Você está na página 1de 15

ESCOLA ESTADUAL JOSÉ MARIA HUGO RODRIGUES

JORNADA DE LINGUAGENS
2023

APOSTILA
SEGUNDOS ANOS

MACHADO DE ASSIS
APOSTILA MACHADO DE ASSIS – 2OS ANOS

A FICÇÃO DE MACHADO DE
ASSIS – O BRUXO DO COSME
VELHO
Em certa casa da Rua Cosme Velho
(que se abre no vazio)
venho visitar-te; e me recebes
na sala trastejada com simplicidade
onde pensamentos idos e vividos
perdem o amarelo
de novo interrogando o céu e a noite.

Outros leram da vida um capítulo, tu


leste o livro inteiro.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond
de. Reunião. 4. Ed. Rio de Janeiro: José
Olímpio, 1974. P. 237.Fragmento.

Assim começa o poema A


um bruxo, com amor, escrito por Carlos
Drummond de Andrade para
homenagear Machado de Assis. O
termo “bruxo”, usado por Drummond para qualificar o escritor carioca, de fato
faz jus ao seu perfil, marcado por um grande talento para recriar mundos e
personagens. Ao mesmo tempo expressão de sua época e exceção a ela, Machado
de Assis destaca-se como um dos mais significativos escritores brasileiros.
A trajetória pessoal de Machado de Assis (1839-1908) foi incomum.
Filho de um descendente de escravos e de uma mulher filha de portugueses, teve
uma infância pobre. Sua família dependia dos favores da dona de uma chácara
situada no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, local onde nasceu o escritor.
No entanto, driblando sua origem humilde, o jovem Machado acumulou uma
sólida formação pessoal e conseguiu, ainda muito jovem, aproximar-se de
intelectuais e jornalistas que lhe deram oportunidades de publicar seus escritos.
Assim, trabalhou primeiro numa tipologia, depois numa livraria e, finalmente, na
redação de um jornal, o Diário do Rio de Janeiro. Era o início de sua relação com o
jornalismo, que se estenderia por vários anos, em 1867, ingressou no
funcionalismo público e, então, sua ascensão na carreira burocrática foi
ocorrendo paralelamente à sua consagração como escritor.
A obra literária de Machado de Assis foi amadurecendo aos poucos e
certamente a plenitude de seu estilo foi alcançada graças ao estudo e à leitura de
obras de grande valor literário, como a de Shakespeare. Seus primeiros romances
– Ressurreição, A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia – têm fortes marcas românticas,
mas já apresentam aspectos que prenunciam a fase madura do escritor, como a
sondagem psicológica dos personagens, que visa à compreensão dos mecanismos
que regem as ações humanas.
A publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, em 1881, marca não
apenas o início do Realismo no país, mas também da produção dos romances
maduros de Machado, em que se pode constatar toda a genialidade do escritor.
Além dele, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires são
romances que trazem perspectiva e linguagem extremamente inovadoras, que
rompem não apenas com seus trabalhos anteriores, mas também com todo um
mundo – mais ingênuo - de fazer literatura no Brasil.
Mas Machado de Assis não foi apenas romancista. Contista magistral,
escreveu cerca de duzentos contos, publicando os volumes Contos fluminenses,
Histórias da meia-noite, Papéis avulsos, Histórias sem data, Várias histórias, Páginas
recolhidas e Relíquias da casa velha. Também escreveu poemas, crônicas, peças de
teatro e atuou como crítico literário e teatral.
Como crítico literário, merece destaque seu artigo intitulado Instinto de
nacionalidade, em que defende a autonomia da literatura brasileira e a necessidade
de o escritor transpor a mera apreensão exterior e artificial de aspectos da
realidade local para alcançar temas universais. Nesse texto célebre, ele afirma:
“O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento
íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de
assuntos remotos no tempo e no espaço.”

ASSIS, Machado de. Instituto de Nacionalidade. In:______. Obra Completa. Rio de


Janeiro: Nova Aguilar, 1994. P. 804. V. 3. Fragmento.

Deve ser destacada ainda a importante atuação de Machado de Assis


como crítico teatral, entre os anos de 1859 e 1865. Escrevendo artigos em jornais
da época, ele opinou sobre a comédia realista - que, segundo entendia, deveria
conciliar moralidade e naturalidade -, a atuação dos atores e o desempenho das
companhias que se apresentavam no Rio de Janeiro. Crítico militante, sempre
demonstrou preocupação com as condições de trabalho dos artistas, defendendo
a ideia de que o governo deveria dar mais atenção para arte. Em artigo publicado
no periódico O Futuro, em 1862, afirmou: “as duas missões do teatro, a moral e a
poética, demandam dos poderes superiores alento e iniciativa”.

O estilo machadiano
A escrita de Machado de Assis tem um estilo bastante peculiar, marcado
pela erudição e pela ironia. Assim, o escritor refere-se frequentemente a
passagens de obras clássicas, das quais era um leitor sistemático, adaptando-as
para as situações forjadas em suas narrativas.
A ironia fina presente nos textos, capaz de estabelecer ambiguidades e
impasses que não se solucionam, causa um efeito de distanciamento em relação
aos fatos narrados. Mas, ao contrário do que possa sugerir, essa postura
distanciada não deve ser entendida como imparcial. O distanciamento irônico
que caracteriza o discurso de muitos dos narradores criados pelo autor favorece
o estabelecimento de um ponto de vista crítico, corrosivo, que questiona a
realidade e aponta as suas contradições.
O ritmo fragmentado das narrativas e as constantes digressões dos
narradores, que muitas vezes se desviam do assunto que estavam abordando para
fazer esclarecimentos ou críticas sobre a matéria narrada.

