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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

FACULDADE DE LETRAS E ARTES – FALA


DEPARTAMENTO DE LINGUA PORTUGUESA – DLV
Docente: Leila Tabosa
Discente: Alana Cristina Alves de Lima,
Rayane Moura Freire
Yvia Monaliza Fonseca de Nogueira

III AVALIAÇÃO DE LITERATURA PORTUGUESA

1- Leitura e análise do Sermão do Bom Ladrão do padre Antônio Vieira a


partir da escolha de trechos para análise, considerando o contexto do barroco
português em Massuad Moisés (2005); e, além isso, relacionar o sermão com a
atualidade de seu tema a partir de acontecimentos do ano de 2021. Utilize imagens
e notícias ao lado dos trechos do sermão e faça as associações.
Padre Antônio Vieira era um excelente orador sacro, seus sermões se tornaram
famosos, não apenas pela retórica brilhante, como também pelo conteúdo polêmico de
alguns deles, pois ele defendia os novos cristãos (judeus convertidos) indispondo-se
com a Inquisição. De acordo com Moises (1960), era contra a escravização dos índios,
reprovando a conduta dos colonizadores que vinham para o Brasil ou iam para outras
colônias de Portugal e, sobretudo, criticava a corrupção e a impunidade dos poderosos.
Escreveu mais de 200 sermões, porém um dos mais conhecidos é “O Sermão do
bom ladrão”, pronunciado na Igreja da Misericórdia na cidade de Lisboa em 1655.
Determinados trechos desse sermão são bastante expressivos por terem sido proferidos
na presença das grandes autoridades, tanto pelas denúncias, como pelas cobranças.
Aproveitando a presença dos dois ladrões na crucificação de Jesus Cristo, condenados à
morte “sem lhes valer procurador, nem embargo”, e citando a conduta daquele que
pediu a Jesus que se lembrasse dele no Paraiso, começa a falar dos ladrões que roubam
o Reino e não são punidos.
Para entendermos a cerca dos sermões, tem-se que saber as características do
movimento Barroco, o qual está inserida a obra em análise. O gênero sermão, é feito de
antíteses, oposições, e rodeada de conceptismos. Entende-se, todavia, que o singular
orador jesuíta era barroco, mas não gongórico, portanto, propugnava pela dialética
conceptista e insurgia-se contra os excessos gongóricos. (MOISÉS, 2001, p.76)
Barroco, conceptista e não gongórico, o Padre parte de um fato, observado ou de
flagrante presença para estimular o ouvinte, chamando-o ao dever de pensar e de reagir.
A dialética, os paradoxos, as ambiguidades, os sentidos ocultos, os mistérios, levam às
conclusões implícitas nas ideias. Sempre com objetivos morais, o Padre Vieira procura
convencer para ensinar e orientar, incitando os fiéis no entendimento das mensagens
que pretende transmitir. O Padre Vieira enfrenta dificuldades incríveis de raciocínio,
que o poderiam levar a becos sem saída; no entanto, vence-os brilhantemente, atingindo
seu alvo com invulgar eloquência e força de persuasão. (MOISÉS, 2001, p.77)
Em sua obra, Vieira (1655) aborda que se evidencia que é mais fácil verem
ladrões que levam reis ao inferno, do que reis que levem ladrões ao paraíso. Apoiando-
se em São Tomás de Aquino e em Santo Agostinho, ressalta que para os ladrões sem
restituição não há salvação e isso vale para todos, até os da coroa. Salienta se referir não
aos ladrões miseráveis que roubam um homem, mas "aqueles que roubam cidades e
reinos, sem temor, nem perigo”, e justifica porque considera que os Reis e príncipes são
obrigados a devolver o roubado se os ladrões não o fizerem:

“primeiro, porque os reis lhes dão os ofícios e poderes com que roubam” e
segundo porque os conservam neles; o terceiro, porque os reis os adiantam e
promovem a outros maiores; e, finalmente, porque, sendo os reis obrigados,
sob pena de salvação, a restituir todos estes danos, nem na vida, nem na morte
os restituem” (VIEIRA, 1655, p.4).

