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PREPARADOS
Orientações para a defesa da fé
PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.
Todas as citações bíblicas foram extraídas da versão
A mente de Greg Bahsen era nada menos do que precisa. Num mundo de desordem e confusão apologética, ele tinha o dom de discernir o que era e o que não era relevante em
uma questão. Os antigos romanos lhe teriam dito: “Rem acu tetigisti”. Ele podia “acertar o prego na cabeça”, conjecturar de forma correta. Este volume contém inúmeros exemplos de
ele fazendo exatamente isso.
— Douglas Wilson
Autor, O ateu em delírio
Greg Bahnsen era um acadêmico brilhante. Mas essa é uma descrição inadequada do que ele tinha a oferecer para a igreja. O valor da sua obra não era meramente acadêmico
(embora também o fosse); era intensamente prático. Sua capacidade de analisar a “lógica” da incredulidade e demonstrar sua loucura e de apresentar o evangelho como a única
alternativa intelectualmente honesta eram sem igual. Em se tratando de apologética, Bahnsen estava numa categoria só sua.
— Stephen C. Perks
Autor, A adoração a Baal
Não foram os escoteiros os primeiros a serem ordenados a “estar preparados”, mas os cristãos (1 Pedro 3.15). Com a incredulidade crescendo e se tornando mais intensa,
revelando seus ferozes dentes, precisamos mais do que nunca das ferramentas encontradas neste volume. Ao empregá-las você será capaz de remover os caninos do anticristianismo
com graça, amor e um arsenal nuclear. Leia este livro e então leia-o novamente. Você se verá “armado até os dentes” e sempre preparado.
— Steven M. Schlissel
Pastor, Messiah’s Congregation, Brooklyn, New York
SUMÁRIO
Sumário
PREFÁCIO DO EDITOR
1. O ROUBO DA NEUTRALIDADE
2. A IMORALIDADE DA NEUTRALIDADE
3. A NATUREZA DO PENSAMENTO INCRÉDULO
4. A MENTE DO NOVO HOMEM ENRAIZADA EM CRISTO
5. REVELAÇÃO COMO O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
6. RESUMO E APLICAÇÃO: A AUTORIDADE AUTOATESTADORA
DE DEUS
7. TRÊS ARGUMENTOS CONTRA O PRESSUPOSICIONALISMO
8. HUMILDE OUSADIA, NÃO ARROGÂNCIA OBSCURANTISTA
9. REVELAÇÃO INESCAPÁVEL, CONHECIMENTO INESCAPÁVEL
10. TERRENO COMUM QUE NÃO É NEUTRO
11. ONDE O PONTO DE CONTATO É, E NÃO É, ENCONTRADO
12. RESUMO GERAL: CAPÍTULOS 1-11
13. A TOLICE DA INCREDULIDADE
14. UM PROCEDIMENTO APOLOGÉTICO DE DUAS ETAPAS
15. RESPONDENDO AO TOLO
16. COSMOVISÕES EM COLISÃO
17. O PONTO DE PARTIDA ÚLTIMO: A PALAVRA DE DEUS
18. RESUMO SOBRE O MÉTODO APOLOGÉTICO: CAPÍTULOS 13-17
19. DEUS DEVE SOBERANAMENTE CONCEDER ENTENDIMENTO
20. É PRECISO CRER PARA ENTENDER
21. ESTRATÉGIA GUIADA PELA NATUREZA DA CRENÇA
22. NÃO SE DEIXANDO SEDUZIR COMO EVA
23. NÃO MENTIR PARA DEFENDER A VERDADE
24. ENCONTRANDO EFETIVAMENTE A VARIEDADE DE
OPOSIÇÕES: Resumo Geral (Capítulos 1-23) e Aplicação
25. PREPARADOS PARA ARRAZOAR
26. O CERNE DA QUESTÃO
27. RESPONDENDO OBJEÇÕES
28. FERRAMENTAS DE APOLOGÉTICA
29. APOLOGÉTICA NA PRÁTICA
30. O PROBLEMA DO MAL
31. O PROBLEMA DE CONHECER O “SOBRENATURAL”
32. O PROBLEMA DA FÉ
33. O PROBLEMA DA LINGUAGEM RELIGIOSA
34. O PROBLEMA DOS MILAGRES
PREFÁCIO DO EDITOR
O material dos últimos cinco estudos pode ser disposto no seguinte resumo
em tópicos:
Andai com sabedoria para com os que estão de fora, remindo o tempo. A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém
responder a cada um (Colossenses 4.5-6).
9. REVELAÇÃO INESCAPÁVEL,
CONHECIMENTO INESCAPÁVEL
Vemos então que a crítica esboçada no início deste estudo não prejudica,
mas serve antes para enfatizar ainda mais a força e a necessidade da
epistemologia pressuposicional.
10. TERRENO COMUM QUE NÃO É NEUTRO
Será conveniente fazer uma pausa neste ponto e resumir a discussão que
fizemos nos capítulos anteriores a fim de que obtenhamos uma visão geral
concisa do nosso padrão de pensamento.
A primeira parte desta série apresentou o Senhorio de Cristo no reino do
conhecimento e aplicou essa verdade no exercício da razão do homem. Nós
concluímos com Calvino que a palavra de Deus deve ser pressuposta para
que se tenha conhecimento tanto no reino da criação como no da redenção;
todavia, como a nossa cultura está saturada com as exigências contrárias da
autonomia e da neutralidade, há uma necessidade urgente de reforma no
mundo do pensamento. Três objeções básicas ao pressuposicionalismo na
teoria do conhecimento surgem a partir de uma cultura não reformada; essas
três reclamações foram subsequentemente consideradas para demonstrar
sua invalidade, exibir a força do pressuposicionalismo e expor aspectos
adicionais desta posição.
“Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste
século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?”
Paulo poderia sustentar sua apologética para a fé cristã sobre esse conjunto
de perguntas retóricas (1 Coríntios 1.20), sabendo que a palavra da cruz
destrói a sabedoria e mundo e aniquila seu discernimento (v. 19). O coração
não regenerado, com sua mente obscurecida, avalia o evangelho como
fraqueza e loucura (vv. 18, 23), mas na realidade ele expressa a verdadeira
sabedoria e o poder salvífico de Deus (vv. 18, 21, 24).
O que o mundo chama “loucura” é na verdade sabedoria. Por outro lado,
o que o mundo considera “sábio” é na verdade loucura. O incrédulo tem
seus padrões totalmente invertidos, e assim zomba da fé cristã ou a vê como
intelectualmente desonesta. Mas Paulo sabia que Deus podia desmascarar a
arrogância da incredulidade e expor a lamentável pretensão de
conhecimento dela. “… a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e
a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (v. 25). Embora o
incrédulo veja a fé cristã como tola e fraca, essa fé tem a força e as
condições intelectuais de expor a “sabedoria mundana” por aquilo que ela
realmente é: uma completa loucura. Deus escolheu as (chamadas) coisas
loucas do mundo para que pudesse envergonhar aqueles que se vangloriam
de sua (chamada) sabedoria (v. 27, NVI).
Em face da revelação de Deus o incrédulo é “indesculpável” (“sem
apologética”, cf. Romanos 1.20, no grego). Sua posição intelectual não tem
credenciais dignas no longo prazo. Quando é defrontado com o desafio
intelectual do evangelho tal como ele seria apresentado por Paulo, o não
regenerado é deixado sem nenhuma base. O resultado do encontro é
resumidamente expresso por Paulo quando ele declara: “Onde está o sábio?
Onde está o inquiridor deste século?”. O fato é que Deus torna louca a
sabedoria deste mundo, e assim um incrédulo genuinamente sábio é algo
que não pode ser encontrado. Jamais houve algum homem que pudesse
debater e defender adequadamente a perspectiva deste mundo (isto é, a
incredulidade). A rejeição da fé cristã é algo que não pode ser justificado, e
a posição intelectual do incrédulo não pode ser genuinamente defendida no
mundo do pensamento. As armas espirituais do apologista cristão são
poderosas em Deus… Destruindo os conselhos, e toda a altivez que se
levanta contra o conhecimento de Deus” (2 Coríntios 10.4-5). O incrédulo,
como vimos no último estudo, é na perspectiva bíblica um tolo, e como tal
sua posição equivale a um ódio ao conhecimento (Provérbios 1.22, 29). Seu
ataque intelectual ao evangelho deriva do que é falsamente chamado
conhecimento (1 Timóteo 6.20).
O apologista deve ter como objetivo envergonhar essa pretensão de
conhecimento (que é, na base, um ódio ao conhecimento); ele deve
manifestar a loucura da “sabedoria” deste mundo. Isso exige muito mais
que uma tentativa fragmentada de aduzir probabilidades vagas de
evidências isoladas em favor da racionalidade do cristianismo. Requer, em
vez disso, a demonstração exaustiva da irracionalidade do anticristianismo
em contraste com a certeza da verdade que pode ser encontrada na palavra
de Deus. Dr. Van Til escreve:
O conflito entre o teísmo cristão e seus oponentes cobre todo o campo do conhecimento… A controvérsia fundamental do teísmo cristão é apenas esta, que absolutamente
nada pode ser conhecido a menos que Deus possa e seja conhecido… O importante a notar é essa diferença fundamental entre o teísmo e o antiteísmo na questão da
epistemologia. Não há um só ponto no céu ou na terra sobre o qual não haja disputa entre os dois partidos opostos (A Survey of Christian Epistemology, den Dulk
Christian Foundation, 1969, p.116).
O método de raciocínio por pressuposição pode ser dito indireto em vez de direto. A controvérsia entre crentes e não crentes no teísmo cristão não pode ser definida por
um apelo direto a “fatos” ou “leis” cuja natureza e significado já sejam de mútua concordância entre as partes do debate… O apologista cristão deve se colocar na posição
do oponente, assumindo meramente para fins de argumentação que o método deste é correto, para mostrar ao oponente que sobre tal posição os “fatos” não são fatos e as
“leis” não são leis. Ele também deve pedir ao não cristão que se coloque, para fins de argumentação, na posição cristã para ser-lhe mostrado que somente sobre esta base
os “fatos” e as “leis” parecem inteligíveis…
Portanto, devemos afirmar que só o cristianismo pode ser racionalmente defendido pelos homens. E ele é absolutamente racional. É totalmente irracional defender
qualquer outra posição que não o cristianismo. Só o cristianismo não crucifica a própria razão… A melhor e única prova, absolutamente certa, da veracidade do
cristianismo é que a menos que a sua verdade seja pressuposta, não há prova para o que quer que seja. O cristianismo é provado como sendo o próprio fundamento da
noção mesma de prova (The Defense of the Faith, Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1955, pp. 117-118, 396).
E repele as questões insensatas e absurdas, pois sabes que só engendram contendas. Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e sim deve ser brando
para com todos, apto para instruir, paciente, disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para
conhecerem plenamente a verdade.
Com base nas seções anteriores sobre o método apologético, podemos agora
resumir a forma como devemos proceder para defender a esperança cristã
que há em nós:
OS REQUISITOS DO APOLOGISTA
1. O apologista deve ter a atitude adequada; ele não deve ser arrogante
ou alguém que causa contendas, mas com humildade e respeito deve
argumentar de maneira branda e pacífica.
2. O apologista deve ter o ponto de partida adequado; ele deve tomar a
palavra de Deus como a sua pressuposição autoevidente, pensando os
pensamentos de Deus depois dele (ao invés de tentar ser neutro), e
vendo a palavra de Deus como mais certa do que até mesmo a sua
experiência pessoal dos fatos.
3. O apologista deve ter o método adequado; trabalhando sobre as
pressuposições não reconhecidas do incrédulo e estando firmemente
enraizado na sua própria, o apologista deve ter como objetivo destruir
toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, buscando
levar todo pensamento (o seu assim como o do oponente) cativo à
obediência de Cristo.
4. O apologista deve ter a meta adequada: garantir a rendição
incondicional do incrédulo sem comprometer sua própria fidelidade.
a. A palavra da cruz deve ser usada para expor a completa
pseudosabedoria do mundo como uma tolice autodestrutiva.
b. Cristo deve ser separado como Senhor no coração, não se
reconhecendo assim nenhuma autoridade superior à palavra de Deus e
recusando-se a suspender o compromisso intelectual com a sua
verdade.
Se o cristão deve ter sucesso na defesa da fé, deve estar preparado para
colocar em dúvida a competência do pensamento do incrédulo. Ainda que o
crente não tenha as credenciais impressionantes da academia letrada
possuídas pelo incrédulo, ele é capaz de fazer isso. Os chamados “experts”
letrados criticaram nosso Senhor com respeito às suas credenciais
educacionais (João 7.14-15), mas Jesus se opôs desafiando a competência
dos seus oponentes. Porque se recusavam a fazer a vontade de Deus, não
estavam em posição de julgar o ensino dele (vv. 17, 19). O cristão, sendo
habitado pelo Espírito Santo (João 14.17) e permanecendo firme na palavra
de Cristo (João 8.31-32, NVI), conhece a verdade. Todas as coisas que
dizem respeito à vida são dadas através de um conhecimento de Deus (2
Pedro 1.3), e assim aqueles que se recusam a reconhecer Deus e a verdade
sobre ele serão levados à futilidade e ao erro em todos os campos do
pensamento (Romanos 1.18-21, ARA). Sua injustiça os cega, e
consequentemente o cristão iluminado pode desafiar o raciocínio do seu
oponente. Até mesmo aos desprezadores cultos e letrados do cristianismo
pode ser apresentada, por qualquer crente, uma apologética eficaz: “Mas
Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias” (1
Coríntios 1.27). O sucesso apologético parte dessa confiança.