Principais temas da prosa de Machado de Assis


Machado de Assis explorou intensamente o lado psicológico de seus
personagens, trabalhando de maneira minuciosa a sua vida interior. Trações do
ser humano como a inveja, o ciúme, a culpa, a cobiça e o desejo de ascensão social
são percebidos principalmente pela ação dos personagens, que são concebidos de
maneira bastante complexa. Abordando principalmente o modo de vida da classe
dominante carioca, o escritor mostrou como, durante o Segundo Reinado, as
vantagens e os privilégios sustentavam os mais rico e permitiam que eles
subjugassem os mais pobres. Dessa forma, o escritor traçou um painel
desencantado e melancólico da sociedade brasileira de sua época.
Entre os temas mais gerais tratados por Machado de Assis, estão a
identidade (em que medida existimos por meio da imagem que os outros fazem
de nós?); a loucura (quais são as fronteiras que se separam os loucos e os são?); a
relação entre o fato real e fato imaginado (em que medida modificamos a
realidade para atender aos nossos interesses pessoais?); e a transformação do
homem em objeto do próprio homem (por que e como submetemos as outras
pessoas aos nossos desejos e interesses pessoais?).
Explorando o jogo construído entre a essência e a aparência dos seres e
das coisas, Machado criou personagens e histórias profundamente brasileiras, que
desnudaram o modo de funcionamento de nossa sociedade. Contudo, sua obra
ultrapassa limites mais estreitos, uma vez que aborda problemas e sentimentos
gerais, que dizem respeito às pessoas de outros tempos e lugares. Desse modo, ao
articular o plano particular – personagens totalmente contextualizados no Rio de
Janeiro do Segundo Império – a um plano mais geral – análises psicológicas
realizadas com base no comportamento desses personagens – Machado de Assis
se constitui num escritor capaz de revelar o que se convencionou chamar de
“homem moderno”. Nesse sentido, sua obra é extremamente atual.

Machado de Assis afrodescendente


Em 2007, o pesquisador Eduardo de Assis Duarte lançou um livro
intitulado Machado de Assis afrodescendente: escritor de caramujo. Nele, enfatiza o
posicionamento do escritor sobre a escravidão e as relações inter-raciais
existentes no Brasil do século XIX.
Refutando a tese de que Machado teria sido omisso em relação à causa
negra, negando a sua afrodescendência, o pesquisador demonstra como o escritor
empenhou-se na luta pela abolição, atuando não apenas como colunista e
colaborador ativo, mas também como acionista do jornal Gazeta de Notícias, cujas
posições eram francamente contrárias à escravatura. O livro apresenta também
poemas, trechos de crônicas, contos e romances em que Machado (com a ironia
e o distanciamento que caracterizavam o seu olhar corrosivo) denuncia a injustiça
de um regime que tratava de modo profundamente desigual os negros e os
brancos.
Em crônica publicada no jornal Gazeta de Notícias em 14 de maio de
1893, por exemplo, Machado recorda sua participação, discreta, porém alegra, na
festa popular que sucedeu o fim oficial da
escravidão no Brasil:

Houve sol, e grande sol, naquele domingo de


1888, em que o Senado votou a lei, que a
regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim,
também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos
caramujos, também eu entrei no préstito, em
carruagem aberta, se me fazem favor,
hóspede de um gordo amigo ausente; todos
respiravam felicidade, tudo era delírio.
Verdadeiramente, foi o único dia de delírio
público que me lembra ter visto.

DUARTE, Eduardo de Assis Org.). Machado de Assis


afrodescendente: escritos de caramujo. Rio de Janeiro: Pallas; Belo Horizonte: Crisálida, 2007. p. 66.
Fragmento.

O conto machadiano

Machado de Assis foi um exímio contista das características mais


marcantes de seus contos é a criação de uma atmosfera ambígua, capaz de “fisgar”
e seduzir o leitor. Suas histórias curtas apresentam situações singulares plenas de
significação, que permitem o estabelecimento de paralelos com contextos sociais
mais amplos. Sobre a sutileza e a ambiguidade dos contos machadianos, leia o que
escreve Nádia Batella Gotlib:

[...] os contos de Machado traduzem perspicazes compreensões da


natureza humana, desde as mais sádicas às mais benévolas, porém nuca ingênuas.
Aparecem motivadas por um interesse próprio, mais ou menos sórdido, mais ou
menos desculpável. Mas é sempre um comportamento duvidoso, que nunca é
totalmente desvendado nos seus recônditos segredos e intenções...
O modo pelo qual o contista Machado representa a realidade traz
consigo a sutileza em relação ao não dito, que abre para as ambiguidades, em que
vários sentidos dialogam entre si. Portanto, nos seus contos, paralelamente ao que
acontece, há sempre o que parece estar acontecendo. E disto nunca chegamos a
ter certeza. Afinal, o que acontece mesmo? Qual é a estória? E como acontece? Ou
qual é o enredo? Isto tudo é montado a partir dos gestos, olhares, cochichos e
entrelinhas. Transforma-se numa questão para o leitor, que às vezes irá
atormentá-lo para o resto da sua vida...
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. São Paulo: Ática, 1990. P. 77-78. Fragmento.