Ainda que um rei não tenha como saber a princípio se algum indicado seu, irá ou
não roubar, para que não acabe sendo responsável pelos roubos, aconselha que essas
pessoas sejam nomeadas apenas por “merecimento”, o que, no geral, segundo ele, não
ocorre. Aquele nomeado “sem merecimento”, diz Vieira (1655), não é apenas ladrão,
senão ladrão duas vezes: uma vez porque rouba o ofício, e outra vez porque há de
roubar com ele. Ou seja, aquele que entra pelo “merecimento” poderá vir a ser ladrão,
mas os que não entram já o são.
Este sermão é muito extenso, porém possui uma incrível retórica e uma
excelente fundamentação lógica, valendo a pena ser lido na íntegra. O que é curioso é
que este sermão se aplica a muitas situações da política brasileira, com algumas
adaptações, diria que foi feito para o atual momento do país, principalmente quando
Vieira (1655) fala sobre a responsabilidade daqueles que nomeiam para cargos públicos
pessoas “sem merecimento”, pois essa é uma prática muito disseminada no Brasil. E são
esses mesmos políticos que contém diversos bens, que criticam as pessoas que entram
no mundo do crime devido ao fácil acesso e as circunstâncias, que usufruem do dinheiro
público que deveria ser destinado à educação, à saúde, ao povo. Mas diferentemente dos
ladrões que eles criticam, eles possuem bens e não precisam roubar. Apesar disso, nem
por isso levam nome de “ladrão”. Nem por isso há a frase “bandido bom é bandido
morto” direcionado a eles.
No sermão há a referência a Zaqueu, o qual na atualidade podemos comparar a
esses políticos, que possuem tantos bens, mas pela ganância roubam daqueles que não
tem. Zaqueu era ladrão rico, e cobrava impostos muitas vezes altíssimos ao ponto do
povo não poder pagar. Devido a isso, seus pecados só seriam perdoados quando
restituísse os bens de quem ele tirou, como demonstra no seguinte trecho: “Zaqueu,
como era ladrão rico, e tinha muito com que restituir, não lhe podia Cristo segurar a
salvação antes que restituísse, e por isso lhe dilatou a promessa.” (VIEIRA, 1655, p.2).
Nessa mesma parte, há referência também ao ladrão perdoado, que
diferentemente de Zaqueu, foi logo perdoado devido não ter como restituir, pois nada
havia. Na atualidade, esse “bom ladrão” é referenciado ao pobre, que mora em situações
precárias e muitas vezes não consegue ter um bom acesso a educação nem a
oportunidades de emprego, e por viver em um ambiente no qual é mais propicio se
inserir no mundo do crime ou pela necessidade, acabam roubando. Podemos citar como
exemplo uma mulher que furtou alguns alimentos para se alimentar. Um miojo custa
cerca de 1,15 e no total, os produtos davam cerca de 21,00 e pouco. Por conta disso, ela
foi presa e o mais interessante é que a defensoria pediu para solta-la e o pedido foi
negado (METROPOLES, 2021).
Podemos observar que no Brasil no qual vivemos chamam de ladrão e prendem
aqueles que furtam por fome, para comer. Enquanto que os verdadeiros ladrões, que
roubam dinheiro que deveria servir de apoio para que os citados anteriormente tenham
acesso a recursos, a educação para que não precisem passar por essas situações, estão
soltos. Roubam milhões e em momento nenhum são presos e nem envergonhados por
roubarem.
Diferentemente do que aconteceu com a mulher que furtou para comer, o
ministro da economia Paulo Guedes fundou uma offshore no Caribe e de acordo com
uma matéria jornalística da FOLHA DE SÃO PAULO (2021), aportou na conta o
equivalente a 23 milhões de reais na época, o que na atualidade equivale a 51 milhões