Essa confiança, no entanto, deve ser acompanhada de um método
adequadamente orientado. Em particular, o apologista deve se abster de
apelar aos princípios autônomos do pensamento secular na sua tentativa de
trazer entendimento ao incrédulo, pois o método, padrão e ponto de partida
do incrédulo são inerentemente contrários ao entendimento salvífico que o
apologista visa. Autonomia e entendimento são mutuamente exclusivos. O
sucesso apologético será impedido se o crente basear seu argumento em
pressuposições incrédulas ou na atitude de autonomia; visto que essas são
as fontes da falta de entendimento do incrédulo, elas não podem fornecer a
fortiori o caminho para o entendimento.
A raça humana inteira está morta em delitos e pecados, carecendo da
glória de Deus (Efésios 2.1, 5, ARA; Romanos 3.23; 5.15, ARA); como
resultado, ninguém busca Deus ou tem entendimento (Romanos 3.10-12). O
pecado leva o incrédulo a exaltar suas próprias imaginações e a ignorar a
revelação de Deus; assim, a razão do incrédulo é sempre desviada para
conclusões fúteis, errôneas e injustas. Em seu coração (do qual procedem as
fontes da vida) o incrédulo néscio diz que não há Deus, e assim ele não tem
conhecimento ou entendimento (Salmos 53.1-4; Romanos 3.10-12). O
homem com quem o apologista argumenta, então, carece de entendimento e
seu raciocínio é inútil. Na sua mente ele é um filho da ira (Efésios 2.3); sua
mente está em inimizade com Deus e ele é incapaz de fazer a vontade de
Deus (Romanos 8.7). As suposições intelectuais, as operações e a
competência do incrédulo que são julgadas num encontro apologético, não a
revelação de Cristo. O pensador rebelde anda de acordo com os seus
próprios pensamentos e está, assim, aprisionado na loucura que procede do
seu coração (Isaías 65.2; Marcos 7.21-22). Visto que apostata da fé, ele
inevitavelmente fala mentiras e ensina mentiras demoníacas (cf. 1 Timóteo
4.1-2; Romanos 1.25).
Essas são palavras duras e impopulares para os ouvidos modernos.
Porque os apologistas contemporâneos tantas vezes compartilham da
autonomia do pensamento secular, não estão dispostos a denunciar a
loucura que existe na sua raiz. Muitos fazem vista grossa à profunda
deficiência e injustiça na epistemologia não cristã numa tentativa de ganhar
audiência e mostrar que um acordo entre a autossuficiência intelectual e a
dependência soteriológica de Deus é possível. No entanto, é impossível se
esquivar da denúncia severa que a Bíblia faz do pensamento incrédulo e da
sua exposição da loucura do incrédulo. A antítese fundamental entre a
epistemologia cristã e a epistemologia apóstata deve ser enfatizada. Em
contraste com o homem cujos pensamento são vãos se levanta o homem
que é instruído pela lei de Deus (Salmos 94.11-12; cf. 1 Coríntios 3.20). O
cristão se alegra de operar não de acordo com a sabedoria carnal, mas (em
absoluto contraste) de acordo com a graça de Deus (2 Coríntios 1.12).
Que tipo de apologética, que não seja para compartilhar da autonomia do
pensamento incrédulo, pode ser bem-sucedida em trazer o incrédulo para
um entendimento da verdade? A resposta é que, assim como a pregação
fiel, a defesa fiel do evangelho deve estar enraizada na Palavra e no
Espírito. Deus só pode ser conhecido por uma revelação voluntária do Filho
e do Espírito de Deus (Mateus 11.27; 1 Coríntios 2.10); juntos eles lidam
com a hostilidade ética do homem à revelação de Deus e o capacitam a ter
um conhecimento salvífico do seu Criador.
O entendimento de que o incrédulo carece só pode ser fornecido se a
mente dele foi aberta (por ex., Lucas 24.45) e ele foi convencido pelo
Espírito da Verdade (João 16.8). Esse Espírito continuamente testemunha de
Cristo, conduzindo sua obra no mundo como o representante legal de Cristo
para essa defesa (isto é, o “Advogado”; João 15.26). Ou seja, o sucesso da
nossa apologética depende da obra do Espírito Santo (cf. João 3.3, 8).
Ademais, o incrédulo só pode ter Deus e conhecer a verdade se permanecer
na palavra de Cristo (João 8.31-32; 2 João 9). Até que obtenha a mente de
Cristo, ele é totalmente incapaz de conhecer as coisas do Espírito (1
Coríntios 2.14, 16). Ter a mente de Cristo requer humildade (cf. Filipenses
2.5, 8), e, portanto, renúncia da autossuficiência a fim de obedecer a
verdade de Deus. Só se pode chegar a um conhecimento dele, que é a
Verdade (João 14.6), quando o Filho dá o entendimento que está faltando (1
João 5.20).
Portanto, o apologista é chamado a dar um testemunho fiel da verdade,
ao invés de tentar melhorar a sabedoria do Senhor por meio de argumentos
autônomos. Sendo confiante da sua capacidade de desafiar o pensamento
apóstata, o crente deve arrazoar não de acordo com os princípios do
pensamento secular, mas na verdade pressuposta da palavra de Cristo,
esperando que o poder do seu Espírito traga convicção, conversão e
entendimento. Uma apologética bem-sucedida que seja feita de acordo com
a Palavra e o Espírito de Cristo é uma função da graça de Deus e não da
sabedoria e inteligência humanas.
20. É PRECISO CRER PARA ENTENDER
Uma fonte de grande decepção para o estudioso cristãos nos dias de hoje é a
recusa de muitos apologistas em levar em conta certos fatos difíceis, mas
indisputáveis ensinados na palavra de Deus. A impressão muitas vezes
passada é que esses homens, enquanto teólogos, querem admitir o que a
Escritura diz sobre a natureza do homem caído e a autoridade máxima e
necessária da revelação de Deus em qualquer campo do conhecimento; no
entanto, como apologistas, querem agir esquecendo ou temporariamente
suprimindo essas verdades. Essa duplicidade é desonrosa para o chamado
do cristão.
A fé salvadora não pode estar fundamentada na sabedoria humana ou em
pressuposições seculares: ela deve ser gerada no poder de Deus (1 Coríntios
2.4-5). Consequentemente, o apologista não fala a sabedoria deste mundo
(que se reduz a nada), mas a sabedoria de Deus (1 Coríntios 2.6-7, ARA). O
reconhecimento de Cristo como a sabedoria de Deus não deriva de
pressuposições que negam, ignoram ou minam esse fato; em vez disso, esse
reconhecimento resulta da operação interna do Espírito Santo (1 Coríntios
2.10) que sozinho pode nos capacitar a ganhar um conhecimento das coisas
de Deus (v. 12). Porque somente o Espírito de Deus sabe essas coisas (v.
11), o cristão não confia ou fala se baseando na filosofia, história ou ciência
autônoma tal como o mundo ensina (v. 13). Seguir pressuposições seculares
incapacita a pessoa de discernir a verdade sobre Deus (v. 14), pois elas só
podem ser entendidas pela iluminação do Espírito (vv. 15-16). A
pseudosabedoria do mundo, então, é totalmente inadequada como
fundamento ou padrão para o defensor da fé cristã; ela não pode aperfeiçoar
a mente do Senhor (v. 16), mas leva em vez disso a inevitavelmente desafiar
a verdade da revelação de Deus. O sucesso apologético é impedido,
portanto, ao se depender da insensatez humana não autoritativa ou tentar
satisfazê-la, a qual está invariavelmente inclinada a crucificar o Senhor da
glória em vez de se curvar às suas exigências soberanas (cf. v. 8).
É o crente regenerado e iluminado, convertido da sua antiga forma de
viver em desobediência, quem ganha sabedoria, entendimento e
conhecimento; o pensamento correto está correlacionado com o viver
correto. Daí que a forma de vida do incrédulo é uma estrutura inadequada
para o apologista operar dentro dela. Se uma pessoa continua no pecado
intelectual ─ recusando-se a submeter todo pensamento ao Senhorio de
Cristo no reino do conhecimento ─, ela nunca virá à crença salvadora. “… o
apartar-se do mal é o entendimento” (Jó 28.28, ARA), e “bom
entendimento têm todos os que cumprem os seus mandamentos” (Salmos
111.10). Consequentemente, o apologista não pode tentar persuadir o
incrédulo usando o estilo de pensamento do incrédulo ou seus padrões de
evidência e verdade, etc. Esse procedimento simplesmente não irá
conquistá-lo para Cristo, mas o encorajará a afirmar sua própria autoridade
autônoma sobre as reinvindicações de Cristo. No entanto, a palavra firme de
Deus declara que nós só podemos conhecer Deus se guardarmos os seus
mandamentos (1 João 2.3-5), e esses mandamentos incluem nossa
obrigação de nos refrear de tentar Deus (Deuteronômio 6.16) e levar cativo
todo pensamento à obediência de Cristo (2 Coríntios 10.5, ARA). Nossa
sabedoria e entendimento não são encontrados na “inteligência” do
pensamento autônomo, mas na obediência à lei de Deus (Deuteronômio
4.6). O conhecimento genuíno e a estabilidade em face da opinião falsa
estão correlacionados à maturidade espiritual na estatura de Cristo (Efésios
4.13-14); um andar agradável e uma vida moralmente digna é o que leva ao
conhecimento genuíno (Colossenses 1.9-11).
Ora, é então francamente imoral o teólogo que vê as verdades do alto
usar um padrão duplo, admitindo essas coisas como um dogmático, mas
dando uma impressão completamente oposta no seu procedimento
apologético. O apologista não deve deixar o incrédulo supor que o
conhecimento é possível com base em pressuposições autônomas e uma
vida desobediente; a palavra de Deus jamais é verificada num contexto
desses. Na sua tentativa de fazer surgir a boa situação de um incrédulo
aceitando a palavra da Escritura, o apologista fará uso de uma mentira
injustificável se assumir ou levar o incrédulo a pensar que o conhecimento
deve ser obtido à parte de Deus ou persistindo num modo rebelde de viver e
pensar. Não pode ser ignorado que o arrependimento e a fé são necessários
para um conhecimento da verdade; não deve ser sugerido que o incrédulo
não precisa de nada mais que uma prova intelectual da veracidade de Deus
de acordo com padrões ditados pela ciência e filosofia secular. O fim digno
de converter o incrédulo não pode ser realizado com nem pode justificar o
uso apologético de meios que operem em desacordo com (ou em oposição
a) o ensino da Escritura. “Mas, se pela minha mentira abundou mais a
verdade de Deus para glória sua, por que sou eu ainda julgado também
como pecador? E por que não dizemos (como somos blasfemados, e como
alguns dizem que dizemos): Façamos males, para que venham bens? A
condenação desses é justa” (Romanos 3.7-8).
Os apologistas são proibidos de usar um método não pressuposicional na
defesa da fé sob a desculpa de que assim a verdade pode abundar. O cristão
obediente não deixa de lado a autoridade de Cristo no reino para argumentar
com base na “erudição” autônoma. Fazê-lo seria operar com uma mentira
(isto é, a mentira satânica de que o conhecimento pode ser determinado à
parte de Deus: Gênesis 3.5; cf. Romanos 1.25) para defender a verdade! A
testemunha fiel de Cristo não se portará como um descrente (negando o
Senhorio de Cristo) para torná-lo crente.
Homens maus não podem falar boas coisas (Mateus 12.34); o mau
tesouro do pensamento do incrédulo está onde está seu coração (Mateus
6.21; Lucas 6.45), do qual procedem os pensamentos maus, enganosos e
insensatos (Mateus 15.18-19; Romanos 1.21; Jeremias 17.9). Assim, sua
língua é cheia de iniquidade e um mal irrefreável (Tiago 3.5-8); o incrédulo
urde engano com ela (Romanos 3.13-14, ARA). Ele acha que é senhor
sobre os seus lábios (Salmos 12.4), as quais levam-no a falar com falsidade
(v. 2). Obviamente, então, o apologista não deve pensar e falar à maneira do
incrédulo. Em vez disso, seus pensamentos e palavras devem estar
enraizados na palavra de Deus, que é pura e eternamente valiosa (Salmos
12.6-7). É essa palavra somente que cala toda boca (Romanos 3.19, ARA) e
deixa os homens sem palavras (por ex., Jó 40.4). Devemos guardar o
depósito apostólico (a Escritura) nos afastando dos clamores vãos de
pseudoconhecimento (1 Timóteo 6.3-5, 20; cf. 2 Timóteo 2.14-18). Diante
de Deus e sua palavra todo o mundo deve se calar (Isaías 6.5; Daniel 10.15;
Habacuque, 2.20; Sofonias 1.7; Zacarias 2.13). Devemos, então, confiar em
Deus e não na nossa própria sabedoria (Isaías 50.4-9); só então é que
veremos o sucesso apologético à medida em que ele nos capacite a não
sermos confundidos e não faça ninguém capaz de contender com a nossa
mensagem (Isaías 50.4-9). Portanto, concluímos que o apologista deve ser
transformado por uma mente renovada e não deve conformar seu
pensamento ao mundo (Romanos 12.2). Ele não deve mentir ou abandonar
a verdade pressuposta de Deus para conseguir aceitação dessa verdade
pelos que falam o mal.
24. ENCONTRANDO EFETIVAMENTE A
VARIEDADE DE OPOSIÇÕES: Resumo Geral
(Capítulos 1-23) e Aplicação
Ela é necessária?
O que ela não é Devemos olhar para 1 Pedro 3.15 novamente e notar
algumas poucas coisas que a passagem não diz.