Machado de Assis em cordel


No conto “O alienista”, publicado em 1882 no livro Papéis avulsos,
Machado de Assis trata de um, tema bastante explorado pelos escritores ao longo
dos tempos: a loucura. Na narrativa, o alienista Simão Bacamarte, médico
especializado em doenças mentais, resolve identificar e tratar todos os loucos da
pequena cidade fluminense de Itaguaí, recolhendo as pessoas que considerava
“anormais” no hospital Casa Verde. Entretanto, na perspectiva do inquieto
médico, a loucura podia se manifestar de várias formas, o que gerou uma questão
primordial: afinal, quem é louco e quem é são?
Essa interessante história ganhou recentemente uma versão em cordel,
elaborada pelo escrito cearense Rouxinol do Rinaré. Leia algumas estrofes do
texto nas quais podemos acompanhar as reflexões de Simão Bacamarte, que,
depois de dar alta a todos os internos da Casa Verde, relativiza o conceito de
loucura.
Ao cabo de cinco meses, - nunca houve loucos na
Não tinha um só internado. Vila,
Com a Casa Verde vazia, Todos gozam da razão!
Um por um tendo curado, E com isso ele sentia
O médico, ao invés de Gozo e insatisfação.
alegre,
Mostrou-se preocupado... Seu gozo era por poder,
Afirmar essa verdade,
Ficou metido em si Mas uma ideia de dúvida
mesmo, Trazia intranquilidade:
Muito absorto a pensar: - se nunca houve um só
“eram todos mesmo loucos louco
E eu os consegui curar? O que fiz de novidade?
Ou algo latente em seu
cérebros Pela nova teoria,
Apenas fiz desperta?” Não há um bom sem
defeito.
Conjetura o alienista, Portanto, a loucura era
Chegando a uma A exceção do conceito;
conclusão? Demente era quem tivesse
Um equilíbrio perfeito.

ROUXINOL DO RINARÉ. O alienista em cordel. São Paulo: Nova Alexandria, 2008. P 46-
48. (Clássicos em Cordel). Fragmento.

O romance machadiano
Todos os romances escritos por Machado, mesmo os da primeira fase, de
teor romântico, são marcados por um estilo direto e elegante e demonstram uma
grande capacidade de observação do comportamento humano e do funcionamento
social. No entanto, o olhar analítico do escritor se aprofunda em seus romances da fase
madura, que focalizam a artificialidade e a falsidade das relações pessoais – inclusive
das amorosas – e apresentam uma perspectiva melancólica e desencantada da própria
vida.
A seguir, conheça dois renomados romances do autor: Memórias póstumas
de Brás Cubas (1881) e Dom Casmurro (1899).
Memórias póstumas de Brás Cubas:
as lembranças de um defunto-autor
Memórias póstumas de Brás Cubas é a autobiografia
de Brás Cubas, protagonista-narrador que depois de morto,
resolve contar as suas memórias (daí o título do romance:
memórias “póstumas”). A dedicatória que abre o livro é bastante
inusitada e já anuncia o tom irônico que rege toda a narrativa:
Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu
cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias
póstumas.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 16. Ed.
São Paulo: Ática, 1991. P. 11. Fragmento.
Observe-se que a obra estabelece um pacto com o
leitor: o autor se apresenta como morto (e os verme já roeram suas carnes, como
aponta o uso do verbo “roeu”, no pretérito perfeito do indicativo) e os leitores aceitam
sua condição particular de defunto-autor.
Ao longo do romance, surgem os episódios da vida de Brás Cubas que,
narrados por ele mesmo, são marcados pela subjetividade. Assim, sabemos de sua
origem abastada, da infância endiabrada, de sua juventude perdulária (que gasta
excessivamente; esbanjadora.), da paixão pela prostituta Marcela, da relação adúltera
estabelecida com Virgília, esposa do político Lobo Neves, e de seu encontro, já maduro,
com o amigo de infância Quincas Borba, misto de louco e filósofo.
As lembranças de Brás Cubas são fragmentadas, descontínuas, e o leitor
precisa organizá-las para compreender o relato. Aliás, o leitor é frequentemente
convocado pelo narrador que, em tom familiar, pede a ele que se posicione diante da
matéria narrada. Essa incorporação do leitor na construção do relato, um dos índices
da modernidade do romance, pode ser percebida já no primeiro capítulo da obra,
intitulado “Óbito do autor”. Nele, o narrador Brás Cubas pede que os leitores avaliem
a própria história que será contada:
Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do
que uma ideia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possivel que o leitor me não
creia, e todavia é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 16. Ed. São Paulo: Ática, 1991. p.14.
Fragmento.

