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JORNADA DE LINGUAGENS
2023
APOSTILA
SEGUNDOS ANOS
MACHADO DE ASSIS
APOSTILA MACHADO DE ASSIS – 2OS ANOS
A FICÇÃO DE MACHADO DE
ASSIS – O BRUXO DO COSME
VELHO
Em certa casa da Rua Cosme Velho
(que se abre no vazio)
venho visitar-te; e me recebes
na sala trastejada com simplicidade
onde pensamentos idos e vividos
perdem o amarelo
de novo interrogando o céu e a noite.
O estilo machadiano
A escrita de Machado de Assis tem um estilo bastante peculiar, marcado
pela erudição e pela ironia. Assim, o escritor refere-se frequentemente a
passagens de obras clássicas, das quais era um leitor sistemático, adaptando-as
para as situações forjadas em suas narrativas.
A ironia fina presente nos textos, capaz de estabelecer ambiguidades e
impasses que não se solucionam, causa um efeito de distanciamento em relação
aos fatos narrados. Mas, ao contrário do que possa sugerir, essa postura
distanciada não deve ser entendida como imparcial. O distanciamento irônico
que caracteriza o discurso de muitos dos narradores criados pelo autor favorece
o estabelecimento de um ponto de vista crítico, corrosivo, que questiona a
realidade e aponta as suas contradições.
O ritmo fragmentado das narrativas e as constantes digressões dos
narradores, que muitas vezes se desviam do assunto que estavam abordando para
fazer esclarecimentos ou críticas sobre a matéria narrada.
O conto machadiano
ROUXINOL DO RINARÉ. O alienista em cordel. São Paulo: Nova Alexandria, 2008. P 46-
48. (Clássicos em Cordel). Fragmento.
O romance machadiano
Todos os romances escritos por Machado, mesmo os da primeira fase, de
teor romântico, são marcados por um estilo direto e elegante e demonstram uma
grande capacidade de observação do comportamento humano e do funcionamento
social. No entanto, o olhar analítico do escritor se aprofunda em seus romances da fase
madura, que focalizam a artificialidade e a falsidade das relações pessoais – inclusive
das amorosas – e apresentam uma perspectiva melancólica e desencantada da própria
vida.
A seguir, conheça dois renomados romances do autor: Memórias póstumas
de Brás Cubas (1881) e Dom Casmurro (1899).
Memórias póstumas de Brás Cubas:
as lembranças de um defunto-autor
Memórias póstumas de Brás Cubas é a autobiografia
de Brás Cubas, protagonista-narrador que depois de morto,
resolve contar as suas memórias (daí o título do romance:
memórias “póstumas”). A dedicatória que abre o livro é bastante
inusitada e já anuncia o tom irônico que rege toda a narrativa:
Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu
cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias
póstumas.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 16. Ed.
São Paulo: Ática, 1991. P. 11. Fragmento.
Observe-se que a obra estabelece um pacto com o
leitor: o autor se apresenta como morto (e os verme já roeram suas carnes, como
aponta o uso do verbo “roeu”, no pretérito perfeito do indicativo) e os leitores aceitam
sua condição particular de defunto-autor.
Ao longo do romance, surgem os episódios da vida de Brás Cubas que,
narrados por ele mesmo, são marcados pela subjetividade. Assim, sabemos de sua
origem abastada, da infância endiabrada, de sua juventude perdulária (que gasta
excessivamente; esbanjadora.), da paixão pela prostituta Marcela, da relação adúltera
estabelecida com Virgília, esposa do político Lobo Neves, e de seu encontro, já maduro,
com o amigo de infância Quincas Borba, misto de louco e filósofo.
As lembranças de Brás Cubas são fragmentadas, descontínuas, e o leitor
precisa organizá-las para compreender o relato. Aliás, o leitor é frequentemente
convocado pelo narrador que, em tom familiar, pede a ele que se posicione diante da
matéria narrada. Essa incorporação do leitor na construção do relato, um dos índices
da modernidade do romance, pode ser percebida já no primeiro capítulo da obra,
intitulado “Óbito do autor”. Nele, o narrador Brás Cubas pede que os leitores avaliem
a própria história que será contada:
Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do
que uma ideia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possivel que o leitor me não
creia, e todavia é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 16. Ed. São Paulo: Ática, 1991. p.14.
Fragmento.
A MÃO E A LUVA
Obra do escritor Machado de Assis, o
romance A Mão e a Luva foi publicado no ano de
1874. A Mão e a LuvaNa história de A Mão e a
Luva, os dois amigos Luis Alves e Estevão cursam
faculdade. Estevão era apaixonado por Guiomar,
que não lhe correspondia. Irritado e sem
motivação, ele quase abandona o curso mas volta
após Luis Alves lhe ajudar com uma conversa.
Após se formarem, os dois voltam a se
encontrar, mas estão em situações opostas.
Estevão ainda era um iniciante na profissão
enquanto Luis Alves já era um ambicioso
advogado que começava a atuar na carreira
política. Estevão passa uns dias na casa do amigo
e, em certa manhã, vê uma mulher sair da casa ao
lado. Apaixona-se automaticamente pela moça,
mas depois vem a saber que se tratava de
Guiomar.
Luis percebe a conversa que Estevão
tem com Guiomar enquanto a moça passeava com a madrinha de manhã. Estevão não
comenta sobre o encontro e Luis passa negócios da família da baronesa, madrinha de
Guiomar, para sua responsabilidade.
Após perder a mãe, Guiomar, que estava quase se tornando professora, acaba
perdendo a ambição. Sua madrinha, a baronesa, acaba se tornando uma segunda mãe.