(1) Ela não diz que os crentes devem tomar a iniciativa e começar
discussões arrogantes com os incrédulos, dizendo-lhes que temos todas as
respostas. Nós não temos de sair à procura de alguma luta. Certamente não
devemos ostentar ou encorajar um espírito de “Vou provar isso para você”,
uma atitude que se deleita com refutações. O texto indica que nós
oferecemos uma defesa fundamentada em resposta a aqueles que pedem
isso de nós, quer o façam como um desafio aberto à integridade da palavra
de Deus, quer como uma resposta natural ao nosso testemunho
evangelístico.
O texto também indica que o espírito no qual oferecemos nossa resposta
apologética é de “mansidão e temor”. Ele não é pugnaz e defensivo. Não é
um espírito de demonstração de superioridade intelectual. A tarefa da
apologética começa com humildade. Afinal, o temor do Senhor é o ponto de
partida de todo conhecimento (Provérbios 1.7). Ademais, a apologética é
realizada no serviço ao Senhor, e “E ao servo do Senhor não convém
contender, mas sim, ser manso para com todos, apto para ensinar” (2
Timóteo 2.24). A apologética não é um lugar para a flexão vã dos nossos
músculos intelectuais.
(2) Outra coisa que 1 Pedro 3.15 não diz é que os crentes são
responsáveis por persuadir qualquer um que desafie ou questione a fé deles.
Nós podemos oferecer razões sólidas para o incrédulo, mas não podemos
fazê-lo subjetivamente acreditar nessas razões. Podemos refutar a
argumentação pobre dos incrédulos, mas ainda assim não os persuadir.
Podemos calar a boca do crítico, mas só Deus pode abrir o coração. Não
temos a capacidade de regenerar o coração morto e dar visão aos olhos
cegos dos incrédulos nem é nossa responsabilidade fazê-lo. Essa é uma obra
graciosa de Deus.
É Deus quem deve iluminar os olhos do entendimento (Efésios 1.18).
“Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus,
porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se
discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2.14). Até que Deus em sua graça
soberana mude o pecador a partir de dentro, ele não verá o reino de Deus ou
se submeterá ao Rei. Jesus ensinou isso a Nicodemos, lembrando-lhe que “o
vento [a mesma palavra grega para “Espírito”] assopra onde quer… assim é
todo aquele que é nascido do Espírito” (João 3.8). Nossa tarefa é apresentar
uma defesa e um testemunho que sejam fieis e sólidos. A tarefa da
persuasão é de Deus. É por isso que os apologistas não devem avaliar seu
sucesso ou ajustar sua mensagem considerando se o incrédulo finalmente
irá concordar ou não com eles.
(3) Ainda outra coisa que 1 Pedro 3.15 não diz é que a defesa da fé tem
uma autoridade última diferente da tarefa de expor a fé. É um erro comum
entre os evangélicos imaginar que a autoridade de Deus e da sua palavra é a
base para sua teologia e pregação, mas que a autoridade para a defesa dessa
fé deve ser algo diferente de Deus e da sua palavra ─ ou do contrário
estaríamos cometendo petição de princípio na questão levantada pelos
incrédulos. Assim, os crentes serão por vezes enganados em pensar que o
que quer que tomem como o padrão último no pensamento apologético
deve ser neutro e da concordância tanto do crente como do incrédulo; e
daqui seguem para cometer o segundo equívoco, em pensar que algo como
a “razão” é esse padrão comumente entendido e aceito.
Essas ideias estão mui obviamente em desacordo com o ensino bíblico,
no entanto. Será que a apologética tem uma autoridade epistemológica[6]
diferente da da exposição teológica? Nossa teologia está fundada na
autoridade de Cristo, falando pelo seu Espírito nas palavras da Escritura. 1
Pedro 3.15 (ARA) nos ensina que a precondição de apresentar uma defesa
da fé (apologética) é também “santificai [separai] a Cristo, como Senhor,
em vosso coração”. Seria um erro imaginar que Pedro está falando aqui do
“coração” como ele sendo nosso centro das emoções em oposição à mente
com a qual pensamos. Na terminologia bíblica o “coração” é o local do
nosso raciocínio (Romanos 1.21), meditação (Salmos 19.14), entendimento
(Provérbios 8.5), pensamento (Deuteronômio 7.17; 8.5) e crença (Romanos
10.10). É justamente aqui ─ no centro do nosso pensamento e raciocínio ─
que Cristo deve ser consagrado como Senhor, quando nos envolvemos na
discussão apologética com os incrédulos inquiridores. Assim, a teologia e a
apologética têm a mesma autoridade epistemológica ─ o mesmo Senhor
sobre todas as coisas.
Razão e raciocínio Os crentes que almejam defender sua fé cometem um
grave erro, então, quando imaginam que algo como a “razão” deve
substituir Cristo como a autoridade última (o Senhor) em seu pensamento e
sua argumentação. Eles também incorrem num pensamento muito
descuidado e confuso por causa de mal-entendidos sobre a palavra “razão”.
Os cristãos ficam muitas vezes perplexos com a “razão”, sem saber se é
algo que eles devem abraçar ou evitar. Isso geralmente ocorre porque eles
não identificam a forma precisa em que a palavra está sendo usada.
Possivelmente ela é a palavra mais ambígua e obscura no campo da
filosofia. Por um lado, a razão pode ser pensada como uma ferramenta ─ a
capacidade intelectual ou mental do homem. Tomada nesse sentido, a razão
é um dom de Deus para o homem, na verdade parte da imagem divina.
Quando Deus convida o seu povo para “Vinde, pois, e arrazoemos” (Isaías
1.18, ARA), nós vemos que, assim como Deus, somos capazes de
estabelecer uma comunicação e um pensamento racional. Deus nos deu
nossas capacidades mentais para lhe servir e glorificar. É parte do maior
mandamento da lei que nós devemos “[amar] o Senhor teu Deus… de todo
o teu pensamento” (Mateus 22.37).
A razão não é última Por outro lado, a razão pode ser pensada como uma
autoridade ou padrão último e independente pelo qual o homem julga todas
as alegações de verdade, inclusive as de Deus. Nesse sentido a razão é uma
lei em si mesma, como se a mente do homem fosse autossuficiente, sem
necessidade de revelação divina. Essa atitude geralmente leva as pessoas a
pensarem que estão numa posição de pensar independentemente, de
governar sua própria vida e de julgar a credibilidade da palavra de Deus
baseadas em sua própria percepção e autoridade; mais dramaticamente, essa
atitude deifica a Razão como a deusa da Revolução Francesa. “Dizendo-se
sábios, tornaram-se loucos”, como disse Paulo (Romanos 1.22). Esse ponto
de vista da razão não reconhece que Deus é a fonte e a precondição das
capacidades intelectuais do homem ─ que a razão não faz sentido à parte da
perspectiva da revelação de Deus. Ele não reconhece o caráter soberano e
transcendente do pensamento de Deus: “Porque assim como os céus são
mais altos do que a terra, assim são… os meus pensamentos mais altos do
que os vossos pensamentos” (Isaías 55.9).
A razão como um dom de Deus Os cristãos devem endossar o uso da
razão? Dois erros iguais, mas opostos entre si, são possíveis na resposta a
essa pergunta. (1) Os crentes podem reconhecer a conveniência do uso da
razão, tomada como sua faculdade intelectual, mas então escorregar para
um endosso da razão como autonomia intelectual. (2) Os crentes podem
reconhecer a inconveniência da razão como autonomia intelectual, mas
então erroneamente pensar que isso implica rejeitar a razão como faculdade
intelectual. O primeiro grupo honra o dom da capacidade de raciocínio do
homem concedido por Deus, mas desonra Deus através do seu
racionalismo. O segundo grupo honra a autoridade última de Deus e a
necessidade de obediência em todos os aspectos da vida do homem, mas
desonra Deus através do pietismo anti-intelectual.
Paulo contrabalança ambos os erros em Colossenses 2. Ele escreve que
“em [Cristo]… todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão
ocultos” (v. 3, ARA). Assim sendo, “Tende cuidado, para que ninguém vos
faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos
homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo” (v. 8).
Essa exortação não é uma diatribe contra o uso da razão ou estudo da
filosofia.
Paulo deixa claro que os crentes têm a vantagem do melhor raciocínio e
da melhor filosofia porque Cristo é a fonte de todo o conhecimento ─ todo
o conhecimento, não apenas de sentimentos ou assuntos religiosos.
Ademais, se há muitas filosofias que não são “segundo Cristo”, há também
aquela que o é. O anti-intelectualismo joga fora o bebê com a banheira. Ele
destrói a verdadeira sabedoria em nome da tolice persistente.
Por outro lado, é igualmente claro a partir de Colossenses 2 que Paulo
não endossa o raciocínio e a filosofia que se recusam a honrar a autoridade
última do Senhor Jesus Cristo. É em Cristo que a sabedoria e o
conhecimento devem ser encontrados. Qualquer suposta sabedoria que siga
as tradições dos homens e os rudimentos do mundo ─ em vez de Cristo ─
deve ser rejeitada como perigosa e enganosa.
A Bíblia nos ensina, portanto, que a “razão” não deve ser tomada como
uma autoridade neutra no pensamento do homem. Ela é, antes, a capacidade
intelectual com que Deus criou o homem, uma ferramenta que deve ser
usada para servir e glorificar a autoridade última, o próprio Deus.
Afiando a ferramenta A razão devidamente compreendida (o raciocínio)
deve ser endossada pelos crentes em Cristo. Em particular, ela deve ser
empregada na defesa da fé cristã. Essa é uma das coisas que Pedro nos
comunica quando escreveu que devemos estar sempre “preparados para
responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da
esperança que há em vós” (1 Pedro 3.15). Uma palavra de explicação e
defesa deve ser oferecida a aqueles que desafiam a verdade da nossa fé
cristã. Nós não devemos obscurecer a glória e veracidade de Deus
respondendo aos incrédulos com apelo à “fé cega” ou a compromissos
impensados. Devemos “[destruir] argumentos e toda pretensão que se
levanta contra o conhecimento de Deus” (2 Coríntios 10.5, NVI),
percebendo o tempo todo que não podemos fazer isso a menos que nós
mesmos “[levemos] cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a
Cristo”.
Em 1 Pedro 3.15 Pedro usa a expressão “sempre preparados”. Isso é
significativo para aqueles que desejam honrar a necessidade bíblica de se
engajar na apologética. O que o Senhor pede de nós é que estejamos
preparados para oferecer uma resposta em defesa da nossa fé sempre que
alguém nos pedir uma razão. Devemos estar “prontos” para fazê-lo ─ na
verdade, “sempre prontos”. E isso significa que é imperativo refletirmos
sobre as perguntas que os incrédulos podem provavelmente fazer e sobre os
desafios que são geralmente lançados contra o cristianismo. Devemos
estudar e nos preparar para dar razões para a nossa fé quando o infiel
perguntar.
Os cristãos precisam afiar a ferramenta da sua capacidade de raciocínio
para poderem glorificar a Deus e vindicar as reivindicações do evangelho.
Devemos todos fazer os nossos melhores esforços no serviço do nosso
Salvador, que chamou a si mesmo de “a verdade” (João 14.6). Todo crente
quer ver a verdade de Cristo crida e honrada pelos outros. E é por isso que
precisamos estar “preparados para arrazoar” com os incrédulos. Este estudo
e os que se seguem pretendem nos ajudar a nos tornarmos mais bem
preparados para essa necessária tarefa.
26. O CERNE DA QUESTÃO
Saber e crer
Os cristãos são muitas vezes chamados de “crentes”, enquanto os não
cristãos são denominados “incrédulos”. A própria Escritura fala desta
maneira: lemos que “crescia mais e mais a multidão de crentes” (Atos 5.14,
ARA), e que eles não deveriam se colocar “em jugo desigual com os
incrédulos” (2 Coríntios 6.14, ARA). Há claramente duas classes de pessoas
que se distinguem no fato de crer ou não. Pode ser corretamente dito que o
que separa os cristãos dos não cristãos é a questão da fé.
Os cristãos creem em certas coisas que os não cristãos não creem. Os
cristãos creem que as reivindicações de Cristo e os ensinos da Bíblia são
verdadeiros, mas os não cristãos não acreditam nessas coisas. Os cristãos
têm fé em Cristo e confiam nas suas promessas; os não cristãos não creem
nele e duvidam da sua palavra. É absolutamente natural, então, que o
evangelho possa ser chamado de “a palavra da fé” (Romanos 10.8). Tornar-
se cristão implica em você “crer em seu coração que Deus o ressuscitou
[Cristo] dentre os mortos” (v. 9, NVI); da mesma forma, “é necessário que
aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador
dos que o buscam” (Hebreus 11.6). Os exemplos poderiam ser
multiplicados. O que separa os cristãos dos não cristãos é a questão da
crença ou fé.
No entanto, num importante sentido, a diferença entre eles vai além, e
precisamos entender isso se vamos fazer um trabalho fiel na defesa da fé. O
cristão alega “crer” nos ensinos da Escritura ou ter “fé” na pessoa de
Cristo[7] porque o elemento da confiança é bastante proeminente no nosso
relacionamento com o Salvador. Mas o cristão realmente afirma mais do
que apenas crer nas reivindicações de Cristo como verdadeiras. O cristão
também afirma “saber” que essas reivindicações são verdadeiras. O que está
envolvido na fé salvadora é mais do que esperança (embora isso esteja
presente) e mais do que um compromisso da vontade (embora isso também
esteja presente). Jó confiantemente afirmou “…eu sei que o meu Redentor
vive” (Jó 19.25). João indicou que escreveu sua primeira epístola para que
aqueles “que creem no nome do Filho de Deus” “saibam que têm a vida
eterna” (1 João 5.13, NVI). Paulo declarou que Deus “deu provas” de que
Jesus há de julgar o mundo (Atos 17.31, NVI). Jesus prometeu aos seus
discípulos que “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João
8.32).