Ao final do romance, no capítulo “Das negativas”, Brás Cubas faz um balanço


de sua vida e demonstra um profundo pessimismo ao afirmar: “Não tive filhos, não
transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. Ao se vingar da vida pela
recusa de seu principal valor - a perpetuação da espécie - e ao passar da primeira
pessoa do singular (“não tive”) para a primeira do plural (“nossa miséria”), Brás Cubas
extrapola sua própria realidade e estende a todos os homens a sua condição miserável.
DOM CASMURRO: o
enigma da traição
Assim como Memórias póstumas de
Brás Cubas, o romance Dom Casmurro é narrado
em primeira pessoa. O viúvo Bento Santiago,
conhecido por Dom Casmurro por causa de seu ar
taciturno (melancólico, triste, calado) e de sua vida
recolhida, resolve escrever a história da sua vida
para escapar da monotonia cotidiana. Passa, então,
a contar os episódios mais marcantes, que incluem
o interesse precoce por Capitu, filha dos vizinhos,
uma rápida passagem pelo seminário – exigência
da mãe, que queria vê-lo padre -, seu casamento
com Capitu e, finalmente, o nascimento do filho de ambos, Ezequiel. Mas esse não é o
final feliz de uma história de amor, já que Bentinho (como o chamavam na infância)
vive completamente angustiado pelo ciúmes doentio que sente da mulher.
Escobar, amigo que Bentinho conhecera no seminário, acaba se casando
com Sancha, amiga de Capitu, e os dois casais mantêm uma forte relação de amizade.
Escobar morre repentinamente e o sofrimento demonstrado por Capitu faz com que
Bentinho comece a desconfiar de que eles eram amantes. A desconfiança cresce à
medida que cresce o garoto Ezequiel, que Bentinho começa a achar que não é o seu
filho – mas sim do amigo morto.
As semelhanças físicas que Bentinho encontra entre Ezequiel e Escobar
podem ser apenas fruto de sua imaginação enciumada e os leitores, que ficam à mercê
de um narrador atormentado, não sabem ao certo se Capitu traiu ou não o marido com
o melhor amigo dele.
Essa dúvida, embora seja o motor do romance, é menos importante do que
o extraordinário perfil psicológico que Machado traça de cada um dos personagens,
especialmente de Capitu, personagem marcada sobretudo pela ambiguidade.
São muitos os personagens femininos que se destacam nos romances
românticos e realistas produzidos no século XIX – Aurélia e Iracema, personagens de
José de Alencar; Emma Bovary, personagem de Gustave Flaubert; Luísa, personagem
de Eça de Queirós.
Nessa galeria, Capitu, figura central em Dom Casmurro, tem lugar de
destaque, pois estabelece uma ruptura na forma mais convencional de representação
da mulher. Sua densidade psicológica e a ambiguidade de suas atitudes, que culminam
no enigma do adultério – ele teria ou não traído Bentinho? -, fazem dela uma mulher
misteriosa, cujos verdadeiros desejos são impenetráveis. O nome do personagem,
“Capitolina”, refere-se a “capitólio”, que significa edificação majestosa e impotente e,
por extensão, glória, triunfo.
Entretanto, é preciso lembrar que os leitores só conhecem Capitu pela visão
parcial de Bentinho, marido ressentido e desconfiado. É ele quem, atormentado pelo
ciúme, elabora o retrato de uma mulher essencialmente sedutora e disposta a traí-lo.
Assim, a dúvida permanece: Como seria de fato Capitu? Qual seria a sua história se ela
própria pudesse narrá-la?
Ao final, o que o romance sugere – muito mais do que afirma – é que esse
personagem é um ser extremamente complexo, cuja interioridade é um desafio – a
Bentinho e a nós, leitores.
Outros romances de
machado...
QUINCAS BORBA, filosofo ou louco.
Quincas Borba foi publicado entre 16 de
junho de 1886 a 15 de setembro de 1891 na revista
Estação. Segundo estudos literários, esta obra é a
continuação do romance que a precede: Memórias
Póstumas de Brás Cubas, marco inicial do Realismo no
Brasil. A relação entre ambas está no “humanitismo”,
teoria desenvolvida pelo filósofo Quincas Borba
(sendo este o “humanitismo” na prática) em Memórias
Póstumas e incutida em Quincas Borba.
O foco narrativo está em terceira pessoa, isto
é, o narrador só relata os fatos, sendo imparcial a tudo
que acontece, apenas observando os fatos. A história tem como mote a loucura que é
aflorada por meio de processos que tocam fatores latentes.
Quincas Borba vive confortavelmente em uma chácara na cidade de
Barbacena (MG) e tem como enfermeiro e discípulo o ex-professor primário, Rubião
que é modesto e tem inteligência limitada não consegue apreender a teoria de Quincas
que tenta a todo custa ensiná-la ao enfermeiro.
Quincas morre. Toda a sua fortuna é deixada para Rubião, mas com a
seguinte condição: o enfermeiro só teria direito à herança se cuidasse do cachorro de
Quincas, que também se chama Quincas Borba.
Com o cachorro e a herança, Rubião se muda para o Rio de Janeiro. Conhece
o casal Sofia e Cristiano Palha, na estação em Vassouras (RJ), que percebe quão ingênuo
Rubião é e aos poucos passam a administrar sua fortuna.
Rubião se apaixona por Sofia, mas não é correspondido, esse fato o leva aos
poucos à loucura, a mesma responsável pela morte de Quincas Borba. Louco e
explorado por diversas pessoas, dentre elas o casal Palha e Sofia que lhe tiraram toda a
fortuna, Rubião falece à míngua e assim se torna a prática da tese do humanitismo.
Após três dias, numa rua, o cachorro Quincas Borba é encontrado morto.
O romance é a representação da filosofia criada por Quincas Borba, em que
a vida é um campo de batalha e só sobreviverão os mais fortes. Os fracos e ingênuos,
tal qual Rubião, serão os manipulados e anulados pelos mais espertos, a exemplo o
casal Sofia e Palha, que no desfecho de Quincas Borba terminam ricos e vivos.
A trama de Quincas Borba gira em torno das relações sociais: o ingênuo
professor Rubião descobre a maldade humana ao se mudar para a corte. As
manifestações de amizade que recebe por parte do casal Palha só são verdadeiras para
sua credulidade provinciana. Mas Rubião não é uma caricatura do caipira enganado na
cidade grande. Convém recordar, nesse sentido, que sua própria relação com o filósofo
Quincas Borba tinha algo de interesse e que ele só resgatou o animal de estimação do
amigo morto depois de conhecer a determinação do inventário. Tais circunstâncias
mostram que Rubião não era assim tão inocente.
A falta de escrúpulos do casal Palha é apenas a evidência mais clara de
comportamentos que, na verdade, atingem outras personagens do livro. Cristiano e
Sofia representam verdadeiras paródias da crença romântica na sinceridade humana:
o primeiro é um falso amigo, enquanto a segunda usa as armas da sedução para manter
o pobre Rubião sob controle e para permitir ao marido uma exploração constante.
A temática da traição, sempre presente nas obras do autor, é insinuada no
interesse que Sofia manifesta pelos homens que a cortejam – como Rubião e Carlos
Maria. Não chega a perpetrar-se, contudo, talvez porque a moça encontre no marido
o seu melhor parceiro no ludibrio e no engodo – esta sim, a temática central da obra.
O que a generalização do engodo sugere é a existência de uma sociedade
improdutiva e parasitária, dissimulada sob máscaras de duvidosas transações
financeiras e falsos elogios nos jornais. Uma sociedade na qual o jogo de aparências
exerce uma ação poderosa e irresistível. Um diretor de banco é humilhado em uma
visita ao Ministro e desconta em Cristiano Palha, tratando-o da mesma forma; o
próprio Rubião, senhor de sua fortuna, sente-se pequeno ao se deparar com a
suntuosidade de uma baronesa do Império. Assim, a demonstração de poder é mais
importante que o poder em si, que permanece mascarado.
Conforme o enredo se desenrola, pode-se perguntar as razões do título dado
ao livro. Seria uma referência ao filósofo que morre logo na abertura ou ao cachorro
que fica de herança? Na verdade, aos dois. Segundo a filosofia criada por Quincas
Borba, Humanitas é o princípio da existência que se manifestaria em todo ser vivente,
podendo também existir no cão. E talvez esteja nesse princípio a verdadeira razão do
título: ele pode ser uma referência ao Humanitismo.
Afinal, a história de Rubião confirma a filosofia de Quincas Borba. Sofia e
seu marido não fazem mais do que seguir a máxima segundo a qual “Humanitas
precisa comer”. Eles seguem à risca essa prescrição, alimentando-se da fortuna e da
credibilidade de Rubião. Os espólios da guerra se destinam aos vitoriosos, segundo
outra máxima da filosofia, “Ao vencedor, as batatas” – a frase pronunciada por Rubião
pouco antes de morrer. Este, por sua vez, é o derrotado justamente por representar o
anti-Humanitas: nada em sua vida foi conseguido com luta, mas por acaso. Sua loucura
gradativa – a mesma, aliás, que assolou o filósofo – é a confirmação do destino de
quem acreditou excessivamente na aparência, Rubião morreu acreditando-se
Napoleão III.