Acontece uma espécie de troca, pois sua madrinha também havia perdido a filha.
Estevão acaba se declarando para Guiomar, mas desiste, pois a madrinha
queria que a moça casasse com Jorge, seu sobrinho. Naquele momento, Luis também
se interessara pela moça. Guiomar não demonstra sentimentos por Jorge e tenta
escapar dele. A madrinha acaba pressionando a mulher para que se casasse com Jorge.
Desesperada, Guiomar manda um bilhete a Luis solicitando que a peça em casamento.
Estevão fica sabendo e vai embora.
Guiomar explica sua preferência por Luis, dizendo que seria "a fria eleição
do espírito", já que vê em Luis a ambição suficiente para que se mantenham na alta
sociedade. Negando o amor de Estevão e a Jorge, fica com Luis por achá-lo
inescrupuloso, atrevido e com capacidade de passar por cima dos obstáculos para
mantê-los em posição privilegiada.
O título do romance, A Mãe e a Luva, foi escolhido de forma rigorosa por
Machado de Assis e sintetiza o intuito da obra. Simboliza a perfeita união entre uma
luva criada na medida de uma mão. Seria o casamento entre Luis e Guiomar
HELENA
ESAÚ E JACÓ
Publicado em 1904, Esaú e Jacó é o penúltimo
romance de Machado de Assis. O título é extraído da
Bíblia, remetendo-nos ao Gênesis: à história de Rebeca,
que privilegia o filho Jacó, em detrimento do outro filho,
Esaú, fazendo-os inimigos irreconciliáveis. A inimizade
dos gêmeos Pedro e Paulo, do romance de Machado, não
tem causa explícita, daí a denominação de romance "Ab
Ovo" (desde o ovo).
É o romance da ambiguidade, narrado em 3
pessoa, pelo Conselheiro Aires. Pedro e Paulo seriam "os
dois lados da verdade". Filhos gêmeos de Natividade e
Agostinho Santos, à medida que vão crescendo, os irmãos
começam a definir seus temperamentos diversos: são
rivais em tudo. Paulo é impulsivo, arrebatado, Pedro é
dissimulado e conservador - o que vem a ser motivo de brigas entre os dois. Já adultos,
a causa principal de suas divergências passa a ser de ordem política - Paulo é
republicano e Pedro, monarquista. Estamos em plena época da Proclamação da
República, quando decorre a ação do romance.
Para apaziguar a discórdia fraterna, de nada valem os conselhos de Aires,
amigo de Natividade, nem as previsões de discórdia e grandeza feitas por uma adivinha
(A Cabocla do Castelo), quando os gêmeos tinham ainda um ano.
Até em seus amores, os gêmeos são competitivos. Flora, a moça de quem
ambos gostam, se entretém com um e outro, sem se decidir por nenhum dos dois: a
moça é retraída, modesta, e seu temperamento avesso a festas e alegrias, isso levou o
Conselheiro Aires a dizer que ela era "inexplicável".
O conselheiro Aires é mais um grande personagem da galeria machadiana,
que reaparecerá como memorialista no próximo e último romance do autor: velho
diplomata aposentado, de hábitos discretos e gosto requintado, amante de citações
eruditas, muitas vezes interpreta o pensamento do próprio romancista.
As divergências entre os irmãos continuam, muito embora, com a morte de
Flora, tenham jurado junto a seu túmulo uma reconciliação perpétua. A morte da
moça, porém, une temporariamente os gêmeos, mais tarde, também a morte de
Natividade cria uma trégua entre ambos, mas logo se lançam às disputas.
Continuam a se desentender, agora em plena tribuna, depois que ambos se
elegeram deputados por dois partidos diferentes, absolutamente irreconciliáveis:
cumpre-se, portanto, a previsão da adivinha: ambos seriam grandes, mas inimigos.
Machado de Assis, ao longo de sua obra, nunca deixou de tocar em questões
de cunho social, de forma profunda e ironicamente mordaz. É na narrativa de Esaú e
Jacó, entretanto, que o Bruxo do Cosme Velho vai fundo na crítica à conformação
política do país, denunciando o jogo de interesses que antecederam a proclamação da
república no Brasil.
O que é mais significativo em sua obra é a maneira como consegue,
explorando essa divergência política aparente, transcender a crítica simplesmente
política. Consegue assim, chegar ao trato estético da questão dos dualismos falsamente
contraditórios, mas que não passam de aparência.
No livro, o autor trata também, de forma muito sutil, do conflito entre fé,
ciência e religião, em voga no início do século. Na época, as descobertas da ciência
experimental, o advento do materialismo e a redefinição do homem acabaram
causando uma sensação de desencantamento, instaurando um ceticismo desesperado.
Logo nos primeiros capítulos, o conflito apresentado, ainda que de forma
ironicamente branda, gira em torno da crença. Pode-se inferir que, entre os espaços de
crença (o barracão da cabocla e a igreja) se coloque o espiritismo, na figura de Plácido,
como tentativa de estabelecer a união entre fé e ciência, o que pelo vazio de suas
colocações, não se alcança.
Machado, relativista, mostra que o destino do homem permanece uma
questão de fé, tanto para a religião quanto para a própria ciência. O mesmo ocorre com
a república e a monarquia, já que a disputa entre ambas é aqui levantada como mera
questão partidária, de interesse de grupos políticos que não são diferentes na aparência
e representam mera troca de poder. Atente-se para como Machado compõe Pedro e
Paulo nessa perspectiva, diferentes, mas análogos, e como, nesse jogo de
contraditórios, Flora, metonímia do Brasil, se confunde e definha. A interlocução
direta do narrador ao leitor acentua sua consciência de versão, de ficção.