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NO IMPÉRIO ROMANO*
INTRODUÇÃO
(i) Cf. Biondo BIONDI, / / Diritto Romano, Bologna 1957, p. 72-73 e 269-270,
e H. WALLON, Histoire de l'Esclavage dans l'Antiquité, III, Paris, 2 1879, pp. 19-20.
(2) De Legibus, I, 7, 23.
(3) Epistulae ad Lucilium, 95, 52.
(-») Ep. ad Luc, 47, 10.
(5) Ep. ad Luc, 47, 1.
(6) De dementia, 1, 18.
(7) Citado por BIONDI, 27 Diritto Romano, p. 270.
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(!) Cf. Raymond BLOCH — Jean COUSIN, Roma e o Seu Destino (trad, por-
tuguesa), Lisboa — Rio de Janeiro 1964, Ed. Cosmos, pp. 303-304.
(2) W. L. WESTERMANN, The Slave Systems of Greek arid Roman Antiquity,
Philadelphia 1955, pp. 153-154.
(3) E. J. JONKERS, «De l'Influence du Christianisme sur la Législation Relative
à l'Esclavage dans l'Antiquité», Mnemosyne, I (1933-34), pp. 241-280.
(4) Cf. WESTERMANN, The Slave Systems, p. 162.
O CRISTIANISMO E A ESCRAVATURA 149
I PARTE
A ESCRAVATURA NA BÍBLIA
(i) Cf. M. NOTH, Das zweite Buch Mose. Exodus, A T D 5, Gõttingen 1968,
pp. 140-141.
(2) O Deuteronómio é um livro cujo conteúdo mais antigo — Dt 4-30 —
data pelo menos dos sécs. VIII-VII. O seu texto de 15, 12-18 é considerado reela-
boração actualizante de Ex 2, 1-11 (cf. G. VON R A D , Das filnfte Buch Mose. Deute-
ronomium, ATD 8, Gõttingen 1968, pp. 16-19).
(3) O Levítico foi provavelmente redigido depois do exílio dos judeus na
Babilónia entre 596 e 538 (cf. M. NOTH, Das dritte Buch Mose. Leviticus, ATD 6,
Gõttingen 1966, p. 6).
(4) Cf. Lev 25, 39-40.
(5) Lv 25, 48.
(«) Cf. Ne 5,1-13.
(7) Tal é a opinião fundamentada de J. JEREMIAS, Jerusalem zur Zeit Jesu.
Kulturgeschichtliche Untersuchung zur neutestamentlichen Zeitgeschichte, II Teil:
Die sozialen Verhàltnisse, Gõttingen 3 1962, A. Reich und Arm, pp. 25-26; B. Hoch
und Niedrig, p. 184.
O CRISTIANISMO E A ESCRAVATURA 153
(!) Cf. J. JEREMIAS, Jerusalem, IIB, pp. 184-186; R. DE VAUX, Les Institutions
del'Ancien Testament, 1.1, Paris 1961, pp. 129-130; A.-G. BARROIS, Manueld'Archéo-
logie Biblique, t. II, Paris 1953, pp. 211-212; F. NõTSCHER, Biblische Altertumskunde,
Bonn 1940, p. 142; H. GULZOW, Christentum und Sklaverei in den ersten drei Jahr-
hunderten, Bonn 1969, p. 17 n. 2.
(2) É por isso que a parábola de Mt 18, 23-35, que supõe a venda da mulher
e dos filhos dum devedor insolvente, reflecte certamente uma legislação estranha ao
direito israelita (cf. J. JEREMIAS, Die Gleichnisse Jesu, Gõttingen 2 1977, pp. 208-209;
J. SCHMED, Das Evangelium nach Matthãus, Regensburg 1965, pp. 275-276.
(3) Cf. Ex 21,8.
154 ANACLETO D E OLIVEIRA E ROGÉRIO P. OLIVEIRA
í 1 ) Dedos das mãos e dos pés, orelhas, ponta do nariz e membro viril, ou
extremidades dos seios nas mulheres (cf. J. JEREMIAS, Jerusalem, IIB, p. 208).
(2) Tal legislação fundamentava-se na exegese rabínica de Ex 21,26-27.
(3) Cf. Ex 20,10; Dt 5,14.
(•») Cf. Ex 14,44.
(5) Cf. J. JEREMIAS, Jerusalem, IIB, p. 223; H. GULZOW, ibidem pp. 18-19.
(6) A esse propósito J. JEREMIAS, Jerusalem, IIB, p. 223 n. 57: «õfter werden
Frauen, Sklaven und Minderjãhrige zusammen genannt». Cf. G. KITTEL, ibidem,
p. 274.
