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UNIDADE III - Medidas de proteção matizadas pelo Marco Legal da Primeira Infância

Medidas de proteção são aplicáveis pela autoridade judicial para garantir o


cuidado e a proteção necessários diante de ameaças ou violações de direitos
decorrentes de ação ou omissão da sociedade ou do Estado, ou pela inação, omissão
ou abuso por parte dos pais ou responsáveis, ou outros familiares, ou por própria
conduta (BRASIL, 1990, ; ECA, art. 98).

A aplicação das medidas de proteção, preconizadas no ECA (Lei 8.069/1990) e


matizadas pelo Marco Legal da Primeira Infância, devem levar em conta as
necessidades pedagógicas e os vínculos familiares e comunitários. Assim como a
condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, a proteção integral
com prioridade absoluta, a responsabilidade compartilhada primária e solidária do
poder público, o superior interesse da criança ou do adolescente, o respeito à
privacidade, a intervenção precoce, mas mínima, pois a intervenção deve ser exercida
exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva
promoção dos direitos e à proteção da criança, a proporcionalidade e atualidade, a
responsabilidade parental, a prevalência da família, a obrigatoriedade da informação, a
oitiva obrigatória e participação da criança (ECA, art. 100).

São exemplos de medidas de proteção a garantia da vaga em creche,


encaminhamento dos pais, a orientação, o apoio e o acompanhamento temporário, o
acolhimento e demais ações indicadas nos artigos 101 e 102 do Estatuto da Criança e
do Adolescente. Além disso, outras medidas que merecem atenção dizem respeito às
que são aplicadas diante de violações de direitos ou penas sofridas pelas mães e/ou
pais, tais como as que estão previstas na Lei Maria da Penha (Lei 13.340/2006, artigos
18 a 24) ou no Código de Processo Penal (Lei 3.689/1941, artigos 185, 304 e 318),
alterado pelo Marco Legal da Primeira Infância. Estas também impactam a criança, que
muitas vezes permanece sem ter o cuidado necessário diante do que estava sendo
aplicado a seus pais. É sobre isso que o Marco Legal da Primeira Infância chama
atenção.

Neste contexto, esta unidade tem por objetivo que você:


 Conheça melhor o papel da Educação Infantil no desenvolvimento da criança
na primeira infânciaeo que precisa ser levado em conta para aplicar as medidas
de garantia desse direito;
 Entenda as consequências do afastamento da criança de sua família e os
efeitos da institucionalização, de modo a que essa medida não seja aplicada
indevidamente: Como fica uma criança ao ser separada de seus familiares?
Em que medida a institucionalização afeta seu desenvolvimento e quais
cuidados são necessárias para a que a medida de acolhimento seja de fato
reparadora e não revitimizadora?
 Conheça os benefícios e desafios de implementação da modalidade de
Acolhimento Familiar para que, quando necessária, esta esteja disponível
como medida protetiva na primeira infância: Por que há tão poucos serviços
de acolhimento familiar implantados no Brasil?
 Identifique e esteja mais instrumentalizado(a) a aperfeiçoar os recursos da
rede de proteção para apoio às crianças e adolescentes em situação de rua:
Quais serviços e articulações são possíveis e necessários quando uma criança,
mulher ou adolescente gestante vive em situação de rua?
 Conheça as formas de apoio às famílias, de modo a envidar esforços para
prevenção da ruptura do vínculo familiar: Como intervir junto às famílias
cujas crianças sofrem negligência, maus tratos e outras formas de violência?
Quais métodos mostram-se bem-sucedidos para promoção segura da
reintegração familiar?
 Compreenda o significado e os critérios fundamentadores da suspensão e
destituição do poder familiar: Quais os motivos justificam a retirada
definitiva da criança de sua família e quais procedimentos são necessários
para sua aplicação, de modo a não incorrer em prejuízos à cidadania?
 Reflita sobre a importância do cuidado às adolescentes e mulheres gestantes
e mães em privação de liberdade, de acordo com a política da primeira
infância: Quais cuidados podem ser oferecidos às adolescentes grávidas que
cumprem medida socioeducativa e às gestantes, lactantes ou mães que
cumprem pena de privação de liberdade? Porque elas têm direito à prisão
domiciliar em caso de caso de prisão preventiva?
 Compreenda mecanismos para proteção das crianças, incluindo seu direito à
convivência familiar, em casos de aplicação das medidas protetivas previstas
na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) e/ou em casos de pais acusado(a)s ou
condenado(a)s por violência doméstica. Como fica uma criança que assiste a
violência de seu pai contra sua mãe? Como fica a criança diante da proibição
de contato entre seus pais?

3.1 Acesso à educação na primeira infância


Como vimos ao longo do curso, há convergência entre os pesquisadores e
educadores acerca da importância da Educação Infantil para o regular
desenvolvimento da criança. Assim, é de se esperar que a educação na primeira
infância receba uma atenção especial, principalmente daqueles nomeados pela lei
como seus responsáveis, ou seja, o poder público e a família, com a colaboração da
sociedade.

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988, CF, artigo
205)

Mas, ao que parece, a educação na primeira infância tem sido marcada pela
ausência de ações efetivas, compatíveis com esta importante fase do desenvolvimento
da criança. Na verdade, não obstante o reconhecimento geral do valor da educação na
primeira infância para o desenvolvimento regular da criança, as ações governamentais
e não governamentais são limitadas, atingindo apenas parte da população infantil.
Outra parcela sequer tem acesso à Educação Infantil, e a que teve a sorte de conseguir
uma vaga, muitas vezes, é premiada com uma escola de baixa qualidade e/ou longe de
sua moradia.

A família por sua vez recorria, e em muitas situações ainda recorre, às escolas
de Educação Infantil, com uma finalidade assistencial e não conta com o necessário
esclarecimento de aquele local faz parte do desenvolvimento global da criança. A
preocupação é deixar a criança com alguém para que possa trabalhar ou mesmo
realizar outras atividades. Em algumas situações, é o local onde a criança ainda
encontra algo para comer ou tem a atenção de uma pessoa adulta.

A sociedade por sua vez, com rara exceção, pouca atenção dispensa à educação
na primeira infância. Mobiliza-se para buscar a redução da maioridade penal taxando
todo e qualquer adolescente infrator como marginal. Esquece, porém, que um dia esse
adolescente foi uma criança que não teve seus direitos efetivamente garantidos, fato
que resultou, muitas vezes, na sua iniciação para a atividade criminosa.
Enfim, há um contrassenso muito grande quando se analisa essa questão, pois
apesar do reconhecimento da importância do tema, o mesmo não se materializa ou
não se concretiza conforme estabelece a legislação, criando um círculo vicioso
perverso, pois “sem a nutrição básica, assistência à saúde e os estímulos necessários à
promoção do crescimento saudável, muitas crianças pobres ingressam na escola sem
estarem prontas para aprender. Estas crianças têm um mau desempenho na sala de
aula, repetem o ano e apresentam altos índices de evasão escolar. Estão em
desvantagem quando ingressam no mercado de trabalho, ganhando salários mais
baixos e, como pais, transmitem sua pobreza aos filhos.” (YOUNG, 2010, p. 2).

Fatores relacionados às medidas para acesso à educação de qualidade na primeira


infância

Vários são os desafios enfrentados na educação da primeira infância. O


principal é a falta de vagas nas unidades educacionais. Mas, outros são apresentados,
como a questão da formação do professor, da qualidade da educação ofertada,
transporte do educando, alimentação, participação dos pais, permanência e
financiamento.

Centrando o debate na questão da falta de vagas, constata-se uma dívida social


para com milhões de crianças que são alijadas de um direito fundamental. A realidade
brasileira aponta para um déficit de vagas em instituições de educação infantil que
atinge todas as unidades da federação. Para adentrar emtal questão, se faz necessário
compreender de que maneira a Educação Infantil se organiza no Brasil. Entendendo as
especificidades de cada faixa etária, a Educação Infantil, primeira etapa da Educação
Básica, se constitui a partir da creche, que compreende a faixa etária dos 0 a 3 anos e
11 meses, eda pré-escola que abrange a faixa etária dos 4 a 5 anos e 11 meses. Desde
a Constituição Federal de 1988, é dever do Estado garantir o atendimento de crianças
em creches e pré-escolas, entretanto,só após 21 anos de sua promulgação, a pré-
escola foi considerada obrigatória pela Emenda Constitucional nº 59/2009. A
obrigatoriedade forçou com que governos investissem na construção de escolas e compras de
vagas, viabilizando,aos poucos, o acesso à pré-escola, porém, sem considerar a qualidade do
serviço oferecido.. E a creche, por não ser obrigatória, não recebe investimentosque
garantam o acesso de todas as crianças cujas famílias desejarem ou precisarem do
atendimento, negando o direito de crianças de 0 a 3 anos e 11 meses à escola, por
consequência, o de melhores oportunidades para o seu desenvolvimento humano
integral.

Ao analisar tal questão dentro de uma perspectiva mais abrangente, constata-


se que estamos repetindo com a educação infantil o que ocorreu com o ensino
fundamental.Oliveria e Araújo (2005, p. 08/09) esclarecem que na “década de 1920,
mais de 60% da população brasileira era de analfabetos” e condicionaram a questão
da qualidade da educação à oferta limitada de vagas, de modo que “a partir de 1940 a
política de ampliação das oportunidades de escolarização concentrou-se, basicamente,
na construção de prédios escolares”. Em outras palavras, nas décadas de 20 a 40,
faltavam escolas para os alunos do ensino fundamental, de modo que não se discutia
eventual qualidade, mas sim, a garantia de prédios para que pudessem estudar.

Diante dessa situação, não se pode negar que evoluímos em termos


educacionais e que o ensino obrigatório está sendo universalizado, pelo menos nas
matrículas. Mas com as creches, a situação ainda é precária.

Para a grande maioria das famílias que aguardam por uma vaga, a preocupação
não é com a eventual qualidade do ensino, mas tão somente com a oferta da vaga. De
fato, fica até difícil discutir qualidade da educação infantil quando a dimensão
quantitativa ainda não foi atingida.

Como vencer esse primeiro desafio da educação infantil, propiciando o regular


desenvolvimento da primeira infância? Sem dúvida alguma, obrigando o poder público
a ofertar, de forma regular, educação infantil de qualidade para toda criança cujos pais
pretendam matriculá-la.

Sabe-se que a creche, que compreende a faixa etária dos 0 a 3 anos e 11 meses
não é obrigatória, diferentemente da pré-escola e doensino fundamental. Contudo, a
partir do momento que a família manifesta a intenção de matricular o(a) filho(a), surge
a obrigação do poder público de ofertar a vaga solicitada. É o que determina a
Constituição Federal:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos
os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II - ...
III - ...
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco)
anos de idade;

Regulamentando a Lei Magna, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(Lei nº 9.394/96) prevê como obrigação do Estado prover o direito de acesso aos
meios educacionais, estando aí incluído o acesso a creches e pré-escolas:

Art. 4. O dever do Estado com a educação escolar pública será


efetivado mediante a garantia de:
II – educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de
idade; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).
A judicialização dessa questão ocorre diante da negativa da vaga, levando os
tribunais a garanti-la à criança com a consequente obrigação do poder público de
garantir oferta. Hoje, tal questão é pacífica nos tribunais, sendo que no Estado de São
Paulo foram editadas súmulas que resumem bem a questão:

Súmula 63. É indeclinável a obrigação do Município de providenciar


imediata vaga em unidade educacional à criança ou adolescente que
resida em seu território.

Súmula 64. O direito da criança ou do adolescente à vaga em unidade


educacional é amparável por mandado de segurança.

Assim, com a proteção judicial ocorre a garantia da vaga bem como a obrigação
de ser oferecida em quantidade suficiente para a demanda reprimida existente.

O problema é que a criança tem um nome, e esse nome é hoje. Decisões e mais
decisões estão aguardando o efetivo cumprimento, sendo que as crianças continuam
fora do sistema educacional. E mesmo que se cumpram tais decisões, isso não ocorre
de imediato, fazendo com que dezenas de milhares de crianças fiquem com este
direito fundamental tolhido, posto que irão ultrapassar a idade adequada para o
ingresso nas creches.

Assim, deve-se buscar judicialmente esse direito fundamental, mesmo sabendo


que os reflexos serão demorados. Mas, a busca judicial tem que apontar para o
atendimento da demanda como um todo, ou seja, as ações civis públicas, termos de
ajustamento de conduta ou mesmo as políticas públicas desenvolvidas pela
municipalidade, devem ter como principal objetivo não a garantia de um direito
individual (que é indiscutível), mas a efetividade de uma gestão que direcione recursos
para o atendimento da totalidade da demanda, visando zerar as famigeradas filas de
espera (demandas reprimidas). Esta é uma questão importante, no sentido de que as
ações individuais ou coletivas atualmente propostas tem apenas o condão de “furar a
fila de espera”, passando as crianças que obtiveram uma decisão judicial à frente de
outras que não buscaram a justiça. Isto acaba gerando uma nova injustiça, posto que,
aquela mãe que não sabe nem mesmo como buscar seus direitos e que necessita
urgentemente de uma vaga, fique na fila de espera até ser atendida pela
administração, sem se socorrer do poder judiciário.

Desta forma, as ações do Ministério Público e da Defensoria Pública deveriam


ser pautadas pela concretude do direito fundamental a todas as crianças e não
somente àquelas que, individualmente, buscam o auxílio dessas instituições ─ ações de
natureza difusa e coletiva que estabeleçam planos de gestão das filas de espera com o
atendimento gradativo a cada ano, possibilitando um equacionamento orçamentário e
o atendimento da demanda em situação de risco social e pessoal (alta vulnerabilidade)
de forma preferencial. Sem contar com a necessária transparência que deve pautar
todo esse processo, divulgando as filas de esperas, até mesmo pelos meios eletrônicos,
de forma a apresentar como a demanda está sendo atendida e a situação daqueles
priorizados, pois assim estabelece o Plano Nacional de Educação.

Colaboração interfederativa

Outra questão que tem pertinência no que diz respeito ao atendimento da


demanda de educação infantil, refere-se ao regime de colaboração. O dever de
fornecimento de creches é do município, mas ele não pode assumir isoladamente
todas as obrigações decorrentes do seu atendimento. Neste caso, devem a União e os
Estados atuarem de forma complementar para atender à regra prevista no artigo 211
da Constituição Federal, que estabelece:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão, em regime de colaboração, seus sistemas de ensino.
(BRASIL, 1988, CF)

Por derradeiro, registra-se que a consequência dessa omissão estatal quanto à


educação na primeira infância tem proporcionado um fenômeno perverso, que atinge
milhões de crianças. Em face da demora no atendimento do fundamental direito à
educação, aquelas crianças que foram privadas de oportunidades educacionais, com
reflexos na saúde física, psíquica e social cresceram, e tornaram-se adultos vitimizados
que agora estão gerando filhos também vitimizados e igualmente excluídos das
oportunidades fundamentais na primeira infância. Esta situação tem proporcionado o
atendimento pelas redes de políticas públicas e judiciais, da segunda geração de
excluídos. Um círculo vicioso que somente será rompido pelo pronto atendimento de
todas as crianças e adolescentes em seus direitos fundamentais, entre os quais,
destaca-se a educação na primeira infância.

Qualidade na Educação Infantil

Como discutimos acima, o principal questionamento em relação à educação na


primeira infância centra-se na falta de vagas. As ações, nos âmbitos judicial,
extrajudicial e de políticas públicas são direcionadas, em sua grande maioria, para a
obtenção e ampliação de vagas. Mas não há como negar que esta discussão tem que
ser ampliada para abarcar a qualidade do ensino como um todo. Porque de nada
adianta buscar vagas paras as crianças, se não se preocupar com o desenvolvimento
do processo pedagógico, pois haveria uma verdadeira inclusão excludente.
É certo que o debate sobre a qualidade da educação brasileira não é novo.
Trata-se de um problema que atinge a escola brasileira desde as suas origens. Segundo
Almeida (1989), já em 1889, relatavam-se as mazelas da educação pública brasileira,
atribuindo-as às questões de poucos investimentos financeiros e aos baixos salários
dos professores. A questão da qualidade educacional é ainda hoje motivo de grande
insatisfação e não tem agradado aos docentes e aos alunos das escolas públicas, aos
pais, aos pesquisadores, aos estudiosos em educação e até mesmo ao governo.
Trata-se de um tema complexo e polissêmico, difícil até mesmo para ser
conceituado e para se identificar os fatores que a determinam. Segundo Dourado e
Oliveira, (2009), [...] a qualidade é um conceito histórico, que se altera no tempo e no
espaço, ou seja, o alcance do referido conceito vincula-se às demandas e exigências
sociais de um dado processo histórico (DOURADO e OLIVEIRA, 2009, p. 204).Esses
mesmos autores revelam que:

[...] a qualidade da educação é um fenômeno complexo, abrangente,


que envolve múltiplas dimensões, não podendo ser apreendido
apenas por um reconhecimento da variedade e das quantidades
mínimas de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo
de ensino-aprendizagem; nem, muito menos, pode ser apreendido
sem tais insumos. Em outros termos, a qualidade da educação
envolve dimensões extra e intraescolares e, nessa ótica devem se
considerar os diferentes atores, a dinâmica pedagógica, ou seja, os
processos de ensino-aprendizagem, os currículos, as expectativas de
aprendizagem, bem como os diferentes fatores extraescolares que
interferem direta ou indiretamente nos resultados educativos
(DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 205).

A partir da Constituição Federal de 1988, a legislação educacional, com


destaque para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996,
incorporou a “qualidade do ensino” em seus artigos, indicando a importância da
definição de padrões de qualidade de ensino. Nesse sentido aponta a Constituição
Federal:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
VII - garantia de padrão de qualidade.

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios


organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º. A União organizará o sistema federal de ensino e o dos
territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e
exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva,
de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e
padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica
e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96)


estabelece:

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes


princípios:...
IX - garantia de padrão de qualidade;
Art. 4º. O dever do Estado com educação escolar pública será
efetivado mediante a garantia de:
(...)
IX -padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a
variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos
indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-
aprendizagem.

Aliás, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (CURY, 2007), Lei nº


9.394/96, vai pontuar 10 vezes o termo “qualidade”, seja como padrão de qualidade,
padrão mínimo de qualidade, avaliação de qualidade, melhoria da qualidade,
aprimoramento da qualidade e ensino de qualidade (Art. 3º, IX; art. 4º, IX; art. 7º, II;
art. 9º, VI; art. 47, §4º; art. 70, IV; art. 71, I; art. 74; art. 75, caput; §2º da atual LDB.)

A Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, que regulamenta o Fundo de


Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização da Educação –
FUNDEB também abordou a questão da qualidade da educação, anotando, em 10
artigos, referências à qualidade da educação (4º, § 2º, 7º, 8º IV, 12, 13, 14, 30 IV, 36,
§1º, 38, 39 e 40). Aliás, no capítulo da Distribuição dos Recursos estabeleceu, na Seção
II, a comissão intergovernamental de financiamento para a educação básica de
qualidade.
Contudo, não obstante toda essa legislação, afirmam Oliveira e Araújo (2005):
[...] essa incorporação não foi suficiente para estabelecer de forma
razoavelmente precisa em que consistiria ou quais elementos
integrariam o padrão de qualidade do ensino brasileiro, o que
dificulta bastante o acionamento da justiça em caso de oferta de
ensino de má qualidade. Afinal, como caracterizar um ensino com ou
sem qualidade, se não há parâmetros para o julgamento? (p. 17).

O fato é que a legislação contempla a questão da qualidade de ensino, não mais


como uma norma programática e sim como uma norma de eficácia plena, que precisa
ser concretizada. No entanto, a sua efetividade não encontra respaldo apenas no
aspecto jurídico, sendo necessária uma visão multidisciplinar que indique os
parâmetros necessários para que a lei seja cumprida. Em outros termos, a lei garante a
qualidade da educação, mas é fundamental a sua definição para que a mesma seja
verificada, e mais, que seja cobrada. Qualidade mensurada através de exames de
avaliação nacional tem sua importância e relevância, mas não consegue aferir de
maneira direta a qualidade da educação infantil. Enfim, não há uma definição legal de
qualidade que venha a atender todas as modalidades de ensino.
Diante dessa situação, na atualidade, discute-se no âmbito do Poder Judiciário
a não qualidade. Isto porque, como diz Oliveira (2005): “na falta de uma noção precisa
de qualidade, é certo que tenhamos acordo, no momento, no que diz respeito à
constatação de sua ausência (Oliveira, 2006, p. 55)”.
E a não qualidade, assevera Cury (2007a) é a falta de escolas, é a falta de vagas
nas escolas, são as barreiras excludentes da desigualdade social, inclusive legais, como
era o caso dos exames de admissão, a discriminação que desigualava o ensino
profissional, os limites do ensino não gratuito e a descontinuidade administrativa. A
não qualidade se expressou e ainda está presente nas repetências sucessivas
redundando nas reprovações seguidas do desencanto, da evasão e abandono. Como
diz Oliveira (2006): “passávamos da exclusão da escola para a exclusão na escola".

Mensagem básica

Em síntese, o debate sobre a qualidade da educação, no âmbito judicial e


extrajudicial, principalmente na primeira infância ainda está centrado em situações
pontuais como a falta de vagas, falta de professores, transporte, merenda, etc.
Trabalha-se, de maneira pontual, com a não qualidade da educação infantil. Não se
constata uma análise mais ampla no sentido de discutir uma ação afirmativa que
pontue todas essas questões sob o signo da qualidade.

No aspecto legislativo, deve-se destacar que a Constituição Federal (art. 205), o


Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 53) e a LDB (art. 2º) traçaram os seguintes
objetivospara a educação: a)desenvolvimento pleno da criança e do adolescente; b)
preparo para o exercício da cidadania; e c) qualificação para o trabalho (FERREIRA e
CURY, 2010, p. 81-87).
Tais objetivos visam dar uma diretriz única para os fins da educação e trazem à
tona, implicitamente, a questão da qualidade do ensino, posto que somente com uma
educação de qualidade se pode favorecer esse desenvolvimento, bem como o preparo
para a cidadania e a qualificação para o trabalho. Uma criança que não recebe os
estímulos necessários na educação da primeira infância ou o aluno que deixa o ensino
fundamental sem o conhecimento básico das disciplinas ministradas, sem saber ler e
escrever adequadamente, não se desenvolveu plenamente e pode ter comprometida a
sua qualificação para o trabalho. Neste caso, a educação não cumpriu o seu papel. A
educação oferecida não foi de qualidade.

Oferta-se, na maioria das vezes, uma escola pobre, principalmente para a


criança pobre. E esta escola deve ser analisada desde a primeira infância, pois de nada
adiantará ter um ensino fundamental de qualidade se a educação da primeira infância,
de insubstituível relevância, for relegada a um segundo plano.

Desta forma, além da falta de vagas, que centraliza o debate na educação


infantil, há necessidade de se discutir qual educação está sendo oferecida para nossas
crianças na primeira infância. O problema não é somente de quantidade, mas também
de qualidade. A educação infantil, ofertada na primeira infância é de qualidade?
Propicia o regular desenvolvimento da criança? Ou, está ocorrendo um retorno à
origem da educação infantil com uma visão puramente assistencialista, como um
depósito de crianças carentes?

Algumas referências são importantes para se buscar a qualidade do ensino


infantil, como:

[a)] Parâmetros Nacionais de Qualidade para as Instituições de Educação


Infantil (Vol. n. 2 – Brasília: MEC, 2006 - Atualizado em 2018),
[b)] Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – RESOLUÇÃO
CNE/CEB n. 01 de 07/04/99 e a revisão Parecer n. 20/09 e Resolução n. 5,
de 17/02/2009 do CNE e RESOLUÇÃO Nº 4, DE 13 DE JULHO DE 2010 -
Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica; e a
[c)] Base Nacional Comum Curricular para Educação Infantil, de 2017, que
estabelece direitos e objetivos de desenvolvimento e aprendizagem,
conforme estabelece o artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei n. 9594/1996).

Pode-se constatar em relação à educação infantil que avançamos quanto ao


reconhecimento da creche no âmbito educacional e o seu financiamento através do
FUNDEB. No entanto, é um avanço ainda limitado, posto que há necessidade de se
oferecer vagas em creches em quantidade suficiente e de qualidade. Especificamente
em relação à qualidade, que não pode ser medida por testes padronizados, e o que
não se concebe é essa busca frenética pela vaga sem se preocupar com a qualidade do
ensino que será ministrado.

A Família e a Educação na Primeira Infância1.

A relação entre a família e a educação infantil na primeira infância deve ser


analisada com especial atenção em face das múltiplas relações que se firmam. Inicia-se
com a questão da socialização primária/secundária passando pela efetiva participação
na instituição educacional (governança) para o regular desenvolvimento da criança.

Éconsenso entre os pesquisadores o papel que os pais desempenham como


primeiros educadores de seus filhos, sendo pares indispensáveis no processo de
educação da criança. (SCHAEFER, 1991, GOMES, 1994, SEEFELDT et al., 1998 apud
SAMBRANO, 2006).A família é amediadora primordial do desenvolvimento humano,
isto porque ela favorece, entre outros, a construção das bases da subjetividade, da
personalidade e da identidade.

Pelo exposto, pode-se afirmar que “o tornar-se social” não é algo genérico.
Trata-se de uma criança concreta, constituída por pessoas concretas, nascida em um
grupo social, que será socializada. Reconhece-se, portanto, a enormidade da tarefa
socialmente atribuída às famílias, sobretudo às mais pobres.

Sem dúvida, é direito da família educar a prole. Contudo, é importante


considerar: “[...] socialização não pode simplesmente ser elevada à condição de nova
vocação materna da mulher” (MITCHELL, 1981, p. 265). Buscar formas de auxiliar essas
famílias em seu empenho para garantir a sobrevivência e, em particular, a educação
dos filhos no nível da pobreza é função de todos nós. A iniciar pela inserção da criança
pequena em instituições de Educação Infantil, lócus da continuidade da socialização
primária e principal modalidade de socialização secundária. Sem isso, não há como
possibilitar a entrada da criança pobre brasileira, no mundo da cultura, que tem
chances de ver alterado o seu destino, historicamente marcado pela exclusão, com ou
sem compensação.

1
Este capítulo tem como referência o artigo: FERREIRA, L.A.M e GARMS, G. M. Z. EDUCAÇÃO
INFANTIL E A FAMÍLIA – Perspectiva Jurídica desta Relação na Garantia do Direito à Educação.
Como afirma Lefrèvre (2000, p. 3), “na creche, a criança pequena pobre
brasileira pode, ainda, entrar, com os dois pés, no mundo da cultura”.
Consequentemente, as famílias pobres não podem enfrentar por mais tempo, sós e
desamparadas, a responsabilidade da construção do futuro de seus filhos. Nesse
sentido, agrega-se como fator primordial a educação infantil.

E, segundo consta do Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei n° 10.172


de 09 de janeiro de 2001, o

[...]atendimento de qualquer criança num estabelecimento de


educação infantil é uma das mais sábias estratégias de
desenvolvimento humano, de formação da inteligência e da
personalidade, com reflexos positivos sobre todo o processo de
aprendizagem posterior. Por isso, no mundo inteiro, esse segmento
da educação vem crescendo significativamente e vem sendo
recomendado por organismos e conferências internacionais (BRASIL,
2001).

Desta forma, é sabido o benefício que o atendimento em creches e pré-escola


proporciona à criança quanto ao seu desenvolvimento intelectual e pessoal.

A educação infantil tem uma função de complementação e não de substituição


da família como muitas vezes foi entendido. Ela deverá integrar-se com a família e com
a comunidade para que juntas possam oferecer o que a criança necessita para seu
desenvolvimento e para sua felicidade. Como afirma Sambrano (2006):

...apesar de apresentarem obrigações diferentes, a família e a


instituição educacional têm um objetivo comum: o desenvolvimento
infantil e uma relação entre esses dois contextos tem de ser vista
como complementar e não encarada como forças distintas e
separadas (SAMBRANO, 2006, p. 148).

Nessa perspectiva, estudos sobre o papel socializador da família, têm apontado


para o declínio das fontes de socialização no interior do espaço doméstico, que por sua
vez atinge diretamente as condições de desenvolvimento infantil, principalmente no
que diz respeito às funções caracteristicamente humanas de agir, comportar-se,
pensar e sentir-se como um ser social e constituir-se como sujeito. Isso torna
indispensável a premente necessidade de espaços alternativos, extraparentais de
cuidado, socialização e educação infantil.
A inserção mais veemente e efetiva da mulher na vida política, econômica e
social e a expressiva ampliação do papel de mãe nos diversos grupos familiares
requerem, por sua vez, uma releitura de suas tradicionais prerrogativas no espaço
doméstico, assim como a redefinição do papel masculino na reprodução e no cuidado
dos filhos.

Numa perspectiva macrossocial, as instituições de cuidado e educação infantil


têm sido indicadas como um dos meios mais positivos para conciliar responsabilidades
familiares, ocupacionais e sociais, contribuindo para a ascensão da igualdade de
oportunidades entre homens e mulheres e amparando a família no seu papel parental.
Nessa direção, uma forte propensão em debate é fazer sobressair a função
socializadora das instituições de educação infantil.

Nesse contexto encontra-se a ideia de que o cuidado e socialização da criança


pequena é um trabalho a ser compartilhado entre família e poder público. Numa
perspectiva histórica, acontece mudança de direção das funções socializadoras do
espaço doméstico a um campo social mais amplo. O cuidado infantil deixa de ser
atribuição exclusiva da família, sobressaindo-se como essencial dispositivo social na
ascensão do desenvolvimento humano, a ser asseverado pelas autoridades públicas.

Mas, o sucesso educacional depende da participação da família que deve se


envolver nesta relação para torná-la mais produtiva.

Verifica-se um consenso de que a Educação Infantil é o espaço institucional


onde mais se enfatiza, se privilegia e se concretiza o estabelecimento de uma inter-
relação com a família, justificada pela idade das crianças e ênfase no desenvolvimento
integral das mesmas, o que inclui o espaço emocional e afetivo(SAMBRANO, 2006, p.
149).

A relação que se firma entre educação infantil e a família na ação socializadora


e educacional da criança requer disponibilidade, não podendo ficar limitada a contatos
formais (como reunião de pais) e conhecimento, no sentido de extrair os maiores
benefícios dessa relação. Família e instituição de educação infantil são parceiros
necessários nas ações educacionais e socializadoras, ou seja, têm objetivos comuns,
mas cada uma agindo de acordo com as suas especificidades, família é família e
instituição de educação infantil é instituição, sendo a criança o elo que as une.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional referenda o que foi exposto,


estabelecendo:

Art. 12 – Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas


comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
(...)
VI – Articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos
de integração da sociedade com a escola.

Destacam-se, assim, a importância do papel da família e o da educação quanto


ao trabalho em conjunto para o benefício das crianças e a necessária articulação entre
estas instituições, que se apresenta como um grande desafio para a melhoria do
desenvolvimento e da socialização das crianças.
Essa articulação necessária representa um novo modelo de gestão denominado
de governança educacional, que tem uma relação cooperativa e de colaboração e que
busca a atuação da sociedade civil como ator político para a boa performance da
máquina estatal. Assim, governança em seu significado atual, diz respeito à existência
de mecanismos institucionais e informais que possibilitem e garantam um ambiente no
qual haja um fortalecimento do poder local, dos processos de descentralização,
valorização dos movimentos comunitários, da promoção do associativismo, do
empoderamento (empowerment) dos principais atores, do desenvolvimento
institucional e da democracia em rede. Vinculando governança à transparência, tal
ação tem a ver com cidadania, responsabilidade social e direitos humanos (KERN,
2012). O município pode instituir, planejar, organizar e gerir o seu próprio sistema de
ensino (CF, art. 211, LDB, art. 8) sendo o responsável direto pelas creches. Para tanto,
é preciso que crie ou organize sua estrutura administrativa objetivando atender essas
novas exigências, devendo observar o princípio constitucional da gestão democrática
do ensino público e da participação da família.
A família entra neste novo modelo de gestão, não como um favor, como já
afirmado. Trata-se na verdade da efetivação de um direito, como bem destacou o
Estatuto da Criança e do Adolescente quanto à responsabilidade dos pais e
responsáveis em relação aos filhos ou pupilos em idade escolar (especificamente em
relação à educação infantil), estabelecendo: a) o direito de ter ciência do processo
pedagógico; b) participar da definição das propostas educacionais - parágrafo único do
art. 53.
Assim, a relação firmada entre a família e o direito à educação na primeira
infância apresenta-se da seguinte maneira:
“... cabe aos pais atuar em duas frentes: a) participação nos
mecanismos de co-gestão da escola; b) atuação junto aos seus
próprios filhos, através do desenvolvimento de atitudes favoráveis ao
sucesso escolar das crianças e adolescentes” (COSTA, 2008, p. 104).

Quanto ao relacionamento da escola com a família deve ser uma

“relação plenamente participativa, onde os pais são chamados a


compartilhar decisões e responsabilidades com os educadores da
equipe escolar, atuando de maneira cooperativa no encaminhamento
de solução para os problemas levantados.” (COSTA, 2008, 106)

Aliás, quanto a este relacionamento, Costa (2008) apresenta de maneira


didática, como têm sido as configurações relacionais da escola com a família. Vale
destacar as hipóteses citadas:

[a)] Relação burocrático-formal: os pais matriculam seus filhos,


pedem transferência, são chamados para receber reclamações ou
convocados para alguma atividade regimental. As autoridades locais,
vez por outra, são convidadas a participar de alguma cerimônia, em
ocasiões especiais.
[b)] Relação de natureza tutelar: os pais são vistos pela escola como
uma extensão dos seus filhos, isto é, também como educandos. São
alvos, pela escola, de um trabalho constante de informação,
esclarecimento, motivação, orientação, de modo a se tornarem mais
cooperativos no processo de educação escolar de seus filhos.
[c)] Relação pragmático-utilitária: A escola vê, na comunidade e nas
famílias, fontes de bens e serviços destinados a suprir suas
deficiências e necessidades. Pais e lideranças comunitárias são
envolvidos em mutirões, campanhas, quer- messes e promoções de
todo tipo, visando melhorar as condições de funcionamento da
escola (COSTA, 2008, p. 105).

Observa-se que essas relações se apresentam perniciosas para a autonomia da


família e a garantia do direito à educação, bem como para a dignidade da criança e do
adolescente. A família deve ser reconhecida

“ao lado da instituição social que é representada pela escola, como


fator coadjuvante no processo educacional preconizado como meio
operativo de garantia do direito à educação” (CAGGIANO, 2009, p.
24).
Atuando junto aos filhos de forma positiva e não apenas repressora, a
instituição de educação infantil completa a família o papel que se espera para o pleno
desenvolvimento da criança.
Neste sentido, a Portaria da Intersetorialidade 1/2018 ilustram ações práticas
para parceria família-escola na promoção do desenvolvimento na primeira infância.

Considerações finais

Não há como negar que a educação é vista por todos como um instrumento de
mudança social, que busca equalizar as pessoas de modo a garantir-lhes as mesmas
oportunidades. E mais. A educação tem uma ligação direta com os fundamentos e
objetivos da República Federativa do Brasil, pois representa um instrumento de
cidadania e dignidade da pessoa humana, garantindo o desenvolvimento nacional e
contribuindo para erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades.

Sem o efetivo atendimento da demanda e com qualidade, não se pode afirmar


que a educação seja um direito de todos. Continuará a ser um direito para alguns
privilegiados. Também não se pode esquecer o papel da família nos mecanismos de
gestão e de participação do desenvolvimento da criança, atuando de maneira
participativa e de corresponsabilidade com a instituição educacional. Este papel é de
fundamental importância, independente da forma como a família se constitui. Por
outro lado, na creche a criança deixa de depender exclusivamente do capital cultural
da família para ingressar na educação de maneira organizada e regular.
Todas estas questões, principalmente no aspecto legislativo, encontram um
direcionamento satisfatório. Porém, a realidade está bem distante da lei. Há um
distanciamento muito grande entre o legal e o real.
Há uma dívida social muito grande com a primeira infância. Esta dívida
proporciona uma geração de excluídos, sendo que a oferta irregular de educação
infantil na primeira infância acaba por constituir o alicerce da construção social da
desigualdade, que tem como reflexos perversos o analfabetismo, a repetência, a
evasão escolar e a violência. Estudos apontam para esse caminho:
No Brasil, as crianças pobres que frequentaram um ano de pré-escola
permaneceram em média 0,4 ano mais na escola primária do que as
crianças que não a frequentaram (BARROS & MENDONÇA, 1999)
(YOUNG, 2010, p. 7).

