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Aristides Alonso

A NOVA MENTE
DA MÁQUINA
E OUTROS ENSAIOS
é uma editora da

Presidente
Rosane Araujo

Diretor
Aristides Alonso

Copyright 2012 Aristides Alonso

Diagramação
Maria Cecília Castro

Editado por
Rosane Araujo
Aristides Alonso

Estudos Transitivos do Contemporâneo

A46n
E-Book
Alonso, Aristides
A nova mente da máquina e outros ensaios / Aristides
Alonso. – Rio de Janeiro : Novamente, 2012

322p. ; 14 x 21 cm.
ISBN 978-85-87727-65-7

1. Psicanálise – Discursos, ensaios, conferências.


2. Livros eletrônicos. I. Título.
CDD- 150.195

Direitos de edição reservados à:

Rua Sericita, 391 - Jacarepaguá


22763-260 - Rio de janeiro - RJ - Brasil
Telefax: (55 21) 2445-3177 / 2445-5980
www.novamente.org.br
DEDICATÓRIA
A Délia Ledesma Alonso,
memória da máquina na arte de costurar
pingos d’água em bordados de nuvens.
AGRADECIMENTOS

A MD Magno, perene lembrança do


Caminho pela Eterna Galáxia.
A Rosane Araujo, pela com-sideração, apoio e incentivo
recebidos em tantos momentos de percurso pelas Galáxias
e, em especial, na realização deste livro.
A Potiguara Mendes da Silveira Jr., pelos comentários e
sugestões que muito contribuíram nos textos.
A Patrícia Netto, sempre solicita em oferecer
informações e referências para esta pesquisa.
Aos colegas da NovaMente,
pela convivência e contínuo aprendizado.
A José A. Bragança de Miranda e Maria Teresa Cruz,
pela acolhida generosa no CECL - Centro de Estudos de
Comunicação e Linguagens (Lisboa/Pt).
A Gregory Chaitin e Virginia Chaitin,
pelo diálogo em curso.
A Manuel Antônio de Castro,
pelo apoio recebido quando esta nova via começava a se
apresentar em uma tese de doutorado na UFRJ.
A Ivo Lucchesi, pela longa convivência e contínuos
diálogos sobre as novas tecnologias.
À Direção da FACHA, pelo apoio institucional.
Aos colegas da FACHA e da UERJ, pela oportunidade de
conversa sobre comunicação e tecnologia.
À linha de pesquisa “Comunicação, estética e psicanálise”,
integrante do Grupo de Pesquisa/CNPq “Redes sociais,
ambientes imersivos e linguagem”,
do Programa de Pós-graduação em Comunicação da
Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF.
A Cláudia Monteiro Alonso, a Prin, pelo carinho e apoio
nesta jornada junto com “o mochileiro das Galáxias”.
Ao Acaso, pela Fortuna (sorte e/ou azar) que me coube
neste latifúndio, que assim e assado a bem-digo.
A nova mente da máquina e outros ensaios

Sumário
Apresentação, 9

1. A nova mente da máquina: da máquina universal de


Turing à máquina plerômica (revirão) de MD, 17

2. O revirão do universo: reversibilidade e


irreversibilidade na física, cosmologia e psicanálise, 85

3. Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova


Psicanálise, 131

4. Afinal, o que é uma Pessoa? Questões sobre o filme


13º Andar, 189

Anexos
Anexo 1. Aspectos do verbo Haver e seu uso na
Nova Psicanálise, 209

Anexo 2. A arte da pilotagem: cultura, política e a


Nova Psicanálise, 235

Créditos, 289

Pequeno glossário da Nova Psicanálise, 293

Referências, 303

8
Apresentação

Em 1985, MD Magno apresentou uma análise da


cultura contemporânea em processo de explosão e contrapôs
a bomba atômica – a grande ameaça desde a Segunda Guerra
Mundial –, à Pomba Adâmica, como metáfora da dissolução
generalizada dos valores e fundamentos das sociedades moder-
nas ou contemporâneas. A Pomba Adâmica era o movimento
dispersivo das redes midiáticas informacionais – mistura de
informática com cultura de massa –, que iria explodir a “or-
dem social”, como de fato aconteceu. Governos e lideranças
mundiais tentam administrar a turbulência generalizada, mas
isso é praticamente impossível, pois o artificialismo tecnoló-
gico e o capitalismo disseminam cada vez mais essa Pomba
Adâmica pelas redes de comunicações e produzem erosão
generalizada dos discursos vigentes na atualidade.
Para pensadores e pesquisadores contemporâneos
que se preocupam com as questões semelhantes às tratadas
neste livro, o seguinte impasse se apresenta: agora que o
homem se encaminha cada vez mais para a complexidade
da era tecnológica, o que vai acontecer? O que será da hu­
manidade e do humano?

Sumário 9
A nova mente da máquina e outros ensaios

No momento, este mesmo homem está envolvido


em uma simbiose com o meio ambiente em sentido amplo,
assim como com má­quinas, sistemas e redes que criou para
sobreviver ou garantir seu crescimento e desenvolvimento.
A fronteira que separava o natural de artificial tornou-se
cada vez mais indefinida. Ferramentas, máquinas, objetos
industriais que povoam nosso meio ambiente, como uma
espécie de tecido biológico ou como teia de próteses que
esten­dem a ação de seus sentidos ou mentes, constituem
parte integrante de nossa evolução cultural. Da mesma
forma, as máquinas informacionais estão se tornando
cada vez mais inteligentes e os seres vivos submetidos a
profundas modificações pelas biotecnolo­gias: numerosas
funções biológicas serão duplicáveis por máquinas.
Reciprocamente, muitas máquinas vão também adquirir
características quase biológicas em uma verdadeira con­
vergência evolutiva (Rosnay, 1997, p. 317). A tecnologia
investe cada vez mais no biológico e a biologia, por sua vez,
invade o mundo das máquinas. Campos recentes de pesquisa
e de desenvolvimento nas ciên­cias biológicas, da informação
ou da cibernética (como a robótica, a nanotecnologia, a
vida artificial, as redes neurais, a realidade virtual ou as
redes planetárias de comunicação) põem grandes desafios
aos nossos modelos culturais de um mundo dominado
pelo homem e explorado em seu benefício. E desaparece
progressivamente a fronteira clássica entre natureza e
artifício, matéria e espírito, etc.

10 Sumário
Apresentação

Ingressamos na era de Frankenstein e do ciborgue.


Para uns, o homem do futuro já foi pensado como um super-
homem dotado de grande inteligência pelo aumento de
sinapses neuronais no cére­bro. Para outros, será ciborgue,
com­posto por peças eletrônicas e informações intermutá­veis,
por órgãos e sentidos sob medida, por sistemas ampliados de
visão, audição, etc., com a possibilidade de ouvir a centenas
de metros, ver na escuridão, saltar e correr com grande rapidez.
Tais homens e mulheres biônicos se tornaram conhecidos
através do cinema e das séries de televisão divulgadas no
mundo inteiro. Cientistas e autores de ficção científica têm
imagi­nado homens cibernéticos (ciborgues), metade homens
metade robôs, como Robocop ou O Exterminador do Futuro
(Termina­tor), mutantes (X-Men, Homem-Aranha, Hulk).
Outros predizem a chegada de combots (computer-robots),
nova geração de seres inteligentes produzidos pelo homem.
Em seguida, serão capazes de se auto-reproduzir e viver em
associação conosco, espécie de um novo tipo de coabitação
com a huma­nidade biotecnológica.
As máquinas estão em foco em nosso mundo. Hans
Moravec supõe que os robôs do futuro irão atingir tal grau
de inteligência que vão conseguir nos convencer de não
“desligar a tomada” caso pretendamos interromper seu
funcionamento. Kurzweil prevê a singularidade tecnológica
para 2045. Cada vez mais simpáticos, empáticos e integrados
à nossa vida, exercem sobre nós pres­sões afetivas como se
fossem parentes ou animais domésticos. Seja qual for esse

Sumário 11
A nova mente da máquina e outros ensaios

futuro, graças às conexões de todo tipo (físicas, biológicas


ou psicológicas), o homem dispõe progressivamente de
meios poderosos de conhecimento e ação.
Essa revolução tecnológica contemporânea está
sendo debatida entre as múltiplas correntes de pensamento
que se alistam do lado do racionalismo moderno ou então
do “irracionalismo” pós-moderno. Sloterdijk, por exemplo,
reconhece a nossa atual situação multicultural e globalizada
como holomaníaca voltada para um mundo cada vez mais
sincrônico. MD Magno vê nesse movimento um vigoroso
esforço de passagem para o Quarto Império – a cultura do
artificialismo total compatível com nossa mente revirante –,
pois para ele a Modernidade é a tentativa, onde quer que
se a encontre, de fazer vigorar o Quarto Império (Magno,
[1995], 2008, p. 81).
No presente livro, A nova mente da máquina e outros
ensaios, essas e outras questões conexas serão consideradas
a partir da Nova Psicanálise, como formulada por MD
Magno.
No primeiro ensaio, A nova mente da máquina: da
máquina universal de Turing à máquina plerômica (revirão)
de MD, parte-se da máquina de Turing (uma máquina
universal de computar, raciocinar, calcular, e, segundo
Turing, de pensar) para a consideração dos múltiplos tipos
de máquinas criadas a partir e depois dela: a “máquina
desejante” (Deleuze/Guattari), as “máquinas de Von
Neumann’, as máquinas joyceanas (Dennett), o “universo

12 Sumário
Apresentação

computacional’ da filosofia digital (digital philosophy


de Fredkin, Zuse, Wolfram e Chaitin) e a “máquina de
revirão” (MD Magno). Faz-se um cotejo entre esses vários
tipos de propostas e se estabelecem possíveis gradações
e diferenças entre elas, com destaque para a máquina de
revirão, que encaminha uma resposta para o que seja pessoa,
pensamento, consciência e criação, questões importantes
para os pesquisadores das múltiplas formas de mente e de
inteligência com as quais convivemos atualmente.
No segundo texto, O revirão do universo:
reversibilidade e irreversibilidade na física, cosmologia
e psicanálise, parte-se das propostas de Abhay Ashetekar
e Martin Bojowald sobre a Gravidade Quântica em Loop
ou LQG (do inglês Loop Quantum Gravity), teoria que
demonstra matematicamente que a singularidade do Big
Bang de fato não ocorre. Procuram um universo colapsante
anterior a esse evento, considerado até o momento como
modelo padrão. De acordo com suas simulações, isto
resultou em um Big Bounce (Grande Salto) que ocasionou
o nascimento de nosso universo atual. Essa teoria
cosmológica é, em muitos aspectos, análoga à teoria do
revirão e suas implicações para o entendimento da mente
em sua funcionalidade plena. Outro modelo que também
contesta o Big Bang é o proposto por Ilya Prigogine, cuja
abordagem segue a intuição de Boltzmann e cuja descrição
probabilística serve de ponte entre as descrições clássicas
e a quântica. A nova psicanálise também teve um diálogo

Sumário 13
A nova mente da máquina e outros ensaios

fecundo com este modelo ao considerar suas principais


hipóteses à luz do revirão e propor uma versão freudiana
para a questão da reversibilidade e da irreversibilidade do
que quer que haja.
No terceiro ensaio, Os neurônios-espelho e a mente-
espelho da nova psicanálise, consideram-se as recentes
pesquisas sobre neurônios-espelho que parecem confirmar
a idéia da nova psicanálise sobre a instalação biológica da
funcionalidade do revirão no cérebro humano (1982). Abre-
se, pois, um novo leque de estudos na interface da psicanálise
e das neurociências, com possibilidades de entendimentos
mais precisos sobre o modo de funcionamento da mente
humana e de outras formas de mente.
No quarto texto, Afinal, o que é uma Pessoa? Questões
sobre o filme 13º Andar, abordam-se questões suscitadas pelo
filme 13º andar a respeito das noções clássicas de indivíduo
e sujeito em nossa cultura. A emergência da idéia de pessoa
em rede, proposta pela nova psicanálise, considera tanto as
idéias de realidade e a virtualidade como de identidade e
transitividade da mente das pessoas.
Por último, incluídos como Anexos:
Aspectos do verbo Haver e seu uso na Nova
Psicanálise, que apresenta aspectos e formas do verbo
haver e seu uso típico na língua portuguesa, seu sentido
dicionarizado em seus múltiplos empregos e questões
relativas à impessoalidade segundo a tradição gramatical.
Segue-se também uma breve descrição do modo como a

14 Sumário
Apresentação

nova psicanálise faz uso desta construção típica da língua


portuguesa para o entendimento de articulações básicas
desse pensamento.
A arte da pilotagem: cultura, política e a nova
psicanálise, que explora o creodo antrópico destacando
em particular o Quatro Império e seus desdobramentos. O
enfoque parte da articulação de Peter Sloterdijk acerca da
hiperpolítica no campo da filosofia e seus desdobramentos
no mundo contemporâneo em contraponto com o que MD
Magno propõe como polética e suas consequências para
a cultura. Nesse cotejo, focaliza-se o surgimento de um
pensamento novo capaz de lidar com a complexidade política
em que estamos mergulhados atualmente.
Incluímos também o Pequeno Glossário sobre a
Nova Psicanálise, organizado por Paula de Oliveira Carvalho
e Nívia Bittencourt, para consulta sobre termos empregados
neste livro.
Klaatu, barada niktu!

Sumário 15
1
A nova mente da máquina
Da máquina universal de Turing
à máquina plerômica (revirão) de MD Magno

O título deste ensaio refere-se tanto ao livro de


Roger Penrose A mente nova do rei: computadores, mentes
e as leis da física (The emperor’s new mind: concerning
computers, minds and laws of physics) quanto ao conto
de Hans Christian Andersen A nova roupa do rei (The
emperor’s new clothes).
Para a consideração de nossa questão, vamos partir
de um filme antigo, mas exemplar. Blade Runner (1982),
de Ridley Scott (1937-), um cult que mescla policial noir
e ficção-científica em uma Los Angeles de 2019, começa
com a seguinte informação para o espectador:
No inicio do século XXI, a Tyrell Corporation criou
os robôs da série Nexus virtualmente idênticos aos
seres humanos. Eram chamados de replicantes.
Os replicantes Nexus 6 eram mais ágeis e fortes e
no mínimo tão inteligentes quanto os engenheiros
genéticos que os criaram. Eles eram usados fora
da Terra como escravos em tarefas perigosas da
colonização planetária. Após motim sangrento de um

Sumário 17
A nova mente da máquina e outros ensaios

grupo de Nexus 6, os replicantes foram declarados


ilegais sob pena de morte. Policiais especiais, os
blade runners, tinham ordens de atirar para matar
qualquer replicante. Isto não era chamado execução,
mas sim “aposentadoria”.

A trama do filme é relativamente simples1. Deckard


(Harrison Ford) é caçador andróides, destacado para
“aposentar” um grupo de replicantes Nexus 6 que fugiu
do seu local de trabalho em outra galáxia e voltou à Terra.
Apesar de serem tão ágeis, fortes e inteligentes quanto
qualquer ser humano, eles têm apenas quatro anos de vida
e sob o comando do Roy Batty (Rutger Hauer), os Nexus 6
querem uma sobrevida maior. Mas também há uma trama
paralela: o envolvimento de Deckard com Rachel (Sean
Young), replicante, secretária de Tyrell, dono da Tyrell
Corporation, fabricante dos Nexus 6. Tyrell, em certo
momento diz a Deckard: “Nossa meta é o comércio. Nosso
lema é ‘mais humanos que os humanos’”.
Blade Runner é um filme de caçada e busca, em
que todos procuram angustiadamente alguma coisa,
uma aventura de homens e mulheres, humanos e pós-
humanos, em busca de identidade. É também um filme

1 Destacamos outros filmes com temática semelhante: Metropólis


(Fritz Lang), 2001 – Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick), a
trilogia Matrix (Irmãos Wachowski), 13º Andar (Joseph Rusnak), IA
– Inteligência Artificial (Steven Spielberg), Eu, Robô (Alex Proyas) e
Gattaca - A Experiência Genética (Andrew Niccol).

18 Sumário
A nova mente da máquina

de ação que contém reflexão sobre a distinção entre


homens e máquinas. Deckard, por exemplo, é alguém
perdido, solitário, obrigado pelos dispositivos policiais e
corporativos a “aposentar” replicantes. Sua vida passada
é obscura e esconde provavelmente algo incriminador,
pois é facilmente convencido pelo chefe de polícia de Los
Angeles em um jogo de chantagem e ameaças veladas ao
espectador: “Conheço o jogo, meu chapa. Se não topar, está
acabado”. O cenário dessa cidade futurista (2019, data já
bem próxima) – com um ecossistema devastado e marcada
por constante chuva ácida – é opressivo, aparentemente
sem solução e a única saída possível de que se fala no filme
é abandonar a Terra e viver nas colônias espaciais.
Os replicantes, que Deckard persegue, são muito
semelhantes aos humanos, em particular Roy Batty e
Rachel, esta última sem programação fixa quanto ao tempo
de duração de sua vida, como qualquer um de nós.
Qual nosso interesse nesse filme? Os replicantes
são máquinas, robôs, artefatos industriais e, quanto à
sua organização mental, máquinas de Turing, conforme
veremos a seguir. Toda a discussão que o filme promove
está justamente nessa questão: afinal, onde está a diferença
entre a mente artificial dessas máquinas e a mente
dos humanos? Qual o limite das mentes artificiais das
máquinas de Turing? Ou, quando atingido um determinado
limiar, como o computador quântico, por exemplo, haverá
diferença ainda?

Sumário 19
A nova mente da máquina e outros ensaios

Nesse sentido, podemos considerar os replicantes


como uma síntese da tragédia humana. É o que a biotecnologia
complexa de Blade Runner conseguiu demonstrar. A
morte de Tyrell é exemplar e retoma a antiga questão do
Frankenstein de Mary Shelley, na luta de morte entre criador
e criatura. A cena do criador sendo dilacerado pela própria
criatura – o andróide esmaga o cérebro de Tyrell – é uma das
mais marcantes do cinema do século 20, expressão máxima
da rebelião contra o despotismo do destino com o qual ele
se depara. Em face de sua situação trágica diante de uma
vida fugaz e supérflua, Roy observa com angústia: “Eu vi
coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataques em
chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no
escuro, na Comporta Tannhauser. Todos esses momentos se
perderão no tempo como lágrimas na chuva”. O replicante
Nexus 6 sente a angústia da passagem do tempo, destacando
a unicidade e fluidez da sua experiência singular de vida.
Conclui, dizendo: “É hora de morrer”. Uma das questões
básicas do filme Blade Runner é justamente a consideração
da mente das máquinas – as “spiritual machines” de Kurzweil
(1948-) ou “máquinas revirantes” de MD Magno (1938-) –,
em analogia com a mente humana.
Como veremos a seguir, a máquina de Turing é
uma máquina universal de computar, raciocinar, calcular e
mesmo de pensar. Segundo a hipótese de Church-Turing,
qualquer máquina computacional é uma máquina de
Turing e, mesmo com todos os desdobramentos posteriores

20 Sumário
A nova mente da máquina

quanto a essa competência, permaneceu basicamente o


mesmo “modelo universal” descrito por Turing-Church.
Daniel Dennett (1942-) estabelece uma sequência entre as
máquinas de Turing, as de Von Neumann e as “joyceanas”.
Fredkin e outros cientistas propõem a “digital philosophy”
e Wolfram, a “equivalência computacional”. Aproveitando-
se de referencial teórico da cibernética no âmbito da
filosofia, Deleuze/Guattari fizeram a crítica à psicanálise
considerando as “máquinas desejantes”. MD Magno
formula, a partir de Freud, a máquina de revirão (máquina
catóptrica ou máquina pulsional), nosso tema básico neste
artigo. A linha de raciocínio é no sentido de fazer um
cotejo entre esses vários tipos de máquinas e estabelecer
a diferença e a gradação entre elas, com destaque para a
máquina do revirão que encaminha uma resposta para o
que seja mente, pensamento e consciência, questão cara
aos pesquisadores da cibernética, da robótica, da IA, das
neurociências e ciências cognitivas.
Isto porque, desde o início, o objetivo da construção
dessas máquinas, mesmo antes de Turing (veja-se, por
exemplo, o trabalho de Pascal, Leibniz e Babbage), foi o
de simular a funcionalidade da mente humana. Neste breve
cotejo, pretendemos, ao considerar o trabalho de Turing e
seus desdobramentos, refletir sobre a maneira como a nova
psicanálise considera a mente humana e outras formas de
mente, sem deixar de pensá-las também no âmbito das
máquinas.

Sumário 21
A nova mente da máquina e outros ensaios

O que são máquinas ou gramáticas?


Uma máquina não é necessariamente um motor de
um carro ou alguma coisa pesada e ruidosa que transforma
a matéria ao aplicar-lhe com violência uma força mecânica.
Rádios, tvs, celulares e computadores são máquinas que nos
dão a ideia de que uma máquina pode tratar da informação,
isto é, transformar, de acordo com regras muito precisas,
uma mensagem de entrada em mensagem de saída. Mas as
frases de uma língua ou modos de comportamento social
também são máquinas. O tratamento típico da informação
é o cálculo. No sentido matemático restrito, um cálculo é
um conjunto de operações aritméticas, entendendo-se por
operação a ação organizada, metódica, que visa à produção
de um determinado efeito ou resultado. Se as entidades ma-
temáticas são adequadamente representadas por elementos
físicos e as regras de combinação bem determinadas, veri-
ficamos imediatamente a possibilidade de mecanizar e de
automatizar os cálculos. Os objetos sobre os quais atuam
os circuitos do computador são os impulsos elétricos. A
presença de uma carga elétrica representa o número 1 e
sua falta, o número 0. Assim é possível representar em um
computador tudo o que se pode escrever-se em um alfabeto
ou traduzir-se por número e circuitos elétricos simples
que jogam com a presença/ausência de carga elétrica. Isto
porque representam operadores matemáticos básicos que
atuam sobre números expressos na base 2 e podem efetuar
cálculos elaborados e processar informação.

22 Sumário
A nova mente da máquina

A exigência do processamento automático da


informação leva a informática a elaborar algoritmos. Um
algoritmo é uma sequência finita e ordenada de regras ou
instruções de operação com a finalidade de resolver uma
classe de problemas. Assim, as tarefas ou problemas a
serem resolvidos são formalizados e essa formalização
necessita da explicitação de todos os seus aspectos. A menor
alteração ou erro pode comprometer toda a operação. Então,
em informática, os termos máquina ou autômato designam
menos o dispositivo físico que efetua a transformação de
uma mensagem de entrada em uma mensagem de saída
do que a estrutura lógica deste dispositivo. Essa mesma
máquina pode ser encarnada tanto por uma calculadora de
rodas dentadas, por uma lista de instruções que pode ser
seguida à risca por um escravo humano extremamente
obediente ou por um microcomputador.
Por um lado, para cada algoritmo de Markov, existe
uma máquina de Turing (capaz de escrever letras tomadas
num alfabeto arbitrário) que pode simulá-lo. E por outro,
para cada máquina de Turing existe um algoritmo de
Markov que a simula (Doria, 1999, p. 224). Ou seja, há
uma equivalência entre máquinas de Turing e algoritmos
de Markov, que podem produzir a mesma coisa. Isto quer
dizer que a ideia de gramáticas formais e máquinas de
Turing também são equivalentes. Nesse mesmo raciocínio,
outros sistemas, como as linguagens canônicas de Post, as
quais influenciaram os algoritmos de Markov, que tentam

Sumário 23
A nova mente da máquina e outros ensaios

formalizar a estrutura das línguas e suas gramáticas são


igualmente equivalentes às máquinas de Turing. Assim
também são sistemas equivalentes, tais como as funções
recursivas parciais (de Goedel e Kleene), o cálculo lambda
de Church e, em nossos dias, os autômatos celulares, como
apresentados por Wolfram, por exemplo.

O que é máquina de Turing?


Em artigo de 1950, Computing machinery and
intelligence, Alan Turing (1912-1954) propôs a seguinte
questão: “Podem as máquinas pensar?”. Podemos desdobrar
esta pergunta do seguinte modo: qual é a mente das máquinas?
Qual é sua equivalência mental? Como funcionam?
Atualmente, o conceito de máquina de Turing, criado
em 1936, figura na matemática, na ciência da computação,
nas ciências cognitivas, na biologia teórica, na psicologia,
na psicanálise e em outras áreas do conhecimento. O artigo
acima mencionado, que descreve o chamado “teste de
Turing”, constitui a pedra angular da teoria da inteligência
artificial. Turing também produziu sozinho um plano
bastante avançado para a fabricação e uso de um computador
eletrônico, do qual construiu várias versões.
Segundo seu biógrafo Andrew Hodges (1949-),
deitado na campina de uma cidadezinha próxima a
Cambridge, depois de sua costumeira corrida solitária,
Turing imaginou uma máquina capaz de executar os passos
do problema lógico proposto por David Hilbert (1862-1943)

24 Sumário
A nova mente da máquina

no Congresso Internacional de Matemática em Paris (1900),


no qual se perguntava como seria possível executar certas
cadeias longas de raciocínio. A maior parte dos pesquisadores
admitia que a resposta teria a forma de uma demonstração
abstrata. Mas Turing gostava de realizar trabalhos “mais
concretos” como consertar bicicletas, rádios e construir
artefatos de todo tipo e, durante os meses seguintes,
demonstrou que essa máquina imaginária seria capaz de
responder às perguntas propostas por Hilbert sobre como
provar a verdade ou falsidade de uma afirmação abstrata.
Certamente precisaria de eletricidade, talvez de uma forma
ainda não imaginada, mas isso não o preocupava. Pelo
contrário, ele antecipava o que mais aquela máquina poderia
fazer, pois anteviu que, teoricamente, um dispositivo que
conectasse essas cadeias lógicas poderia fazer praticamente
qualquer coisa (Hodges, 2001). Então, a máquina de Turing
é primeiramente um conceito.
O operador da máquina só precisaria escrever
claramente as instruções a serem seguidas, pois ela não teria
de entender o significado daquelas instruções, mas apenas
executá-las. Assim demonstrou que praticamente qualquer
ação imaginada, seja somar números ou desenhar figuras,
poderia ser traduzida em passos lógicos simples que a
máquina seria capaz de seguir. Quando alguns críticos de seu
projeto protestavam que essa máquina não era tão poderosa
como ele queria acreditar, e citavam tarefas que ela não
poderia executar, ele simplesmente pedia que a dividissem

Sumário 25
A nova mente da máquina e outros ensaios

em passos separados e os descrevessem um a um, usando


a mesma linguagem lógica e clara. Então, passava essas
instruções à máquina que as executava fielmente, provando
assim que estavam errados.
Operacionalmente, a máquina de Turing – para ser
considerada como algoritmo, modelo formal de procedimento
efetivo ou função computável –, deve satisfazer às seguintes
propriedades, entre outras: a) a descrição do algoritmo deve
ser finita; e b) deve consistir de passos discretos, executáveis
mecanicamente e em um tempo finito. O modelo proposto
por Turing consiste basicamente de três partes: a) uma fita,
usada simultaneamente como dispositivo de entrada, saída
e memória de trabalho; b) unidade de controle, que reflete
o estado corrente da máquina. Tem uma unidade de leitura
e gravação (cabeça da fita) a qual acessa uma célula da fita
de cada vez e movimenta-se para a esquerda ou direita; c)
programa ou função de transição, que comanda as leituras
e gravações, o sentido de movimento da cabeça e define
o estado da máquina. A fita é finita à esquerda e infinita
à direita, dividida em células onde cada uma armazena
um símbolo. Os símbolos podem pertencer ao alfabeto
de entrada, ao alfabeto auxiliar ou ainda, ser “branco” ou
“marcador de início da fita” (Menezes, 2002, p. 131-50).
Inicialmente a palavra a ser processada (ou seja, a
informação de entrada para a máquina) ocupa as células
mais à esquerda, após o marcador de início da fita, ficando
as demais com “branco”. A unidade de controle possui

26 Sumário
A nova mente da máquina

um número finito e predefinido de estados. A cabeça da


fita lê o símbolo de uma célula de cada vez e grava um
novo símbolo. Após a leitura/gravação, a cabeça move
uma célula para a direita ou esquerda. O símbolo gravado
e o sentido do movimento são definidos pelo programa. O
programa é a função que, dependendo do estado corrente
da máquina e do símbolo lido, determina o símbolo a ser
gravado, o sentido do movimento da cabeça e o novo
estado. Trata-se, portanto, de uma proposta de definição
formal da noção intuitiva de algoritmo. Estamos tão
acostumados com máquinas que executam instruções que
é difícil lembrar uma época em que isso não existia. Por
exemplo, esperamos automaticamente que o computador
ou celular aceite nossos comandos passados pelo teclado.
Mas quando Turing era estudante, praticamente ninguém
podia imaginar uma máquina inerte capaz de realizar
trabalho inteligente. Essa “máquina universal”, que Turing
descreveu em um artigo de 1937 publicado no Proceedings
of the London Mathematical Society, era autocontida e sem
emoção e quando recebia instruções corretas, começava a
operar sozinha “eternamente”.
E nem necessitava de operador que entrasse em
seu interior para alterá-la de acordo com as tarefas, pois
ele também começou a desenvolver o conceito de software.
Logo percebeu que esse aparelho não teria utilidade se
tivesse de ser construído a cada vez que recebesse um novo
problema. Em vez disso, imaginou que as partes internas da

Sumário 27
A nova mente da máquina e outros ensaios

máquina poderiam se reorganizar conforme a necessidade.


O software poderia ser visto como parte do mecanismo do
computador, mas estaria sendo constantemente alterado
e reconfigurado de uma forma e depois de outra. Como
sabemos, a realização física da máquina de Turing passou
por muitas etapas devido à dependência de soluções
tecnológicas necessárias à sua implementação.
Por causa de seu trabalho sobre Hilbert, Turing
foi convidado a passar algum tempo em Princeton, onde
conheceu John von Neumann (1903-1957), que viria a
fazer uma contribuição decisiva para o projeto de Turing.
Em 1945, no First draft of a report on the EDVAC, von
Neumann propôs a construção de uma calculadora em
que os programas seriam registrados, do mesmo modo
que os dados, em uma grande memória, a qual a unidade
aritmética e lógica da máquina poderia aceder rapidamente.
É na mesma época que também apresenta o modelo dos
autômatos celulares2. Ele reencontrava assim, de forma
2 Nos anos 1940, Stanislaw Ulam estudou o crescimento e a replica-
ção de cristais no Laboratório Nacional de Los Alamos e, ao mesmo
tempo, John von Neumann, colega de Ulam em Los Alamos, trabalha-
va em sistemas auto-replicativos, mas encontrava dificuldades para ex-
plicitar um modelo inicial de robô que fosse capaz de se copiar sozinho
a partir de um conjunto de peças separadas. Von Neumann buscava um
sistema lógico em que um autômato pudesse controlar a si mesmo e
se reporduzir. Ulam sugeriu-lhe que se inspirasse em seus trabalhos, o
que levou Von Neumann a conceber um modelo matemático abstrato
para seu problema. A pesquisa de Ulman possibilitou que uma auto-
reprodução fosse descrita como um algoritmo, o que levou à ideia de
que há uma máquina de Turing que pode realizar sua auto-reprodução.
O resultado foi o “copiador e construtor universal” (universal copier

28 Sumário
A nova mente da máquina

técnica, o mesmo princípio da fita da máquina universal


de Turing e definia, ao mesmo tempo, a arquitetura do
computador moderno. É o que se conhece hoje como a
“arquitetura de von Neumann”.

Máquinas universais de Turing


Em seu artigo On cumputable numbers with
an application to the Entscheidungproblem (1936),
Turing resolveu a importante questão hilbertiana, abriu
novos caminhos na matemática da computabilidade,
propiciou uma nova análise da atividade mental e teve
grande aplicabilidade prática: estabeleceu o princípio do
computador através do conceito de máquina universal
de Turing. Essa ideia é facilmente explicável, pois a
especificação de qualquer máquina de Turing sendo dada
por uma tabela de comportamento, torna-se uma tarefa
mecânica de verificar itens em um sistema formalizado.
Então, uma máquina de Turing pode ser projetada de modo
a ter a propriedade de fazer – quando lhe é fornecida a
tabela de comportamento de uma outra máquina análoga –
o que essa outra máquina teria feito.
Uma das razões para considerar a máquina de Turing
como o mais geral dispositivo de computação é o fato de
os demais modelos e máquinas propostos – bem como
suas diversas modificações –, terem, no máximo, o mesmo

and constructor, em inglês), o primeiro modelo de autômato celular.


(http://pt.wikipedia.org/automato celular).

Sumário 29
A nova mente da máquina e outros ensaios

poder computacional da máquina de Turing. Por isso, ele a


denominou máquina universal.
Diversos outros trabalhos como “máquina de Post”
(fundamental para a linguística de Chomsky) e “funções
recursivas” de Kleene resultaram em conceitos equivalentes
ao de Turing. O fato de todos esses trabalhos independentes
gerarem o mesmo resultado em termos de capacidade de
expressar computabilidade foi um forte reforço para a
conhecida hipótese de Turing-Church: “A capacidade de
computação representada pela máquina de Turing é o limite
máximo que pode ser atingido por qualquer dispositivo de
computação” (Menezes, 2002, p. 139). Isto é, essa hipótese
afirma que qualquer outra forma de expressar algoritmos
terá no máximo a mesma capacidade computacional
da máquina de Turing. Como a noção de algoritmo ou
função computável é intuitiva, a hipótese de Church não é
demonstrável.
Turing introduziu a máquina universal como uma
ferramenta no argumento para a apresentação de um número
incomputável. Como tal, ela não era necessária para sua
conclusão relativa ao Entscheidungproblem (o problema
da parada). Mas foi logo levado à possibilidade de sua
construção prática. É essa máquina universal que justifica
atribuir-se a ele a invenção do princípio do computador e é
difícil, em nossos dias, pensar as máquinas de Turing sem
pensar nelas como o computador e na máquina universal
como aquela na qual rodam os programas. Mas atenção!

30 Sumário
A nova mente da máquina

Embora se empregue a expressão “máquina universal de


Turing”, há um grande número de outras máquinas com
esta propriedade. Turing não estava considerando máquinas
computacionais de seu tempo, e sim modelizando a ação de
mentes humanas. As máquinas físicas viriam uma década
mais tarde.

Autômatos celulares,
equivalência computacional e
teoria quântica da informação
A cibernética bateu de frente com duas concepções
humanistas surgidas na modernidade e foi muito criticada
por isso: 1. A idéia de uma separação clara entre homem
e máquina; e 2. A interioridade subjetiva própria do
ser humano. Por essa razão, nos anos 50 e 60 do século
passado, ela assumiu ares de um Novo Renascimento
visto que acumulava descobertas técnicas e científicas de
sua época. É fato que essa crítica não é exclusiva, pois ela
já pode ser verificada em Nietzsche, Freud e Heidegger,
mas é com a cibernética, mais do que com qualquer outro
modelo, que se fez a rejeição mais radical e sistemática da
noção de autonomia do sujeito ao mesmo tempo em que
se forneceram as novas bases para entender o homem e a
cultura que ele produz.
A partir da ruptura com a tradicional dicotomia
homem-máquina, Norbert Wiener (1894-1964) propôs uma
abordagem humano-mecânica da sociedade. A modificação
protética do corpo está no coração do projeto cibernético:

Sumário 31
A nova mente da máquina e outros ensaios

“Modificamos tão radicalmente nosso meio que devemos


nos modificar a nós próprios para viver à escala deste novo
ambiente” (Wiener, 1973, p. 46). Seja para substituir um
membro amputado ou processar informação, as máquinas
inteligentes são próteses, extensões de nosso corpo. Assim
como Freud já havia indicado em Mal-estar na civilização3,
Wiener também considerava a humanidade dependente de
suas próteses. E, para Miguel Nicolelis (1961-), à medida
que primatas e seres humanos ganham competência no
uso de ferramentas artificiais, seus cérebros tendem a
incorporar esses artefatos como “verdadeiras extensões
contínuas de seus corpos biológicos”4. Em cada um de
nós, esse órgão está trabalhando numa rotina frenética e
permanente de assimilação de tudo o que nos cerca, com o
objetivo de modelar nossa autoimagem corpórea com base
num incessante fluxo de informação:
“[E]le não só exibe a capacidade de ser o mais
sofisticado construtor de ferramentas parido pelo

3 “O homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de “Deus de


prótese”. Quando faz uso de todos os seus órgãos auxiliares, ele é ver-
dadeiramente magnífico; esses órgãos, porém, não cresceram nele e, às
vezes, ainda lhe causam muitas dificuldades. Não obstante, ele tem o di-
reito de se consolar pensando que esse desenvolvimento não chegará ao
fim exatamente no ano de 1930 A.D. As épocas futuras trarão com elas
novos e provavelmente inimagináveis grandes avanços nesse campo
da civilização e aumentarão ainda mais a semelhança do homem com
Deus. No interesse de nossa investigação, contudo, não esqueceremos
que atualmente o homem não se sente feliz em seu papel de semelhante
a Deus” (Freud [1930], 1978, p. 111).
4 Também remetemos à obra seminal de Marshall McLuhan, Os meios
de comunicação como extensões do homem, que incorporou essa ques-
tão aos estudos da comunicação.

32 Sumário
A nova mente da máquina

processo de evolução natural, como também


expressa o mais voraz dos apetites por incorporar
os objetos que são o fruto de nosso inconfundível e
incomparável desejo de criar. Devido a tal sina, não
resta ao cérebro outro caminho que não seja continuar
a adicionar, por toda a vida, nossas roupas, relógios,
sapatos, carros, computadores, talheres e quaisquer
outros instrumentos que usamos no dia a dia a
representações neurais do corpo, que se expandem
e contraem, dinamicamente a cada instante de nossa
existência” (Nicolelis, 2011, p. 350).

Essa hibridização funcional entre mente e tecnologia,


humano e mecânico, deflagra uma interdependência
sistêmica com mútua determinação. Verdadeiro mutante,
o “agente” cibernético deve ajustar-se permanentemente
ao sistema humano-mecânico em constante evolução e
adquire assim as características de “homem sem interior”,
um processo voltado para “fora”, segundo Gregory Bateson
(1904-1980). Ou seja, sem dependência de um modelo de
subjetividade encarnada e responsável pelo processo de
pensamento e produção de conhecimento.
A digital philosophy (filosofia digital) é uma das
direções propostas por matemáticos e físicos como Edward
Fredkin (1934-), Konrad Zuse (1910-1995), Stephen
Wolfram (1959-) e Gregory Chatain (1947-). Trata-se da
pesquisa científica de um universo, em última instância,
também discreto e informacional, isto é, computacional.

Sumário 33
A nova mente da máquina e outros ensaios

Essa área do conhecimento nasceu da física digital (termo


também proposto por Fredkin), que pensa a física teórica
a partir dos autômatos celulares. Especificamente, a
física digital trabalha com a hipótese de que o universo
é um completo autômato celular de Turing. Ou seja,
uma interpretação contemporânea da metafísica monista
de Leibniz, que substitui as mônadas pela dimensão dos
autômatos celulares da física digital. Ele pretende resolver
problemas relacionados à filosofia da mente e da filosofia da
física, em que a mente pode ser tratada computacionalmente.
Em um universo digital, existência e pensamento podem
ser equivalentes à computação. Então, a computabilidade é
a base de uma física monista e a “subjetividade”, em última
instância, surge de e em uma universalidade computacional.
Por exemplo, para Chaitin, criador do número Ω, é muito
provável que estejamos vivendo em um mundo digital
e “que Deus prefere ser capaz de copiar coisas de modo
exato quando é obrigado, mais do que obter o inevitável
aumento de ruído que acompanha o copiar analógico”
(Chaitin, 2009, p. 144).
A idéia de uma ampla artificialidade é extensiva
também à naturalização do modelo cibernético a uma
escala planetária, que abrange todo o ecossistema no qual
a natureza se torna um imenso sistema cibernético5. Hoje,

5 Cf. GARDNER, James. O universo inteligente: inteligência artifi­


cial, extraterrestres e a mente emergente do cosmo. São Paulo: Cultrix,
2009.

34 Sumário
A nova mente da máquina

essa ideia já está banalizada – basta ver o filme Matrix, dos


irmãos Andy e Larry Wachowski –, mas foi surpreendente
quando formulada pelo projeto cibernético. Nos anos 60,
Konrad Zuse (1910-1995), que construiu os primeiros
computadores eletromecânicos programáveis do mundo,
lançou a hipótese de que o universo estaria acontecendo nas
entranhas lógicas de um computador e, baseado na ideia de
Von Neumann de “autômato celular”, pensou a possibilidade
de as leis físicas serem discretas e o universo resultado de
um gigantesco autômato celular. Na linhagem de Zuse, a
filosofia digital, de Fredkin, também supõe que o universo
é computacional e afirma a hipótese de que algum modelo
de autômato celular pode ser programado para funcionar
como a física do universo. Ele, juntamente com Wolfram6 e
Chaitin, tem sido um dos mais notáveis promotores da ideia
do Universo como um programa computacional constituído
de informação.
Fredkin supõe que o universo é um computador, ou
melhor, que o universo é uma simulação computacional.
Todas as coisas que vemos, conhecemos e fazemos são
ilusões criadas pelo software de um computador gigantesco,
como o holodeck da nave Enterprise em Jornadas nas
Estrelas: Nova Geração. Tudo o que se passa no holodeck é
gerado em outra parte da nave, assim como o computador que

6 O mais recente divulgador destes conceitos é Stephen Wolfram no


livro A New Kind of Science (Um Novo Tipo de Ciência), onde desen-
volve a ideia do universo como um programa de computador.

Sumário 35
A nova mente da máquina e outros ensaios

controla o universo está em outro lugar. Esse computador que


executa o programa para simular nosso universo não pode
estar em nosso universo, pois nosso mundo é o programa que
está sendo executado naquela máquina. Embora haja ainda
muita discussão sobre as teses de Fredkin, o fato é que ele
oferece novas ideias a respeito de como o universo funciona
e que pode ser descrito em termos de processamento de
informação.
Para ele, a natureza pode ser descrita em termos de
processamento informacional. Por exemplo, a semente do
carvalho que já contém toda informação necessária para
fazer uma árvore, pois quando processada adequadamente
o resultado é um novo carvalho. O futuro acontece porque
um processo computacional qualquer transforma uma
informação do presente em novas condições que representam
o instante do tempo seguinte. Ou seja, novamente se toma
a informação como base da realidade: o it from bit, de John
Wheeler (1911-2008), conforme veremos mais adiante.
Por sua vez, o projeto de Wolfram, apresentado em
New Kind of Science (NKS), busca ir além das modificações
de paradigmas científicos regionais. Propõe uma mudança
na própria matriz, no próprio modo de se conceber a
experiência científica e consequentemente a ciência. A sua
hipótese da equivalência computacional (computational
equivalence) propõe uma nova ciência baseada em um tipo
mais geral de leis (regras) que podem ser encarnadas em
simples programas de computador. Não há razão para pensar

36 Sumário
A nova mente da máquina

que sistemas como esses que vemos na natureza seguem


apenas as regras tradicionais da matemática. A experiência
cotidiana nos dá a idéia de que criar complexidade é algo
difícil e que requer regras e planos que seriam eles mesmos
complexos. Mas no mundo dos programas computacionais,
esta intuição parece não proceder.
Wolfram toma uma série de programas simples de
computador e põe para funcionar ao mesmo tempo em que
observa como se comportam: apesar de regras simples, seus
comportamentos estão longe da simplicidade. Pensando
em termos de programas, podemos até mesmo abordar
comportamentos muito complexos, uma vez que princípios
universais simples parecem determinar os comportamentos
dos sistemas de modo geral. Da mesma forma que as regras
para qualquer sistema podem ser vistas como correspondentes
a um programa, também seu comportamento pode ser visto
como correspondente à computação.
Na base das descobertas de Wolfram está o princípio
de equivalência computacional. Isto é, onde quer que se veja
comportamento que não é obviamente simples, em qualquer
sistema, há computação de sofisticação equivalente. Esse
princípio é tão amplo que se pode dizer que não tem
precedentes na história dos princípios científicos, pois
aplica-se a fenômenos de qualquer tipo, seja natural ou
artificial. Suas implicações, além de amplas, são profundas
para várias áreas do saber. O princípio afirma que todos os
processos, sejam eles produzidos pelos esforços humanos

Sumário 37
A nova mente da máquina e outros ensaios

ou ocorram espontaneamente na natureza, podem ser vistos


como resultados de computação.
O princípio de equivalência computacional assevera
que, desde que vistos em termos computacionais, há uma
equivalência fundamental entre os vários tipos diferentes
de processos. Ou ainda, quase todos os processos que
não são obviamente simples podem ser vistos como
computações de sofisticação equivalente. A NKS se
aplica à teoria do caos, teoria da complexidade, teoria
da complexidade computacional, cibernética, teorias
dos sistemas dinâmicos, teoria evolutiva, matemática
experimental, geometria fractal, teoria geral de sistemas,
nanotecnologia (implementação de sistemas tecnológicos
em escala atômica), dinâmica não-linear, história,
sociologia, economia, psicologia, psicanálise etc. Nenhum
sistema pode levar adiante computações explícitas que
sejam mais sofisticadas do que aquelas feitas por sistemas
como autômatos celulares e máquinas de Turing.
Sistemas naturais operam como programas e seus
comportamentos são frequentemente complexos. A razão
para que tal complexidade não seja vista em artefatos
humanos é que, ao construirmos esses aparelhos, tendemos
a usar programas que são especialmente escolhidos para
provocar somente comportamentos simples o bastante
para que possamos prever que ele irá atingir os propósitos
desejados7.
7 “Pode-se pensar que – como no começo eu certamente o fiz –, se

38 Sumário
A nova mente da máquina

É no âmbito dessa digital philosophy que John


Wheeler afirmou o “it from bit”, o “it vem do bit”. Para
ele, há uma analogia entre o modo como um computador
funciona e o modo como o universo funciona. O computador
se baseia na lógica do sim e não e talvez a mesma coisa
aconteça com o universo. O universo – e tudo o que ele
contém (o it) – pode ser consequência de milhares de
medidas que implicam escolhas do tipo sim ou não (os bits)
formulando uma abordagem para estudar o universo em
termos de informação; e quando uma ciência é encarada
do ponto de vista computacional, torna-se evidente que
informação é mais do que simples metáfora ou analogia.
Muitos cientistas pensam hoje a informação como algo
concreto, como tempo, espaço, energia e matéria. E, nos
termos de Wheeler, “tudo é informação”.

as regras para um programa são simples, então isso significa que seu
comportamento também deverá ser correspondentemente simples. A
nossa experiência cotidiana na construção das coisas tende a dar-nos a
impressão de que a criação de complexidade é algo difícil e exige regras
ou planos que são eles próprios complexos. Mas a descoberta funda-
mental que eu fiz há 18 anos atrás é que, no mundo dos programas, tal
intuição está longe de ser correta.
Fiz o que, em certo sentido, é uma das experiência mais elementares
que se possa imaginar em computação: peguei uma sequência de pro-
gramas simples e comecei a rodá-los para ver como se comportavam.
E o que eu encontrei - para minha grande surpresa - foi que, apesar
da simplicidade de suas regras, o comportamento do programa estava
muitas vezes longe de ser simples. Na verdade, mesmo alguns dos pro-
gramas mais simples que verifiquei tinham um comportamento que era
tão complexo como qualquer coisa que eu já tivesse visto” (Wolfram,
2002, p. 2, minha tradução).
.