A MÃO E A LUVA
Obra do escritor Machado de Assis, o
romance A Mão e a Luva foi publicado no ano de
1874. A Mão e a LuvaNa história de A Mão e a
Luva, os dois amigos Luis Alves e Estevão cursam
faculdade. Estevão era apaixonado por Guiomar,
que não lhe correspondia. Irritado e sem
motivação, ele quase abandona o curso mas volta
após Luis Alves lhe ajudar com uma conversa.
Após se formarem, os dois voltam a se
encontrar, mas estão em situações opostas.
Estevão ainda era um iniciante na profissão
enquanto Luis Alves já era um ambicioso
advogado que começava a atuar na carreira
política. Estevão passa uns dias na casa do amigo
e, em certa manhã, vê uma mulher sair da casa ao
lado. Apaixona-se automaticamente pela moça,
mas depois vem a saber que se tratava de
Guiomar.
Luis percebe a conversa que Estevão
tem com Guiomar enquanto a moça passeava com a madrinha de manhã. Estevão não
comenta sobre o encontro e Luis passa negócios da família da baronesa, madrinha de
Guiomar, para sua responsabilidade.
Após perder a mãe, Guiomar, que estava quase se tornando professora, acaba
perdendo a ambição. Sua madrinha, a baronesa, acaba se tornando uma segunda mãe.
Acontece uma espécie de troca, pois sua madrinha também havia perdido a filha.
Estevão acaba se declarando para Guiomar, mas desiste, pois a madrinha
queria que a moça casasse com Jorge, seu sobrinho. Naquele momento, Luis também
se interessara pela moça. Guiomar não demonstra sentimentos por Jorge e tenta
escapar dele. A madrinha acaba pressionando a mulher para que se casasse com Jorge.
Desesperada, Guiomar manda um bilhete a Luis solicitando que a peça em casamento.
Estevão fica sabendo e vai embora.
Guiomar explica sua preferência por Luis, dizendo que seria "a fria eleição
do espírito", já que vê em Luis a ambição suficiente para que se mantenham na alta
sociedade. Negando o amor de Estevão e a Jorge, fica com Luis por achá-lo
inescrupuloso, atrevido e com capacidade de passar por cima dos obstáculos para
mantê-los em posição privilegiada.
O título do romance, A Mãe e a Luva, foi escolhido de forma rigorosa por
Machado de Assis e sintetiza o intuito da obra. Simboliza a perfeita união entre uma
luva criada na medida de uma mão. Seria o casamento entre Luis e Guiomar