Uma consideração social fundamental é que as crianças que têm um início


deficiente correm um risco maior de apresentar comportamento antissocial, o que
potencialmente resulta em um aumento da criminalidade e da violência na sociedade
(MUSTARD, 2010, p. 57).
Qual o melhor encaminhamento a fazer na área educacional? A resposta é
simples e objetiva: investir na primeira infância. Políticas públicas garantidoras de
direitos e que superem as desigualdades, pois se as experiências positivas nesta fase
repercutem para toda a vida, de nada adiantará investimentos no ensino fundamental
ou médio se a base já vem corroída pela falta de oportunidade. Nesse sentido,
desnecessária a elaboração de novas leis, mas sim a necessidade do cumprimento
efetivo do que já vem estampado na Constituição Federal: todos são iguais perante a
lei e a educação de qualidade é um direito de todos. Para tanto, mostra-se
extremamente importante que todas as instituições, em especial o Ministério Público,
Defensoria Pública, Tribunal de Contas e o próprio Poder Judiciário se sensibilizem
para esta questão, posto que como guardiões da Constituição Federal podem
contribuir eficazmente para este novo olhar. Um olhar para o presente cercado de
desigualdade e de falta de oportunidade, com vista a um futuro mais justo e com
equidade, pois escola para poucos não é um direito, e sim um privilégio.

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3.2 Impactos do afastamento familiar na primeira infância e os efeitos da


institucionalização precoce

Objetivo instrucional: Entender as conseqüências do afastamento da criança de


sua família e os efeitos da institucionalização, de modo a que essa medida não
seja aplicada indevidamente: Como fica uma criança ao ser separada de seus
familiares? Em que medida a institucionalização afeta seu desenvolvimento e
quais cuidados são necessárias para a que a medida de acolhimento seja de fato
reparadora e não revitimizadora?

Como vimos na Unidade 1, a família é fundamental para a formação do ser


humano. A criança estabelece vínculos desde o começo da vida e a interação familiar é
a base para a criança sentir-se segura e desenvolver sua identidade e seu senso de
pertencimento social. Diante disso, o direito à convivência familiar e comunitária é um
direito essencial, assim compreendido em nossa legislação:

É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de


sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu
desenvolvimento integral (Lei 8.069/1990, art. 19).

Esse é um direito reconhecido a partir da Convenção dos Direitos da Criança


(1989) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Antes dessa evolução
normativa, o Brasil e o mundo lidaram com a proteção às crianças por meio da
substituição dos cuidados familiares pelos cuidados em instituições totais, assim
conhecidas porque se pretendida que elas fossem capazes de suprir a todas as
necessidades das crianças.

No âmbito das políticas públicas de proteção à infância, o passado foi marcado


por uma “cultura de institucionalização”, na qual em vez de se oferecer apoio às
famílias, especialmente as que se encontravam em situação de extrema pobreza, via-
se como solução considerá-las incapazes, retirando-se delas os filhos para oferecer
cuidados substitutivos, no lugar da família, não junto a ela. Foi assim que muitas
crianças foram separadas de suas famílias e por vezes permaneceram até a maioridade
em instituições, em que recebiam cuidados massificados e não tinham contato com o
mundo real.

Podcast do Marquinhos (menino que foi criado na FEBEM e participou do


Movimento de Meninos e Meninas de Rua), narrando como foi separado da família
– que era marcada por forte afeto – apenas porque após a morte do pai, a mãe não
teve como sustentar os filhos

O que aconteceu com essas crianças que, de acordo com a política vigente à
época, para serem protegidas, foram colocadas em instituições e terminaram
perdendo o contato com seus familiares? E o que aconteceu com suas famílias?
Inúmeras pesquisas e publicações surgiram para retratar e refletir sobre os
efeitos dessa forma de intervenção. Uma das pesquisas mais divulgadas é a dos
“Órfãos da Romênia”, desenvolvida pelos cientistas Charles Nelson, Charles e Natan
Fox, do Hospital de Boston, em parceria com a Universidade de Harvard.

Pílula do filme “O começo da Vida”, com a entrevista do Prof. Charles Nelson.

Embora o contexto estudado nessa pesquisa não seja o mesmo do Brasil, este
estudo teve importante papel na revisão da atuação do Estado e da Sociedade em
relação aos cuidados oferecidos diante do afastamento do convívio familiar,
especialmente na primeira infância.
O Acolhimento institucional representa a separação da criança do seu núcleo
familiar, por isso de ce acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente o acolhimento
deve ser um medida extrema, excepcional e temporária, somente aplicada pelo poder
judiciário e em alguns casos pelo Conselho Tutelar.
A aplicação dessa medida deve ser feita com conhecimento dos males causados
pela ruptura do convívio familiar da criança, quando ela é acolhida, bem como do
reconhecimento mútuo do trabalho que é feito pelas diferentes equipes: das unidades
de Acolhimento institucional, Conselhos Tutelares, Juizados e demais órgãos que
compõem a Rede de Atendimento neste período de afastamento.

Pretende-se nessa unidade demonstrar que é possível propiciar às


crianças/adolescentes e suas famílias um acolhimento menos danoso possível e um
processo de reintegração familiar ou colocação em família substituta com promoção
de vínculos fortalecidos - e capacidade protetora reavivada.

Histórico da Acolhimento no Brasil

Investir nessas crianças e adolescentes é assumir a imperfeição e o


erro para permitir a reconstrução do acerto e uma nova base de
relações no abrigo e, como consequência, fora dele(Ministério da
Saúde, 2002)

O acolhimento de crianças e adolescentes há séculos vem sendo prática em nossa


sociedade para dar conta de múltiplos fatores envolvendo famílias que apresentam
dificuldades com sua prole, também por falta de políticas públicas voltadas para prevenção.

Ao final da década de 70 inicia-se um redirecionamento das políticas de atenção à


criança e ao adolescente. Os acolhidos passam a utilizar-se dos serviços da comunidade e
inicia-se um movimento de desinstitucionalização e luta pelos direitos das crianças e
adolescentes.

Pensando na realidade dos acolhimentos, dados de pesquisa realizada pelo IPEAem


parceria com o CONANDA deram origem em 2004 ao livro O Direito à Convivência Familiar e
Comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Estes dados mostraram que
86,7% das crianças e adolescentes que viviam em abrigos possuíam família, com a qual a
maioria mantinha vínculos (58,2%), sendo os motivos relacionados à pobreza os mais citados
para o abrigamento (52%). O tempo de duração da institucionalização variava de 2 a 5 anos
para 32,9% dos abrigados.

No Brasil, os órgãos responsáveis pelo atendimento a crianças e adolescentes


necessitados de serviços de alta complexidade como o acolhimento, são do Ministério da
Cidadania, mais especificamente na Secretaria nacional da Assistência Social. Estes órgãos se
estendem nos Municípios pela atuação dos Conselhos de Direitos e Tutelares, Ministério
Público e Judiciário (CONANDA, 2004).

No artigo 101 do ECA, que descreve as medidas de proteção aplicadas em casos onde
os direitos da criança/adolescente forem ameaçados ou violados, o acolhimento
institucional vem em 7º lugar, antecedendo apenas a colocação em família substituta. Isto
significa que o acolhimento deve ser entendido realmente como último recurso frente ao
trabalho junto às famílias, priorizando-se sempre a busca por alternativas que fortaleçam os
vínculos familiares.

Com efeito, em alguns casos constata-se o fracasso das tentativas de organização do


contexto familiar, restando o afastamento temporário da criança até que a família possa
minimamente se estruturar para o seu retorno. Cabe aqui ressaltar que mesmo em
situações de violência doméstica a primeira alternativa deve ser o afastamento do agressor
ou a colocação temporária da criança sob os cuidados da família extensa (tios, avós...).
Cessados estes recursos sem sucesso opta-se pelo acolhimento à qual o artigo 92 do ECA
detalha suas funções.

O Acolhimento e suas Marcas

“Eu me saí dessa, admiram-se os resilientes, que depois de um


ferimento reaprenderam a viver, mas essa passagem da sombra para
a luz, a escapada do porão ou a saída do túmulo implicam a
necessidade de reaprender a viver uma outra vida... é preciso
procurá-la, reaprender a andar, a respirar, a viver em sociedade”
(CYRULNIK, 2004, pg.3).

A criança acolhida passa por um momento de ruptura com o meio familiar de onde é
originária. Tal vivência é sentida e manifestada no acolhimento de diversas formas. Algumas
crianças apresentam grande resistência inicial à convivência, caracterizada por
comportamento desafiador opositor, tristeza, quadros depressivos, desespero... Outras
reprimem todo e qualquer sentimento de estranhamento e manifestam uma capacidade de
adaptação imediata. Geralmente neste último caso trata-se de situações familiares por
demais caóticas, e a necessidade de sobrevivência da criança fala mais alto.

Pensando nesta ruptura de vínculos, os primeiros estudos sobre a influência do vínculo


afetivo no desenvolvimento de crianças foram publicados pelo francês René Spitz e pelo
psiquiatra inglês John Bowlby, ambos foram grandes estudiosos do abandono em fases
precoces do desenvolvimento infantil. Estes autores apontam para os prejuízos físicos e
psíquicos de crianças vítimas de abandono.

A priori, a criança que é acolhida, retirada de sua família, interrompe a relação com a
figura cuidadora de referência, tão importante nesta fase de sua vida. Por mais dificuldades
e fragilidades que existissem nesta relação, era o referencial que a criança possuía até ali.
Sabe-se através de pesquisas que a criança desde a fase perinatal está conectada com a voz
e os sentimentos da mãe. Da mesma forma, pesquisas mostram que, quanto menor a idade
da criança no momento da privação materna, mais probabilidades possui de desenvolver
traumas.

Albornoz (2006) sustenta que crianças e adolescentes vítimas de abandono,


negligência e maus-tratos apresentam dificuldades para investirem em si mesmos e nos
outros. Sendo estas características, muitas vezes, impeditivas ou dificultadoras da adaptação
pessoal, escolar, institucional, social e familiar desses indivíduos, podem gerar novas
vivências de rechaço e segregação.

Como diz a Doutora Sylvia Nabinger em várias de suas explanações em congressos e


outros eventos, quando a criança chega ao abrigo algumas “pontes” que marcam a sua
história já foram rompidas e o objetivo do acolhimento é ajudar na construção de uma
ponte segura que possa dar a esta criança a possibilidade de, ainda assim, construir uma
estrutura psíquica saudável.

Para tanto é necessário que o acolhimento invista de imediato em dois pontos: na


criança e na família. Na criança, através de um espaço institucional continente as suas
necessidades desde a estrutura física até as formas de manejo. É necessário que a criança se
perceba acolhida em suas demandas tendo um olhar do adulto em âmbitos que demonstre
defasagens, carências, encontrando assim saídas mais adequadas para cada acolhido.

Já no que se refere às famílias, compete a toda equipe iniciar contatos com toda rede
sócio assistencial e pessoal para amparar, cuidar e encaminhar estes familiares para
atendimentos que se fizerem necessário, além de estabelecer uma linha de conexão entre a
criança e sua família através de diversas ações que possibilite o fortalecimento dos vínculos
saudáveis viabilizando o retorno seguro ao convívio familiar. Para que estas famílias tenham
chances de reaver os cuidados da criança / adolescente necessitam compreender a
gravidade da situação e se propor à mudança, para tanto , os profissionais precisam
trabalhar na perspectiva da verdade, da confiança e sobretudo da amizade ,já que seus
filhos estão sob a guarda e responsabilidade destes profissionais. Sem estas etapas percebe-
se que a família não avança e o retorno da criança torna-se cada vez mais remoto. Neste
processo a participação dos técnicos do abrigo é de fundamental importância, pois são eles,
num primeiro momento, a ponte entre a família e a criança.

Ouça no podcast a seguir um relato de uma cuidadora:


https://open.spotify.com/episode/3TI70NGMLAaNUDRRwMLVDc?
si=y4JwElrdS5GHpQacK3m8VQ

Também os profissionais que exercem os cuidados da rotina da criança possuem papel


fundamental neste processo. Estes recebem nomenclaturas diferentes e, dependendo da
instituição, podem ser chamados de monitores, cuidadores ou atendentes. Para poderem
executar suas funções com eficiência e ética necessitam de suporte técnico, uma vez que se
encontram em uma proposta de trabalho onde facilmente os papéis podem ser
confundidos, pois o espaço-abrigo não é nem a creche onde as famílias deixam seus filhos
durante o dia, nem a casa onde vivem em família. Este espaço intermediário pouco falado
na sociedade acaba, quando não trabalhado, gerando conflitos internos e propiciando a
criação de fantasias na tentativa de aplacar estes conflitos. Frequentemente as cuidadoras
acabam construindo fantasias de maternagem, posse, ou então o outro extremo,
dificuldades de vinculação pelo medo da perda.

Sobre este aspecto nos fala GolseinSzanto-Feder (2006), referindo que o papel da
cuidadora consiste em dar à criança uma atenção suficientemente boa, porém mantendo
aberto o lugar da figura materna real. Por este motivo entende-se que existem limites a
serem respeitados na relação cuidadora/criança, a fim de que o lugar materno esteja pronto
para ser ocupado e a criança, através da falta, possa desejar esta ocupação.

Por mais cuidado que se tenha para compor boas equipes de trabalho nos serviços de
acolhimento, é comum observar na rotina destas instituições que durante horas do dia os
bebês permanecem em seus berços sem contato com a figura da cuidadora. Da mesma
forma, crianças maiores e adolescentes acabam tendo pouco tempo de atenção
individualizada. As cuidadoras transitam, é difícil criar vínculos mais específicos. Para dar
conta desta falta de atenção individualizada as suas necessidades, as crianças acabam
criando mecanismos para controle da ansiedade como: chupar o dedo, movimentos
estereotipados (balanceio), se acalmando sozinhas. Já os adolescentes, não raras vezes,
acabam recorrendo a companheiros do serviço de acolhimento em busca desta atenção e
carinho, a vivência na rua e as drogas – ocorrendo em algumas situação a gravidez na
adolescência.

Por outro lado, existem crianças/adolescentes que surpreendentemente conseguem


sobrepor-se a todas as dificuldades encontradas na família, posteriormente no abrigo,
apresentando um desenvolvimento saudável ao longo da vida e construindo uma história
diferente dos seus ascendentes. São crianças que possuem uma imensa capacidade de
resiliência e conseguem suplantar as adversidades que a vida lhes impõe. A respeito disso,
fala o autor Cyrulnik (2004) quando diz que “Nossa História não é nosso Destino”.

A criançaacolhida e sua família

Após o período inicial de adaptação deve-se começar a avaliação da família e, sempre


que possível, manter o contato da criança com sua origem, sendo o abrigo a ponte para esta
reaproximação sob outras bases.

Nesta busca pela família, num primeiro momento, cabe à equipe técnica do abrigo a
avaliação do contexto familiar e das relações que se constituíram até então. Não raras vezes,
constatam-se grandes falhas na constituição dos vínculos primários, sendo a grande maioria
de raiz transgeracional. São mães que não foram maternadas, que não tiveram infância, que
não tiveram o apoio do pai de seus filhos para criá-los. Somado à falta de bases para o
cuidado afetivo, muitas vezes, são famílias que não possuem condições mínimas de
subsistência. Tais situações fazem com que o trabalho junto a estas famílias seja
literalmente de base, necessitando de equipe especializada e união de esforços no trabalho
em Rede. Esta Rede será composta pelas equipes técnicas do abrigo e Juizado da Infância e
Juventude, pelos Conselhos Tutelares, pelos Módulos de Assistência Social, pelas Unidades
Básicas de Saúde, pelo Juiz, pelo Promotor de Justiça, entre outros órgãos.

Existem, entretanto, casos em que os esforços feitos pelos técnicos para que a criança
possa retornar ao convívio familiar fracassam. São situações onde as famílias não
conseguem suplantar sua história de violência, negligência, abandono, drogadição... Trata-se
de um momento muito difícil onde decisões difíceis necessitam serem tomadas. Como diz
Nabinger (2004), “O rompimento dos vínculos de filiação biológica é um processo lento e
penoso em todos os lugares do mundo”.

Após o acolhimento institucional, a equipe técnica dos acolhimentos iniciam um


trabalho junto a rede socioassistencial para que os familiares e ou responsáveis pelas
crianças/adolescentes retomem suas capacidade protetoras para receberem seus filhos
novamente, para isso é produzido relatórios circunstanciais a cada trimestre, onde o juiz
responsável juntamente com sua equipe do judiciário determina o destino dos mesmos,
podendo ser ; o prorrogamento do acolhimento, a reintegração do acolhido em sua família
de origem ou extensa ou família substituta com vistas a adoções quando esgotados todas as
possibilidades de reintegração.

Para saber mais sobre metodologias de reintegração familiar:

Publicações em pdf a serem colocadas em hiperlink

A Equipe de Trabalho dos Acolhimentos institucionais

Considerando que a unidade de acolhimento é uma medida de proteção que funciona


como espaço de moradia para crianças e adolescentes por tempo indeterminado,
éfundamental que possa contar com uma equipe de trabalho que contemple as
necessidades do público que se propõe atender.
Independente da natureza do acolhimento (Estadual, Municipal, ONGs), a equipe
que atua junto às crianças deve seguir as orientações técnicas do CONANDA,
principalmente no que tange o quadro de recursos humanos, que atualmente seria,
um coordenador, uma equipe técnica – assistente social e psicóloga –, um cuidador e
um auxiliar para cada 10 acolhidos por turno, sendo que a quantidade deve ser
aumentada quando houver demanda específica (com deficiência , com necessidades
especificas de saúde, ou idade inferior a um ano), ainda as unidades de acolhimento
devem ter estabelecido um plano básico de atuação. Este plano inclui orientação às
cuidadoras no que se refere às formas de manejo e metodologia de trabalho, busca
por escolas adequadas às necessidades das crianças/adolescentes, encaminhamentos
para atendimentos especializados, acompanhamento do trabalho voluntário,
planejamento de capacitações periódicas para os funcionários.

Vale ressaltar que o trabalho executado pelos acolhimentos, passou por


mudanças significativas após o surgimento do ECA, a Resolução Conjunta Número 01
de 18/06/2009,onde foi aprovada as orientações técnicas do CONANDA, dos Planos
nacionais, municipais e estaduais de Convivência Familiar e Comunitária, o Movimento
Nacional Pró Convivência Familiar e Comunitária, deixando assim de ser um espaço
apenas de instituição total, passando a ser um local o mais aproximado possível de
uma residência, com acolhimento de acordo com as orientações de até no máximo 20
acolhidos por vez, porém em alguns municípios já foi acordo junto a Vara da Infância e
Juventude ( como por exemplo na comarca de Belo Horizonte) que a capacidade
máxima deve ser de até 15 acolhidos por vez.

Mais especificamente com relação à equipe técnica, faz parte do seu trabalho o
acompanhamento e encaminhamento das famílias para órgãos que se fizerem
necessário, construção do PIA - plano individual de atendimento, produção de
relatórios circunstanciados a cada trimestre e ou sempre que houver demanda por
parte do judiciário, dentre outras funções conforme listadas nas orientações técnicas
do CONANDA.
Estando a equipe formada, respeitando os limites de crianças/adolescentes por
cuidadora, dividindo funções e responsabilidades e mantendo uma boa comunicação,
pode-se desenvolver um bom trabalho.