Sumário 39
A nova mente da máquina e outros ensaios

Mas a teoria da informação clássica não é capaz


de descrever a criptografia quântica, por exemplo, pois
para descrever esse fato foi necessária a criação de algo
que não existia até recentemente: a teoria quântica da
informação. Essa nova teoria nasceu na década de 90 do
século passado e entre os criadores dessa nova forma de
conhecimento está Benjamin Schumacher (1962-), físico
do Canyon College. Em 1992, ele apresentou o conceito de
um bit de informação quântica, que ficou conhecido como
q-bit (ou qubit), que tornou possível o estudo quantitativo
de informação quântica, da mesma maneira que o bit tornou
possível estudar quantitativamente a informação no sentido
clássico. É desse campo de conhecimento que pode emergir
uma máquina até mais poderosa do que aquela que Fredkin
havia imaginado: o computador quântico. Foi o que levou
Feynman, por exemplo, a afirmar que é possível simular
um sistema quântico através de um computador construído
a partir de elementos quânticos: “Não estou falando de
uma máquina de Turing, mas de outro tipo de máquina”
(Siegfried, 2000, p. 83). Mesmo que não tenha dito que
forma esta máquina teria, há a conjectura de uma máquina
superior ou mais abrangente do que a máquina de Turing.
Essa é uma questão básica para nossa pesquisa.
É a partir dessas referências que pretendemos
comentar e cotejar a máquina de revirão (Magno), como
um modelo psicanalítico e lógico para pensar a mente para
homens, máquinas e para o próprio universo e que pode

40 Sumário
A nova mente da máquina

apontar para a questão crucial que atravessa todo esse


campo de conhecimento: a proposta de uma mente topo
de linha, limiar, a partir da qual todas as outras formas de
mente, como na escala sugerida por Kurzweil, podem ser
pensadas. Vejamos, antes ainda, aplicações do modelo das
máquinas computacionais descritas acima em outras áreas
do conhecimento.

A linguística de Chomsky
A linguística também foi afetada pelas ideias que
vinham de teoria da informação e da cibernética debatidas
nas Conferências Macy. A teoria chomskiana, que teve
início com Syntactic Structures (1957), vê a língua como
“um espelho da mente” e isso constitui uma das razões
mais importantes para a sua opção de estudar a língua.
Essa hipótese de Noam Chomsky (1928-) foi decisiva para
a chamada “revolução cognitiva” moderna. Ela afirma
que a faculdade da linguagem parece ser uma propriedade
real da espécie humana, e que varia muito pouco entre
os humanos. Considera também a “linguagem como um
órgão”, um subsistema de um sistema complexo e postula
que esse dispositivo é comum a todos e seria o estágio inicial
do sistema linguístico, que recebe input da experiência e
produz linguagem como output, uma rede fixa conectada
a um painel distributivo em que as chaves são opções a
serem determinadas pela experiência. Se essas chaves são
ajustadas de uma forma, temos uma língua e, de outra

Sumário 41
A nova mente da máquina e outros ensaios

forma, temos outra língua. Desse modo, cada língua tem


uma quantidade de parâmetros e pequenas mudanças nas
configurações podem gerar uma grande variedade aparente
de output, pois o efeito prolifera através do sistema. Cada
língua resulta da ação recíproca do estado inicial e do curso
da experiência.
Esse dispositivo está supostamente encaixado
na arquitetura maior do cérebro e interage com outros
sistemas que impõem condições que têm que ser satisfeitas
para serem utilizáveis. Chomsky chama a esses processos
de condições de legibilidade que possibilitam que o
sistema sensório motor leia instruções sobre o som e que
os aparatos articulatórios interpretem certas propriedades
fonéticas e não outras. Esses sistemas impõem condições
de legibilidade aos processos gerativos da faculdade
da linguagem, que devem prover expressões com a
forma fonética adequada. O mesmo acontece com as
“representações semânticas”. Afirma que, como a língua
tem som e significado, isso implica duas interfaces na
mente, uma conceitual e outra sonora. É bem conhecida
a crítica feita à linguística gerativa acusando-a de tomar
a faculdade da linguagem humana de forma isolada,
divorciada da semântica, das funções da linguagem, e de
outros aspectos humanos como o social, o biológico, o
experiencial e o cognitivo. Os defensores do modelo da
gramática universal (GU), entretanto, acreditam que o
input recebido do ambiente não é suficiente para explicar

42 Sumário
A nova mente da máquina

a aquisição de nenhuma língua, materna ou estrangeira,


pois não é aceitável que se possa adquirir conhecimento
linguístico tão complexo, ou competência, com tão pouco
input. Chomsky define língua como
(...) um conjunto (finito ou infinito) de frases, cada
uma finita no seu tamanho e construída a partir de
um conjunto finito de elementos. Todas as línguas
naturais (...) são línguas neste sentido, uma vez
que cada língua natural possui um número finito de
fonemas (ou de letras no seu alfabeto) e que cada
frase pode representar-se como uma sequência finita
desses fonemas (ou letras), embora o número de
frases seja infinito (Chomsky, 1980, p. 15).

Com os conhecidos exemplos, “1. Colorless green
ideas sleep furiously; 2. Furiously sleep ideas green
colorless”, afirma que a ideia do que é gramatical não é de
base semântica, pois, apesar do exemplo 1 ser um nonsense,
qualquer falante da língua inglesa aceitaria a primeira
frase como gramatical, mas o mesmo não aconteceria com
a segunda. Levanta, então, a hipótese de que teríamos
um mecanismo semelhante a uma função algorítmica
computacional presente nos diferentes estados internos: o
primeiro deles seria o estado inicial (input) e o último o
estado final (output). A operação começa no estado inicial,
percorre uma sequência de estados (produzindo uma palavra
em cada transição), e termina no estado final, de modo
análogo à máquina de Turing. A sequência de palavras

Sumário 43
A nova mente da máquina e outros ensaios

produzida é a “frase”. Cada máquina define então uma


determinada língua, isto é, o conjunto de frases que podem
ser produzidas dessa forma. Qualquer língua que possa ser
produzida por um mecanismo desse tipo, é denominada
língua de estado finito e pode-se chamar esse mecanismo
de gramática de estado finito. Chomsky demonstra que
são os processos de formação de frases são finitos e que
a recursividade faz com se produzam frases infinitamente.
A gramática é assim um recurso gerador de frases (= uma
máquina) e propõe o estudo da gramática independente da
semântica.
Então, sua proposta é de um estudo de estruturas bá-
sicas e suas regras de transformação. Nasceu assim a gra­
mática gerativa ou teoria transformacional que considera
a língua como constituída de autômatos computacionais e
afirma que sua teoria se baseia principalmente nas teses de
Humbolt, que já declarava que “uma língua faz uso infinito
de meios finitos” e de que “a gramática dessa língua deve
descrever os processos que tornam isso possível”.
Para ele, “uma gramática reflete o comportamento
do falante que, a partir de uma experiência de língua, finita
e acidental, consegue produzir ou compreender um número
infinito de novas frases” (1980, p. 17). A distinção que
Chomsky faz em Syntactic Structure entre frases geradas
pela gramática (a língua) e a amostra dos enunciados
produzidos, em condições normais de uso, pelos falantes de
uma língua-mãe (o corpus), desenvolve-se posteriormente

44 Sumário
A nova mente da máquina

com a dicotomia competência e desempenho (Lyons, 1995,


p. 38). Competência é definida como o conhecimento que
o falante-ouvinte possui de sua língua e desempenho como
o uso efetivo da língua em situações concretas. Ele associa
essa dicotomia à langue e parole de Saussure, mas rejeita o
conceito de langue “como sendo meramente um inventário
de itens” e adota a concepção humboltiana de competência
subjacente como um sistema de processos gerativos. Assim,
aproxima o conceito de aceitabilidade à performance e a
gramaticalidade à competência (Chomsky, 1980). Outro
conceito importante é o de dispositivo de aquisição de
linguagem (DAL), que ultrapassa os propósitos deste artigo
e será retomado em outra ocasião.

Psicanálise, cibernética, estruturalismo


e antropologia
Quer se trate da realidade virtual (RV) e das redes, do
ciborgue e seus dispositivos bioinformáticos, deparamo-nos
com a herança do modelo cibernético e sua ideia genérica de
controle de sistemas que dispensa a categoria de sujeito do
conhecimento, sobre a qual se assentou a ideia de homem
moderno desde Descartes. De Bateson a Lacan, de Lévi-
Strauss a Sloterdijk, de Jakobson a Badiou, a ideia de sujeito
passa por sucessivas críticas, reformulações e abstrações
que se encaminham para seu progressivo desaparecimento.
No pensamento desses autores, nota-se a permanência de
um paradigma que passa do estruturalismo à teoria dos

Sumário 45
A nova mente da máquina e outros ensaios

sistemas, do pós-moderno ao pós-humano, do ciberespaço à


reconfiguração biotecnológica dos corpos, das neurociências
à inteligência artificial (IA) etc., no qual se constata a
negação da herança humanista e o exercício de uma lógica
de dessubjetivação típica do modelo cibernético.
O pensamento de Roman Jakobson (1896-1982),
em seu contato com a cibernética e a teoria da informação8,
ganhou a consistência necessária para firmar-se e influen-
ciar pensadores europeus como Claude Lévi-Strauss (1908-
2009) e Jacques Lacan (1901-1981). É por intermédio do
estruturalismo que a cibernética fixou-se de forma dura-
doura na Europa. Na época, representavam uma resposta
científica aos horrores da Segunda Guerra Mundial e à
crescente suspeita de pós-guerra que recaia sobre a ciência
e a técnica ao mesmo tempo em que havia uma perda de
confiança no homem e nos ideais humanistas em vigor.
Em Tristes trópicos, Lévi-Strauss transforma a
antropologia em entropologia (entropia + logia), fazendo
ressonância às propostas de Wiener – que descrevera
seu entendimento do homem como “náufragos num
planeta condenado à morte” (Wiener, 1973, p. 36-37) –,
afirmando que “incumbe ao homem viver e lutar, pensar

8 Segundo François Dosse, o sucesso do estruturalismo na França em


muito se deveu ao encontro de Lévi-Strauss e Jakobson em Nova York
em 1942, ao mesmo tempo que se dava também o encontro entre o es-
truturalismo e a cibernética na 5ª conferência Macy. Jakobson estava na
primeira linha das discussões entre cibernética e teoria da informação
(Dosse, 1993, v. 1, p. 75-81).

46 Sumário
A nova mente da máquina

e acreditar (...) sem jamais ser livre da certeza adversa de


que não estava outrora na terra e de que não o estará para
sempre, e de que, com seu desaparecimento inelutável da
face do planeta, também ele condenado à morte, os seus
labores, as suas alegrias, as suas esperanças e as suas obras
desaparecerão como se nunca tivesse existido” (Lévi-
Strauss, 2011, p. 670).
O estruturalismo, assim como a cibernética, destacou-
se desde o início como um pensamento de desconstrução e
destruição da noção de sujeito. É no paradigma da cibernética
que Lévi-Strauss afirma seu modelo antropológico de
“espírito sem sujeito”, base de seu arcabouço teórico.
Se Wiener suspeitava que seu modelo dificilmente seria
aplicado às ciências humanas, por outro lado Lévi-Strauss
replicava que a linguística estrutural estava em condições
de sustentar essa exigência, pois, segundo ele, a estrutura
da linguagem pode ser descrita a partir de longas séries
estatísticas e se constitui como “objeto independente do
observador”, segundo a exigência da epistemologia clássica.
Esse modelo, que se ancorava na linguística estrutural de
Saussure e na fonologia de Jakobson – influenciado pela
fonologia de Nikolay Trubetskoy (1890-1938) e pela teoria
da informação de Shannon (os bits) –, descreve a língua
como unidades sonoras (os fonemas) estruturadas como
códigos e constituídas por leis invariáveis, à moda das
ciências duras. A antropologia passa, assim, a estudar os
códigos culturais humanos, de modo a extrair deles leis

Sumário 47
A nova mente da máquina e outros ensaios

gerais e “estruturas universais”. O interesse de Saussure,


Jakobson, Shannon e Wiener recai sobre as relações e os
sistemas e não sobre os referentes ou objetos. Quéré, por
exemplo, destaca as relações existentes entre o modelo
informacional e o estruturalismo: 1. Antecede a mensagem;
2. Delimita as balizas da comunicação; 3. É independente
dos conteúdos informativos; e 4. Está numa posição de
exterioridade em relação à fonte (emissor) (Queré apud
Lafontaine, 2007, p. 89). É nesse sentido que Saussure
entendia que não é o falante que fala a língua, mas sim que
é falado por ela.
Foi a partir da teoria sobre o simbólico de Lévi-
Strauss que Lacan recompôs a psicanálise freudiana,
afastando-a principalmente das referências biológicas e
afirmou que “[o] insconsciente não é o primordial, nem o
instintivo, e, de elementar, conhece apenas os elementos do
significante” (Lacan, 1998, p. 526), lugar vazio das trocas
simbólicas. Mas é a partir do Seminário 2 [1954-55] que
surgem na obra de Lacan as marcas das teorias cibernéticas
e informacionais. Com a noção de simbólico, ele afirma que
“a função simbólica constitui um universo no interior do qual
tudo aquilo que humano deve ordenar-se”9 (Lacan, 1985,
p. 44) e acrescenta que “o mundo simbólico é o mundo da

9 “(...) A função simbólica não é nova como função, ela tem linea-
mentos em outros lugares que não na ordem humana, mas trata-se ape-
nas de lineamentos. A ordem humana se caracteriza pelo seguinte – a
função simbólica intervém em todos os momentos em todos os níveis
de sua existência” (Lacan, 1985 [Seminário Livro 2], p. 44).

48 Sumário
A nova mente da máquina

máquina”10 (Lacan, 1985, p. 66) e, nesse mesmo raciocínio,


põe o homem como sujeito descentrado e lembra que as
máquinas também são feitas de discurso (informacional):
Concebido como pura ficção, o sujeito lacaniano
só existe no horizonte da ordem simbólica que o
determina, que toma a forma de circuito cibernético.
Pelo menos é isto que Lacan defende quando afirma
que o inconsciente é o discurso do outro, não de um
outro “abstrato”, mas sim o “o discurso do circuito
em que estou integrado” (Lafontaine, 2007, p. 97).

Esse “circuito integrado” a que ele se refere


diz respeito ao circuito das “portas cibernéticas”, cuja
cadeia combinatória funciona independente de qualquer
subjetividade e Lacan define a cibernética como “uma
ciência da sintaxe” (Lacan, 1985, p. 380). Se lembrarmos da
primazia que a linguística estrutural dá à fonologia e à sintaxe
(e, por isso, do papel atribuído ao significante), compreende-
se que o simbólico, para Lacan, é uma transposição do
modelo cibernético, uma verdadeira encarnação maquínica
do simbólico – muito diferente do imaginário – que ordena
a cultura humana. Para Lacan, o simbólico se impõe a partir
do exterior, segundo as mesmas combinações matemáticas

10 “A palavra é inicialmente este objeto de troca com o qual a gente


se reconhece, e porque vocês disseram a senha, a gente não quebra a
cara, etc. A circulação da palavra começa assim, e ela se infla a ponto de
construir o mundo do símbolo que permite cálculos algébricos. A má-
quina é a estrutura como desvinculada da atividade do sujeito. O mundo
simbólico é o mundo da máquina (grifo nosso)” (Lacan, 1985, p. 66).

Sumário 49
A nova mente da máquina e outros ensaios

apresentadas por Lévi-Strauss e, dessa forma, concebe o ser


humano unicamente em sua relação com o Outro, com o
universo simbólico da mediação. É claro que a psicanálise
lacaniana não se restringe a isso, e o próprio Lacan vai fazer
ainda sucessivas viradas teóricas e clínicas, mas já se pode
medir até aqui o quanto essas articulações são sintomáticas
das influência da cibernética em seu pensamento.
Outro exemplo, na mesma linhagem da sintaxe
importada da teoria da informação é a lógica do significante
(Dor, 1989), formulada a partir do signo linguístico
de Saussure, constituído de significado (conceito ou
representação psíquica) e significante (imagem acústica).
Lacan retomou o conceito de significante como elemento
central de sua teoria, entendido como elemento significativo
do discurso que determina os atos, palavras do “sujeito”.
Essa noção foi construída a partir de Saussure e Lévi-
Strauss e posteriormente incluiu as articulações de Jakobson
sobre os dois eixos da linguagem (sintagma e paradigma),
resumidos na metáfora e na metonímia.
Além de tudo o que já se falou sobre a lógica do
significante em Lacan, podemos acrescentar mais um
aspecto: no movimento de representação do sujeito lacaniano
de um significante para outro significante, o movimento
no sentido de atingimento do objeto do desejo (objeto a),
esse objeto se desloca metonimicamente para um horizonte
sempre inatingível. Parece estar em um processo perene
de dissipação, como algo que sempre escapa a qualquer

50 Sumário
A nova mente da máquina

movimento de apreensão. Esse é o sentido entrópico do


objeto a. Permanece ainda nessa lógica do significante
algo que lembra as bases da teoria da informação e seus
fundamentos físicos. No processo mesmo de produção da
informação a partir da entropia, algo permanentemente
se perde, justamente aquilo que poderia fechar o circuito
do processo informativo. Estamos no vigor do modelo
cibernético, informacional de base termodinâmica e do
entendimento da funcionalidade da mente a partir de um
paradigma cibernético e informacional.
Além dessas relações acima apresentadas entre
a psicanálise desse momento e a cibernética, podemos
também destacar outros aspectos que também têm relação
como esse paradigma e a ideia de artificialismo geral do
universo: por exemplo, a ideia de “desmontagem da pulsão”
(Lacan, 1979, p. 153-64), quando dá claro indicativo de
que o circuito pulsional opera como uma máquina. Lacan,
juntamente com Freud, descarta as possibilidades de redução
da ideia de pulsão a qualquer sentido puramente biológico
ou orgânico. Destaca que, quando Freud fala de “investidos
pulsionalmente”, destaca que a característica da pulsão é
ser uma konstante Kraft, uma força constante. E ele não a
concebe como uma momentane Stosskraft (no sentido de
(força de) momento na cinemática, quem sabe referência a
uma força cinética):
A constância do impulso proíbe qualquer assimilação
da pulsão a uma função biológica, a qual tem sempre

Sumário 51
A nova mente da máquina e outros ensaios

um ritmo. A primeira coisa que diz Freud da pulsão


é, se posso me exprimir assim, que ela não tem dia
nem noite, não tem primavera nem outono, que ela
não tem subida nem descida. É um força constante.
Seria preciso levar em conta igualmente os textos e
a experiência (Lacan, 1979, p. 157)

Segundo Lacan, a pulsão se parece com uma


montagem que, de saída, se apresenta como não tendo “pé
nem cabeça” – no sentido em que se fala de montagem
numa colagem surrealista.
Se aproximarmos os paradoxos que vimos de definir
no nível do Drang ao objeto, ao do fim da pulsão,
creio que a imagem que nos vem mostraria a marcha
de um dínamo acoplado na tomada de gás, de onde
sai uma pena de pavão que vem fazer cócegas no
ventre de uma bela mulher que lá está incluída
para a beleza da coisa. A coisa começa a se tornar
interessante pelo seguinte, que a pulsão define,
segundo Freud, todas as formas pelas quais se pode
inverter um tal mecanismo. Isto não quer dizer que
se reverte o dínamo – desenrolam-se seus fios, são
eles que se tornam a pena de pavão, a tomada do gás
passa pela boca da moça e pelo meio sai um sobre
de ave (Lacan, 1979, p. 161).

Lacan então articula um de seus raciocínios mais


importantes sobre a pulsão: “(...) a curva da terminação da
sexualidade no ser vivo. Como espantar-se que seu último

52 Sumário
A nova mente da máquina

termo seja a morte? Pois que a presença do sexo está ligada


à morte” (Lacan, 1979, p. 168). Essa metáfora da curva, do
arco, foi retirada de Heráclito: “Ao arco é dado o nome da
vida (Bios) e sua obra, é a morte” (Lacan 1979, p. 168). E
Lacan acrescenta: “O que a pulsão integra de saída em toda a
sua existência, é uma dialética do arco, diria mesmo do arco
e da flecha. Por aí podemos situar seu lugar na economia
psíquica” (p. 168). Nessa trajetória, assim descrita, ressoa a
tradição do modelo termodinâmico e cibernético.

Máquinas desejantes
Na sequência do acima exposto, poderíamos tratar
também de outras questões ligadas à computação e à
cibernética, mas que não cabem no espaço deste artigo.
Dando um salto, faremos aqui uma breve apresentação de
questões propostas por Deleuze e Guattari que tomaram o
conceito de máquina como pensada a partir de Turing e da
cibernética, para articular aspectos fundamentais da mente
segundo a psicanálise – como o quadro pulsional descrito
por Freud –, além da crítica endereçada a uma estagnação
da psicanálise em que havia recaído o legado freudiano no
final dos anos 60.
Do começo ao final do Anti-Édipo vemos a afirmação
de que tudo é máquina, de modo que na produção da realidade
só há maquinações. Quando Deleuze e Guattari empregam
o termo máquina, a intenção parece ser a subversão do
sentido adquirido nas teses mecanicistas para pensar uma

Sumário 53
A nova mente da máquina e outros ensaios

maquinaria que não só representa o homem e a natureza,


mas também como aquilo que os produz incessantemente.
Esses arranjos maquínicos funcionarão por si mesmos,
dispensando a ação de qualquer elemento transcendente
para torná-los animados ou para designar-lhes princípios e
finalidades. E aí não se trata de metáfora da realidade, mas é
a própria realidade em sua produção por todos os domínios
e escalas, em produção desejante permanente. Para eles, o
homem constitui uma só peça com a máquina ou constitui
uma só peça com outra coisa para constituir uma máquina,
que pode ser um artefato, um animal ou outros homens. Isso,
desde que esse caráter seja comunicado por recorrência ao
conjunto de que faz parte em condições bem determinadas
(Deleuze & Guattari, 1972, p. 404).
Em toda parte são máquinas com seus acoplamentos
e conexões. Uma máquina órgão para uma máquina
energia, sempre fluxos e cortes. Há sempre uma
máquina produtora de um fluxo e uma outra que
lhe é ligada, operando um corte, na extração de
fluxo (o seio – a boca) como a primeira é por sua
vez ligada a uma outra, em relação à qual ela se
comporta como corte ou extração, a série binária
é linear em todas as direções. O desejo não cessa
de efetuar acoplamentos de fluxos contínuos e de
objetos parciais, essencialmente fragmentários e
fragmentados. O desejo faz escorrer, escorre e corta.
Fluxo de babas, esperma, urina, que são produzidos
por objetos parciais, constantemente cortados por

54 Sumário
A nova mente da máquina

outros objetos parciais, os quais produzem outros


fluxos, recortados por outros objetos parciais
(Deleuze e Guattari, 1976, p. 20).

Os autores efetuam análises críticas originais da


psicanálise, e oferecem propostas teóricas e práticas para
os problemas que identificam no legado freudiano. Preten-
dem conceber um inconsciente imanente e produtivo e o
registro econômico do inconsciente freudiano é valorizado
nesse projeto.
Os conceitos de máquina desejante e corpo sem
órgãos , por exemplo, articulam-se com a teoria das pulsões
11

na retomada positiva e específica da teoria freudiana através


dos conceitos de máquina desejante e de corpo sem órgãos,
empreendimento vigoroso na investigação do inconsciente
e do desejo, onde se busca retomar linhas alternativas que
nascem da própria psicanálise, mas que estavam esquecidas.
Dois princípios se destacam nessa leitura: 1. O inconsciente
não é representativo, mas produtivo (“o inconsciente não é
um teatro, mas uma fábrica, uma máquina de produzir”);
2. O inconsciente não se constitui no campo individual-
familiar, mas no campo social (“o inconsciente não delira
sobre papai-mamãe, ele delira sobre as raças, as tribos, os
continentes, a história e a geografia, sempre um campo

11 Remetemos o leitor a O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia 1


(Rio de Janeiro: Imago, 1972) e Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofre­
nia (Rio de Janeiro: Editora 34, 1995-1997), obras seminais dos autores
sobre essas questões.

Sumário 55
A nova mente da máquina e outros ensaios

social”). As afirmações de certo modo resumem o tipo de


confronto que eles estavam tendo com a psicanálise daquele
momento.
Em oposição à mecânica que concebe o inconsciente
como um organismo, constrói-se um modelo de fluxos livres
e não codificados, com um funcionamento maquínico que
reconheça os aspectos moleculares marcados pelas dispersão
e interação autônomas de suas partículas na consideração de
que os organismos são máquinas que contém tal abundância
de partes que devem ser comparados a peças extremamente
diferentes de máquinas distintas que se remetem umas às
outras, maquinando uma sobre as outras (1972, p. 296). E
o motor das máquinas é o desejo: “a máquina introduz-se
no desejo, a máquina é desejante e o desejo maquinado”
(1972, p. 297). Empregando uma articulação que provém da
cibernética, eles também unificam as categorias de homem,
natureza e máquina, onde o humano, o natural e o maquínico
são a mesma coisa, pois todos são processos de produção
molecular. Já não há nem homem nem natureza, mas
unicamente um processo que os produz um no outro, e liga
as máquinas: tudo é máquina (1972, p. 8). Assim, o princípio
unificador de todos os seres encontra-se no próprio processo
de composição e fragmentação das máquinas desejantes.
Trata-se de um processo infinito em que tudo é produção de
máquinas, resultado de outra produção de máquinas.
Nosso interesse neste artigo é o destacamento que
Deleuze e Guatarri puderam fazer sobre a psicanálise

56 Sumário
A nova mente da máquina

freudiana a partir de referências explícitas das máquinas de


Turing e da cibernética. Essa correlação pode ser importante
para a articulação que vem a seguir.

A mente-espelho da Nova Psicanálise


Segundo MD Magno12, uma das coisas que sempre
chamou a atenção no pensamento é o fato de, ao que quer
que seja colocado para nossa mente, o contrário também
ser pensável ou exigível. Pensadores de diversas áreas
depararam-se com essa qualidade básica do psiquismo, o
qual, por outro lado, está configurado mediante aparelhos de
recalque, limitações e travamentos. Mesmo que pareçamos
constantes, o que se passa em nossas mentes é um vale-tudo
radical, pois, ao que quer que se diga, com um pouco de
esforço, é possível virar pelo avesso (Magno [1999], 2004,
p. 29).
A essa competência da mente e suas possibilidades,
a nova psicanálise13 chama de revirão14, fundamentado no
12 Criador da Nova Psicanálise ou NovaMente, em 1986, na linhagem
Freud-Lacan. É uma nova articulação da psicanálise a partir do
conceito de pulsão (considerado como conceito fundamental) e suas
consequências. Esse pensamento tem se mostrado à altura das complexas
questões contemporâneas em múltiplos campos do conhecimento e
coaduna-se com teorias científicas atuais e frequentemente demonstrou
antecipá-las em pontos cruciais. Os Seminários e Falatórios de MD
Magno estão sendo publicados desde 1977. Para maiores informações:
www.novamente.org.br.
13 Ao final do livro, Pequeno Glossário da Nova Psicanálise, com
definições dos conceitos aqui empregados.
14 O termo Revirão foi cunhado a partir da criação de James Joyce,
em Finnegans Wake, riverrun e da tradução que dele fizera Glauber

Sumário 57
A nova mente da máquina e outros ensaios

princípio de catoptria (do gr. katóptron = espelho), princípio


de base psicanalítica que afirma que o que quer que haja
evoca seu avesso ou enantiomorfo. Esta competência é
dada e está disponível a qualquer pessoa que dela faça uso.
Destaca-se nessa articulação um desejo de simetria absoluta
como princípio primeiro e organizador de tudo que há em
qualquer tempo e lugar. Se essa simetria se produz ou não,
não é a questão principal, pois isso depende das condições
de resistência das formações em jogo, pois o que se destaca
é a simetria como possibilidade constante e sempre em
busca de sua efetivação (Magno, [1990], 2001, v.1, p. 105).
O funcionamento do princípio de catoptria é conjeturado
para o Haver15, donde sua aplicação aberta e genérica: o
que quer que haja, em qualquer ordem de havência, tem a

Rocha no título de seu romance Riverão Sussuarana. Além do próprio


verbo da língua portuguesa “revir”, que, segundo o Novo Dicionário
Aurélio da Língua Portuguesa, vem do latim “revenire” e significa “vir
de novo”, “voltar”, “regressar”.
15 Haver: primeiramente, o Haver (forma substantivada) é concebido,
em sentido cosmológico, como conjunto aberto do que HÁ – o que se
chama universo ou multiverso, por exemplo –, em qualquer forma e
disponibilidade com que se apresente. O que quer que haja, material-
mente dado ou ficcionalmente construído, real ou virtual, manifesto ou
latente, faz parte do Haver e suas possibilidades de mutações. Nele não
há “fora”, o que quer que haja lhe pertence e isso que há se constitui
como Um, único e singular. Mas esse Haver não é estático ou imó-
vel. Suas conformações estão em permanente agonística e metamor-
fose, pois o Haver é “movimento desejante puro: tudo que deseja é
não-Haver” (Magno [1990], v. 1, p. 89). A causa desse movimento é a
força básica suposta ao Haver é o que Freud nomeou como Pulsão [de
morte] em Além do Princípio do Prazer (1920) (Magno [1992], 14) e
(Alonso, 2010).

58 Sumário
A nova mente da máquina

propriedade de ser uma forma simetrizável ou reversível


em seu avesso, contrário ou oposto. Trata-se de catoptria
radical, pois ao que quer que se coloque, tem-se o avesso
“em todos os sentidos e com várias possibilidades de
avessamento interno a esse processo: enantiomorfia total”
([1990], 2001, v.1, p. 106-107).
O que qualifica esse princípio é a catoptria, o puro
espelho como modelo de operação lógica de avessamento
que estrutura os movimentos da mente e do Haver, questão
nuclear na obra de Magno16.

A máquina de revirão
Torna-se senso comum em nosso tempo o
reconhecimento de que o homem é um ser artificialista e
tecnológico, um “deus de prótese”, como disse Freud em O
mal-estar na civilização. Cria o mundo mediante artifícios
e artefatos, através de operações de transformação ou
metamorfose de tudo que o cerca. Ele tem competência e
desempenho (Chomsky) mental para tanto. As mutações que
deixa no planeta Terra, na Lua e, em breve, provavelmente em
16 Desde seus artigos O hífen na barra (1972), Gerúndio (1973) e de
seu primeiro Seminário Senso contra censo: Da obra de arte (1976).
Além de recorrer à tradição lacaniana de tomar o espelho como modelo
estrutural do sujeito, ele se utiliza sistematicamente de outros autores
para extrair um entendimento das propriedades reflexivas do espelho,
no sentido de sua lógica e competência de reflexão. Sobretudo, das
obras de Marcel Duchamp (Le Grand Verre e Etant Donnés), Fernando
Pessoa, Lewis Caroll, Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas e Pri­
meiras Estórias) e Velázquez, (o quadro As Meninas). Esses autores são
referências constantes em sua produção.

Sumário 59
A nova mente da máquina e outros ensaios

outros astros – desde a domesticação do fogo às mais complexas


naves espaciais –, dão prova dessa vocação tecnológica. Nesse
sentido, todas as formas de arte e de técnica atestam os mais
variados interesses que ultrapassam a utilidade imediata de
qualquer aparelho ou engenho e se constituem como extensões
de sua mente e de seu corpo (McLuhan, 2005). Também
pode-se verificar, cada vez mais, que não há barreira radical
ou heterogeneidade entre o que constrói artificialmente e o
mundo natural e físico em que vive.
Se a mente está aparelhada para operar essas
transformações, é provável que haja compatibilidade
entre o sistema que nos constitui e aquele que podemos
transformar mediante novos artifícios. Todas as limitações
e recalques com que nos deparamos diariamente – naturais
ou culturais – são efeitos de parcializações ou fronteiras
que, de algum modo, produzem a separação das coisas entre
si, gerando a relação “dentro / fora”, “eu / outro”, “inclusão
/ exclusão”, etc. Por outro lado, os artifícios que fabricamos
são possibilidades de dissolução de tais fronteiras, mas
posteriormente também eles se tornam novas formas de
prisão e limitação. Não há a prótese definitiva que possa
resolver tudo de uma vez por todas.
Como dissemos, a nova psicanálise apresenta uma
hipótese para esta habilidade de artificialização de nossa
mente. Toda produção artística e tecnológica feita pelo homem
resulta de uma função de simetrização, a função catóptrica da
mente. Ela é concebida como máquina que espelha ou revira

60 Sumário
A nova mente da máquina

o que quer que se lhe apresente, produzindo o arquivo infinito


de artifícios (a cultura) com que a humanidade convive há
milhares de anos. Esse modelo destaca a função de reversão,
avessamento ou revirão de que o cérebro é capaz como sendo
a função originária que teria tornado possível o surgimento
da linguagem, da arte, da técnica, da ordem simbólica (com
suas transcrições ou traduções culturais e comportamentais).
Sendo, antes de tudo, uma máquina de avessamento ou
revirão, a mente é a competência de articular as informações
recebidas no regime de sua enantiose, isto é, no regime de
pura e simplesmente poder efetivar a função contrária do
que comparece. Por enantiose ou enantiomorfismo devemos
entender a operação de avessamento de toda e qualquer
formação que nossa mente é capaz de sonhar ou pensar, por
ser sua competência fundamental a habilidade de propor uma
formação reversa.
A nova psicanálise designa como idioformação17
a qualquer formação do Haver constituída primária e
secundariamente com a eventual disponibilidade de ser
17 “Uma idioformação é uma (qualquer) formação que tenha disponí-
vel para si (mesmo que não aplicada hic et nunc) a hiperdeterminação.
Então, essas coisas que chamam de gente, que se tem o hábito de, não sei
por quê, chamar de Sujeito – pois não há aí Sujeito disponível o tempo
todo –, são idioformações não porque são Sujeitos, ou subjetividades,
mas porque são formações tão sintomá­ticas, tão limitadas quanto quais-
quer outras mas tendo a disponibilidade eventual da hiperdetermina-
ção – coisa que outras formações não têm. Chamo-as de idio­formações
pois parecem completamente idiotas quando não estão no exercício da
hiperdeterminação. Assim fica melhor, pois se descola das pessoas, da
história do tal Sujeito. Pode haver por aí outras idioformações desco-
nhecidas por nós” (MD Magno [1991], p. 2002, p. 208-209).

Sumário 61
A nova mente da máquina e outros ensaios

comovida pela hiperdeterminação, conceito que será


comentado mais abaixo. O caso conhecido é o homem,
mas podem ser outras formações como os ETs, “máquinas
espirituais”18 ou qualquer outra que tenha tal competência e
desempenho. Magno chama de pessoa às idioformações do
“nosso caso”, a “espécie humana”. Pessoa é uma rede de
formações em transa e que resistem a quaisquer outras que
lhe sobrevenham. Essa rede infinita organiza-se também em
polos com foco e franja (Magno [2005], 2007, p. 106-115).
O “ser humano” é caso de encarnação dessa disponibilidade
ao reviramento que há no Haver. Assim, não é a chamada
“espécie humana” que qualifica o revirão, conforme
veremos a seguir. Pelo contrário, é o homem que é por
ele qualificado. Pode-se reconhecer que há pulsão, como
revirão, e que somos um caso de encarnação dessa ordem
disponível ao reviramento – tratando-se então de um caso
de idioformação –, embora seja o único que conhecemos
até o momento.

Pessoa e hiperdeterminação
Conforme já vimos, quando se trata de “idioformação
do nosso caso” (seres humanos), a nova psicanálise chama
de pessoa. Essa ideia, que resulta da concepção da mente
como espelho, pode nos dar uma noção da compatibilidade
da tese psicanalítica com as pesquisas da cibernética e da

Cf. o livro de Ray Kurzweil, The Age of Spiritual Machines. Pen-


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guin Books, 1999.

62 Sumário
A nova mente da máquina

informática. No aparelho teórico que estamos descrevendo, a


pessoa é concebida como uma rede de formações “naturais”
e “culturais”, com vários níveis e em interações recíprocas,
que se organiza em polos que, por sua vez, se apresentam de
modo focal e franjal19. É uma formação complexa, com n
componentes que se organizam em dada configuração, que
também pode estar gravitando em torno de outras formações
e assim sucessivamente. E, como todo polo, é um aglomerado
de resistências a outras formações já constituídas e também
organizadas polarmente.
O que caracteriza a pessoa em sua singularidade é
poder ser – ainda que aprisionada em uma aglomeração de
formações primárias e secundárias que a determinam e cons-
tituem –, afetada eventualmente pela hiperdeterminação.
É poder ser comovida pelo determinante último e radical

19 “...ao considerar as formações, é preciso fazê-lo no sentido abran­


gente, pois isso é infinitamente grande para todos os lados e não sei
quais são suas conexões. Lembram do que eu dizia do foco e da fran-
ja, e de que, até para se produzir um conhecimento, uma quanti­dade
de coisas fica fora? Não só o campo é infinito de formações, pois não
há como fazer a leitura dele todo, como cada uma das formações tem
que ser pensada como formação de formações, não se sabe onde isso
termina. A história da física, por exemplo, antigamente parava na idéia
de átomo, mas foi crescendo: o átomo tomou outra característica e hoje
temos a suposição, incompro­vada ainda, de que há umas três ou quatro
cordas mínimas como última formação das formações. Será? A infini-
tude, tanto na abran­gência do campo como dentro de cada formação, é
fractal. É o conceito de Mandel­brot, de que já falei aqui há anos: a coisa
vai se expandindo para dentro e para fora. Pode-se até, com frequên-
cia, ter uma forma mínima que percebemos organizar todo o campo,
mas aquilo é infinito no extensivo e no intensivo” (Magno [2000/2001],
2003, p. 481).

Sumário 63
A nova mente da máquina e outros ensaios

capaz de produzir eventos que suspendem as outras formas


de determinação em vigor e possibilitam o surgimento de
formações originais e novas configurações sistêmicas. A Hi­
perDeterminação, como Magno escreve, é a possibilidade
de ocorrência de neutralização no conjunto das forças que
existem em dada situação. Então, mesmo que determinada
e oprimida pelo conjunto de formações que a constituem,
há para a pessoa a possibilidade de exasperação, de atrito
em um ponto limite que revira tudo pelo avesso (princípio
de catoptria / revirão) e repõe o jogo novamente, porque
não há saída para “fora” desse sistema. É o vigor máximo
da função catóptrica. Dessa forma, é possível acontecer um
ato de criação para o vivido nessa experiência e a emergên-
cia de uma nova prótese, de uma tecnologia, que facilite o
manejo da realidade.
O único caso conhecido de pessoa até o momento,
com mente revirante, somos nós mesmos, mas talvez
haja outras formações também complexas que sejam
afetadas pelo movimento hiperdeterminante e pelo
reviramento – “extraterrestres” (ETs), ou futuramente
“máquinas espirituais” (Kurzweil, 1999) –, com mente
homóloga quanto à competência e performance.
Ray Kurzweil (1948-) chama de singularidade
(2005, p. 9) o momento de culminância da união entre nossa
existência e o pensamento biológico com a tecnologia, o que
resultará em um mundo ainda humano, mas que transcende
nossas raízes biológicas. Na pós-singularidade, não haverá

64 Sumário
A nova mente da máquina

distinção entre humano e máquina ou entre realidade física


e virtual. Se podemos supor que algo de humano ainda
vai restar neste mundo é o fato de pertencermos à espécie
que busca ampliar seu limite físico e mental para além do
meio que a cerca. A hipótese de Kurzweil é convergente
com a de pessoa que a nova psicanálise está propondo
para pensar nosso tipo de mente. Ocasionalmente, somos
capazes de atos radicais de criação em qualquer campo do
conhecimento, criação esta que resulta da mente revirante
e especular que portamos.

O algoritmo fundamental da psicanálise


Ao afirmar que o inconsciente é máquina de
revirão, de avessamento, Magno também considera que
há função catóptrica como repetição de um “princípio
alucinatório” constitutivo da mente. Mente esta cuja base
é sua competência de indiferenciação, de neutralização
das polaridades ou diferenças que comparecem mediante
a função catóptrica (que a tudo põe a possibilidade de
avessamento). Os travamentos e emperramentos desta
função resultam do que Freud chamou de resistência e
recalque, os quais, de inúmeras maneiras, limitam o poder
de indiferenciar ou neutralizar qualquer formação que se
apresente.
O ponto de partida do pensamento psicanalítico é a
idéia de pulsão, pensada originalmente por Freud ([1920])
como pulsão de morte e reformulada por Magno como:

Sumário 65
A nova mente da máquina e outros ensaios

Haver desejo de não-Haver (AÃ). Esse é o algoritmo


fundamental da psicanálise. É a mesma e única pulsão
que ordena qualquer outra forma de pulsão (de vida, de
destruição, oral, anal, etc.) que tenha sido recortada por
Freud ou outros teóricos da psicanálise. Assim, a mente (que
Há) é regida por um princípio de catoptria que alucina sua
extinção (não-Haver) como requisição (desejo) de simetria
absoluta, a qual, em última instância, por impossibilidade
de concretização desse gozo último, de Morte, impõe à
própria máquina catóptrica sua reversão para o mesmo lado
do espelho. Note-se que, neste ponto, o espelho é tomado
como limite absoluto, sem qualquer possibilidade de avesso.
Para efeitos didáticos, apresenta-se o modelo do revirão20
mediante a lógica de avessamento da banda de Moebius.
Vejamos abaixo sua esquematização:

x
2
A -x

Ã
20 A hipótese do Revirão é apresentada formalmente pela primeira
vez em (Magno [1982]). Cf. principalmente as seções: 10. Introdução
à matemúsica-2 (A Chã Psicanálise ou o ICS da A a Z), p. 176-193; e
12. O halo, o alelo, p. 208-220. Cf. também a produção subsequente do
autor, com destaque para [1999] e [2000/2001].

66 Sumário
A nova mente da máquina

Destaca-se aí a superfície unilátera da banda de


Moebius desenhada segundo o percurso longitudinal sobre
ela, nomeado pelos matemáticos como oito interior21. Nele
estão inscritas as diferenças x / -x, que podem ser indiferen-
ciadas ou neutralizadas no ponto terceiro n, onde estes pontos
positivo (x) e negativo (-x) se equivalem. O que interessa
à psicanálise, além do terceiro ponto – lugar de indiferen­
ciação –, é principalmente a vontade de simetria (entre A
e Ã), que está na base do conceito de pulsão. Trata-se da
função lógica do espelho: para além dos avessamentos que
opera (pois a mente é pura função de catoptria), há a função
alucinatória de uma vontade de simetria absoluta, que jamais
comparece na experiência, pois é uma simetria absolutamen-
te impossível. É essa “polaridade” de último grau – que está
no esquema como sendo a “segunda potência do binário”
(2²) – que a fórmula Haver desejo de não-Haver descreve.
Esse é o trauma e/ou a condenação apontados por
Freud, que comparece para a mente propondo a simetria
21 Da banda de Moebius (ou contrabanda, como chama Lacan) a topo-
logia também extrai a lógica do oito interior (ou oito dobrado ou inver-
tido). É o percurso longitudinal sobre a superfície unilátera da banda a
partir de um ponto qualquer, resultando uma dobradura (o anel superior
do oito é dobrado no interior do anel inferior). Os dois anéis se super-
põem e, no ponto em que lhes é comum, inscreve-se o ponto catóptrico,
especular (também chamado, por Magno, de real do revirão ou ponto
bífido), que inverte absolutamente tudo que passa por ele como se fosse
um furo de passagem entre um anel e outro. Notamos, também, que,
com o percurso em oito interior, atravessa-se duas vezes o mesmo ponto
e decompõe-se a superfície em duas partes distintas. As partes perten-
cem à mesma formação e constituem uma única peça que se organiza a
partir do ponto neutro e suas polarizações.

Sumário 67
A nova mente da máquina e outros ensaios

absoluta e a impossibilidade de atingi-la. É, portanto, uma


experiência de quebra de simetria que se coloca como início
de tudo que há. E a dissimetria que se produz em função
dessa impossibilidade ressoa no Haver como as clausuras
e fronteiras das situações com que nos defrontamos
cotidianamente das mais variadas formas e maneiras. Mas é
também sobre ela que se operam todas as formas de artifício
e técnica que nos caracterizam.
Certamente que essa capacidade especular do espelho
plano é muito inferior à catoptria cerebral, pois o princípio
de catoptria põe um espelho absoluto, capaz de qualquer tipo
de avessamento ou reversão. A única reversão impossível
é a da simetria absoluta que, como vimos, é impossível e
coincidiria com a extinção absoluta que não há.
Ao tomar o conceito de pulsão como fundamental
e de formular o princípio de catoptria e o revirão, Magno
refaz o projeto freudiano por inteiro em consonância com as
transformações que vêm ocorrendo desde o final dos anos
1980. A emergência da nova psicanálise se deu na virada
das transformações promovidas por Lacan e seu retorno
a Freud e o diálogo com as novas ciências da informação
desde seus antecedentes nos anos [19]70.
Desde Senso contra senso: da obra de arte, etc.
que podemos acompanhar o percurso de MD Magno tanto
pelo campo das matemáticas e formas de conhecimento
já incorporados à psicanálise por Lacan, quanto pela
teoria da informação, cibernética, teoria dos jogos, teoria

68 Sumário
A nova mente da máquina

dos sistemas, teoria do caos e pela nova biologia que


também estava pensando o ser vivo em termos de sistema
e informação, como se pode verificar nas obras de Jacques
Monod22 e François Jacob23, a partir do modelo que fora
proposto por Erwin Schrödinger em O que é vida? Aspecto
físico da célula viva24, hoje obra clássica sobre o assunto.
Em Hífen na barra e Gerúndio, considera-se a máquina que
está na base do funcionamento mental – e mesmo do ser
vivo – a partir da ideia de íntegron e os efeitos da entropia
sobre qualquer sistema vivo ou não.
Na apresentação do Pleroma (1986), há a descrição
do HAVER e seu motu perpetuo, a tão sonhada máquina
que parece impossível de ser construída na física, mas,
para a psicanálise, ela está dada desde sempre: o modo
de funcionamento plerômico (pleno) do Haver. Nela se
considera a entropia (segunda lei da termodinâmica),
entendida como o empuxo de não-Haver (pulsão de morte)
sobre o Haver, exercendo-se desde o momento da explosão,
e paulatinamente vai eliminado as diferenças no sentido da
neutralização ou indiferenciação: “[M]inha tese é de que
Freud tinha talento, gênio inventivo, mas não tinha recursos
do saber para lhe dar um esquema mais adequado. ...[E]le

22 MONOD, Jacques. O acaso e a necessidade. Petrópolis: Vozes,


1971.
23 JACOB, François. A Lógica da Vida - Uma História de Hereditarie­
dade. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
24 SCHRÖDINGER, Erwin. O que vida? Aspecto físico da célula viva.
São Paulo: UNESP, 1977.