de reais. O problema não é isso, mas sim a não declaração do saldo mantido na conta a
Receita Federal e ao Banco Central, e no caso de Guedes, não poderia estar a frente do
controle direto da offshore nem manter aplicações financeiras que poderiam afetar ou
serem afetadas por políticas governamentais, pois estaria infringindo assim o artigo 5º
do Código de Conduta. Anos mais tarde, Guedes foi o financiador da campanha de Jair
Bolsonaro. Apesar disso, o processo foi arquivado e mantido em sigilo. São
investimentos duvidosos, que nos fazem questionar acerca de onde vem tanto dinheiro.
Mas que ficou por isso mesmo, apesar de ter infringido a lei.
Nesse mesmo sentido, há o caso de Queiroz, este que movimentou de acordo
com o Brasil de Fato (2020), cerca de 1,2 milhões de reais em sua conta de forma
atípica. O nome do acusado está ligado a família do atual presidente Jair Bolsonaro, pois
é ex-assessor de Flávio Bolsonaro e uma das transações foi um cheque de 24 mil para
Michele Bolsonaro. Apesar das investigações e dessas transações dos assessores para
Flávio e o cheque para Michele, de haver comprovação que estavam envolvidos, em
nada deu. Apenas Queiroz foi preso no tempo e na atualidade responde em liberdade.
Podemos associar esses acontecimentos ao que Vieira diz das pessoas que estão
em altos cargos sem merecimento, que são os verdadeiros ladrões, pois muito tem e o
fazem por ganância, grandeza. Fazemos aqui então uma reflexão de que a frase
“bandido bom é bandido morto” não se aplica a todos os bandidos. Não deveriam estes
estarem presos já que também cometeram crimes?
Apesar do sermão ter sido escrito há diversos anos atrás, assim como a bíblia, a
questão do ladrão ainda não mudou. É por trazer essas concepções de forma humanista,
defender as minorias e ao abordar que o ladrão rico e o pobre deveriam ser chamados da
mesma forma, o que não acontece na prática pois o rico tem benefícios e roubar é
considerado grandeza, enquanto o pobre é chamado ladrão por ter furtado nem que seja
algo para comer e é visto como motivo para ser crucificado enquanto os outros estão em
liberdade, que padre Antônio Vieira foi considerado um exemplo, como o autor
Massaud Moises mesmo aborda em sua obra, ele foi considerado “a mais alta
personalidade, humana e cultural, dessa época, à qual sua estatura invulgar deu nível e
serviu de símbolo perfeito.” (MOISES, 1960, p.75).
REFERÊNCIAS
Textos literários em meio eletrônico; Sermão do Bom Ladrão (1655), de Padre António Vieira. Texto
Fonte: Editoração eletrônica: Verônica Ribas Cúrcio

RIBEIRO, Jéssica. “Eu estava com muita fome” desabafa mulher presa por furtar miojo. Matéria
jornalística. Metrópoles, 2021. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/eu-estava-com-muita-
fome-desabafa-mulher-presa-por-furtar-miojo. Acesso em: 29/10/2021.

ABREU, Allan de; COSTA, Ana Cara. Paulo Guedes tem offshore milionária em paraíso fiscal. Matéria
jornalística. FOLHA DE SÃO PAULO, 2021.Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/paulo-
guedes-tem-offshore-milionaria-em-paraiso-fiscal/ . Acesso em: 29/10/2021.

MELITO, Leandro; SUNDRÉ, Lu. Entenda o caso Queiroz e as denuncias dos crimes que envolvem a
família Bolsonaro. Matéria Jornalística. Brasil de Fato, 2020. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2020/06/18/entenda-o-caso-queiroz-e-as-denuncias-dos-crimes-que-
envolvem-a-familia-bolsonaro. Acesso em 30/10/2021.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. – 31. edição – São Paulo: Cultrix, 2001. p. 71-79.

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