E, mesmo em meio a todas as adversidades que ocasionaram a medida de


acolhimento institucional, deve se ter um olhar diferenciado para as famílias olhando
– as como pessoas, sujeitos de direitos e com potencial para retomar a capacidade
protetora, superando assim as situações que levaram ao acolhimento dos filhos,
desprendendo de qualquer olhar preconceituoso, menorista ou culpabilizador.

Considerações Finais

Fica evidente que inúmeras ações têm sido efetivadas no que tange o cuidado
com crianças e seus familiares, vários órgãos no âmbito nacional e internacional tem
buscado ações integradas para alcançar a proteção integral dos nossos meninos e
meninas conforme preza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei Orgânica
de Assistência Social (LOAS), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), o Sistema
Único da Assistência Social (SUAS) e, mais recentemente, os Planos Nacional e Estadual
de Promoção e Proteção do Direito à Convivência familiar e Comunitária (PNCFC).
Estes documentos reconhecem que a situação de vulnerabilidade pela qual a família
está inserida é propiciadora de violação de direitos contra os filhos.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente priorizou em
suas ações a garantia do direito à convivência familiar e comunitária, em 2003criou a
comissão intersetorial para elaboração do Plano Nacional, onde propõe mudanças
consideráveis no olhar para as crianças e adolescentes.

Foram indicadas ações como; apoio à família com a prevenção da


institucionalização, excepcionalidade e provisoriedade do afastamento do convívio
familiar, reordenamento dos abrigos, Implementação de programas de famílias
acolhedoras, reintegração familiar como premissa do Serviço de Acolhimento, adoção
como excepcionalidade, fortalecimento da autonomia do adolescente e do jovem
adulto, articulação intersetorial.
Quanto às famílias de crianças e adolescentes, quando constatadas situações
de violação de direitos, são previstas medidas específicas pertinentes aos pais ou
responsáveis, delineadas no artigo 129 do ECA. A aplicação das medidas para crianças
e adolescentes, e também as medidas pertinentes aos pais ou responsáveis, implicam
na estruturação de programas e serviços nas áreas de educação, saúde, assistência
social, judiciário, dentre outras, exigindo uma ampla articulação e intersetorialidade
entre o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e outros sistemas.
Cabe ressaltar, também, que a natureza das ações desenvolvidas e os regimes
dos diversos programas previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente são ações
continuadas para o seu atendimento, pertencentes ao Sistema Único de Assistência
Social; por isto definido como serviço. Situação que mostra a necessidade de haver
clareza e compreensão consistente destes conceitos e nomenclaturas pelos
operadores sociais dos diferentes sistemas.
De acordo o Plano Nacional de Convivência familiar e Comunitária (2007), para
determinar a modalidade que melhor atenderá determinada criança ou adolescente,
há que se considerar sua idade; histórico de vida; aspectos culturais; motivos do
acolhimento; situação familiar; previsão do menor tempo necessário para viabilizar
soluções de caráter permanente (reintegração familiar ou adoção); condições
emocionais e de desenvolvimento e, também, as condições específicas que precisem
ser observadas (crianças e adolescentes com diferentes graus de deficiência, crianças e
adolescentes que estejam em processo de saída da rua, com histórico de uso ou
dependência de álcool ou outras drogas, com vínculos de parentesco – irmãos, primos,
etc.).

3.3 Acolhimento Familiar: desafios e perspectivas de implementação

A lei 12.010 instituiu oficialmente, em 3 de agosto de 2009, o acolhimento


familiar como parte do sistema de acolhimento de crianças e adolescentes e indicou
que se deve dar preferência ao acolhimento em famílias acolhedoras que ao
acolhimento institucional.
Onze anos depois, o número de serviços de família acolhedora, bem como de
famílias acolhendo pouco avançou. Provavelmente pensou-se que, com o tempo, a
política de acolhimento familiar cresceria frente aos evidentes benefícios que o
atendimento personalizadotraria para as crianças e adolescentes. Não foi assim.
Hoje, estamos com uma realidade de menos de 4% de serviços de famílias
acolhedoras instalados e funcionando pelo Brasil, sendo que o estado que mais
avançou foi Santa Catarina.
A pergunta seria o porquêde tão poucos serviços. Hipóteses podem ser
levantadas: seria um serviço muito oneroso aos cofres públicos; seria um serviço muito
difícil de ser executado; seria muito arriscado colocar crianças e adolescentes em
residências de pessoas estranhas; qual seria a real motivação de uma pessoa querer
colocar uma criança completamente estranha dentro de sua própria casa (tráfico de
crianças, ter uma empregada de graça)? Enfim, as hipóteses (ou fantasias) que se ouve
são muitas.
O serviço de família acolhedora é um serviço de delicadezas e sutilezas. É
necessário que os candidatos tenham uma formação inicial que contemple entrevistas
com a equipe técnica com os adultos da família, entrevistas com as crianças e
adolescentes do grupo familiar (se houver), entrevistas com o grupo familiar completo,
visitas nas residências dos candidatos para observação da dinâmica familiar. Após isto,
inicia-se a formação grupal dos técnicos (um grupo com adultos e um grupo com os
filhos destes adultos) onde irão observar a dinâmica comportamental de cada grupo e
seus integrantes.
Após esta formação inicial (sugerimos omínimo de 30 horas), a equipe fará
nova conversa com cada grupo familiar onde dará uma devolutiva se foram aceitos ou
não. Talvez pareça muito exigente para alguns, pois se pensarmos em 3 horas por
noite (deve ser à noite considerando que os adultos trabalham), duas vezes na
semana, esta formação se alongaria por mais de um mês. A este grupo novo deve-se
somar o antigo grupo de famílias acolhedoras para que cresçam juntos na caminhada
de formação com as trocas de experiências e construindo respostas para dúvidas
comuns.
Deve-se lembrar que não ser aceito não significa que o candidato é ruim ou
inadequado. Ele pode não estar em um bom momento pessoal ou familiar, pode estar
vivendo um luto onde inconscientemente está tentando substituir um filho perdido e
assim por diante. Ele poderá tentar de novo em uma próxima oportunidade, se assim o
desejar.
A equipe já deverá ter construído um fluxo de acolhimento inicial, um fluxo de
permanência no acolhimento e um de saída do acolhimento, detalhadamente e com
os devidos cuidados com o acolhido e com a família acolhedora. Esta construção de
metodologia chama-sePlano Político Pedagógico – PPP.
A formação inicial é imediatamente engajada em uma formação continuada
onde todas as famílias acolhedoras, acolhendo ou não, devem participar, com reuniões
mensais de trocas e acompanhamento. Paralelo a isto, a equipe segue visitando e
atendendo as dúvidas e ansiedades de cada família acolhedora e seus filhos, dos já
acolhidos e suas famílias de origem.
Vejam que não é fácil ser uma família acolhedora. E ainda há muitas delas que
não recebem nenhuma ajuda de custo ou subsídio financeiro para acolher. Mas há
municípios que repassam um salário mínimo por criança acolhida e, se tiver mais uma
ou duas crianças, mais meio salário. Se a criança acolhida for deficiente ou tiver
demandas medicas importante, o repasse será de um salário e meio.
Quem sabe possamos refletir que uma das dificuldades de termos mais famílias
acolhedoras em um modelo de a cada 15 famílias termos que contar com uma equipe
técnica de um psicólogo, um assistente social e um coordenador,seja a delicadeza que
esta equipe precisara ter com estas famílias, algumas voluntárias e outras quase, para
fidelizá-las ao serviço. O nível de exigência é alto. A equipe trabalha em regime de
plantões 24 horas. Ela também deve ser bem escolhida e formada, além de ser bem
paga.
Quem sabe a reflexão deva caminhar para que tenhamos famílias acolhedoras
cada vez mais profissionalizadas com capacitações continuadas e com qualidade e
melhores salários para os profissionais técnicos. Se queremos qualidade de
atendimento as crianças e adolescentes acolhidos, os recursos financeiros devem se
fazer presentes por meio do poder público.
Se o desejo for de avançar no crescimento qualitativo e quantitativo de famílias
acolhedoras pelo território brasileiro, os investimentos públicos serão absolutamente
necessários.
Na França, as famílias acolhedoras passam por duas etapas de formação: a
primeira de 60 horas onde os candidatos e candidatas estudam as teorias do
desenvolvimento e vivenciam com diversos profissionais (médicos, puericultores,
enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras e outros que se fizerem
necessários) as práticas do acolhimento. Após, prestam uma prova escrita e a entrega
de um trabalho também escrito. Na segunda etapa, já aptas ao primeiro acolhimento,
continuam estudando mais 220 horas, totalizando 300 horas de formação e recebem
um diploma. São profissionais do acolhimento familiar com salário e benefícios. São
acompanhadas por equipes multidisciplinares com rigor e afeto.
Creio que podemos sonhar com esta qualidade de atendimento para o nosso
futuro brasileiro no acolhimento familiar.
Mas sem deixar de ter em mente qual nosso plano de realidade agora, onde
estamos e como devemos crescer. A expansão dos serviços de famílias acolhedoras,
por sua delicadeza e cuidados, deve ser feita com muita capacitação para as equipes
técnicas para que a implantação seja detalhada, cuidadosa e bem estruturada. Melhor
demorar e ser bem-feita do que o contrário.
Não podemos deixar de lembrar que as regras legais nacionais que valem para
os serviços de acolhimento institucional valem igualmente para os serviços de famílias
acolhedoras. Então, elaborar o PIA – Plano Individual de Atendimento, relatórios
trimestrais ao Ministério Público e Vara da Infância, estudos de caso em a equipe e
com a rede de proteção, cuidar da organização dos prontuários individuais, dos
registros escritos diários da vida de cada acolhido, sempre em parceria com a família
acolhedora faz parte das tarefas de trabalho das equipes técnicas.Todos estes
cuidados não são exagerados. São necessários ao bom funcionamento do programa ou
do serviço.
A multiplicação do número de famílias acolhedoras está ligada a vários fatores:

 Divulgação do serviço: fundamental e deve ser bem planejado, sem


preconceitos de raça, credo ou classe social. Descobriremos ótimos
acolhedores onde menos esperarmos;
 Atendimento atencioso, informações objetivas e precisas sem detalhamento
neste momento.O convite será o de vir a uma reunião acolhedora para receber
mais informações;
 Agendar com aqueles que aceitarem continuar o desafio uma visita domiciliar
para se conhecerem melhor nas dinâmicas familiares;
 As famílias que a equipe técnica julgar não prontas para continuar devem
receber uma devolutiva respeitosa e objetiva;
 As famílias que continuam entram em um processo de formação inicial e
continuarão por um número predeterminado de horas. Ao final, esta formação
será avaliada pelo grupo e individualmente pela equipe com uma devolutiva
sincera e delicada sobre a possibilidade de acolhimento ou não. Às vezes, é
aconselhado que a família espere mais um pouco, que frequente as reuniões
mais vezes para amadurecer mais a idéia.
 O acolhimento deve ser acompanhado de perto pela equipe técnica para dar
segurança a família acolhedora e ao acolhido.A equipe acompanhará o
acolhido, em seu primeiro acolhimento, na casa da família até que ele páre de
chorar, se acalme e durma tranquilamente;
 O acompanhamento legal deve ser cuidadoso e a agilização do processo deve
ser providenciada. Há um tempo legal de até 18 meses para ficar no
acolhimento, mas é desejável que o acolhido fique o menos possível;
 Não esquecer que a família de origem e a extensa ou ampliada tem prioridade
no direito da criança em não ser separada dos pais e, se for, que seja breve;
 O processo de desacolhimento deve ser gradual e bem preparado. Esta
preparação deve envolver a presença dos técnicos, da família que recebe
(reintegração ou adoção) e da família acolhedora que cuidou desta criança por
um tempo que pode chegar há quase um ano. Haverá choro e muitas lagrimas.
Sim, com certeza. Mas também haverá a certeza de um trabalho bem feiro e
que a criança estará indo para um lar definitivo por reintegração ou adoção;
 Em todas estas situações, a equipe técnica deverá estar muito atenta para
cuidar dos detalhes, incluindo os cuidadose a observação do que está
acontecendo com os filhos biológicos da acolhedora;
 Também ficar atenta de que cada acolhimento e único e as acolhedoras
reagem de modo diferente em cada um. Cada criança traz sua própria história
e sua dor da separação dos pais e pode despertar sentimentos da infância das
acolhedoras e que não sabiam que estavam latentes. Uma determinada
situação pode reascender uma dor familiar que a acolhedora achava que estava
resolvida. Observação e técnicas de abordagem atentas são necessárias.
Estes serviços precisam se apresentar com metas e objetivos claros, com a
segurança e a determinação de quem conhece a política pública de assistência
social e sabe como implantá-la. O estudo e o conhecimento a respeito das políticas
e como funcionam e primordial para os que trabalham na área das políticas da
seguridade social, principalmente na assistência social. Sem este conhecimento,
não há como integrar em rede as três áreas: saúde, educação e assistência social. E
trabalhar em rede e preciso.
E muito comum as pessoas dizerem: a rede não funciona! E quem é a rede.
A rede são eles mesmos, a rede somos todos nós. Dizer que a rede não funciona é
dizer que nós não funcionamos. Estamos todos implicados nisto. Melhor arregaçar
as mangas e ir ao trabalho com o olhar direto nas soluções e alternativas, do que
ficar se lamentando e espalhando o negativismo.

Os desafios precisam ser enfrentados. E os desafios estão fora de nossas


esferas de conhecimento. O que já nos é conhecido não é desafiador. O desafio
está no desconhecido. O desafio está em conhecermos coisas novas, conhecer e
estudar novas modalidades de acolhimento, aprofundar a qualificação os
acolhimentos de crianças e adolescentes.

Precisamos chegar no ponto onde a política pública atenda às necessidades


de cada criança e adolescente e não ficarmos forçando que eles se adaptem a estes
serviços de maneira nada natural e de forma desumana.

A políticapública deve se adaptar à necessidade daqueles que dela precisam


se beneficiar. Mesmo que não esteja tipificada ou normatizada, a vida real
promove as adaptações que se fizerem necessárias. Assim foi com a chegada dos
acolhimentos conjuntos de mães e filhos, dos acolhimentos de mães adolescentes
e seus bebes, de experimentarmos as republicas para jovens e sabermos que os
jovens preferem ter sua própria casa sozinhos ou com um ou dois colegas, da
necessidade do aluguel social etc.

A necessidade das crianças, adolescentes e jovens e que deve dar o tom da


política pública. Não é mais possível que a rigidez nos amarre as mãos e as ideias.

Vamos ser observadores da vida, vamos ver o que dá certo e o que deve ser
melhorado, vamos ousar coisas diferentes, vamos experimentar novas ideias
baseadas em outras experiências bem-sucedidas pelo mundo. A separação dos
filhos da mãe nem sempre e a solução mais óbvia, mas certamente e a mais fácil.

3.3 Acolhimento Familiar: desafios e perspectivas de implementação


De acordo com Castro e col (2016, p. 254), “um dos principais desafios da
política de assistência social no que se refere à promoção do direito à convivência
familiar consiste na implantação e qualificação de serviços de acolhimento em famílias
acolhedoras no Brasil”. Este desafio contou com uma nova perspectiva de
implementação a partir do reforço trazido pelo Marco Legal da Primeira Infância, que
em seu artigo 28, alterando o artigo 34 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 28. O art. 34 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 , passa a


vigorar acrescido dos seguintes §§ 3º e 4º :
“Art. 34. ......................................................................
§ 3º A União apoiará a implementação de serviços de acolhimento
em família acolhedora como política pública, os quais deverão dispor
de equipe que organize o acolhimento temporário de crianças e de
adolescentes em residências de famílias selecionadas, capacitadas e
acompanhadas que não estejam no cadastro de adoção.
§ 4º Poderão ser utilizados recursos federais, estaduais, distritais e
municipais para a manutenção dos serviços de acolhimento em
família acolhedora, facultando-se o repasse de recursos para a
própria família acolhedora.” (NR)

Contudo, “para além das questões inerentes à gestão pública, a implantação


destes Serviços implica a necessidade de uma mudança cultural da sociedade
brasileira, para uma maior adesão a essa alternativa de acolhimento. (Castro e col.,
2016, p. 254).De fato, a oferta do Serviço de Acolhimento só é possível a partir da
disponibilidade de famílias pertencentes à sociedade acolherem crianças
encaminhadas pela Justiça e assumirem seus cuidados e proteção, no período em que
a situação jurídica da criança seja definida, seja para retorno à família de origem ou
para colocação em família por adoção. Neste sentido, o Serviço de Família Acolhedora
representa uma parceria entre o poder público e a indivíduos comuns da sociedade, a
fim de oferecer à criança um ambiente familiar, que possibilite um atendimento
individualizado e personalizado, como medida protetiva.

Como vimos, o reconhecimento da importância de cuidados personalizados e


interações afetivas estáveis indica que o ambiente familiar é o mais favorável ao
desenvolvimento na primeira infância. Isso tem mobilizado a oferta da modalidade de
Acolhimento Familiar como medida protetiva mais adequada em casos de necessidade
afastamento da criança do convívio familiar original.

Plano Individual de Atendimento para Crianças e Adolescentes em Serviços de


Acolhimento (PIA)

Ancorado em normativos como o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, a


Resolução Conjunta nº 1/ 2009, do Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS e do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA – que
aprovou as Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para crianças e
adolescentes e o Provimento nº 32/2013 2 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, o
Plano Individual de Atendimento - PIA para crianças e adolescentes em cumprimento
de medida protetiva de acolhimento é definido como:

um instrumento de planejamento que orienta e sistematiza o


trabalho a ser desenvolvido com cada criança e adolescente acolhido
e sua família pelo serviço de acolhimento, em articulação com os
demais serviços, projetos e programas da rede local, durante o
período de acolhimento e após o desligamento da criança ou
adolescente do serviço (MDS, p. 12).

Apesar de ser caracterizado como um instrumento, esta ferramenta que


acompanha a rotina da criança/adolescente e sua família é o meio de concretização da
efetivação e garantia de direitos e das ações para a superação das situações de
violência que culminaram na aplicação da medida protetiva e será o condutor do
processo de reintegração familiar ou, caso seja necessário, colocação em família
substituta.