Sumário 69
A nova mente da máquina e outros ensaios

não tinha cibernética, informática, a matemática posterior,


etc. , portanto ficou sem recurso” (Magno, [1986], 1988, p.
186). E nas sessões 3. É o que não pode ser que não e 4. K: no
princípio era o fim, explora minuciosamente as relações entre
o modelo freudiano do psiquismo (os princípios de prazer,
nirvana, realidade) e o princípio de constância (konstante
Kraft) em correlação às leis da termodinâmica, em especial
a 1ª e a 2ª e os mecanismo do feedback propostos pela
cibernética. E como bem sabemos, essas questões estão no
centro da recomposição promovida por Magno na psicanálise
mediante a proposta do revirão e suas consequências.
Posteriormente, há o diálogo com os conceitos de
autopoiese (Maturana e Varela), auto-organização, siste­
mas complexos (a complexidade), recursão, a “série das
máquinas” propostas por Dennett, entre as quais Magno
inclui a máquina de MD: revirão (Revirão 2000/2001), que
vamos considerar mais adiante neste texto. É também o
caso de Stephen Wolfram, em New Kind of Science (NKS),
em que desenvolve a ideia de von Neumann de autôma­
tos celulares como formação simples, capaz de produzir
formações extremamente complexas e mesmo estocásticas
e aleatórias. Wolfram propõe o princípio de equivalência
computacional e Ed Fredkin considera que o Universo é um
programa de computador. Para a nova psicanálise, como
há a ideia de homogeneidade do campo, tanto a hipótese
de Fredkin, em sua digital philosophy, como a de Wolfram,
são perfei­tamente conjeturáveis e exequíveis.

70 Sumário
A nova mente da máquina

Cérebro & mente


O Haver, com sua tendência catóptrica, sua von­tade
de movi­mento de uma simetria radical (uma hipersimetria) –
o simétrico de qualquer coisa seria seu avesso absoluto –, esse
Haver, em seu modo de funcionamento, independentemente
de onde possamos situá-lo, é o que Magno chama de
cérebro ou mente. Não é o órgão que está em nosso
corpo, e sim a má­qui­na que funciona entre as galáxias, na
cabeça dos homens ou onde quer que compareça, como
uma potente máquina catóptrica e articuladora com suas
pequenas formações, sejam primárias ou secundárias, que
acontecem por uma fractalização radical na medida em que
é impossível passar a não-Haver. Sempre houve o sonho
de reproduzir, de pro-duzir, esse mesmo apare­lho pensan­te
novamente por outra maneira, outro tipo de artifí­cio não tão
espontâneo quanto esse que nos produziu. Pesquisa-se um
arti­fício que nós mesmos possamos manejar de tal ma­neira
que a reprodução das idioformações se tornasse um artifício
industrial, pois são os modos de produção do Haver que
estão sendo repetidos nos laboratórios de pesquisa.
A maior polêmica hoje é em torno da futura
possibilidade de existência ou não de alguma máquina
que seja uma idioformação como nós. De modo geral,
psicólogos e filósofos contemporâneos procuram qual
seja o modo lógico, ou o modo de concepção, para fazer a
inserção de uma máquina de pensamento dentro do hard, de
algum tipo de primário (= formações dadas, espontâneas,

Sumário 71
A nova mente da máquina e outros ensaios

“naturais”) e assim cons­truir uma máquina tão potente


quanto a do artifício espon­tâneo que deu nesse primata
capaz de fazer a reviravolta para a “externalidade” como
aconteceu neste planeta. Há aqueles que acham que se vai
construir a máquina idioformação, enquanto outros acham
que não é possí­vel. A psicanálise tem que pensar a respeito
dessa questão na medida em que instalou no pensamento o
conceito de pulsão e isso tudo tem a ver com esse movimento
pulsional e com a reflexão sobre a possi­bilidade de ele vir a
transbordar sua fonte espontânea que é o corpo de macaco
que herdamos.
O cérebro não é um computador no sentido dos que
já existem e o computador ainda não é um cérebro, embora
já tivesse sido chamado de cérebro eletrô­nico. Segundo
Kurzweil, é parecido com o cérebro de uma aranha, mas
mesmo uma aranha é mais inteligente do que computadores
atuais. E há hoje pesquisas de todo tipo sobre o cérebro
com artifícios e aparelhos cada vez mais sofisticados
na esperança de que se possa encontrar inscrições que
permitam compreender de que maneira funciona a mente
desta espécie.

Autômatos e marionetes
A partir da ideia de pessoa descrita anteriormente,
podemos perguntar: qual é, no limite, a possibilidade
de supor “liberdade” para as pessoas? Aceitamos ou não
sermos considerados uma marionete, um robô, um títere,

72 Sumário
A nova mente da máquina

em um palco? Haverá alguma liberdade? De que tipo? Se


houver – por mais complexos que sejam os computadores
e os mecanismos da tecnolo­gia contemporânea –, nada
parece levar à construção de algo que tenha um horizonte
de liberdade, de auto­nomia. Se não há liberdade, então, só
é preciso encontrar o mecanismo para construir a marionete
que, com uma aparência de autonomia, vai simples­mente
apresentar grande complexidade e, por isso mesmo, vai
parecer que exibe e exerce liberdade.
As idiofor­mações, onde quer que surjam dentro da
máquina do Haver, dos universos que estão disponíveis
ou não à nossa observação, elas terão tendência a virar
pelo avesso, a não ficar mais imediatamente subme­tidas
a processos evolutivos como um pensamento darwiniano,
e serão capazes de, elas mesmas, começarem a produzir
artefatos, artifícios de maneira a reins­talar a máquina de
revirão no mundo através de qualquer tipo de tecnologia.
Onde quer que apareça uma idiofor­mação, sua tendência
é reconhecer-se como tal. A tendência, então, será o
entendimento cada vez mais aproximado disso e o tesão de
produção de engenhos que Magno coloca no mesmo nível
do artifício, no mesmo nível da arte. É a tendência a levar
as idiofor­mações à reprodução industrial de seu próprio
modo de construção. Uma vez conhecido bem o cérebro,
conhecidas bem as máquinas compu­ta­cionais, mesmo num
regime de pura binariedade (0,1), de máqui­na de Turing e
suas consequências, será possível construir uma máquina

Sumário 73
A nova mente da máquina e outros ensaios

hiperdeterminada, uma idioformação? E, além disso,


está também em construção o computador quântico25 e o
computador cognitivo26 da IBM.

25 Um��� computador quântico é um dispositivo que executa cálculos


fazendo uso direto de propriedades da mecânica quântica, tais como so-
breposição e interferência. Teoricamente, computadores quânticos po-
dem ser fabricados e o mais desenvolvido até o momento trabalha com
poucos q-bits de informação. O principal ganho desses computadores é
a possibilidade de resolver, em tempo eficiente, problemas que, na com-
putação clássica, levariam tempo impraticável (exponencial no tama-
nho da entrada), como por exemplo, a fatoração em primos de números
naturais. A redução do tempo de resolução deste problema possibilita-
ria a quebra da maioria dos sistemas de criptografia usados atualmente.
Contudo, o computador quântico ofereceria um novo esquema de canal
supostamente mais seguro.
���������������������������������������������������������������������
O mundo da computação pode estar prestes a sofrer uma reviravolta
graças ao “SyNAPSE”, projeto para a elaboração de chips que simulam
o comportamento do cérebro humano e que, no futuro poderá equipar
computadores que “aprendam” com a experiência do utilizador. A par-
ceria entre a IBM, as universidades de Columbia, Cornell, Califórnia e
Wisconsin, nos EUA, e a DARPA (agência americana responsável pelo
desenvolvimento de tecnologia com fins militares) tem como objetivo
desenvolver computadores que possam simular as atividades cognitivas
de sentir, perceber, interagir e reconhecer o que o cérebro pode fazer,
algo que, até agora, tem sido dificultado pela arquitectura dos processa-
dores comuns. Trata-se de um computador “cognitivo” que será capaz,
por exemplo, de lançar um alerta de tsunami, depois de analisar informa-
ções de diferentes sensores marinhos e recolher dados sobre temperatu-
ra, pressão e altura das ondas. Além disso, poderá ter funções de menor
relevo como ajudar a gerir estoques de produtos frescos graças ao “sen-
tido do olfato”. Os membros deste projeto esperam conseguir mudar as-
sim a forma como se utiliza os computadores, fazendo-os agir como um
cérebro. Nesta nova arquitectura, são utilizados processadores digitais
que funcionam como neurônios, nos quais as ligações internas simulam
as que ocorrem entre as sinapses, as zonas de contato entre as células
nervosas. Trata-se de uma abordagem completamente diferente da dos
chips de silício com transístores que se utilizam atualmente. De acordo
com a IBM, este novo tipo de computador vai consumir menos energia
e ser mais compacto que os aparelhos atuais. Embora sejam programa-

74 Sumário
A nova mente da máquina

A série das máquinas


Em uma perspectiva darwinista, Daniel Dennett
(1942-) faz a suposição de que grande variedade de
organismos foram criados espontaneamente às cegas no
processo evolutivo por recombinação e mutação de genes, que
ele designa de modo genérico como criaturas darwinistas.
Posteriomente, aqueles que nasceram com “reforçadores
apropriados” são chamados de criaturas skinnerianas, pois já
se reconhece neles o “condicionamento operante” (Skinner)
como uma extensão da seleção darwiniana (Dennett, 1997,
80). E, embora não sejam os únicos, os seres humanos são
exemplos de criaturas popperianas, capazes de uma pré-
seleção entre os comportamentos ou ações possíveis e com a
possibilidade de descartar os que são estúpidos ou maléficos
antes ainda de arriscar-se na “vida real”. Elas supostamente
já portam um mecanismo de “filtro interno” que deve conter
muita informação sobre o meio externo e seus padrões e
regularidades, o que lhes permite fazer simulações para
facilitar a escolha. Essa sucessão de criaturas compõe a
“torre evolutiva” do surgimento de vida inteligente na Terra
(Dennett,1997).

dos da mesma forma, vão “aprender” com as experiências, encontrar


correlações ou desenvolver hipóteses, tal como o cérebro humano. Até
agora, já foram desenvolvidos dois protótipos do chip, que estão sendo
testados. Os seus núcleos são formados com uma linha muito fina de si-
lício, com diâmetro duas mil vezes inferior ao de um fio de cabelo. Estes
chips possuem o equivalente a 256 “neurônios”. A IBM está testando
dois tipos de estruturas para esses chips: uma com 262 mil “sinapses”
programadas e outra com 66 mil (http://www.cienciahoje.pt/).

Sumário 75
A nova mente da máquina e outros ensaios

Em Consciousness Explained27 (1991), Dennett


apresenta também outra sequên­cia de máquinas que
supõe estarem conduzindo à fabricação ou produção
de máquinas pensantes e com consciência pela via da
inteligência artificial. Essa série por ele descrita se constitui
primeiramente da máquina de Turing, o modelo universal
da lógica computacional clássica, seguida da máquina de
Von Neumann (descrita no First Draft of a Report on the
EDVAC, cujo resultado efetivo foi o ENIAC), que já é uma
realização do modelo de Turing no sentido da computação
contemporânea (a “arquitetura de von Neumann”). E a que
ele chama de máquina joyceana, que seria o dispositivo
de “elucubração total”, bastante parecida com suas ideias
de uma “teoria dos esboços múltiplos (multiple drafts
models)”. No cérebro, não há um lugar onde tudo se junta e
constitui a versão canônica da experiência vivida. Por isso
não há razão para o “teatro cartesiano” como modelo da
consciência, que deve ser substitído por um “modelo dos
esboços múltiplos” (multiple drafts model). Mas mesmo
se não se pode evocar o “realmente experienciar”
independentemente das precipitações das narrativas, essas
narrativas dão origem, elas sim, ao que Dennett chama uma
linha do tempo, uma sequência de acontecimentos do ponto
de vista de um “observador”. Na teoria da máquina joyceana,
a consciência é resultado do paralelismo do processamento
cerebral, isto é, da consciência, com uma máquina virtual
27 Sem tradução em português.

76 Sumário
A nova mente da máquina

de funcionamento serial resultante da máquina material


(nosso cérebro) que possui um funcionamento paralelo.
Por isso, precisou fazer a pergunta “como a consciência se
constituiria?”, pois supõe que, só fazendo a leitura desse
maqui­nismo, poderá repro­duzir a máquina com semelhança
à construção do cérebro e da consciência humanos. A
hipótese de Dennett é de que o cérebro, em sua função de
cons­ciên­cia, marcharia como aparelho de múlti­plos esboços
conco­mi­tantes, que dão a impressão de subjetividade, de eu-
dade, de consciência diante do mundo, afastando-se da ideia
de sujeito de Descartes. Seria, então, a multiplici­dade conco­
mitante de versões dentro da máquina cerebral que, mesmo
com a aparelhagem disponível e sua com­ple­xificação no nível
da computação, é capaz de nos permitir, no futuro, construir
uma máquina com competência homóloga à mente humana.
Essa comparação é entre a mente humana e os processos
computacionais são algoritmos que realizam operações
inteligentes e, de forma semelhante, os processos cerebrais
também aconteceriam como se uma grande diversidade
de algoritmos estivessem em ação para constituir o que
reconhecemos como comportamento. Então, a máquina
joyceana seria aquela que, operando a partir da máquina de
Turing e a de Von Neumann, constituiria a múltipla visão
– bastante parecida, obvia­mente, com a escrita joyce­ana,
pelo menos de Finnegans Wake – capaz de vir a possibilitar
a construção de uma máquina com consciência. Para ele,
biologia e psicologia são engenharias reversas, pois já temos

Sumário 77
A nova mente da máquina e outros ensaios

o artefato e estamos tentando descobrir como funciona e


como está projetado. A inteligância artificial está fazendo
o movimento ao contrário, tentando construir o artefato a
partir do conhecimento disponível (Dennett, 1998). Essa é
a aposta de Dennett na I.A. forte.
Por via muito diferente, Magno faz a suposição de
que é possível produzir a idioformação artificiosa. À medida
que as fronteiras forem cada vez mais desmanchadas e não
soubermos mais onde começam ou terminam quantidade e
qualidade, talvez possamos constituir máquinas – no sentido
lógico, principalmente – cada vez mais sofisticadas, macias,
soft, de tal maneira que não será tão compli­cado pensar na
possibilidade da constituição de robôs pensantes ou reviran-
tes, que podem ser chamados de criaturas freudianas.
Então, por que pensar que apenas a sequência de
máquinas de Turing, de Von Neumann e mesmo a joy­ce­
ana, de Dennett, são máquinas sufi­cientes para pensar
a nossa mente? Que máquina, para além das de Turing,
Von Neumann, joyceana, etc., pode se acrescentar no seio
dessa produção de modo a aumentar a possibilidade de
conjectura dessas construções? É nessa série que Magno
acrescenta a máquina plerômica de MD, a máquina de
revirão28. Nenhum desses apa­relhos de abordagem genética,
biológica, computacional, lógica é uma máquina que
invoque a hiperdeterminação. Para além dos acoplamentos

Cf. sessão 2 de “Arte da fuga”, MD Turing: revirão. In: Revirão


�����������������������������������
2000/2001. Rio de Janeiro: NovaMente, 2003.

78 Sumário
A nova mente da máquina

e conexões complexas que já podem ser feitas no campo


das máquinas, é preciso ir mais longe. E se fosse possível
construir uma máquina, um robô, alguma coisa, que,
para além de toda a comple­xidade opositiva e até com os
recalques parciários que existem no Haver, etc., tivesse a
possi­bilidade de revirão e, portanto, de hiperdeterminação?
Cons­truído este aparelho, ele seria como nós, as pessoas.
Mas falta introduzir a máquina do revirão na sequência
das de Turing, von Neumann, joycena, etc. para se pensar a
possibilidade de replicação dessa mente em revirão.

A máquina do revirão e a hiperdeterminação


Sem o revirão, as máquinas teriam “liberdade”,
“autonomia”? Magno supõe que a hiperdeterminação
disponibiliza para a oportu­nidade de invocar o que quer
que haja disponível em dado momento em sua enantiose
e que não se apresenta aqui e agora como presença, isto
é, em seu avesso. A máquina de revirão, se pudesse ser
instalada compu­tacionalmente, seria um computador com
a disponibilidade de, ao que quer que se colo­casse para ele,
poder dizer não ao que se apresenta e requerer uma outra
possibilidade. Ao requerer o avesso de uma formação, a
plenitude plerômica compa­rece como possibilidade.
Se há o Haver, então todas as possibilidades
já estão nele e não há nada “fora” dele. Portanto, sem a
inclusão da hiperdeterminação para além da combinatória
computacional, não haveria possi­bilidade de surgimento de

Sumário 79
A nova mente da máquina e outros ensaios

uma idioformação nem na mais refinada tecnologia. Isto é, a


emergência de uma máquina capaz de uma desprogramação
radical e com a chance de colher uma nova possibilidade
de existência, de um ato de criação e não ficasse apenas em
repetição automática.

Calcular, computar e pensar


Voltamos ao começo deste artigo: as máquinas podem
pensar? Depende de como se define o verbo pensar. Se as
máquinas raciocinam, calculam, efetuam, não há a menor
dúvida que sim, as coisas, os bichos, as pessoas pensam.
Entretanto, pensar para a psicanálise está para além de
raciocinar, de meramente articular. Pensar é com-siderar a
hiperdeterminação diante de todas as sobredeterminações.
Isso parece que nenhum animal ou máquina pode fazer.
Pensar inclui a referência constante à hiperdeterminação,
a referência constante à indiferenciação, a reconhecer
permanentemente que as transas das formações são meras
transas das formações e que isso termina aí e que EU, essa
polarização que aqui há, escapa das formações, quaisquer
que sejam, porque tem acesso à hiperdeterminação,
à condição de escapar da sobredeterminação. Isso é
pensar, fora disso não é pensar: é raciocinar, calcular,
computar. A complexidade da nossa cultura é de ordem
secundária (formações artificiais, próteses, criadas por
nossa mente), uma máquina computacional, mas isso
não é pensar, é raciocinar ou calcular. Pensar é referir-se

80 Sumário
A nova mente da máquina

à hiperdeterminação e manter-se na perplexidade diante


das formações. Não adianta cálculo algum, porque cálculo
algum dará conta desse processo, que é da ordem do evento,
do acontecimento.

Considerações preliminares
Vejamos abaixo os seguintes passos e articulações
que decorrem de nossa exposição acima:

1. A questão em torno da máquina de calcular e


computar é antiga em nossa cultura e frequentemente
confundida com pensar ou criar. A cultura ocidental é
atravessada por essa problemática desde seus primórdios. A
máquina de Turing teve vários antecedentes (o ábaco, Pascal
(a Pascaline), Leibniz, Babbage (a máquina analítica),
mas só ela formulou matematicamente a possibilidade da
máquina universal que pretende dar conta de toda e qualquer
computabilidade possível.

2. O revirão de MD Magno, com as hipóteses


do princípio de catoptria e da quebra de simetria, se
afirma como modelo pleno e suficiente para a descrição
do funcionamento da mente e do Haver por inteiro. A
hiperdeterminação já descrita acima é, em última análise,
a competência máxima da mente. É a chance de criação e
emergência de novas formações no sistema, reconfigurando
as possibilidades já dadas. Só assim temos a suspensão

Sumário 81
A nova mente da máquina e outros ensaios

do automatismo repetitivo das formações e chance de


evento e criação (a emergência da arte no seio do Haver).
Pode-se falar então em dois níveis de automatismo: a)
o automatismo (discreto) das formações primárias e
secundárias, regidas por seus algoritmos constituintes,
que podem ser suspensos e revirados em algum momento
(mesmo que dure milênios); b) o automatismo plerômico: o
Haver é um sistema/máquina auto-recursivo, autorreferente
e hiperdeterminado (cf. autopoiese de Maturana e Varela)
com seu motu perpetuo.

3. Como fica a hipótese de Turing-Church dada


a máquina catóptrica de MD Magno? Lembremos que
essa hipótese afirma que a capacidade de computação
representada pela máquina de Turing é o limite máximo que
pode ser atingido por qualquer dispositivo de computação
(Menezes, 2002, p. 139), isto é, essa hipótese afirma que
qualquer outra forma de expressar algoritmos terá no
máximo a mesma capacidade computacional da máquina de
Turing. Como a noção de algoritmo ou função computável
é intuitiva, a hipótese de Church não é demonstrável. Mas a
computabilidade de que aí se trata é da ordem do cálculo e
da ordenação binária. A máquina do revirão é uma máquina
que tem a possibilidade de suspender e revirar qualquer
outro algoritmo já dado e proceder a uma reprogramação
geral do sistema, pois conta com a possibilidade de
hiperdeterminação e avessamento (a suspensão de qualquer

82 Sumário
A nova mente da máquina

determinismo já constituído em algoritmo e mecanismo


de repetição), capaz de reconfiguração geral de qualquer
ordem sistêmica. Essa máquina certamente extrapola os
limites da máquina universal de Turing ao mesmo tempo
que a inclui como parte de seu modo de funcionamento.
A máquina de revirão inclui o que a máquina de Turing
põe de lado como sendo da ordem do entrópico, caótico e
incomputável.

4. O filme Blade Runner (O caçador de andróides)


– que aborda a possibilidade de máquinas revirantes,
máquinas espirituais, capazes de um ato radical de
rebelião, a “rebelião dos anjos” (Magno), semelhante
a que podemos fazer – serviu de guia quanto a questão
da disponibilidade da competência de avessamento
da mente de que dispomos. Com diz o andróide Roy:
“Nós não somos computadores. Nós somos organismos
vivos”. E requer para si e para os outros andróides
tratamento semelhante àquele dados aos humanos. Nesse
filme, vemos abordada a questão da possibilidade de
emergência de idioformação, formação capaz de ser
afetada pela hiperdeterminação, e com competência de
reviramento e indiferenciação. Essa é a grandeza desse
filme dirigido por Ridley Scott, que nos deixa o lembrete
do artificialismo absoluto da máquina do Haver.

Sumário 83
2
O revirão do universo
Reversibilidade e irreversibilidade na física,
cosmologia e psicanálise

Mais uma boa notícia para a psicanálise! Depois dos


neurônios-espelho, que podem comprovar a instalação do
revirão no cérebro29, Abhay Ashetekar (1949-)30 e Martin
Bojowald (1973-) têm demonstrado em seus artigos que,
de acordo com a Gravidade Quântica em Loop ou LQG
(do inglês Loop Quantum Gravity), a singularidade do Big
Bang de fato não ocorre31. Os pesquisadores procuram um
universo colapsante anterior a esse evento, considerado até
o momento como modelo padrão. Desde que a gravidade
tornou-se repulsiva próxima da densidade de Planck32,

29 Cf. Alonso, 2007.


30 Um dos fundadores da teoria da Gravidade Quântica em Loop
(Loop Quantum Gravity) com seu sub-campo Cosmologia Quântica
em Loop (Loop Quantum Cosmology). Em 1999, Ashtekar e seu grupo
calcularam a entropia de um buraco negro, confirmando assim a mítica
previsão que Hawking fizera em 1974.
31 Há boas informações disponíveis sobre a Gravidade Quântica em
Loop em: http://pt.wikipedia.org.
32 A densidade de Planck�����������������������������������������
é uma unidade extremamente grande, apro-
ximadamente equivalente a 1023 massas solares espremidas no espaço
de um único núcleo atômico. Em uma unidade de tempo de Planck,
após o Big Bang, a densidade de massa do universo é teorizada como

Sumário 85
A nova mente da máquina e outros ensaios

de acordo com suas simulações, isto resultou em um Big


Bounce (Grande Salto) que ocasionou o nascimento de
nosso universo atual. Esse temas são básicos na pesquisa
atual em Cosmologia Quântica em Loop com promessas de
novos desdobramentos.
Em Relatos de um universo oscilante (2008)33,
Bojowald descreve uma teoria cosmológica em muitos
aspectos análoga à que MD Magno (1938-) vem
desenvolvendo desde a década de 1980, no Brasil, a partir
da Nova Psicanálise: a teoria do revirão e suas implicações.
Para Bojowald, o Universo anterior ao Big Bang pode ter
sofrido uma implosão catastrófica que chegou a um ponto
de densidade máxima e então reverteu. Uma enorme
compressão pode ter gerado uma grande oscilação, que
resultou no Big Bang. O Universo já existia antes do Big
Bang e sofreu reversões ou revirão. Por isso, Magno prefere
traduzir loop quantum gravity (LQG) por teoria do revirão
gravitacional.
Se entendermos que o universo pode ter começado,
não com uma grande explosão, mas com um grande revirão
que deflagrou o Big Bang, será preciso desenvolver uma
teoria de gravidade quântica capaz de capturar a fina
estrutura de espaço-tempo que a relatividade sozinha não

tendo aproximadamente a unidade de densidade de Planck.


33 A maior parte das referências sobre as questões desenvolvidas por
Martin Bojowald, a partir da �������������������������������������
Gravidade Quântica em Loop e Cosmolo-
gia Quântica em Loop, foi retirada deste artigo do autor.

86 Sumário
O revirão do universo

consegue representar. A importância da teoria dos átomos


para entendimento da matéria se impôs à física desde
Einstein e a compreensão da composição do espaço e do
tempo vem se dando de maneira análoga. Os detalhes
dessa estrutura podem ser observados nas condições do
universo primordial e seu vestígio pode ter sobrevivido no
modo como a matéria e a radiação se configuram. Por isso,
teoria da gravidade quântica prevê existência de átomos
de espaço-tempo (Bojowald, 2007). O que aconteceu no
instante anterior ao Big Bang? O que deixou de existir para
que o novo universo pudesse nascer? Para Bojowald e seu
grupo da Universidade da Pensilvânia (EUA), essas são
algumas das questões mais importantes a serem respondidas
pela física contemporânea.
Outro modelo que também contesta o Big Bang,
e com o qual Magno teve um diálogo fecundo, é o
proposto por Ilya Prigogine (1917-2003). Sua descrição
probabilística serve de ponte entre as descrições clássicas e
a quântica (Prigogine, 2002, p. 78), desenvolvendo-se nessa
abordagem a intuição de Ludwig Boltzmann (1884-1906).
Em vez de pensar em trajetórias ou funções, pensa-se em
probabilidades e propriedades dos operadores de evolução.
Através destas últimas foi possível unificar a dinâmica e a
termodinâmica e assim compreender melhor a lição da sua
segunda lei: a entropia.
Antes, admitia-se que ela era expressão de uma
fenomenologia, de aproximações suplementares que

Sumário 87
A nova mente da máquina e outros ensaios

introduzimos nas leis da dinâmica. Entretanto, a irrever-


sibilidade torna-se elemento essencial para a descrição
do universo e por isso deve-se encontrar sua expressão
nas leis fundamentais da física. Para a visão clássica, os
sistemas estáveis eram a regra e os sistemas instáveis, a
exceção. Prigogine inverteu essa concepção. Em qualquer
situação, é do caos que surgem, ao mesmo tempo, ordem
e desordem. A lei probabilística contém flutuações e até
bifurcações34. Seu modelo põe também em xeque a idéia do
Big Bang: “O que significa o big-bang? Fornece-nos ele as
raízes do tempo? Começou o tempo com o big-bang? Ou
o tempo preexistia ao nosso universo?” (Prigogine, 1986,
p. 13). Para ele, isso só pode ser pensado como um evento
associado a uma instabilidade, o que implica concebê-lo
como ponto de partida do nosso universo, mas não do
tempo. Podemos conceber uma idade para o universo, mas
não para o meio [medium], cuja instabilidade produziu
esse mesmo universo: “Nesta concepção, o tempo não tem
início e provavelmente não tem fim” (Prigogine, 1986, p.
13). As implicações de sua teoria sobre a flecha do tempo
e as estruturas dissipativas (Prigogine, 2002, p. 20-22)

34 “Chama-se bifurcação ao ponto crítico a partir do qual um novo


estado se torna possível. Os pontos de instabilidade em volta dos quais
uma perturbação infinitesimal é suficiente para determinar o regime de
funcionamento macroscópico de um sistema são pontos de bifurcação.
São exatamente esses os pontos de que Maxwell invocava o papel quan-
do refletia na relação entre o determinismo físico e as idéias de escolha
e decisão” (Prigogine, 1984, p. 122). Já a idéia de ordem por flutuação
é a ordem cuja fonte é constituída pelo não-equilíbrio.

88 Sumário
O revirão do universo

serão abordadas em outra ocasião. O que nos interessa


destacar neste artigo é sua crítica ao Big Bang, embora sua
ênfase se dê no eixo da irreversibilidade e seu foco recaia
sobre a instabilidade (caos) do sistema que possibilita a
emergência de evento, isto é, da possibilidade de criação
(2002, p. 8). Nesse caso, a ciência está em condições de
descrever a criatividade da natureza e o tempo torna-se
possibilidade de aliança entre o homem e o meio que ele
descreve (Prigogine, 1991).

Big Bounce (Grande Salto)


A teoria do Big Bounce simplesmente elimina a
idéia do Big Bang:
Meu artigo introduz um novo modelo matemático
que nós podemos usar para derivar novos detalhes
acerca das propriedades de um estado quântico à
medida que ele viaja através do Big Bounce, que
substitui a idéia clássica de um Big Bang como o
início do nosso universo (Bojowald, 2007).

Embora seja possível descobrir muitas propriedades


dos momentos iniciais do universo, haverá sempre incerteza
sobre algumas delas e seus cálculos demonstram que
existe uma espécie de esquecimento cósmico, que resulta
das extremas forças quânticas existentes durante o Big
Bounce. O conceito de um Big Bang nada tem de intuitivo,
como também parece ir contra todos os sentidos a idéia

Sumário 89
A nova mente da máquina e outros ensaios

de uma velocidade constante e imutável da luz35, proposta


pela relatividade de Einstein. Mas até o momento, para os
físicos, esse é o modelo que permitiu avanços científicos,
cuja comprovação pode ser feita dentro dos protocolos
considerados cientificamente aceitáveis.

O Big Bang, segundo Einstein, é uma “singularidade”


que tem volume zero com uma densidade infinita, contendo
uma energia também infinita. Mas sabemos que a teoria
da relatividade é boa para grandezas estelares, mas não dá
conta das grandezas atômicas, esfera da mecânica quântica.
Muda-se a escala, mudam-se os modelos e estas duas teorias
parecem irreconciliáveis até o momento e a busca de uma
forma de compatibilizá-las tem sido um dos maiores desafios
para os físicos da atualidade. No caso do Big Bang, quando
utilizaram as equações da teoria quântica para estudar o
nascimento de nosso universo, os cientistas descobriram
que os resultados apontam para um átomo primordial36,
cujo volume não é zero e cuja energia contida não é infinita.
Sendo assim, é possível continuar os cálculos para antes da
ocorrência do Big Bang. Ou seja, a teoria revela a existência
de um universo anterior a ele, o que rompe com os limites
estabelecidos, principalmente com a idéia da grande explosão
primordial e seu sentido para os físicos.
35 Veja-se (Magueijo, 2003), em que o autor contesta precisamente a
constante einsteiniana da velocidade da luz.
36 Teoria que supõe que toda a matéria do universo estava concentrada
em um único átomo primordial, que, ao explodir (Big Bang), originou
as partículas elementares.

90 Sumário
O revirão do universo

O que teria havido antes do Big Bang? O que


deixou de existir para que um novo universo pudesse
emergir? A LQG lançou, pela primeira vez, a idéia de um
Grande Salto – um acontecimento cósmico que representa
simultaneamente o fim de um universo e, a partir de seus
despojos, o nascimento de um novo – apresentando uma
descrição matemática que permite deduzir as propriedades
de um universo anterior, cujo colapso fez surgir o nosso
universo atual:
(...) a atual teoria da gravidade – a teoria geral da
relatividade de Einstein – prevê que o Universo teve
densidade e temperaturas infinitas. Esse estágio,
com frequência, é explicado como o início do
Universo, o nascimento da matéria, espaço e tempo.
Mas essa interpretação vai longe demais, porque os
valores infinitos indicam que a própria relatividade
geral sofre um colapso. Para explicar o que
realmente aconteceu no Big Bang, os físicos devem
transcender a relatividade. Precisamos desenvolver
uma teoria de gravidade quântica, que capturaria a
fina estrutura de espaço-tempo que a relatividade é
incapaz de representar (Bojowald, 2008, p. 31).

Se ainda não existe uma nova teoria que unifique


a teoria quântica e a relatividade, existem, entretanto,
teorias que se colocam como candidatas a esse posto. Essa
é justamente a pretensão da teoria da LQG ao estabelecer
que o tecido do espaço-tempo tem uma geometria atômica

Sumário 91
A nova mente da máquina e outros ensaios

construída com “fios” quânticos unidimensionais. As leis


da física quântica, que dominam as condições extremas nos
instantes imediatamente anteriores ao colapso do universo
que precedeu o nosso, fazem com que esse tecido de
espaço-tempo seja violentamente rasgado. A gravidade se
torna altamente repulsiva, dá-se o Big Bounce e nasce nosso
universo. Desse acontecimento dramático é possível tirar
pelo menos duas conclusões importantes sobre esse universo
anterior. A primeira, que apresentava um comportamento
de contração, contrariamente ao que agora acontece com
o nosso, que está em expansão. A segunda, que possuía
uma geometria do espaço-tempo similar à apresentada
pelo nosso universo. Ou seja, repete-se recursivamente
o mesmo processo, só que agora pelo avesso (Bojowald,
2008, p. 30-35).

O esquecimento cósmico
O modelo de Bojowald dá novas ferramentas
para que se saiba mais a respeito desse universo anterior
e proporcione soluções analíticas precisas mediante uma
série de equações matemáticas, de maneira mais simples,
pois o modelo é bem menor que as equações diferenciais
da gravitação quântica do modelo original. Antes a LQG
contava apenas com método numéricos, que exigem
sucessivas aproximações para chegar às soluções. Segundo
Bojwald, suas equações também contêm alguns parâmetros
“livres” que não são ainda conhecidos com precisão. Essa

92 Sumário
O revirão do universo

nova teoria joga por terra um comportamento já levantado


por outros cientistas: o de que o universo “renasceria”
seguidas vezes, contraindo-se e renascendo sempre com
as mesmas características. Pelo menos um dos parâmetros
que se referem ao universo anterior não sobrevive à viagem
através do Grande Salto – este é o “esquecimento cósmico”
a que se refere o cientista:
(...) O Big Bang deixa de ser um início físico,
ou uma singularidade matemática, mas impõe,
efetivamente, uma limitação concreta ao nosso
conhecimento. Seja lá o que tenha sobrevivido, isso
não é capaz de proporcionar uma visão completa do
que havia antes (2008, p. 34).

A história tradicional da origem do cosmos conta que


ele surgiu há cerca de 13,7 bilhões de anos atrás, quando, por
alguma razão misteriosa, toda a energia e matéria contida
nele, até então reunida num ponto infinitamente quente e
denso, passou a um movimento de expansão radical. Essa
narrativa é basicamente o que diz a famosa teoria do Big
Bang, já consagrada nos meios científicos, mas marcada por
sérias limitações. Embora ela já tenha se mostrado muito
eficiente para explicar como o Universo evoluiu nos últimos
bilhões de anos, até o surgimento do Sol, da Terra e da vida,
não consegue sondar o exato instante do surgimento do
Cosmos – aquele momento em que tudo estava reunido num
único ponto, também conhecido no linguajar dos físicos
como uma “singularidade”. E isso não é possível até o

Sumário 93
A nova mente da máquina e outros ensaios

momento porque, como sabemos, para analisar uma situação


tão radical quanto a singularidade inicial seria preciso uma
teoria unificada da relatividade geral e da física quântica.
Para sondar um fenômeno como o início do Universo, seria
preciso desenvolver outra teoria, mais poderosa, capaz
de descrever tudo que está envolvido naquele instante
primordial. Ninguém sabe hoje que teoria é essa, mas há,
como vimos acima, várias candidatas que estão sendo
propostas por grupos de física teórica. Foi com uma dessas
alternativas que Bojowald chegou a suas conclusões sobre o
período anterior ao “início oficial” do Universo. E sua teoria
da gravidade quântica tem como objetivo básico reescrever
a relatividade de Einstein em termos que permitam que ela
dialogue com o resto do mundo quântico.
Partindo dessa versão da gravidade quântica, é
possível sondar a singularidade, e aí os cientistas ficam
livres para lidar com a hipótese de que o Big Bang pode
não ter sido o real início do Universo. Talvez o Cosmos
nem tenha um início no tempo – possivelmente ele sempre
foi e sempre será o mesmo, alternando apenas seu estado.
Nesse contexto, o Big Bang clássico representa apenas um
momento no tempo em que o Universo passou de um estado
de contração para um estado de expansão.
Segundo cálculos precisos, é possível que alguma
“informação” sobre o estado do Universo pré-Big Bang
possa ter “vazado” para dentro dessa versão atual quando
a expansão (re)começou. Isso quer dizer que, com as

94 Sumário
O revirão do universo

observações certas, talvez seja possível obter provas de


que esse evento não foi o princípio de tudo e até mesmo
desvendar algumas das características dessa fase anterior do
Universo. Mas esse quadro da “vida anterior” do Universo
nunca estará completo. Se, por um lado, há a possibilidade
de encontrar alguma evidência do que veio antes, por
outro, os cálculos mostram que, ao passar pelo gargalo do
Big Bang, o Universo sofre de uma espécie de “amnésia
cósmica” (Bojowald) e, assim, muitos dos detalhes do que
aconteceu antes disso simplesmente são apagados e não
deixam resquícios uma vez que o cosmos “renasce”.
Alguns físicos menos entusiasmados com a LQG, ou
com o trabalho de Bojowald, podem argumentar que, se essa
amnésia cósmica é realmente inevitável, a nova teoria não
fez muito mais que a antiga versão para explicar o que teria
vindo antes. Mas o cientista da Pensilvânia responde a isso:
Esse pode parecer um retorno à imagem tradicional
do Big Bang, em que falar de ‘antes do Big Bang’
não tem significado. Mas é mais sutil: nessa
imagem tradicional, o Big Bang é precedido por
uma singularidade em que a teoria se quebra. A
singularidade é uma limitação técnica, em vez de um
início físico. A gravidade quântica usada aqui pode
fornecer soluções que vão além da singularidade
clássica. Ainda assim, as limitações para as
observações de algumas, mas não todas, propriedades
pré-Big Bang agora são derivadas da teoria, não são
limitações da teoria (Bojowald, 2007).

Sumário 95
A nova mente da máquina e outros ensaios

Esse acontecimento radical se dá como se o universo


sofresse uma reviravolta e virasse pelo avesso, como a
operação de reversão produzida por um Revirão (Magno),
responsável ele mesmo, pela produção de tudo que há,
desde o surgimento das formações mais simples até a
possibilidade de emergência de universos. Essa formulação
da Nova Psicanálise é nossa questão principal e dela vamos
tratar a seguir.

Pleroma: a máquina plena do Haver


Chegamos agora ao ponto nuclear deste artigo, a
consideração das convergências entre os modelos acima
descritos e o da psicanálise atual, conhecida como Nova
Psicanálise ou NovaMente. Ela também propõe uma teoria
sobre a origem de tudo que há (o revirão e a teoria polar
das formações), em muitos aspectos coincidentes com os
modelos físicos e cosmológicos contemporâneos, e mesmo
antecipando-se a eles em aspectos fundamentais, mas
assentada sobre conceituação de seu campo próprio.
Em 1986, Magno, ao propor a teoria geral do
Pleroma37 – a “teoria de tudo”38 –, afirmara que “o que

37 Para uma apresentação detalhada, cf. Pleroma: Tratado de Deus e de


seus Anjos. In: Magno [1986/1987], 1988, p. 61-75.
38 Cf. também Teorias de tudo: a busca da explicação final, de John D.
Barrow (1994), cuja meta é unir as quatro forças fundamentais conhe-
cidas (forças nucleares forte e fraca, eletromagnética e gravitacional)
numa única teoria e assim unir o espaço interno das partículas elemen-
tares ao espaço externo do cosmo.

96 Sumário
O revirão do universo

se segue não é pura especulação: o que terá que vir a ser


demonstrado, assim na prática como no saber” (Magno
[1986-87]: 61). É o que seu desdobramento teórico e
clínico veio a demonstrar ulteriormente, cada vez mais
corroborado por outros campos de conhecimento como
agora se pode verificar39. Com o Pleroma, afirmava-se um
modelo de pensamento que operasse segundo um princípio
de inclusão total de qualquer diferença ou possibilidade de
existência, tanto no psiquismo quanto na natureza, a partir
de um alargamento das teses freudianas de inconsciente e
pulsão, pensadas para além da mente humana e estendidas
para a physis em sua plenitude (que o autor nomeia como
Haver40). Articula-se o Pleroma como uma “Teologia
Libidinal”, uma “Cosmologia Libidinal” e uma “Meta-
Filosofia”. Do deus sive natura (Espinosa) ao deus vel
natura (vel = e/ou), passa-se pela incorporação da assertiva
lacanaina de que “Deus é inconsciente” (Lacan, 1979,
p. 60), em que se propõe o entendimento do Haver com
máquina plena desejante – máquina pulsional – que através
de seu movimento permanente e eterno produz tudo o que
há, a partir desse Haver que é sempre Um41.

39 Cf. Alonso (2008): a pesquisa com os neurônios-espelho no Capí-


tulo 3 deste livro.
40 Haver: o conjunto aberto de tudo que há e que pode vir a haver.
Inclui a idéia de Universo, Cosmo ou Multiverso.
41 Magno ([1986-87], 1988, p. 61): “Não deixa de ser uma Teologia
– digamos Teologia Libidinal – na qual um único Deus intercede com
a realidade possível da physis: Deus vel Natura, podemos dizer. Vel de
um Deus Desejante de Outra-Coisa que não sua própria compleição.

Sumário 97
A nova mente da máquina e outros ensaios

O modelo do Pleroma implica consideração da


idéia freudiana de pulsão de morte, em vários sentidos
reformatada e reformulada por Magno: sistema dinâmico,
com vetor caótico que se movimenta perenemente para um
atrator estranho42 (Magno [1986-87]: 184-90; Lorenz apud
Gleick: 1990: 24). Podemos verificar na construção dessa
psicanálise, um processo dialógico amplo, que implica
consideração de escopos teóricos dos mais diversos campos
de conhecimento, entre os quais incluem-se os principais
desenvolvimentos teóricos na história da psicanálise
(Freud, Melanie Klein e Lacan, entre outros), a filosofia, a
termodinâmica (dos primórdios até Prigogine, pelo menos),
a cibernética (de primeira e segunda ordem), a teoria da
informação clássica e quântica, a geometria dos fractais,
a I.A. (inteligência artificial), a robótica, a teoria geral

Um Deus inconsciente, portanto – na medida em que definamos o ICS


(como aqui se define) como máquina movida por movimento desejante:
Energia Libidinal, portanto”.
42 “Há um conceito na física, de atrator ou atraente, que fica como
uma espécie de pólo dos movimentos que possam, num sistema limita-
do, acontecer no seio de um estado estacionário. Mas não vi ocorrer a
ninguém, nem mesmo a este cientista [Prigogine], que haja um atrator
universal implicado pela própria estrutura do Haver. Acabo, portanto,
de ganhar nome para o meu não-Haver: Atrator físico, atrator estrutural:
um atraente que comove a neutralidade radical em que a entropia joga
o não-Haver enquanto está na vertente do gozo-do-Outro. Esse atrator
universal, que os cientistas não produzem (...) numa certa vontade do
Haver em realizar a plenitude da catoptria, que não é senão aquilo que
Einstein insistia veementemente contra todas as críticas à sua teoria, de
que o Universo era necessariamente reversível, isotrópico, capaz das
reversões de tempo e espaço, numa geometria compatível com a banda
de Moebius e com meu ponto-bífido” (Magno [1988], 1990, p. 100).

98 Sumário
O revirão do universo

dos sistemas, a topologia, a teoria do caos, a genética, a


epigenética etc. Isto tanto no sentido de consideração do que
esses campos de conhecimento apresentam, como também
de lhes dar respostas a partir do modelo psicanalítico
proposto e sondar suas consequências teóricas e clínicas.
Na obra de Magno, assim como em todo trabalho criativo,
ressoam múltiplas vozes que formam imensa rede polifônica
e dialógica (Bakhtin), com seus cruzamentos, focalizações
e linhas de fuga.
De maneira bastante sumária, vejamos a seguir as
articulações apresentadas no Pleroma, a teoria plena do
Haver e da Mente, equacionada no teorema do revirão43.
Na articulação abaixo vamos focar três aspectos básicos
dessa teoria, a partir dos quais, todos os outros conceitos da
Nova Psicanálise ou NovaMente são formulados: a pulsão,
o revirão e as formações do Haver.

Revirão: a pulsão e
a quebra de simetria originária
Esta linhagem da psicanálise se organiza a partir
da idéia freudiana de pulsão de morte, como apresentada
em Além do princípio do prazer (1920), de inspiração
termodinâmica (energia, entropia) e budista (o desejar não
desejar)44. Nesse aparelho conceitual, toma-se a pulsão,

43 Para uma apresentação mais detalhada dos conceitos fundamentais


da Nova Psicanálise, remetemos o leitor a (Magno [1999]).
44 Freud certamente fora influenciado pela termodinâmica e seus
desdobramentos, em particular o energetismo (Mayer e Helmholtz),

Sumário 99
A nova mente da máquina e outros ensaios

como ponto de partida, como princípio, por se entender


que é o postulado mais potente da psicanálise e o único
capaz de sustentar o projeto freudiano de uma elaboração
consequente do que seja a mente (psiquismo) e seu modo
de operação na interface com o mundo45. A pulsão é uma
força (= em um sistema dinâmico, vetorização de um
empuxo em direção a um atrator estranho) que, em seu
trajeto, visa um alvo que seria seu próprio fim, seu próprio
aniquilamento: desejo de extinção absoluta, análogo ao
movimento de devoração do Ouroboros, comendo seu
próprio rabo, mas sem poder devorar-se absolutamente,
a não ser até o ponto em que vira pelo avesso46. Não se
verifica nenhum “desaparecimento absoluto” do que há e
o movimento pleno do Haver é de eterno retorno sobre si
mesmo.

pelo pensamento de Schopenhauer e sua visão do Budismo. A idéia


de Princípio de Nirvana, por exemplo, ele tomou emprestada da
psicanalista inglesa Barbara Low.
45 Veja-se a enorme literatura em torno da questão da pulsão desde
Freud. Mas podemos encaminhar passos fundamentais na articulação
desse conceito, destacando-se principalmente a obra de Melanie Klein
e a de Lacan. Magno retoma essas articulações e recompõe o campo
da psicanálise a partir de elementos de sua própria área, mas não sem
considerar outros campos de conhecimento também puderam formular
a respeito de questões que tangenciam a psicanálise.
46 Ouroboros (ou oroboro ou ainda uróboro) é um símbolo
representado por uma serpente ou um dragão, que morde a própria
cauda. É um símbolo para a eternidade. Na alquimia, é, muitas vezes,
representado como dois animais mitológicos mordendo o rabo um do
outro. O símbolo contém as ideias de movimento, continuidade, auto
fecundação e de eterno retorno.

