novos conteúdos e novos métodos de ensino
aprendizagem” (VEEN e VRAKKING, 2009, p. 14).

A nova tecnologia intuitiva (computadores, tablets e smartphones sensíveis ao


toque) está dando origem a uma grande revolução no uso e no acesso à informação
dentro dos ambientes escolares, a exemplo do que já ocorre no cotidiano das

105
O Programa A União Faz a Vida na Educação Infantil

famílias e da sociedade em geral. As telas sensíveis ao toque e as ações por comando


de voz, por exemplo, permitem o acesso a informações sem intermediários e sem
precisar de uma aprendizagem especial ou de manuais. É um tipo de tecnologia que
valoriza a curiosidade e a coloca como única condição instrumental para a sua
utilização. Na escola, podem permitir aos nativos digitais mostrarem todo o seu
potencial.

[...] a tecnologia atual, as opções de jogos e simulações são quase


ilimitadas. Recomenda-se que os professores considerem todos os jogos e
simulações disponíveis em sua área de conteúdo, bem como reflitam sobre
os tipos de atividades que poderiam atrair o interesse dos alunos (BENDER,
2014, p. 78).

Um desafio para educadores e escolas: conviver na era digital

Uma dificuldade a ser enfrentada, para que o educador esteja adequado à


realidade das crianças da nova geração e ao novo contexto social, é o
reconhecimento de sua própria experiência e inexperiência cotidiana em relação às
mudanças em seu interior e externas, promovidas pela evolução social e pelo avanço
das TICs.

O uso da tecnologia na escola requer sempre lembrarmos que o mais


importante não é a tecnologia em si, mas os seres humanos que interagem e
produzem relações de conhecimento em rede, pensar nas crianças e em todas as
suas singularidades, complexidades emocionais, culturas e realidades em que estão
inseridas. Mais importante é o professor, educador ou facilitador compreender as
crianças e suas culturas, ter empatia e tolerância, motivar, respeitar, incentivar e
apoiar os seus educandos.

Referências

AVELAR, Alexandre de S. (2011). Os Desafios do Ensino de História, Problemas, Teorias e


Métodos. IBPEX, Curitiba.

BENDER, William N. (2014). Aprendizagem Baseada em Projetos: Educação Diferenciada


para o Século XXI. Porto Alegre, Penso.

FERREIRA, Nuno. (2014). Novos elementos para uma análise das dinâmicas de sala de aula
do secundário. In: Sociologia, problemas e práticas, nº 75, p. 63-81. Lisboa, Instituto
Universitário de Lisboa.

JESUS, Rafael T.; ARAÚJO, Jane F. E.; SILVA, Zeuman de O. (2015). Uso das TICs em uma
Sociedade Educativa 3.0. Ampliando, Revista Científica da Facerb, v. 2. nº 1. Jan./Jun 2015.

LINDO, Augusto P. (2014). Las TIC, El Proceso Del Conocimiento y La Competencias


Docentes. Revista Avaliação, Campinas; v. 19, nº 3, nov 2014.

PABLOS, Juan. (2006). A visão disciplinar no espaço das tecnologias da informação e


comunicação. In: SANCHO, Juana M.; HERNÁNDEZ et al. Tecnologias para transformar a
educação. Porto Alegre, Artmed.

PRENSKY, Marc (2010). Teaching Digital Natives- Partnering for real learning. California,

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Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

Corwin.

SANDHOLTZ, Judith H.; RINGSTAFF, Cathy; DWYER, David C. (1997). Ensinando com
Tecnologia, Criando Salas de Aula Centradas nos Alunos. Porto Alegre, Artmed.

VEEN, Win; VRAKKING, Ben. (2009). Homozappiens: Educando na era digital. Porto Alegre,
Artmed.

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Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas

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Contribuições Teóricas e Práticas Pedagógicas
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