Dada a relevância de sua construção e implementação, o PIA passou a ser um


instrumento obrigatório após a alteração do ECA pela Lei nº 12.010/2009, que no
parágrafo 4º do artigo 101, dispõe que:

2
O Provimento nº 32/ 2013 do Conselho Nacional de Justiça que dispõe sobre a obrigatoriedade da
realização dos os eventos denominados "Audiências Concentradas", a se realizarem, sempre que
possível, nas dependências das entidades de acolhimento, com a presença dos atores do sistema de
garantia dos direitos da criança e do adolescente, para reavaliação de cada uma das medidas protetivas
de acolhimento, diante de seu caráter excepcional e provisório, com a subsequente confecção de atas
individualizadas para juntada em cada um dos processos.
imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente, a
entidade responsável pelo acolhimento institucional ou familiar
elaborará um plano individual de atendimento, visando à
reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e
fundamentada em contrário de autoridade judiciária competente,
caso em que também deverá contemplar sua colocação em família
substituta, observadas as regras e princípios desta Lei.

De acordo com as “Orientações técnicas para elaboração do Plano Individual de


Atendimento de crianças e adolescentes em serviços de acolhimento” (MDS, 2018), o
PIA deve garantir: ações personalizadas e individuais, mesmo quando se tratar de
grupo de irmãos; cuidados de qualidade, fortalecimento da autoestima e o pleno
desenvolvimento; a excepcionalidade e provisoriedade da medida protetiva de
acolhimento e demais direitos de forma a garantir a proteção integral de crianças e
adolescentes, em especial o direito de convivência familiar e comunitária;
acompanhamento e apoio à família de origem e preparação para o desligamento e
acompanhamento temporário após o desligamento do serviço de acolhimento.
Estratégias e objetivos postos, o PIA é, portanto, um dos maiores desafios que
as equipes técnicas dos serviços de acolhimento. Isso, porque, além de ser responsável
pela coordenação, elaboração e monitoramento, todas as articulações com a rede de
atendimento e proteção para a criança/adolescente e sua família, bem como todos os
órgãosdo Sistema de Garantia de Direitos – SGD, também são de sua responsabilidade,
já que a efetivação do trabalho dos serviços de acolhimento se apoia no preceito da
incompletude institucional. Além disso, com o avanço das políticas públicas nesta área
desconstruiu o modelo de instituição total, em que todos os serviços e ofertas eram
realizadas dentro da unidade de acolhimento, é necessária a articulação constante
com toda a rede do território.
Nesse sentido, e indo além de um simples encaminhamento para a rede
socioassistencial e setorial, é inerente ao trabalho das equipes dos serviços de
acolhimento discussões com as equipes interprofissionais dos diferentes órgãos e
serviços, tais como os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, Centros
Especializados de Referências de Assistência Social – CREAS, Unidades Básicas de
Saúde – UBS, escolas, programas de geração de trabalho e renda, conselhos tutelares,
conselhos de assistência social e de outras políticas públicas, política habitacional,
Centros de Atenção Psicossocial – CAPs, programas para tratamento de álcool e outras
drogas, Poder Judiciário, Ministério Público, secretarias municipais e outros.
Todo esse esforço, cujo caráter protetivo da criança/adolescente e sua família
deve ser garantido, resulta de uma conjunção de ações de diferentes atores que será
orquestrado pelas equipes dos serviços de acolhimento. É essa sinergia, coordenada
pelos próprios serviços de acolhimento, que possibilitará que, durante o cumprimento
da medida protetiva de acolhimento, que o trabalho social seja desenvolvido de
maneira planejada, participativa e em articulação com a rede.
Conforme dito anteriormente, a elaboração do PIA é de responsabilidade das
equipes dos serviços de acolhimento. A coordenação dessa construção é feita pela
equipe técnica, mas deve ser garantida a participação constante dos demais
profissionais, das crianças/adolescentes e suas famílias.
É comum, ainda, a exclusão de educadores e cuidadores desse processo,
ficando centralizado nas equipes técnicas. No entanto, educadores e cuidadores são
profissionais “chave”, pois são eles que estão acompanhando a rotina de maneira mais
próxima. Eles escutam relatos privilegiados da vida da criança/adolescente das famílias
em momentos informais, conseguem captar histórias, sensações, sentimentos, as
formas como se relacionavam em família e, também, como estão se relacionando no
serviço de acolhimento.
O Poder Judiciário e demais operadores do Direito participam, assim como
demais órgãos, da construção do PIA, elencando ações para execução,
acompanhamento e monitoramento, subsidiado pelas informações contidas sobre
cada criança/adolescente e sua família. Um exemplo é a utilização do PIA nas
Audiências Concentradas destinadas a promover a reavaliação periódica da situação
jurídica e psicossocial das crianças e adolescentes nos serviços de acolhimento
institucional ou familiar. Tal procedimento, caracterizado pela objetividade e
resolutibilidade, resguarda a excepcionalidade e provisoriedade da medida protetiva.
Intrínseco à construção coordenada e coletiva do PIA encontramos alguns
princípios norteadores que devem ser observados e considerados para cada
criança/adolescente. São eles: a) garantia dos direitos e do superior interesse da
criança e do adolescente; b) atenção às especificidades, respeito à diversidade e não
discriminação – pertencimento a povos e comunidades tradicionais, estágio de
desenvolvimento, crianças e adolescentes LGBT, com presença de deficiência,
dificuldades ou distúrbios de aprendizagem, transtorno mental, uso abusivo de álcool
e outras drogas ou necessidades específicas de saúde, grupos de irmãos, em situação
de rua, adolescentes grávidas ou com filhos pequenos, em cumprimento ou egressos
de medida socioeducativa, pais ou responsáveis no sistema prisional, família migrante
ou refugiada; pais ou responsáveis sem condição para cuidar em razão de problemas
de saúde; c) temporalidade; e d) participação da criança, do adolescente e da família
no PIA.
O processo de elaboração do PIA, conta com duas etapas específicas:
 1ª Etapa: consiste na acolhida inicial, na identificação de necessidades
imediatas e execução de ações emergenciais e elaboração do Estudo da
Situação. Em cumprimento ao parágrafo 4º do artigo 101 do ECA, recomenda-
se o envio do PIA com as informações desta primeira etapa no prazo de 20 dias.

O Estudo da Situação é parte integrante do PIA, sendo a base


para a definição dos objetivos e ações a serem propostas pelo
Plano de Ação. Tem uma dimensão avaliativa interdisciplinar
que apura a realidade e as necessidades específicas da criança,
adolescente e sua respectiva família. Sua elaboração deve ser
iniciada imediatamente após a chegada da criança ou do
adolescente ao serviço de acolhimento3 (MDS, 2018, p. 45).

 2ª Etapa: a partir das informações contidas no Estudo da Situação são


elaboradas estratégias voltadas para o planejamento dos objetivos e ações
fundamentais à permanência da criança e do adolescente nos serviços de
acolhimento, reintegração familiar ou colocação em família substituta e
acompanhamento temporário após o termino da medida protetiva. Essa etapa
é chamada de “Plano de Ação” que responde algumas questões básicas como
“o que será feito?”, “por que será feito”, “por quem será feito?”, “quando será
feito?”. São essas perguntas que fazem do PIA um instrumento dinâmico e de
uso constante. São elas que irão direcionar, definir, acompanhar, avaliar e
3
Recomenda-se a leitura integral do Capítulo 3, que apresenta as fases de elaboração do PIA, contido no
documento “Orientações Técnicas para Elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA) de
Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento. Disponível em:
https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/assistencia_social/Orientacoestecnicasparaelaboracaod
oPIA.pdf.
monitorar todas as necessidades das crianças/adolescentes e suas famílias. Ou
seja, o Plano de Ação é fio condutor da garantia de direitos e da proteção
integral. É recomendado, pelo Ministério executor desta política, que esta
etapa seja encaminhada ao Poder Judiciário no prazo de 45 dias.

Importa registrar, sobre os prazos de entrega do PIA para o Poder Judiciário,


que a construção deste instrumento não se finaliza após os 45 dias de conclusão das
etapas mencionadas, fato comumente entendido. Estas etapas são consideradas
etapas iniciais de conhecimento da situação da criança/adolescente e sua família,
definição de ações emergenciais e avaliação da necessidade de permanência no
serviço de acolhimento. Após esse período inicial, o PIA acompanha diariamente, e de
maneira dinâmica, a rotina da criança/adolescente, já que durante toda a permanência
no serviço exigirá dos profissionais o delineamento de novas estratégias, ações,
atividades e encaminhamentos.

Além das etapas já apresentadas, o PIA também requer a realização de


atualização e monitoramento. Enquanto no Plano de Ação o foco era na identificação
das necessidades, definição e prazo para as ações e dos atores envolvidos, nesta fase
as perguntas podem ser feitas seguindo a lógica do “alcançamos o resultado?”, “por
que não alcançamos?”, “teremos que reprogramar prazos?”, “teremos que mudar os
atores envolvidos?”, “podemos finalizar essa ação porque foi realizada ou porque não
há mais necessidade?”.

Hoje no Brasil, após longos estudos e pesquisas, o então Ministério do


Desenvolvimento Social – MDS, em mais um passo histórico na garantia dos direitos de
crianças e adolescentes laçou o documento “Orientações Técnicas para Elaboração do
Plano Individual de Atendimento (PIA) para Crianças e Adolescentes em Serviços de
Acolhimento”.

Além das orientações técnicas sobre o PIA, foi apresentado um modelo


padronizado desse instrumental para utilização em todo o território nacional. Isso
porque, após longos estudos realizados por meio de consultoria técnica contratada
pelo MDS, mostrou uma utilização equivocada de diferentes instrumentais que são
comuns ao acompanhamento de crianças e adolescentes. Destes, o PIA e o Prontuário
Individualizado (inciso XX, Art. 94, ECA) eram utilizados de maneira similar deixando de
resguardar os objetivos e efetividade específicos de cada um e fazendo do PIA um
instrumental obsoleto.

Sendo assim, aqui apresentamos de maneira sumária o conteúdo do PIA


proposto pelo MDS e que deve ser apoiado como instrumental de referência pelos
profissionais do SUAS e pelos Operadores do Direito.

BLOCO 1 – INFORMAÇÕES GERAIS

 Identificação do serviço de acolhimento.


 Informações sobre a criança/adolescente.
 Circunstâncias do acolhimento.
 Composição familiar.Informações adicionais sobre a família.Informações gerais
sobre a criança/adolescente.
 Informações sobre irmãos.

BLOCO 2 – PLANO DE AÇÃO

Área de Atuação: documentação, situação jurídica, convivência familiar,


convivência comunitária, desenvolvimento, saúde, educação, acesso a benefícios e
inclusão em programa de transferência de renda, participação em
serviços/programas/projetos, protagonismo juvenil/desenvolvimento da autoestima,
esporte/cultura/lazer, relações de vínculo no serviço de
acolhimento).Objetivo.Ação.Responsável. Prazo.Monitoramento (ação realizada,
objetivos alcançados, poder ser finalizada, redefinir prazos, observações).

É importante não perdemos de vista o disposto no Art. 227, da Constituição


Federal Brasileira (1988), isso significa que todos, em algum nível, temos
responsabilidades em relação a qualquer criança/adolescente, incluindo aquelas que
estão nos serviços de acolhimento. A falta de reconhecimento desta
corresponsabilidade, em especial a dos profissionais que trabalham na rede de defesa,
proteção e atenção, deixará o PIA inoperante, o que resultará na não efetivação dos
direitos garantidos.
https://www.mds.gov.br/webarquivos/
arquivo/assistencia_social/
OrientacoestecnicasparaelaboracaodoPIA.pd
f

Para saber mais:

VALENTE, Jane. As relações de cuidado e de proteção no serviço de acolhimento,


2013. Disponível
em:<https://www.paulus.com.br/assistencia-social/wp-content/uploads/2014/12/
familia-acolhedora.pdf>

Instituto Fazendo história. Família acolhedora: acolhendo a primeira infância, 2019.


Disponível em:
<https://static1.squarespace.com/static/56b10ce8746fb97c2d267b79/t/
5d3622ad42b5000001a80d58/1563828984034/WEB+_LIVRO+FAM
%C3%8DLIAS+ACOLHEDORAS+07+JULHO+2019+FINAL.pdf

3.4 Suporte da rede de proteção às crianças e adolescentes em situação de rua

O termo utilizado para referir-se às crianças que estão nas ruas modificou ao
longo dos anos. Anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente ECA denominava-se
menino de ru atualmente fala-se em criança em situação de rua. Pois, a maior parte
destas possui família pais e irmãos apesar de passarem a maior parte do tempo nas
ruas. São múltiplas as causas que levam crianças e adolescentes a esta vivência de
extrema vulnerabilidade. A nível macro estas crianças e adolescentes são o reflexo da
ineficiência na articulação das políticas sociais que envolvem moradia, educação,
saúde. No que compete às vivências familiares não raras vezes nos deparamos com
famílias desestruturadas onde os vínculos afetivos são precários, os recursos materiais
e habitacionais são insalubres e existe a presença de tipo de violência física, sexual,
emocional e negligência. Diante desta realidade muitas crianças e adolescentes vão
para as ruas praticar a mendicância como forma de subsistência. Algumas retornam
para casa no final do dia, outras pernoitam nas ruas por dias e ainda uma parcela
menor vive literalmente nas ruas e nos abrigos. A vivência nas ruas leva muitos destes
meninos e meninas ao uso de drogas e a prática de atos infracionais. Hoje, o uso de
drogas na rua é entendido mais como uma consequência do que propriamente uma
causa da situação de vulnerabilidade social.

Sabe-se de milhares de crianças e adolescentes nestas condições no Brasil.


Porém, até o presente momento, não existe estimativa mais precisa destes números,
apenas fatores de vulnerabilidade, que caracterizam esta população. Para dar conta
desta contagem o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONANDA iniciou em 2009 o primeiro levantamento sobre o número de meninos e
meninas que vivem nas ruas em todo o país. A partir dos resultados obtidos com este
censo será possível implantar programas sociais que garantam o primeiro atendimento
para essas crianças e jovens, de acordo com as demandas apresentadas em cada
Estado / Município. Ações a nível nacional como Movimento Nacional de Meninos e
Meninas de Rua MNMMR, Rede de Monitoramento Amiga da Criança , Pesquisa
CONANDA, UNICEF auxiliam na busca de maior articulação na construção de políticas
sociais coesas que contemplem esta população (Zavaschi, 2009).

O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua - MNMMR


(www.mnmmr.org.br) - é uma organização não-governamental que atua na defesa dos
direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros. Está organizado em 24 Estados
brasileiros e Distrito Federal, através de 25 Comissões Estaduais, com cerca de 80
Comissões Locais e 130 Núcleos de Base, que são coordenados em âmbito nacional
pelo Conselho Nacional e Coordenação Nacional. A Rede de Monitoramento Amiga da
Criança surgiu em 2003 para acompanhar a implementação dos compromissoes
descritos no Termo Presidente Amigo da Criança, lançado no ano anterior, pela
Fundação Abrinq. Composta atualmente por 38 organizações, a Rede monitora o Plano
de Ação Presidente Amigo da Criança e do Adolescente (PPACA), analisa os avanços
das metas nas Áreas de educação, saúde e proteção. Para conhecer melhor o trabalho
visite o site www.redeamiga.org.br. Crianças e adolescentes vulneráveis. -Somente
através de um melhor entendimento sobre esta população e construção de diretrizes
nacionais, que viabilizem projetos regionalizados de acordo com as demandas sociais
que promovam cuidados a estas crianças e suas famílias de forma integral e articulada
é que poderemos modificar esta realidade.

Para saber mais:

Diretrizes nacionais para o atendimento as crianças e adolescentes em Situação de rua:

http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/
2017/08/0344c7_4fe2ba1cd6854b649d45d71a6517f80d.pdf

Resolução Conjunta CNAS/CONANDA Nº 1/2016, que dispõe sobre o conceito e o


atendimento de criança e adolescente em situação de rua e inclui o subitem 4.6, no
item 4, do Capítulo III do documento Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento
para Crianças e Adolescentes: Disponível em:
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/
19113789/do1-2017-06-13-resolucao-conjunta-n-1-de-7-de-junho-de-2017-19113702

Instituto Alana, Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama. Primeira Infância e


maternidade nas ruas de São Paulo, 2017. Disponível
em:<https://prioridadeabsoluta.org.br/biblioteca/primeira-infancia-e-maternidade-
nas-ruas-de-sao-paulo/>

Capítulo 27 doe-book: Avanços do Marco Legal da Primeira Infância:


https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-
do-marco-legal-da-primeira-infancia

3.4.1. Suporte da rede de proteção às mulheres e adolescentes gestantes ou mães


em situação de rua e/ou usuárias de substâncias psicoativas e seus filhos/as recém-
nascidos

Embora inexistam dados estatísticos precisos, sabe-se que, na prática, são


inúmeros os casos de separação de famílias fundamentadas em uma narrativa que
pressupõe como inconciliáveis o exercício da parentalidade, a situação de rua e o uso
de substâncias psicoativas – apesar da inexistência de embasamentos científicos
consistentes para tanto.

Em matéria publicada no ano de 2017, por exemplo, a Vara da Infância e


Juventude do Foro Central da Capital Paulista estimou que 90% das adoções de bebês
são justificadas pelo uso de crack pelas mães 4. Já na cidade de Belo Horizonte, de 2014
a 2017, foram identificados 359 casos de separação entre bebês e suas mães logo após
o nascimento, exclusivamente em razão do uso de drogas ou da situação de extrema
vulnerabilidade apresentada pela entidade familiar5.

As mesmas construções sociais presentes no imaginário do senso comum


sobre o uso de drogas e a situação de rua – inclusive ilustrações simbólicas e ficcionais
como a figura do “zumbi” – atravessam as práticas judiciárias e do próprio Sistema de
Garantia de Direitos, fazendo com que o acolhimento institucional de filhos/as de
mulheres usuárias de substâncias psicoativas e/ou em situação de rua sejam uma
constante. E, pior, também frequentes se tornam as colocações aceleradas destas
crianças (mormente de recém-nascidos e crianças na etapa da primeira infância) em
famílias substitutas, por meio da adoção, muitas vezes em desrespeito total ao devido
processo legal, ao contraditório e à ampla defesa

Tais separações familiares têm como um de seus fundamentos principais 6 a


compreensão generalizada e generalizante de que o uso de drogas pelos genitores, por
si só, consiste em prática negligente nos cuidados com sua prole, além de atentar
contra a moral e os bons costumes.

