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REVELAÇÕES DA CONSCIÊNCIA DE UM ATREVIDO DEFUNTO AUTOR

Alana Cristina Alves de Lima1

O livro Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, publicado


pela primeira vez, em capítulos na Revista Brasileira em 1880, tornou-se livro em
edição em 1881. O romance representa o marco inicial do Realismo no Brasil, e a
ruptura com o romantismo. Porém segundo Jose Aderaldo Castelo:

[...] Machado de Assis não pode ser classificado dentro do rígido conceito de
escola literária, seja esta romântica, realista ou naturalista. Sua atitude, em face
das escolas literárias, já o disse em outra oportunidade: é sem dúvida alguma a
do escritor em formação segura, coerente, senhor dos seus processos e
possuidor de uma estética bem definida e orientada pelo bom senso. (1953,
p.439)

Além de firmar um estilo próprio de linguagem. É uma obra que se destaca não
só das ficções de outros autores brasileiros, mas também dos romances da primeira fase
de Machado. Para Afrânio Coutinho, Machado constrói “um mundo à parte, um estilo
composto de técnicas precisas e eficazes, e uma galeria de tipos absolutamente
realizados e convincentes” (2004, p.152).
A obra se sobressai por apresentar a narrativa da vida e da morte do narrador-
personagem Brás Cubas, que conta as suas vivências, narradas de forma singular já que
ele se encontra na condição de defunto-autor, que atua também como leitor da própria
história por meio de frequentes desvios e comentários metadiscursivos. De acordo com
os críticos literários de "Mestres da Literatura", Machado de Assis testemunha os
extremos da realidade brasileira e procura abordá-los em suas obras, é o caso de
"Memórias Póstumas de Brás Cubas". 
A história não segue uma ordem cronológica, o narrador não apresenta os
acontecimentos de uma forma sequencial, contando um acontecimento e depois outro
que se segue; mas retrata determinadas situações, e por meio delas, o comportamento
humano, as relações em sociedade, as conveniências, com um tom de ironia e
indiferença, de maneira que, as situações e a realidade retratadas atribuem ao seu
romance um ambiente realista. A narrativa realista se processa lentamente e isso ocorre,
1
Gestora Ambiental pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
Discente do 5º período do Curso de Letras Língua Portuguesa da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte -UERN.
Email:alana_aleslima@hotmail.com
segundo Coutinho (2004), devido à técnica analítica e às constantes digressões, já que o
interesse maior está na representação das personagens e no movimento de sua
consciência, em vez de se centrar no desenrolar da própria ação.
Em meio a as várias situações que encontramos em Memórias póstumas de Brás
Cubas, as que mais se destacam, deixando que se observem aspectos do realismo, estão
nos capítulos “O almocreve”, onde é possível analisar a postura de Brás Cubas, e em “O
vergalho”, em que é analisado o caráter do ex-escravo Prudêncio; destacando-se,
entretanto, que por meio da análise do comportamento destes personagens, podem-se
retirar outras interpretações, mais abrangentes, os quais se estendem ao homem de uma
forma em geral. No primeiro capítulo mencionado, Brás Cubas descreve a cena em que
foi salvo por um almocreve.
O protagonista se mostra de forma pouco heroica ao revelar-se vacilante em uma
decisão insignificante: a quantia de esmola que deveria dar ao almocreve que tinha
salvado sua vida, de forma que, ao final da cena apesar de dar uma moeda de prata ao
“pobre diabo”, o personagem conclui que este, ao acudi-lo, não fizera mais que
responder a um instinto natural e, se estava naquele lugar e momento durante o
incidente, foi para ser um “simples instrumento da Providência”.
É inevitável passar por esse capítulo do romance sem rir da dúvida e da atitude
do protagonista. Brás Cubas inverte a situação, de maneira que uma atitude que deveria
ser admirável e nobre, pois se trata de salvar uma vida, passa a ser vista sem nenhum
valor; e sua conduta reprovável, por hesitar por tal mixaria, passa a ser
surpreendentemente boa a seus olhos, chegando a torná-lo um pródigo. Observa-se,
assim, que Machado de Assis, por meio de um trecho carregado de humor, de forma
irônica inverte os papeis: a postura mesquinha de Brás e a atitude louvável do
almocreve, se analisadas com atenção, expõem o caráter do protagonista, que se mostra
sem nobreza de espírito, incapaz de reconhecer uma boa ação para não ter que ressarci-
la.
Seguindo essa mesma linha no capítulo “O vergalho”, o narrador-personagem
desenvolve reflexões e intui conclusões acerca do caráter humano, além de revelar um
fato social. Brás Cubas retrata um escravo liberto chamado Prudêncio, que fora
propriedade sua, esse acaba por adquirir outro escravo, talvez com o intuito de
descontar neste as pancadas que levara de Brás, quando era seu escravo. Diante dessa
cena pode-se concluir que Machado expôs um fato comum naquela época à realidade do
país, mostrando a ausência de um sentimento de unidade entre os homens. Pois a atitude
de Prudêncio, que sofreu na condição de escravo, ao invés de ser de repulsa aos atos que
sustentavam a escravidão, condiz, na verdade, com a continuidade de uma hierarquia
entre um ex-escravo e um escravo.
Parece, assim, que Machado de Assis, de forma sutil, mostra que os sentimentos
de superioridade por meio da hierarquização, do sentimento de ser diferenciado, de ser
melhor do que o outro independe da origem, de instrução e de vivências: a necessidade
do sentimento de superioridade é própria do homem. Como salienta Aderaldo Castello,
que “dessa maneira, transfere para as relações sociais a frieza seletiva da eliminação do
fraco que não merece usufruir os bens matérias da glória” (2004, p.385). Em outras
palavras, no círculo social retratado por Machado de Assis, na qual vive Brás Cubas,
predominará aquele que possuir certa ascendência. É importante destacar, que a atitude
de Prudêncio pode ser entendida não apenas como um modo de satisfazer sua vontade
de se distinguir dos demais escravos, mas pode ser interpretada como uma espécie de
recusa, de poder se desfazer das pancadas recebidas transmitindo-as a outro, sentimento
que colabora para a conservação da escravatura.
Dessa forma, percebe-se que os capítulos da obra aqui destacados mostram, de
fato, aspectos do realismo, no sentido de que o primeiro dilata a compreensão de um
caráter comum e mesquinho, indeciso em situações medíocres; o segundo mostra a
estima pela hierarquização que, embora destacada em um caso específico, remete, em
verdade, o apreço pela superioridade e distinção independente da origem e das
experiências vividas. Podemos perceber que na obra o autor Brás Cubas, além da
história, expõe uma visão relevante da sociedade brasileira do século XIX, suas
convenções sociais, preconceitos e aparências que grande parte da população abastada
ainda exibe. Muitos Brás Cubas são encontrados nos dias atuais, buscando vários
benefícios principalmente econômicos, sem  importar-se com a dor do outro, voltados
apenas para si mesmos.

REFERENCIAS

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 2. ed. Rio de Janeiro:


NovaAguilar, 2008.

CASTELLO, José Aderaldo. O realismo e o naturalismo no Brasil: leitura e


discussão do texto “Aspectos do Realismo-Naturalismo no Brasil”. Revista de
História. São Paulo. V. 6, n.14, 1953.
COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. 7. ed. São Paulo: Global, 2004.

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