(7) Cf. Sir 33,25-33.
(8) Cf. Job 31,13-15.
(9) Cf. Jo 8,32-35. A esse propósito G. KITTEL, ibidem, p. 274: «So kommt
es, daB fíir das Rabbinat das Wort Sklave eine der schwersten Beschimpfungen
enthált, mit denen man einen Menschen belegen kann».
O CRISTIANISMO E A ESCRAVATURA 159
2 — A ATITUDE DE JESUS
nos Evangelhos. Mas também não aparece nada que possa levar
a concluir pela sua aprovação. É verdade que Jesus nos seus ensina-
mentos alude com frequência à condição dos escravos, mas fá-lo geral-
mente em parábolas, isto é, em termos de comparação (i). Trata-se,
pois, duma referência a um «status quo», sem qualquer indicação ime-
diata de aprovação ou condenação. Aliás, pôr o problema assim,
em sistema de alternativa, talvez seja ficar aquém do alcance próprio
da intenção de Jesus. Nos Evangelhos fala-se, de facto, da escravatura
e até mesmo duma certa atitude de Jesus em relação a ela, mas num
sentido novo e talvez inesperado.
Tal como acontecia na tradição veterotestamentária, também nos
Evangelhos o termo òovXoç ou outros da mesma raiz, não são usados
num sentido absolutamente unívoco (2). Em sentido estrito significa
o escravo — alguém que alienou a sua liberdade e que coercitivamente
está sob a dependência e o poder de outro. Assim aparece em diversos
acontecimentos (3) e na maior parte das parábolas em que intervêm
escravos (4).
Já de si é significativa esta referência à condição ou actuação de
escravos em relação aos senhores, como termo de comparação no ensi-
namento de Jesus. O escravo aparece aí, sem dúvida, como alguém
privado de toda a liberdade. Porém, o modo como se fala nele não
revela o mínimo sinal de desprezo ou repugnância. O que não acon-
tecia na cultura grega ou helenista ou mesmo no judaísmo contempo-
râneo de Jesus. Nos Evangelhos o escravo é tratado como uma pessoa.
Mais ainda : como uma pessoa que merece toda a consideração. É o que
se pode concluir, se analisarmos os três tipos de personagens que têm
no comportamento dos escravos o seu termo de comparação: os chefes
ment (...) weder die Institution der Sklaverei verworfen noch gar aufgrund seiner
schlechthin zentralen Botschaft von der bereits anbrechenden Herrschaft und Gerech-
tigkeit Gottes die Abschaffung der Sklaverei geforderí hat!»
(i) Cf. Mt 10,24-25; 18,23-32; 24,45-51; 25,14-30; Mc 13,34; Lc 12,37-38;
17,7-10.
(2) Sobre os diversos significados do termo ôov'Aoç e derivados e a sua evo-
lução semântica no AT, cf. R. DE VAUX, ibidem, 125-126; G. KITTEL, ibidem, 268-272.
(3) Cura do escravo dum centurião: Lc 7,2-10; escravos do Sumo Sacerdote
na história da paixão: Mc 14,47 par e Jo 18,18; intervenção de escravos no relato
da cura do filho dum funcionário real: Jo 4,51.
(4) Mt 10, 24-25; 13,25-27; 21,34-36 par; 22,3-10 par; 24,45-51 par; 25,14-30;
Mc 13,34; Lc 12,37-38; 15,22; 17,7-10.
162 ANACLETO DE OLIVEIRA E ROGÉRIO P. OLIVEIRA
(i) Cf. ICor 7,21-23; Ef 6,5-9; Col 3,22-4,1; Film 10-19; ITim 6,1-2; Tit 2,
9-10; IPed 2,18-22.
(2) Rom 6,16-20; Gal 4,1-7; 2Ped 2,19.
(3) Gal 3,28; cf. ICor 12,13; Col 3,11.
(4) Col 3,9.
(5) ICor 12,13.
(«) Gai 3,27.
(7) Col 3,11.
(8) Cf. H. GULZOW, ibidem, pp. 45-46.55-56; S. SCHULZ, ibidem, pp. 165-167;
H.-D. WENDLAND, Die Briefe an die Korinther, N T D 7, Gõttingen 1972, p. 59.
166 ANACLETO DE OLIVEIRA E ROGÉRIO P. OLIVEIRA
C1) Cf. Ef 6,8; Col 3,24. «Paradoxe de l'ordre chrétien: l'esclavage devient
héritier» (TOB, NT, p. 609 n.g.).