HELENA

Esse livro foi publicado em 1876. Ele


se filia ao Romantismo, mais especificamente
ao gênero romance urbano. A história gira
particularmente em torno de um amor
proibido e da profanação de um dogma
religioso.
O autor o lançou inicialmente nas
páginas do jornal O Globo, no estilo
folhetinesco, entre agosto e novembro de 1876.
A trama se desenrola de 1850 a 1851, durante
cerca de um ano, do falecimento do
Conselheiro Vale à morte de Helena. Neste
livro Machado de Assis enfoca uma temática
muito comum no círculo dos escritores do
Romantismo, a fixação por um romance
proibido e o que isso representava em termos de heresia. Afinal, era necessário seguir
as normas vigentes na esfera social e também os princípios da moralidade.
Machado traça uma análise psicológica de seus personagens. O ser humano
é flagrado como uma criatura fatalmente degenerada e sem perspectivas ante a
inevitabilidade do destino. Além disso, o autor também faz questão de revelar a
sordidez do Homem e a fragilidade da fortuna da Humanidade. Mais uma vez as
personagens femininas são as mais intensas.
Tudo tem início com a morte do Conselheiro Vale. Ele deixa para a família
um testamento. Quando ele é aberto, uma surpresa aguarda o até então filho único,
Estácio, e a tia dele, D. Úrsula. Essa senhora, irmã de Vale, solteirona, passou a viver na
mesma casa após o falecimento da esposa do Conselheiro, a qual morrera em virtude
de enfermidade agravada pela compulsiva infidelidade do marido.
Úrsula cuidava de tudo com afinco e alimentava certo sentimento de posse
pela propriedade e por seus habitantes. Seu sobrinho se submetia constantemente aos
arbítrios da tia. De repente, o Doutor Camargo, médico e amigo da família há muito
tempo, traz uma notícia perturbadora. Junto com a herança vinha também uma
suposta filha do Conselheiro, Helena. Ela teria os mesmos direitos que Estácio e o
morto ainda impôs que a jovem fosse acolhida e recebesse todo afeto que os familiares
lhe deviam. Todos ficaram atônitos.
A situação deixa Úrsula exasperada. Como pode uma completa estranha vir
morar na mesma casa que ela e sua família? Porém a protagonista, a despeito da reação
de todos, segue para a residência do suposto pai. Eles descobrem que Helena é uma
garota cortês, doce e tem uma inteligência esmerada, além de estar na flor da idade.
Suas qualidades logo atraem Estácio.
Em uma determinada ocasião, o destino conspira a favor de Helena. Dona
Úrsula adoece e a jovem se dedica a cuidar dela como se ela fosse sua própria mãe. A
garota não saía um só momento do seu lado e ficava durante horas em vigília, sempre
devotada ao bem-estar da doente. Após se restabelecer, a tia passa a vê-la de outra
forma e começa a cuidar dela como se Helena fosse sua própria filha. A partir dessa
data Úrsula passou a providenciar todo conforto necessário para a jovem.
Outra vez Helena quis aprender a andar a cavalo com Estácio, mas o irmão
logo percebeu que ela já sabia cavalgar muito bem. Ele não compreende porque ela
inventou essa história. Naquele dia a garota viu uma propriedade antiga à distância,
encimada por uma bandeira. Ela desejou conhecer o lugar, mas Estácio se recusou.
Helena então saiu a galope e foi até o casarão por conta própria. Porém retornou em
pouco tempo.
O jovem começa a se habituar a conviver com a irmã caçula, e ela já era aceita
por D. Úrsula. Enquanto isso, o médico tecia planos para unir Estácio e sua filha
Eugênia; ele também tinha a intenção de convencer o garoto a entrar para a política.
O filho do Conselheiro não pretendia aceitar nada disso. Eugênia, sua amiga de
infância, era bela, bem-educada, mas ele não sentia nada por ela além de uma profunda
amizade. Além disso, o jovem não tinha a menor vontade de ser político, menos ainda
de ocupara a posição de deputado.
Porém o Doutor Camargo era persistente e ganancioso. Ele desejava
alcançar, através de Estácio e Eugênia, o poder e a fama com os quais tanto sonhava.
Padre Melchior, outro velho amigo da família e orientador espiritual, era aliado do
médico em seus propósitos. Ele também apoiava a ideia da união conjugal das duas
famílias e fazia de tudo para dissuadir Estácio de sua rejeição à proposta do Doutor.
Porém o rapaz se mostrava cada vez mais fascinado por Helena, pelas suas
atitudes e comportamentos. Neste momento ele foi informado de que seu amigo de
longa data, Luís Mendonça, retornara do continente europeu e chegava ao Brasil. O
pai dele era negociante e o rapaz, solteiro, tinha uma vida social intensa.
Nesse meio tempo Helena prosseguia em suas cavalgadas na direção do
casarão, porém agora seguia apenas na companhia de um escravo. Estácio reprovava
sempre esse passeio, preocupado com a integridade de sua irmã. Porém a menina o
tranquilizava e insistia que não havia perigo algum, ainda mais porque ela não ia
sozinha.
Estácio teve que partir em uma viagem, pois tinha o dever de escoltar
Eugênia até a casa da tia dela, que se encontrava enferma. Ele não sentiu confiança
alguma ao deixar Helena e sua tia desacompanhadas, mas não tinha escolha. O jovem
teve a ideia de deixar o amigo Luís encarregado de ir todos os dias à sua propriedade
para zelar pela segurança das duas mulheres. Dia a dia ele enviava e recebia
correspondências de Helena e Úrsula. Estácio ficava cada vez mais saudoso de todos e
ansiava por voltar para casa.
Porém a tia de Eugênia teimava em não morrer, e dessa forma o tempo
passava e ele já não suportava mais sentir a falta de sua irmã. Mas, nesse período, Luís