4
“Dependência de crack é responsável por 90% dos bebês adotados na região central de SP”.
In: Rede Brasil Atual, 23.07.17. Disponível em:
<https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2017/07/crack-e-responsavel-por-cerca-de-90-
dos-bebes-colocados-para-adocao-em-sao-paulo/>. Acesso em 02/11/19
5
Dados extraídos da página “De quem é este bebê?”, disponíveis em:
https://dequemeestebebe.wordpress.com/. Acesso em 16.10.20
6
O segundo principal fundamento utilizado para a aplicação das medidas de acolhimento
institucional contra bebês filhos/as de mulheres usuárias de substâncias psicoativas foi, durante
quase duas décadas, o suposto “direito” destas crianças de serem criados e educados “em
ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes” (redação
original do art. 19 do ECA). A redação do dispositivo, todavia, sofreu alteração com o advento
do chamado Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/16) que suprimiu, definitivamente,
referida locução.
Os estigmas da “mulher de rua” ou da “mulher usuária” se tornam, então,
sinônimo de “mulher inapta à maternagem”, ainda que, concretamente, a mãe não
tenha praticado qualquer conduta diretamente dirigida contra seu/sua filho/a7.

Sucede que, ao contrário do que intuitivamente poder-se-ia supor, inexiste


qualquer dicotomia entre os direitos da criança e os direitos de seus pais (sobretudo os
direitos da mulher), ao contrário, tratam-se de direitos complementarem,
simbioticamente conectados.

Em outras palavras, não se protege necessariamente a criança a retirando de


sua família. Deve-se proteger a família, garantindo-lhe meios de acesso a bens
materiais básicos e às políticas públicas existentes para que esta possa proteger os
seus filhos e garantir-lhes todas as condições para seu adequado desenvolvimento,
observadas as múltiplas formas de cuidado e a pluralidade de contextos socioculturais
que demarcam as trajetórias pessoais de cada família, sobretudo daquelas
historicamente marginalizadas8.

7
Em 2017, a Clínica de Direitos Humanos “Luiz Gama”, da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, publicou relatório de pesquisa intitulado “Primeira infância e
maternidade nas ruas da cidade de São Paulo”, que, após a escuta das mulheres em situação
de rua e de trabalhadores e trabalhadoras da Rede de Proteção concluiu: “a destituição do
poder familiar em um cenário em que a falta estrutural de vagas, de condições nos serviços de
saúde e assistência municipais são fundamentos para a judicialização, acarreta em processos
institucionais e judiciais que acabam por compreender que o exercício da maternidade por
essas mulheres, no limite, violaria os direitos das crianças à saúde, bem-estar, moradia digna.
Mulheres vulnerabilizadas pela violência, pela situação de rua, pela drogadição e outras
doenças, de fato, se não receberem auxílio – estatal ou de seus núcleos de apoio familiar –
para uma reestruturação de suas vidas, terão pouco a ofertar e assegurar em termos de
acesso a direitos para suas filhas”, bem como que “acolher a mãe para assegurar-lhe
condições de subsistência e de construção de sua autonomia é também acolher e proteger a
criança recém-nascida em condições de vulnerabilidade social. Ao acolhermos as famílias
como um todo, estaremos enxergando os direitos da criança de maneira mais completa,
conforme preconizado por nossa legislação. Sob o prisma do quanto apresentado neste
relatório, entendemos que o melhor interesse da criança reside em um acompanhamento
continuado, pré e pós-natal, com efetivo suporte às famílias, laudos aprofundados, equipes de
apoio multissetorial e a vinculação com a mãe. Apenas com o suporte à mãe e o
acompanhamento caso a caso é que se poderá decidir pela intervenção estatal no sentido da
destituição do poder familiar, sempre sendo colocada como última opção”
8
Bastante ilustrativa, a propósito, é a Nota técnica Conjunta MS e MDS nº 01/16 que
estabeleceu “diretrizes e fluxograma para a atenção integral à saúde das mulheres e das
adolescentes em situação de rua e/ou usuárias de crack/outras drogas e seus filhos recém-
nascidos” .Os Ministérios, em suma, reconhecem que as necessidades decorrentes do uso de
álcool e outras drogas requerem uma abordagem multisetorial e interdisciplinar, diante da
complexidade das situações apresentadas, que envolvem tanto aspectos relacionados à saúde
quanto à exclusão social..
Paralelamente, também vêm aumentando os estudos científicos que
contestam os fundamentos apresentados para a prática. ABRUZZI (2011) 9, por
exemplo, afirma que para o processo de constituição da maternidade – que, em si,
inicia-se muito antes da concepção – contribuem diretamente diversos fatores
transgeracionais, culturais e ambientais10.

No mesmo sentido, inúmeras etnografias e pesquisas realizadas com mães


usuárias de drogas (ABRUZZI, 2011; CAMARGO, 2014; MACEDO, 2016; VALLIM, 2015)
demonstram que, no exercício da maternagem, estas mulheres acabam por
desenvolver técnicas próprias de cuidado e proteção para com seus filhos, evitando a
exposição destes a situações que possam ser prejudiciais ao seu desenvolvimento,
além de buscar evitar transmitir para a nova geração hábitos relacionados ao consumo
de psicoativos. Muitas delas, por exemplo, relegam consumo da substância apenas
após a criança dormir, depois de já tê-la alimentado e higienizado; o fazem jamais na
presença dos filhos ou somente após deixá-los sob os cuidados de outro familiar que
possa suprir suas necessidades básicas.

Vê-se, portanto, que, mesmo em situações de precariedade generalizada, as


mulheres podem desenvolver o estado de preocupação materna primária, quando
asseguradas, pela família, pela comunidade ou pelo Esado, condições mínimas para tal
(por todos, ACHING, 2013). Estas mulheres, “mesmo em situação de desamparo, são
capazes de identificar as necessidades dos filhos, principalmente as físicas, pelas quais
batalham diariamente por sua satisfação. É a mãe possível diante de tantas
adversidades” (p. 102)

Portanto, por qualquer ângulo que se possa analisar a questão, conclui-se


claramente que não há espaço para a provocação de rupturas familiares única e
exclusivamente em função de eventual uso de substâncias psicoativas pelos genitores,
estejam ou não em situação de rua, ao menos sem que se analise de forma mais
9
ABRUZZI, J. C.; “’’A experiência da gestação na perspectiva de gestantes usuárias de crack
internadas em uma unidade psiquiátrica de um hospital geral”. Trabalho de Conclusão de
Curso – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem. Curso de
Enfermagem. Porto Alegre, 2011.
10
A gestação de mulheres usuárias substâncias psicoativas pode ser experienciada de forma
muito semelhante a uma gestação sem riscos aparentes, já que os sentimentos de
ambivalência (rejeição versus aceitação da gestação), as expectativas e a preocupação com a
saúde do bebê e a centralização da mulher no cuidado da criança, são elementos comuns a
qualquer vivência da gestação
minuciosa os reais e concretos fatores de risco existente num dado contexto de
convivência.

Não por outro motivo que o próprio Conselho Nacional dos Direitos da
Criança (CONANDA) se posicionou contrariamente às práticas de retirada compulsória
de bebês de mães usuárias de substâncias psicoativas, entendendo-as como
discriminatórias, desproporcionais, desnecessárias e violadoras dos direitos da criança
e do/a adolescente e reconhecendo que tal medida

aprofunda a criminalização e penalização da pobreza e da situação de


vulnerabilidade social em que se encontram as mães usuárias de
substâncias psicoativas, uma vez que a referida determinação (...)
não inclui mães usuárias dos sistemas privados de saúde, tampouco
as usuárias de drogas lícitas, como o álcool e o tabaco, por exemplo,
reforçando, portanto, o estereótipo elitista, conservador e
segregatório que fundamenta a política fracassada de “guerra” às
drogas e à população pobre usuária de substâncias psicoativas
ilícitas. Às mulheres nessas condições, conforme as referidas
recomendações e portaria, não é assegurada a aplicação das medidas
protetivas previstas no Art. 101 do ECA, respeitados os princípios que
regem tais medidas estabelecidos no Art. 100, Parágrafo único, do
Estatuto”, bem como que “cada criança e adolescente possui uma
história de vida e que, portanto, não deve ser privada/o
abruptamente desta sem que lhe sejam facultados todos os esforços,
previstos em Lei, para que se garanta a prioridade da convivência em
sua família de origem e/ou extensa e o fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários, resguardando o caráter excepcional de seu
acolhimento, conforme estabelece Art. 19 da Lei 8.069/1990

Pode-se, então, concluir que, diante da inexistência de embasamento


científico para se concluir genericamente pela inaptidão à parentalidade por genitores
que façam uso de drogas, deve prevalecer o princípio da primazia da família de origem
para a garantia do direito fundamental à convivência familiar e comunitária, nos
termos do art. 9º da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e dos arts. 19,
§3º, 23, 39, §1º, e 100, parágrafo único, inciso X, do Estatuto da Criança e do
Adolescente.

Nestes casos, as famílias devem ser encaminhadas para os programas


existentes na rede de proteção, que deve se articular para o oferecimento de políticas
públicas adequadas e para o esgotamento de todas as possibilidades para manutenção
na família de origem. É o que se prevê, por exemplo, nas Diretrizes Internacionais de
Cuidados Alternativos à Criança (ONU, 2009):
Sendo a família o núcleo fundamental da sociedade e o ambiente
natural para o crescimento, o bem-estar e a proteção das crianças, os
esforços devem-se voltar primariamente para possibilitar que uma
criança permaneça no seio da família ou retorne aos cuidados dos
pais ou, quando apropriado, de parentes próximos. Ao Estado, cabe a
responsabilidade de assegurar que as famílias tenham acesso aos
meios necessários de apoio em sua função de prestadoras de
cuidados.
E ainda:

Os Governos devem assegurar que suas políticas ajudem a família a


arcar com suas responsabilidades para com as crianças e que
promovam o direito da criança a manter relações com ambos os pais.
Essas políticas devem abordar as causas fundamentais que levam
famílias a abandonar crianças, a abrir mão delas e a delas se separar,
além de assegurar, entre outras coisas, o direito ao registro de
nascimento e o acesso a moradia adequada, saúde básica, educação
e serviços sociais.

Tais políticas devem ainda promover medidas para combater a


pobreza, a discriminação, a marginalização, o estigma, a violência, o
abuso sexual e uso de drogas.

O Estado deve desenvolver e implementar políticas consistentes


voltadas para a família destinadas a promover e fortalecer a
capacidade dos pais de cuidarem de seus filhos.

O Estados deve implementar medidas eficazes para evitar o


abandono de crianças e separação da criança de sua família. As
políticas e os programas sociais devem, entre outras coisas,
possibilitar que as famílias adquiram atitudes, habilidades,
capacidades e instrumentos para que possam zelar adequadamente
pela proteção, cuidado e desenvolvimento dos filhos. Esses esforços
devem valer-se complementarmente das capacidades do Estado e da
sociedade civil, inclusive das organizações não-governamentais e
comunitárias, dos líderes religiosos e da mídia, que devem estar
envolvidos para este fim.

O posicionamento do Ministério da Cidadania e do Ministério da Saúde

Em 10 de maio de 2016 foi publicada a Nota Técnica Conjunta MS/MDS nº01,


15 de setembro de 2015, do Ministério da Saúde , em conjunto com o então Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (atual Ministério da Cidadania), editou a
Nota Técnica nº 01, que estabeleceu “diretrizes e fluxograma para a atenção integral à
saúde das mulheres e das adolescentes em situação de rua e/ou usuárias de
crack/outras drogas e seus filhos recém-nascidos”. , posteriormente atualizada, em 10
de maio de 2016, para contemplar as alterações provocadas pelo Marco Legal da
Primeira Infância, precipuamente a supressão da previsão outrora contida no art. 19
do ECA de que crianças e adolescentes possuíam o direito de crescerem e serem
educados em ambientes livres de pessoas “dependentes de substâncias
entorpecentes”.

Tal nota is notas, em suma, reconhecem que as necessidades decorrentes do


uso de álcool e outras drogas requerem uma abordagem multisetorial e
interdisciplinar, diante da complexidade das situações apresentadas, que envolvem
tanto aspectos relacionados à saúde quanto à exclusão social. Por outro lado,
enfrentam diretamente a prática adotadas pelas maternidades públicas de envio
compulsório de relatórios ao Ministério Público e às Varas da Infância e Juventude
noticiando o nascimento de crianças filhas de mulheres em situação de rua e/ou
usuárias de drogas. Segundo as notas técnicas, “tais recomendações (...) estão, por
vezes, ocasionando decisões precipitadas quanto ao afastamento das crianças recém-
nascidas de suas mães sem uma avaliação técnica de cada caso”. Posicionam-se,
portanto, no sentido de que:

decisões imediatistas de afastamento de crianças de suas mães, sem


o devido apoio e acompanhamento antes, durante e após o
nascimento, bem como uma avaliação minuciosa de cada situação,
violam direitos básicos, tais como a autonomia das mulheres e a
convivência familiar

E concluem:

Nesse sentido, o Estado deve assegurar os cuidados que contemples


as escolhas das pessoas envolvidas, dentre elas a manutenção do
convívio entre mãe e filho, sempre que isso represente o melhor
interesse da criança (...) ao mesmo tempo, é preciso garantir os
direitos das mulheres que decidirem manterem ou não a guarda da
criança, não cabendo aos profissionais qualquer julgamento, mas
propiciar o apoio necessário para uma escolha consciente, desde que
seja garantida a segurança e o bem estar da criança (...) é importante
que os gestores propiciem espaços de acolhida e escuta qualificada
para as mulheres e seus(suas) filhos(as) onde estes estejam cuidados
nos momentos de vulnerabilidade durante a gravidez e após a alta da
maternidade. Estes espaços não devem ser cerceadores de direitos
ou punitivos. Devem ser espaços que podem transitar entre a Saúde
e a Assistência Social, promovendo o cuidado compartilhado da
criança com a mulher, caso seja necessário, e assegurando ações que
garantam a proteção desses sujeitos, assim como a possibilidade das
mulheres vivenciarem outras formas de sociabilidade, caso desejem.

Dentre os fluxos estabelecidos pela rede de proteção, verifica-se a garantia de


um verdadeiro direito de escolhada mãe em entregar ou não seu/sua filho/a para
adoção, de modo que, ao manifestar seu desejo de permanecer com a criança, deve
ser encaminhada à avaliação multidisciplinar que considere a situação atual da mulher
e as condições ambientas em que se encontra inserida.

Caso se conclua que a mulher não reúne condições, naquele momento, para
assumir os cuidados da criança, quer pela gravidade da situação de vulnerabilidade em
que se encontra, quer em razão da extrema fragilização dos vínculos familiares e
comunitários, deve-se-lhe garantir, dentre outros encaminhamentos possíveis, o
direito à convivência familiar assistida, com o referenciamento da mãe e da criança à
uma unidade da acolhimento (Serviço de Acolhimento do SUAS, Unidade de
Acolhimento ou mesmo à Casa da Gestante, Bebê e Puérpara), de modo a manter o
convívio mãe/filho, sem deixar a criança exposta a riscos ao seus desenvolvimento.

O posicionamento do Conselho Nacional de Saúde

Ainda sobre esse tema, o Conselho Nacional de Saúde editou a


Recomendação nº 11/2016 para que os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde,
gestores do SUS e profissionais de saúde reconheçam o papel fundamental do SUS na
promoção de ações e nas articulações intersetoriais necessárias, a fim de resguardar o
direito das mulheres e das adolescentes em situação de rua e/ou usuárias de
crack/outras drogas e de seus filhos/as recém-nascidos/as, à convivência familiar e
comunitária como direito assegurado pelas normativas nacionais e internacionais, bem
como para que sejam estabelecidos procedimentos específicos para atendimento das
mulheres e adolescentes em situação de rua e/ou usuárias de crack/outras drogas e
seus filhos/as recém-nascidos/as por se encontrarem em situação singular das demais
mulheres e adolescentes, necessitando um atendimento diferenciado e humanizado

O posicionamento dos Conselhos de Medicina, Psicologia e Serviço Social

Diversos conselhos de classe têm se manifestado na mesma linha. O Conselho


Regional de Medicina do Estado de São Paulo, por exemplo, após consulta feita pela
Defensoria Pública paulista acerca da viabilidade do exercício da parentalidade por
pessoa que faça uso de drogas, posicionou-se no sentido de que:

A princípio, não há como se dizer que genitores que sejam usuários


recreativos ou com uso nocivo de drogas ou dependentes terão ou
não condições adequadas para o cuidado com seus filhos. Mais
especificadamente, a incapacidade funcional, no caso a inépcia
temporária ou definitiva, parcial ou total, da parentalidade, pode ser
determinada em psiquiatria, obedecendo a critérios clínicos
individuais e nunca generalizados (Consulta nº 139.762/2015)

Já o Conselho Federal de Psicologia, instado a se manifestar sobre o mesmo


tema, apesar de explicar a impossibilidade de se elaborar um parecer técnico sobre a
viabilidade do exercício da parentalidade por pessoas que façam uso de drogas, já que
cada caso deve ser avaliado em sua singularidade, asseverou que:

na execução de seu trabalho na interface com a Justiça, o psicólogo


poderá avaliar as situações onde se coloque questões quanto ao
exercício da parentalidade de forma responsável, baseado na
legislação vigente e nas teorias científicas sobre desenvolvimento
infanto-juvenil. Esclarecemos que, por se tratar de uma situação
específica, não existem diretrizes/recomendações acerca do
encaminhamento de recém-nascidos diretamente do setor de
obstetrícia de um Hospital para serviços de acolhimentos
institucionais de crianças e adolescentes (SAICAs). Reafirmamos que
cada situação deve ser avaliada em sua complexidade, preservando
os direitos que competem às crianças e adolescentes e suas famílias
(...) nos problemas referentes ao uso e/ou abuso de drogas, sabemos
que há um universo enorme, onde não é a droga em si o problema,
mas as condições subjetivas e contextos sociais que tornam, ou não,
seu uso problemático e/ou abusivo (Resposta ao Ofício nº 809-P/2016
da Defensoria Pública)

Também o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (6ª Região) emitiu


nota técnica sobre o exercício da maternidade por mães que fazem uso de crack e
outras drogas, preconizando que:

A retirada de recém-nascidos de suas mães ainda na maternidade


revela desconhecimento quando associa o uso de substâncias
psicoativas necessariamente à ocorrência de violências/violações de
direito. Supõe-se, no hospital, que a mãe será incapaz de cuidar do
bebê decido ao uso de drogas, não tendo havido até então nenhuma
violação de direitos por parte dela (...). Além disso há carência de
avaliação adequada sobre as formas de uso de drogas, sendo fácil
haver uma avaliação superficial e possivelmente moralizante deste
contexto. A partir de tais argumentos sem fundamentação legal,
viola-se o direito básico, garantido por lei, da criança e da mulher à
convivência familiar e comunitária.