(2) ITim 6,1; cf. Tit 2,10.
(3) Cf. IPed 2,18-25.
(4) IPed 2,7. Significará isto uma aprovação da escravatura? «Pierre ne
se prononce pas sur la légitimité du système social de son temps, mais trace une
ligne de conduite concrète pour le serviteur chrétien» (TOB, NT, pp. 720-721 n.b.).
A chamada de atenção para o sofrimento de Cristo compreende-se, se se tem em
conta que muitos escravos cristãos no final do sec. I (data provável deste escrito)
eram perseguidos e maltratados muitas vezes pelos próprios senhores pagãos, por
causa da sua fé: «...weil die heraufziehende Verfolgung gerade fur die Sklaven inner-
halb heidnischer Háuser besondere Gefahren und Belastungen mit sich bringt, werden
sie so ausfiihrlich auf das Leiden Jesu Christi verwiesen» ((W. SCHRAGE, Die katho-
lischen Briefe, N T D 10, Gõttingen 1973, p. 91).
(5) Cf. H.-D. WENDLAND, ibidem, p. 59.
(6) H. SCHLIER, Der Brief an die Galater, Gõttingen 1971, p. 175 n. 4).
(7) H . CONZELMANN, Der Brief an die Kolosser, N T D 8, Gõttingen 1972, p. 154.
O CRISTIANISMO E A ESCRAVATURA 169
0) Cf. v. 18.
(2) C. 16.
(3) Cf. v. 17.
C») Cf. v. 21.
(5) Cf. P. STUHLMACHER, ibidem, pp. 20sq; TOB, NT, pp. 657-658; H. GUL-
zow, ibidem, pp. 30sqq. A partir de Col 4,7-9, onde Onésimo é nomeado como
colaborador de Paulo na vida eclesial, é de concluir que Filémon acedeu ao pedido
de Paulo : Onésimo, como escravo ou liberto, foi realmente reenviado para junto
do Apóstolo. Cf. P. STUHLMACHER, ibidem, pp. 53-54.
(6) Cf. J. A. FITZMYER, «Carta a Filémon», in VáRIOS, Comentário Bíblico
«San Jerónimo», trad, do inglês, t. IV, Madrid 1971, p. 204.
O CRISTIANISMO E A ESCRAVATURA 171
A ESCRAVATURA NA PATRÍSTICA
(i) Cf. PG, t. XLIV, col. 644: citado por W. L. WESTERMANN, The Slave
Systems, p. 160.
(2) Cf. J. QUASTEN, Patrologia, II vol., BAC, Madrid 1962, p. 471.
(3) Cf. «Epist. II», 31 ; PL, t. XVI, col. 887.
174 ANACLETO D E OLIVEIRA E ROGÉRIO P. OLIVEIRA
C1) Cf. S. J. CRISóSTOMO, «In Epist. ad Ephesios», 1: PG, t. LXII, col. 155.
(2) Ibidem, col. 134.
(3) Cf. «Epistola do Pseudo-Bernabé» XIX, 7: F. X. FUNK, Patres Apos-
tolici, p. 92.
(4) PL, t. Ill, col. 354.
(5) «Contra Haereses», IV, 21,3: PG, t. VII, col. 1046.
176 ANACLETO DE OLIVEIRA E ROGÉRIO P. OLIVEIRA
com aquele que até agora foi teu escravo; tu hoje és transformado;
o que é antigo desaparece e um mesmo distintivo é imposto a todos:
Jesus Cristo» (}).
Isto é tanto mais importante, quanto sabemos que nas comunidades
cristãs houve sempre, desde o princípio, grande número de escravos.
Como refere Orígenes, esse facto constituía mesmo uma das acusações
com que Celso e outros pagãos pretendiam humilhar o Cristia-
nismo (2). Mas Orígenes defende-se, afirmando prontamente que
os escravos também têm uma alma livre e que todos os homens são
igualmente dignos (3).
Quanto a este ponto, a doutrina patrística é clara e unânime.
Veremos agora quais foram as suas consequências na organização das
comunidades e na vida social dos cristãos.
(!) Sobre o número dos escravos nas comunidades cristãs primitivas, cf.
a obra já citada de WESTERMANN, p. 150 e a de R. H. BARROW, SIavevery in the Roman
Empire, pp. 163-164. '
(2) Cf. R. H. BARROW, Slavery in the Roman Empire, p. 163.
(3) Cf. S. JERóNIMO, Epist. LXXXII, 6: PG, t. LXXII, col. 739.