De que forma o conhecimento vai além da crença? Conhecimento inclui
ter uma justificação ou boa razão para apoiar o que quer que você creia.
Imagine que eu creia que uma dada cidade tem 37 milhas quadradas, e
imagine que essa afirmação se revela precisa ─ mas imagine também que só
cheguei a essa resposta por adivinhação (em vez de fazer medições,
cálculos matemáticos, consultar um almanaque, etc.). Eu creio em algo que
se revelou verdade, mas não podemos dizer que neste caso eu tinha
“conhecimento”, pois eu não tinha justificação para o que eu acreditava.
Quando afirmamos saber que algo é verdadeiro, estamos afirmando assim
ter provas, evidências adequadas ou uma boa razão para isso.
A diferença entre o cristão e o não cristão não é simplesmente que um crê
na Bíblia, e o outro não. As crenças das pessoas podem ser frívolas,
aleatórias ou tolas. O cristão também afirma que há justificação para
acreditar no que a Bíblia diz. O não cristão diz, ao contrário, que não há
nenhuma justificação (ou justificação adequada) para acreditar nas
afirmações da Bíblia ─ ou, em casos mais fortes, diz que há justificação
para não acreditar nas afirmações da Bíblia. A apologética equivale a uma
investigação e um debate sobre quem está correto nessa matéria. Ela
envolve dar razões, oferecer refutações e responder a objeções.
Sob ataque
A estrada baixa
Ao estudar as objeções dos incrédulos e nos preparar para arrazoar com
eles, nós tomamos a estrada alta da apologética, o caminho da obediência à
orientação do nosso Senhor e Salvador. Sua reivindicação categórica foi:
“Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por
mim” (João 14.6). O apologista responde às objeções dos incrédulos de uma
forma que apresente a verdade objetiva do cristianismo e o caráter
exclusivo do sistema. Ele oferece razões para a crença, vindicando a
cosmovisão cristã contra sistemas concorrentes de pensamento e de vida.
Nem todos os crentes (ou cristãos professos) optam por seguir essa
estrada alta. Frequentemente tem acontecido que aqueles que falam pela fé
cristã se contentam com muito menos (especialmente, mas não
exclusivamente, no século atual). Eles se contentam com muito menos do
que a apologética ao reduzirem o compromisso cristão ao subjetivismo. É
certamente verdade que o cristianismo nos traz uma sensação de paz e
confiança pessoal perante Deus, e essa experiência interior de fé sendo certa
e nós mesmos vindo a estar bem com Deus (cf. o testemunho do Espírito,
Romanos 8.16) não podem ser adequadamente transmitidas em palavras.
No entanto, apelos a esse sentimento interior não constituem um argumento
que deverá persuadir os outros da veracidade do cristianismo.
Há uma importante diferença entre confiança e certeza,[14] assim como
há uma importante diferença entre aceitabilidade subjetiva e verdade
objetiva. Confiança é uma propriedade psicológica, um sentimento de
convicção de que uma proposição é verdadeira. Muitas pessoas, no entanto,
se sentem muito confiantes de coisas que se provam notoriamente falsas;
todavia, a confiança dos outros acaba sendo confiável. Assim, o melhor que
podemos dizer é que a presença de convicção psicológica não é um
indicador adequado de quem possui ou não a verdade. A certeza ─ em
oposição à confiança ─ é tecnicamente a propriedade de uma proposição
(ou conjunto de proposições), não de uma pessoa. A certeza de uma
proposição é a propriedade de que ela não pode deixar de ser verdadeira. A
verdade do cristianismo não é simplesmente uma qualidade autobiográfica,
dizendo-nos algo sobre a sua aceitabilidade por esta ou aquela pessoa
individual. O apologista defende a verdade objetiva da fé. Isto é, o
apologista mantém que a verdade dela tem uma natureza pública, aberta à
inspeção e independente do que alguém pensa ou sente sobre ela (positiva
ou negativamente).
Outra estrada baixa que alguns cristãos professos seguem em resposta às
objeções incrédulas à fé é a estrada do relativismo. Isso está, em muitos
casos, intimamente aliado ao subjetivismo, mas constitui um erro distinto
em si mesmo. O subjetivista suprime ou nega a natureza pública da verdade
cristã, mas ainda distingue a verdade do erro; ele acredita que o cristianismo
é verdadeiro ─ e baseia isso em sentimentos indisputados ─ e, por outro
lado, acredita que o ponto de vista não cristão é falso.
O relativismo, por outro lado, acredita que todas as crenças e convicções
(ou todas as crenças religiosas, seja como for) são condicionadas por
fatores culturais e preconceitos individuais de tal forma que não pode haver
qualquer verdade absoluta (não qualificada). Se o cristão proclama que
Deus é uma pessoa, mas os hindus ensinam que a realidade suprema é
impessoal, e se o cristão adverte que todos os homens responderão a Deus
pelos seus pecados um dia, mas o líder de alguma seita insiste que Deus
jamais puniria alguém por maldades cometidas ─ o relativista diria que
essas discordâncias não podem ser resolvidas. O que é “verdade para você”
não é necessariamente “verdade para mim”.[15] O relativismo é hipócrita
ou autocontraditório. Às vezes as pessoas agem com relativismo, mas não é
realmente como querem agir. Quando as coisas vão mal, elas querem
insistir que algumas coisas são absolutamente verdadeiras, embora outras
não o sejam ─ e, claro, elas serão julgadas conforme onde demarcarem a
linha, como se a verdade pudesse ser mera questão de conveniência
pessoal! Outras vezes as pessoas se contradizem ao insistir que
absolutamente não existe nenhuma verdade absoluta ─ fornecendo, assim,
no que dizem a própria base para rejeitar o que dizem.
O cristianismo não reivindica ser relativamente verdadeiro, mas absoluta
e universalmente verdadeiro. Além disso, como sistema religioso,
reivindica ser exclusivamente verdadeiro.[16] Isso é, naturalmente, bastante
ofensivo em uma era pluralista e democrática. “Todo mundo tem o direito
de acreditar no que quiser sobre Deus”, as pessoas irão nos lembrar. Mas
não é esse o ponto. O direito de acreditar em alguma coisa não traduz isso
em algo verdadeiro. Algumas perspectivas religiosas ensinam que há uma
variedade de formas de se chegar a Deus ou servi-lo (como pessoa ou
objeto) ─ muitos caminhos para o topo da montanha. O cristianismo não é
uma delas, no entanto. As abordagens ecléticas e variadas da religião
podem desejar incorporar o cristianismo entre as suas opções religiosas
(mais uma de muitas), mas pela sua própria natureza o cristianismo não
pode ser assimilado nas perspectivas delas. O cristianismo afirma que
somente Cristo é o Salvador divino, afirma que somente através dele
alguém pode estar bem com Deus e afirma que aquilo que nós cremos sobre
Deus está restrito ao que ele revela sobre si mesmo (excluindo assim a
imaginação humana).
“Saulo, porém, se esforçava muito mais, e confundia os judeus que habitavam em Damasco, provando que aquele era o Cristo” (Atos 9.22).
“Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los e, por três sábados, arrazoou com eles acerca das Escrituras” (Atos 17.2, ARA).
“Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos tementes a Deus, bem como [17] na praça principal, todos os dias, com aqueles que por ali se encontravam
[incluindo] alguns filósofos epicureus e estoicos…” (Atos 17.17-18, NVI).
“Durante três meses, Paulo frequentou a sinagoga, onde falava ousadamente, dissertando e persuadindo com respeito ao reino de Deus… [e mais tarde] passando a
discorrer diariamente na escola de Tirano” (Atos 19.8-9, ARA).
Deus, em sua Santa Palavra, revelou a falta de santidade dessa atitude. “Não
tentareis o Senhor vosso Deus” (Deuteronômio 6.16), conforme decretou
Moisés. Quando Satanás tentou Jesus para fazer isso ─ pressionar Deus a
oferecer prova da veracidade da sua palavra (como citada por Satanás) ─
Jesus repreendeu Satanás, “o acusador”, com essas mesmas palavras do
Antigo Testamento. Ele declarou: “Também está escrito: Não tentarás o
Senhor teu Deus” (Mateus 4.7). Não é a integridade, veracidade e
conhecimento de Deus que são de algum modo suspeitos, realmente, mas
sim aqueles que o acusam e exigem provas para satisfazer a sua própria
maneira de pensar ou viver.
Ao responder as objeções dos incrédulos, o apologista não deve perder de
vista essa profunda verdade. Compete a nós oferecer uma defesa
fundamentada ao incrédulo, lidando de uma forma honesta e detalhada com
as críticas que ele possa ter. A apologética cristã não é servida pelo
obscurantismo e por generalidades. Porém, ao mesmo tempo, nossos
argumentos apologéticos devem servir para demonstrar que o incrédulo não
tem nenhum fundamento intelectual sobre o qual pode manter oposição à
revelação de Deus. Nossa argumentação deve acabar mostrando que as
pressuposições (a cosmovisão) do incrédulo levariam consistentemente à
loucura e à destruição do conhecimento. Nesse caso, e dado o estilo de vida
pecaminoso do incrédulo, é o incrédulo realmente ─ e não Deus ─ quem
está afinal “no banco dos réus”, tanto epistemologicamente como
moralmente.
28. FERRAMENTAS DE APOLOGÉTICA
A Sagrada Escritura é para mim, e sempre o será, o guia constante do meu assentimento; e sempre atentarei para ela como contendo a verdade infalível em relação às
coisas que são do mais alto interesse… Onde possa eu querer a evidência das coisas, ali estará o fundamento suficiente para a minha crença, pois Deus o disse; e deixarei e
condenarei qualquer opinião minha tão logo me seja mostrado que ela é contrária a qualquer revelação da Sagrada Escritura. [21]
Conjectura preconceituosa
Muitas vezes vamos descobrir que os incrédulos, tanto instruídos como não
instruídos, tomam a ofensiva contra o cristianismo antes de terem se
familiarizado com o que estão falando. No lugar da pesquisa e da avaliação
honesta das evidências disponíveis sobre algum aspecto da Bíblia, muitos
incrédulos optam pela conjectura pessoal sobre o que lhes “parece
provável”.
Por exemplo, desde que a Bíblia foi supostamente escrita tantas centenas
de anos atrás, “parece provável” para muitos incrédulos que nós não
podemos confiar no texto da Bíblia que temos em nossas mãos hoje.
Certamente os escribas alteraram e suplementaram o texto original a tal
ponto que não podemos estar certos do que foi realmente escrito por
Moisés, Jeremias, João ou Paulo (se é que esses personagens realmente
foram os autores); até onde sabemos, o que lemos nas nossas Bíblias veio
da pena de algum monge da “idade das trevas”! Esse tipo de crítica
ignorante parece ser intelectualmente sofisticado para alguns incrédulos.
Afinal de contas, na nossa experiência humana natural, mensagens que são
passadas de um locutor para outro geralmente ficam truncadas, distorcidas
ou aumentadas, não é o mesmo?
Para os incrédulos que raciocinam dessa forma (sobre este ou muitos
outros assuntos relacionados à Bíblia), não devemos cansar de apontar que
eles estão se baseando na conjectura, não na pesquisa. Pode “parecer
provável” que o texto bíblico não seria mais confiável ou autêntico depois
de todos esses anos, mas essa “probabilidade” é uma avaliação que se
baseia no preconceito. O primeiro preconceito é a suposição de que o texto
bíblico não é diferente de qualquer outro documento escrito que
encontramos em nossa experiência humana natural ao longo da história ─ o
que, claro, é uma petição de princípio no próprio fundamento daquilo que o
crente e o incrédulo estão argumentando! Se a Bíblia é, como ela afirma, a
palavra inspirada do Deus Todo-Poderoso, a história da sua transmissão
textual pode muito bem ser totalmente diferente da de outros documentos
humanos, já que Deus teria ordenado que seu texto fosse preservado com
maior integridade do que o texto dos livros comuns.
A segunda indicação de preconceito é que o incrédulo não oferece
qualquer evidência concreta de que (digamos) algum monge medieval
adulterou o texto antes de nós hoje. Esse tipo de observação é simples e
arbitrariamente levantado como uma hipótese que deve ser endossada pela
sua “probabilidade” em vez de suas credenciais empíricas. Claro, se
queremos seguir por esse caminho, poderíamos ─ com igual arbitrariedade
─ conjecturar que as palavras que nos chegaram como sendo de Paulo
foram na verdade escritas não anos depois, mas anos antes da época de
Paulo! A arbitrariedade é um amigo volúvel do estudioso. Livres de
qualquer demanda por evidência, poderíamos acreditar em qualquer número
de coisas conflitantes.
A terceira indicação de preconceito na crítica do incrédulo é que ele não
leva em conta a evidência real que está publicamente disponível sobre o
texto da Escritura. Se o crítico tivesse separado um tempo para considerar
esse aspecto, não teria feito a estranha avaliação de que o texto bíblico não
é confiável. Isso me influenciou sobremaneira após ter feito um curso
avançado sobre Platão na pós-graduação, um curso que levou em conta a
crítica textual do corpo literário das obras de Platão. Nosso mais antigo
manuscrito existente de uma obra de Platão data bem antes de 900 D. C.
(“Oxford B”, encontrado num monastério de Patmos por E. B. Clarke), e
devemos lembrar que Platão é pensado como tendo escrito cerca de 350
anos antes de Cristo ─ deixando-nos assim com uma diferença de mais de
doze séculos. Por contraste, os primeiros fragmentos do Novo Testamento
datam menos de 50 anos após a escrita original; a maior parte dos nossos
manuscritos existentes mais importantes remontam a 200-300 anos após a
composição original. O texto do Novo Testamento é notavelmente uniforme
e bem estabelecido. A confiabilidade do texto do Antigo Testamento foi
demonstrada pela descoberta dos Manuscritos do Mar Morto.