100 Sumário
O revirão do universo

O que é Haver? Haver é o nome genérico dado


ao que quer que haja (manifesto / latente, virtual / atual,
discernível / indiscernível etc.). Com essa idéia, formula-
se um campo de imanência para o qual se conjectura a
possibilidade de inclusão absoluta de tudo o que há. Seu
sentido inclui noções como universo, cosmo, multiverso
ou qualquer outra, pois só há o Haver como UM, conjunto
aberto47 do que quer que exista. Esse campo está em tensão
contínua e sua força constante é a pulsão (que Freud
chamara de pulsão de morte) que se constitui como princípio
de constância do Haver. Magno emprega a idéia de força
constante – a konstante Kraft de Freud, quando descreve
minimalisticamente o movimento pulsional como Haver
desejo de não-Haver, um vetor como na mecânica da física.
Interessa basicamente considerar, tanto qualitativa quanto
quantitativamente, o movimento de constância libidinal, de
energia, de força do Haver (Magno [1986/87]: 200).
Vejamos agora uma notação minimalista que posso
escrever sobre isso: A/Ã: Haver quer não-Haver ou
Haver desejo de não-Haver. Aí está. É uma força.
Chama-se: Tesão, Pulsão. Freud a chamou de konstante
Kraft, uma força constante, se considerarmos a
totalidade da força que existe no Haver. Ela varia não
porque não seja constante, e sim porque fica pespegada,
freada pelas coisas que toca. Essa notação resume
tudo que pode embasar o pensamento da psicanálise
(Magno [1999], 2004, p. 28).

47 Em topologia, diz-se que um conjunto é aberto se uma pequena


���������������������������������������
variação de um ponto desse conjunto mantém-no no conjunto.

Sumário 101
A nova mente da máquina e outros ensaios

A operação vetorial dessa força é formulada por isso


como ALEI: Haver desejo de não-Haver (A→Ã), que rege
tudo o que há e faz com que o Haver pulse eternamente
como uma máquina viva em movimento de contração e
expansão, sístole e diástole, visando, em seu movimento,
um alvo que jamais será atingido (sua morte, sua extinção
absoluta)48.

Quebra de simetria
Como veremos a seguir, no Haver, há uma razão
catóptrica (do grego: katóptron = espelho) que, levada às
últimas consequências, pede seu avesso radical (Morte,
Nirvana, não-Haver) que não há de fato, mas é desejado de
direito. Essa idéia é fundamental para as articulações que
estamos desenvolvendo. Como não-Haver simplesmente
não há, resulta desse desejo insistente a quebra de simetria
originária, a partir da qual tudo se organiza. Nesse
movimento para o seu pólo atrator, sem atingir seu alvo, o
que acontece então com a pulsão? Sofre quebra de simetria

48 “Como se apresenta o teatro quase mitológico do funcionamento


d’ALEI? Digo “quase mitológico” porque, fora do estrito processo do
aparelho psíquico, este teatro pode se apresentar como: 1) metafórico
de, pelo menos, uma boa teoria cosmológica entre outras, mas ainda
em vigor, que faz suceder perenemente big bang e big crunch na
formação do universo (mero uso metafórico de algo que algum maluco
pensou; e 2) alegórico, ou seja, de uma ficção – que escrevo: Fixão
– aquela designada no que chamei de esquema Delta, desenhada no
antigo Pleroma” (Magno [2004], 2002, p. 17).

102 Sumário
O revirão do universo

causada por essa impossibilidade absoluta e retorna sobre


si mesma, em movimento de reversão, de avessamento, ou
seja, de revirão.
A

Quebra de simetria
originária

A massa indiferenciada do Haver – embora com


tendência vetorial para o não-Haver, sem jamais atingi-lo –,
não se extingue, mas se avessa (para “dentro”, já que não
há “fora” nesse sistema), insistindo no desejo perene de
desaparecimento. Como não há saída, o Haver se condensa
(Big Crunch49) visando extinguir-se até que esse movimento
de implosão revira sobre si mesmo e emerge como explosão
(Gnab Gib → Big Bang, etc.), fragmentando-se em miríades
de formações, como se verá mais adiante. É nesse ponto
que a LQG nos interessa, pela semelhança com o modelo do
revirão, que lhe muito anterior, mas que reforça a hipótese
psicanalítica do funcionamento do Haver e da Mente.

49 Segundo a teoria do Big Crunch, no futuro o universo começará a


contrair-se devido à atração gravitacional, até entrar em colapso sobre
si mesmo. Essa teoria, em certo sentido, apresenta o avesso do Big
Bang.

Sumário 103
A nova mente da máquina e outros ensaios

O espelho absoluto: o princípio de catoptria


Como se dá então essa razão catóptrica (= lógica
catóptrica ou lógica do espelho), mencionada anteriormen-
te, para esta vertente da psicanálise? O espelho que a Nova
Psicanálise propõe em seu aparelho conceitual básico é a
idéia de espelho absoluto, capaz de total reversibilidade
para o que quer que haja. É a conjectura da possibilidade
da idéia de reversão absoluta de qualquer formação que
se apresente em qualquer estado ou situação. Só um aves-
samento terminal lhe é absolutamente impossível: revirar
em não-Haver, extinguir-se, pois assim não teríamos re-
versão, mas o sumiço do espelho que é, em último grau, o
único desejo da Pulsão enquanto tal. Essa é uma requisição
imanente e produzida “internamente” ao campo do Haver.
Entretanto, todas as outras formas de reversibilidade são
potencialmente possíveis. Essa é a diferença que a psi-
canálise faz entre impossibilidade absoluta e impossibi­
lidade modal: a impossibilidade absoluta é unicamente o
não-Haver; já a impossibilidade modal pode ser revirada
e realizada, apesar de sua dificuldade ou de seu alto custo,
pois está no plano do possível. Por exemplo, foi muito
difícil e custoso ao homem conseguir voar; mas o fato é
que, depois de tantas tentativas, ele inventou o avião, o
pára-quedas, a asa delta etc., e tornou possível isso que
era, para ele, uma impossibilidade contingente.
A essa competência de reversibilidade do Haver
e seus avatares, a nova psicanálise chama de revirão,

104 Sumário
O revirão do universo

fundamentado no princípio de catoptria (do gr. katóptron


= espelho), princípio de base psicanalítica que afirma que
o que quer que haja suscita seu avesso ou enantiomorfo.
Podemos falar de enantiomorfismo como característica
definidora do princípio de catoptria: a possibilidade de
operação da reversibilidade radical50, pois ao que quer
que se coloque, tem-se o avesso “em todos os sentidos e
com várias possibilidades de avessamento interno a esse
processo: enantiomorfia total” (Magno [1990], 2001, v.1,
p. 106-107). Destaca-se uma “vontade de simetria” como
princípio primeiro e organizador do que quer que haja.
Não está em questão se a simetria se realiza ou não, pois
isso depende das condições de resistência das formações
em jogo. O que se destaca é a simetria como possibilidade
constante e sempre em busca de sua efetivação (Magno
[1990], 2001, v.1, p. 105).

50 Desde seus artigos O hífen na barra (1972), Gerúndio (1973) e de


seu primeiro seminário Senso contra censo: Da obra de arte (1976),
encontramos referências de Magno ao espelho. Além da tradição laca-
niana de tomar o Espelho como modelo estrutural do sujeito, há tam-
bém outros trabalhos sistematicamente explorados pelo autor, de onde
foram extraídas as propriedades reflexivas do Espelho, no sentido da
lógica e competência de avessamento. Esses trabalhos são principal-
mente o percurso rigoroso e insistente na obra de Marcel Duchamp (Le
Grand Verre e Etant Donnés), Fernando Pessoa, Lewis Carroll, Guima-
rães Rosa (Grande Sertão: Veredas e Primeiras Estórias) e Velázquez,
em particular o quadro As Meninas, que foi tema nuclear do seminário
Psicanálise & Polética ([1981]). As obras desses autores maneiristas
são referências constantes na produção do autor.

Sumário 105
A nova mente da máquina e outros ensaios

Revirão: modelo topológico do


funcionamento pleno do Haver
Para melhor descrever o Haver e seu périplo, Magno
emprega, como metáfora de sua constituição, a lógica da
banda de Moebius52 da topologia, com as resultantes que
daí podem ser observadas. Sabemos que, do ponto de vista
geométrico, a superfície euclidiana se constitui com duas
faces e um percurso longitudinal escrito sobre cada uma
delas se dá sem contato, sem trânsito de seus pontos de um
lado para outro. Suas duas margens, que resultam de um
corte, têm duas bordas de orientação. Assim, um ponto
grafado em uma face mostra orientação do mesmo modo
que um outro marcado na outra face. A cisão longitudinal
resulta em duas bandas do mesmo tipo. Mas na banda de
Moebius51, o processo é inteiramente diferente. O percurso
longitudinal feito sobre sua superfície nos mostra sua
unilateralidade, sua única face.
Desse modo, um ponto qualquer da superfície
pode transitar por toda essa face que se apresenta como
unilátera. Da mesma forma, seu recorte é só um corte,
pois a margem também é única assim como sua borda.
Uma cisão longitudinal da banda de Moebius resulta em
51 “Em 1861, Moebius descobre a figura que passará à posteridade sob
seu nome: a banda de Moebius. As superfícies uniláteras são criadas e,
de certa forma, elas vão devorar, tomando sob suas leis, segmentos in-
teiros das matemáticas. E em 1874, Klein e Schaläfi impõem esta idéia:
o espaço da geometria projetiva é moebiano. Deste momento em diante,
não se fala mais em funções que não sejam referidas à topologia...”
(Granon-Lafont, 1990, p. 7-8):

106 Sumário
O revirão do universo

apenas uma banda, agora biface, pois a aplicação de um


corte sobre a contrabanda nos dá uma banda euclidiana
que, como sabemos, é bilátera. Por isso Magno, ao longo
de sua obra, toma o modelo da banda moebiusiana como a
própria topologia do corte, aquele que tudo cinde ou divide
em dois, como um espelho.
A topologia também extrai dessa banda a lógica
do oito interior (ou oito dobrado ou invertido). O oito
interior é, na verdade, o percurso longitudinal sobre a
superfície unilátera da banda de Moebius a partir de um
ponto qualquer, resultando uma dobradura, pois podemos
observar que o anel superior do oito é dobrado no interior
do anel inferior. Os dois anéis se superpõem e, no ponto
em que lhes é comum, inscreve-se o ponto catóptrico52,
especular (também chamado de real do revirão ou ponto-
bífido), que avessa absolutamente tudo que passa por
52 “Minha hipótese é a de que a banda de Moebius é, sim, superfície
unilátera, de única face, de única margem, de única borda – mas que,
no que ela é topologia do corte real, os pontos que a tocam não são
não-orientáveis, mas, sim, bi-orientados, não que eles tenham dupla
orientação simultânea, o que parece impensável, mas que eles se podem
– e assim o fazem – orientar, alternadamente, com rotações opostas,
sendo que, tomada uma das orientações, a outra responde à primeira,
como fundo, ou como eco, ou horizonte de sua revirada. O que é dizer
que, na verdade, os pontos de uma contrabanda não são precisamente bi-
orientados, mas anfi-orientados, isto é, podendo passar – como de fato
passam, de um para outro lado (não lados da uniface pois que ela é a
mesma) mas dos dois cortados, ali oposta ou pelo menos diferentemente
orientados quando age a sexão que sexiona, que fende o ponto único
originário, o qual, agora, se torna dois, secados ou sexuados. (...) É o que
quero aqui e agora batizar com o nome de PONTO-BÍFIDO, o ponto
anfi-sexuado” (Magno [1982], 1986, p. 212).

Sumário 107
A nova mente da máquina e outros ensaios

ele como se fosse um furo de passagem entre um anel e


outro. Podemos notar que com o percurso em oito interior
atravessa-se duas vezes o mesmo ponto e decompõe-se a
superfície em duas partes distintas. As partes pertencem à
mesma formação e constituem única peça que se organiza
a partir do ponto neutro e suas polarizações.
Por que a escolha desse modelo topológico como
metáfora do revirão? Porque esse design materializa
e demonstra os diferentes momentos de repetição do
movimento pulsional. Por isso é a melhor metáfora, por
enquanto, para apresentar o revirão em plenitude com os
alelos que o compõem. Na figura abaixo, podemos ver o
desenho do revirão sobre uma superfície plana com seus
pontos constituintes.

+ - R Espelho

Essa superfície assim constituída é tomada como


modelo lógico dos movimentos do Haver e da mente. Ela
só tem um lado, uma só face e, por continuidade, pode-se
passar de um ponto a outro ponto através de um ponto neutro
(ponto-bífido). Ao contrário da superfície euclidiana, onde

108 Sumário
O revirão do universo

só se pode atravessar de um lado a outro mediante uma


agressão ao seu sistema fechado.
Revirão, então, é o teorema que afirma que qualquer
formação que se apresente, tanto para o homem quanto
para o Haver, tem em algum lugar seu avesso, juntamente
com a possibilidade de reversão a partir do terceiro lugar,
que rege quaisquer séries binárias ou opositivas que
se apresentem no sistema. Esse terceiro lugar é o ponto
de reviramento, de neutralidade absoluta em face dos
sentidos fixados positiva ou negativamente, hemiplégicos
em relação à plenitude do revirão. Ele se apresenta como
Halo (disco, auréola) com duas faces, dois anéis, ou dois
Alelos (uma das formas alternativas, das possibilidades),
mais o terceiro que é neutro, lugar do puro sentido do
vetor pulsional para além das diferenças opositivas, que
possibilita indiferenciação e reviramento dos alelos.
O Haver, do ponto de vista de sua rede “interna”,
mostra-se como conjunto pleno onde qualquer simetria é
possível. Para ele, a única simetria impossível é a simetria
absoluta, requerida de direito e impossível de fato, que
instaura originariamente a quebra de simetria, que ressoa
em todas as formações do Haver. Em seu motu perpetuo,
a pulsão se depara com a resistência e com o recalque das
formações do Haver. Por isso é importante lembrar que
tudo o que comparece nas malhas do Haver é formação
resultante do princípio de catoptria e da consequente
quebra de simetria imposta à força pulsional.

Sumário 109
A nova mente da máquina e outros ensaios

Teoria polar das formações


Por que o Haver revira? Como se dá esse revira-
mento?
Ao defrontar-se com essa função catóptrica – função
de espelho absoluto –, o que quer que aí compareça vira pelo
avesso. Assim o movimento pulsional revira sobre si mesmo
para recair no campo do mesmo Haver, fragmentando-se ou
fractalizando-se como formações (Medeiros, 2008). Entende-
se por formações do Haver toda e qualquer conjuntura des-
tacável, desenhável, dentro do Haver, seja qual for a forma
ou a materialidade de seus elementos ou dela mesma; o que
quer que se organize, o que quer que se forme, espontânea ou
industrialmente, como modalização decorrente da fractalida-
de do Haver, seja da ordem de um ser vivo, de uma formação
psíquica, ou qualquer outra. Elas resultam do fato de que há
resistência e recalque ao fluxo pulsional em seu movimento
constante (para um impossível não-Haver) e qualquer forma­
ção é produto, em última instância, da Quebra de Simetria
sofrida pelo movimento pulsional, pois, se não-Haver não há,
tudo está sempre de retorno ao plano de imanência. Como se
sabe desde Freud, o recalque ou recalcamento é o ato de re-
calcar, ou seja, de repisar novamente, de impedir a expansão
por refreamento ou repressão.
A multiplicidade de diferenças com as quais nos
deparamos o tempo todo no mundo, comparece como
formações já configuradas que, por recalques, se constituem
como pólos, com foco e franja (Magno [2005], 2007,

110 Sumário
O revirão do universo

p. 107). Mas o plano de imanência do Haver é pensado


como um campo homogêneo53. E dada sua homogeneidade
genérica, a transa e a transitividade entre formações é
sempre possível. É claro que cada operação conta com
suas próprias dificuldades, pois os graus de recalcamento
são imensos, assim como também nosso desconhecimento.
Mas as formações não são heterogêneas entre si. Aparecem
como campos aparentemente fechados, para as quais é
53 “(...) Segundo a Nova Psicanálise temos que pensar numa homoge-
neidade plena do campo – em todos os sentidos desta palavra, mas so-
bretudo, naquele usado, por exemplo, pela física –, o campo do Haver,
chamado Pleroma, em sua relação com não-Haver. Não temos, como
Einstein não tinha, uma teoria de campo que seja unificada e integrada
no seio da cosmologia, mas temos o parti pris de que há um campo úni-
co, o Um do Haver. E isto para nós faz um campo. Dizer isto é o mesmo
que dizer que isso ressoa. Há ressonância no seio desse campo. Resso-
nância da integralidade do campo com suas partes e ressonâncias entre
as partes do campo. Não sendo físicos nem filósofos, podemos apenas
conjeturar isso. Então, temos que levar em consideração que o grande
Campo do Haver, dada sua fractalidade a partir do momento de sua que-
bra de simetria em relação ao não-Haver, é constituído por campos, que
são constituídos por campos, que são constituídos por campos... e não
se sabe como nem onde isso vai acabar no Hum do Haver. E também
campos que interferem, ressoam, com campos, que ressoam com outros
campos, que há também interseção entre campos, etc., etc. Então, vocês
vêem que se trata de algo infinitamente grande. Quando teremos um
hiper-computador suficiente para armazenar e fazer dialogar, se não to-
das, uma vasta quantidade dessas possibilidades? Por falta dessa com-
petência, vivemos na tolice em que vivemos da discussão entre teorias e
práticas absolutamente regionais, pequeninas, parciais e incompetentes.
No entanto, é o que se tem que fazer para aplicar. É preciso lembrar que
a Nova Psicanálise pensa em termos desse campo, ela se permite deixar
em aberto o fato de que há uma infinidade de campos que não estão
sendo registrados, com-siderados agoraqui quando fazemos algum tipo
de abordagem – de algo que fazemos a suposição de que estamos na
prática de vir a conhecer” (Magno [1996], 2000, p. 411).

Sumário 111
A nova mente da máquina e outros ensaios

necessário encontrar chave ou código de acesso para que


haja comunicação (= transa) entre elas (Silveira Jr., 2006,
p. 27-30), basta que se encontrem artifícios para romper a
barreira dos recalques e franquear o trânsito de uma para
outra, ultrapassando as limitações que as constituem como
formações fechadas na aparência. Por isso mesmo é possível
modificá-las por via tecnológica, por exemplo.
Em uma formação qualquer, configurada como pólo
(Magno [2005], 2007, p. 113), podemos verificar uma zona
focal que se define a partir de sua força maior, e a franja, que
não se sabe onde termina. Pólos são configurados como for-
mação e como resistência. Por isso, toda vez que recortarmos
uma formação qualquer, tentamos excluir dela o que desco-
nhecemos e dessa maneira amputamos sua franja. Como o
pólo não possui fronteiras delimitadas, torna-se impossível
rastrear toda a sua configuração. Assim, o que percebemos
com mais nitidez é o foco, e tudo o que desconhecemos,
a imensa rede de arquivos a que não temos acesso, mas
que ainda assim atuam plenamente nesta rede de relações,
é posto na conta da franja (Magno [2005], 2007, p. 113;
Araujo, 2006, p. 51-53). No entanto, à medida que a franja é
reconhecida, o foco se amplia, porque há a possibilidade de
trazer novas formações para dentro do foco (Magno [2005],
2007, p. 114-115), de modo que se torna impossível precisar
onde cada uma delas termina ou começa.
É importante salientar que o real do revirão (o umbigo
do Haver) é ponto de indiferenciação (= ponto neutro, onde

112 Sumário
O revirão do universo

as diferenças, as formações se neutralizam, se equi-valem e


são equi-prováveis) e funciona como espelho absoluto capaz
de avessar qualquer formação que exista. Nesse processo,
podem-se verificar mudanças de estado, transformações,
mutações, perecimentos, menos o desaparecimento da
máquina que produz essa operação (o Haver). A hipótese
do Pleroma descreve a plerocinese (= movimento pleno)
do Haver, ou seja, o motu perpetuo (Magno [1986-1987],
1988, p. 62-66) do movimento pulsional, em eterno retorno,
através dos possíveis estados do Haver, isto é, os estágios
ou etapas desse movimento recursivo e iterativo sobre si
mesmo. Para a psicanálise, essa é a máquina originária de
tudo o que há (o Haver e sua competência de revirão), que
produz qualquer formação que exista.
A partir desse modelo do revirão, o autor monta
todo o aparelho teórico-clínico capaz de considerar o
funcionamento pleno do Haver e da mente, designado como
Nova Psicanálise ou NovaMente54.

Estruturas dissipativas:
o diálogo com Prigogine
A teoria do revirão e da gravidade quântica em
loop, por caminhos distintos, consideram a possibilidade de
reversibilidade do universo, e o problema da reversibilidade

54 Para maiores informações sobre a Nova Psicanálise, remetemos o


leitor ao site: www.novamente.org.br. A obra do autor está disponível
no site: www.novamenteeditora.com.br

Sumário 113
A nova mente da máquina e outros ensaios

e irreversibilidade na natureza, básicas para a teoria do


revirão, ganham com Bojowald e Ashetekar novos aliados.
De outra forma, essa mesma questão crucial é abor-
dada na obra de Ilya Prigogine – que retomou o projeto de
Boltzmann de uma física estatística, desenvolvida por Josiah
Willard Gibbs (1839-1903) –, ao criticar a tese básica de
Stephen Hawking (1942-) em Uma breve história do tempo:
do big-bang aos buracos negros, em que se pensa na possibi-
lidade de uma teoria unificada, que pudesse decifrar a “mente
de Deus”. Para ele, essa idéia refere-se a um universo funda-
mentalmente reversível, que não conhece a diferença entre o
passado e o futuro. E sua preocupação é fundamentalmente
com o tempo. A física (de Galileu a Feynman e Hawking)
ignorou a flecha do tempo, que traduz a interdependência de
nossa experiência mental com o mundo em que vivemos. Ou
seja, somos criados e destruídos pela mesma força que cria e
destrói qualquer outra formação que exista.
Boltzmann foi o primeiro a enfrentar o paradoxo do
tempo ao propor uma justificativa dinâmica “microscópica”
para a flecha temporal na termodinâmica. Suas idéias foram
violentamente rejeitadas na época. E ainda acrescenta que as
ciências do devir e a física do não-equilíbrio foram relegadas
à fenomenologia, quase reduzidas a efeitos parasitas que o
homem introduz nas leis fundamentais. Retoma-se, assim,
Lucrécio e a noção de clinâmen, aquilo que perturba a queda
dos átomos no vazio, para permitir o aparecimento do novo
(Prigogine, 2002, p. 14) e resolver esse aparente paradoxo

114 Sumário
O revirão do universo

com o conceito de instabilidade dinâmica associada à de


“caos”. É possível incluir o “caos” nas leis da natureza,
que devem ser generalizadas para incluir as noções de
probabilidade (Boltzmann) e irreversibilidade (1991, p. 8).
Uma ciência que não fale somente de leis, mas também de
eventos, a qual não está condenada a negar o surgimento do
novo (2002, p. 8). Estamos no coração da teoria do caos e
da complexidade que, desde Henri Poincaré (1854-1912),
teve que considerar a “sensibilidade às condições iniciais”,
quando um mínimo erro leva a uma ampliação exponencial
(2002, p. 37), que, na teoria do caos, Lorenz designou
como “efeito borboleta” (apud Gleick, 1990). E como não
podemos conhecer precisamente que condições são essas,
estamos sempre sujeitos à aleatoriedade, turbulências,
acidentes e “cisnes negros” (Taleb, 2008) de toda ordem. O
projeto de Boltzmann, que Prigogine retoma, traz a questão
da reversibilidade e irreversibilidade que dividiu a física.
Einstein, Feynman e Hawking, por exemplo, não aceitam a
tese da irreversibilidade (Prigogine, 2002: 7-9). Já Prigogine
não aceita a tese clássica da reversibilidade, mas propõe um
novo entendimento para a questão.

O modelo probabilístico de Boltzmann


Tradicionalmente as leis fundamentais da natureza
eram formuladas como trajetórias (equações de Newton ou
Hamilton) ou das funções de onda; agora são formuladas
no nível da evolução das probabilidades. O esquema

Sumário 115
A nova mente da máquina e outros ensaios

conceitual é: instabilidade (caos) → probabilidade →


irreversibilidade. O reaparecimento do paradoxo do tempo
deve-se à descoberta das estruturas de não-equilíbrio (=
estruturas dissipativas). A matéria se comporta de maneira
radicalmente diferente em condições de não-equilíbrio,
ou seja, quando os fenômenos irreversíveis desempenham
um papel fundamental. Um exemplo simples de estrutura
dissipativa é a cidade (Araujo, 2007). Ela é diferente do
campo que a rodeia, as raízes dessa paraticularização estão
nas relações que ela mantém com o campo adjacente,
mas se estas fossem suprimidas, a cidade desapareceria:
“Quero assinalar que a matéria em situação de equilíbrio
é cega, cada molécula só vê as moléculas mais próximas
que a rodeiam. O não-equilíbrio, pelo contrário, leva a
matéria a “ver”; eis que surge então uma nova coerência”
(Prigogine, 2002, p. 22). As trajetórias são eliminadas
da descrição probabilística. Nenhuma medida, nenhum
cálculo, leva estritamente a um ponto, à consideração de
uma trajetória única: estamos sempre diante de “conjuntos”
de trajetórias. Para sistemas estáveis isso não conta muito,
mas para sistemas longe do equilíbrio faz grande diferença
(Prigogine, 2002, p. 50).
A descrição probabilística de Prigogine serve de
ponte entre as descrições clássicas e a quântica (Prigogine,
2002, p. 78). Essa abordagem (instabilidade (caos) →
probabilidade → irreversibilidade) segue a intuição de
Boltzmann. Em vez de pensar em trajetórias ou funções,

116 Sumário
O revirão do universo

pensa-se em probabilidades e propriedades dos operadores


de evolução: através destas últimas foi possível unificar
a dinâmica e a termodinâmica. E assim compreender
melhor a lição da segunda lei, a entropia. Antes, admitia-
se que a entropia era expressão de uma fenomenologia, de
aproximações, que eram introduzidas nas leis da dinâmica.
Entretanto, a irreversibilidade torna-se elemento essencial
para a descrição do universo, o que impõe que se encontre
sua expressão nas leis fundamentais da física.
Para a visão clássica, os sistemas estáveis eram a
regra e os sistemas instáveis, a exceção. Como vimos,
Prigogine subverte essa concepção. Analisa-se o universo
em seus primeiros instantes de vida: podemos compará-
lo com criança recém-nascida, que poderia tornar-se um
arquiteto, músico ou bancário, mas não pode ser todos esses
personagens ao mesmo tempo. A lei probabilística contém
flutuações e bifurcações. E, a partir dessas hipóteses,
Prigogine também põe em cheque a idéia do Big Bang ao
questionar se ele poderia nos fornecer a origem do tempo.
Teria o tempo começado com o Big-Bang ou já preexistia ao
nosso universo? O evento do Big-Bang só pode ser pensado
como associado a uma flutuação ou instabilidade, que
poderia ser o ponto de partida do nosso universo, mas do
tempo. Então, é possível supor uma idade para o universo,
mas não para o meio cuja flutuação ou instabilidade teria
produzido este universo. Assim, para Prigogine, o tempo
não tem início nem fim (Prigogine, 1986, p. 13).

Sumário 117
A nova mente da máquina e outros ensaios

Nos limites deste ensaio, não cabe uma discussão


sobre essa questão específica do pensamento de Prigogine,
as implicações de sua teoria sobre a flecha do tempo e as
estruturas dissipativas. O que nos interessa destacar é sua
crítica ao Big Bang, elaborada a partir da ênfase no eixo
da irreversibilidade e seu foco recaia sobre a instabilidade
(caos) do sistema que possibilita a emergência de evento,
isto é, a criação (2002, p. 8). Segundo essa perspectiva, a
ciência está em condições de considerar a criatividade da
natureza e o tempo torna-se possibilidade de aliança entre o
homem e a natureza que ele descreve.

Revirão: entre o tempo e a eternidade


O revirão, de Magno, incorpora, além das hipóteses da
LQG sobre universos colapsantes, essas duas possibilidades
da física comentadas por Prigogine e constantemente em
guerra: a dinâmica e a termodinâmica; e computa em seu
esquema tanto a reversibilidade quanto a irreversibilidade,
ao demonstrar que no Haver há o jogo permanente das
duas vertentes. Primeiramente, o sistema dinâmico do
revirão inclui, em seu modo de operar, a possibilidade de
reviramento de qualquer formação do Haver, menos uma,
absolutamente impossível: Haver revirar (avessar) em não-
Haver. O vetor pulsional se encaminha para o seu atrator
de última instância, mas que jamais será atingido, pois
não há de fato; é o que se afirma como a Lei onticamente
dada e eterna: Haver desejo de não-Haver (A→Ã). Toda a

118 Sumário
O revirão do universo

idéia de entropia, em todas as suas versões desde Clausius55


até Tsallis56, cabe neste modelo que toma a pulsão como
conceito fundamental.
Em segundo lugar, no campo do Haver, tudo é
passível de reversibilidade, sem ignorar a flecha do tempo
tão cara a Prigogine. O tempo, no pensamento de Magno, é
a duração, a resistência das formações em todos os níveis
que compareçam. Dureza e resistência que se opõem à
reversibilidade. Mas isso não dura para sempre. O vetor
pulsional (= vetor caótico, entrópico) empurra tudo para
seu pólo atrator (que não há), cuja resultante é a reversão.
Com essa articulação, a nova psicanálise afirma que a nossa
estadia no Haver se passa entre o tempo e a eternidade57: a)
primeiramente, a eternidade do Haver, indestrutível, neutro
e discreto; e b) o tempo das formações, que resulta da
quebra de simetria imposta pela impossibilidade de atingir o
atrator, absolutamente estranho, do vetor pulsional58. É esse

55 Rudolf Clausius (1822-1888) foi ���������������������������������


um dos fundadores da termodi-
nâmica, formulando os conceitos da Segunda Lei da Termodinâmica
através do desenvolvimento das obras de Carnot e Clapeyron, eviden-
ciando a degradação da energia, em 1850, que levou à introdução do
conceito de entropia.
56 Constantino Tsallis (1943-), físico brasileiro, ����������������������
é conhecido em física
pela Entropia de Tsallis (1988), que é uma generalização da Entropia
de Boltzmann-Gibbs.
57 Cf. (Magno [1997], 1997). Entre o tempo e a eternidade (1988) é o
título do livro de Ilya Prigogine e Isabelle Stengers.
58 “#5. O tempo é o andamento de uma formação, da música de sua
resistência, de sua resistência a passar a não-haver. Não passar, mas po-
dendo recair no vazio da indiferenciação e na exasperação da diferença
criadora, quando vibra o Gnoma e se hiperdetermina um evento como

Sumário 119
A nova mente da máquina e outros ensaios

atrator (→ desejo de não-Haver) que movimenta a máquina


do Haver. Mas nessa articulação, há um entendimento
muito diferente do modo como geralmente a filosofia e a
ciência tratam o conhecimento: é a idéia de alucinação.
O não-Haver é uma alucinação do Haver imposta pelo
Princípio de Catoptria, o que gera a série desejante onde
o não-Haver alucinado é tomado como causa do desejo do
Haver que se exprime como ALEI de tudo o que há: Haver
desejo de não-Haver. Então temos que: 1) há alucinação
porque, embora o alvo desejado não haja de fato, ele é posto
alucinatoriamente pelo movimento pulsional, que requer
seu avesso de última instância (princípio de catoptria),
mesmo que não seja possível de fato; 2) emerge então
como causa do movimento em busca perene de seu alvo
impossível de ser atingido (Magno [2005], p. 130-33): “O
não-Haver é A alucinação do Haver. Haver deseja não-
Haver mediante seu (do Haver) desejo informado pelo
Princípio de Catoptria. Ou seja, o movimento pulsional é
informado – e enformado – pelo Princípio de Catoptria”
([2005], 2007, p. 132). A idéia psicanalítica de que o
Haver alucina é decisiva para o entendimento do princípio

Hora de renovação. Não passar mas se consumir em outros gozos, os


possíveis gozos de sua trans-formação. Não é o Tempo que regula a
música – é de cada música que emana qualquer Tempo, o de sua dura-
ção, seja música nova ou de repetição. Não é o monumento que dura no
tempo, é o Tempo que dura no monumento. No compulsório da pulsão, é
a repetição que faz o Tempo, não é o Tempo que faz a repetição” (Magno
[1997], 1997, p. 55-72).

120 Sumário
O revirão do universo

de catoptria e suas consequências.59 O atrator universal


mencionado está na vontade que o Haver tem de realizar
a plenitude da catoptria, que é a idéia de que o Universo é
necessariamente reversível, isotrópico, capaz de reversões
de espaço e tempo, em uma geometria compatível, por
exemplo, com a banda de Moebius da topologia (Magno
[1988], 1990, p. 100).
A aceitação da idéia de reversibilidade do Universo
implica aceitar também a idéia de sua absoluta determinação
e que o evento inicial do Big Bang, por exemplo, já viria com
todas as possibilidades de determinações do que poderá ocorrer.
Este não é o caso de Prigogine, que recusa essa determinação,
pois reconhece que também há o eventual e o momento que
dispensa qualquer determinação: a aleatoriedade. Como
estamos vendo ao longo deste texto, essas duas posições

59 “(...) O espantoso é que este é o primeiro (re)fluxo, inteiramente aluci-


natório. Fica difícil falar propriamente em desejo, no sentido em que uti-
lizamos, para uma espécie animal, embora genericamente até possamos
fazer isto. Mas o desejo, considerado especificamente e pensável segundo
uma economia que abranja o Haver em sua compleição (portanto o In-
consciente, etc.), só é concebível em função dessa alucinação primeira.
É importante compreender que o processo é alucinatório, pois quando
proponho que o Princípio de Catoptria gera em última instância o não-
Haver como requerido, este não-Haver requerido é alucinado, porque
simplesmente não há. O não-Haver é alucinado pelo Princípio de Catop-
tria, dado que só vai comparecer como alucinação. Então, fora do impul-
so alucinatório, que costumamos chamar de Pulsão, não é possível pensar
uma economia psíquica ou qualquer outra. Começa-se daí e isto já é o
bastante para entender nossa loucura, nosso corre-corre atrás do quê? De
uma alucinação, que, no entanto, não vai sossegar só porque queremos.
A alucinação está lá como (e na) estrutura: a estrutura alucina, empurra,
empuxa, impulsiona nesse sentido” (Magno [2004], 2008, p. 19).

Sumário 121
A nova mente da máquina e outros ensaios

são conflitantes na física e destacadas como os campos da


dinâmica e da termodinâmica (Prigogine, 1990). Para a
psicanálise, operada a partir do revirão, essa dicotomia fica
resolvida. O Universo pode ser entendido como irreversível
em seu processo histórico e narrativo e, ao mesmo tempo,
como reversível, pois só na decisão dos acontecimentos é
que surge a irreversibilidade. Há determinação em jogo, mas
também chance de evento e criação.
Ao referir-se ao modelo proposto por Prigogine,
Magno afirma que:
(...) ele acabou me desenhando nada mais nada menos
do que o meu Pleroma, que começa, dá sua voltinha
temporalmente, faz sua historieta e, depois, se apaga,
perde a memória, perde tudo, tem um chilique, e começa
de novo. É o que ele [Prigogine] nos propõe: uma série
de universos sucessivos apagando e acendendo com
uma determinação estrutural, não isenta de historicidade
([1988], 1990, p.101).

O que também é convergente com a idéia de universo


colapsante descrito por Bojowald na LQG. No conceito de
revirão, é necessário que se conceba que a própria vontade
de catoptria que há no Haver, como há no inconsciente,
propõe o atrator universal que é o não-Haver. Essa idéia
não comparece nem na filosofia, nem na ciência. É esse
jogo na narrativa dos fenômenos que vai causar um desvio
(clinâmen) aparentemente sem causa, pois é produzido por
uma causa que não há, mas age internamente no processo

122 Sumário
O revirão do universo

por insistência catóptrica (Magno [1988], 1990, p. 103).


Do mesmíssimo modo que o Inconsciente freudiano
é movido por das Ding, aquela Coisa que não há, e
que Freud atribuiu, para se garantir um pouco, a uma
alucinação na história do sujeito. Não é uma repetição
de um certo evento de que se tem nostalgia, mas sim
um evento alucinado. Alucinado porque não é senão
a vontade de catoptria alucinando constantemente das
Ding. Não é uma alucinação que nos aconteceu uma
vez, ela nos habita: somos alucinados pel’Acoisa, o
tempo todo sem parar (Magno [1988], 1990, p. 103)60.

O que se encarece nessa abordagem é o funciona-


mento pleno da máquina do Haver, a sua imanência radical,
mais o vetor pulsional que visa um transcendente que não
há, mas que é alucinado mesmo assim pelo movimento de
requisição de simetria absoluta. Dessa simetria quebrada
orginariamente, mas que mantém seu desejo de simetria
absoluta, resultam as formações do Haver que constituem o
universo em que vivemos.

Semelhanças e diferenças entre os modelos


Como vimos acima, a LQG (Ashetekar; Bojowald) e
as estruturas dissipativas (Prigogine) são também modelos
físicos e cosmológicos. Já o modelo do Pleroma, e a
consequente formulação do revirão, de Magno, são de base

60 Remetemos o leitor à seção Os anais de Saturno (Magno [1988],


1990, p. 97-107), em que essas questões têm amplo desdobramento.

Sumário 123
A nova mente da máquina e outros ensaios

psicanalítica e formulados a partir da idéia do funcionamento


do psiquismo, como elaborada desde Freud, de inspiração
termodinâmica e budista, mas com uma inflexão muito
particular: trata-se de um modelo inspirado na sexualidade.
Talvez seja o único pensamento no Ocidente que tenha por
base a sexualidade e suas implicações61. Por isso, Magno
sempre destacou que o paradigma da psicanálise é sexual,
isto é, pulsional, no sentido que o termo pulsão tem em
psicanálise. Como neste caso ela é elevada à categoria de
conceito fundamental de tudo o que há, a nova psicanálise
também tem sua proposta de entendimento de tudo o que há
(o Haver) a partir desse paradigma, já que não há separação
entre homem e o meio em que ele emergiu. Anotamos aqui
essa questão, que será desenvolvida em outra ocasião.
Feitas as considerações acima, cabe agora um cotejo
entre esses modelos, para destacar possíveis convergências
ou divergências em seus modos particulares de formular
conceitos a respeito das possíveis origens do universo, seu
funcionamento e suas condições atuais. Podemos elencar as
seguintes questões que aqui foram resenhadas, no confronto
com a hipótese do revirão:
1. Há o HAVER, nome genérico dado ao que quer
que haja (latente ou manifesto, virtual ou atual). É a idéia de

61 “(...) E não posso deixar de manifestar o meu espanto quando


verifico, pelo menos no âmbito do meu conhecimento, que tão poucos
livros foram consagrados ao papel especial do amor e da copulação no
desenvolvimento da História. Ao ler estas linhas, pensar-se-á, natural-
mente, em Freud” (Lupasco, 1986, p. 64).

124 Sumário
O revirão do universo

um campo de imanência para o qual se pensa a possibilidade


de inclusão absoluta de tudo que o que possa haver. Seu
sentido inclui noções como universo, cosmo, multiverso
ou qualquer outra, pois só há o Haver como UM, conjunto
aberto do que quer que exista.
2. Nesse sistema dinâmico, a vetorização de um
empuxo em direção a um atrator estranho, em seu trajeto,
visa um alvo que, se pudesse ser atingido, resultaria em
seu próprio fim, em seu próprio aniquilamento: o desejo de
extinção absoluta. Não há “desaparecimento absoluto” do
que quer que haja. O movimento pleno do Haver é de eterno
retorno sobre si mesmo.
3. Esse campo está em tensão contínua, sua força
fundamental é a pulsão (que Freud chamara de pulsão de
morte). A operação vetorial da pulsão é formulada por isso
mesmo como ALEI: Haver desejo de não-Haver (A→Ã),
que rege tudo o que há e faz com que o Haver pulse como
uma máquina viva e eterna, visando, em seu movimento,
um alvo que jamais será atingido (sua Morte, sua extinção
absoluta).
4. Há uma razão catóptrica (do grego: katóptron =
espelho) no Haver, que, levada às últimas consequências,
pede seu avesso radical (Morte, Nirvana, não-Haver) que
não há de fato, mas é desejado mesmo assim. O princípio
de catoptria opera como um espelho absoluto, capaz de
avessar qualquer formação que exista. Mas como não-
Haver simplesmente não há, resulta desse desejo insistente

Sumário 125
A nova mente da máquina e outros ensaios

a quebra de simetria originária, a partir da qual tudo o que


há se organiza. O Haver alucina o não-haver que funciona
como causa de seu desejo.
5. Nesse movimento para o seu pólo atrator, mas
que não atinge jamais seu alvo, o que acontece então com a
pulsão? Ela curva e revira sobre si mesma, em movimento de
reversão, de avessamento. O loop resulta da impossibilidade
absoluta exarada no princípio fundamental: como nesse
sistema, o desejo de última instância não é possível (não-
Haver), o Haver retorna sobre si mesmo em movimento
recursivo e iterativo e fractaliza-se em formações decadentes.
A quebra de simetria se impõe inarredavelmente em todas
as operações do sistema.
6. O modelo pulsional afirma, antes de mais nada, o
Haver e seu desejo inarredável como a base de tudo o que
há. É como consequência da Quebra de Simetria Originária
que tudo comparece como formações do Haver.
7. Na teoria do loop gravitacional, Bojowald
formula a hipótese de que o Universo anterior ao Big Bang
pode ter sofrido uma implosão catastrófica que chegou a
um ponto de densidade máxima e então reverteu. O que
aconteceu no instante anterior ao Big Bang? O que deixou
de existir para que o novo universo pudesse nascer? Uma
enorme compressão resultou em uma grande oscilação e a
consequência foi o Big Bang. Ou seja, o Big Bang não é o
início de tudo, é preciso considerar um antes do Big Bang.
8. Nesse modelo físico-matemático da LQG, a

126 Sumário
O revirão do universo

singularidade do Big Bang não acontece e os cientistas


procuram um universo anterior que teria entrado em
colapso e dado origem ao nosso universo atual. Desde
que a gravidade tornou-se repulsiva, de acordo com suas
simulações, o que resultou foi um Big Bounce (Grande
Salto) e o consequente nascimento de nosso universo atual.
Seria o Universo eterno e sofreria reversões ou Revirão
desde sempre e para sempre?
9. Acompanhando essas articulações principais,
entendemos que o universo pode ter começado, não com
uma grande explosão, mas com um grande Revirão (Loop),
uma grande reversão, que deflagrou o Big Bang, produzido
por efeitos gravitacionais quânticos. Para Bojowald,
seria preciso, então, desenvolver uma teoria de gravidade
quântica que fosse capaz de capturar a fina estrutura de
espaço-tempo que a relatividade sozinha tem se mostrado
incapaz de representar. Se estiver correta, a pesquisa de
Bojowald confirma, na física e na cosmologia, a hipótese
do revirão como proposta pela Nova Psicanálise.
10. Outro modelo que também contesta o Big Bang,
e com o qual Magno teve um diálogo fecundo, é o proposto
por Prigogine. A sua descrição probabilística serve de ponte
entre as descrições clássicas e a quântica. Essa abordagem
segue o pensamento seminal de Boltzmann. Em vez de
pensar em trajetórias ou funções, pensa-se em probabilidades
e propriedades dos operadores de evolução: através destas
últimas foi possível unificar a dinâmica e a termodinâmica.

Sumário 127
A nova mente da máquina e outros ensaios

E assim compreender melhor o sentido da entropia.


11. O projeto de Boltzmann, que Prigogine retoma,
traz a questão entre reversibilidade e irreversibilidade que
dividiu a física. Einstein, Feynman e Hawking, por exemplo,
não aceitam a tese da irreversibilidade. Já Prigogine não
aceita a tese clássica da reversibilidade, mas propõe um
novo entendimento para a questão. Volta-se assim à clássica
questão do clinâmen (Lucrécio), aquilo que perturba a
queda dos átomos no vazio, para permitir o aparecimento
do novo. É possível incluir o “caos” nas leis da natureza,
mas que deve ser generalizada para incluir as noções de
probabilidade (Boltzmann) e irreversibilidade e, dessa
forma, incluir a possibilidade de evento.
12. Estamos no coração das teorias do caos e da
complexidade, aquela que, desde Poincaré, considera a
“dependência sensível das condições iniciais” (Gleick,
1990, p. 20), quando a menor alteração produz efeito
caótico (efeito borboleta), que não pode ser previsto, cuja
importância para a Nova Psicanálise pode ser verificada
na teoria polar das formações (→ polo, foco e franja),
apresentada de maneira sumária anteriormente.

Conclusão
A nova psicanálise, como vimos, incorpora de saída
todas essas questões em seu teorema do revirão: seja a
questão da eternidade do universo, da noção de espaço-
tempo, seja a da perene impermanência das formações

128 Sumário
O revirão do universo

do Haver que tendem sempre à indiferenciação de último


grau movidas pelo movimento incessante da pulsão (vetor
entrópico). O revirão é um “teorema do limiar” (Oliveira
e Vieira, 2009, p. 149) e sua articulação incorpora tanto a
questão da reversibilidade e da irreversibilidade (Prigogine),
como o possível avessamento do universo por inversão ou
repulsão gravitacional (Bojowald), como na teoria do loop
gravitacional (LQG). Isto significa que, tanto a pesquisa
de Prigogine quanto a de Bojowald, comprovam a hipótese
do revirão como formulada por MD Magno.
Essas são algumas anotações preliminares que
podemos fazer sobre essa questão que, ao que tudo indica,
está em seus primórdios, mas já têm força para reconfigurar
velhos paradigmas. O que nos interessou destacar neste
breve artigo foi a convergência em aspectos fundamentais
de formulações teóricas vindas de campos diferentes e com
protocolos também diversos de validação de suas hipótese
e conjecturas. Teses que contestam radicalmente formas
de conhecimento que foram muito caras e prevalentes ao
longo do século XX.
Como dissemos, trata-se de mais uma boa notícia,
pois tudo isso só tem contribuído para reafirmar a precisão
do ferramental teórico-clínico da nova psicanálise, que,
quase trinta anos depois de sua criação, encontra-se
consolidada e cada vez mais (bem) acompanhada por
outros campos de conhecimento.

Sumário 129
3
Os neurônios-espelho
e a mente-espelho da Nova Psicanálise62

O Real é puro espelho.


MD Magno63

O que é um espelho? É o único material inventado


que é natural. Quem olha um espelho, quem consegue
vê-lo sem se ver, quem entende que sua profundidade
consiste em ele ser vazio, quem caminha para dentro
de seu espaço transparente sem deixar nele o vestígio
da própria imagem – esse alguém então percebeu o seu
mistério de coisa. Para isso há que se surpreendê-lo
quando está sozinho, quando pendurado num quarto
vazio, sem esquecer que a mais tênue agulha diante
dele poderia transformá-lo em simples imagem de uma
agulha, tão sensível é o espelho na sua qualidade de
reflexão levíssima, só imagem e não o corpo. (...)

Clarice Lispector64

62 Pesquisa realizada a partir da 7ª seção (10/06/06) do Falatório de


MD Magno [2006], AmaZonas: a psicanálise de A a Z. Trabalho pro-
duzido para o Projeto Integrado de Pesquisa Um Pensamento Original
no Brasil: Revisão da Modernidade, da Linha de Pesquisa Psicanálise,
Cultura e Modernidade (...etc. – Estudos Transitivos do Contemporâ-
neo/CNPq).
63 Magno [1991], 2003, v.2, p. 12.
64 Lispector, 1978, p. 79-80.