E arremata:

Dessa forma, é indispensável que se realize a devida avaliação dos


casos individuais pelas equipes dos serviços de saúde e assistência
social de referência, não sendo eticamente possível tomar
encaminhamentos com base em generalizações, preconceitos e
estigmas, quando se entende de antemão que a mãe não tem
condições de cuidar do bebê. Observa-se também que há a
penalização da mãe que muitas vezes não teve direitos garantidos
relativos à sua condição de vulnerabilidade e é novamente
prejudicada com a perda do direito de exercer a maternidade (...)
tendo em vista o exposto, vimos alertar para a necessidade de um
olhar fundamentado na promoção de laços sociais e na garantia de
direitos da mãe, da criança e da família, em casos envolvendo mães
usuárias de crack, outras substâncias, e/ou em situação de rua e seus
bebês. Assim, a/o psicóloga/o baseará seu trabalho na promoção da
saúde e qualidade de vida das pessoas, estando impedido de
participar ou ser conivente com violações de direitos, seja por meio
de avaliações sem fundamentação ou produção de documentos
decorrentes destas.

Por fim, colacionamos também manifesto assinado pelo Conselho Regional de


Psicologia e pelo Conselho Regional de Serviço Social de Minas Gerais, além de
diversas outras entidades de proteção aos direitos da criança e do adolescente, que,
dentre outros pontos, reivindica:

Que as redes de saúde mental, da mulher e de atenção a criança do


Estado e Municípios sejam acionadas, bem como toda a rede de
assistência à saúde e demais políticas setoriais logo que se identifique
o abuso de álcool e outras drogas, para que se amenize o impacto
criminalizador e excludente das mulheres, pautando em
enfrentamentos completos que deem conta de conciliar os direitos
das mulheres e dos recém-nascidos

que os casos avaliados como de risco tanto para a mulher quanto


para os recém-nascidos sejam encaminhados para acompanhamento
e que o acolhimento institucional, bem como a adoção, só sejam
solicitados ao poder judiciário após esgotadas todas as possibilidades
de permanência da criança junto à família de origem ou família
extensa

que se diferencie o uso abusivo e a dependência química de álcool e


outras drogas desvinculando da ligação causal estabelecida com
negligência e maus-tratos
Parâmetros possíveis para o atendimento às mulheres gestantes, lactantes e
puérperas em situação de rua e/ou usuárias de substâncias psicoativas e seus/suas
filhos/as

Diante das reflexões trazidas e, especialmente, dos posicionamentos oficiais


acima colacionados, pode-se apresentar um compilado de parâmetros ditos mínimos
para oferecimento de atendimento às mulheres gestantes, lactantes e puérperas em
situação de rua e/ou usuárias de substâncias psicoativas, com o objetivo principal de
se evitar separações indevidas ou prematuras em relação aos seus/suas filhos/as
recém-nascidos/as.

PARÂMETROS MÍNIMOS DE ATENDIMENTO ÀS MULHERES GESTANTES, LACTANTES E


PUÉRPERAS EM SITUAÇÃO DE RUA E/OU USUÁRIAS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E
SEUS/SUAS FILHOS/AS

➢ Prioridade do atendimento das demandas das mulheres gestantes,


lactantes e puérperas em situação de rua, com histórico de uso de
substâncias psicoativas (SPA) ou em situação de extrema vulnerabilidade
social, sobretudo na disputa de vagas;

➢ Garantia intransigente da segurança e do bem-estar da criança pela


família, pela sociedade e pelo Estado, em ações complementares e
compartilhadas.

➢ Compreensão de que a qualidade do vínculo mãe-bebê no início da vida


pós-natal e o estímulo tátil interferem em benefícios de autorregulação
emocional durante toda a vida e o desenvolvimento do sistema nervoso.

➢ Compreensão dos direitos da mulher e da proteção integral destinada à


criança na perspectiva da indivisibilidade, interdependência e
Premissas interrelacionaridade dos direitos humanos, evitando-se a elaboração de
falsas e prematuras dicotomias, em atenção à centralidade das famílias e
à orientação das políticas públicas no sentido da proteção e promoção
dos vínculos familiares e comunitários.

➢ Garantia da intersetorialidade e integração das políticas de atenção às


mulheres em situação de rua/usuárias de SPA, articuladas
prioritariamente pela Atenção Básica de Saúde (ex. Estratégia de Saúde
da Família/Consultórios na Rua) e Serviços Especializados de Abordagem
Social, sem prejuízo de outros, inclusive mediante amplo acesso aos
sistemas de coleta de dados e registros de atendimentos/prontuários de
todos os demais serviços e equipamentos, independentemente da
secretaria a que estejam vinculados, garantida a confidencialidade e o
sigilo das informações.

A articulação entre as políticas de assistência social e saúde evita que os


serviços trabalhem de modo isolado, além de garantir a avaliação
multiprofissional e interinstitucional na perspectiva da integralidade do
cuidado.

➢ Criação de comissões ou redes intersetoriais permanentes nos


territórios para discussão de casos, com o objetivo de planejar, da forma
mais precocemente possível (art. 100, parágrafo único, inciso VI, ECA), o
atendimento integral destinado à mulher em situação de rua e seu(sua)
(s) filhos(a)(s), antes, durante e após o parto, assim como sua trajetória
nas políticas públicas, observando-se a necessidade e adequação das
intervenções à situação em que se encontrem no momento do
atendimento (art. 100, parágrafo único, inciso VII, ECA), bem como sua
efetiva participação na construção dos encaminhamentos.

➢ Respeito ao tempo da mulher gestante, lactante e puérpera em situação


de rua e/ou usuária de SPAs, garantindo-se a possibilidade de imediato
acolhimento, encaminhamento e atendimento, independentemente da
apresentação de documentação pessoal e/ou prévio agendamento,
tanto para as medidas de prevenção no acompanhamento da gestação,
quanto para eventuais medidas de urgência/emergência.

➢ Reconhecimento da universalidade dos direitos sexuais e reprodutivos


também às mulheres em situação de rua e/ou usuárias de substâncias
psicoativas11, sem discriminações em função do exercício da sexualidade
ou de práticas sexuais com finalidade reprodutiva.

➢ Reconhecimento da autonomia12 das mulheres em situação de rua e/ou


usuárias de substâncias psicoativas, bem como a garantia de apoio para
a elaboração de escolhas maduras e conscientes, além de um

11
Sobre o direito ao planejamento sexual e reprodutivo, cf. Declaração e Plataforma de Ação da IV
Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995)
12
Nesse sentido, recorde-se que a Lei nº 13.146/15, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, e
a Lei nº 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais
reconhecem a autonomia inclusive da pessoa com deficiência/transtorno mental, garantindo-lhe amplas
condições para o exercício dos direitos e liberdade fundamentais, bem como tratamento com
humanidade e respeito
planejamento conjunto e compartilhado das ações de cuidado, antes,
durante e após o parto. Ao se oportunizar à mulher que desenvolva
hábitos e estilo de vida mais saudáveis – sozinha ou em parceria familiar
– as intervenções têm o potencial de implicar a ressignificação das
escolhas sobre o que lhes afeta e o que por elas é desejado (Cf. Nota
Técnica Conjunta MS/MDS 01/16).

➢ Amplo acesso das mulheres em situação de rua e/ou usuárias de


substâncias psicoativas aos programas planejamento sexual e
reprodutivo disponibilizados pelo SUS13 mais adequados às suas
particularidades, antes, durante ou pós-gestação.

➢ Garantia do atendimento da adolescente gestante, independentemente


da presença de seu representante legal14.

➢ Observância intransigente do consentimento informado, inclusive das


Planejament mulheres com comprometimento de sua saúde mental, garantindo-se-
o lhes o direito de decisão, livre e responsável, sobre o desejo de ter, ou
Sexual e não filhos, e em que momento de sua vida, além do direito de exercer a
Reprodutivo sexualidade e a reprodução livre de discriminação, imposição e violência.

➢ Articulação das estratégias de planejamento familiar com ações e


estratégias de atenção à saúde mental das mulheres em situação de rua
e/ou usuárias de substâncias psicoativas, garantindo-se-lhes o
atendimento prioritário.

➢ Amplo e prioritário acesso às políticas socioassistenciais

13
Cf. Art. 226, §7º, da Constituição Federal e Lei Federal nº 9.263/96 que trata do planejamento
familiar;
14
No documento intitulado Marco Legal: Saúde, um Direito de Adolescentes (Brasília, 2007), editado
pelo Ministério da Saúde, é previsto que “qualquer exigência, como a obrigatoriedade da presença de
um responsável para acompanhamento no serviço de saúde, que possa afastar ou impedir o exercício
pleno do adolescente de seu direito fundamental à saúde e à liberdade, constitui lesão ao direito maior
de uma vida saudável. Caso a equipe de saúde entenda que o usuário não possui condições de decidir
sozinho sobre alguma intervenção em razão de sua complexidade, deve, primeiramente, realizar as
intervenções urgentes que se façam necessárias, e, em seguida, abordar o adolescente de forma clara a
necessidade de que um responsável o assista e o auxilie no acompanhamento. A resistência do
adolescente em informar determinadas circunstâncias de sua vida a família por si só demonstra uma
desarmonia que pode e deve ser enfrentada pela equipe de saúde, preservando sempre o direito do
adolescente em exercer seu direito à saúde. Dessa forma, recomenda-se que, havendo resistência
fundada e receio que a comunicação ao responsável legal, implique em afastamento do usuário ou dano
à sua saúde, se aceite pessoa maior e capaz indicada pelo adolescente para acompanhá-lo e auxiliar a
equipe de saúde na condução do caso, aplicando-se analogicamente o princípio do art. 142 do Estatuto
da Criança e do Adolescente”
disponibilizadas pela rede de proteção básica e especializada das
Secretarias Municipais de Assistência Social, bem como aos programas
habitacionais, provisórios ou definitivos, priorizando-se seu direito à
moradia.

➢ Garantia do direito à privacidade, à confidencialidade e ao respeito, bem


como às informações sobre as consequências de seus atos.

➢ Acompanhamento pelo Serviço de Abordagem Social (SMADS), pela rede


de Atenção Básica de Saúde e pelo Centro de Referência Especializado às
Mulheres (SMDHC), garantindo-se a vinculação precoce ao
planejamento pré-natal, o compartilhamento de informações entre
serviços e equipamentos das secretarias de saúde, assistência social e
Pré-Natal direitos humanos, além das avaliações multiprofissionais e
interinstitucionais.

➢ Realização de busca ativa das mulheres gestantes em situação de rua,


em atenção aos princípios estatutários da intervenção precoce e da
atualidade (art. 100, parágrafo único, incisos Vi e VIII, do ECA).

➢ Garantia do atendimento da adolescente gestante, independentemente


da presença de seu representante legal.

➢ Garantia da elaboração de um projeto de parto humanizado

➢ Garantia de assistência jurídica integral e gratuita à mulher e à família,


inclusive na perspectiva da integração operacional com as demais
instituições do Sistema de Justiça (art. 88, inciso VI, ECA).

➢ Ressalvado o desejo da mulher pela entrega voluntária da criança em


adoção, deve-se promover a busca ativa do pai da criança e de membros
da família extensa pelos serviços que promovam o acompanhamento
pré-natal, inclusive com o apoio e suporte da Defensoria Pública, com o
objetivo se buscar a ampliação das estratégias de cuidado
compartilhado, incrementando fatores de proteção em relação à saúde
e segurança do/a recém-nascido/a. Em qualquer caso, todavia, deve ser
resguardada a intimidade e garantida a proteção à mulher em situação
de rua que também se encontre em situação de violência doméstica,
sobretudo do contato com o possível agressor.

➢ Atendimento de acordo com a oportunidade e o tempo da gestante em


situação de rua, independentemente de prévio agendamento e/ou
apresentação de documentos pessoais/comprovante de endereço,
considerando-se o contexto em que se encontra inserida e as
dificuldades organizacionais por ela apresentadas

➢ Garantia da vinculação da mulher à maternidade de referência para o


parto e/ou emergências obstétricas.

➢ Garantia de acesso a benefícios e programas de atenção à gestante

➢ Garantia de acesso pela mulher em situação de rua (com ou sem


histórico de uso de drogas) vítima de violência sexual aos métodos de
profilaxia pós-exposição e, se desejado, aos Centros de Referência à
Interrupção Mulher em situação de violência.
da Gestação
e Entrega ➢ Acesso amplo e desburocratizado aos Hospitais de referência que
Protegida realizam a interrupção da gestação nas hipóteses legais (violência sexual,
risco de vida à gestante, anencefalia).

➢ Garantia do encaminhamento à Vara da Infância e Juventude da mulher


que manifeste seu desejo em entregar seu/sua filho em adoção, nos
termos do art. 19-A do ECA, garantindo-se-lhe toda assistência e
preparação para o amadurecimento da ideia.

➢ Garantia de um parto humanizado

Parto ➢ Garantia de acompanhante a sua livre escolha, independentemente do


gênero, durante o pré-parto, o parto e o pós parto imediato (Lei nº
11.108/05).

➢ Garantia de atenção à criança recém-nascida e a continuidade de


atenção à mulher no puerpério.

➢ Seja assegurado o contato pele a pele imediato e contínuo, assim como


o clampeamento tardio do cordão umbilical e amamentação na primeira
hora de vida, salvo recomendação médica contrária, nos termos da
Portaria 371/14 do Ministério da Saúde (art. 4º), respeitando-se,
entretanto, eventual desejo da mulher em sentido contrário.
➢ Garantia de alojamento conjunto da mulher com a criança recém-
nascida, respeitando-se, entretanto, eventual desejo da mulher em
sentido contrário.

➢ Garantia da permanência da mãe com o bebê, além de condições para o


aleitamento materno, salvo contraindicação médica, que deverá ser
comunicada e explicada à mulher15.

➢ Garantia do direito à moradia adequada, para acolhimento conjunto


entre mãe e bebê, conforme o caso, mediante:
(i) atendimento habitacional provisório ou definitivo;
(ii) encaminhamento a Centro de Acolhida vinculado à SMADS que
comporte mãe, bebê, outros filhos e, se o caso, seu/sua companheiro/a;
(iii) encaminhamento da mulher e seu/sua(s) filho/a(s) a abrigos
sigilosos, nos casos de mulher em situação de rua, usuária ou não de
substâncias psicoativas e em situação de violência doméstica;
(iv) encaminhamento da mulher e seu/sua(s) filho/a(s) à Unidades de
Alta Acolhimento (RAPS), quando adequada aos cuidados em saúde mental e
ao projeto terapêutico singular.

➢ Garantia de transporte para o deslocamento da mulher e seu/sua(s)


filho/a(s) aos serviços e/ou equipamentos para os quais for
encaminhada, sobretudo (mas não apenas) durante o puerpério.

➢ Referenciamento da mulher no CRAS/CREAS do território para


articulação com as políticas públicas disponíveis, bem como na rede de
Atenção Básica de Saúde, para acompanhamento do desenvolvimento
da criança, inclusive por meio de visitas institucionais, domiciliares e/ou
consultas periódicas, sem prejuízo da interlocução com o Conselho
Tutelar e/ou outros atores da Rede de Proteção.

➢ Garantia de acolhimento nos serviços especializados em saúde mental


(equipes de saúde mental em UBS, CAPS, CAPS AD etc) e centros de
referência DST/AIDS ou de infectologia do território para onde for
15
O Manual do Ministério da Saúde sobre Amamentação e Uso de Medicamentos e Outras Substâncias
(Brasília, 2010) indica que “A Organização Mundial de Saúde considera que o uso de anfetaminas,
ecstasy, cocaína, maconha e opioides não são contraindicados durante a amamentação. Contudo,
alertam que as mães que usam essas substâncias por períodos curtos devem considerar a possibilidade
de evitar temporariamente a amamentação. Há carência de publicações com orientações sobre o tempo
necessário de suspensão da amamentação após o uso de drogas de abuso. Assim, recomenda-se que as
nutrizes não utilizem tais substâncias. Se usadas, deve-se avaliar o risco da droga ‘versus’ o benefício da
amamentação para orientar sobre o desmame ou a manutenção da amamentação” (item 4.22.1).
encaminhada, para acompanhamento da mulher e sua família, se o caso,
inclusive com a possibilidade de acolhimento desta pelas equipes
daqueles serviços diretamente nas maternidades.

➢ Prioridade absoluta no fornecimento de vaga em creche ou em


estabelecimento de educação infantil, em turno integral, para os/as
filhos/as da mulher com trajetória de rua e/ou uso de substâncias
psicoativas, preferencialmente até o momento em que deixe a
maternidade, como estratégia de fortalecimento de sua autonomia e
busca por estratégias de geração de renda.

➢ Garantia de que o acionamento da Vara da Infância e Juventude pela


Maternidade se dê em conjunto com toda a rede do território, mediante
avaliação multidisciplinar e intersetorial, demonstrando-se
pormenorizadamente o esgotamento dos esforços para a manutenção
Encaminham do recém-nascido com a mãe ou com membros da família extensa,
ento à Vara evitando-se a instauração de procedimentos verificatórios ou pedidos de
da Infância e providências para este fim (art. 153, parágrafo único, ECA)
Juventude
➢ Garantia de que os relatórios serão encaminhados à Vara da Infância e
Juventude com dados minuciosos sobre a criança, a mãe, o pai (se
conhecido), família extensa ou pessoas significativas que esta houver
indicado, além de descrição, por parte dos serviços junto aos quais
houver sido referenciada, de sua trajetória ao longo da gestação e
análise das condições para oferta de cuidado, proteção e afeto pela
família.

➢ Garantia de que a mulher seja encaminhada à Unidade de referência da


Defensoria Pública para orientação e assistência jurídica.

➢ Garantia de que a mulher seja sempre informada sobre para qual Vara
da Infância e Juventude o relatório conjunto será encaminhado e, se o
caso, em qual serviço de acolhimento institucional/familiar o bebê
eventualmente será acolhido.

➢ Garantia da continuidade do acompanhamento proporcionado à mulher


e sua família pela Rede de Proteção, para além do período do puerpério,
e mesmo após eventual aproximação da criança com família substituta,
auxiliando-a a elaborar o trauma da perda e viver o luto com mais
suporte e informação.
O que diz o Marco Legal da Primeira Infância?

Prevenção diante da dependência química dos pais e moradores de rua

Esta nova redação do artigo 19 do ECA foi dada pelo Marco Legal da Primeira Infância,
substituindo-se “em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de
substâncias entorpecentes” por “em ambiente que garanta seu desenvolvimento
integral”. Tal modificação teve por fundamento a prevenção da retirada compulsória
da criança em casos de mães usuárias de drogas, por exemplo, onde se faz necessário
ofertar antes o tratamento para a dependência química, não simplesmente a
destituição compulsória do poder familiar.