A precisão e autenticidade geral do texto bíblico é bem conhecida dos
estudiosos. Frederick Kenyon concluiu: “O cristão pode tomar a Bíblia
inteira em suas mãos e dizer sem medo ou hesitação que defende estar nela
a verdadeira Palavra de Deus, transmitida sem nenhuma perda essencial de
geração a geração, ao longo dos séculos”.[26] Avaliações como essa de
estudiosos competentes poderiam ser facilmente multiplicadas ─ o que
apenas acaba mostrando o preconceito que opera no pensamento dos
incrédulos que descuidadamente criticam a Bíblia por “muito
provavelmente” ter um texto duvidoso.
Quando defendemos a nossa fé cristã, então, devemos estar
constantemente atentos com a forma como o raciocínio dos incrédulos
repousa sobre a conjectura preconceituosa. Ele surge repetidamente. Já ouvi
até mesmo algumas pessoas vociferarem a opinião radical de que “nós não
temos nenhuma base histórica ou literária para acreditar que Jesus até
mesmo existiu”! Você consegue identificar as indicações óbvias de
preconceito aqui? Essa crítica simplesmente toma como certo que a Bíblia
mesma não deve ser tomada, de nenhuma forma, como uma fonte literária
de informação histórica ─ contrariando a prática geral de até mesmo
historiadores incrédulos do mundo antigo. Ademais, essa crítica não mostra
familiaridade com as alusões seculares a Jesus na literatura antiga ─ como a
referência feita pelo historiador romano Tácito a “Christus” que sofreu “a
penalidade extrema… nas mãos de um de nossos procuradores, Pôncio
Pilatos” (Anais 15.44), ou a referência do historiador judeu Josefo a Tiago
“o irmão de Jesus, que é chamado Cristo” (Antiguidades 20:9), etc. Críticas
como essa acabam normalmente nos dizendo mais sobre o crítico (por ex.,
seus preconceitos, o que ele não está lendo) do que sobre o objeto da sua
crítica.
Houve uma época em que os críticos ridicularizavam o Antigo
Testamento por ele mencionar uma tribo de pessoas, os hititas, que (ainda)
era desconhecida fora da Bíblia; essas falhas presumidas no registro bíblico
eram consideradas uma razão para torná-lo inútil como um documento
histórico ─ até que monumentos e artefatos hititas começaram a ser
descobertos por aí ─ Archemish por arqueólogos, começando em 1871. A
civilização hitita é hoje uma das culturas mais bem conhecidas do mundo
antigo!
A arqueologia tem vez após vez provado ser inimiga dos críticos da
Bíblia, desenterrando seus preconceitos negativos e confirmando a precisão
das Escrituras em particularidades históricas. H. M. Orlinsky escreveu:
“Cada vez mais a antiga visão de que os dados bíblicos eram suspeitos e até prováveis de serem falsos, a não ser que corroborados por fatos extrabíblicos, está dando lugar
a uma visão que sustenta que, em geral, os relatos bíblicos são mais prováveis de serem verdadeiros do que falsos…” [27]
[28]
Pecados intelectuais-chave
A primeira ferramenta de raciocínio apologético que temos considerado é a
de apontar para a conjectura preconceituosa em que os incrédulos
facilmente caem quando procuram uma maneira de questionar a verdade do
cristianismo. Uma segunda ferramenta a ser usada na apologética é expor a
predisposição filosófica indisputada que está geralmente embalada na
crítica gerada pelos incrédulos.
Ao utilizar artifícios como esses, o apologista procura desvelar as
“pressuposições” do incrédulo que determinam (involuntariamente ou às
vezes conscientemente) as conclusões que ele irá alcançar. Estamos
constantemente à procura de suposições cruciais e indisputadas.
Em outros momentos o apologista terá de desafiar não simplesmente a
natureza das pressuposições do incrédulo, mas o fato de que essas
pressuposições são arbitrárias ou inconsistentes. Na verdade, esses são
precisamente os dois pecados-chave para qualquer estudioso: a
arbitrariedade no seu pensamento ou a incoerência entre diferentes aspectos
do seu pensamento (e da sua viva). Os defensores da fé jamais devem se
cansar de apontar isso.
Se as pessoas são autorizadas a acreditar simplesmente em qualquer coisa
que quiserem com base na pura conveniência, tradição ou preconceito, elas
abandonaram o curso da racionalidade, que exige ter uma boa razão para as
coisas em que acreditamos e fazemos. Por outro lado, se as pessoas são
autorizadas a afirmar (ou a confiar em) certas premissas, só para mais tarde
abandonar ou contradizer essas mesmas premissas, elas violaram as
exigências fundamentais do raciocínio sólido. Em ambos os casos o
pensamento e as crenças de uma pessoa se tornam imprevisíveis e não
confiáveis.
Recapitulação
Deus não foi “parcimonioso” na sua provisão a nós de uma variedade de
ferramentas eficazes para responder às críticas dos incrédulos e refutar as
alegações das suas cosmovisões conflitantes. Ao lidar com o incrédulo, o
cristão deve estar alerta para apontar, no crítico, (1) suas conjecturas
preconceituosas, (2) sua predisposição filosófica indisputada, (3)
pressuposições que não são compatíveis umas com as outras, (4) falácias
lógicas, e
(5) o comportamento que trai suas crenças declaradas.
Ao fazer isso, realizamos uma das tarefas-chave da apologética:
refutar desafios e oferecer uma crítica interna da posição a partir da qual
essas críticas surgem.
29. APOLOGÉTICA NA PRÁTICA
Revisão
Vamos resumir o que foi dito até agora sobre a forma de abordar a tarefa da
apologética.
1. Engajar-se na apologética é uma necessidade moral para todos os
crentes; nós devemos estar “sempre preparados” para oferecer uma
resposta para a esperança que há em nós (1 Pedro 3.15); 2. Para evitar
mal-entendidos, apontamos que a apologética não é: (a) pugnaz,
(b) uma questão de persuasão ou (c) baseada numa autoridade última
diferente da teologia.
3. Para o cristão, a “razão” deve ser usada como uma ferramenta, não
como a autoridade última, em nosso pensamento.
4. Nossa reivindicação ante o mundo é que os crentes “sabem” que a
Bíblia é verdadeira ─ nós temos uma justificação adequada para
acreditar nas suas reivindicações.
5. O conflito entre crentes e incrédulos está em última análise nas suas
diferentes cosmovisões ─ estruturas de pressuposições em termos das
quais toda experiência é interpretada e o raciocínio guiado.
6. Consequentemente, precisamos argumentar a partir da
“impossibilidade do contrário”, mostrando que somente o cristianismo
fornece as precondições de inteligibilidade para o raciocínio e a
experiência do homem. Se o cristianismo não fosse verdadeiro, o
incrédulo não poderia provar ou entender nada.
7. Os incrédulos são autoenganados: eles conhecem a verdade sobre
Deus, mas a suprimem (racionalizando a evidência clara dentro e ao
redor deles).
8. O verdadeiro réu, intelectualmente e moralmente, é o incrédulo ─
não Deus.
9. Há uma grande variedade de diferentes tipos de ataques contra o
cristianismo, e eles não podem ser tratados adequadamente por defesas
que repousem no: (a) subjetivismo, (b) relativismo ou (c) ecletismo.
10. O apologista deve usar a argumentação. A argumentação
santificada não precisa ser contenciosa; descobrimos que a
argumentação santificada com os incrédulos é justificada pelo exemplo
bíblico.
11. Uma argumentação afirma a verdade de uma proposição com base
na de outras.
12. A racionalidade na argumentação é mais ampla do que
simplesmente usar as regras de dedução silogística.
13. Deus quer que dominemos as ferramentas da racionalidade na
defesa da fé. Nossa tarefa é refutar os desafios dos incrédulos e
oferecer uma crítica interna da posição a partir da qual esses desafios
surgem.
14. Os dois pecados intelectuais-chave que são cometidos pelas
pessoas são: (a) inconsistência e (b) arbitrariedade.
15. Ao lidar com o incrédulo, o cristão deve estar alerta para apontar,
no crítico, (a) suas conjecturas preconceituosas, (b) sua predisposição
filosófica indisputada, (c) pressuposições que não são compatíveis
umas com as outras, (d) falácias lógicas e o comportamento que trai
suas crenças declaradas.
Por que Russell disse que não poderia ser cristão O ensaio “Por que não
sou cristão” é o texto de uma palestra que Russell realizou na Sociedade
Secular Nacional em Londres em 6 de março de 1927. É justo reconhecer,
como Russell comentou, que restrições de tempo o impediram de entrar em
grandes detalhes ou dizer tanto quanto gostaria sobre as questões que ele
levantou na palestra. No entanto, o que ele disse já é bastante suficiente
para encontrarmos falhas.
Em termos gerais, Russell argumentou que não poderia ser cristão
porque: (1) a Igreja Católica Romana está enganada ao dizer que a
existência de Deus pode ser provada pela razão pura; (2) defeitos sérios no
caráter e ensino de Jesus mostram que ele não era o melhor e mais sábios
dos homens, mas de fato moralmente inferior a Buda e Sócrates; (3) as
pessoas aceitam a religião por motivos emocionais, particularmente com
base no medo, o que “não é digno de seres humanos que se respeitam”; e
que a religião cristã “foi e ainda é o principal inimigo do progresso moral
no mundo”.
“Razão pura”
Na primeira razão dada por Russell para o porquê de não ser cristão, ele
aludiu ao dogma da Igreja Católica Romana de que “a existência de Deus
pode ser provada pela razão pura”.[33] Ele então se volta para alguns dos
argumentos mais populares apresentados para a existência de Deus que
estão (supostamente) baseados nessa “razão pura” e facilmente descobre
serem insatisfatórios. Não é necessário dizer, claro, que Russell pensava
estar derrotando esses argumentos de razão pura por meio da sua própria
razão pura (superior). Russell não discordava de Roma em que o homem
pode provar coisas com a sua “razão natural” (à parte da obra sobrenatural
da graça). De fato, ao final da sua palestra, ele conclamou seus ouvintes a
“uma perspectiva destemida e inteligência livre”. Russell simplesmente
discordava que a razão pura levasse alguém a Deus. De diferentes formas, e
com diferentes conclusões finais, tanto a Igreja Romana como Russell
encorajavam os homens a exercerem sua capacidade de raciocínio
autonomamente ─ à parte do fundamento e das restrições da revelação
divina.
O apologista cristão não deve deixar de expor esse compromisso com a
“razão pura” por conta da predisposição filosófica indisputada que isso
representa. Ao longo de sua palestra, Russell simplesmente toma como
certo que a razão autônoma permite ao homem saber coisas. Ele fala
livremente do seu “conhecimento do que os átomos realmente fazem”, do
que “a ciência pode nos ensinar” e de “certas falácias bem definidas”
cometidas em argumentos cristãos, etc. Mas isso simplesmente não é
aceitável. Como filósofo, Russell deu a si mesmo um passe livre; ele
hipocritamente deixou de ser tão autocrítico no seu raciocínio quanto rogou
que os outros o fossem consigo mesmos.
O problema persistente que Russell simplesmente não enfrentou é que,
com base no raciocínio autônomo, o homem não pode dar uma explicação
adequada e racional do conhecimento que adquirimos através da ciência e
da lógica. O procedimento científico assume que o mundo natural opera de
maneira uniforme, em cujo caso nosso conhecimento observacional de
casos passados fornece uma base para predizer o que vai acontecer em
casos futuros. No entanto, a razão autônoma não tem base alguma para
acreditar que o mundo natural irá operar de maneira uniforme. O próprio
Russell afirmou (às vezes) que este é um Universo do acaso. Ele jamais
poderia reconciliar essa visão da natureza sendo aleatória com sua visão de
que a natureza é uniforme (como a “ciência” pode nos ensinar”).
Assim acontece com o conhecimento e uso das leis da lógica (em termos
das quais Russell definitivamente insistiu que as falácias devem ser
evitadas). As leis da lógica não são objetos físicos no mundo natural; elas
não são observadas pelos sentidos do homem. Além do mais, as leis da
lógica são universais e imutáveis ─ ou do contrário elas se reduzem a
preferências relativistas para o pensamento em vez de requisitos
prescritivos. No entanto, o raciocínio autônomo de Russell não poderia
explicar ou justificar essas características das leis lógicas. A razão pura de
um indivíduo está limitada ao escopo do uso e das experiências dela, em
cujo caso ela não pode se pronunciar sobre o que é universalmente
verdadeiro (descritivamente). Por outro lado, a razão pura de um indivíduo
não está em nenhuma posição de ditar (prescritivamente) leis universais do
pensamento ou nos assegurar de que essas estipulações para a mente se
provarão de alguma forma aplicáveis ao mundo do pensamento ou da
matéria fora da mente do indivíduo.[34]
A cosmovisão de Russell, mesmo à parte das suas tensões internas, não
poderia fornecer um fundamento para a inteligibilidade da ciência ou da
lógica. A razão “pura” de Russell não poderia justificar o conhecimento que
os homens prontamente ganham no Universo de Deus, um Universo
soberanamente controlado (e por isso uniforme) e interpretado à luz da
mente revelada do Criador (e por isso existem leis imateriais do pensamento
que são universais).
Conjectura preconceituosa e falácias lógicas Devemos notar, por fim, que
a posição de Russell contra ser cristão está sujeita à crítica por causa de sua
dependência da conjectura preconceituosa e de falácias lógicas. Sendo esse
o caso, não se pode pensar que Russell demonstrou suas conclusões ou deu
uma boa razão para a sua rejeição do cristianismo.