(4) Cf. J. QUASTEN, Patrologia, I vol., Madrid 1961, p. 51.
(5) Portanto, parece-nos sem fundamento a opinião de Westermann,. na
obra já citada, p. 158, onde se diz que o Cristianismo primitivo aceitava escravos
entre os seus ministros, mas apenas nos ministérios inferiores. O autor nunca prova
esta sua afirmação.
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(i) Cf. S. HIPóLITO, «Philosophumena», IX, 12: PG, t. XVI, col. 3380.
(2) Cf. QUASTEN, Patrologia, I vol., pp. 493-494.
(3) Cf. DuTiLLEUL, «Esclavage» in D.Th.C, t. V, col. 465-466; J. GUIRAUD,
Histoire Partiale — Histoire Vraie, vol. I, Paris 331944, p. 157; PAUL ALLARD, Les
Esclaves Chrétiens, Paris 51914 (esta edição foi reeditada pela Georg Olms Verlag,
Hildesheim — New York 1974), 1. II, c. I I I : «Les esclaves martyrs»; W. L. WES-
TERMANN, The Slave Systems, p. 151, onde o autor refere a importância que tiveram
as perseguições na criação duma maior unidade e igualdade entre os cristãos. Não
nos parece, porém, aceitável a conclusão que este autor tira desse facto. Segundo
ele, essa união de todos diante do perigo comum teria contribuído para que os cris-
tãos, desprezando qualquer distinção entre livres e escravos, não tomassem cons-
ciência do problema da escravatura, isto é, o «igualitarismo» cristão teria acabado
por ser negativo (um «obstáculo»), enquanto os fazia esquecer a situação social real.
O CRISTIANISMO E A ESCRAVATURA 181
(i) Cf. S. JUSTINO, «Dialogus cum Tryphone», 134: PG, t. VI, col. 788.
(2) Cf. S. CIRILO de JERUSALéM, «Cathecheses Mistagogicae», XV, 23: PG,
t. XXXIII, col. 901.
(3) «In Epist. ad Philem. homilia», II, 3: PG, t. LXI1, col. 711.
(+) «In Epist. ad Titum homilia», IV, 3: PG, t. LXII, col. 658.
184 ANACLETO DE OLIVEIRA E ROGÉRIO P. OLIVEIRA
como sufrágio pela sua salvação (l). Tudo isto deveria representar,
à medida que o Cristianismo ia conquistando o Império, um número
razoável de manumissões, de tal modo que Diocleciano, em 303, proi-
biu as libertações de escravos cristãos, porque eram demasiado nume-
rosas (2).
Podemos, pois, concluir que os resultados foram bastante positivos
e que uma revolução lenta, mas permanente e eficaz, atacava pela raiz
o velho sistema esclavagista. As suas consequências iam para além
do espaço litúrgico das assembleias cristãs e até para além do círculo
da vida social dos seus membros. Elas apareciam cada vez mais
à luz do sol, à medida que os cristãos cresciam em número e influência.
Lactâncio, por exemplo, refere que o clima de fraternidade que
reinava entre os cristãos provocava admiração entre os pagãos : «Nonne
sunt apud vos, alii pauperes, alii divites; alii servi, alii domini?» (3).
Isto mostra que se tratava de algo socialmente visível. Mas aqui
podemos pôr um outro problema: para lá dessa admiração dos pagãos,
qual foi, de facto, a influência destes princípios e desta prática cristã
ao nível das instituições e das leis civis do Império?
É o que iremos ver em seguida.
CONCLUSÃO
ALLARD, P., Les Esclaves Chrétiens, Paris 5 1914 (esta edição foi reeditada pela Georg
Olms Verlag, Hildesheim — New York 1974).
ALTHAUS, P., Der Brief an die Rômer, N T D 6, Gõttingen 1970.
BARROW, R. H., Slavery in the Roman Empire, New York 1968.
BIONDI, B., // Diritto Romano, Bologna 1957.
BLOCH, M., Mélanges Historiques, t. I, Paris 1963.
CONZELMANN, H.-D., Der Brief an die Epheser, N T D 8, Gõttingen 1972.
, Der Brief an die Kolosser, N T D 8, Gõttingen 1972.
, Der erste Brief an die Korinther, Gõttingen 1969.
D E VAUX, R., Les Institutions de l'Ancien Testament, I, Ed. du Cerf, Paris 1961.
DUTILLEUL, J., «Esclavage» in Dictionaire de Théologie Catholique, dirigido por
A. VACANT e E. MANGENOT, t. V, Paris 1913.