Sumário 131
A nova mente da máquina e outros ensaios

Boas notícias para a psicanálise e os estudos da


mente. Trata-se de uma das descobertas mais importantes das
neurociências: os neurônios-espelho. Espalhados por áreas
fundamentais do cérebro, esses neurônios são responsáveis
pela aprendizagem de atividades como sorrir, conversar,
caminhar ou tocar piano. Em sua forma mais elementar,
significa que imitamos mentalmente uma ação observada,
entendendo empaticamente as intenções e o significado
das ações realizadas pelos outros. Isto sugere uma base
biológica para a dinâmica de aquisição da linguagem, para
a complexa rede de trocas da cultura e para as patologias
psicossociais em suas variadas formas.
Os neurocientistas que os descobriram são Giacomo
Rizzolatti (1937-), Vittorio Gallese (1959-), Luciano Fadiga
(1961-) e Leonardo Fogassi (1958-) da Universidade de
Parma, na Itália. Para alguns cientistas, como Vilayanur
S. Ramachandran (1951-), da Universidade da Califórnia
em San Diego, os neurônios-espelho farão pela psicologia
o que o DNA fez pela biologia: um sistema de referências
unificador capaz de explicar o funcionamento de nossa
mente. Daí ele concluir, por exemplo, que podemos
compreender como os seres humanos deram “um grande
salto à frente” (“the great leap forward”) cerca de 50 mil
anos atrás, quando adquiriram novas habilidades que
tornaram possível a cultura humana (uso das línguas e das
ferramentas).
Desde 1982, ao postular o aparelho lógico do revirão

132 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

como modelo unificador de funcionamento da mente (a


partir da idéia freudiana de Pulsão de Morte), MD Magno
(1938-) vem afirmando tese semelhante, com consequências
ainda mais amplas. Para sua teoria do psiquismo, há em
operação na mente (e mesmo no conjunto genérico de
tudo que há, o Haver) um princípio que a faz funcionar
segundo um movimento de polarização das oposições como
se houvesse um espelho radical entre elas. Vigora aí um
princípio de catoptria (katoptron: ‘espelho’, em grego):
para qualquer coisa posta, seu avesso é também pensável,
requerido e mesmo factível. Este princípio rege não apenas
os movimentos psíquicos como Freud havia descrito, mas
também os movimentos do Haver como um todo.
O revirão designa a essencialidade pulsional da
espécie e trata da possibilidade de pensar o enantiomorfismo
total, isto é, o avesso radical de qualquer afirmação
ou identidade. E é justamente essa função catóptrica
presente na lógica do revirão que produz a linguagem
humana em toda sua complexidade. Com essa hipótese
e suas consequências, Magno fez a crítica [1988] da
noção lacaniana de estádio do espelho (1936) inspirada
nas idéias de Henri Wallon (1879-1962) e na etologia de
seu tempo (Konrad Lorenz (1903-1989) principalmente).
Ele afirma que a competência de reviramento está dada
primariamente em nosso cérebro e que caberia às pesquisas
científicas demonstrá-la. Buscaremos expor a seguir a
hipótese de que, com os resultados recentes das pesquisas

Sumário 133
A nova mente da máquina e outros ensaios

sobre os neurônios-espelho, essa aposta sobre a instalação


biológica da funcionalidade do revirão no cérebro (1982)
parece confirmar-se e abrir novas possibilidades de estudos
na interface da psicanálise e das neurociências.
Vejamos, então, as principais idéias e conceitos
envolvidos na discussão sobre o funcionamento da mente
e sua analogia com o espelho em seus múltiplos sentidos.

1. Os neurônios-espelho
Os neurônios-espelho (também conhecidos como
células-espelho) são neurônios que disparam tanto quando
um animal realiza uma ação, como quando observa outro
animal – normalmente da mesma espécie – fazer o mesmo
ato. Os neurocientistas entendem que esse tipo de neurônio
imita o comportamento de outro animal como se estivesse
ele próprio realizando essa ação. Esse tipo de neurônio já
foi observado de forma direta em primatas e acredita-se
que também exista em algumas espécies de pássaros. Nos
seres humanos, observa-se igualmente atividade cerebral
consistente com a presença de neurônios-espelho no córtex
pré-motor e no lobo parietal inferior. A descoberta deste
tipo de células é considerada uma das mais importantes da
neurociência da última década, pois acredita-se que possam
ser decisivas no mecanismo de imitação e na aquisição da
linguagem.
Em 1998, Rizzolatti e Michael A. Arbib (1940-)
descobriram uma das regiões particularmente ricas em

134 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

neurônios-espelho, a área de Broca, a mesma que, por


volta de 1850, Paul Broca (1824-1880) reconheceu como
fundamental para o processamento da linguagem. Neste
caso, tanto faz ser linguagem falada, código de sinais ou
realização de ações. A partir dessas experiências, hoje
sabemos que os mesmos neurônios que entram em atividade
quando, por exemplo, somos espetados por uma agulha,
são acionados quando vemos outra pessoa também sendo
espetada. Literalmente, isto significa que experimentamos
a dor alheia como em um processo reflexivo ou especular.
Mediante técnicas de imageamento cerebral, como
eletroencefalograma (EEG) e ressonância magnética
(fMRI), tornou-se possível verificar que experimentamos
as emoções alheias com a mesma intensidade com que
vivenciamos nossas próprias emoções (Rizzolatti, 2006,
p. 46-51).
Recentemente, pesquisas semelhantes comprovaram
que elefantes também têm a capacidade de se reconhecer
quando colocados em frente a espelhos65, e camundongos
sentem compaixão ao observar companheiros sofrendo em
gaiolas próximas. Apesar de, à primeira vista, isto parecer
mera curiosidade do mundo selvagem, essas descobertas
sugerem que, assim como os humanos, alguns animais
são também dotados de certo grau de “autoconsciência”
e podem reconhecer sua imagem em frente a um espelho.

65 Notícia no Jornal da Ciência de 02/11/2006. <www.jornaldacien-


cia.org.br>

Sumário 135
A nova mente da máquina e outros ensaios

Haja vista ao conhecido teste de reconhecimento no


espelho, muito empregado pelos etólogos (Iacoboni, 2008,
p. 135-41).
O papel dos neurônios-espelho no movimento dos
seres vivos e em outras funções já foi tema de estudos no
passado, mas agora o foco se dirige para o que parece ser a
função principal dessas células: o modo como são ativadas
em resposta a algo observado. Talvez isso possa explicar
por que aprendemos a sorrir, conversar, caminhar ou jogar
futebol, por exemplo.
Qual é, então, a relação entre as reações de certos
animais (imitação, empatia, compaixão, repulsa, interesse)
e o que sentimos diante de alguém que, por exemplo, acaba
de se cortar? Graças à descoberta meio acidental feita por
cientistas italianos da Universidade de Parma em 199666,
foi identificado o grupo de neurônios responsável por
reconhecer outros indivíduos, relacionar-se com eles, e
interpretar suas ações e expressões. Eles supunham estar
apenas observando neurônios envolvidos na atividade
motora do macaco, especificamente o córtex motor do
cérebro (em particular, a área F5), associada ao movimento

66 Iacoboni, ao comentar a importância do conceito de meme (Da-


wkins) como exemplo de imitação produzido pelos neurônios-espelho,
descreve o anedotário sobre o momento da descoberta desses neurônios
por Vittorio Gallese: ele estaria chupando um sorvete no laboratório
quando teria havido o disparo neuronal no macaco observado. Entre-
tanto, nem Rizzolatti nem Gallese confirmaram esta versão da história.
Ou seja, embora da maior importância, ninguém se lembra ou sabe exa-
tamente como aconteceu o fato (Iacoboni, 2008, p. 52).

136 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

da mão e da boca. Seu objetivo era descobrir como os


comandos para realizar determinadas ações são codificados
pelos padrões de disparo neural, mas se depararam com
uma descoberta de outro tipo.
Giaccomo Rizzolatti e seu grupo, usando metodo-
logia clássica, implantaram eletrodos em neurônios indivi-
duais do cérebro de macacos (área F5) para estudar aqueles
que aumentavam a atividade quando algum deles realizava
ações em troca de comida. Os eletrodos foram introduzidos
no córtex frontal inferior para que fosse possível observar
os neurônios especializados no controle de ações manuais
(pegar objetos, por exemplo), pois é a atividade elétrica
no cérebro que nos informa se determinado neurônio foi
ativado em dado momento. Esta experiência dá acesso à
funcionalidade cerebral em grau muito refinado de obser-
vação de uma célula individualmente, cuja atividade pode
ser acompanhada passo a passo. São experiências invasi-
vas e o implante de eletrodos é feito mediante cirurgia.
Atualmente, já há tecnologia de imageamento cerebral
não-invasiva (fMRI ou ressonância magnética funcional,
MEG ou magnetoencefalografia, entre outras) que possi-
bilita experimentos com seres humanos, cujos resultados
podem ser comparados àqueles cirurgicamente realizados
nos macacos (Iacoboni, 2008, p. 22-23).
O laboratório descrito por Rizzolatti estava
equipado com grande repertório de estímulos para esses
animais. Quando realizavam qualquer ação, como pegar

Sumário 137
A nova mente da máquina e outros ensaios

alimento ou um brinquedo, os pesquisadores podiam ver


qual conjunto específico de neurônios entrava em atividade
na execução de determinados atos motores. Em certo
momento, observaram que, quando um dos pesquisadores
pegava comida, alguns neurônios disparavam como se os
próprios macacos estivessem apanhando algo para comer.
Uma vez descartada a hipótese de isto ser causado por
algum fator trivial, puderam perceber que o padrão de
atividade neuronal associado à ação observada era uma
representação real do próprio ato no cérebro, mesmo que
a ação não tivesse sido realizada pelo macaco (Rizzolatti,
2006 e Iacoboni, 2008).
A experiência inicialmente consistia em observar
apenas um neurônio no cérebro do macaco enquanto
ele tentava apanhar algum tipo de comida, de modo a
medir a resposta neuronal a certos movimentos, mas os
pesquisadores notaram que alguns neurônios respondiam
tanto quando o macaco via uma pessoa pegando comida
como quando ele próprio pegava. Dessa forma, puderam
destacar um tipo de neurônio que dispara tanto quando
o macaco realiza a ação, como quando observa ação
semelhante sendo feita por um dos pesquisadores. É o que
nomeiam “monkey see, monkey do”. Pesquisas posteriores
confirmaram que aproximadamente 10% dos neurônios no
córtex frontal inferior e no parietal inferior têm propriedades
de “espelho” e dá respostas semelhantes tanto às ações
realizadas quanto às apenas observadas. Os macacos são

138 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

os únicos animais em que os neurônios-espelho foram


pesquisados individualmente.
Pesquisou-se também se os neurônios-espelho F5
eram capazes de “reconhecer” ações apenas pelos sons
que produziam. Registrou-se o comportamento do macaco
enquanto este observava uma ação motora manual, como
rasgar uma folha de papel ou quebrar uma casca de
amendoim, e, logo a seguir, lhe era apresentado somente
o som emitido nessas atividades. Resultou que também
nesse caso, muitos neurônios F5, que tinham respondido
à observação visual dos atos acompanhada por sons, agora
respondiam apenas aos sons emitidos, sem o aspecto visual
das atividades realizadas.
Outros experimentos foram feitos para verificar se
o macaco, mesmo sem observar a ação, tem pistas sufi-
cientes para criar uma representação visual dela. Um deles
foi posto diante de um pesquisador que tentava alcançar
um alimento e depois o segurava. A seguir, o animal viu a
mesma ação, mas com a parte final (pegar o alimento) en-
coberta por um biombo. Mesmo assim, mais da metade de
seus neurônios-espelho F5 entraram em atividade quando
ele só podia imaginar a conclusão do ato, pois estava fora
de seu campo visual.
Após uma série de outros testes com macacos (por
exemplo, movimento das mãos para pegar objetos visíveis
ou, atrás de uma tela opaca, pegar comida ou observar
um cientista pegando comida, etc.), Rizzolatti e seu grupo

Sumário 139
A nova mente da máquina e outros ensaios

puderam confirmar que a atividade dos neurônios-espelho


serve de base para o entendimento de atos motores. Verificou-
se que a compreensão de uma ação é possível em uma base
não visual (como o som ou a representação mental) e ainda
assim os neurônios disparam para sinalizar o significado
do ato (2006, p. 44-48). Portanto, há possivelmente muitas
funções diferentes para o sistema de neurônios-espelho.
Entre elas, a linguagem, a compreensão das intenções, a
empatia e o autismo.

1.1 Neurônios-espelho no cérebro humano


O próximo passo foi perguntar se também existiria
um sistema de neurônios-espelho no cérebro humano. Não
foi possível realizar uma pesquisa que estudasse a ação de um
neurônio apenas como no caso dos macacos, mas uma série
de experimentos que empregavam técnicas para detectar
alterações na atividade do córtex motor forneceu indícios
positivos. Enquanto voluntários observavam um pesquisador
pegando objetos ou fazendo gestos sem significado com o
braço, por exemplo, houve aumento da ativação neural em
suas mãos e músculos associados aos mesmos movimentos,
o que indicava uma resposta de neurônios-espelho nas
áreas motoras de seus cérebros. Segundo Rizzolatti, outras
pesquisas, que utilizaram eletroencefalograma e também
técnicas de imageamento cerebral recorrendo à tomografia
por emissão de pósitrons (PET, em inglês) para monitorar
a atividade neuronal no cérebro, confirmaram a presença

140 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

de um sistema de neurônios-espelho em seres humanos.


Ainda para checar a existência de um mecanismo capaz de
perceber as intenções em humanos, o grupo de Rizzolatti
se associa ao de Marco Iacobini (1960-) na Universidade
da Califórnia, em Los Angeles, para mais experimentos,
desta vez empregando o imageamento em ressonância
magnética funcional (fMRI). Novamente, constatou-se que
os neurônios-espelho humanos eram capazes de distinguir
entre a ação de pegar uma xícara para beber ou pegá-la para
levar embora. Os resultados demonstram que eles não apenas
distinguem como respondem ativamente ao componente
intencional de um ato (Iacoboni, 2008, p. 109-16).
Assim como as ações, os seres humanos também
podem entender as emoções de mais de uma maneira.
As observações de outra pessoa que está sentindo
emoção desencadeiam uma elaboração cognitiva daquela
informação sensorial, o que leva a uma conclusão lógica
sobre as emoções das pessoas ao nosso redor: “Eu sei o
que você está sentindo”. Esta frase comum para mostrar
empatia pode ser literalmente verdadeira. Um mecanismo
como esse pode não explicar tudo na cognição social, mas
fornece, pela primeira vez, uma base neuronal a partir da qual
comportamentos sociais são construídos. Outro exemplo é a
emoção de nojo, uma reação básica para a sobrevivência da
espécie. Em sua forma mais primitiva, o nojo indica que algo
que se cheira ou se come é ruim e provavelmente perigoso.
Também nesse caso, experiências como inalar substâncias

Sumário 141
A nova mente da máquina e outros ensaios

ruins e testemunhar o nojo no rosto de outra pessoa ativam


em nós o mesmo sistema neuronal nas mesmas regiões.
Tanto o observador quanto o observado compartilham um
mecanismo neuronal que permite a existência de uma forma
de compreensão empírica direta.

1.2 Imitação e aprendizagem


Outro aspecto decisivo diz respeito ao mecanismo
da imitação. Embora a “macaquice” seja muitas vezes
usada para indicar a imitação, esta não é uma habilidade
muito desenvolvida em primatas não humanos. É rara
em macacos e muito limitada em outros primatas, como
gorilas e chimpanzés. Para os humanos, pelo contrário, é
o meio pelo qual se aprendem e se transmitem habilidades
e linguagem bem como se constitui cultura. Iacoboni e seu
grupo conseguiram a primeira pista de que essa capacidade
se desenvolve no substrato neural do sistema dos neurônios-
espelho, através de fMRI, ao analisar humanos que
observavam e imitavam movimentos com o dedo. Ambas
as atividades disparavam o giro frontal inferior, parte do
sistema de neurônios-espelho, particularmente quando o
movimento tinha um objetivo específico.
Mas a pesquisa foi além. Qual o papel dos
neurônios-espelho quando temos que aprender atos motores
completamente novos e complexos através da imitação?
O grupo de Giovanni Buccino, do Centro de Pesquisas
Jülich, Alemanha, empregou fMRI para estudar voluntários

142 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

que imitavam notas no violão, após vê-las tocadas por um


especialista. Enquanto os participantes do teste observavam
o músico, seus sistemas de neurônios-espelho ficaram ativos
e a mesma área foi ativada de forma ainda mais intensa
durante a imitação dos movimentos nas cordas do violão.
Muitos aspectos da imitação são desconhecidos.
Por exemplo, a questão básica de como o cérebro recebe
informação visual e a traduz para ser reproduzida em
termos motores (Rizzolatti, 2006, p. 145-56). Se o sistema
de neurônios-espelho serve de ponte nesse processo, além
de fornecer uma compreensão das ações, intenções e
emoções de outras pessoas, pode ter evoluído para tornar-
se um importante componente da capacidade humana
de aprendizado com base na observação de habilidades
cognitivas sofisticadas.
As propriedades dos neurônios-espelho resolvem
dois problemas fundamentais da comunicação: a paridade
(que faz com que o significado no interior da mensagem seja
o mesmo para emissor e destinatário) e a compreensão direta
(eliminação da necessidade de um acordo interno entre as
partes para que se entendam sobre signos arbitrários, por
exemplo). Já que o acordo é inerente à organização neural
de ambos, as ações podem ser consideradas mensagens que
são entendidas pelo observador sem qualquer mediação
cognitiva.
Outro ponto importante proposto pela pesquisa é
o possível papel dos neurônios-espelho no surgimento e

Sumário 143
A nova mente da máquina e outros ensaios

desenvolvimento da linguagem falada, uma das habilidades


cognitivas mais sofisticadas da humanidade. Se, como
muitos linguistas supõem, a comunicação humana pode
ter começado com um tipo de linguagem gestual, os
neurônios-espelho certamente participaram da evolução
das línguas. Como vimos, as experiências com PET-Scan
(positron emission tomography) sugerem que um sistema
de reconhecimento de gestos também existe em humanos
e inclui a área de Broca. Para Rizzolatti e Arbib, desse
sistema – que implica observação e execução – pode-se
deduzir uma ponte entre “fazer” e “comunicar”, e a ligação
entre ator e observador se torna também a mesma que há
entre emissor e receptor da mensagem (Rizzolatti e Arbib,
1998). A partir dessa hipótese, propuseram que o sistema de
neurônios-espelho representa o mecanismo neurofisiológico
a partir do qual a linguagem evoluiu, principalmente a
partir da comunicação gestual (Corballis, 2002). Logo, sua
semântica é inerente aos gestos usados na comunicação e o
passo necessário para a evolução até a fala foi a transferência
do significado do gesto, intrínseco ao próprio gesto, aos
significados abstratos do som. Ou seja, a forte ligação que há
entre mão e boca possibilitando a transformação dos sinais
gestuais em articulação fonológica. Para isto, os circuitos
neurais do movimento da mão, do braço e da mímica facial,
que compõem a fala articulada, devem estar intrinsecamente
relacionados, ou compartilhar um substrato neural comum.
Vários estudos comprovam esta hipótese, o que mostra que

144 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

os circuitos neuronais dos movimentos feitos com as mãos


e com a boca estão estritamente ligados e esta ligação inclui
os movimentos do aparelho fonador usados na produção da
fala (Iacoboni, 2008, p. 84-9).
Esta última constatação permite indagar se os espelhos
internos – uma vez que possibilitam a conexão sem palavras
– não seriam a estrutura que possibilita a comunicação
entre os humanos em seus múltiplos e complexos níveis
(Rizzolatti, 2006).

1.3 Autismo, linguagem e cultura


Há alguns anos, dois grupos de cientistas que
trabalhavam de maneira independente sugeriram que o
autismo poderia estar associado à disfunção no sistema
dos neurônios-espelho. Um grupo, na Escócia, dirigido por
Justin Williams, especialista em autismo, que se juntou a
Andrew Whiten, especialista em comportamento imitativo
em primatas e Dave Parrett, especialista em neurofisiologia
de macacos. Outro, de Vilayanur Ramachandran, da
Universidade da Califórnia, San Diego, que pesquisava a
supressão da onda mu em crianças com autismo ao mesmo
tempo que observava ações de outras pessoas.
Estes cientistas supõem que a descoberta dos
neurônios-espelho seja o elo perdido que ajudaria a explicar
por que somente o homem, entre todas as espécies conhecidas,
teve capacidade cognitiva suficiente para desenvolver
linguagem e cultura. Ramachandran se pergunta, inclusive,

Sumário 145
A nova mente da máquina e outros ensaios

se essa descoberta não terá, para o estudo da mente, o


mesmo impacto que teve a descoberta do DNA por James
D. Watson (1928-) e Francis Crick (1916-2004) em 1953.
Mas um de seus interesses principais é na relação entre os
neurônios-espelho e o autismo.
Na década de 40, o psiquiatra americano Leo Kanner
(1894-1981) e o pediatra austríaco Hans Asperger (1906-
1980) descobriram o autismo, distúrbio que afeta milhares
de crianças. Foram achados isolados, nenhum sabia o que
o outro pesquisava, mas, por coincidência, deram o mesmo
nome à “síndrome” – autismo – cujos traços mais marcantes
são o isolamento do mundo exterior e a consequente perda de
interação social. Atualmente, ela é denominada “transtornos
do espectro do autismo”.
No final da década de 1990, Ramachandran e
seu grupo passaram a buscar as possíveis conexões
entre autismo e os neurônios-espelho. Os autistas não
compreendem metáforas e muitas vezes as interpretam
literalmente, assim como têm dificuldades em imitar
gestos alheios. Demonstram preocupação exagerada com
aspectos insignificantes e ignoram outros mais importantes,
principalmente os referidos à socialização (2006, p. 54).
Como já se sabe, o desenvolvimento da linguagem na infância
requer integração de áreas cerebrais. Se os neurônios-
espelho estão diretamente envolvidos nesse processo não
se sabe, mas algum processo análogo deve existir. Tudo
parece indicar que essa classe de células nervosas habilita o

146 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

ser humano a enxergar a si mesmo como seu semelhante o


enxerga, competência esta essencial tanto na autopercepção
como na introspecção.
Para Ramachandran, os neurônios-espelho pareciam
desempenhar as mesmas funções que estariam prejudicadas
ou desintegradas nos autistas. Mediante a medição de
ondas cerebrais com eletroencefalograma (EEG), detectou
a supressão de ondas mu quando a criança monitorada
fazia um gesto voluntário. Mas quando ela observava
outra pessoa desempenhar a ação, a supressão das mesmas
ondas não ocorria. A conclusão do experimento foi que o
sistema motor da criança estava intacto, mas seu sistema
de neurônios-espelho, deficiente. Apresentado na reunião
anual da Sociedade de Neurociências (2000), este resultado
foi considerado prova cabal da hipótese da relação entre
autismo e deficiência no sistema dos neurônios espelho
(2006, p. 57). Outros pesquisadores também o confirmaram
mediante diferentes técnicas de monitoramento de atividade
neural. Ou seja, pessoas com autismo sofrem de disfunção
do sistema neurônios-espelho (2006, p. 57-58).
Crianças autistas costumam ter dificuldades de
interpretar provérbios e metáforas, e Ramachandran supõe
que a competência para fazer analogias e metáforas – que
atingiu altíssimo grau de complexidade no ser humano –
dependa dos neurônios-espelho. Portanto, a aquisição e o
desenvolvimento da linguagem humana também poderiam
ser explicados por essa via.

Sumário 147
A nova mente da máquina e outros ensaios

O autismo atinge aproximadamente 0,5% das


crianças nos Estados Unidos. Muitos portadores têm níveis
de inteligência normal, às vezes acima, mas com sérios
problemas de socialização. Os principais indícios clínicos
da doença são: isolamento social, falta de contato visual,
reduzida capacidade de linguagem ou comunicação e
ausência de empatia. O teste realizado pelos pesquisadores
para confirmar a deficiência de neurônios-espelho em
crianças autistas foi simples e direto, e as medidas de
atividade cerebral foram obtidas mediante encefalograma.
Os pesquisadores pediram para a criança abrir e fechar a
mão direita em forma de pinça e mediram a atividade de
um grupo específico de neurônios. Depois, exibiam um
filme em que uma pessoa executava exatamente o mesmo
movimento com a mão. Em uma criança normal, os mesmos
neurônios espelho seriam ativados, mas não aconteceu a
ativação esperada nos autistas. Ou seja, neles “os espelhos
estariam quebrados”67 (2006, p. 53).
A hipótese geral de Ramachandran é: os neurônios-
espelho foram decisivos no desenvolvimento de habilidades
sociais elaboradas e da rede complexa de formas de
conhecimento que constituem a linguagem humana e
a cultura. Ele acredita que esse “grande salto a frente”,

67 A crítica a alguns aspectos dessa hipótese de Ramachandran sobre


o autismo está sendo feita por vários pesquisadores. Conferir a revisão
crítica de Vittorio Gallese e Mirella Dapretto, um principais pesqui-
sadores sobre os neurônios-espelhos. Cf. www.nature.com/nrn/journal/
v7/.../nrn2024.html

148 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

ocorrido em um momento-chave da evolução do homem,


coincidiu com a complexificação desse sistema neuronal
(Ramachandran, 2005). Os neurônios-espelho se tornaram
muito mais rápidos e mais numerosos no homem do que em
outros animais. Isto propiciou que o aprendizado mediante
observação e repetição se tornasse mais eficiente, pois a
passagem do conhecimento adquirido de uma geração a
outra passou a ser feita diretamente (a herança cultural),
sem a necessidade de aguardar o lento processo de seleção
natural darwiniana. Para ele, há também a possibilidade
de a mudança ter sido uma adaptação genética que deu
a esses neurônios a capacidade especular que têm hoje,
abrindo rápido caminho no processo de aprendizado e
comunicação.
Em linhas gerais, vimos alguns dos aspectos
fundamentais sobre os neurônios-espelho. A seguir, veremos
outros estudos sobre a interface mente/espelho como
subsídio para o que pretendemos apresentar sobre o teorema
do revirão e o princípio de catoptria da nova psicanálise. Ou
seja, sobre a mente entendida como puro espelho.

2. A questão mente/espelho
Henri Wallon (1879-1962), em 1931, denominou
“prova do espelho” à experiência mediante a qual a
criança, posta diante de um espelho, passa a distinguir
progressivamente seu próprio corpo de sua imagem nele
refletida. Esta operação dialética se processaria graças a

Sumário 149
A nova mente da máquina e outros ensaios

uma compreensão simbólica, por parte da criança, do espaço


imaginário no qual ela forjava sua identidade. A prova do
espelho especificaria assim a passagem do especular para o
imaginário e do imaginário para a simbolização.
Em 1936, Jacques Lacan (1901-1981) retomou a
experiência e a terminologia de Wallon e a transformou
no “estádio do espelho” – em muitos aspectos diferente
da tese original – como entendimento da operação mental
mediante a qual o ser humano constitui identificação com
seu semelhante e tem acesso à função simbólica, ou seja,
à linguagem humana. Na comparação entre o ponto de
vista de Wallon e o de Lacan, pode-se perceber que este
transformou uma experiência psicológica em uma teoria da
organização imaginária do ser humano.

2.1 A prova do espelho de Wallon


É fato bem conhecido que a noção de corpo
próprio, na teoria de Wallon, constrói-se por meio de etapas
sucessivas e relacionadas ao processo da psicogênese.
É indispensável para os progressos da consciência a
construção do que a psicologia chama de “subjetividade”
e se integra ao desenvolvimento do eu psicológico. A
pessoa vai-se construindo ao longo de sua evolução e tem
na emoção a origem de seu psiquismo. As emoções estão
intimamente relacionadas aos processos orgânicos, isto é, às
descargas provenientes das necessidades corporais do bebê
humano. É por meio das interações com os outros que as

150 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

expressões se manifestam, tornam-se intencionais e podem


ser reconhecidas pelo ambiente e por ele influenciadas.
Entretanto, para adquirir a noção de corpo próprio
é necessária a realização de um processo distintivo entre
os elementos atribuídos ao próprio corpo e aqueles mais
diretamente ligados à chamada realidade externa. Essas
duas atividades precisam estar articuladas simultaneamente
à investigação progressiva do mundo exterior. Inicialmente,
a delimitação do corpo e da exterioridade é bastante vaga
e imprecisa. Como a criança está em uma simbiose afetiva
com o meio ambiente, só através da exploração sistemática
de seu corpo é que poderá reconhecer gradativamente suas
partes para, então, integrá-lo em uma unidade corporal
(Wallon, 1995, p. 205-6).
Mediante o dispositivo “prova do espelho”, Wallon
estudou as reações das crianças diante de sua imagem
refletida no espelho e os diversos graus de dificuldades
porque passam antes de poder integrar, em um único
conjunto, sua unidade corporal (1995, p. 210). Sem efetuar
essas redução e diferenciação em relação ao meio, a criança
só poderá ter uma visão partida, fragmentada, de seu
corpo. Afirma ele que, “para apreender-se como um corpo
dentre os corpos, como um ser entre os seres” (1995, p.
211), o bebê precisa empregar analogias, assimilar o que
já sabe, individualizar-se e discernir os diferentes aspectos
que possibilitarão uma “representação de si mesmo”. A
consciência corporal é a condição fundamental para o início

Sumário 151
A nova mente da máquina e outros ensaios

da consciência de si, o prelúdio da construção da pessoa


que contempla necessariamente a diferenciação eu-outro,
segundo o pensamento hegeliano vigente na época.
A psicologia de Wallon se constitui a partir de um
dualismo em que a noção de desenvolvimento tem papel
central. Para ele, o fator biológico está ligado à maturação
do sistema nervoso, o que é inseparável do fator social,
constituído pelas interações entre o homem e seu meio
ambiente (1995, p. 213). Dando ênfase à dialética de
transformações sucessivas, a psicologia é pensada a partir da
infância, cuja sucessão descontínua de estágios – e, depois,
suas transformações em termos de crises – fornece a chave da
passagem do estado infantil ao adulto. Sua psicologia leva em
conta a hereditariedade, de um lado, e a cultura, de outro. A
ótica é principalmente a de uma psicobiologia, de uma teoria
das mentalidades, uma teoria “total” situada no cruzamento
das ciências sociais e biológicas (1995, p. 82-96).
Ele se interessa pelo pensamento freudiano a partir
de 1921, embora não aceite a idéia de libido e considere a
psicanálise apenas um ramo da filosofia. Em 1931, escreve
um texto sobre a prova do espelho e a noção de corpo
próprio, cujas idéias básicas Lacan utiliza na construção de
seu “estádio do espelho”, proposto inicialmente em 1936.
É também desse texto que Lacan retira dois conceitos
fundamentais de sua teoria, o imaginário e o simbólico.
No XVI Congresso da International Psychoanalytical
Association (IPA), em Zurique, em 1949, Lacan retoma

152 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

essa articulação e apresenta uma comunicação intitulada O


estádio do espelho como formador da função do eu [je] tal
como nos é revelada na experiência psicanalítica (1947),
posteriormente publicada em seus Écrits (1966).
O espelho já ganhara lugar de destaque no pensamento
moderno com contribuições como as de Lewis Carroll, Alice
no país das maravilhas (1865) (Alice in the Wonderland)
e principalmente Alice através do espelho (1871) (Alice
through the mirror glass). Nessas narrativas, temos gatos,
cachorros, patos, ratos, outros bichos e crianças que
atravessam espelhos e depois comentam suas experiências
de forma lúdica e precisa. A prova do espelho de Wallon
é apresentada como uma aparelhagem de observação
científica. Em experiências etológicas, por exemplo, quando
um pato é privado de sua fêmea e encerrado em um cômodo
revestido de espelhos, ele toma sua própria imagem como
sendo a da companheira ausente. Em situação semelhante,
um cachorro pode ter uma reação de evitação: responde a
afagos, mas recusa seu reflexo e se volta para seu treinador.
Já um chimpanzé passa a mão por trás do espelho e um gorila
ou um elefante pode se reconhecer no espelho, conforme
atestam experiências mais recentes.
Ao fazer uma comparação entre as reações de animais
e das crianças, Wallon percebe reações diferentes conforme
as idades. Até o fim do terceiro mês, a criança é indiferente
à sua imagem no espelho. Mas já no decorrer do quarto mês,
produzem-se mudanças. O bebê pode fixar o olhar e observar

Sumário 153
A nova mente da máquina e outros ensaios

seu reflexo como algo estranho à sua pessoa. Pode mesmo


esboçar um sorriso. Aos seis meses, já pode rir para sua
imagem e para a de sua mãe ou pessoa conhecida refletida
no espelho. Pode mesmo mostrar surpresa para a voz vinda
de trás, pois não consegue fazer coincidir no tempo e no
espaço um reflexo e uma presença real. São ainda realidades
independentes. Por volta dos dez meses, a criança estende
os braços para a imagem e olha para ela quando é chamada
pelo nome. Nesse momento, percebe essa imagem externa
a si como um complemento natural. Assim, representa seu
corpo próprio através de fragmentos ao fim de um longo
processo de exteriorização.
Para proceder à unificação de “si mesma” no espaço,
a criança precisa articular duas coisas. Primeiramente é
necessário admitir a existência de imagens que têm apenas
uma aparência de realidade, ou seja, são reflexos. A seguir,
deve afirmar a realidade de uma existência que escapa à
percepção. Desse modo, o bebê encontra imagens sensíveis,
mas não reais, e de outro, imagens reais, mas subtraídas ao
conhecimento sensorial. Ou seja, segundo essa hipótese,
para sua organização no tempo e no espaço, a criança tem
que subordinar progressivamente os dados da experiência
imediata à representação (1995, p. 209-216).
A prova do espelho lhe serve como um jogo cada vez
mais diferenciado de distinções e equivalências, mediante
o qual forma-se a noção de corpo próprio que conduz à
“unidade do eu”. O problema comporta basicamente dois

154 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

momentos: perceber a imagem e relacioná-la reflexivamente


consigo mesmo. Para Wallon, essa transformação se dá
em três passos: 1. No âmbito da especularidade, nenhuma
relação é introduzida entre a imagem refletida e a imagem
real; 2. O estabelecimento de uma relação que permite a
constituição de um eu unificado em um espaço imaginário
que escapa ao efeito especular. Este momento é considerado
como um prelúdio do que vem a seguir; 3. Ele antecipa
uma terceira etapa, agora simbólica, que propiciará à
criança meios de organização de sua experiência sensível
(Roudinesco, 2006, p. 42).
Por volta de um ano, o reflexo é vivenciado como um
sistema de referências que possibilita direcionar gestos orien-
tados a particularidades do corpo. Nesse estágio, a criança já
não se contenta mais, como no décimo mês, em estabelecer
uma relação entre imagem refletida e a imagem real. Ela
reproduz a experiência do sexto mês em outro registro. Não
mais separa radicalmente o reflexo e a pessoa real, e reconhe-
ce a existência de uma dualidade entre ambos, mas percebe
que uma está subordinada à outra. Tem, assim, acesso a uma
compreensão do espaço em que se forjou seu eu.
Aos quinze meses aproximadamente, a prova do
espelho assume uma outra feição. Wallon descreve que
uma criança nessa idade, solicitada a mostrar sua mãe,
primeiramente a designa no espelho e depois se volta para
ela sorrindo. Já brinca com sua especularidade. Percebe-
se que ela finge atribuir uma preponderância à imagem

Sumário 155
A nova mente da máquina e outros ensaios

justamente quando pode reconhecer com clareza a reflexão


da imagem e a ordem simbólica (1995, p. 214).
Até este momento, o autor não estabelece relação
alguma entre seu trabalho e o de Freud. Ele apenas faz
uma psicologia que considera tanto os aspectos biológicos
quanto os mentais e culturais, e não pode ainda fazer idéia
da importância que seu trabalho terá na reelaboração da
psicanálise por Lacan alguns anos mais tarde.

2.2 A contribuição de Lorenz


No estudo do comportamento humano e animal, a
relação com o espelho começa com Wallon e se desenvolve
nas pesquisas de Konrad Lorenz (1903-1989), fundador da
moderna etologia e prêmio Nobel de Fisiologia em 1973.
Etologia é o estudo do comportamento animal. A observa-
ção dos hábitos dos animais e a comparação de sua agressi-
vidade com o comportamento humano foi uma grande pre-
ocupação do cientista e um tema oportuno dos pensadores
no período entre guerras.
Lorenz sugeriu que as espécies animais estão
geneticamente construídas para aprender tipos específicos
de informação que são importantes para a sobrevivência da
espécie. Descreveu o aprendizado de patos e gansos recém-
nascidos. Os filhotes, logo que nasciam, aprendiam a seguir
a mãe, ou então, uma falsa mãe. O processo, chamado de
imprinting ou estampagem, compreende sinais visuais e
auditivos do objeto “mãe” que são gravados, mesmo que

156 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

sejam enganosos. Inicialmente, o fenômeno foi chamado de


“stamping in”, pois Lorenz entendeu que o objeto sensorial
encontrado pela ave é estampado ou carimbado de forma
irreversível em seu sistema nervoso. Isto provoca uma
resposta de “acompanhamento” que, depois, afeta o animal
adulto por toda vida.
Um critério importante para o imprinting é sua
limitação a uma fase circunscrita ontogeneticamente, quando
o organismo praticamente “espera” alguns estímulos-chave
bem definidos que serão associados a uma parte do estímulo
situacional que o acompanha (Lorenz, 1995, p. 357). Antes
ainda dos etólogos, Lorenz atribui a Freud a descoberta
desse mecanismo, quando este descreveu a “fixação de
objeto” nos primórdios da psicanálise (Freud [1905]).
Nos seres vivos, existe uma gama de misturas de
comportamentos inatos e adquiridos. Muitos padrões com-
portamentais aprendidos dependem de mecanismos inatos.
Por exemplo, um filhote de gato é dotado de mecanismos
cerebrais para caçar ratos, mas deve aprender a usá-los
com a gata mãe. O mesmo acontece com alguns cantos de
pássaros, que precisam ouvir seus colegas adultos, caso
contrário seus padrões canoros serão modificados e ficarão
irreconhecíveis para outros membros da espécie. Este é um
fenômeno presente em vários animais jovens, principalmen-
te aves, como patinhos e pintinhos. Quando saem dos ovos,
seguirão o primeiro objeto em movimento que encontrarem
no ambiente. Pode ser a mãe pata ou galinha, mas não ne-

Sumário 157
A nova mente da máquina e outros ensaios

cessariamente. Em muitos casos, o estampamento se dá com


membros da mesma espécie como uma forma de resguardo
contra a hibridização. Mas pode também fixar reações em
outros objetos. Nas experiências com filhotes de patos,
percebeu-se que o período sensível para a ocorrência do
imprinting estende-se entre as horas logo após o nascimento
até 15 horas após, com um pico destacado entre a décima e
a décima-quinta hora. Ocorre então uma ligação social entre
o filhote e esse objeto ou organismo. Gansos cinzentos, cria-
dos por Lorenz desde filhotes, passaram a segui-lo como se
ele fosse sua mãe. E mesmo depois de adultos, continuaram
preferindo-o a outros gansos da mesma espécie.
Em outros experimentos, demonstrou-se que
patinhos poderiam receber o imprinting não somente de
seres humanos, mas também de objetos inanimados, como
de um balão, por exemplo. Observou-se que há um intervalo
de tempo muito restrito após o nascimento dos filhotinhos
para que o estampamento se realize efetivamente. Esse tipo
de pesquisa deu provas de que existem períodos críticos na
vida quando um tipo definido de estímulo é necessário para
que o desenvolvimento normal se processe. Então, como é
necessária a exposição repetitiva a um estímulo ambiental
– o que provoca uma associação com ele –, podemos dizer
que esse mecanismo é um tipo de aprendizagem, embora
contenha elementos inatos muito fortes.
Ao longo de sua obra, Lorenz também fez estudo
comparativo entre o comportamento humano e o animal,

158 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

expondo suas teses principalmente nos livros Sobre a


agressão e Por trás do espelho: uma pesquisa por uma
história natural do conhecimento humano68. No primeiro,
ressalta que, nos animais, a agressividade tem um papel
positivo para sobrevivência da espécie, como o afastamento
de competidores e a manutenção do território. No homem,
a agressividade poderia ser orientada para comportamentos
socialmente úteis. No segundo livro, Por trás do espelho,
especula sobre a natureza do pensamento e da inteligência
humanas e seu poder de ultrapassar as limitações reveladas
por seus estudos. Também argumenta que a tendência à
guerra no homem tem uma base inata, mas que pode ser
mudada ou controlada.
Seu trabalho sobre as raízes da agressividade alcançou
grande repercussão devido à possibilidade de aplicação
ao conhecimento da violência urbana e, em maior escala,
à prevenção das guerras. Lorenz descobriu que muitos dos
mais importantes padrões de comportamento dos animais,
aqueles tradicionalmente chamados instintivos, eram inatos
e não podiam ser explicados behavioristicamente. Eram
comportamentos fixos, que não podiam ser alterados ou
eliminados pelo meio ambiente, por mais que se manipulasse
experimentalmente esse meio. Tomou como exemplo uma
observação de outro etólogo, Wallace Craig, que havia

68 Das sogenannte Bose (1963) e Die Rückseite des Spiegels: Versuch


einer Naturgeschichte menschlichen Erkennens (1973), sem tradução
em português.

Sumário 159
A nova mente da máquina e outros ensaios

descrito como um pombo macho afastado da fêmea corteja


um pombo empalhado, um pedaço de pano e até mesmo o
canto vazio da sua gaiola.
Lorenz é também um dos principais críticos da
idéia clássica de instinto como algo que não necessitava
ou era acessível a uma explicação natural (1995, p. 17).
Discordava tanto da psicologia finalista, com sua idéia de
instinto, quanto da behaviorista e sua afirmação de que
todo comportamento deve ser aprendido. Há padrões que
determinam o comportamento dos animais que se originaram
filogeneticamente e estão inscritos no genoma. Cita como
exemplo o fato de patos das mais variadas espécies exibirem
movimentos de corte similares em inúmeras características.
Isto indica que a programação para esses movimentos tem
que estar inscrita no genoma “de uma maneira exatamente
idêntica àquela em que o programa para caracteres
morfológicos está codificado nos genes” (1995, p. 20).
O comportamento do homem é fundamentalmente
semelhante ao dos outros animais e está sujeito às mesmas
leis causais da natureza. Segundo ele, o critério para
determinar se certo padrão de comportamento é inato, é que
seja mostrado por todos os indivíduos normais da espécie,
de determinada idade e sexo, sem nenhum aprendizado
anterior e sem tentativas e erros. É o caso do comportamento
agressivo, entre outros.
O ponto crucial de sua visão sobre a natureza humana
é: assim como outros animais, o homem tem o impulso inato

160 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

do comportamento agressivo em relação à sua própria espécie.


Esse impulso estaria limitado a poucos danos, como acontece
entre animais do mesmo grupo, não fossem dois agravantes:
dispor de armas que multiplicam seu poder ofensivo e a falta
do respeito ao gesto de submissão feito pelo perdedor (como
acontece em outros animais menos agressivos). O homem,
por essas razões, é o único animal que mata em grande escala
dentro de seu próprio grupo social.
As pesquisas etológicas de Lorenz destacam um dado
importante: “Uma cultura é um sistema vivo como qualquer
outro” (1995, p. 438). Então, mesmo sendo o sistema mais
complexo do planeta, nem por isso deixa de estar sujeito às leis
da natureza que prevalecem no mundo orgânico. Ou seja, há
correlação direta, se não mesmo homologia, entre a produção
simbólica do ser humano e a natureza que o cerca e o constitui.

2.3 Lacan e o “estádio do espelho”


Do texto de Jacques Lacan sobre o “estádio do es-
pelho”, apresentado no Congresso de Marienbad em 1936,
restaram as versões ulteriores de 1949 e 196669. Suas princi-
pais fontes de referência são bem conhecidas: o conceito de

69 “1938: Verbete sobre “la famille” na Encyclopédie francaise (Larous-


se, Paris, 1938, tomo 8, reeditado sob o título Les Complexes familiaux
dans la formation de l’individu, Navarin, Paris, 1984). 1949: Le stade
du miroir comme formateur de la fonction du Je, telle que’elle nous est
révélée dans l’experience psychanalytique 4, 1949, 1966: retomada em
Écrits (Paris, Seuil, 1966). A que se deve acrescentar os “Propos sur la
causalité psychique” (1946), cujas oito últimas páginas retomam, atuali-
zando-os os argumentos do texto de 1938” (Dufour, 1999, p. 10).

Sumário 161
A nova mente da máquina e outros ensaios

narcisismo formulado por Freud (1914), o neodarwinismo


(nos trabalhos do anatomista Bolk sobre a neotenia do ho-
mem (1926), nas teses psicológicas de Wallon (1934) e nas
pesquisas etológicas de Lorenz), a psicologia da Gestalt e
o hegelianismo como apresentado por Kojève. Entretanto,
segundo Dufour (1999), além dessas referências, é preciso
levar em conta o quanto o espelho lacaniano deve ao espelho
sofiânico de Jacob Boehme (1575-1624). A inovação de
Lacan foi reintroduzir, no século XX, um modelo de pensa-
mento considerado “irracional”, “mágico”, “barroco”, cuja
origem remonta ao misticismo teosófico. Essa transposição
para um novo ambiente se deu através de Alexandre Koyré
(1892-1964) e foi reapropriada por Lacan ao tomar uma
forma antiga de pensamento como sendo mais moderna que
as formas modernas da racionalidade.
Na teosofia de Boehme, o tema do espelho é uma
questão central, pois o “um só pode chegar a se exprimir e
a se manifestar no outro e pelo outro”. O um se apresenta
dividido. De acordo com Koyré, o indeterminado aspira a
um limite para revelar-se, e não como forma de limitação.
Ou seja, a vontade divina constrói para si mesma um espelho
no qual se mira e, assim, o Absoluto (o Ungrund) olha a si
mesmo e acha a si mesmo70. Esse espelho divino contém a

70 “O resultado é uma teoria do “espelho sofiânico”: é saindo desse


indizível Ungrund que Deus se concebe como sujeito. Deus só pode com
efeito conhecer-se a si mesmo opondo-se a Si-Mesmo. Deus se exprime
assim no homem, criando à sua imagem, e isso num movimento jamais
acabado, infinito de revelação a Si-mesmo. O meio desse engendramen-

162 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

totalidade das imagens. O um se divide e se desdobra ao


mesmo tempo que permanece um, e assim devém outro ao
mesmo tempo que permanece o mesmo. A ousadia de Lacan
foi ter dado a esse Um-dividido um lugar de destaque na
formação das bases de nosso psiquismo. Durante muito
tempo atribuiu-se esse tema a Hegel, mas hoje sabe-se que
o que Lacan encontra em Hegel (via Koyré e Kojève) são
basicamente esquemas boehmianos71. As referências de
Hegel a Boehme são explícitas nas Lições sobre a História
da Filosofia (Dufour, 1999, p. 46-9).
A partir desse conjunto de referências, Lacan
transforma a prova do espelho (Wallon) em uma teoria da
organização imaginária do ser humano. Faz a mudança
terminológica: de “prova do espelho” para “estádio do
espelho”, isto é, a passagem de uma experiência laboratorial
a uma teoria da psicanálise. Já sabemos que, em Wallon,
a prova do espelho especifica a passagem dialeticamente
hegeliana do especular ao imaginário e do imaginário
to onde se passa do Um, indizível e invisível, ao múltiplo visível do
mundo não é outro senão o espelho, este olho da Sabedoria divina, que
contém as imagens de todos os seres individuais. (...) A vontade divina
‘vê-se pois ela mesma de toda eternidade e nela mesma vê o que é; faz
para si mesma um espelho no qual se mira’ e, como não pode nele en-
contrar outra coisa a não ser si mesma, torna-se ela mesma objeto de seu
próprio desejo [...]: ‘o desejo não tem objeto e só pode desejar-se a si
mesmo [...]. É assim que o Absoluto (o Ungrund) olha em si e se acha a
si mesmo’” (Doufour, 1999, p. 37-8).
71 Em 1988, MD Magno dedica seu Seminário De Mystério Magno:
A Nova Psicanálise a Jacob Boehme, ocasião em que se refere a vários
aspectos do pensamento do “grande sapateiro” (o “philosophus teutoni-
cus”, o primeiro filósofo alemão, segundo Hegel).