É de espantar, por exemplo, que o mesmo Russell que poderia ser cheio
de escárnio com cristãos do passado por causa da ignorância e falta de
erudição deles poderia sair a dizer algo tão ignorante e impreciso como isto:
“Historicamente é bastante duvidoso que Cristo tenha mesmo existido, e se
de fato existiu, não sabemos nada sobre ele”. Mesmo ignorando as
referências seculares a Cristo no mundo antigo, a observação de Russell
simplesmente ignora os documentos do Novo Testamento como
testemunhos iniciais e autênticos da pessoa histórica de Jesus. Dada a
relativa pouca idade desses documentos e o número relativamente grande
deles, se Russell “duvidava” da existência de Jesus Cristo, ele deve ou ter
aplicado um evidente padrão duplo em seu raciocínio histórico, ou sido um
agnóstico sobre virtualmente toda a história antiga. Qualquer que seja o
caso, obtemos uma percepção da natureza preconceituosa do pensamento de
Russell quando se tratava de considerar a religião cristã.
Talvez a falácia lógica mais óbvia na palestra de Russell aparece na
forma como ele prontamente se desloca de uma avaliação das crenças
cristãs para uma crítica aos crentes cristãos. E ele deve ter sabido mais.
Bem no início da sua palestra, Russell disse: “Por cristão, não me refiro a
qualquer pessoa que tente viver de maneira decente e de acordo com sua
ótica. Acho que você deve ter certa quantidade de crenças definidas antes
de se achar no direito de se chamar cristão”. Isto é, o objeto da crítica de
Russell deveria ser, pelo próprio testemunho de Russell, não o estilo de vida
dos indivíduos, mas as reivindicações doutrinárias que são essenciais para o
cristianismo como um sistema de pensamento. A abertura da sua palestra
foca na sua insatisfação com essas crenças (a existência de Deus, a
imortalidade, Cristo como o melhor dos homens).
No entanto, mais para o final da sua palestra, a discussão de Russell faz
uma inflexão para falaciosamente argumentar contra os defeitos pessoais
dos cristãos (impingir regras restritivas contrárias à felicidade humana) e a
suposta gênese psicológica das suas crenças (na emoção e no medo). Isto é,
ele cede à falácia de argumentar ad hominem. Ainda se o que Russel tivesse
a dizer nessas questões fosse justo e preciso (não é), permaneceria o fato de
que Russell desceu para o nível de argumentar contra uma reivindicação de
verdade com base em seu desgosto pessoal e psicologização daqueles que
pessoalmente professam essa reivindicação. Em outros cenários, Russell o
filósofo teria sido o primeiro a criticar um estudante por fazer algo assim.
Isso não é nada menos que uma falácia lógica vergonhosa.
Observe brevemente outros defeitos na linha de pensamento de Russell
aqui. Ele presumiu saber a motivação de uma pessoa em se tornar cristã ─
muito embora a epistemologia de Russell não desse a ele nenhuma garantia
para achar que poderia discernir essas coisas (sobretudo com facilidade e à
distância). Ademais, Russell presumiu saber a motivação de toda uma
classe de pessoas (incluindo aquelas que viveram há muito tempo) baseado
numa amostra muito, muito pequena da sua própria experiência atual. Essas
são pouco mais do que generalizações precipitadas e infundadas que só nos
falam (se mesmo isso) do estado de mente e dos sentimentos de Russell na
sua antipatia óbvia e emocional com os cristãos.
Mas então isso nos deixa face a face com uma falácia final e devastadora
no argumento de Russell contra o cristianismo ─ o uso de padrões duplos (e
de alegação especial implícita) no seu raciocínio. Russell queria criticar os
cristãos pelo fator emocional em seu compromisso de fé, e, no entanto, o
próprio Russell evidenciava um fator emocional semelhante em seu próprio
compromisso pessoal anticristão. Na verdade, Russell abertamente apelou
aos sentimentos emocionais de coragem, orgulho, liberdade e autoestima
como base para a sua audiência evitar de ser cristã!
Da mesma forma, Russell tentou repreender os cristãos pela sua
“perversidade” (como se pudesse existir algo assim dentro da cosmovisão
de Russell) ─ pela sua crueldade, guerras, inquisições, etc. Russell não
parou nem um momento, no entanto, para refletir na violência e crueldade
muito maiores cometidas por não cristãos ao longo da história. Gengis
Khan, Vlad o Empalador, Marquês de Sade e toda uma hoste de outros
açougueiros não eram conhecidos na história por sua profissão cristã, afinal
de contas! Isso é tudo convenientemente varrido para debaixo do tapete no
desdém hipócrita de Russell pelos erros morais da igreja cristã.
O ensaio de Russell “Por que não sou cristão” nos revela que até mesmo
a elite intelectual deste mundo é refutada pelos seus próprios erros na
oposição à verdade da fé cristã. Não há credibilidade num desafio ao
cristianismo que evidencie conjectura preconceituosa, falácias lógicas,
predisposição filosófica indisputada, um comportamento que traia crenças
declaradas e pressuposições que não são compatíveis umas com as outras.
Por que Russel não foi cristão? Dado o seu esforço fraco nas críticas,
teríamos de concluir que não foi por razões intelectuais.
30. O PROBLEMA DO MAL
Motivações puras?
Seria proveitoso fazer uma pausa e refletir sobre um comentário perspicaz
feito por um autor recente na área da metafísica filosófica. W. H. Walsh
escreveu: “Devemos reconhecer que a reação contra [a metafísica] tem
sido… de fato tão violenta a ponto de sugerir que as questões envolvidas na
controvérsia devem ser algo mais do que acadêmicas”.[42] Precisamente.
As questões são de fato mais do que acadêmicas. São uma questão de vida e
morte ─ vida e morte eternas. Cristo disse: “E a vida eterna é esta: que te
conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste” (João 17.3). No entanto, se o incrédulo pode permanecer na
alegação de que esse Deus não pode ser conhecido porque nada que
transcenda o físico (nada “metafísico”) pode ser conhecido, a questão do
destino eterno não é levantada. Os homens, assim, podem pensar e agir
como querem, sem se distrair com questões sobre a sua natureza e destino.
Os homens vão, por assim dizer, construir um telhado sobre a sua cabeça
na esperança de manter do lado de fora qualquer revelação inquietante de
um Deus transcendente. A perspectiva antimetafísica da era moderna
funciona simplesmente como um telhado ideológico protetor para o
incrédulo. O fato é que não se pode evitar os compromissos metafísicos. A
própria negação da possibilidade de o conhecimento transcender a
experiência é em si mesma um julgamento metafísico. Assim, a questão não
é se devemos ter crenças metafísicas, mas sim, em última análise, qual tipo
de metafísica devemos afirmar. Ao considerar essa questão, lembre-se da
observação franca de Friedrich Nietzsche:
O que nos incita a olhar todos os filósofos de uma só vez, com desconfiança, e troça, é… [que] eles todos reagem como se tivessem descoberto e alcançado suas opiniões
reais através do autodesenvolvimento de uma dialética pura, fria e indiferente com o divino…; quando no fundo essa é apenas uma suposição, um palpite, na verdade um
tipo de “inspiração” ─ mais frequentemente um desejo do coração que foi filtrado e tornado abstrato ─ que eles defendem com razões que buscaram após o fato. São todos
defensores [advogados pagos] que se ressentem desse nome, e na maior parte das vezes porta-vozes astutos dos seus preconceitos que batizaram como “verdades”…
Gradualmente se tornou claro para mim o que toda grande filosofia tem sido: a saber, a confissão pessoal do seu autor e uma espécie de livro de memórias involuntário e
[43]
inconsciente; também, que as intenções morais (ou imorais) em toda filosofia constituem o germe real da vida a partir do qual toda a planta cresceu.
De acordo com uma antiga anedota, “Fé é acreditar no que você sabe que
não é verdade”. Não é difícil ver por que algo assim seria dito. A tendência
para as pessoas ─ quer acreditem em afirmações fantásticas sobre visitantes
extraterrestres, quer acreditem em alegações patéticas sobre a honra de um
político desacreditado ─ que tenham evidências ou argumentos escassos
para apoiar suas convicções pessoais é facilmente ceder à afirmação de que
elas “simplesmente têm fé” de que o que acreditam é verdade,[44] mesmo
havendo, para outros, muito boas razões para não acreditar nisso. As
pessoas deveriam saber que o que elas dizem não é verdade, mas mesmo
assim persistem em acreditar nisso ─ em nome da “fé”.
Essa concepção da fé como um compromisso pessoal cego é um dos
principais obstáculos que se colocam no caminho dos incrédulos quando se
trata de dar um ouvido honesto ao cristianismo. Eles têm uma dificuldade
feroz e fundamental de se tornar cristãos porque, eles imaginam, a fé
religiosa os obriga a sacrificar a razão completamente e a confiar cegamente
em alguma pretensa revelação de maneira arbitrária, sem discernimento.
No seu “Dicionário de Filosofia”, Peter Angeles oferece duas definições
de “fé”, entre outras: “crença em algo apesar da evidência em contrário” e
“crença em algo mesmo na falta de evidência”.[45] Dado qualquer um
desses entendimentos populares do termo ─ pelos quais o que o cristão
chama de “fé” é concebido como contrário à razão, ou pelo menos sem
razões ─, o cristianismo aparenta ser bastante racional. “Fé” se torna um
chavão para o ato de colocar seu intelecto em confusão, suspender uma
atitude cautelosa e crítica para com as coisas e fazer um compromisso
pessoal sem evidência sólida.
“Sem suposições” não faz sentido A atitude que finge que não deve haver
nenhum elemento dentro do compromisso cristão que não tenha sido
provado de maneira independente é ilustrada pela declaração de C. Gore:
“Parece-me que o caminho certo para quem não pode aceitar a mera voz da
autoridade, mas sente a obrigação imperativa de ‘enfrentar os argumentos’ e
pensar de maneira livre é começar do início e ver até onde pode reconstruir
suas crenças religiosas passo a passo sobre um fundamento seguro, na
medida do possível sem quaisquer suposições preliminares…”.[51] Aqui
nos é dito que devemos examinar as hipóteses religiosas desde o início sem
suposições preliminares ─ sem pressuposições.
Claro, isso é literalmente impossível. Não pode ser feita uma
demonstração completa de cada uma de nossas crenças por meio de outras
crenças independentes. Quando eu demonstro a verdade de que o gelo
derrete à temperatura ambiente, faço uso de certos padrões e procedimentos
de demonstração. Mas pode ser feita a pergunta se escolhi os critérios
corretos para usar na demonstração da minha conclusão. Além disso, posso
ter eu certeza de que usei corretamente os padrões e procedimentos
escolhidos? Para prosseguir “sem suposições”, eu precisaria demonstrar que
meus métodos de demonstração são os corretos e que minha execução
desses métodos foi impecável. Mas isso exigirá uma argumentação ou
prova adicional sobre a prova usada para a veracidade e validade da minha
demonstração original. E assim por diante seguiríamos.
Se nenhum ponto de partida pode ser assumido numa demonstração,
nenhuma demonstração pode iniciar ─ ou terminar, dependendo de como
você olha para isso.
Se um incrédulo considera o cristianismo irracional pelo simples fato de
este permitir que algo seja aceito sem uma demonstração independente, o
incrédulo em questão é irrealista e deve ser pressionado para ver que ele
acaba refutando a si mesmo (não simplesmente os cristãos) nos termos
desses valores e exigências. Assim, a atitude incrédula dele é que acaba por
ser a verdadeira atitude irracional, pois inconsistentemente requer algo dos
seus oponentes que ela mesma não está em condições de oferecer. Uma
atitude como essa torna impossível o conhecimento do que quer que seja
para criaturas finitas e falhas ─ e se mostra assim supremamente irracional.
O que vale para um, vale para o outro No entanto, como se verifica, o
efeito de aplicar o princípio da verificação de significabilidade foi muito
diferente do que os positivistas lógicos tinham previsto e pretendido. O
resultado de aplicar o critério da verificação de forma generalizada foi, na
verdade, mais do que constrangedor para os críticos da linguagem religiosa.
Como você pode ver, o positivista lógico ─ assim como o cristão ─ tem
uma visão particular do mundo, do homem e da realidade como um todo. E
essa perspectiva leva o positivista lógico ─ assim como o cristão ─ a
endossar e seguir certos padrões ou regras para o raciocínio e
comportamento humanos. Para o positivista lógico, não existe uma
realidade sobrenatural, e o homem é só mais um componente aleatório do
mundo físico (embora incrivelmente ─ quase miraculosamente! ─
complexo). Dada essa perspectiva, os homens são obrigados a viver e a
falar de certa maneira. Falar sobre pessoas, coisas ou eventos que
transcendam o mundo físico deve ser proibido; essa fala não deve sequer
ser aceita como significativa.
Por outro lado, o cristão ─ como temos indicado ─ também tem
convicções sobre a natureza da realidade (por ex., Deus é um espírito que
criou o mundo) em termos das quais os homens são obrigados a viver e a
falar de certa maneira (por ex., oferecendo louvor ao seu Criador por todas
coisas, não falando como se existisse algo mais certo ou autoritativo do que
o Criador, etc.).
Em suma, tanto o positivista lógico como o cristão têm cosmovisões.
Ora, seria possível o princípio da verificação desqualificar a
significabilidade da cosmovisão do cristão como uma cosmovisão e não
danificar igualmente a cosmovisão do positivista como também uma
cosmovisão? De modo nenhum. Por mais estritamente empírico que o
positivista lógico possa querer ser (em relação estreita com os detalhes
observacionais), até ele não pode deixar de usar noções filosóficas ou
princípios abstratos em seu raciocínio e teorização.
