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ESPIRITUALIDADES AGOSTO / SETEMBRO - 2007 06

N
ossa amiga O SENEGALÊS MOHAMMED BA explica-me: ginário africano, o homem não morre, somente viaja.
Isabel, que “O africano vê a si mesmo como sendo uma pérola que é impor- Em cada objeto, planta ou animal da natureza encontramos
esteve visi- tante na medida em que faz parte de um colar. os espíritos dos nossos antepassados que continuam nos vigiando
tando o continente No nosso caso, o colar não é composto somente da comu- e nos punindo toda vez que não respeitamos as tradições”.
africano e, observou nidade humana, mas também dos espíritos que a cercam, os ISABEL: Entendi! São
de perto suas culturas espíritos das árvores, dos peixes, dos minerais, das entidades que espíritos que não fa-
e suas tradições, nos formam as forças da natureza. É através dos ritmos dos nossos lam, que ninguém vê,
fala da im- mas que observam e es-
portância do cutam.
som do tambor na vida daqueles BA: “E isso mesmo. A única
povos. maneira que temos para entrar
As mãos de Mohammed Ba dan- Bauan: Ritmo para pedir a chuva. em contato com eles é o tambor que,
çam ágeis e velozes na pele de seu tam- Lamba: Ritmo das mulheres no momento da semeadura. além de um instrumento musical, é
bor dando vida a um ritmo ancestral também um telefone que nos permite co-
que mexe com o corpo e os sentimen-
Labam: Ritmo usado após a primeira noite de matrimônio. municar diretamente com os antepassados
tos, transportando-os num mundo di- Balanta: Ritmo dos caçadores que pedem a proteção dos espíritos. através de ritos propiciatórios. A única
ferente e misterioso. Tatulaobe: Ritmo que expressa a felicidade após uma boa colheita. nossa certeza é que a vida não se conclui
De fato, na cultura negro-africana, Dundumba: Ritmo que festeja a passagem à idade adulta. com a morte, mas que a morte faz parte
a música não é parte da vida, mas é a da vida. Eis por que nós não choramos
própria vida. tambores que nós entramos em sintonia com os espíritos que nos pela morte de um ente querido, ao contrário, a celebramos e
circundam”. festejamos.
O africano nunca se sente sozinho! Toda vez que
ISABEL: Espíritos? Quem são eles? Eles dão medo na
você toca ritmicamente o seu tambor, você tem certeza de que
gente?
seus antepassados o escutam. E mais você tocar, mais eles escu-
“Absolutamente, pois nós africanos damos pouca im-
tam. Tenho certeza de que, neste exato momento em que estou
portância à morte, considerando-a algo natural. No ima-
lhe falando, meus antepassados estão me escutando. Espero que
eles aprovem aquilo que digo e faço”.

SUA ORIGEM Entre os sudaneses se cultuavam os orixás (entidades sobrenaturais, interme-


diários entre os homens e Olorun, o deus maior e superior a todos). Já entre os
Os escravos africanos, que foram trazidos ao Brasil, trouxeram consigo suas bantos do Sul se veneram os espíritos ancestrais, de pessoas humanas que vive-
religiosidades e seus ritos. Estas expressões religiosas, desde a chegada às terras ram efetivamente.
brasileiras, sobrevivem graças ao sincretismo que se deu entre elas, o catolicismo Em Benguela, (Angola), sabe-se que existia o culto “orodere”, semelhante ao
e o espiritismo. Esta amalgamação de crenças e rituais é tão evidente que já não “espiritismo”, por isso também foi fácil aos negros de origem banto amoldarem-se
as chamamos de religiões “africanas” e sim religiões “afro-brasileiras”. às práticas espíritas que se desenvolveram no Brasil. Dessa diferença entre os cul-
tos sudaneses e bantos derivou uma diferenciação nas religiões afro-brasileiras.
A FORÇA DO SINCRETISMO De um lado temos o Xangô em Pernambuco, o Candomblé na Bahia e o Batuque
O continente africano era dividido em duas partes: o norte, de culturas suda- no Rio grande do Sul, todos eles com origem sudanesa.
nesas e o sul chamados de bantos. Estas diversas designações são apenas rótulos regionais
Dos negros sudaneses, as culturas que mais se enraizaram no Brasil para um mesmo conteúdo. De outro lado, por parte das cultu-
foram a nagô e a gêge, provenientes da Nigéria e do Daomé. Coube à ras bantas, à mercê de um grande sincretismo, nasceram todas
cultura nagô (iorubana) a hegemonia em todo o Brasil, de norte a Sul. as casas chamadas de “umbanda”, criando no Brasil uma nova
O referido sincretismo ganhou muita ênfase no Brasil, devido à pre- religião, nas quais são cultuados, além de orixás e dos espíritos
cariedade das senzalas, onde negros de diversas culturas viviam lado a ancestrais, os “espíritos-guias”, assim denominados por influ-
lado, favorecendo o sincretismo entre as próprias religiões africanas. ência espírita.
Durante o período colonial e imperial, o catolicismo reinava
como religião oficial (1500 a 1889) e as manifestações exteriores das NEGROS E INDÍGENAS
demais religiões, inclusive as práticas dos negros, foram abafadas. No Brasil, as misturas se acentuaram juntando-se também as
Indiretamente, por um mecanismo de defesa, este fato possibili- tradições e as crenças dos nativos americanos. Este sincretismo
tou aos negros a manutenção dos cultos e rituais, ocultando seus das religiões negras com elementos das culturas indígenas deu origem a um novo
deuses, mas dando a eles mesmos nomes de santos católicos. Com tal subterfú- tipo de culto: o “candomblé de caboclo”, onde são cultuados os orixás africanos junta-
gio, respeitavam a lei vigente e continuavam cultuando seus deuses africanos. mente com os deuses indígenas.
Nos cultos sudaneses são usados línguas africanas, principalmente o nagô
EXEMPLOS CONCRETOS e o gêge. Já nas casas de umbanda e caboclo, domina o português, misturado a
O processo era simples, transferia-se aos santos católicos com especificações palavras africanas e expressões em tupi.
idênticas aos dos Orixás. Xangô foi sincretizado com São Jerônimo, Iansã com Texto adaptado da sociedade
Santa Bárbara, Ogum com São Jorge e assim por diante. Ilê Oxum Docô

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