Sumário 163
A nova mente da máquina e outros ensaios

ao simbólico. Lacan, por sua vez, retoma a experiência


walloniana para completar a teoria do Édipo freudiano, pois
esta não permitia situar o modo como o sujeito se projeta em
sua imagem especular para assim constituir um imaginário
dominado pelo narcisismo.
Lacan já tinha esboçado essa questão em Os complexos
familiares na formação do indivíduo, cujas bases foram
apresentadas no volume VIII da Encyclopédie Française,
organizada pelo historiador Lucien Febvre, intitulada A vida
mental. Lacan retoma aí o aparelho walloniano, reinterpretado
à luz do pensamento freudiano que fora reelaborado a partir
de uma perspectiva boehmiana (via Koyré) e hegeliana (via
Kojève). Segundo essa articulação inicial, os “complexos
familiares” estão no centro da formação da mente humana.
No primeiro momento, há o complexo de desmame (Melanie
Klein), que rompe com a relação parasitária com a mãe e
deixa sua marca indelével no psiquismo. No segundo, surge
o estádio do espelho (Wallon/Lacan), que corresponde ao fim
do desmame e possibilita ao indivíduo realizar uma unidade
especular ou antecipada do eu, na qual o outro ainda não tem
lugar. Por fim, surge um terceiro momento em que aparece
o outro e se instala a luta pelo reconhecimento. Só então, há
o advento do complexo de Édipo como descrito por Freud
(Roudinesco, 1988, p. 161-162).
Em 1949, Lacan apresenta O estádio do espelho
como formador da função do eu [je] tal como ela nos é
revelada na experiência psicanalítica (1998), em que

164 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

funde a noção freudiana de Ich (eu) e cria a oposição do


eu imaginário (alienado na figura do outro) a um sujeito do
inconsciente reorganizado pela ordem simbólica. Mantém a
idéia de desejo do Outro de origem hegeliana, que permite
apontar as modalidades dialéticas de identificação do
sujeito (Lacan) com o Outro, em termos não psicanalíticos
de alienação, reconhecimento e desconhecimento. Ele
deseja o desejo do Outro, de forma que o desejo do homem
pode ser definido como o desejo do Outro mediado pela
linguagem, isto é, pela função simbólica. Nessa operação,
Lacan põe o inconsciente freudiano no lugar da consciência,
seja ela cartesiana ou hegeliana. Mais tarde, entre 1953
e 1957, Lacan introduz em seu quadro teórico a noção
de demanda (que se entende sempre como demanda de
amor). As necessidades biológicas podem ser satisfeitas
com objetos naturais (alimentação e outras), mas o desejo
nasce da distância irredutível entre necessidade e demanda.
Ele não se refere a um objeto, mas a uma fantasia, a um
“outro imaginário”. Trata-se de desejo do desejo do Outro
enquanto busca ser absolutamente reconhecido por ele ao
preço de uma luta de morte.
Apoiado em pesquisas de psicólogos e etólogos,
Lacan situa a fase do estádio do espelho entre os seis e os
dezoito meses de idade. O acontecimento básico aí destacado
é o fato de que um bebê (infans), diante do espelho, ainda
sem postura ereta e controle motor, apoiado em algum
suporte artificial, “supera, numa azáfama jubilatória, os

Sumário 165
A nova mente da máquina e outros ensaios

entraves desse apoio, para sustentar sua postura numa


posição mais ou menos inclinada e resgatar, para fixá-lo,
um aspecto instantâneo da imagem” (Lacan, 1998, p. 97).
É nesse momento que, para ele, o “sujeito” antecipa, como
numa miragem, a maturação, que só lhe é dada como
Gestalt, e que surge como imago do corpo próprio (1998,
p. 98).
É nesse passo de sua articulação que Lacan faz uso
das experiências etológicas descritas por Harrison, Chauvin
e desenvolvidas por Lorenz (1998, p. 190-92). Ou seja, os
efeitos que uma Gestalt pode ter sobre o organismo, como é
o caso clássico da maturação da gônada na pomba que tem
como condição necessária a visão de um semelhante, não
importa de que sexo seja. Efeito este que pode ser obtido
pela simples reflexão de um espelho. Então, a função do
estádio do espelho se revela como um caso particular da
função da imago, isto é, “estabelecer uma relação do
organismo com sua realidade, ou seja, como se costuma
dizer, do Innenwelt com o Umwelt”72 (1998, p. 100). Mas,
nesse caso, o mais importante é o fato de isto se dar no seio
de uma “discórdia primordial”, em virtude da prematuração
específica do nascimento no homem73 (1998, p. 100). Por

72 Em alemão, Innenwelt se refere ao “mundo interior”. No uso que


Lacan faz, contrasta com Umwelt (“ambiente”, “meio ambiente”) para
sugerir a experiência mental de “interioridade” que acompanha o “eu”
que se forma no “estádio do espelho”.
73 Lacan retirou essa idéia do anatomista holandês Louis Bolk
(1866-1930).

166 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

isso, o estádio do espelho é um drama que acontece na


passagem de uma insuficiência para uma antecipação,
que vai tanto fabricar para o “sujeito” suas fantasias com
imagens do corpo despedaçado (que aparece sob a forma de
membros disjuntos e órgãos representados em exoscopia),
quanto promover a formação de uma imagem de totalidade,
que Lacan chama de “ortopédica” (1998, p. 100). Nesses
termos, ele aponta os elementos básicos que constituem
a emergência do simbólico para o ser humano. Esta é sua
contribuição para o entendimento de uma idéia fundamental
da antropologia estrutural, a da passagem de um estado
natural para o cultural ou simbólico.
Em suma, Lacan parte da experiência walloniana de
prova do espelho e faz dela um conceito que lhe permite
revisar a teoria freudiana do complexo de Édipo. Afasta-
se da perspectiva psicológica referida a uma experiência
natural para pensar o estádio do espelho como uma operação
psíquica mediante a qual o homem se constitui em uma
identificação com seu semelhante. Para que essa prova se
torne um estágio no sentido não-biológico do termo, ele a
repensa com termos da filosofia cartesiana e hegeliana. Ao
retomar a categoria de desejo em Hegel, dá um novo sentido
ao desejo em Freud. Mais tarde, como vimos, cinde seu
sistema e nele introduz o conceito de demanda. Então, todo
seu modelo será pensado a partir da linguística (Saussure)
e da antropologia estrutural (Lévi-Strauss), o que lhe
permitirá retomar as categorias de especular, imaginário e

Sumário 167
A nova mente da máquina e outros ensaios

simbólico, de Wallon, para lhes dar um sentido mais amplo,


em consonância com as teses freudianas.

3. O espelho da nova psicanálise


Segundo MD Magno, uma das coisas que mais
intrigou o pensamento huma­no em todos os tempos, é o fato
de ao que quer que seja colocado para nossa mente, o avesso
também ser pensável ou exigível. Pensadores de diversas
áreas lidam com essa qualidade básica do psiquismo, o
qual, por outro lado, está configurado mediante aparelhos de
recalque, limitações e travamentos. Mesmo que tenhamos
uma aparência mais ou menos constante, o que se passa em
nossas mentes é um vale-tudo radical, pois, ao que quer que
se pense ou diga, com um pouco de esforço, é possível virar
pelo avesso (Magno [1999], 2008, p. 29).
A essa competência da mente e suas possibilidades,
a nova psicanálise74 chama de revirão75, que é fundamentado
no princípio de catoptria (do gr. katóptron = espelho),
princípio de base psicanalítica que afirma que o que quer que
haja suscita seu avesso ou enantiomorfo. Esta competência
é dada e está disponível a qualquer um que dela faça uso.
74 Ao final do texto, Pequeno Glossário da Nova Psicanálise, com
definições dos conceitos aqui empregados.
75 O termo Revirão foi cunhado a partir da criação de James Joyce,
em Finnegans Wake, riverrun e da tradução que dele fizera Glauber
Rocha no título de seu romance Riverão Sussuarana. Além do próprio
verbo da língua portuguesa “revir”, que, segundo o Novo Dicionário
Aurélio da Língua Portuguesa, vem do latim “revenire” e significa “vir
de novo”, “voltar”, “regressar”.

168 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

Destaca-se também para nossa mente uma “vontade de


simetria” como princípio primeiro e organizador de tudo
o que há. Se a simetria se produz ou não, não é a questão
principal, pois isso depende das condições de resistência
das formações em jogo, porque o que se destaca é a
simetria como possibilidade constante e sempre em busca
de sua efetivação (Magno, [1990], 2001, v.1, p. 105). O
funcionamento do princípio de catoptria é conjeturado
para o Haver, donde sua aplicação aberta e genérica: o
que quer que haja, em qualquer ordem de havência, tem
a propriedade de ser uma forma simetrizável ou reversível
em seu avesso, contrário ou oposto.
Pode-se, então, falar de enantiomorfismo como
característica definidora do Princípio de Catoptria: a
possibilidade de operação da reversibilidade. Assim, dia
/ enanti-dia; noite / enanti-noite; matéria / enanti-matéria;
partícula / enanti-partícula; logos / enanti-logos; corpo /
enanti-corpo; eu / enanti-eu; dentro / enanti-dentro; fora /
enanti-fora; outro / enanti-outro. Nas palavras do autor, é
catoptria radical, pois ao que quer que se coloque, tem-se o
avesso “em todos os sentidos e com várias possibilidades de
avessamento interno a esse processo: enantiomorfia total”
([1988], 1991: v.1, 106-107).
O que qualifica esse princípio é a catoptria, o puro
espelho como modelo de operação lógica de avessamento
que estrutura os movimentos da mente e do Haver, questão
nuclear na obra de Magno desde seus artigos O hífen na

Sumário 169
A nova mente da máquina e outros ensaios

barra (1972), Gerúndio (1973) e de seu primeiro Seminário


Senso contra censo: Da obra de arte (1976). Além de
recorrer à tradição lacaniana de tomar o espelho como
modelo estrutural do sujeito, ele se utiliza sistematicamente
de outros autores para extrair um entendimento das
propriedades reflexivas do espelho, no sentido de sua lógica
e competência de reflexão. Sobretudo, das obras de Marcel
Duchamp (Le Grand Verre e Etant Donnés), Fernando
Pessoa, Lewis Caroll, Guimarães Rosa (Grande Sertão:
Veredas e Primeiras Estórias) e Velázquez, (o quadro As
Meninas). Esses autores são referências constantes em sua
produção.
Em A reflexão ([1983], 1987, p. 20-28), Magno
retoma o estádio do espelho lacaniano na suposição de que,
mais cedo ou mais tarde, cientistas acabariam por descobrir
em laboratório a distinção básica que há entre animal
e humano. Então, afirma o que já dissera em A música
([1982]), e que se torna tema recorrente em seus Seminários:
a base cerebral ou neuronal desse espelho, reconhecido na
mente humana desde Freud. Ainda articulando a partir do
pensamento lacaniano, temos “que aí, no lugar da antiga
falta, é o espelho mesmo que se encontra, que se inscreve
como borda, como única margem, de referência, lá instalada
pelo furo com que o significante repete, agora como
fronteira – melhor, como litoral, como linha demarcatória –,
a mesma antiga falta” ([1983], 1987, p. 23). Temos também
a referência à possibilidade de um “espelho interno” que

170 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

se funda nesse processo, a ser representado como “espelho


intra-orgânico” a partir de hipóteses da época sobre o córtex
cerebral lembradas por Lacan.

3.1 A mente artificialista


Torna-se senso comum em nosso tempo o
reconhecimento de que o homem é um ser artificialista e
tecnológico. Um “deus de prótese”, como diz Freud ([1930]:
111)76. Cria o mundo mediante artifícios e artefatos, através
de operações de transformação ou metamorfose de tudo que
o cerca. Ele tem competência e desempenho (Chomsky)
mental para tanto. As marcas que deixa no planeta Terra,
desde o controle do fogo à mais complexa nave espacial,
dão prova dessa vocação tecnológica. Nesse sentido, todas
as formas de arte e de técnica atestam os mais variados
interesses que ultrapassam a utilidade imediata de qualquer
aparelho ou engenho e se constituem como extensões de
sua mente e de seu corpo (McLuhan, 2005). Também pode-
se verificar cada vez mais que não há barreira radical ou
heterogeneidade entre o que constrói artificialmente e o
76 “O homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de “Deus de próte-
se”. Quando faz uso de todos os seus órgãos auxiliares, ele é verdadeiramen-
te magnífico; esses órgãos, porém, não cresceram nele e, às vezes, ainda lhe
causam muitas dificuldades. Não obstante, ele tem o direito de se consolar
pensando que esse desenvolvimento não chegará ao fim exatamente no ano
de 1930 A.D. As épocas futuras trarão com elas novos e provavelmente ini-
magináveis grandes avanços nesse campo da civilização e aumentarão ainda
mais a semelhança do homem com Deus. No interesse de nossa investiga-
ção, contudo, não esqueceremos que atualmente o homem não se sente feliz
em seu papel de semelhante a Deus” (Freud [1930], 1976, p. 111).

Sumário 171
A nova mente da máquina e outros ensaios

mundo natural e físico em que vive.


Se a mente está aparelhada para operar essas
transformações, é provável que haja compatibilidade
entre o sistema que nos constitui e aquele que podemos
transformar mediante novos artifícios. Todas as limitações
e recalques com que nos deparamos diariamente – naturais
ou culturais – são efeitos de parcialização ou fronteiras que,
de algum modo, produzem a separação das coisas entre si,
gerando a relação “dentro / fora”, “eu / outro”, etc. Por outro
lado, os artifícios que fabricamos são possibilidades de
dissolução de tais fronteiras, mas posteriormente também
eles se tornam novas formas de prisão e limitação. Não há
a prótese definitiva que possa resolver tudo de uma vez por
todas.
A nova psicanálise apresenta uma hipótese para esta
habilidade de artificialização de nossa mente. Toda produ-
ção artística e tecnológica feita pelo homem resulta de uma
função de simetrização, a função catóptrica da mente. Ela
é concebida como máquina que espelha ou revira o que
quer que se lhe apresente, produzindo o arquivo infinito
de artifícios (a cultura) com que a humanidade convive
há milhares de anos. Esse modelo destaca a função de re­
versão, avessamento ou revirão de que o cérebro é capaz
como sendo a função originária que teria tornado possível
o surgimento da linguagem, da arte, da técnica, da ordem
simbólica (com suas transcrições ou traduções culturais e
comportamentais).

172 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

Sendo, antes de tudo, uma máquina de avessamento ou


revirão, a mente é a competência de articular as informações
recebidas no regime de sua enantiose, isto é, no regime de
pura e simplesmente poder efetivar a função contrária do
que comparece. Por enantiose ou enantiomorfismo devemos
entender a operação de avessamento de toda e qualquer
formação que nossa mente é capaz de sonhar ou pensar, por
ser sua competência fundamental a habilidade de propor
uma formação reversa. Assim – questão cara à teoria dos
neurônios-espelho – se há imitação de um “outro” é porque
a função revirão opera avessando o que comparece como
“externo” em “interno”. Faz-se o que o “outro” está fazendo
porque há a capacidade de virar pelo avesso a articulação
que se apresenta. A máquina de reviramento incorpora
tudo que emerge recortadamente como sendo “outro”.
Nesse sentido, a função catóptrica indiferencia as barreiras
operacionais que recortam e constroem as noções ligadas
ao jogo da alteridade (Magno [2003], 2006, p. 42-43).

3.2 A mente-espelho
Ao afirmar que o inconsciente é máquina de revirão,
de avessamento, Magno também considera que há função
catóptrica como repetição de um “princípio alucinatório”
constitutivo da mente. Mente esta cuja base é sua competência
de indiferenciação, de neutralização das polaridades ou
diferenças que comparecem mediante a função catóptrica (que
a tudo põe a possibilidade de avessamento). Os travamentos e

Sumário 173
A nova mente da máquina e outros ensaios

emperramentos desta função resultam do que Freud chamou


de resistência e recalque, os quais, de inúmeras maneiras,
limitam o poder de indiferenciar ou neutralizar qualquer
formação que se apresente.
O ponto de partida do pensamento psicanalítico é a
idéia de pulsão, pensada originalmente por Freud ([1920])
como pulsão de morte e reformatada por Magno como: Haver
desejo de não-Haver (AÃ). É a mesma e única pulsão que
ordena qualquer outra (de vida, de destruição, oral, anal,
etc.) que tenha sido recortada por Freud ou outros teóricos
da psicanálise. Assim, a mente (que Há) é regida por um
princípio de catoptria que alucina sua extinção (não-Haver)
como requisição (desejo) de simetria absoluta, a qual, em
última instância, por impossibilidade de concretização desse
gozo último, de Morte, impõe à própria máquina catóptrica
sua reversão para o mesmo lado do espelho. Note-se que,
neste ponto, o espelho é tomado como limite absoluto, sem
qualquer possibilidade de avesso.
Para efeitos didáticos, apresenta-se o modelo do
revirão mediante a lógica de avessamento da banda de
Moebius77, o que amplia a analogia desse expediente
topológico com o inconsciente proposta por Lacan. Vejamos
a seguir sua esquematização:

77 A hipótese do Revirão é apresentada formalmente pela primeira


vez em (Magno [1982]). Cf. principalmente as seções: 10. Introdução
à matemúsica-2 (A Chã Psicanálise ou o ICS da A a Z), p. 176-193; e
12. O halo, o alelo, p. 208-220. Cf. também a produção subsequente do
autor, com destaque para [1999] e [2000/2001].

174 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

x
2
A -x

n
Ã

Temos aí a superfície unilátera da banda de Moebius


desenhada segundo o percurso longitudinal sobre ela, no-
meado pelos matemáticos como oito interior78. Nele estão
inscritas as diferenças x / -x, que podem ser indiferenciadas
ou neutralizadas no ponto terceiro n, onde estes pontos
positivo (x) e negativo (-x) se equivalem. O que interessa à
psicanálise, além do terceiro ponto – lugar de indiferencia­
ção –, é sobretudo a vontade de simetria (entre A e Ã), que
está na base do conceito de Pulsão. Trata-se da função lógica
do espelho: para além dos avessamentos que opera (pois a
mente é pura função de catoptria), há a função alucinatória de
uma vontade de simetria absoluta, que jamais comparece na
78 Da banda de Moebius (ou contrabanda, como chama Lacan) a topo-
logia também extrai a lógica do oito interior (ou oito dobrado ou inver-
tido). É o percurso longitudinal sobre a superfície unilátera da banda a
partir de um ponto qualquer, resultando uma dobradura (o anel superior
do oito é dobrado no interior do anel inferior). Os dois anéis se super-
põem e, no ponto em que lhes é comum, inscreve-se o ponto catóptrico,
especular (também chamado, por Magno, de real do revirão ou ponto
bífido), que inverte absolutamente tudo que passa por ele como se fosse
um furo de passagem entre um anel e outro. Notamos, também, que, com
o percurso em oito interior, atravessa-se duas vezes o mesmo ponto e
decompõe-se a superfície em duas partes distintas. As partes pertencem
à mesma formação e constituem uma única peça que se organiza a partir
do ponto neutro e suas polarizações.

Sumário 175
A nova mente da máquina e outros ensaios

experiência, pois é uma simetria absolutamente impossível.


É essa “polaridade” de último grau – que está no esquema
como sendo a “segunda potência do binário” (2²) – que a
fórmula Haver desejo de não-Haver descreve.
Esse é o trauma, senão mesmo a condenação,
apontado por Freud, que comparece para a mente propondo
a simetria absoluta e a impossibilidade de atingi-la. É, por-
tanto, uma experiência de quebra de simetria que se coloca
como início de tudo que há. E a dissimetria que se produz
em função dessa impossibilidade ressoa no Haver como as
clausuras e fronteiras das situações com que nos defronta-
mos cotidianamente das mais variadas formas e maneiras.
Mas é também sobre ela que se operam todas as formas de
artifício e técnica que nos caracterizam.
Dessa maneira, ao tomar o conceito de pulsão como
fundamental e de formular o princípio de catoptria e o revirão,
Magno refaz o projeto freudiano por inteiro, colocando-o
em consonância com as transformações que vêm ocorrendo
desde o final dos anos [19]80.

3.3 O “estalo do espelho” no “estádio do


espelho”
A seguir, acompanharemos a crítica de Magno à pro-
posição lacaniana do estádio do espelho, anteriormente apre-
sentada. Vimos como esta proposição foi fundamental para a
formulação do “sujeito do inconsciente”, que predominou no
primeiro e no segundo classicismo lacanianos (Milner, 1996).

176 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

Além das influências de Wallon, a obra de Lacan


também é contemporânea das pesquisas de Lorenz e outros,
que transformaram a “obscura disciplina” da etologia em um
dos ramos mais importantes da biologia evolutiva (Vieira,
1983, p. 28) e foram decisivos na formulação da gênese da
mente a partir de informações orgânicas e etológicas. Lacan
pretendia justamente dar um modelo explicativo da função
do “eu” [je] que superasse a problematização etológica da
imagem do corpo na constituição que o organismo tinha
com o meio ambiente. Ou seja, que superasse o que Lorenz
destacou como o reconhecimento dos modelos de vinculação
etogramatical, para além da noção clássica de instinto.
Para os seres humanos, a problemática essencial da
integração das funções motoras se dá mediante a unificação
da imagem do corpo próprio (como vimos em Wallon), num
processo de identificação que é dado prematuramente na
experiência do reconhecimento da imagem no espelho. A
criança, na “assunção jubilatória de sua imagem especular”,
em “azáfama jubilatória” (Lacan, 1998, p. 97), organiza lu-
dicamente sua forma corporal como em uma Gestalt, com a
imagem especular do corpo próprio ajudando na formação da
imago79 da criança. O “estádio do espelho” seria o momento
lógico da instalação da ordem simbólica do sujeito, antes

79 “Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação,


no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transfor-
mação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem – cuja
predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo
uso, na teoria, do antigo termo imago” (Lacan, 1998, p. 97).

Sumário 177
A nova mente da máquina e outros ensaios

ainda que a palavra e o discurso o situassem no universo


simbólico dos falantes. O processo identificatório iniciado
pela experiência do espelho, mediante a qual o sujeito se
reflete e se concebe como outro que não ele mesmo, está co-
nectado às identificações infinitas que se constroem em seu
acesso ao processo simbólico (Roudinesco, 1988, p. 71).
Para a nova psicanálise, o modelo é inteiramente dife-
rente. Toda função de “alteridade” que comparece é entendida
ou produzida pelo desejo ou pela competência de simetriza-
ção que está dada no princípio de catoptria. Dessa maneira,
a lógica do inconsciente não depende desse jogo de imagem
no espelho a partir do qual alguém articula seu processo re-
flexivo. Mas, sim, do fato de que há função catóptrica, isto
é, de que a competência de reviramento está dada, de que há
o reconhecimento do espelho enquanto tal. E justo porque a
máquina é catóptrica, enantiomórfica, a tão comentada “ima-
gem do corpo próprio” é construída. A “azáfama jubilatória”
da criança no estádio do espelho é o reconhecimento de sua
própria competência de reflexão. Acompanhemos esta arti-
culação nos termos do próprio autor:
(...) o grande momento, mais do que o assentamento
sobre imagem especular coagulante do famigerado
corpo despedaçado, que me parece da ordem percep-
tiva, o que talvez seja motivo de júbilo para a espécie
é o fato de haver reconhecimento do processo refle-
xivo no nível geométrico, digamos assim, catóptrico,
enquanto reconhecimento desse fenômeno como
homológico ao que nela está inscrito, por razões

178 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

de espécie, como catoptria interna. Ou seja, sem a


menor consciência, porque isto não é necessário, o
grande júbilo do Estádio do Espelho é esse estalo
de sacar, para além da coagulação do corpo despe-
daçado, para além do assentamento daquela imagem
do lado de cá, que aí está vazio, o fato da coincidên-
cia, da tiquê, do encontro da catoptria reconhecida
visualmente no espelho com a catoptria interna da
espécie. Ou seja, de que eu sou tão reflexivo quanto
o espelho o é, coisa que certamente não comparece
em outras espécies, por mais evoluídas que sejam
(Magno [1988], 1990, p. 31).

Mais adiante, afirma: “(...) É esse espelho interior


que a fisiologia e a anatomia procuram” (grifos nossos).
Podemos, portanto, afirmar que a descoberta dos neurônios-
espelho parece confirmar esta afirmação. Magno aponta que
só há “júbilo” para a criança na medida em que há encontro
da catoptria percebida no espelho com a catoptria dada
na própria mente em constituição. Encontro este que só é
possível porque essa competência está disponível do lado
de cá, ou seja, na mente. O núcleo destacado no estádio do
espelho é o encontro de um espelho com outro e o “júbilo”
de que tanto se falou é índice de reconhecimento da máquina
catóptrica disponível mentalmente ([1988], 1990, p. 32).
Certamente que essa capacidade especular do espelho
plano é muito inferior à catoptria cerebral, pois o princípio
de catoptria põe um espelho absoluto, capaz de qualquer tipo
de avessamento ou reversão. A única reversão impossível

Sumário 179
A nova mente da máquina e outros ensaios

é a da simetria absoluta que, como vimos, é impossível e


coincidiria com a extinção absoluta, que não há.

3.4 A instalação do revirão no cérebro (1982)


O modelo da mente como espelho não só parece
estar em sintonia com as mais recentes descobertas da
função dos neurônios-espelho pelas neurociências, como
também as antecipou em quase duas décadas. A hipótese
do revirão – e sua função catóptrica – é de 1982 e, desde
1983, Magno afirma que caberia às ciências biológicas
(fisiologia, anatomia) – ou, hoje, às neurociências – procurar
e determinar sua funcionalidade no cérebro humano.
A partir dos experimentos acima descritos, Rama-
chandran fez a suposição de que os neurônios-espelho são
parte de uma rede que permite ver o mundo “desde o ponto
de vista de outras pessoas”, o que dissolve as fronteiras entre
eu/outro. A capacidade de empatia, a possibilidade de ler a
mente ou as intenções dos outros, de antecipar atos e compor-
tamentos, foram cruciais no desenvolvimento de habilidades
sociais elaboradas, de redes complexas de conhecimento
que vieram a constituir a cultura. Assim, a comunicação e
o aprendizado puderam espalhar-se amplamente criando a
dinâmica simbólica em que vivemos.
A idéia de pessoa, proposta por Magno em [2004],
que resulta da concepção da mente como espelho (e se
contrapõe radicalmente à noção de sujeito da filosofia), pode
nos dar uma noção da compatibilidade da tese psicanalítica

180 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

com as pesquisas das neurociências. No aparelho teórico que


estamos descrevendo, a pessoa é concebida como uma rede
de formações “naturais” e “culturais”, com vários níveis
e em interações recíprocas, que se organiza em pólos que,
por sua vez, se apresentam de modo focal e franjal80. É uma
formação complexa, com n componentes que se organizam
em dada configuração, que também pode estar gravitando em
torno de outras formações e assim sucessivamente. E, como
todo pólo, é um conjunto de resistência a outras formações
já constituídas e também organizadas polarmente.
O que caracteriza a pessoa em sua singularidade
é poder, ainda que aprisionada em um grande conjunto de
formações que a determinam e constituem, ser eventualmente
afetada por uma hiperdeterminação. Ou seja, poder ser afetada
pela determinação última e radical capaz de produzir eventos

80 “...ao considerar as formações, é preciso fazê-lo no sentido abran­


gente, pois isso é infinitamente grande para todos os lados e não sei
quais são suas conexões. Lembram do que eu dizia do foco e da fran-
ja, e de que, até para se produzir um conhecimento, uma quanti­dade
de coisas fica fora? Não só o campo é infinito de formações, pois não
há como fazer a leitura dele todo, como cada uma das formações tem
que ser pensada como formação de formações, não se sabe onde isso
termina. A história da física, por exemplo, antigamente parava na idéia
de átomo, mas foi crescendo: o átomo tomou outra característica e hoje
temos a suposição, incompro­vada ainda, de que há umas três ou quatro
cordas mínimas como última formação das formações. Será? A infini-
tude, tanto na abran­gência do campo como dentro de cada formação, é
fractal. É o conceito de Mandel­brot, de que já falei aqui há anos: a coisa
vai se expandindo para dentro e para fora. Pode-se até, com frequência,
ter uma forma mínima que percebemos organizar todo o campo, mas
aquilo é infinito no extensivo e no intensivo” (Magno, [2000/2001],
2003, p. 481).

Sumário 181
A nova mente da máquina e outros ensaios

que suspendem as outras formas de determinação em vigor


e possibilitam o surgimento de formações originais e novas
configurações causais no sistema. A hiperdeterminação é
a possibilidade de ocorrência de neutralização no conjunto
das forças que existem em dada situação. Então, mesmo que
determinada e oprimida pelo conjunto de formações que a
constituem, há para a pessoa a possibilidade de exasperação,
de atrito em um ponto limite que revira tudo pelo avesso
(princípio de catoptria / revirão) e repõe o jogo novamente,
porque não há saída para “fora” desse sistema. É o vigor
máximo da função catóptrica. Dessa forma, é possível
acontecer um ato de criação para o vivido nessa experiência
e a emergência de uma nova prótese, de uma tecnologia, que
facilite o manejo da realidade.
O único caso conhecido de pessoa até o momento,
com mente revirante, somos nós mesmos, mas talvez haja
outras formações também complexas que sejam afetadas
pelo movimento hiperdeterminante e pelo reviramento –
“extraterrestres” (ETs), ou futuramente “máquinas espiri-
tuais” (Kurzweil, 1999) –, com mente homóloga quanto à
competência e performance.
Ray Kurzweil (1948-) chama de singularidade
(2005, p. 9) o momento de culminância da união entre nossa
existência e os pensamento biológicos com a tecnologia, o que
resultará em um mundo ainda humano, mas que transcende
nossas raízes biológicas. Na pós-singularidade, não haverá
distinção entre humano e máquina ou entre realidade física

182 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

e virtual. Se podemos supor que algo de humano ainda vai


restar neste mundo é o fato de pertencermos à espécie que
busca ampliar seu limite físico e mental para além do meio
que a cerca. A hipótese de Kurzweil é compatível com a de
pessoa que a psicanálise atual está propondo para pensar
nosso tipo de mente. Ocasionalmente, somos capazes de atos
radicais de criação em qualquer campo do conhecimento,
criação esta que resulta da mente revirante e especular que
portamos.

4. Considerações finais
No desenvolvimento deste trabalho, vimos os
seguintes passos e articulações:
- A importância da descoberta dos neurônios-espelho
pelas neurociências e seu papel no desenvolvimento da
linguagem humana e da cultura;
- O surgimento de outras áreas de pesquisa a partir
dessa descoberta, principalmente as relacionadas ao autismo
e suas possíveis causas;
- Os antecedentes da questão mente/espelho: as
influências do pensamento de Boehme e Hegel, as pesquisas
de Wallon (a “prova do espelho”), bem como as teses da
etologia, em particular as de Lorenz;
- O “estádio do espelho” de Lacan, inspirado no
trabalho de Wallon, Harrison, Chauvin e de Lorenz, como
base para a formação do “sujeito do inconsciente”;
- O revirão de Magno, com as hipóteses do princípio

Sumário 183
A nova mente da máquina e outros ensaios

de catoptria e da quebra de simetria como modelo suficiente


para a descrição do funcionamento da mente;
- A antecipação conceitual da função catóptrica e
suas consequências em relação às descobertas dos neurô-
nios-espelho;
- O “estalo do espelho” como crítica de Magno ao
“estádio do espelho” lacaniano;
- Os neurônios-espelho como prova da instalação
primária do revirão no cérebro.
Destacamos, ao longo do texto, que a descoberta dos
neurônios-espelho pode demonstrar que não só imitamos
os outros como também, se estivermos vendo ou ouvindo
ações de outros, o cérebro funciona como se nós mesmos
estivéssemos fazendo aquelas ações. Além disso, vimos,
segundo essa hipótese, que a linguagem humana também
surge do processo sintático gerado por essa rede neuronal.
Por sua vez, Magno enfatiza que – enquanto para
Lacan o “estádio do espelho” funda para a criança a função
do “eu” – o que se explicita no estádio do espelho é o “estalo
do espelho”, ou seja, a expressão de sua função catóptrica,
que não é o mesmo que “função especular”. Esta última sendo
o reconhecimento de imagem ou de imitação, que Lacan
incluiu em seu conceito de Imaginário. A função catóptrica
é a reversão lógica contida no revirão e não a simples
projeção da imagem como duplo. Trata-se da competência de
avessamento radical de qualquer formação que se apresente,
pois para a mente humana (e mesmo para todo o Haver) há

184 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

um princípio segundo o qual seu funcionamento é regido


por polaridades opositivas, como se no meio houvesse um
espelho (= princípio de catoptria), capaz de enantiomorfismo
total. Isto é, a possibilidade de pensar ou sonhar o avesso
radical de qualquer afirmação ou identidade. É a função
catóptrica (com a lógica do Revirão) que produz a linguagem
humana com toda a sua complexidade.
É com estas hipóteses e suas consequências que faz
a crítica ([1988]) à noção lacaniana de estádio do espelho
(1936), inspirada nas idéias de Wallon e Lorenz, para afirmar
que a competência de reviramento está dada primariamente
em nosso cérebro. Caberia às pesquisas científicas fazer sua
demonstração competente.
Assim sendo, finalizamos com as seguintes obser-
vações:
1. Percebe-se que há uma conexão mais direta entre
“prova do espelho” (Wallon), “estádio do espelho” (Lacan)
e “estalo do espelho” (Magno). Lacan se apropriou da
experiência walloniana para transformá-la em uma teoria
da organização imaginária do ser humano e base para o
surgimento do simbólico, visando completar a teoria do
Édipo freudiano. Magno, por sua vez, destaca que o que
está aí em jogo é a ressonância do princípio de catoptria,
pois o “júbilo” do estádio do espelho é o estalo de perceber,
para além de qualquer outra coisa, “o encontro da catoptria
reconhecida visualmente no espelho com a catoptria interna
da espécie”. Ou seja, de que a mente é tão reflexiva quanto

Sumário 185
A nova mente da máquina e outros ensaios

o espelho, e que isso não comparece em outras espécies, por


mais evoluídas que elas sejam.
2. A descoberta dos neurônios-espelho trouxe, por
via biológica, a questão da reflexão novamente, atribuindo
a eles – seja mediante suposições ou provas efetivas – as
operações de imitação, analogia, identificação com o “ou-
tro” e de produção da linguagem e da cultura humanas.
Mesmo as pesquisas sobre o autismo seguem indicações
parecidas. Ora, embora Magno afirme que essas pesquisas
estão demonstrando sua hipótese da instalação do Revirão
no cérebro como uma funcionalidade e não como um órgão
específico, convém lembrar que sua teoria sobre a mente é
um modelo genérico, acabado, amplo e com consequências
nos mais diversos campos do conhecimento. É nesse âmbito
que afirma que a competência de avessamento, de enantio-
morfismo, possibilita o surgimento das línguas e da cultura.
O mais importante é que, mediante essa mesma competência,
há criação e invenção de outros mundos, fazendo emergir,
por exemplo, a revolução tecnológica em que vivemos, seja
para melhor ou para pior. Isto também não ocorre a outras
espécies conhecidas.
3. Embora o termo linguístico “espelho” seja o mes-
mo nas várias pesquisas, não se designa com ele o mesmo
na nova psicanálise e nas neurociências. Enquanto que para
os pesquisadores em neurociências, assim como para Wallon
e Lacan, a ênfase recai respectivamente sobre a reflexão, o
espelhamento, a imago e a alteridade especular, para a nova

186 Sumário
Os neurônios-espelho e a mente-espelho da Nova Psicanálise

psicanálise trata-se de um espelho absoluto, pura superfície


de reflexão, capaz de avessamento radical de qualquer or-
dem, até aquelas ainda não pensados pelas ciências ou pela
filosofia. O único avessamento impossível absolutamente é
o da própria imanência do espelho enquanto tal (princípio
de catoptria) em um sumiço ou desaparecimento definitivos,
pois isto é radicalmente impossível (quebra de simetria). O
espelho da mente há de maneira inarredável, embora seu de-
sejo seja sempre de extinção: Haver desejo de não-Haver (a
pulsão freudiana informada e enformada nesses princípios).
Todas as outras observações sobre o espelho são considera-
das a partir daí.
4. Com os resultados recentes das pesquisas sobre
os neurônios-espelho, a aposta de Magno sobre a instalação
biológica da funcionalidade do revirão no cérebro (1982)
parece estar confirmada, o que abre possibilidades de estudos
e pesquisas na interface da psicanálise e das neurociências.
Há, entretanto, muitas brechas a serem preenchidas,
pois o que parece novidade em uma área do conhecimento, já
é bem conhecido e desenvolvido em outra. Isto certamente se
deve à pouca frequentação mútua dos diversos campos de co-
nhecimento, ocasionando defasagem e esforços duplicados.
As fronteiras entre as formas de conhecimento continuam
ainda muito rígidas, assim como os preconceitos e as rivali-
dades, mas esperamos ter apresentado notícias promissoras
para um entendimento mais preciso e compartilhado dos mo-
dos de funcionamento da mente humana e de todas as outras

Sumário 187
A nova mente da máquina e outros ensaios

formas de mente que também começam a ser pesquisadas e


conhecidas.

188 Sumário
4
Afinal, o que é uma Pessoa?
Questões sobre o filme 13º Andar
- Cinema e Nova Psicanálise -

Somos menos e menos criaturas de carne, osso


e sangue...; somos mais e mais criaturas de
espírito-zapping, bits e bytes movendo-se
por aí na velocidade da luz.
R. U. Sirius81

As cidades são tão artificiais quanto as colmeias.


A Internet é tão natural quanto uma teia de aranha.
John Gray82

A trama
“Nada é real. É só desligar a tomada e tudo acaba.
Sou uma unidade correspondente”. Esse é um dos momentos
cruciais do filme 13º Andar, quando o protagonista, que se
julgava um ser humano “real”, descobre que é um programa
computacional. Como se sabe, o 13º é o andar denegado
nos Estados Unidos, aquele cuja existência é recalcada.
Pula-se do 12º para o 14º andar para afastar o azar. Mas no

81 Apud LEMOS, André, 2002, p. 182


82 GRAY, J., 2005, p. 32

Sumário 189
A nova mente da máquina e outros ensaios

filme, é onde fica a empresa de Hennon Fuller e Douglas


Hall, especializada em simulações e realidade virtual
(RV). Essa é uma referência de fundo importante nessa
produção dirigida por Josef Rusak e inspirada no romance
Simulacron-3, de Daniel Galouie, onde se questiona a
fronteira entre realidade e virtualidade. Sua temática e
conjunto de questões estão na mesma linhagem de outros
filmes de ficção científica como 2001 – Uma Odisséia no
Espaço; Blade Runner; I.A. – Inteligência Artificial; Eu,
Robô; e principalmente a trilogia Matrix.
O enredo é uma estória policial. Douglas Hall e
seu sócio, Hannon Fuller, dois pesquisadores da área de
informática, estão prestes a colher resultados positivos
em seu último projeto: desenvolver um mundo simulado
utilizando RV. Porém, Fuller é misteriosamente assassinado
antes de passar informações importantes sobre o projeto
para Douglas, que agora é o principal suspeito de ter
praticado o crime. No nome do protagonista Douglas Hall
podemos reconhecer uma referência clássica do cinema.
Hal é o computador-personagem de 2001 – Uma Odisséia
no Espaço, de Stanely Kubrick. Seu nome é uma construção
com as letras que antecedem a sigla IBM: H/I, A/B e L/M.
Apenas um L foi retirado. E Hennon Fuller é tratado por seus
colegas como o “Einstein” de sua geração, um gênio que
criou o programa de simulações entre épocas diferentes.
Desorientado e em busca da verdade em torno dos
acontecimentos, Douglas decide entrar no mundo simulado

190 Sumário
Afinal, o que é uma Pessoa?

para investigar a morte de seu parceiro. Toda a estória gira


em torno desse plot: quem matou Hennon Fuller? E todos
os indícios incriminam Douglas Hall, seu amigo. As pistas
estão na máquina e por isso ele decide viajar virtualmente
para 1937, quando assume a identidade de John Fergusson
– uma simulação computacional que é sua unidade
correspondente –, para o qual pode se transferir. Surge
então, não se sabe de onde, Jane Fuller, (a filha de Fuller)
que ninguém conhecia, que “baixa” em Natasha Molinaro,
também outra programação.
Ashton, unidade correspondente de outro amigo
de Douglas em 1937, ficou com a carta de Fuller, onde
o cientista informa que também eles estão dentro de um
sistema computacional e que, portanto, todos são meros
programas de realidade virtual. “Como eles são?”, pergunta
Ashton a Douglas. “São iguais a mim e a você. Não sabem
que são programações”. É o momento de reconhecimento
pelo protagonista de que o mundo é fake e qualquer um
que vá até o “fim do mundo”, depara-se com os limites
da realidade simulada. Tudo é programa de um sistema
desconhecido: “Afinal, são apenas circuitos eletrônicos”. E
quanto a si mesmo, conclui para Ashton e para o espectador:
“Não sou um deus. Sou igual a você. Um amontoado de
eletricidade [A bunch of electricity]”.
Douglas faz também o mesmo percurso que Ashton
havia feito: de carro vai até o “fim do mundo” e confirma que
ele é de fato artificial. Essa havia sido a descoberta de Fuller

Sumário 191
A nova mente da máquina e outros ensaios

quando foi assassinado. Todos são marionetes, fantoches,


títeres de um jogo de simulação. Pergunta a Jane: “Quantos
mundos simulados como este existem?” Ela responde: “Mi-
lhares. Mas só este tem uma simulação dentro da simulação.
Algo que não esperávamos”. A discussão que se inicia, mas
não se desenvolve, é se eles têm alma ou não. Jane responde
que seu pai programou esse “mundo” para que ninguém des-
cobrisse a verdade, mas houve o imprevisível. Douglas afir-
ma: “Nada é real. É só desligar a tomada e tudo acaba. Sou
uma unidade correspondente.” Mas o final é surpreendente,
pois, após várias peripécias, Douglas acaba se transferindo
para David, marido de Jane Fuller e o verdadeiro assassino
de Fergusson, em uma nova época (2024), que parece ser
a realidade última a partir da qual as outras são simuladas.
Mas o filme termina como se fosse uma tela de TV ou de
monitor onde subitamente tudo se apaga, deixando a dúvida
sobre essa realidade também. Será tudo simulação? Onde
está a realidade? O que é real e o que é RV?

Tudo é artifício
As questões em torno da dicotomia realidade / vir-
tualidade, criador / criatura atravessam o filme de ponta a
ponta. Podemos acompanhar pela via ficcional alguns dos
principais personagens que representaram esse campo de
significação na mitologia e na literatura. A título de exem-
plo, vamos recordar os três principais: Prometeu, Fausto e
Frankenstein.

192 Sumário
Afinal, o que é uma Pessoa?

Primeiramente em Prometeu, temos o fogo como


metáfora da competência de criação na ordem simbólica. É
a alegoria do surgimento do Homem mediante a aquisição
da técnica. O fogo roubado do Olimpo, contra a vontade de
Zeus, expressa a emergência da inteligência e do uso das
próteses pelos humanos, que assim se tornam semelhantes
aos deuses.
Já em Fausto, o mito do homem moderno – aquele
que “vende sua alma” para Mefisto em troca de mais poder
–, há a busca de conhecimento e meios para transformar o
mundo pela magia da técnica. A grande obra que o Fausto
goethiano deseja realizar é o up grade da realidade em todos
os sentidos, para tentar abolir, ou pelo menos minimizar,
as formas de aprisionamento do homem na realidade
circundante. Sua via é artificialista, a arte e a técnica como
ferramentas de ação e apropriação de toda possibilidade
de produção por via do artifício. Nesse sentido, Fausto é
reconfiguração de uma antiga questão que está no cerne de
nossa cultura, permeada de influência judaico-cristã no raiar
do pensamento moderno. Ele é um personagem-conceitual
(Deleuze) que enfrenta os limites tidos como aceitáveis pela
cultura dominante, com desmesura de tal modo expressiva
(hybris), que ultrapassa qualquer possibilidade de controle
social, político ou moral. É a partir dessa hybris que se deve
considerar a artificialidade que o personagem evoca.
Por último, o doutor Frankenstein, que o senso-
comum costuma pensar como “cientista maluco”. Entretanto,

Sumário 193
A nova mente da máquina e outros ensaios

é mais um personagem dessa mesma linhagem. Mary


Shelley o denominou “moderno Prometeu” no subtítulo
de sua obra, e sua realização principal é a criação de seres
humanos mediante a técnica (a eletricidade dos raios). Essa
narrativa toca no coração de uma das crenças fundamentais
do cristianismo, a que supõe que a criação do homem (e de
tudo que existe) é atributo exclusivamente divino. Portanto,
o ato de Frankenstein de criar outro ser humano a partir de
pedaços de cadáveres (o “monstro”!) seria o “crime” máximo
de lesa-divindade: o homem agindo como se fosse Deus. Na
tradição judaico-cristã, é o pecado de Lúcifer, a soberba.
Em 13º Andar, as idéias de artifício e técnica são
decisivas. Os personagens aparecem como “seres simulados
eletronicamente” que habitam, trabalham, comem, transam,
etc. dentro de um sistema, mas também são capazes de
criar novos mundos de RV. Em torno dessa possibilidade
vivida em vários graus pelos personagens, há as simulações
dentro de simulações, mesmo que os programas apresentem
sempre seus limites e franjas. Como vimos, o filme se passa
basicamente entre duas temporalidades. A inclusão da
terceira só se dá no final da narrativa para fechar a série das
simulações e explicar o processo todo: 1937: recriação da
juventude de Fuller; 2000: supostamente o “tempo real”, pois
é o momento da enunciação da história que retrata a criação
de um programa, por isso eles têm a ilusão de que são reais;
e 2024: o “tempo real”, de onde as “outras realidades” são
simulações e simulacros. Mas vimos também que mesmo

194 Sumário
Afinal, o que é uma Pessoa?

esta é posta sob suspeição pelo modo como o filme termina:


o desligar súbito de um monitor (uma TV? um computador?),
que sugere que há outros comandos no sistema.
Como podemos observar no filme em questão, a
“realidade”, seja ela qual for, pode conter múltiplas escalas.
Ainda que fosse necessário reduzir a uma hierarquização
em certo momento, haveria espaço para grande número
de instâncias de “realidades” e a quantidade poderia
aumentar sempre mais. E aqueles que executassem uma
simulação seriam como deuses em relação àqueles que
habitam o ambiente simulado. Seriam “onipotentes”, pois
poderiam interferir no funcionamento de nosso mundo,
e “oniscientes”, já que poderiam supervisionar o que
acontece, como no caso do filme que estamos comentando.
Entretanto, todos se sujeitam ao grande sistema que permite
essa ordem sucessiva de simulações em rede. Podemos
perfeitamente supor que vivemos numa simulação criados
por pós-humanos, não podemos? 13º Andar é herdeiro de
tudo isso, embora essas questões estejam diluídas no filme
que, afinal, é a narração de uma história policial, assim
como em Blade Runner.