O componente-chave no desafio verificacionista à linguagem religiosa
era naturalmente o princípio da verificação em si. Esse padrão ou regra era
crucial para a cosmovisão do positivista lógico. Consequentemente, o
apologista cristão deve perguntar se o princípio da verificação em si é ou
(1) uma verdade trivial da lógica e semântica, ou (2) uma sentença que pode
ser confirmada empiricamente. Claramente, a resposta é não para ambas as
opções ─ em cujo caso, o desafio verificacionista ao cristianismo mina a si
mesmo (se é que mina alguma coisa).
Essa resposta ao princípio da verificação, usado como uma arma contra a
linguagem religiosa e a inteligibilidade do cristianismo em particular, revela
que o verificacionismo não era nada mais que uma racionalização do
preconceito religioso. E esse preconceito contra o falar de Deus era tão
escancaradamente tolo que se autodestruiu; ele descartou sua própria
significabilidade ao longo do caminho.
Era uma vez dois exploradores que chegaram a uma clareira na floresta. Na clareira estavam crescendo muitas flores e ervas daninhas. Um dos exploradores diz: “Algum
jardineiro deve estar cuidado desse terreno”. O outro discorda: “Não há nenhum jardineiro”. Então eles montaram suas barracas e ajustaram o relógio. Nenhum jardineiro
é alguma vez visto. “Mas talvez seja um jardineiro invisível”. Então instalam uma cerca de arame farpado. Eles a eletrificam. Patrulham com sabujos… Mas nenhum grito
a sugerir que algum intruso recebeu um choque. Nenhum movimento da cerca a trair algum alpinista invisível. Os sabujos nunca latem. Mesmo assim o crente não está
convencido. “Mas há um jardineiro invisível, intangível, insensível a choques elétricos, um jardineiro que não tem odor e não faz som, um jardineiro que vem
secretamente para cuidar do jardim que ele ama”. Então o cético perde a paciência: “Mas o que resta da sua afirmação original? De que modo o que você chama de um
[63]
jardineiro invisível, intangível, eternamente imperceptível difere de um jardineiro imaginário ou mesmo de nenhum jardineiro?
Tendo contado a história, Flew segue seu comentário fazendo uma forte
crítica à linguagem religiosa: alguém pode dissipar a afirmação dele
completamente sem perceber que ele fez isso. Alguém pode acabar por
dissipar sua afirmação completamente sem sequer perceber que o fez. Uma
hipótese audaciosa pode, então, ser destruída pouco a pouco, uma morte por
mil qualificações.
E é nisso que, parece-me, está o perigo peculiar, o mal endêmico, da declaração teológica… Pois se a declaração é de fato uma afirmação, ela será necessariamente
equivalente a uma negação da negação dessa afirmação. E qualquer coisa que pese contra a afirmação ou que induza o orador a retirá-la e admitir que ela estava
equivocada precisa ser parte (ou o todo) do significado da negação dessa afirmação… E se não há nada que uma suposta afirmação negue, não há nada que ela também
[64]
afirme: sendo assim, ela não é realmente uma afirmação.
afirmação original? De que modo essa miragem, como você a chama, difere de um jardineiro real?”. [69]
Fé vs. fé
Mui simplesmente, de acordo com o testemunho bíblico, “o Senhor Deus
Todo-Poderoso reina” (Apocalipse 19.6). Portanto, nos termos da
cosmovisão cristã, não há nada “muito difícil” para Deus fazer de acordo
com a sua própria vontade santa (Gênesis 18.14). Por causa de quem ele é,
“a Deus tudo é possível” (Mateus 19.26; cf. Marcos 14.36). Nada pode
estorvar sua mão ou impedi-lo de realizar o que ele deseja.
Agora, então, se esse Deus retratado nas páginas da Bíblia realmente
existe, seria absurdo tentar descartar a possibilidade dos milagres. Deus
poderia realizar qualquer coisa ─ da divisão do Mar Vermelho à
ressurreição dos mortos. É importante ter isso em mente quando
encontramos incrédulos que confiantemente rejeitam o cristianismo e
ridicularizam sua credibilidade com base nas suas afirmações fantásticas
sobre os milagres que ocorreram na história. Declarar de antemão que os
milagres narrados na Bíblia não ocorreram porque tais milagres não
poderiam ocorrer e, “portanto”, que o cristianismo é falso, é simplesmente
incorrer na “petição de princípio” que separa os crentes dos incrédulos. É
tomar como certo o que o incrédulo precisa provar ─ que a cosmovisão
cristã não é verdadeira.
Assim, como você percebe, dada a ridicularização comumente feita pelos
incrédulos sobre a incredibilidade dos milagres, o alegado problema com
esses eventos se resume aos preconceitos pessoais do incrédulo disfarçados
de “racionalidade moderna”. O incrédulo que impetuosamente e
retoricamente pede “mostre como alguém com uma educação moderna
poderia acreditar em milagres”, repudiando assim a respeitabilidade
intelectual do cristianismo, está, a partir de uma análise, afirmando não
mais do que isto: “A menos que a cosmovisão cristã seja verdadeira, a
presença de reivindicações de milagre na Bíblia é evidência de que a
cosmovisão cristã não é verdadeira”. Que coisa banal.
O que geralmente descobrimos, então, é que os incrédulos que rejeitam
os relatos de milagre na Bíblia estão simplesmente dando expressão aos
seus próprios preconceitos filosóficos ─ seu compromisso pressuposicional
com um entendimento exclusivamente naturalista do mundo em que
vivemos. Esse pré-compromisso filosófico hostil não foi demonstrado como
verdadeiro, mas simplesmente assumido de uma forma acrítica.
A natureza pressuposicional da disputa sobre os milagres se torna muito
clara quando paramos e analisamos o que queremos dizer ao falar de um
“milagre”.
O conceito do “milagroso”
[1] “Sempre prontos”, na versão bíblica usada pelo autor. [N. do T.]
[2] Isso é algo reconhecido até mesmo por muitos dos oponentes teológicos do Dr. Bahnsen. Poucos, se mesmo algum, se lhe igualavam quando se tratava de acuidade intelectual
e habilidades de debate. Um exemplo perfeito das suas habilidades apologéticas pode ser testemunhado no seu famoso debate na Universidade da Califórnia, Irvine, em 1985, com o
promotor do ateísmo Dr. Gordon Stein.
[3] “Apologética pressuposicional” é uma escola distinta de método apologético, colocando-se em oposição aos métodos “clássico” (tomista) e fideísta. Este livro é uma
explicação e aplicação do método apologético pressuposicional.
[4] Na versão traduzida do autor, “para que ninguém vos roube, …”. [N. do T.]
[5] Conforme o original. As traduções da Bíblia em português trazem “Em verdade, em verdade te digo…” (ARA), “"Digo-lhe a verdade" (NVI), entre outras. [N. do T.]
[6] “Epistemologia” se refere à teoria de conhecimento (sua natureza, fontes, limites) de uma pessoa. Quando perguntamos “Como você sabe que isso é verdade?” (ou “Como
você poderia justificar essa afirmação?”), estamos fazendo uma pergunta epistemológica.
[7] Diz-se que o que quer que se origine além da experiência temporal do homem ou exceda essa experiência finita “transcende” o homem.
[8] Essa visão também é imprecisa e ingênua no tocante à experiência comum e à prática da ciência, mas este não é o lugar para entrar numa longa e detalhada discussão da
natureza teoricamente impregnada de todo conhecimento humano. Observar que “há uma rosa no jardim” implica em si mesmo pressupor uma série de outras crenças que são de
natureza teorética e não observacional.
[9] “Empírico” é um termo aplicado a aquilo que é conhecido pela experiência, observação ou percepção sensorial. O “empirismo” como escola de pensamento ousadamente
reivindica que todo o conhecimento do homem depende de meios empíricos.
[10] Perceberemos isso se prestarmos atenção à história registrada na Bíblia. Os israelitas viram milagres em primeira mão no deserto, mas mesmo assim duvidaram de Deus e o
desobedeceram. Os líderes judeus viram Jesus ressuscitar Lázaro dentre os mortos e como resposta conspiraram matar Jesus! Eles pagaram os soldados para mentir sobre a própria
ressurreição do Senhor! O Senhor nos deu uma abundância de evidência empírica da veracidade dele, mas a forma como a evidência é tratada é determinada por compromissos e
crenças mais fundamentais na vida de uma pessoa. “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos (Lucas
16.31, ARA).
[11] Por exemplo, alguém que rejeite a realidade das entidades abstratas (por ex., um nominalista como David Hume) não admitirá, assim, a legitimidade da intuição na sua
teoria de conhecimento (como foi o caso de Platão, por exemplo, ao ver o conhecimento como uma “reminiscência” das ideias ou formas transcendentes). Alguém que pense nos
objetos de conhecimento como discretos e claramente categorizáveis como verdadeiros ou falsos (por ex., Hume novamente) terá dificuldade para argumentar significativamente com
alguém que considere a verdade como sendo o todo da realidade e as proposições discretas como nada mais do que aproximações (por ex., Hegel). A teoria de conhecimento e a visão
de realidade de uma pessoa se afetam mutuamente.
[12] É claro que em alguns casos o que o incrédulo precisa é simplesmente da evidência que está à nossa disposição em favor de certas afirmações na Bíblia. Por exemplo, uma
pessoa pode estar tão enganada sobre religião por causa das vozes hostis e preconceituosas à sua volta (das salas de aula à mídia popular) que tem a impressão infundada de que
absolutamente “nenhuma pessoa pensante” vê alguma credibilidade no criacionismo, na precisão histórica ou textual da Bíblia, etc. A mente dela precisa ser saneada desse equívoco.
Ela pode ficar bastante espantada ao descobrir que cientistas, historiadores e outros acadêmicos muito competentes podem apresentar evidência convincente a favor das reivindicações
cristãs na ciência ou na história. Se isso é tudo que ela precisa para fazer uma leitura mais aberta e honesta da mensagem da Escritura, tudo bem. Contudo, na maioria dos casos a
resistência dos incrédulos à evidência é mais de princípio e mais tenaz do que isso.
[13] Logo veremos que o incrédulo não vive consistentemente de acordo com os princípios que professa. Até certo ponto isso também é verdade do crente. Portanto, a antítese
entre eles não é realmente completa ou absoluta, embora o seria em princípio.
[14] Na linguagem coloquial em inglês essa distinção é facilmente obscurecida, claro. Nós ouvimos alguém dizer que “se sente confiante” de que seu time ganhará o
campeonato mundial, e o mesmo sentimento é expresso quando ele diz que “sente certeza” de que seu time ganhará.
[15] O leitor não deve ignorar a perversão que essa expressão idiomática insidiosa representa à língua inglesa. A verdade não é algo relativo à pessoa. Dizer que uma proposição
é “verdade para mim” é simplesmente uma forma enganosa de dizer que eu acredito nessa proposição. Colapsar a verdade em crença tem sérias consequências para a teoria de
conhecimento de uma pessoa.
[16] Isso não deve ser confundido com dizer que a verdade se restringe ao conteúdo do cristianismo ou às palavras da Bíblia. Há muitas outras verdades além das que se
encontram reveladas na Escritura (por ex., a verdade de que a água congela a 32º Fahrenheit). No entanto, não há nenhuma verdade que conflita ou compete com aquelas encontradas
na Escritura.
[17] Note que a atividade de Paulo é a mesma, quer seus ouvintes já tivessem um conhecimento prévio da palavra de Deus (Antigo Testamento) e um respeito por ela, quer não.
Ele “discutia” com os judeus na sinagoga da mesma forma que discutia com os filósofos gregos nas ruas.
[18] Essa advertência tem de ser dada, já que aparentemente muitos crentes que se entregam à apologética são propensos a uma falta de mansidão na apresentação do seu
argumento. Para o bem da sua própria santificação e para a honra do Senhor cuja palavra eles defendem, todo apologista precisa orar para que seus argumentos não se tornem
contenciosos, para que ele não deslize da defesa do seu Senhor para a defesa de si mesmo. A humildade não é incompatível com a ousadia.
[19] C. S. Lewis, God in the Dock: Essays on Theology and Ethics, ed. Walter Hooper (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), p. 244.
[20] An Essay Concerning Human Understanding, Livro IV, Capítulo XVII (New York: Dover Publications, 1959 [1690]), vol. 2, p. 391.
[21] Citado pelo editor na “Introdução” a John Locke, The Reasonableness of Christianity as Delivered in the Scriptures, ed. George W. Ewing (Chicago: Gateway Edition,
Henry Regnery Co., 1964 [1695]), p. xi.
[22] Locke explicou que o livro fora principalmente concebido como uma refutação dos deístas; estes, contudo, aplaudiram a ênfase de Locke sobre o lugar da razão na religião,
levando assim estudiosos de segunda ordem a precipitadamente classificarem Locke como deísta. O calvinista inglês John Edwards (não confundir com o norte-americano Jonathan
Edwards) distorceu as intenções de Locke ainda mais, difamando-o com os epítetos de ateísmo e socinianismo.
[23] Para um texto útil sobre lógica informal, formal e indutiva, veja Irving M. Copi, Introduction to Logic (New York: Macmillan Publishing Co., 1978 [5ª ed.]).
[24] Os leitores devem aqui consultar vários textos úteis sobre “evidências” cristãs, mas também devem acompanhar discussões sobre o uso variado dos dados observacionais na
argumentação e formação de teorias: por exemplo, W. V. Quine e J. S. Ullian, The Web of Belief, 2ª ed. (New York: Random House, 1978); Stephen Toulmin, The Uses of Argument
(Cambridge: University Press, 1969); Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 2ª ed. (Chicago: University Press, 1970).