se apaixonou por Helena, sempre incentivado pelo Padre Melchior. Ele já pensava em
se casar com a jovem, e ela acabou acatando essa decisão.
O amigo contou as boas novas a Estácio. Perplexo, ele detestou as notícias,
porém evitou deixar que as pessoas percebessem seu desagrado. Com a insistência de
Helena em frequentar a antiga propriedade, Estácio começou a acreditar que havia
algo suspeito nessa história. Ele decidiu sair à caça de algum animal e acabou se ferindo.
Então foi até o casarão pedir socorro. Ali um homem muito afável e civilizado o
recepcionou.
O homem misterioso resolveu limpar os ferimentos de Estácio e contou que
vivia na pobreza e por isso não tinha como ajudá-lo. O jovem observa seu anfitrião e
seus temores crescem. Helena estará traindo a confiança de todos e se relacionando
com esse indivíduo? Ou seu amante será o escravo? Ele parte com essa inquietação em
sua mente e decide ir até o Padre. O sacerdote ouve o rapaz e o acusa de estar
alimentando um sentimento incestuoso. Ele afirma que o melhor caminho para eles é
Helena se unir a Luís, pois assim os sentimentos de Estácio se tranquilizariam.
Mendonça surpreende os dois no meio da conversa e seu amigo o trata com
indiferença. Estácio lhe diz que se ele se unir à Helena, irá mergulhar em um caminho
de dor, pois a jovem já tem outro amor. Após essa revelação os jovens partem e o
sacerdote fica triste por eles. Ao mesmo tempo, o médico procura Helena e lhe pede
que intervenha junto a Estácio, para que ele se case com Eugênia. A jovem rejeita a
proposta, porém Dr. Camargo, que acompanha a vida dela desde que ela era muito
nova, e também compartilhava das histórias íntimas do Conselheiro, revela que
conhece a verdadeira trajetória de Helena.
A garota fica atemorizada com essa descoberta e resolve cumprir os
desígnios do médico. Estácio, perplexo, divide suas suspeitas com D. Úrsula, mas sua
tia procura tranquilizá-lo. Em vão. Ele está enlouquecido de ciúmes e não sabe se seu
amor por Helena é filial ou se está apaixonado por ela. Helena se fecha no seu quarto.
O padre vai até a casa e, junto com Estácio, resolve ir até o casarão.
Lá acham mais uma vez o desconhecido. Ele se apresenta como Salvador e
resolve esclarecer toda a história. O homem morava com a mãe de Helena, Ângela, e
ambos viviam na miséria. Eles sobreviviam graças a alguns bicos e às vezes passavam
fome. Helena era sua filha verdadeira, não de Vale. Ela era a alegria de sua existência.
Os visitantes ficam perplexos com as revelações.
Salvador prosseguiu, contando que em certa ocasião ele foi obrigado a fazer
uma viagem que se prolongou por muito tempo. Assim que ele voltou, descobriu que
sua mulher estava casada com o Conselheiro Vale. Ele ficou sem rumo e foi à procura
de Ângela, exigindo que sua filha ficasse ao seu lado. A mãe dela retrucou desesperada,
alegando que na sua companhia a garota poderia estudar e ter maiores perspectivas de
vida. Ele então aceitou seu destino e partiu, mas sempre a observava à distância, sem
chegar mais perto. Por sua vez, Vale acreditava que Salvador estava morto e, dessa
forma, resolveu educar a menina como se fosse sua filha.
Antes da morte de Ângela, ele procurou sua filha, então com 12 anos, e
contou a verdade. Porém não queria se contrapor aos projetos de sua ex-esposa e
sumiu mais uma vez. Vale tinha morrido e ele tinha certeza de que Helena seria
contemplada com parte da herança. Salvador sabia que teria de permanecer longe dela.
Ele fez tudo isso para que a filha não sofresse as agruras da vida, como ele e Ângela.
Estácio e Melchior meditam sobre o assunto e quando Salvador deixa uma
mensagem dizendo que decidiu sumir mais uma vez, eles aceitam dar sequência à
encenação e continuar fingindo que ela é da família. Helena se angustia em seu quarto.
Úrsula procura amenizar os fatos. A condição para Salvador nunca mais procurar
Helena é que ela tenha seu futuro garantido.
Assim, todos escolhem deixar tudo como está. Até mesmo o casamento de
Helena e Mendonça, mas Luís agora rejeita a moça. Enquanto isso, a protagonista só
deseja ficar longe de todo mundo. Mergulhada na solidão e na tristeza, ela vai
definhando e morre. Estácio não se conforma e o sacerdote o conforta. Úrsula também
sofre com a partida da garota. No início ela só encontrara desprezo, mas agora partia
deixando dor e saudades nos corações de todos. E também o desgosto de ter
protagonizado uma vida falsa e repleta de renúncia.
A leitura dessa história é eletrizante e fluente. Ela cativa o leitor desde o
início. Os personagens são carismáticos e sedutores, apesar de terem condutas bem
diferentes. Cada um deles apresenta um lado luminoso e uma face sombria. O Doutor
Camargo, por exemplo, é leal e fiel aos amigos, porém também é dissimulado e
ambicioso, capaz de qualquer coisa para se destacar na sociedade de sua época.
Helena é doce e inocente, mas ao mesmo tempo se deixa envolver pelas
mentiras da família e não hesita em levar adiante a falsa história de sua vida, mesmo
sabendo que Estácio está apaixonado por ela. Ele, por sua vez, não consegue dominar
sua paixão pela protagonista, mesmo ciente de que pode incorrer em uma relação
incestuosa. Dona Úrsula inicialmente rejeita Helena, mas se mostra flexível ao
modificar sua forma de pensar e ao adotar a jovem, tratando-a como se fosse sua
própria filha.
Ao longo da trama os personagens, apesar de suas qualidades, acabam
escolhendo sempre o caminho da hipocrisia, até mesmo o sacerdote, sempre disposto
a defender com ardor os dogmas da Igreja.