A convergência homem / máquina


Nos momentos de passagem de um personagem para
sua unidade correspondente, há uma alteração em seus olhos,
que indicia que a transferência de uma unidade para outra
está se processando. Eles sofrem com frequência de dejá vu e

Sumário 195
A nova mente da máquina e outros ensaios

estranhamento (Unheimliche) quando estão perante a unidade


correspondente de outros personagens. Um dos pontos
fortes do filme é justamente a transa e a transitividade que
há entre as supostas “pessoas” e os “seres computacionais”
e vice-versa. Uns se transferem para os outros mediante
download. Ray Kurzweil (2003), por exemplo, considera o
contexto da realidade virtual imaginado pela série Matrix
como indiferenciável da realidade verdadeira. Sua hipótese é
que, a partir de 2029, seremos capazes de construir nanobôs,
robôs microscópicos capazes de entrar nos capilares e viajar
pelo cérebro, rastreando-o por dentro. Esse tipo de circuito já
está sendo produzido atualmente. O Departamento de Defesa
dos Estados Unidos está aprimorando dispositivos robóticos
minúsculos chamados de “smart dust” que captam imagens,
comunicam-se entre si, coordenam-se, enviam mensagens e
podem atuar como espiões praticamente invisíveis em uma
série de planos militares. Outros dispositivos do tamanho de
hemácias, que podem entrar na corrente sanguínea, também
já estão em fase de produção, assim como também estão
sendo pensados “sistemas biomicroeletrônico-mecânicos”
no campo da nanotecnologia. Esses nanobôs não precisarão
necessariamente de navegação própria, pois poderão se mover
pela corrente sanguínea e, à medida que passarem pelos vários
elementos do sistema nervoso, poderão se comunicar com ele
do mesmo modo que hoje nos comunicamos com células na
telefonia celular. Kurzweil supõe que a solução poderia ser o
envio de scanners para dentro do cérebro sob forma de bilhões

196 Sumário
Afinal, o que é uma Pessoa?

de robôs de rastreamento, todos ligados a uma rede local sem


fio que poderiam rastrear o cérebro por dentro, criando um
mapa de alta resolução de toda sua atividade. O resultado seria
um enorme banco de dados de informações neurais a partir
do qual seria possível a realização de engenharia reversa do
cérebro para a compreensão de seus princípios fundamentais
de funcionamento. Com esse conhecimento seria possível a
criação de modelos biológicos que empregassem técnicas
como “redes neurais” e “algoritmos genéticos” que se
baseassem nesses modelos.
Mas voltando à RV empregada no filme, podemos
supor uma em que haja ligação direta entre o cérebro humano
e esses implantes de nanobôs. Já existem várias tecnologias
que são capazes de fazer comunicação em ambos os
sentidos, entre o mundo úmido e analógico dos neurônios
e o mundo seco e digital da eletrônica. Para se chegar à
realidade virtual completa seria necessário injetar bilhões
de nanobôs que tomassem posição em cada fibra nervosa
proveniente de todos os sentidos. Assim, se quisermos ficar
na “realidade verdadeira”, eles simplesmente ficarão lá.
Mas se quisermos entrar na RV, eles poderão cortar os sinais
provenientes dos “sentidos reais” substituindo-os por sinais
recebidos de um ambiente virtual. Dessa maneira, teremos
uma realidade virtual gerada internamente, capaz de criar
todos os nossos sentidos. Essa realidade virtual poderá ser
em ambiente compartilhado, podendo haver interação com
várias pessoas ao mesmo tempo.

Sumário 197
A nova mente da máquina e outros ensaios

Com o uso desses implantes de nanobôs, as emoções


podem ser intensificadas ou alteradas. Isso poderá fazer
parte dos ambientes de realidade virtual, o que possibilitaria
ter “corpos” diferentes para experiências diferentes. Da
mesma maneira que hoje projetamos nossa imagem na
internet mediante câmeras, poderemos enviar sequências
de experiências sensoriais, como no filme Quero ser John
Malkovich. Assim sendo, seria possível vivenciar a vida
de outras pessoas numa verdadeira dissolução das noções
tradicionais de indivíduo e subjetividade, com possibilidades
de transiência de uma mente para outra.

A imitação de Deus (imitatio Dei)


Mencionamos que o tema literário da imitação de
Deus é um dos assuntos recorrentes do filme. O que está nessa
história, assim como em Frankenstein de Mary Shelley, é a
competência de criação de nossa mente, nesse sentido igual à
atribuída a Deus: “Deve ter sido medonho, pois terrivelmente
espantoso devia ser qualquer tentativa humana para imitar o
estupendo mecanismo do Criador do mundo”, diz a certa
altura o narrador de Frankenstein. Em Blade Runner, apesar
da morte do criador pela criatura em um dos momentos mais
significativos do filme (Dr. Tyrell – o Dr. Frankenstein do
filme – é assassinado pelo andróide que lidera o grupo),
há a afirmação da capacidade criativa do cientista morto.
Uma das replicantes, Rachel, é reconhecida e amada por um
outro (replicante também?) já na indistinção entre humano

198 Sumário
Afinal, o que é uma Pessoa?

e máquina (andróide). Em 13º Andar, a imitatio dei aparece


censurada no plano de enunciado por Jane, filha de Fuller,
ao criticar o marido David que teria usado a simulação como
brinquedo, “como se fosse um Deus”, o que teria ocasionado
sua corrupção e decadência. Mas Hennon Fuller, seu pai,
não fez exatamente a mesma coisa? Por que só ele pode? O
plano de enunciação ao final da trama é afirmativo quanto a
esse modo de imitação ao reconhecer a competência criativa
dos personagens.
Ficamos sabendo que David, que utilizou Douglas
Hall como sua unidade correspondente, é o verdadeiro
assassino de Fuller. E Jane, sua mulher, havia se apaixonado
por Douglas Hall, mesmo sabendo que se tratava de um
programa computacional. Dá-se então o diálogo em torno
da ambiguidade entre realidade e RV que percorre o filme:
“Como pode me amar? Eu nem sou real. Não pode amar um
sonho”. E ela responde: “Você é mais real do que tudo o que
conheci”. Tem-se então a impressão de happy end: David
“morre” no “corpo” de Douglas que “ressuscita” no “corpo”
de David em 2024. Parece que chegamos ao último plano
da realidade. Mas o final do filme é uma tela que se apaga,
fazendo com que todas as certezas fiquem sob suspeição.

Afinal, o que é uma Pessoa?


De várias maneiras, o filme retoma a questão
“afinal, quem somos nós?” Por exemplo, podemos ainda
manter as ideias clássicas de sujeito e de indivíduo para

Sumário 199
A nova mente da máquina e outros ensaios

pensar nossa existência como se costuma fazer? O que


é ser humano? Cada vez mais se reconhece que essas
categorias se mostram insuficientes e que o Homem não
é tão “humano” quanto se pensou, nem tampouco pode
ser centro de referência como pretendeu o pensamento
humanista e antropocêntrico.
Segundo a Nova Psicanálise, a idéia de pessoa83
proposta por MD Magno – que se contrapõe radicalmente
à noção de sujeito da filosofia –, considera o homem em
um escopo inteiramente diferente da noção clássica de
subjetividade ou individualidade, mas em consonância
com as questões de ponta sobre o artificialismo e a
técnica a que nos referimos acima a propósito do filme.
Nesse sistema de pensamento, pessoa é uma rede de
formações primárias (artifícios espontâneos, “naturais”) e
secundárias (artifícios industriais, “culturais”) – pois tudo
é artifício! –, com vários níveis e em interações recíprocas,
que se organiza em pólos que se apresentam de modo focal
e franjal. Essa formação complexa, com n componentes
que se organizam em determinada configuração, também
pode estar gravitando em torno de outras formações e
assim sucessivamente. Mas todo pólo é resistência contra
quaisquer outras formações já constituídas e também
organizadas polarmente. E o que caracteriza a pessoa em

83 Para uma apresentação das bases do conceito de Pessoa [IdioFor-


mação], cf. MD Magno [1999]. Seção 2. Revirão. In: A Psicanálise,
Novamente. Rio de Janeiro: 2004, p. 37-54.

200 Sumário
Afinal, o que é uma Pessoa?

sua singularidade? Embora a pessoa esteja aprisionada em


um conjunto muito grande de formações que a determinam
e a aprisionam, ela pode ser eventualmente afetada pela
formação originária (o revirão) e pela hiperdeterminação84.
Ou seja, pelo determinante último e radical capaz de
produzir eventos que suspendam as outras formas de
determinação em vigor e possibilitem o surgimento de
formações originais e novas configurações causais no
sistema. Isto é, a competência de saltar fora da mera
repetição redundante do mesmo programa, seja ele qual
for. A hiperdeterminação é a possibilidade de ocorrência
de neutralização no conjunto das forças que existem em
uma dada situação. Então, mesmo que determinada e
oprimida pelo conjunto de formações que a constituem,
há para a pessoa a possibilidade de exasperação, de atrito
em um ponto limite que revira tudo pelo avesso (revirão)85
e repõe o jogo novamente, porque não há saída para “fora”
desse sistema. Dessa forma, é possível acontecer criação
e nova nomeação para o vivido nessa experiência. O caso
conhecido de pessoa somos nós mesmos, mas quem sabe

84 Para uma apresentação do conceito de hiperdeterminação e revi­


rão, cf. MD Magno [1999]. 2. Revirão. In: A Psicanálise, Novamente.
Rio de Janeiro: Novamente, 2004. p. 37-54.
85 O termo Revirão foi cunhado a partir da criação de James Joyce, em
Finnegans Wake, riverrun e da tradução que dele fizera Glauber Rocha
no título de seu romance Riverão Sussuarana, além do próprio verbo da
língua portuguesa “revir”, que, segundo o Novo Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa, vem do latim “revenire” e significa “vir de novo”,
“voltar”, “regressar”.

Sumário 201
A nova mente da máquina e outros ensaios

pode haver outras formações também complexas que


podem ser afetadas pelo movimento hiperdeterminante
e pelo reviramento, tais como “extraterrestres” (ETs), ou
futuramente “máquinas espirituais” (Kurzweil, 1999), etc.,
que tenham mente homóloga à nossa quanto à competência
e performance.
Sabemos que, baseando-se em avanços nas áreas da
informática, inteligência artificial, robótica, nanotecnologia,
genética e biotecnologia, muitos pesquisadores supõem
que nas próximas décadas a humanidade irá atravessar
a singularidade tecnológica e será impossível qualquer
previsão do que acontecerá após esse evento. A aceleração
do progresso científico e tecnológico tornou-se, nos
últimos 300 anos, a característica mais marcante da
história da humanidade. Desde a emergência da ciência
com Galileu Galilei, Isaac Newton e Leibniz, profundas
mudanças políticas e econômicas ocorreram no mundo.
E tais mudanças são particularmente visíveis nos
últimos 40 anos, com a explosão da era digital. Nessa
vertente de pensamento e tecnologia, há a suposição
de que a singularidade ocorrerá “espontaneamente”,
como decorrência dos acelerados avanços científicos e
tecnológicos e que o surgimento de supercomputadores
dotados de superinteligência (os computadores quânticos,
por exemplo) será a base de tais avanços. Argumenta-se
que somente com uma “inteligência superior a humana”
será possível avanços científicos e tecnológicos mais

202 Sumário
Afinal, o que é uma Pessoa?

rápidos e decisivos. Além disso, há também a suposição


da convergência homem-máquina para o surgimento
da superinteligência artificial. Vários cientistas, entre
eles Kurzweil, afirmam que a singularidade tecnológica
é um evento histórico de importância semelhante ao
aparecimento da inteligência humana na Terra.
Em 1965, Irving J. Good, que trabalhou com
criptografia em Bletchley Park com Alan Turing, descreveu
algo muito parecido com o atual conceito da singularidade
tecnológica. Previu que se em algum momento a inteligência
artificial atingiria a equivalência à inteligência humana, e
as máquinas pensantes superariam seus criadores. Por isso
Good afirmou que a primeira máquina ultra-inteligente
seria também a última invenção feita pelo homem. Vários
filmes trataram dessa temática. No filme O Exterminador
do Futuro, a Skynet torna-se consciente, começa a pensar
por si mesma e decide exterminar a raça humana. Em
Matrix, após o domínio das máquinas, os seres humanos
são transformados em baterias para fornecer energia aos
robôs. Em Eu, Robô, o computador vilão entende que o
único jeito de garantir as três leis da robótica, formuladas
por Isaac Asimov, seria eliminando a maior parte da raça
humana. Em 2001: Uma odisseia no espaço, clássico da
ficção, o computador de bordo de uma nave, o HAL-9000,
conspira contra a tripulação matando um a um.
A previsão de Kurzweil aponta que a singularidade
deve ocorrer ao redor do ano de 2045. Sua teoria é uma

Sumário 203
A nova mente da máquina e outros ensaios

extrapolação da Lei de Moore (a cada 18 meses dobra o


poder de processamento dos computadores), juntamente
com a sua teoria das mudanças aceleradas. De acordo
com suas previsões, a máquina se tornará mais inteligente
que o ser humano, surgirão organismos bio-cibernéticos
e a evolução tecnológica ocorrerá muito rapidamente, em
proporções inimagináveis. Essa hipótese da singularidade
tecnológica é convergente com a teoria da pessoa que a
nova psicanálise está propondo para pensar nosso tipo de
mente, uma máquina de artificialismo absoluto. Por isso
somos eventualmente capazes de atos radicais de rebelião
e criação em qualquer campo do conhecimento, que
resultam da mente revirante e especular que portamos.
Como vimos em 13º Andar, as idéias tradicionais
sobre sujeito, indivíduo, pessoa, não nos servem mais,
pois os limites impostos por essas concepções são muito
estreitos. No filme, as “pessoas” podem se deslocar de
uma unidade para outra, de um tempo para outro e mesmo
“reencarnar” e assumir a identidade de um outro. Alíás, é a
própria noção de “outro” e de “identidade” como algo fixo
que fica praticamente dissolvida e eliminada. E perante uma
idéia como essa de pessoa, proposta pela nova psicanálise,
onde ficam os limites e as fronteiras entre os sujeitos ou
os indivíduos? Qual o tamanho de uma pessoa? Como se
pode notar, em face dessa idéia todas as propostas do filme
13º Andar, e mesmo as de Kurzweil, são consonantes e
possíveis.

204 Sumário
Afinal, o que é uma Pessoa?

Conclusão
Como afirmamos, um dos pontos altos do filme é
a transa e a transitividade que há entre as “pessoas” e os
“seres computacionais” e vice-versa. Uns se transferem
para suas “unidades correspondentes” mediante download
programado em um sistema computacional. É importante
lembrar que a transferência se dá entre essas unidades
sem que haja possibilidade de cruzamento entre elas. Por
exemplo, não acontece de um homem se transferir para
uma mulher e vice-versa ou mesmo um troca-troca entre
os diversos personagens. Isso certamente é uma limitação
moralista da narrativa. Afinal, a possibilidade existe.
Também são fundamentais no filme as idéias de
artifício e técnica. Tudo se passa dentro de um imenso sistema
artificial. Os personagens são simulações eletrônicas que
habitam o sistema virtual onde foram gerados, mas também
são capazes de criar novos mundos de RV que proliferam
indefinidamente simulações dentro de simulações.
Outro aspecto importante a que demos relevo foi a
referência à nossa competência de criação em qualquer nível,
retomando-se a antiga questão da imitação de Deus (imitatio
Dei) expressa na vontade de ser igual a Deus, ou seja, de po-
der criar qualquer coisa, inclusive replicar-se a si mesmo na
produção de seres semelhantes. Esta é uma das idéias mais
recorrentes na ficção científica e também uma das mais mal
tratadas, pois bate de frente com as crenças judaico-cristãs
mais arraigadas que fundamentam o senso comum.

Sumário 205
A nova mente da máquina e outros ensaios

E finalmente, a evocação da questão de nossa


identidade: Quem somos nós? O movimento narrativo
derroga as idéias clássicas de sujeito e de indivíduo, que
se tornaram insuficientes para dar conta dessas novas
emergências, tais como modelos de simulação, ampliação
da mente mediante próteses, transferência ou deslocamento
da própria mente para outros suportes, etc. Cada vez mais,
podemos reconhecer que tais categorias são insuficientes e
que o homem não é só “humano” nem centro de referência
como pretendeu durante tanto tempo a nossa crença
antropocêntrica. Mas essas já são questões que serão
desenvolvidas em outra ocasião. Um dos méritos do filme
13º Andar é poder suscitá-las.

206 Sumário
ANEXOS
Anexo 1

Aspectos do verbo Haver


e seu uso na nova psicanálise

As possibilidades de construção sintática e semântica


do haver têm importância decisiva para a Nova Psicanálise,
criada por MD Magno, pois esse modelo teórico e clínico
emprega em seu discurso particularidades desse vocábulo
tanto em sua forma verbal quanto nominal. Esse termo
apresenta grande riqueza e variação em sua estrutura e
significação, diferencia-se de outras línguas, mesmo as
neolatinas mais próximas e constitui-se em categoria
linguística tão singular que dificulta em muitos aspectos sua
tradução para outras línguas (como o inglês e o francês, por
exemplo) por não haver equivalência morfossintática em
outros idiomas. Conforme veremos, essas possibilidades de
construção linguística aparecem principalmente no padrão
frasal do português culto e na maneira como a gramática
tradicionalmente tem tratado esse vocábulo.
Para a consecução de nosso objetivo, consideraremos
seu sentido dicionarizado nos múltiplos empregos e
questões relativas à impessoalidade segundo a tradição
gramatical. Ao final, uma breve descrição do modo como a

Sumário 209
A nova mente da máquina e outros ensaios

Nova Psicanálise faz uso dessa construção frasal em nossa


língua.

Os sentidos dicionarizados
Primeiramente, resenharemos a significação dicio-
narizada do verbo haver para, em seguida, considerarmos
a dimensão sintática e semântica que nos interessa focar,
justamente aquela que apresenta um modo muito próprio
da língua portuguesa de enunciar sentido e recortar
significação.
Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua
Portuguesa (2001) – que pode nos servir de base para as
considerações deste artigo – o verbo haver apresenta as
seguintes acepções, com os respectivos exemplos:
1 t.d. ant. ter ou obter comunicação de; receber: Logo
os Noronhas houveram notícia da sua prisão.
2 t.d.bit. frm. ser bem-sucedido na consecução de (um
resultado, um objetivo, algo por que se diligenciava);
obter: Não conseguiram haver as informações de que
careciam; Houvemos-lhe o necessário alvará para
estabelecer a firma.
3 t.d. ant. estar na posse de, ser proprietário de; possuir:
Os Albuquerques hão cabedal de escudos para muito
mais; Aquelas famílias houveram de tudo e hoje nada
mais possuem.
4 t.d. ant. experimentar (uma sensação física, psicológica
ou moral), ser afetado por; sentir: Por presenciáreis
tais atrocidades, haveis receio de ali ficar.

210 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

5 t.d. [impessoal] ter existência (material ou espiritual);


existir: Para ela, só há no mundo o neto; Não havia
mulher que ele não desejasse; Haverá deuses, enquanto
alguém neles acreditar; Quando há paixão, não raro o
ciúme aparece.
6 t.d. [impessoal] estar ou encontrar-se concretamente
em determinado lugar ou situação: Há alguém à porta,
batendo; Havia três mulheres no aposento; Há árvores
centenárias no parque.
7 t.d. [impessoal] continuar a existir ou a manifestar-se;
manter-se, subsistir Quando iniciamos, ainda havia luz;
Ainda há racismo em algumas partes do país; De todas
as antigas jóias, há comigo apenas um anel de rubis.
8 t.d. [impessoal] ter razão de ser, de existir: Não há
beleza, senão em relação ao homem.
9 t.d.bit.int. [impessoal] existir para uso, serviço ou à
disposição: Há sempre gente por ali à volta para ajudar;
Calma, porque há dinheiro bastante para todos; Estes
sapatos são do melhor que há.
10 t.d. [impessoal] ter transcorrido ou ser decorrido
(tempo): Há cinco anos deixei de fumar; Naquele
mesmo quarto, havia sete anos, ocorrera o suicídio.
11 t.d. [impessoal] ser ou tornar-se realidade no tempo e
no espaço; acontecer, realizar-se: Não houve sessão de
cinema; Haverá reuniões aqui esta tarde; Nenhuma das
janelas, fechadas, dava sinal de h. ali alguma festa.
12 t.d. [impessoal] ocorrer por acaso ou como efeito de
um processo; acontecer Tinha havido uma colisão de
trens no túnel; Entre eles, jamais houve nenhuns mal-

Sumário 211
A nova mente da máquina e outros ensaios

entendidos; Haverá choro e ranger de dentes depois


das provas.
13 t.d. [impessoal] produzir-se ou aparecer como
fenômeno natural ou consequência de condições
naturais Houve muitos ventos no inverno passado; Não
havia estrelas naquele céu de dezembro.
14 t.d. [impessoal] sobrevir, ocorrer: Havia idéias de
suicídio em seu espírito.
15 t.d.bit. frm. ser aquele sobre quem incide ou a quem se
dirige a ação; receber Os sitiantes houveram dos mouros
as suas cicatrizes; Não haverão favores de ninguém.
16 t.d. receber de volta; reaver: Nada conseguiu haver
do que lhe havia sido roubado.
17 t.d. e t.d. pred. frm. formar ou manter uma opinião
ou elaborar uma idéia a respeito de algo; julgar, reputar,
considerar: Os perseguidos houveram ser melhor fugir;
A justiça não houve por verdadeira a sua inocência;
18 t.d. estar em determinada situação ou condição
definida pelo tipo de tratamento ou consideração que se
recebe de outrem: Reconhecemos o direito que haveis;
Houveste fama e glória na juventude.
19 t.d.bit. frm. ser um dos genitores (esp. o pai) de
(criança que nasce): Houve (da amante) dois filhos.
20 pron. proceder socialmente; conduzir-se: Como
haver-se em tal situação? Elas se houveram com
elegância na discussão; El Cid houve-se com justiça e
altivez com os mouros.
21 pron. dar conta de; lidar com, sair-se: Os alunos
houveram-se muito bem nas provas.

212 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

22 pron. andar às voltas com; arcar: Quem entra naquela


repartição começa a se haver com as complicações da
burocracia.
23 pron. ter trato com; lidar: É melhor haver-nos com a
secretária e não com o ministro.
24 pron. prestar contas a; avir-se: Quem não for já para
a cama vai haver-se comigo depois.
25 a parte de uma conta ou de uma escrituração comer-
cial que indica o que se tem a receber; crédito:
25.1 menos us. que haveres (‘conjunto de bens;
dinheiro’): O módico haver de um cura de aldeia; Da
algibeira sacou escassa porção do seu haver. Haveres
s.m.pl.
26 bens, posses, fazenda, fortuna: Os muitos haveres de
uma rica viúva.
26.1 conjunto de bens mobiliários e imobiliários.
- há cerca de, faz mais ou menos: Aqui estiveram há
cerca de cinco anos.
- haja o que houver, não importa o que aconteça; custe
o que custar.
- haver como ser de algum modo possível; existir
maneira de: Haveria como agradá-la?; Não há como
resistir-lhe aos encantos; Haverá como superar suas
desditas.
- haver por bem, considerar oportuno ou conveniente
(fazer algo ou agir de determinada maneira); julgar
certo, escolher, dignar-se a; assentar.
- bem haja, locução interjetiva que exprime as idéias
de aplauso, felicitação, louvor ou agradecimento: Bem

Sumário 213
A nova mente da máquina e outros ensaios

haja quem doou tantos alimentos aos desvalidos; Bem


haja eu, que nunca deixei de poupar.
- mal haja, locução interjetiva que expressa contrariedade
ou animosidade acentuada; maldito seja: Mal haja quem
contra nós imprecar.
- não haver, como não existir (pessoa, coisa) como: Não
há como sua mãe, para fazer um bom bacalhau; Não há
como uma boa repreensão, para entrar tudo nos eixos.
- us., no passado, sem o como: Não há satisfazer um
alarve, se come em mesa alheia

O conceito de impessoalidade verbal


O verbo haver origina-se do latim habere (habeo,
habui, habitum, habere), que era verbo regular, sintaticamente
construído com sujeito e objeto. Inicialmente, a primitiva
oração existencial com haver deve ter possuído sujeito: “Este
lugar há muitos perigos”, “Esta época houve muitos homens
honestos” (Gramática Histórica, 1926, p. 453). Mas, “por
um inconsciente phenomeno psycologico” converteu-se em
verbo sem sujeito” (Gramática Histórica, 1926, p. 453).
Para o entendimento do que as gramáticas nomeiam
como impessoalidade verbal, em particular a do verbo haver,
tomamos como referência “O Verbo Haver e a Evolução
do Conceito de Impessoalidade”, de Cirineu Cecote Stein,
que resenha e exemplifica os principais aspectos sobre a
questão, embora seu objetivo seja diferente do nosso, isto
é, demonstrar a dificuldade desta categoria gramatical.
Desse artigo também retiramos os exemplos que se seguem,

214 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

com as respectivas referências bibliográficas relativas à


impessoalidade verbal. Cumpre observar que, além das
gramáticas tradicionais apresentadas, não são muitas as
pesquisas disponíveis sobre a questão.
A noção de impessoalidade verbal nas gramáticas da
língua portuguesa parece apresentar-se de forma cristalizada,
sendo que os gramáticos, de modo geral, não divergem
quanto ao que se deva considerar um verbo impessoal no
português culto. Existe quase que unanimidade em dizer que,
não tendo sujeito, os verbos impessoais são invariavelmente
usados na terceira pessoa do singular. São citados como
impessoais os verbos que indicam fenômenos da natureza; o
verbo haver na acepção de “existir”; o verbo fazer indicando
o “decorrer do tempo”, ou acompanhado de objeto direto,
quando indica fenômenos devidos a fatos astronômicos
(Lima, 1992, p. 401) e alguns outros verbos que indicam
necessidade, conveniência ou sensações, quando regidos de
preposição em frases do tipo: Basta de provocações! (Cunha
e Cintra, 1997, p. 432). Mesmo estando de acordo sobre a
impessoalidade de tais verbos, os gramáticos observam que,
em sentido figurado, esses verbos que indicam fenômenos
naturais podem sofrer flexão, como em “Os oficiais
anoiteceram e não amanheceram na propriedade” (Cunha
e Cintra, 1997, p. 433). Há o reconhecimento geral de que
essas construções podem ser pessoalizadas.
Segundo Stein (cf. Referências), a noção de
impessoalidade, como decorrência da ausência de um

Sumário 215
A nova mente da máquina e outros ensaios

sujeito que possa praticar a ação, já estava presente em


gramáticos do passado que são referência para o estudo da
língua portuguesa, como em Júlio Ribeiro (1875, p. 75):
“Impessoal – quando na acepção própria não póde ter por
sujeito um nome de pessoa, ex.: trovejar – acontecer”. Ou
segundo a Gramática analytica de Maximino de Araújo
Maciel (1887, p. 229 apud Stein):
Na maior parte dos casos os verbos impessoaes não
apresentam subjeito, porque indicam phenomenos
que se passam no seio da atmosphera ou de natureza
astronômica, ex.: anoitecer, amanhecer, alvorecer –
trovejar, chover, nevar, etc.
O verbo impessoal essencial caracterisa-se, pois, pela
noção de um fato astronômico ou meteorológico e o
fundamento da classificação dos verbos impessoaes
baseia-se na não existência de subjeito.

Ou ainda em Bueno (1973, p. 176), os comentários


que reforçam a tradição compartilhada pelos demais
gramáticos:
Os verbos empeçais86 são considerados verbos sem
sujeito e aparecem em frases como estas: houve
combates encarniçados – faz frio em S. Paulo –
anoitece tarde no verão – trovejou a noite toda – etc.
– Alguns autores dão aos impessoais a denominção
de unipessoais, porque possuem apenas uma pessoa,
a terceira do singular ou do plural.

86 Empeçais = impessoais

216 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

Segundo Júlio Ribeiro (1885, p. 290), há outra


possibilidade de um verbo ser considerado impessoal:
“Emprega-se também impessoalmente qualquer verbo na
terceira pessôa do plural, ex.: ‘Em Paris dar-lhe-ão cabo da
pelle – Mataram o Presidente’”. A gramática do português
contemporâneo reconhece essas construções como sendo
de sujeito indeterminado.

Questões e divergências sobre


a impessoalidade do verbo haver
Na pesquisa de Stein, desde a clássica Grammatica
da língua portuguesa (1540), de João de Barros, que há
controvérsias quanto à normativização do uso do verbo
haver com o sentido de existir, correndo paralelamente
ao problema de conceituar o que seja verbo impessoal.
O uso culto do verbo haver na acepção de existir sempre
preconizou a forma do singular. A discussão que havia era
quanto a esse verbo apresentar o sentido existencial.
Examinando os verbos que nas diversas línguas
correspondem ao esse latino e aos nossos ser ou
estar, existir e até haver no impesssoal, acharemos
que em muitos enuncião, não a idéia abstracta de
existência, mas sim huma das acções ou funcções
que caracterisão a vida, que a mantem, (...).

O que sugere que o verbo apresentaria um uso


impessoal. Mas outro gramático, como Silva (1824, p. 54-5)
apresenta posição contrária:

Sumário 217
A nova mente da máquina e outros ensaios

Haver sempre é activo, e nunca significou existir,


como dizem Argote, e outros. Tanto é incorreto dizer
= Ha homens = por existe homens; como supor,
que na significação de ter é idiotismo Portuguez
concordar com sujeitos do plural. Ha homens é
uma sentença elliptica, cõ sujeito do singular; i.é, o
mundo, a especie humana tem homens: “nesta terra
ha boas frutas;” i.é, a especie das frutas [ha] tem,
contém: “Em mim ha dois eus;” i.é. o meu individuo,
sujeito suposto contém dois eus (...) “Hão na Logica
outros termos” é erro, porque o sujeito proprio d’esta
sentença é: Linguagem Filosofica, ou Scientifica ha
ou tem na Logica outros termos.

Essa posição é contestada com veemência posterior-


mente por Maciel (1887, p. 230-1), continuando a polêmica
sobre a questão:
O verbo haver, derivado de habere, tem suscitado
grandes debates grammaticaes, quando apresenta-
se nas construções seguintes: – Há professores
– Havia deputados, etc.
É certo que o verbo habere é pessoal, porque em
acepcção própria póde ter um subjeito representado
por nome de pessôa; porém nas línguas romanas o
verbo latino habere tomou nova direcção syntatica,
segundo as novas tendências geniaes, desenvolvidos
nos novos idiomas latinos.
O facto é que o verbo haver assumiu o caracter de
impessoal e não póde ter subjeito claro, ex.: Há

218 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

homens – Houve combates.


Induzidos por falsas observações dos factos da
vida das línguas romanas, os grammaticos que
não conhecem latim sustentam erradamente que o
verbo haver é em taes casos synonymo perfeito de
ter, porquanto ignoram como procedia o latim na
expressão das phrases correspondentes às nossas,
construídas com o verbo haver.
Neste ponto as neo-latinas levam vantagem à língua
do Latio, que construia taes phrases, implicando
sempres noção de existência, tanto que o verbo esse
fazia as vezes do nosso haver – Erant omnio duo
itinera – Havia apenas dois caminhos.
Neste exemplo – duo itinera, é o subjeito porque
erant, tem a significação de existiam; porém em
portuguez passa-se tudo differentemente. Pelo
facto do verbo haver implicar a noção significativa
de ter e possuir, os grammaticos procuram para o
verbo haver um subjeito accomodado à proposição:
subjeito este representado por substantivo.
Não seja este o ponto principal da questão, porque
o maior absurdo é sustentar-se que o verbo haver
tem a significação de existir, ficando no singular
com o subjeito no plural por idiotismo.

Ou seja, o autor acima afirma que o verbo haver


tem sentido de existência, sem sustentar o uso do singular,
passando o verbo a ter construção sintática semelhante ao
do verbo existir. A única razão para o seu uso impessoal no

Sumário 219
A nova mente da máquina e outros ensaios

singular deve-se a seu caráter assumido em nossa língua,


o que deve ser considerado apesar da variação linguística
possível.
Para Gomes (1920, p. 423), o verbo haver, derivado do
latim habere, por abrandamento do b em v e queda da vogal
átona final, significa única e exclusivamente ter e não existir:
É verdade que, empregado impessoalmente, parece
haver significar existir, mas contra isso protesta
e etymologia e os que daquelle modo pensam,
soccorem-se do francez em expressões como estas
– il y a, il y eut, etc.
Entretanto, a expressão franceza não lhes dá razão,
porque em il y a a tradução literal é – elle há (tem)
ahi.
Dizem também que, si em portuguez apparece
o verbo sem sujeito, é isso um idiotismo ou
particularidade da língua; mas não há necessidade
de recorrer a idiotismo, desde que se explique o
verbo haver por ter, dando-se-lhe por sujeito –
elle.

E assim sucessivamente há as mais diversas posições


no entendimento do verbo haver. O que não se pode negar,
entretanto, é que há essa singularidade na língua portugue­
sa, a impessoalidade, que causa assim todo tipo de confusão
naqueles que querem forçar a subjetivação a qualquer custo
nessa construção verbal, na tentativa de desconsiderar um
fato da língua descrito por muitos gramáticos e linguistas.

220 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

Sintaxe do verbo haver


Segundo a Nova gramática do português contem­
porâneo, de Celso Cunha e Luis F. Lindley Cintra (1997),
uma das mais completas sobre a questão, temos a seguinte
descrição do uso do verbo haver em suas múltiplas acepções
transcrita na íntegra:
Na língua portuguesa contemporânea, em sua
variação culta, o verbo haver, conforme o seu significado,
pode ser empregado em todas as pessoas ou apenas na 3a
pessoa do singular (Cunha e Cintra: 1985, 525-8):
1. Emprega-se em todas as pessoas:
a) quando é auxiliar (com sentido equivalente a
ter) de verbo pessoal, quer junto a particípio, quer junto
a infinitivo antecedido da preposição de:
Também a mim me hão ferido.
(J. Régio, F, 56.)
Outros haverão de ter.
O que houvermos de perder.
(F. Pessoa, OP, 17.)
b) quando é verbo principal, com as significações
de “conseguir”, “obter”, “alcançar”, “adquirir”:
Donde houveste, ó pélago revolto,
Esse rugido teu?
(Gonçalves Dias, PCPE, 191.)
– Tão nobre és, como os melhores, e rico; porque
a ninguém mais que a ti devem pertencer as terras que
teu avô Diogo Álvares conquistou ao gentio para El-Rei,
de quem as houvemos nós e nossos pais.
(J. de Alencar, OC, II, 442-423.)

Sumário 221
A nova mente da máquina e outros ensaios

c) Quando é verbo principal, com a forma


reflexa, nas acepções de “portar-se”, “proceder”,
“comportar-se”, “conduzir-se”:
Talvez passasse por cima de tudo, da maneira
como ele a tratara, da dureza com que se houvera e se
lembrasse de que ele era o seu pai.
(J. Paço d’ Arcos, CVL, 702.)
Soares houve-se como pôde na singular situação
em que se achava.
(Machado de Assis, OC, II, 51.)
d) Quando é verbo principal, também com a
forma reflexa, no sentido de “entender-se”, “avir-se”,
“ajustar contas”:
Que para as excomunhões e interditos de Roma,
el-rei lá se haveria com eles, que podia.
(Almeida Garret, O, I, 308.)
O mestre padeiro, que era do mesmo sangue do
patrão, que se houvesse com ele.
(J. Lins do rego, MR, 34.)
e) Quando é verbo principal, acompanhado de
infinitivo sem preposição, com o sentido equivalente a
“ser possível”:
Não há negá-lo, o apito é de uso geral e
comum.
(Machado de Assis, OC,III, 536.)
Não há julgá-lo de outro estofo, vendo-o trazer
consigo de Nápoles uma gentil italiana, e dois filhinhos,
que aposentou em Lisboa num palacete de Belém.
(C. Castelo Branco, OS, I, 229)

222 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

2) É raro nos escritores modernos, mas muito


frequente nos do português antigo e médio, o uso
pessoal do verbo haver, como verbo principal, nas
acepções de:
a) “ter”, “possuir”:
Aos que o bem fizeram, hei inveja.
(A. B. Ferreira, C, 688)
b) “julgar”, “pensar”, “considerar”, “ter para si”:
O que eu hei por gram crueza.
(C. Falcão, C, v. 763.)
Isto é: o que eu julgo (ou considero) grande
crueldade.
3) Comparem-se as expressões:
a) haver por bem = “dignar-se”, “resolver”,
“assentar”, “julgar oportuno ou conveniente”:
O coronel, que neste momento lia na rede as
folhas recém-chegadas, houve por bem interromper a
ingestão de um flamante discurso sobre a questão do
Amapá para acudir em apoio ao fedelho.
(Monteiro Lobato, U, 178.)
O sino da igreja badalava freneticamente
desde cedo, apinhado de macacos, ainda que o vigário
houvesse por bem suspender a missa naquela manhã,
porque havia macaco escondido até na sacristia.
(F. Sabino, HN, 147.)
b) Haver mister = “precisar”, “necessitar”:
Não há mister mais que um módulo ou matriz
para os descontar como poesia de lei.
(J. Ribeiro, PE, 19.)

Sumário 223
A nova mente da máquina e outros ensaios

Deus o auxilie e ilustre, e a todos nós, que bem


o havemos mister.
(Almeida Garret, O, I, 1086.)
4) Emprega-se como IMPESSOAL, isto é , sem
sujeito, quando significa “existir”, ou quando indica
tempo decorrido. Nestes casos, e, qualquer tempo,
conjuga-se tão-somente na 3a pessoa do singular:
Há trovoadas em toda à parte...
(M. Torga, V, 158.)
Havia simples marinheiros; havia inferiores;
havia escreventes e operários de bordo.
(Lima Barreto, TFPQ, 279.)
Tinha adoecido, havia quinze dias.
(M. Torga, NCM,16)
Há oito dias que não via Guma.
(J. Amado,MM, 20.)
Há dois dias que não vem trabalhar!
(Luandino Vieira, NM, 129.)
5) Quando o verbo haver exprime existência e
vem acompanhado dos auxiliares ir, dever, poder, etc., a
locução assim formada é, naturalmente impessoal.
– Eu não sei, senhor doutor, mas deve haver leis.
(Eça de Queirós, O, I, 164.)
– Deve haver muitas diferenças entre nós.
(G. Ramos, SB, 102.)
Podia haver complicações, quem sabe?
(C. dos Anjos, M, 193.)
Observações:
O verbo haver, quando sinônimo de “existir”,
constrói-se de modo diverso deste. Nesta acepção, haver

224 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

não tem sujeito e é transitivo direto, sendo o seu objeto,


o nome da coisa existente ou, a substituí-lo, o pronome
pessoal o (a, lo, la). Existir, ao contrário, é intransitivo e
possui sujeito, expresso pelo nome da coisa existente.
Dir-se-á, pois:
Há tantas folhas pelas calçadas!
Existem tantas folhas pelas calçadas!
Construções do tipo:
Houveram muitas lágrimas de alegria.
(C. Castelo Branco, V, 82.)
Ali haviam vários deputados que conversavam
de política.
(MachadodeAssis,OC,II,67-68.)
Embora se documentem em alguns dos melhores
escritores da língua, especialmente do século passado,
não são recomendados pelas gramáticas normativas do
português.

O uso do verbo haver na nova psicanálise

Da descrição acima apresentada, podemos destacar


alguns aspectos fundamentais do uso do vocábulo HAVER
na nova psicanálise, que se aproveita de suas particularida-
des sintáticas e semânticas para enunciar seu conceito fun-
damental. Primeiramente, o Haver (forma substantivada) é
concebido, em sentido cosmológico, como conjunto aberto
do que HÁ – o que se chama universo ou multiverso, por
exemplo –, em qualquer forma e disponibilidade com que
se apresente. O que quer que haja, materialmente dado ou

Sumário 225
A nova mente da máquina e outros ensaios

ficcionalmente construído, real ou virtual, manifesto ou la-


tente, faz parte do Haver e suas possibilidades de mutações.
Nele não há “fora”, o que quer que haja lhe pertence e isso
que há se constitui como Um, único e singular. Mas esse
Haver não é estático ou imóvel. Suas conformações estão
em permanente agonística e metamorfose, pois o Haver é
“movimento desejante puro: tudo o que deseja é não-Haver”
(Magno [1990], 2001, v. 1: 89). A causa desse movimento é
a força básica suposta ao Haver é o que Freud nomeou como
Pulsão [de morte] em Além do Princípio do Prazer (1920)
(Magno [1992], 1993, p. 14)87.
A nova psicanálise – que (re)toma o conceito
freudiano de pulsão de morte de forma genérica –,
enuncia seu axioma básico como Haver desejo de não-
Haver e nesse sintagma assim enunciado notam-se
pelo menos dois sentidos no modo como o vocábulo é
empregado. Primeiramente, haver pode ser entendido como
forma substantivada (o Haver = o que há), como já vimos
acima e, nesta acepção, pode-se dizer que o Haver deseja
não-Haver. Mas também pode ser entendido como verbo
(Haver desejo de não-Haver), enfatizando-se que há desejo
e esse desejo permanentemente visa seu avesso, que não
há. Semanticamente, põe-se uma imanência inarredável,
embora enuncie seu desejo de avessamento, de atingimento

87 Para mais informações sobre Haver, pulsão e outros conceitos da


Nova Psicanálise, veja seções 1. Introdução à NovaMente e 2. Revirão
(Magno [1999]).

226 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

de “outro lado”, que não há em hipótese alguma. Portanto,


há, na imanência, desejo de transcendência – impossível,
aliás.
Assim, quando o axioma é formulado, estamos
dizendo simultaneamente sua acepção substantiva e
verbal. Por um lado, destaca-se sua impessoalidade (não
há sujeito gramatical) para isso que há. Por outro, embora
a gramática da língua portuguesa sempre tenha tratado o
verbo haver como transitivo direto – e que, portanto, esse
não-Haver aí desejado na frase seria objeto do verbo –, no
próprio enunciado apresentado está-se dizendo que não-
Haver não há, afirmando-se dessa forma que haver não
tem sujeito nem objeto: ou seja, o que há simplesmente
há, embora a frase esteja construída segundo o padrão
linguístico corrente, que divide classicamente a oração
em sujeito e predicado (substantivo/verbo). Esse Haver,
assim entendido, é sempre o Mesmo, não está partido
entre subjetividade e objetividade, mas sim em sucessivas
ressonâncias “internas” de si mesmo e comparece dessa
forma em sua radical impessoalidade e intransitividade.
Há nesse uso dupla acepção: ao mesmo tempo impessoal e
intransitivo, isto é, sem sujeito e sem objeto. Dessa forma,
há o Haver enquanto Um, Neutro, Único, absolutamente
singular e sem nenhuma referência outra que não seja
seu desejo de não-Haver, isto é, a absoluta falta de
objeto. Convém também lembrar que o verbo haver, em
português, é frequentemente entendido com existir e as

Sumário 227
A nova mente da máquina e outros ensaios

gramáticas não sabem explicá-lo a não ser na acepção de


existência. Como o verbo existir se constrói com sujeito e
o verbo haver não (mas sintaticamente tem objeto), há uma
grande inconsistência ou confusão na descrição gramatical
tradicional, mesmo no padrão normativo e culto. Para a
nova psicanálise, é de extrema importância conceitual a
distinção entre haver e as outras acepções linguísticas, em
particular o verbo ser:
Este é o erro objetal na língua. O verbo ‘haver’ é
confundido com o verbo ‘ser’. Se perguntamos ‘há
algo?’, já designamos. Então, o verbo ‘haver’, que
não há em outras línguas e que em latim já era misto
com outras aparências ­– tem relação com habitare,
‘estar em algum lugar’, ‘estar ali’ –, na Península
Ibérica (espanhol e português), tomou uma feição
muito própria e particular. É um verbo sem sujeito,
quando falamos simplesmente ‘haver’ indicando
coisas no mundo. Mas dá a impressão de ter objeto:
‘Há isto!’, indicando uma presença ou sendo
(frequentemente) confundido com o verbo ‘ter’, no
sentido de contabilizar algo. Observamos que, no
Brasil, ninguém pergunta mais se ‘há coca-cola?’, e
sim se ‘tem coca-cola?’, ao passo que em Portugal e
no espanhol perguntam se ‘há água?’ O verbo ‘haver’
não tem sujeito e, por isso, toda vez que tentamos
indicar um objeto, ele salta da sua significação e
passa para o verbo ‘ser’. Pergunto ‘há isto?’ Mas isto
o quê? Falar disto é dizer o que isto é, é empregar o
verbo ‘ser’ (Magno [2002], 2005, p. 71).

228 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

O passo seguinte dessa articulação já se dá no âmbito


da predicação do verbo haver, que ganha agora as acepções
do verbo ser (que implica também o existir e o ter). Há
o haver em primeira instância e esse haver comparece,
manifesta-se, como ser em sua multiplicidade predicativa,
pois quando a havência de uma pessoa se expressa ou
manifesta, ela está ex-sistindo, que significa estar sistindo
fora de si, desdobrando-se em suas formas de ser:
Notem que é diferente a gente Haver de existir, que
é a implicação de haver Eu dentro do mundo, do
Ser. Quando minha havência aqui e agora se projeta
dentro do Ser, dentro do mundo, estou ex-sistindo.
Ou seja, estou sistindo para fora de mim. O mundo
nada tem a ver comigo originariamente, só tem a ver
na medida em que me aproprio dele. Posso não me
apropriar, mas meu percurso no mundo vai fazendo
com que me aproprie dos acontecimentos, dos outros
existentes, das formações disponíveis para meu uso,
etc. Portanto, existir é implicar-se como havente
dentro do Ser, o qual não é senão o Ter: Eu sou o
que tenho. É preciso fazer o rol de todas as minhas
propriedades para saber o que estou sendo agoraqui.
Sou o conjunto de minhas propriedades, as quais
são apenas as implicações que essas propriedades
têm em minha existência enquanto causada por Eu
haver (Magno [2007], 2009, p. 55-56).