[25] Veja as obras de Cornelius Van Til aqui (disponíveis pela Presbyterian and Reformed Publishing Co.): por exemplo, The Intellectual Challenge of the Gospel (1953), The
Defense of the Faith (1955), A Survey of Christian Epistemology (1969).
[26] Citado em Greg L. Bahnsen, “The Inerrancy of the Autographa”, Inerrancy, ed. Norman L. Geisler (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1980), p. 187.
[27] Ancient Israel (Ithaca, New York: Cornell University Press, 1954), p. 6. Assim também, W. F. Albright escreveu que “os dados arqueológicos e inscricionais têm
demonstrado a historicidade de inúmeras passagens e declarações do Antigo Testamento” (“Archeology Confronts Biblical Criticism”, The American Scholar, vol. 7 [Primavera de
1938], p. 181).
[30] O artigo é encontrado em Bertrand Russell, Why I Am Not a Christian, And Other Essays on Religion and Related Subjects, ed. Paul Edwards (New York: Simon and
Schuster, Clarion, 1957), pp. 3-23.
[34] Aqueles que estão familiarizados com a obra detalhada (e notável, seminal) de Russell na filosofia apontariam que, apesar do brilho de Russell, sua “razão pura” jamais
poderia resolver certos paradoxos lógicos e semânticos que surgem no seu relato da lógica, matemática e linguagem. Seus seguidores mais reverentes admitem que as teorias de
Russell são passíveis de crítica.
[35] Trad. C. Garnett (New York: Modern Library, Random House, 1950), do livro V, capítulo 4. A citação aqui é tirada da seleção encontrada em God and Evil: Readings on
the Theological Problem of Evil, ed. Nelson Pike (Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1964).
[36] R. C. Sproul, Objections Answered (Glendale, CA: Regal Books, G/L Publications, 1978), pp. 128, 129.
[37] Dialogues Concerning Natural Religion, ed. Nelson Pike (Indianapolis: Bobbs-Merrill Publications, 1981), p. 88.
[38] Buffalo, New York: Prometheus Books, 1979.
[39] O intuicionismo sugeriria que a bondade é uma propriedade (básica ou simples) indefinível que não conhecemos empiricamente ou através da natureza, mas
“intuitivamente”. O que, no entanto, é uma “propriedade não natural”, a menos que estejamos falando de uma propriedade “sobrenatural” (a própria coisa em disputa com o
incrédulo)? Ademais, o intuicionismo não pode fornecer uma base para saber que nossas intuições estão corretas: não só temos de intuir a bondade da caridade, mas também temos de
intuir que essa intuição é verdadeira. É um fato bem conhecido e embaraçoso que nem todas as pessoas (ou todas as culturas) têm intuições idênticas sobre o bem e o mal. Essas
intuições conflitantes não podem ser racionalmente resolvidas dentro da cosmovisão do incrédulo.
[40] Dificuldades semelhantes acompanham a ideia de que os termos éticos não funcionam e não são usados para descrever alguma coisa, mas simplesmente dar expressão às
emoções de alguém. A teoria relacionada (performativa) da linguagem ética conhecida como “prescritivismo” sustenta que as declarações morais não funcionam para descrever as
coisas como boas ou más, mas simplesmente para levar o(s) ouvinte(s) de alguém a se comportar(em) ou sentir(em) de certa maneira. Com base nessa teoria, nenhuma atitude ou ação
é boa ou má em si mesma, e fica-se sem uma explicação de por que as pessoas saem por aí “orientando” os outros com imperativos supérfluos e velados como “Ajudar os órfãos é
bom”.
[41] Antony Flew escreve: “De forma não surpreendente, muitos críticos têm argumentado que a realização de pelo menos alguns desses objetivos [metafísicos] é em princípio
impossível. Assim, tem-se mantido que a mente humana não tem meios de descobrir fatos fora do reino da experiência dos sentidos… Outra crítica é que desde que nenhuma
experiência concebível poderia capacitar-nos a decidir entre, por exemplo, as declarações de que a realidade consiste de apenas uma substância (monismo) ou de infinitamente muitas
(monadologia), elas tampouco servem a qualquer propósito na economia do nosso pensamento sobre o mundo, e igualmente não são nem verdadeiras, nem falsas, mas sem sentido”
(“metaphysics” em A Dictionary of Philosophy, rev. 2ª ed. New York: St. Martin’s Press, 1984, pp. 229-230).
[42] Metaphysics (New York: Harcourt, Brace, & World, 1963), p. 12.
[43] Beyond Good and Evil, “On the Prejudice of Philosophers”, trad. Walter Kaufmann (New York: Vintage Books, 1966), pp. 12, 13.
[44] Pessoas que falam dessa maneira parecem ignorar o caráter trivial ou tautológico dessa afirmação. “Ter fé” que algo é verdade (por ex., que Elvis está vivo e morando em
Idaho) é o mesmo que “acreditar” que a alegação em questão é verdadeira; essas são diferentes formas semânticas de expressar a mesma coisa. Por conseguinte, quando uma pessoa
diz que “acredita” em algo “simplesmente por fé” (sem uma explicação adicional), ela simplesmente nos diz que “acredita porque acredita”.
Não ignoro que muitas pessoas religiosas, incluindo filósofos que refletem sobre questões religiosas, pensam na “fé” como estando em uma categoria diferente da “crença”. A
primeira é tida como uma questão pessoal de confiança ou compromisso, ao passo que a segunda é uma questão de intelecto. Por exemplo, num ensaio intitulado “Fé e Crença”, o
filósofo de Oxford H. H. Price afirmou: “Fé, então, é algo muito diferente da crença ‘nisso’ e certamente não se reduz a ela nem é definível em termos dela… Certamente, quando
uma pessoa está realmente na atitude da fé, ela nunca diria que acredita que Deus a ama. O que acontece, em vez disso, é que ela sente o amor de Deus por ela… Isso não parece ser,
afinal de contas, uma questão de acreditar” (Faith and the Philosophers, ed. John Hick [New York: St. Martin’s Press, 1964], p. 11). Estipulações verbais como essas podem ser feitas,
e pelo que posso perceber, são muitas vezes feitas; mas exigiria um esforço heroico fazer essa distinção conceitual entrar em conformidade verbal com o uso neotestamentário do
verbo grego “pisteuo” e do substantivo “pistis”.
[45] Peter A. Angeles, Dictionary of Philosophy (New York: Barnes & Noble, 1981), p. 94.
[46] Cf. “A dúvida, como o lado escuro do aspecto cognitivo da fé, é um ingrediente essencial para a fé… Uma mente vívida está em Angst nas encruzilhadas diárias, e
diariamente faz uma escolha, fazendo-a, como diria Kierkegaard, ‘em temor e tremor’”. Geddes MacGregor, Philosophical Issues in Religious Thought (Boston: Houghton Mifflin,
1973), p. 239.
[47] J. Gresham Machen, What is Faith? (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing, 1925), pp. 18, 26, 94, 243.
[48] Na tradução livre da versão usada pelo autor, “o que adoram, mostrando sua ignorância, eu autoritativamente vos declaro”. [N. do T.]
[49] E quanto às crenças deles sobre o método adequado, então? Essas crenças também chegam por meio desse método adequado? Caso sim, elas não têm nenhuma autoridade
ou fundamento independente (que não caia em petição de princípio)! Caso não, o que é considerado o método adequado para chegar a crenças não é fundacional, no fim das contas.
[50] Descartes sentiu que seu método o havia finalmente levado à verdade indubitável e fundacional de que ele mesmo existia. Ainda que tudo o mais em que ele acreditasse
fosse uma ilusão, ele ao menos precisava existir para ter a dúvida em primeiro lugar. Portanto o famoso ditado “Penso, logo existo”. Mas Descartes não foi aqui suficientemente
escrupuloso como filósofo. Ao tomar “Penso” como sua premissa, ele já tinha caído em petição de princípio quanto à sua existência (afirmando o “Eu” implícito). Isso não era mais
útil, realmente, do que argumentar “Eu exalo mau cheiro, portanto existo”. Descartes deveria ter postulado mais estritamente apenas que “Pensamento está ocorrendo” ─ do que não
segue logicamente que “eu existo”.
[56] Cornelius Van Til, The Defense of the Faith (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1955), pp. 145.
[57] Ibid, p. 49.
[58] Note bem que a “razão” é aqui criticada como uma autoridade ou padrão (que se coloca acima de Deus em julgamento), mas não absolutamente como uma ferramenta ou
instrumento (que seja usada sob Deus, para a glória dele). Claro, o incrédulo deve usar sua capacidade de raciocínio para ouvir, ponderar e (esperançosamente) adotar as
reivindicações da palavra de Deus. Isso não significa que a norma de controle pela qual ele usa seu raciocínio deve ser a razão em si mesma. (Nessas discussões seria de bom alvitre
perguntar o que exatamente se quer dizer com “razão”.) [59] A. J. Ayer, Language, Truth and Logic (New York: Dover Press, 2ª ed. 1952), p. 39.
[60] Qualquer declaração de teste (T) pode ser conjugada com a premissa “Se T, então O” (onde O representa uma declaração de observação). Note que a premissa que
acabamos de afirmar não implica por si só logicamente a declaração de observação (O); nem a declaração de observação segue diretamente da declaração de teste (T). No entanto,
quando T é tomado com a premissa aqui sugerida, a declaração de observação (O) pode ser de fato deduzida.
[63] Veja Karl Popper, The Logic of Scientific Discovery (London: Hutchinson, University Library, 1959 [original alemão, 1935]).
[64] Antony Flew, “Theology and Falsification”, New Essays in Philosophical Theology, eds. Antony Flew & Alasdair MacIntyre (New York: Macmillan Co., 1964 [1955]), pp.
96, 97, 98.
[65] Cf. Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 2nd rev. ed. (Chicago: University of Chicago Press, 1970 [1962]).
[66] Nossas afirmações sobre o mundo externo não enfrentam o tribunal da experiência sensorial individualmente, mas apenas como um corpo corporativo”. Isso foi observado e
discutido por Willard Van Orman Quine em “Two Dogmas of Empiricism”, From a Logical Point of View, 2ª ed. (New York: Harper Torchbooks, 1961), p. 41.
[67] Isso não implica que a teoria de conhecimento seja em última análise relativista ou voluntarista. Ela aponta para a necessidade da argumentação transcendental na
apologética ─ mostrando como as pressuposições do cristão fornecem as precondições de inteligibilidade (na ciência, lógica, ética, etc.) e fazendo uma crítica interna das filosofias de
vida concorrentes para demonstrar que elas não fazem isso.
[68] As pressuposições não são o único fator no desenvolvimento de um sistema de crenças. Devido a diferentes compromissos secundários, influências sociais, experiências
pessoais, critérios de racionalidade, capacidades intelectuais (etc.), duas pessoas que compartilham as mesmas pressuposições podem, todavia, gerar diferentes “redes” de crenças.
[69] John M. Frame, “God and Biblical Language”, God’s Inerrant Word, ed. J. W. Montgomery Minneapolis: Bethany Fellowship, 1974), p. 171.
[70] David Hume, “Of Miracles” em An Inquiry Concerning Human Understanding, ed. Charles W. Hendel (Indianapolis: Boobs-Merrill Co., [1748] 1955), p. 126
Table of Contents
PREFÁCIO DO EDITOR
1. O ROUBO DA NEUTRALIDADE
2. A IMORALIDADE DA NEUTRALIDADE
3. A NATUREZA DO PENSAMENTO INCRÉDULO
4. A MENTE DO NOVO HOMEM ENRAIZADA EM CRISTO
5. REVELAÇÃO COMO O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
6. RESUMO E APLICAÇÃO: A AUTORIDADE AUTOATESTADORA
DE DEUS
7. TRÊS ARGUMENTOS CONTRA O PRESSUPOSICIONALISMO
8. HUMILDE OUSADIA, NÃO ARROGÂNCIA OBSCURANTISTA
9. REVELAÇÃO INESCAPÁVEL, CONHECIMENTO INESCAPÁVEL
10. TERRENO COMUM QUE NÃO É NEUTRO
11. ONDE O PONTO DE CONTATO É, E NÃO É, ENCONTRADO
12. RESUMO GERAL: CAPÍTULOS 1-11
13. A TOLICE DA INCREDULIDADE
14. UM PROCEDIMENTO APOLOGÉTICO DE DUAS ETAPAS
15. RESPONDENDO AO TOLO
16. COSMOVISÕES EM COLISÃO
17. O PONTO DE PARTIDA ÚLTIMO: A PALAVRA DE DEUS
18. RESUMO SOBRE O MÉTODO APOLOGÉTICO: CAPÍTULOS 13-17
19. DEUS DEVE SOBERANAMENTE CONCEDER ENTENDIMENTO
20. É PRECISO CRER PARA ENTENDER
21. ESTRATÉGIA GUIADA PELA NATUREZA DA CRENÇA
22. NÃO SE DEIXANDO SEDUZIR COMO EVA
23. NÃO MENTIR PARA DEFENDER A VERDADE
24. ENCONTRANDO EFETIVAMENTE A VARIEDADE DE
OPOSIÇÕES: Resumo Geral (Capítulos 1-23) e Aplicação
25. PREPARADOS PARA ARRAZOAR
26. O CERNE DA QUESTÃO
27. RESPONDENDO OBJEÇÕES
28. FERRAMENTAS DE APOLOGÉTICA
29. APOLOGÉTICA NA PRÁTICA
30. O PROBLEMA DO MAL
31. O PROBLEMA DE CONHECER O “SOBRENATURAL”
32. O PROBLEMA DA FÉ
33. O PROBLEMA DA LINGUAGEM RELIGIOSA
34. O PROBLEMA DOS MILAGRES