ESAÚ E JACÓ
Publicado em 1904, Esaú e Jacó é o penúltimo
romance de Machado de Assis. O título é extraído da
Bíblia, remetendo-nos ao Gênesis: à história de Rebeca,
que privilegia o filho Jacó, em detrimento do outro filho,
Esaú, fazendo-os inimigos irreconciliáveis. A inimizade
dos gêmeos Pedro e Paulo, do romance de Machado, não
tem causa explícita, daí a denominação de romance "Ab
Ovo" (desde o ovo).
É o romance da ambiguidade, narrado em 3
pessoa, pelo Conselheiro Aires. Pedro e Paulo seriam "os
dois lados da verdade". Filhos gêmeos de Natividade e
Agostinho Santos, à medida que vão crescendo, os irmãos
começam a definir seus temperamentos diversos: são
rivais em tudo. Paulo é impulsivo, arrebatado, Pedro é
dissimulado e conservador - o que vem a ser motivo de brigas entre os dois. Já adultos,
a causa principal de suas divergências passa a ser de ordem política - Paulo é
republicano e Pedro, monarquista. Estamos em plena época da Proclamação da
República, quando decorre a ação do romance.
Para apaziguar a discórdia fraterna, de nada valem os conselhos de Aires,
amigo de Natividade, nem as previsões de discórdia e grandeza feitas por uma adivinha
(A Cabocla do Castelo), quando os gêmeos tinham ainda um ano.
Até em seus amores, os gêmeos são competitivos. Flora, a moça de quem
ambos gostam, se entretém com um e outro, sem se decidir por nenhum dos dois: a
moça é retraída, modesta, e seu temperamento avesso a festas e alegrias, isso levou o
Conselheiro Aires a dizer que ela era "inexplicável".
O conselheiro Aires é mais um grande personagem da galeria machadiana,
que reaparecerá como memorialista no próximo e último romance do autor: velho
diplomata aposentado, de hábitos discretos e gosto requintado, amante de citações
eruditas, muitas vezes interpreta o pensamento do próprio romancista.
As divergências entre os irmãos continuam, muito embora, com a morte de
Flora, tenham jurado junto a seu túmulo uma reconciliação perpétua. A morte da
moça, porém, une temporariamente os gêmeos, mais tarde, também a morte de
Natividade cria uma trégua entre ambos, mas logo se lançam às disputas.
Continuam a se desentender, agora em plena tribuna, depois que ambos se
elegeram deputados por dois partidos diferentes, absolutamente irreconciliáveis:
cumpre-se, portanto, a previsão da adivinha: ambos seriam grandes, mas inimigos.
Machado de Assis, ao longo de sua obra, nunca deixou de tocar em questões
de cunho social, de forma profunda e ironicamente mordaz. É na narrativa de Esaú e
Jacó, entretanto, que o Bruxo do Cosme Velho vai fundo na crítica à conformação
política do país, denunciando o jogo de interesses que antecederam a proclamação da
república no Brasil.
O que é mais significativo em sua obra é a maneira como consegue,
explorando essa divergência política aparente, transcender a crítica simplesmente
política. Consegue assim, chegar ao trato estético da questão dos dualismos falsamente
contraditórios, mas que não passam de aparência.
No livro, o autor trata também, de forma muito sutil, do conflito entre fé,
ciência e religião, em voga no início do século. Na época, as descobertas da ciência
experimental, o advento do materialismo e a redefinição do homem acabaram
causando uma sensação de desencantamento, instaurando um ceticismo desesperado.
Logo nos primeiros capítulos, o conflito apresentado, ainda que de forma
ironicamente branda, gira em torno da crença. Pode-se inferir que, entre os espaços de
crença (o barracão da cabocla e a igreja) se coloque o espiritismo, na figura de Plácido,
como tentativa de estabelecer a união entre fé e ciência, o que pelo vazio de suas
colocações, não se alcança.
Machado, relativista, mostra que o destino do homem permanece uma
questão de fé, tanto para a religião quanto para a própria ciência. O mesmo ocorre com
a república e a monarquia, já que a disputa entre ambas é aqui levantada como mera
questão partidária, de interesse de grupos políticos que não são diferentes na aparência
e representam mera troca de poder. Atente-se para como Machado compõe Pedro e
Paulo nessa perspectiva, diferentes, mas análogos, e como, nesse jogo de
contraditórios, Flora, metonímia do Brasil, se confunde e definha. A interlocução
direta do narrador ao leitor acentua sua consciência de versão, de ficção.

Você também pode gostar