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3.5 Avaliação dos critérios fundamentadores da suspensão e destituição do poder


familiar
3.6.A convivência Familiar e comunitária de Crianças e adolescentes com Pais e Mães
privados de liberdade

Raum Batista – Psicólogo, membro da Associação Brasileira Terra dos Homens/RJ16

Estamos diante de uma população ainda invisível para as


políticas públicas. Mas essa invisibilidade não apaga o fato de
que se trata de uma parcela com direito à prioridade
absoluta.

A perda do direito do exercício da maternidade e paternidade


não se encerra quando a pessoa está privada de liberdade
bem como a do direito a convivência familiar e comunitária
das crianças/Adolescentes

CAFE´S 2018

A Convivência Familiar e Comunitária como um direito - Valorização e fortalecimento


das famílias e comunidades

O tema da convivência familiar e comunitária no Brasil, obteve avanços


importantes nos últimos 30 anos. A inclusão do assunto na agenda pública reflete o
intenso esforço para plena implementação dos serviços de atenção as crianças e aos
adolescentes em todas as dimensões estratégias, seja depromoção, prevenção,
proteção e defesa.

A Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989, documento aprovado no


âmbito da Organização das Nações Unidas, a constituição federal de 1988, no seu
artigo 226 e 227, e o Estatuto da Criança e doAdolescente – ECA, marcam o
reconhecimento das criança e adolescentes como sujeitos de direito, de serem criada
em seu meio familiar e em uma comunidade; garante também o protagonismo da
família no cuidadoe a proteção do estado.

Normativas importantes vieram para garantir na pratica a implementação


destes direitos, como o Sistema Único de Saúde – SUS (1988); Lei Orgânica da
Assistência Social – LOAS (1993); a Política Nacional de Assistência Social – PNAS
(2004); Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa da convivência Familiar e
comunitária – PNCFC (2006); O Sistema de garantia de direitos das crianças e
adolescentes, e recentemente a o Marco Legal da Primeira Infância. Desta forma se
16
Este material foi produzido com base no relatório temático do projeto Conexões PróConvivência Familiar e Comunitária,
realizado pela Associação Brasileira Terra dos Homens com apoio por meio do edital do CONANDA e SNCA. As recomendações
produzidas neste documento, foram construídas por um coletivo com representações de 35 organizações da sociedade civil e
governamentais.
garante as crianças e adolescentes condições para estarem com as famílias e
comunidades ou quando em violações de direito, serviços que promovem a prevenção,
proteção e defesa no direito a convivência familiar e comunitária.

Moradia
Família
Adequada
Acolhedora

Acolhimento
Institucional

Nesta implementação compreendeu-se que a intersetorialidade, fora de fato,


meio e fim para os avanços adquiridonas últimas décadas, e ainda o é. O Sistema de
Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, por meio do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e Adolescente - Conanda(Resolução 113/2006) fora assim definido,
por ser a articulação entre órgãos do executivo, judiciário e sociedade civil, e de definiu
a seguinte competência: “Promover, defender e controlar a efetivação dos direitos
civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, coletivos e difusos, em sua integralidade,
em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que sejam reconhecidos e
respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento; colocando-os a salvo de ameaça e violência a quaisquer de seus
direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e violações”(Art2.
Resolução 113/2016 Conanda).

Sistema de Garantia de
direitos da C/Adl

Família e
comunidade

criança e
adolescente

O Sistema de execução penal e o perfil dos apenamos que tem filhos

O Sistema de Justiça Criminalse organiza em três frentes de atuação: segurança


pública, justiça criminal e execução penal e cada um desses subsistemas possui seus
órgãos, diretrizes e normativas. O Sistema de Execução Penal tem diante das funções
constitucionais que lhes são atribuídas: medidas de segurança, definições e controle
de penas criminais e reinserção social dos apenados de forma harmônica, mediada
pela integração social, por meio de trabalho e educação. Este sistema tem por objetivo
evitar a reincidência e promover o tratamento, a reabilitação e a reintegração familiar,
profissional e social dos apenados.

A estrutura do Sistema Penal Brasileiro, prevista na Lei de execução Penal,


prevê diretrizes relativas à pena para o transgressor das leis: a pena é individual e pode
ser de privação ou restrição de liberdade, de perda de bens, de multa, de prestação
social alternativa ou de suspensão ou interdição de direitos, entre outras. Neste
cenário, podemos considerar intramuros, os apenados e em regime semi aberto e o
extramuros os familiares, os filhos e a sociedade que dependem deste sistema.

Sistema de
Justiça Criminal
Sistema
de
INTRAMU
Execuçã
ROS
Extramur
Segurança os
pública

Segundo os últimos dados do Conselho Nacional de Justiça,hoje são 888. 169


pessoas privadas de liberdade17. Destas 47.205 são mulheres. Este número segue
cresceexponencialmente nos últimos 20 anos. Superencarceramento ou o
encarceramento em massa, em instituições fechadas e semiabertas que não suportam
estruturalmente, tem sido motivo de preocupações nacionais e internacionais,
ganhando debates cada vez mais urgentes.

Segundo o Relatório de Gestão e Supervisão do Departamento de


Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de
Medidas Socioeducativas – DMF18 do Conselho Nacional de Justiça:

As pessoas em prisão preventiva sofrem grandes tensões


pessoais como resultado da perda de renda e a separação
forçada de sua família e comunidade; ademais, padecem do
impacto psicológico e emocional do próprio fato de estarem
privadas de liberdade sem terem sido condenadas, e, em
geral, são expostas a um entorno de violência, corrupção,
insalubridade e condições desumanas presentes nas prisões da
região. Inclusive, os índices de suicídios cometidos em prisões
são maiores entre os presos em prisão preventiva. Daí a
especial gravidade desta medida e a necessidade de cercar a
sua aplicação das máximas garantias jurídicas. (CNJ 2017).

17
https://portalbnmp.cnj.jus.br/#/estatisticas
18
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/
2017/04/23902dd211995b2bcba8d4c3864c82e2.pdf
Segundo o relatório do Projeto Conexões PróConvivência Familiar e
Comunitária,no contexto social brasileiro:

 A privação de liberdade atinge as pessoas em piores condições sociais,


reforçando a desigualdade social.

 O encarceramento tem constituído em grande parte por jovens e


maioria de cor, os negros/pardosque são historicamente mais impactados pela
privação de liberdade.

 O tempo prolongando da institucionalização afeta substancialmente a


estrutura psicossocial do apenado e das famílias dos encarcerados, bem como as
condições econômicas, sociais

 O imaginário do punitivismo como única solução inviabiliza as violações


de direitos leis do encarcerado e de suas famílias como o da convivência família e
comunitária.

 Leis e reformas para o enrijecimento das penas favorecem o


afastamento da família de origem e traz consequências negativas para a
ressocialização da pessoa privada de liberdade.

É neste cenário de institucionalização, que se busca refletir sobre os efeitos nas


famílias em especial nas crianças e adolescentes filhas de pais e mães encarceradas.
Segundo o INFOPEN de 2016 “a informação sobre a quantidade de filhos das pessoas
privadas de liberdade no Brasil estava disponível para apenas 9% da população
prisional (ou 63.971 pessoas)... Dada a baixa representatividade da amostra coletada”,
o que já representa mais de 47% dos Homens e 74% das mulheres, assim o documento
revela que “não é possível extrair conclusões para a totalidade da população
prisional no Brasil” Neste mesmo documento o DEPEN avalia a importância de se
obter tais dados sobre as configurações familiares das pessoas privadas de liberdade
“como informação estratégica para a formulação de políticas voltadas à garantia de
direitos. (INFOPEN – 2016)”
Tal fato já era preocupação para as Organização das Nações Unidas, que em
2011 elaborou umrelatório de recomendações na Comissão dos Direitos da Criança
com o tema: “Crianças de Pais Encarcerados”, onde pontuou-se também os

 Existem Impactos duradouros na vida dos bebês e crianças vivendo com suas
mães nas prisões,sobretudo, os efeitos psicológicos da separação.
 Todo o processo da justiça criminal dos quais os pais passam, geram impactos
psicossociais nas crianças e adolescentes, ainda não mensurados.

“Na verdade, de acordo com um estudo realizado por Bowlby e com base em
dados coletados em todo o mundo, a maioria das pessoas que passaram os primeiros
anos de suas vidas fora do ambiente familiar, posteriormente revelam aberrações em
sua personalidade. Estas se manifestam,essencialmente, e em relações sociais
superficiais, em dificuldades de controlar suas manifestações emocionais (raiva,
explosões) e, eventualmente, em deficiências nas funções cognitivas e perceptivas.
Essas aberrações que aparecem posteriormente, embora a criança tenha
posteriormente recuperado um ambiente familiar, são atribuídas aos dois ou aos três
primeiros anos passados em uma instituição.”

(BOWLBY, 1951, apud PIKLER, 1984, p. 56, tradução nossa)

Os cuidados com os bebês e as mães no Sistema Penitenciário são um


desafio.Embora o Marco Legal da Primeira Infância e o Conselho Nacional de Justiça
tenham contribuído nos últimos anos com as audiências de custódia, os avanços
consistem em aplicar medidas alternativas a preventiva, como as medidas cautelares e
domiciliares para as gestantes e mulheres com criança na primeira infância. Nesse
sentido, a lei ainda não garante de forma ampla estedireito, de modo que as crianças
afastadas de sua mãe carecem de acompanhamento psicossocial, bem como as que
estão com elas nas prisões domiciliares. A estrutura prisional oferta um precário o
acesso em saúde emergencial, intra ou extramuros. Neste cenário viola-se o direito das
crianças de obterem seus cuidados básicos de vida e o direito das mães de exercerem
a maternidade irrompendo em desassistência para o direito a convivência familiar e
comunitária.

Os sofrimentos psicossociais ocasionados pelo afastamento prolongado


Nos poucos estudos internacionais e nacionais sobre os impactos na vida das
crianças e adolescentes com pais privados de liberdade, foi identificadoo importante
registro sobre como o afastamento prolongado do familiar impacta na vida das
crianças e das famílias. Neste documento identificou queas crianças e adolescentes
vivenciam sofrimentos de ordem social e individual como podemos ver no quadro
abaixo

Pressões  Estigma social


 Agravamento da
sociais exclusão social
 Invisível para a
rede de proteção
Crianças/  Estímulo para a
desvinculação
Adolescentes  Violência
 Sobrecarga
Institucional
financeira/emocional
foto: Daniel Ferreira/CB/D.A Press
 Reprodução da
 Desvalorização da
institucionalização

Pressões
sua identidade
 Novas
 Desenvolvimento de
configurações

individuais
traumas
familiares
 Angústia e afeto x
medo x culpa x raiva
 Dificuldade em criar
laços e em construir
relações
 Falta de esperança
 Dilema: felicidade x
vergonha (reinserção)
O Brasil tem normativas importantes tanto do sistema de execução penal como
do sistema de garantia de direitos que garante a convivência familiar e comunitária.
Mas para implementar é preciso transformar a lei em prática, emsinergia, na
intersetorialidade dos sistemas que poderemos perceber tanto as violações como
também as ações que promovem os direitos. Criar pontes entre os sistemas está sendo
alternativa viável para a atenção ao cuidado das crianças, e o direito a maternidade de
paternidade. Algumas experiências estão sendo experimentada em alguns estados
brasileiros.

CONVIVÊNCIA
FAMILIAR E
COMUNITÁRI Sistema de
A Sistema de
Justiça
Garantia de
direitos da Sistem
Família
C/Adl a de INTRAM
e
criança
e Extram
Segurança
pública

Normativas para garantir a Convivência Familiar e comunitária de crianças e


adolescentes com pais privados de Liberdade

CPP - Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941 (Art. 318)


Lei 7210/84 - ExecuçãoPenal (LEP) (Art.41 X, Art. 72, Art 112, Art. 117)

Constituição Federal/88 (Art. 5º)

Lei nº 8.069/90 (Art.4º, Art. 7º, Art. 8º, Art. 9º, Art. 19º, Art.87º)

Lei nº 11.942/09

Lei nº 12.106, dez/2009.

Resolução CNPCP19 nº 4 de 15/07/200920


Resolução CNJ Nº213/2015 - Audiência De Custódia (Art. 8º)

Resolução Nº 252 de 04/09/2018

Resolução CNPCP n. 2, de agosto de 2017

Resolução Conanda 210/2018

ResoluçãoCNJ Nº 254 de 04/09/2018

Decisão do supremo Tribunal Federal(2018)HC 143641

Resolução Conjunta Nº 1,de 7 de Novembro De 2018 - CNAS21e CNPCP nº 1

Cabe mencionar a Intersetorialidade prevista na ResoluçãoCNAS Nº 7, DE 18 DE


MAIO DE 2016, a qual contém entre seus principais objetivos a universalização do
Sistema Único da AssistênciaSocial, bem como a garantia de apoio para as crianças na
primeira infância, plena integralidade da proteção socioassistencial e a
intersetorialidade.

Recomendações do grupo de trabalho do projeto “Conexões Pró Convivência


Familiar e Comunitária

O projeto Conexões Pró Convivência Familiar e Comunitária, criou um Grupo de


Trabalho que reuniu atores do Poder Judiciário, Poder Executivo e da sociedade civil,
os quais compõem os sistemas de Justiça Criminal e dos direitos das crianças e
adolescentes. O referido Grupo de Trabalho objetivou criar recomendações de
enfrentamento às violações de direitos das crianças e adolescentes que têm seus pais
privados de liberdade, bem como elaborar fluxos com foco na garantia da convivência
familiar desse público. Foram realizados dois encontros, o primeiro em outubro de
2018, em Brasília, e o segundo em abril de 2019, em Recife. Cada encontro fora
precedido de um seminário para sensibilização da temática com um público maior de
interessados.
19
Conselho Nacional De Política Criminal E Penitenciária
20
http://depen.gov.br/DEPEN/depen/cnpcp/resolucoes/2017/ResoluoSistematizaodasresoluesCNPCPversofinal.pdf
21
Conselho Nacional de Assistência Social
A Associação Brasileira Terra dos Homens como forma de esclarecer os
procedimentos propostos utiliza o conceitode “gerenciamento dos procedimentos
criminais para atenção às crianças e adolescentes com pais/mães privados de
liberdade”. Essa concepção visagerir de forma global os procedimentos propostos para
osSistemas de Justiça Criminal e doSistema de Garantia de Direitos deCrianças e
Adolescentesfrente a ações de promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças
e dos adolescentes. Não foi objetivo apontar, dianteda complexidadedo sistema
criminal,questionamentos sobre condutas, atos e ações das pessoas e seu ato
criminoso, bem como a dos atores desse sistema.

A construção desta proposta de gerenciamento, tem como base as normativas


vigentes e sugestões de implementação de procedimentos por ambos os sistemas.
Abaixo segue os quadros elaborados pela ABTH em conjunto com o Grupo de
Trabalho.

Fluxograma: gerenciamento de procedimentos criminais e penal para atenção


as crianças com pais/mães privados de liberdade
No quadro acima, sobre os Egressos do sistema prisional, as normativas
garantem aos mesmos, acesso a profissionalização, Educação e trabalho, bem como
assistência religiosa. Compreendendo que o egresso, com entrada no regime privado,
e beneficiado com o regime semiaberto perpassa pela reintegração social. Esta
reintegração tende a ser processual, uma vez que o distanciamento prolongando e o
retorno são impactados pelas novas configurações familiares da família de origem,
principalmente para as crianças na primeira infância. Logo, como ocorre no processo
de reintegração das crianças e adolescentes acolhidas, este processo de reintegração
necessita de acompanhamento psicossocial, possibilitando a reintegração social
processual e inclusiva. Diante desta nova perspectiva entende-se o eixo estruturante
Apoio SocioFamiliar como fundamental para esta família na reunificação saudável de
seus membros.

As crianças e adolescentes que vivenciam a realidade de ter um de seus pais,


ou, até mesmo ambos, em situação de cárcere, foram, durante muito tempo,
negligenciados pelo estado. Os impactos da prisão nesse grupo são numerosos e
profundos, causando danos, muitas vezes, irreversíveis e, por isso, é imprescindível o
exercício da execução das leis vigentes e ampliação da incidência política e
técnicavisando garantir a proteção dessas crianças e adolescentes e o seu direito de
ter presente na vida, mesmo que a distância, a sua condições de ser cuidada pela
maternagem de uma mãe e a paternagem de um pai, entendendo esta como
conquista a convivência familiar e comunitária.

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VALVERDE MOLINA, Jesús. La cárcel y sus consecuencias. Madri: Editora Popular, S.A., 1997.

Para saber mais:

A Rede COPE (ChildrenofPrisonersEurope) produziu este vídeo, onde se escutam


algumas das vozes das 800.000 crianças e adolescentes que tem a alguns de seus pais
privados de liberdade nesse continente: 800,000 VOICES Spanish Subs

Uma produção do Peripécias Filmes para o ITTC, o vídeo faz parte do lançamento do
relatório de pesquisa elaborado pelo programa Justiça Sem Muros, “Diagnóstico da
aplicação do Marco Legal da Primeira Infância para o desencarceramento de
mulheres“: Maternidade sem prisão - vídeo completo

Sequência de CINCO videos da Vila Sésamo, um programa infantil que tratou de forma
lúdica os sentimentos de uma criança em relação a familiar privado de liberdade: Vídeo
1 - Vídeo 2 - Vídeo 3 - Vídeo 4 - Vídeo 5

Vídeo foi produzido pela CWS no âmbito da pesquisa regional " Infância que conta " e
reúne as vozes de algumas das 70 crianças e adolescentes que foram entrevistados
para o projeto.

3.7 Afirmação e efetivação do direito à convivência familiar: genitor(a) sob medida


protetiva da L. 11.340/06 e/ou acusado(a) ou condenado(a) por violência
doméstica(nova sugestão de título: Direito à convivência familiar: genitor(a) sob
medida protetiva da L. 11.340/06 e/ou acusado(a) ou condenado(a) por violência
doméstica)

Diferenciação da entre violência doméstica e violência familiar;

- Análise das violências considerando as violências transgeracionais e situacionais.

Tratar sobre o aprimoramento dos mecanismos de identificação das violências


intrafamiliares, diferenciando-as.

Experiencia do Patrick Reason em Curitiba

Art. 19 e 101 do ECA

Prevenção diante do encarceramento dos pais

SÍNTESE DA UNIDADE
Nesta unidade, podemos observar nos encontramos em um processo de
mudança de paradigmas, transitando de um modelo conhecido como “cultura da
institucionalização” para um modelo de aumento do apoio do Estado e da Sociedade
às famílias para exercerem seu papel protagonista de cuidado dos filhos.

Diagramar uma figura

Espiral:

Criança precisa do apoio do adulto e da família

Família precisa de apoio das políticas públicas e da rede

Cuidadores em instituções de acolhimento precisam de apoio

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