Então, para a nova psicanálise, haver é radicalmente


diferente de ser e, do ponto de vista operacional de

Sumário 229
A nova mente da máquina e outros ensaios

seus interesses teóricos e/ou clínicos, essa distinção é


fundamental. Mas dado nosso foco no verbo haver neste
artigo, as outras distinções entre haver e ser serão tratadas
em outro artigo oportunamente. A construção que está sendo
destacada é precisamente a que afirma isso que há em sua
radical havência, para antes ainda de qualquer construção
sintática que constitua uma predicação, portanto ainda sem
sujeito e sem objeto oracionais.
Como vimos anteriormente, para a nova psicanálise,
o Haver é puro movimento desejante, que tem como alvo
seu avesso absoluto. Sob a força da pulsão, ele vige em
constante busca (konstant Kraft = força constante) de
reversão ao seu simétrico enantiomórfico, o não-Haver,
mas como isso é absolutamente impossível, a pulsão retorna
ao Haver em revirão88, voltando a produzir diferenças (as
formações do Haver89). Desse modo, a pulsão institui um
88 A essa competência da mente e suas possibilidades, a Nova Psica-
nálise chama de revirão, fundamentado no princípio de catoptria (do
gr. katóptron = espelho), princípio de base psicanalítica que afirma que
o que quer que haja suscita seu avesso ou enantiomorfo. Essa compe-
tência é dada e está à disposição de qualquer Pessoa. Destaca-se nesse
conceito uma “vontade de simetria” como princípio primeiro e orga-
nizador do que quer que haja em qualquer tempo e lugar. Foi cunhado
a partir da criação de James Joyce, em Finnegans Wake, riverrun e da
tradução que dele fizera Glauber Rocha no título de seu romance Rive­
rão Sussuarana. Além do próprio verbo da língua portuguesa “revir”,
que, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, vem do
latim “revenire” e significa “vir de novo”, “voltar”, “regressar”.
89 O que quer que se organize, que se forme, espontânea ou indus-
trialmente, como modalização decorrente da fractalidade do Haver, seja
da ordem de um ser vivo, de uma formação psíquica ou qualquer outra
coisa, é formação do Haver. Qualquer formação é produto, em última

230 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

circuito pleno, em eterno retorno e em moto-perpétuo.


Enfatiza-se que não há o “outro lado” desejado. O que há,
para uma pessoa90 é essa expe­riência bruta de Haver, que
ela pode sentir na própria carne e reconhecer sua presença,
mas da qual não há saída possível (só há “dentro”, não
há “fora”): se houvesse um “fora” do Haver – justamente
aquele que a nossa mente vive dese­jando –, seria o não-
Haver. É esse o entendimento básico da ideia de pulsão
que é tomado pela nova psicanálise como conceito funda­
mental: Haver desejo de não-Haver e modelizado pelo
conceito de revirão.
Se admitimos que a mente da pessoa funciona
plenamente, assim como descrito pela nova psicanálise,
seu movi­mento desejante é sempre para não-Haver, mas
como não o encontra, resta o conhecimento de que isso há,

instância, da quebra de simetria sofrida pelo Haver em seu movimento


pulsional, pois, se não-Haver não há, tudo está sempre de retorno ao
plano de imanência. As diferenças de qualquer tipo com as quais nos
deparamos, e que podemos perceber no mundo, comparecem entre as
formações já configuradas que, por recalques, constituem campos “fe-
chados” com “fronteiras” e “limites” (Alonso e Araujo, 2002, p. 314).
90 A pessoa é um imenso e complexo aglomerado de formações em in-
teração recíproca. Essa rede imensurável organiza-se também em pólos
com foco e franja e fundo. É formação complexa, com n componentes
morfológicos e sintáticos que eventualmente se focalizam em determi-
nada formação constituindo sua sintomática. São formações sideradas
em formações que resultam em dada contingência. Assim constituído,
todo pólo é poder de resistência no campo das formações que são focais
e franjais. Mas a pessoa tem competência de indiferenciação, de neutra­
lização das formações dominantes, resultado da equi-valência entre dois
pólos opostos, com superação da dualidade, revelando um terceiro lugar
entre as polarizações em jogo (Magno [1999], 2004, p. 168-179).

Sumário 231
A nova mente da máquina e outros ensaios

e que isso comparece para ela como experiência de Haver,


mesmo que não saiba exatamente do que se trata. Temos a
disponibilidade de passar por essa experiência e reconhecê-
la, seja qual for o momento em que isso aconteça, mas essa
experiência está recoberta com tantas formas de recalque
que frequentemente não nos recordamos ou não nos damos
conta dela. É simplesmente a experiência de que isso
há. Não é necessário perguntar o que é isso que há, pois
temos esta experiência. Mas entrar no regime da prática
discursiva, fraseológica, linguística etc., e tentar explicar
do que se trata, já é algo muito diferente. A partir daí já se
está no regime discursivo do verbo do ser e suas acepções e
começa-se a falar a respeito disso que há, que nos comove e
nos afeta imediatamente.
É nessa perspectiva que a nova psicanálise faz uso
do verbo haver e suas possibilidades que é – como se pode
depreender de sua descrição gramatical –, linguisticamente
apropriado para expressar a singularidade da hipótese
freudiana da pulsão e seus avatares. Essa apropriação
é tanto mais adequada e eficaz, pois não é a língua (em
suas características gramaticais) que pode expressar a
singularidade da hipótese freudiana em questão, mas sim
que a natureza inconsciente da pulsão (e da experiência
que a rememora) encontra no verbo haver expressividade
linguística e poética para dizer essa singularidade, que
também põe em relevo a decisão conceitual afirmada pela
nova psicanálise.

232 Sumário
Anexo 1 - Aspectos do verbo Haver

Para Magno, essa é a “a loucura da espécie humana”,


pois trata-se do reco­nhecimento de que não se pode escapar
do Haver e de que d’ISSO que aí está não há saída. Estamos
condenados a Haver eternamente, mas temos aparelho
mental capaz de lidar com as limitações que nos cercam.
Assim, ficamos para sempre no movimento do desejo (→
Haver deseja não-Haver), sofrendo todos os percalços e
limitações, mas providos de competência mental que nos
capacita a lidar com isso.

Sumário 233
Anexo 2

A arte da pilotagem
Cultura, política e a nova psicanálise

É preciso uma ciência política nova


para um mundo novo.
(Aléxis de Tocqueville)

A paisagem mais habitual da cidade contemporânea


aparece nos noticiários cotidianos amplamente divulgados
pela mídia: explosão demográfica, epidemias, fome,
guerras, tráfico, criminalidade, concentração nas grandes
cidades, catástrofes ecológicas, etc., sem referência a
tantos outros problemas de igual importância. Com relação
ao crescimento populacional, por exemplo, éramos um
bilhão de pessoas no século passado, dois bilhões por
volta de 1930, três em 1960, quatro em 1974, cinco em
1987, seis em 1998. Nessa progressão, estatisticamente
a população do planeta atingirá entre oito e meio e doze
bilhões de pessoas por volta de 2030. Isto simplesmente
quer dizer que vai duplicar em uma vida o que levou mais
de dez mil vidas para chegar ao patamar de dois bilhões de
habitantes.

Sumário 235
A nova mente da máquina e outros ensaios

Atualmente o mundo está dividido em mais de sete


bilhões de pessoas que fazem parte de aproximadamente
seis mil culturas distintas, com todas as diferenças que cada
uma delas porta e afirma. Existe, portanto, um planeta onde
mundos coexistem em tempos completamente diferentes,
enclausurados em bolhas temporais com densidades
culturais diferentes e incompatíveis entre si.
O enfoque que agora será apresentado parte do
pensamento de Peter Sloterdijk acerca da hiperpolítica
no campo da filosofia e seus desdobramentos no mundo
contemporâneo em contraponto com o que MD Magno
propõe como polética e suas consequências para a cultura
a partir do modelo da teórico-clínico da nova psicanálise.
Visa-se destacar, nesse processo, a emergência de um
pensamento novo capaz de lidar com a complexidade
política em que estamos mergulhados.
No ensaio, No mesmo barco, Sloterdjik dá início
à sua análise retomando o aforisma de Bismark, segundo
o qual política é a arte do possível, para reconsiderar os
macro-modelos políticos ao longo da história e os impasses
que está atravessando o mundo contemporâneo. Esta
proposição, com seus respectivos desdobramentos, é um
dos eixos fundamentais de sua articulação sobre política
tanto em seu sentido clássico quanto em sua reformulação
atual. Seu primeiro passo é fazer releitura do mito judaico
da construção da torre de Babel e o entendimento dessa
narrativa como ficção da condição política do homem

236 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

em tudo semelhante à fábula do Gênesis onde se narra a


expulsão do paraíso, agora no plano político. A noção geral
da “arte do possível” atravessa assim sua análise dos modos
e mecanismos empregados pelo homem na construção dos
grupos societários. Para ele, é praticamente consensual
o fato de que todos os pensadores da política se deram
conta da imensa dificuldade em manter as pessoas juntas
em cidades ou Estados para uma vida comunitária e, desse
modo, no mito da torre de Babel, a dispersão e a pluralidade
surgem à luz desta narrativa bíblica como resultado de uma
intervenção divina que explusa a humanidade de um suposto
paraíso unitário cujo conteúdo político seria o consensus
(Sloterdijk, 1999, p. 12) .
Por isso, segundo Sloterdjik, a humanidade está
sentada sobre uma bomba relógio no que se refere ao problema
do pertencer, da inclusão do homem em grupo social e
pertencer com aqueles com os quais não se pertence. Este é
o grande desafio da arte política: a pertença ao um coletivo
humano. A seguir, apresenta-nos os três grandes passos que
descrevem a formação da humanidade em seu percurso
cultural: 1. Como da madeira torta da pré-humanidade de
hordas, foram inicialmente talhadas as antigas populações
de caçadores e colhedores; 2. Como na era agrocultural,
os impérios e reinos locais foram dispostos em camadas
superpostas; 3. E por último, no industrialismo, como uma
sociedade de trânsito internacional tende à desfronteirização
e começa a criar relações planetárias pós-imperiais.

Sumário 237
A nova mente da máquina e outros ensaios

Esses três estágios são: a paleopolítica: sob o


símbolo das jangadas; a política clássica: a navegação
costeira; e a hiperpolítica: os super-ferries. Neste trabalho
estamos interessados principalmente na consideração
de uma política para o nosso tempo e suas implicações,
pois é um dos impasses que estamos enfrentando. Afinal
de contas, de que humanidade está se falando a partir de
agora? Quais as referências com as quais estamos vivendo
para que possamos reconhecer o que está acontecendo?
Vejamos agora passo a passo a apresentação destes
três estágios segundo a perspectiva de Sloterdijk no ensaio
acima mencionado. Esta sequência é importante para este
trabalho pois auxilia o entendimento e a crítica da cultura
que serão apresentados a seguir.

Paleopolítica: regaços e jangadas


Sloterdjik começa fazendo a crítica da noção clássica
de política que tende a pensar o homem somente a partir
das civilizações estabelecidas como apogeu cultural: Egito,
Mesopotâmia, Grécia, China, Índia... Essa noção, embora
nunca tenha sido defendida expressamente por nenhum his-
toriador, destrói a unidade da evolução do homem e desco-
necta a cadeia das inúmeras gerações que elaboraram nossos
inúmeros “potenciais”, sejam eles genéticos ou culturais.
O mundo da pré-história é perpassado pela consciência
de que a arte do possível consiste em chamar à vida, num
mundo extremamente árido e arriscado, novas pessoas a

238 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

partir das já existentes e mais velhas. Então a paleopolítica


é, em princípio, o “milagre” da repetição do homem pelo
homem.
Na vida primitiva em hordas o homem não pode
penetrar como num “clube simpático”. A horda é um clube
fechado, totalitário, que produz ele mesmo seus novos
membros para “socializá-los” de acordo com as regras
desse clube, que significam o próprio mundo. Pode-se supor
que a lei da horda é a repetição da horda em seu próprio
regaço que assim pode ser entendida metaforicamente como
incubadeira, fornos para embriões, espaços onde se cozem
“para fora” do fluido o que é rígido, do indeterminado, o
determinado.
Isto implica a tese de que sociedades arcaicas
deviam impor-se como questão fundamental a arte de
incubar humanos, caso quisessem continuar com êxito
sua missão básica, a saber, a repetição do homem pelo
homem. Na história antiga, dadas suas circunstâncias, trata-
se, portanto, quase sempre do incubar revolucionários de
anti-naturalidade no seio da própria natureza. É a ruptura
efetuada pelas hordas e seus membros frente à Velha
Natureza. Essas supostas hordas então são apresentadas
como ilhas ou jangadas sociais:
Sobre as ilhas à deriva dos pequenos grupos
primitivos as cabeças tornaram-se notavelmente
grandes, as peles notavelmente finas, as mulheres
notavelmente belas, as pernas notavelmente longas,

Sumário 239
A nova mente da máquina e outros ensaios

as vozes notavelmente articuladas, a sexualidade


notavelmente crônica, as crianças notavelmente
infantis, os próprios mortos notavelmente inesque-
cíveis (1999, p. 24).

Essas ilhas ou jangadas operam como se estivessem


repletas de ruídos e sons que poderiam ser denominados
como soundscape, segundo expressão de Murray Schafers,
característica de um grupo. Essa soundscape é uma paisagem
sonora ou sonoesfera que atrai para si seus membros como
para o interior de um globo terrestre psico-acústico:
A sociedade mais antiga é uma pequena e tagarela
esfera mágica – uma invisível tenda de circo
estendida sobre a trupe e que caminha com ela.
Através de cordões umbilicais psico-acústicos todo
indivíduo está continuamente ligado, em maior
ou menor escala, ao corpo sonoro do grupo – e a
perda desse continuum é uma catástrofe: não foi em
vão que algumas culturas mais antigas declararam
o desterro como uma espécie de pena de morte
psicossocial. Pertencer-se não significa, de fato,
outra coisa que ouvir juntos – mas aí repousa o laço
social quintessencial até a invenção das culturas
escritas e dos império (1999, p. 26)

Esse grupo fica dessa forma muito configurado por


sua constituição sócio-uterina que organiza nas sociedades
primitivas o espaço comunitário e as relações sociais. A

240 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

paleopolítica, vista sob esta perspectiva, contém a mais


antiga gramática da pertença.

A política clássica: o espírito de megalopatia


Por sua vez, a política clássica surge da tentativa
de repetir essa arte em escala maior. Isto é, de que modo
pode um grupo ou sistema social tornar-se grande ou muito
grande e mesmo assim não fracassar na tarefa de passar o
que é muito grande para as gerações seguintes?
A arte do possível em larga escala gravita em torno
desse ato de força de apresentar o improvável como inevitável:
os meios dessa arte são principalmente a cartografia e a
escrita com seu gênio, isto é, a consciência pluri-popular:
pertencer-se ao Grande. Isto leva ao entendimento da política
como a arte de organizar os laços ou forças de ligação que
arranjem grandes grupos de até milhões de membros. E
estes vínculos comuns podem se dar tanto através do sofri­
mento sob a tirania ou na cooperação entre pessoas de igual
competência na democracia. Os primeiros gestos desse
holismo instintivo são tentativas de descrever o cosmo como
casa maior e os povos como famílias maiores. O homem
se torna então o animal con­denado a mudar-se para abrigos
mais amplos e abstratos.
Mas também surgem os que se contrapõe à po-
lítica da cidade e do Estado: eremitas, monges e ascetas
que apostam na correspondência homem/mundo estelar,
homem/deserto, homem/Deus, etc., o que pode demonstrar

Sumário 241
A nova mente da máquina e outros ensaios

que o homo politicus e o homo metaphisicus se pertencem


historicamente (1999, p. 33-43).
Entendida desta forma, a filosofia grega é, entre
todas as das civilizações, o “instituto” mais claramente
motivado pelo espírito do Grande: seus co-participantes
trocam com amigos todos os dias palavras sobre as grandes
coisas – ta megala. O megalomaníaco é o homem voltado
para questões maiores para ter algo que correrá com os olhos
e logo abandonará. Aqueles que não mais abandonarão as
grandes questões são os megalopatas. A filosofia grega
assim compreendida é uma disciplina megalômana que
propõe teorias e práticas megalopatas, culto ou terapia para
pacientes acometidos de grandeza, isto é, cidadãos da polis,
funcionários, teólogos e homens de Estado. Entre eles surge
um novo laço psíquico: a amizade que floresce para além
das antigas relações familiares. “Amigos” são homens que
se interpenetram em seu interesse comuns em seus caminhos
para o grande.
Para tais “amigos”, são indicados caminhos para a
vida moderada. A moderação é forma de intermediação na
passagem entre vida de animal doméstico e loucura divina
no muito grande. Humanismo de Estado é então a busca por
um centro justo e desde os romanos que isto é conhecido
como humanidade. No plano pedagógico, a filosofia torna-
se prática de iniciação para jovens que saem do âmbito
doméstico (sucessor da horda) para ingressarem na cidade
ou Estado.

242 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

O atletismo de Estado ou atletas de estado são aqueles


indivíduos que praticam desde a juventude um levantamento
de peso mental nas academias filosóficas, em escolas de
oradores, conselhos principescos, seminários religiosos,
reuniões populares, etc... São eles os gladiadores políticos
e o homo politicus é um decatleta a serviço do Estado.
Todos os postos-modelo do Estado são preenchidos com
condicionamento megalo-atléticos. A escola surgiu como
campo de manobras para a metanoia política. A educação, a
paideia, se explicita como teoria do adestramento aristocrata
na cidade, ocorrendo a transformação do homo sapiens
em zoon politikos segundo a expressão de Aristóteles.
Passagem da mãe física para o regaço do Estado estendido
sobre toda a pólis como espírito comunitário. A esfera
mágica psico-acústica deve ser reproduzida como círculo
mundial, como cosmo, dela participando o grupo social dos
milhares ou milhões. Fazer política, neste caso a política
clássica, é salvaguardar essa figura-regaço em tudo ainda
dependente da era agrária.
Nas grandes civilizações, os agentes da política
clássica são os atletas do Estado amadurecidos num training
do Grande existencialmente abrangente para a estada num
mundo de perspectivas e preocupações dimensionadas e
abstratas. A partir do século XIX, depois de Marx, recebem
um novo nome: classe dominante. O cerne psico-político
da dominação é transmitir rigor, organizar, sistematizar.
Sociedade de classes é apenas um outro nome para esse

Sumário 243
A nova mente da máquina e outros ensaios

estado de coisas, segundo o autor em questão, ainda não


pensado até às últimas consequências (1999, p. 48). Já
então o mundo se “globaliza” de maneira nova: converge
para o interior de uma esfera sagrada, o cosmo, em cujo
centro rege um princípio dominante, seja um deus ou uma
razão universal, que a partir de um centro, tudo pretende
abranger. O homo politicus neste caso é aquele que apresenta
e representa o poder, aquele que deve ter aprendido a falar
em nome do poder. Onde quer que surja algo politicamente
Grande, certamente haverá um contra-peso por perto.
Da concorrência dos Grandes pelo Grande surgiu a
peste política das grandes civilizações, a guerra imperial
e inter-imperial. Com as guerras, que são os verdadeiros
atos fundamentais do Esta­do, ficou claro sobretudo para as
pessoas, à época das grandes civilizações, o que significa
estar no mesmo barco com inúmeros membros do mesmo
povo. Esse mesmo barco é a “comunidade imaginária que
derrama sangue real.” (1999, p. 57).

Hiperpolítica: metamorfose dos corpos sociais


na era geopolítica
Com o início da era industrial algo se põe em
movimento no tri ou tetramilenar reino dos reinos: só se
fala em Estado, vida em sociedade, formação humana. Para
Sloterdijk, o “Deus está morto” de Nietzsche é prenúncio,
em uma cultura monoteísta, de abalo nas referências
e anúncio de nova forma de mundo. Uma monstruosa

244 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

paisagem mundial – atual­mente ordenada em mais de 190


nações com mais de 5.100 línguas (uma contagem mais
restrita indica duas mil), e sete bilhões de habitantes – sem
nome nem denominador comum, sem saber se, na ausência
de um criador coletivo, uma obra coletiva ainda poderá ser
definida. Sob este aspecto a pós-modernidade é a época do
“depois de Deus” e do pós-impérios clássicos com suas
aberturas mundiais locais.
Os participantes do novo jogo mundial não
pertencem mais ao espírito da era agrária. Não se definem
mais a partir de pátria, solo, nação, mas de acesso a estações
ferroviárias, terminais aéreos, possibilidades de conexões.
O mundo é agora uma hiper-esfera conectada. Lida-se com
outras formas de transitar para o Grande, que não podem
mais ser apreendidas em Roma ou Atenas. A forma do
Grande no mundo industrial insiste no “estresse megalopata
em dimensões ampliadas.” (1999, p. 67).
Nessa situação multicultural e globalizada a
megalomania de antes torna-se holomania hoje e o
cosmopolitismo torna-se nomadismo cosmopata voltado
para um mundo sincrônico. Daí, segundo os termos do
autor, podemos notar em todos os níveis a decadência do
modelo político de orientação clássica, desmoralizado por
ineficácia perante a realidade configurada holisticamente.
De fato, não se sabe mais que tipos humanos seriam
necessários para preencher os espaços vazios, e que treina-
mentos devem ser desenvolvidos para que sejam reduzidas

Sumário 245
A nova mente da máquina e outros ensaios

as enormes lacunas entre a forma mundial global e as psi-


ques locais. O atletismo de Estado da globalidade ainda não
foi escrito, e se realmente há preparativos para o mesmo,
estão ainda na forma de treinamentos selvagens e autodi-
datas. Aqui são exigidas consciências que se estabelecem
firmemente no abismo do paradoxo sobre a espé­cie: atletas
de um mundo sincrônico e pan-atletas de amanhã.
Do mesmo modo que não houve uma política clássica
sem a resistência de tribos e hordas por meio de um anti-
mundo de anarquismos, privatismos infantilismos, também
não haverá uma hiperpolítica sem a vingança do local e do
individual. Então é necessário que estejamos preparados
para guerras seculares entre modernos-globalizadores
e conservadores-resistentes. Qualquer interrupção na
produção de próteses feitas em escala planetária faria
com que as classes políticas de países inteiros perdessem
sua capacidade de negociação e trân­sito fazendo com que
sociedades, que já pareciam civilizações so­frivelmente
integradas, regredissem à condição de tribos neuróticas
após perda de suas próteses políticas imaginárias que ainda
funcionam como identidade.
Para Sloterdijk, poder-se-ia descrever mais
facilmente cultura como um conjunto de sons de câmara
que sintonizam populações para o pertencer-se e brincar
juntos. Já que per­tencer é sinônimo de conservação das
chances de vida, os desacordes nos etno-corpos sonoros
são de antemão repletos de perigos e violência. Portanto,

246 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

cultura é compreendida como tarefa que inclui esforços


para conservação do continuum étnico sobretudo atra­vés das
línguas com seus componentes prosódicos e performativos
e, nesse sentido, a cultura é a própria organização que visa
a repetição do homem pelo homem.
No amplo processo descrito por Sloterdijk, o que
falta à teoria e à prática é a implantação de uma política
sem impérios. O que significa isto? Trata-se da hiperpolítica
que está sinalizada tanto na crescente exigência de nossa
época na arte de pertencer-se quanto na ironia em relação
à política clássica em sua “simulação estatal das hiper-
hordas.” (1999, 82). Nessa crescente insularização nômade
da sociedade contemporânea denunciada pelo autor, que tem
no individualismo-quitinete das grandes metrópoles um dos
seus exemplos, a designação de tal situação como apolítica
ou associal não contribui em nada para entendimento
do que de fato acontece. Para construção da apregoada
sociedade da terceira onda seriam necessários indivíduos
que necessitassem cada vez menos da sociedade e fossem
gerados a partir da produção de uma lógica das funções, da
fluidez, um pensamento para a irrefreada complexidade,
segundo Luhmann. O que na política é ausência de império,
na lógica aparece como gratuidade, no antropológico como
crise da paternidade e do princípio genealógico. Este é um
dos aspectos fundamentais da hiperpolítica.
Assim, a esta situação da cultura política contem-
porânea, que Sloterdijk designa como terceira onda de

Sumário 247
A nova mente da máquina e outros ensaios

insularização, produz indivíduos que não mais se orientam


pela idéia chave da repetição do homem pelo homem, mas
pela ideologia de uma produtividade não-reprodutiva.
Ironizando a idéia de Nietzsche a respeito do “último
homem”, afirma que se trata muito mais precisamente do
“homem sem retorno” que não mais reconhece a primazia
da reprodução e portanto não somente são os novos como
também os últimos, aqueles que vivem com o sentimento
do não retorno e levam a idéia de consumo de si e de suas
possibilidades às últimas consequências.
A conclusão do autor é finamente irônica. Embora,
segundo pesquisas bem recentes, todos se sintam cada vez
mais como se fossem artistas – não como aquele que trabalha
criativamente, mas como últimos homem transfigurados
na fluxo das vivências –, também não escapam do círculo
vicioso e destrutivo de uma sociedade também sem retorno
já que durabilidade (sustainability) e o atual way of life com
sua cultura do descartável são grandezas que se excluem. E
conclui com pessimismo, retomando a questão central de seu
ensaio, que o grande desafio dos “últimos homens” é o de
desempenharem o papel de intermediários entre ascendentes
e descendentes e assim à hiperpolítica, continuação da
paleopolícia por outros meios, cabe a tarefa da mais antiga
das artes, isto é, a repetição do homem pelo homem, apesar
de reconhecer a cultura contemporânea como dominada pela
ideologia da produtividade não-reprodutiva.
Conforme veremos, essa questão não para aí.

248 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

A nova psicanálise
Vejamos a seguir de que maneira cultura e política
são reconsideradas pela Nova Psicanálise ou NovaMente
para que então possamos estabelecer contraponto com
as proposições de Sloterdijk acima apresentadas. Nosso
objetivo é a consideração mais precisa sobre a atual
complexidade de nossa situação político-cultural.
Em seu Semináro intitulado Velut Luna, MD Magno
apresentou uma forma original de entendimento da cultura
e suas políticas, designado como os cinco impérios ou
simplesmente creodo antrópico. Referem-se às diferentes
formas de vinculação que podem ser destacadas na história
das culturas em seus mais diversos níveis, sejam eles
religiosos, políticos, artísticos, filosóficos, etc. Para que
possamos ter uma melhor compreensão das propostas
deste modelo, precisamos tomá-lo no conjunto de outros
conceitos da nova psicanálise que o fundamentam.
Este aparelho teórico-clínico se organiza tendo por
referência a pulsão, conceito freudiano proposto em Além
do princípio do prazer em 1920. Parte-se da pulsão como
ideia fundamental por se entender que é o postulado mais
vigoroso da psicanálise e único capaz de sustentar o projeto
freudiano de entendimento consequente do que seja a mente
humana e sua formas de vínculo.
Segundo sua definição, a pulsão é uma força que visa
um alvo que seria seu próprio fim, seu próprio aniquilamento.
Mas não se pode verificar nenhum desaparecimento

Sumário 249
A nova mente da máquina e outros ensaios

absoluto, total, disso tudo que há. E o que há? Há o HAVER,


nome genérico dado ao que quer que haja, seja discernível
ou indiscernível, presente, passado ou futuro, manifesto ou
latente. Seu sentido inclui noções como universo ou cosmo,
pois só há o Haver como UM, conjunto aberto do que
quer que exista. Afirma-se deste modo que pulsão é força
fundamental, e que não se limita ao psiquismo humano,
mas estende-se ao Haver em sua totalidade ou plenitude.
Do ponto de vista de sua estruturação, parte-se da hipótese
de que há homologia entre Haver em sua plenitude e nossa
mente, como veremos mais adiante.
A ação da pulsão assim descrita é então apresentada
como ALEI: Haver quer não-Haver (A→Ã), que rege
tudo o que há e faz com que o Haver pulse como um
coração vivo em movimento de contração e expansão, de
sístole e diástole. Mas como não-Haver simplesmente não
há, resulta desse desejo insistente a quebra de simetria
originária, a partir da qual tudo o que há, material e
espiritualmente dado, se organiza. Nesse movimento para
o seu pólo atrator, mas que não atinge jamais seu alvo, o
que acontece com o movimento pulsional? Retorna sobre si
mesmo, em movimento de revirão (reviramento, reversão,
avessamento). O movimento pulsional, em sua insistência,
depara-se com o ponto limite entre Haver e não-Haver,
que se apresenta como real do revirão e seu princípio de
catoptria (do grego: katóptron = espelho). Ao defrontar-se
com essa função catóptrica – função de espelho absoluto

250 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

–, o que quer que aí compareça vira pelo avesso. Assim


o movimento pulsional revira sobre si mesmo para recair
sempre no campo do mesmo Haver, fragmentando-se e
constituindo-se como formações do Haver.
+
Recalque
A -
Revirão

Indiferenciação

Ã
O real do revirão, esse umbigo do Haver, é ponto
de indiferenciação e funciona como espelho absoluto capaz
de avessar qualquer formação. Não é o caso do espelho que
conhecemos que avessa, por exemplo, direito/esquerdo,
mas não alto/baixo, cores, sons etc., mas um espelho que
invertesse absolutamente qualquer formação. Nesse processo
podem-se verificar mudanças de estado, transformações,
mutações, perecimentos, menos o desaparecimento absoluto
do Haver. O movimento da pulsão pode ser entendido como
motu-perpetuo em seu valor eternidade (Magno [1998],
1999, p. 185-189).

As formações do Haver
Segundo este aparelho teórico, estamos sempre
lidando com formações do Haver, redução do grande plano de
imanência do Haver a suas formações, decantações, fixações
e repetições dessas fixações seja em que nível for. Resultam

Sumário 251
A nova mente da máquina e outros ensaios

do fato de que há resistência e recalque ao fluxo pulsional em


seu movimento constante (para um impossível não-Haver)
e qualquer formação é produto, em última instância, da
quebra de simetria sofrida pelo movimento pulsional, pois,
se não-Haver não há, tudo está sempre de retorno ao plano
de imanência. As diferenças com as quais nos deparamos,
e que podemos perceber no mundo, comparecem entre as
formações já configuradas que, por recalques, constituem
campos fechados com fronteiras e limites (Magno, 2004, p.
99). Mas o Haver é pensado como um campo homogêneo91.

91 “(...) Segundo a Nova Psicanálise temos que pensar numa homoge-


neidade plena do campo – em todos os sentidos desta palavra, mas so-
bretudo naquele usado, por exemplo, pela física –, o campo do Haver,
chamado Pleroma, em sua relação com não-Haver. Não temos, como
Einstein não tinha, uma teoria de campo que seja unificada e integrada
no seio da cosmologia, mas temos o parti pris de que há um campo úni-
co, o Um do Haver. E isto para nós faz um campo. Dizer isto é o mesmo
que dizer que isso ressoa. Há ressonância no seio desse campo. Resso-
nância da integralidade do campo com suas partes e ressonâncias entre
as partes do campo. Não sendo físicos nem filósofos, podemos apenas
conjeturar isso. Então, temos que levar em consideração que o grande
Campo do Haver, dada sua fractalidade a partir do momento de sua que-
bra de simteria em relação ao não-Haver, é constituído por campos, que
são constituídos por campos, que são constituídos por campos... e não
se sabe como nem onde isso vai acabar no Hum do Haver. E também
campos que interferem, ressoam, com campos, que ressoam com outros
campos, que há também interseção entre campos, etc., etc. Então, vocês
vêem que se trata de algo infinitamente grande. Quando teremos um
hiper-computador suficiente para armazenar e fazer dialogar , se não to-
das, uma vasta quantidade dessas possibilidades? Por falta dessa com-
petência, vivemos na tolice em que vivemos da discussão entre teorias e
práticas absolutamente regionais, pequeninas, parciais e incompetentes.
No entanto, é o que se tem que fazer para aplicar. É preciso lembar que
a Nova Psicanálise pensa em termos desse campo, ela se permeite dei-
xar em aberto o fato de que há uma infinidade de campos que não estão

252 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

E dada sua homogeneidade genérica do plano de imanência


do Haver, a transa e a transitividade entre formações é
sempre possível. É claro que cada operação conta com
suas próprias dificuldades, pois os graus de recalcamento
são imensos (assim como também nossa ignorância). Mas
as formações não são heterogêneas entre si. São campos
fechados (por locks) para as quais é necessário encontrar
chave ou código de acesso para que haja comunicação com
elas. Por isso é possível modificá-las por via tecnológica,
por exemplo. Logo, há sempre comunicação possível entre
uma formação e outra, basta que se encontrem artifícios para
romper a barreira dos recalques e franquear o trânsito entre
elas, ultrapassando assim as fronteiras que as constituem
como formações fechadas.
Como se sabe desde Freud, o recalque ou recalca-
mento é o ato recalcar, ou seja, de repisar novamente, de
impedir a expansão por refreamento ou repressão. Os
recalques constituídos pelas formações do Haver estão or-
ganizadas em três níveis quanto ao seu modo de operação e
funcionamento: originário, primário e secundário.

Recalque originário
Se há o Haver e o não-Haver não há, se o real do Haver
é pura catoptria (puro Espelho), se ALEI é Haver desejo de

sendo registrados, com-siderados agoraqui quando fazemos algum tipo


de abordagem – de algo que fazemos a suposição de que estamos na
prática de vir a conhecer” (Magno [1996], 2000, p. 411).

Sumário 253
A nova mente da máquina e outros ensaios

não-Haver, então está assim constituído e apresentado o


recalque originário. Trata-se do fato concreto e inarredável
de que, por mais que Haver deseje não-Haver, jamais isso será
possível. Esse desejo já esta recalcado em sua base n’ALEI:
Haver desejo de não-Haver. Se o movimento pulsional, em
última instância, encontra uma impossibilidade absoluta,
quebra sua simetria e tem que retornar à imanência do
campo. Essa é a base freudiana do modelo de recalcamento,
que ressoa por todo o Haver e opera como modelo de toda
e qualquer possibilidade de recalque. Quaisquer tipos de
recalques são ressonâncias do recalque originário. Dessa
insistência, por quebra de simetria sucessiva, resultam os
demais níveis de formações e recalques, a saber, o primário
e o secundário. Vejamos como se constitui cada um deles.

O recalque primário
Trata-se da dissimetria instalada pelas formações
primárias do Haver (entendidas como artifícios
espontâneos) que travam a possibilidade de reviramento
no campo genericamente designado como natureza. O
recalque primário é constituído pelas formações que
costumamos chamar de “naturais” que, em nosso caso,
referem-se a todo o ambiente em que vivemos, sobretudo
à nossa construção corporal impregnada de informações
genéticas e constituintes etológicos que ainda influenciam
nossa programação comportamental. Corresponde às
formações que comparecem pela quebra de simetria

254 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

e são espontaneamente dadas, por isso chamadas de


artifícios espontâneos: lei da gravidade, sol, mar, vírus,
animal, etc. Essas formações primárias são hard, duras,
resistentes e pouco disponíveis ao reviramento. Fazem
parte do Haver, mas a sua comoção será resultado de
transformação no âmbito do próprio Haver, com ou sem
interferência tecnológica do homem. Elas são aglutinações,
coalescências que opõem resistência à circulação do
movimento pulsional do Haver (portanto, ao processo de
reviramento), produzindo com isso a fixação ou reificação
da libido. O primário é dado, espontâneo. No caso de nossa
corporeidade, por exemplo, há o que Magno chama de
autossoma, sua constituição biótica e um etossoma, como a
etologia descreve para o entendimento do comportamento
de outros animais. São modelos comportamentais inscritos
em um programa do próprio autossoma, como se fosse
um grande arquivo instalado em um hardware e que pode
até ter grande elasticidade, mas, nesse caso, é limitado e
permanente. A etologia contemporânea tem apresentado
aspectos etológicos em nosso comportamento (Vieira,
1983) e Freud reconhecia nos Três ensaios para uma teoria
da sexualidade que há para nós certas predisposições, que
podem ser entendidas como da ordem dessa primareidade
com que nascemos (Freud, 1976, v. VII).
Assim o recalque primário se dá quando o movimento
do fluxo pulsional se fixa em uma formação primária do
Haver como o consequente bloqueio da possibilidade de

Sumário 255
A nova mente da máquina e outros ensaios

avessamento. É a função repressora e de pressão recalcante


que é exercida por nossa constituição corporal em sua
conformação autossomática e etossomática, por exemplo.
Tudo isso estabelece o recalque primário porque vai de
encontro à absoluta possibilidade de reversibilidade dada
pela competência de revirão.

O recalque secundário
Comparece como dissimetria instalada no regime
estritamente metafórico, simbólico, como pura imitação
do que ocorre no nível primário e que bloqueia o
funcionamento do revirão no campo específico da cultura.
O secundário comparece mediante artifícios industriais,
culturais, o espaço relativo à produção de próteses. A noção
de secundário é algo próximo do que algumas escolas de
pensamento têm chamado de simbólico. Em princípio, é
tudo o que é produzido ou secretado pelo homem, além do
já primariamente dado, com o originário trabalhando como
atrator do processo. Podemos fazer altas manipulações
secundárias sem nenhuma intervenção direta no primário.
Mas é mediante o secundário que fazemos as intervenções
no primário que são possíveis de serem feitas. Aqui podemos
vislumbrar uma das questões básicas deste trabalho que será
desenvolvida a seguir.
Para Magno, o secundário é o lugar de inscrições
absolutamente reviráveis aqui e agora e sem marcação
prévia. O que nele interessa é a competência de imitar

256 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

(mímese) qualquer formação do Haver – uma resistência,


uma fixação, ou algo que é possível de ser fixado – no
regime de onde não há fixação, marcação dada. Só é possível
estabelecer recalques secundários fingindo que há ali uma
formação do Haver como se fosse “natural”, dada, do nível
primário. Recalque secundário é simplesmente chamar de
“proibido” o que imita o impossível modal ou relativo.
No secundário, não há impossibilidade efetiva. As
limitações impostas são resultantes de proibição (Magno,
[1992], 1993, p. 25) criada na própria ordem secundária
como imitação (mímese) da impossibilidade do primário,
imitando sua impossibilidade modal. Esse é o nível
metafórico que produz na ordem secundária quebras
de simetria que não têm nenhuma garantia nas demais
formações do Haver. Dado o tipo de mente que temos, o
específico de nossa espécie é revirar. Perante essa afirmação,
pode-se compreender que o conjunto de leis e normas que
organizam a sociedade seja necessário para fazer valer um
determinado modelo, segundo os interesses em jogo em
dado momento, mas a consideração desse processo como
natural, como primariamente dado, é a grande reificação em
que está mergulhada a cultura.
Como vimos, o atingimento do não-Haver é impos-
sibilidade de fato, constituindo-se como o único impossível
absoluto segundo este protocolo teórico. Todas as demais
formas de impossibilidade no Haver são impossíveis mo­
dais, isto é, relativas, locais, lateralizadas, parciais, situadas

Sumário 257
A nova mente da máquina e outros ensaios

espacial e temporalmente, sempre passíveis de transforma-


ção ou mutação em alguma instância. Como vimos, a proi­
bição (ou interdição) é a forma que a cultura tem de imitar
o que no primário comparece como impossibilidade modal.
Por isso, qualquer proibição é constitutiva de recalque no
secundário – o qual expressa a natureza propriamente arti-
culatória, mimética e analógica da mente92.

A agonística das formações do Haver


O recalque foi considerado por Freud “a pedra angular
da psicanálise”. Para ele, a questão básica da formulação
do conceito de recalque é a fixação que está ligada à teoria
da libido e se caracteriza por suas persistência e aderência,
resultantes da “viscosidade da libido” que, segundo Freud,
gera esquemas de comportamento anacrônicos e repetitivos.
Genericamente a fixação é entendida como aquilo que se
estabelece como obstáculo e resistência ao fluxo libidinal
ou pulsional enquanto que o recalque é a operação pela
qual se repelem representações ligadas a uma pulsão que
organizam mecanismos de defesa.
Segundo este novo modelo, fixação é o que quer
que aconteça nas vicissitudes ou aventuras da pulsão e
suas aderências a outras formações disponíveis. Desse
modo, pode-se entendê-la como sendo o simples fato de
92 Cf. sobre também sobre esta questão MAGNO, MD. A psicaná­
lise, novamente: um pensamento para o Século II da era freudiana:
conferências introdutórias à Nova psicanálise (1999). Rio de Janeiro:
NovaMente, 2004.

258 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

que há resistência na passagem da energia pulsional. Essas


resistências decantam-se como já vimos em formações de
todo tipo. Então, ao dizer-se que há formações, significa
também dizer que há resistência, há aderência libidinal.
É consequentemente qualquer parada, qualquer colagem
de formações do Haver em qualquer nível que, a partir da
operação do recalque, emergem como formações fortes,
imperativas (formações recalcantes) que recalcam outras
ou como aquelas que sofrem os efeitos do recalcamento
(formações recalcadas) e podem vir à tona a qualquer
momento como retorno do recalcado.
O campo genérico do Haver deve ser entendido como
campo de batalha, agonística, luta de poder permanente
entre formações, que travam uma verdadeira guerra pela
hegemonia para manter-se enquanto formação vitoriosa.
Este modo de conceber o recalque, sucintamente
resenhada, não só resgata a importância das forças recalcantes
e recalcadas em jogo de poder na dinâmica e na oscilação
de sua intensidade, mas também reconhece que não pode
ser de outra forma, pois, na constituição de um recalque,
significa que algo recalca e que algo é recalcado, impedindo
o processo de reviramento nesse confronto de forças.

Os cinco impérios: o creodo antrópico


Podemos agora delinear o modo como cultura
e política são reconsideradas tendo este esquema por
referência. A partir da conceituação geral das formações do

Sumário 259
A nova mente da máquina e outros ensaios

Haver e da teoria do recalque, articula-se outro modo de


pensar os processos e os modos de pertencer à cultura em
suas diversas formas de manifestação, tais como religião,
política, pensamentos, técnicas, etc.
A cultura, segundo este modelo, define-se como
o modo de existência da espécie humana (1999, p. 193),
portanto em conformidade com o secundário. Para o
entendimento do nosso processo cultural foram propostos
os cinco impérios que descrevem as estases, as paralisias
do campo primário e secundário e possibilitam vínculos
humanos dos mais diversos tipos com suas formas de
pertencer. São concebidas como séries vetoriais (vetores
progressivos e regressivos), indo do grau mais baixo para
o mais alto, ou seja, do primário para o originário.
O esquema geral dos cinco impérios:

O império d’AMÃE está situado no primário; OPAI


está na passagem de primário para secundário; OFILHO se
estabelece no secundário; OESPÍRITO faz o movimento

260 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

de passagem do secundário para o originário e AMÉM é o


império do originário, o reinado do revirão. Para o autor,
a história do homem e do pensamento está aprisionada
neste processo que pode apresentar uma vetorização tanto
progressiva quanto regressiva. Vejamos agora, de forma
esquemática, a expressão de cada um dos impérios.
O império d’AMÃE é o processo primeiro de
emergência do homem e se dá no primário como artifício
espontâneo, in natura, organizando e constituindo marcas
e determinações de sua formação carnal comprovável
em nossa descendência animal. A referência é de ordem
primária, animal, dependente dos corpos e de seu modo
de reprodução, constituindo vinculação tribal entre
irmãos uterinos (1999, p. 61-62). Mães eram referências
fundamentais na organização de espaços e movimentos
desses grupos humanos nômades. Em suma, tudo que
vem da ordem estritamente primária está situada dentro
deste império. O que Sloterdijk apresenta como horda e
sua paleopolítica é compatível com a noção de império
d’AMÃE.
A criação do império d’OPAI se dá quando
há invenção de paternidade reconhecível, datada
provavelmente do neolítico e se apresenta no interior de um
grupo social como algo postiço, artificial, mas com apoio
no primário. Isto possibilita observação e controle dos
processos de reprodução permitindo agora identificação e
reconhecimento de um pai para aquele filho. Esta prótese

Sumário 261
A nova mente da máquina e outros ensaios

permite o controle da paternidade através da proibição da


fornicação e dá as bases para a constituição do modelo
familiar reinante até os nossos dias. Exemplo dessa forma de
constituição nuclear, embora não seja o único, é o judaísmo.
A religião de Jeová é, por excelência, a religião d’OPAI.
Neste modelo cultural, por exemplo, só é considerado
verdadeiramente judeu aquele que nasce de mãe judia. Só é
judeu se for referido ao império d’AMÃE com intervenção
simbólica, secundária, do pai. É mediante essa intervenção
que se é reconhecido como pai do filho daquela mãe. O
pai não é tão secundário ainda, pois está marcado pela
materialidade do primário. Ele é apenas aquele que põe em
evidência esse acontecimento na ordem da linguagem. É
uma construção que só pode ser reconhecida na passagem
do primário para o secundário.
O terceiro império é OFILHO e o cristianismo,
a religião ou a cultura típica do Filho, embora não seja
a única, é uma das melhores expressões desse modo de
vinculação social. O movimento do cristianismo em
sua fundação é de cura, pois afasta o primário e põe o
secundário como aquilo que nos constitui como seres
humanos. A referência agora proposta é secundária e não
mais centrada na carne e na referência materna, mas sim
na palavra de Deus Pai. A cultura d’OFILHO é o conceito
de adelphos retornado como fraternidade universal, pois se
a referência é secundária, todos são filhos do mesmo Pai,
um Deus mais simbólico, não importando as diferenças

262 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

vindas por identificação primária tais como cor, raça, etc.,


que são peças básicas na constituição de todos os racismo e
preconceitos. O pai, neste caso, é pura referência simbólica,
o mesmo para todos, que assim se tornam “irmãos” entre
si, com a condição de que ouçam a sua palavra, agora única
referência.
Como se pode notar, este cristianismo também
nunca chegou a existir de fato, pois, em seu processo de
institucionalização sofreu as reincorporações de tantos
elementos que pertenciam a impérios anteriores, como
a função mãe, na figura da Virgem Maria e a família
reintroduzida como sagrada. Dessa maneira, na revolução
produzida pela proposta do cristianismo, qualquer um é
filho no império d’OFILHO. Todos são filhos do mesmo
pai, que é um Deus cada vez mais abstrato, mais metafórico.
Cristo funda a religião e a cultura d’OFILHO mediante uma
rebelião contra a religião d’OPAI, criando nova religião e
instaurando o pai como puramente secundário, metáfora ou
imitação da própria constituição do secundário enquanto
formação do Haver. Mas todos vinculados à palavra de
Deus (Pai), que depende de mediadores que se organizam
institucionalmente (em Igrejas, por exemplo) e são aceitos
como porta-voz deste discurso. A referência deste império
é ao secundário.
O quarto império é a cultura d’OESPÍRITO. Todas
as transformações pelas quais passa o mundo contemporâneo
estão evidenciando cada vez mais que os modelos culturais

Sumário 263
A nova mente da máquina e outros ensaios

que organizaram nossa sociedade estão em pleno processo


de decadência. Ora, essas transformações estão surgindo em
vários campos, mas são particularmente visíveis nas novas
tecnologias e em alguns campos científicos em particular.
Esses avanços tecnológicos não são um fenômeno à parte.
Estão no núcleo dessa turbulência que tem sentido planetário,
chamado comumente de globalização. Este é o império da
movimentação plena de todas as possibilidades, a rápida
transação das formações em jogo, o reconhecimento de que
o nosso regime é o secundário com suas possibilidades de
transação e comércio generalizado, sem tomar nenhuma
paternidade como referência, nem nenhuma palavra como
hegemônica.
Como se pode ver no esquema acima, o quarto
império fica na passagem entre secundário e originário.
Assim, para a instalação de uma quarto império definitivo
seria necessário encaminhamento para o quinto império,
AMÉM, com referência direta ao originário, à pura
neutralidade do revirão: vigência de excesso absoluto e de
valetudo (em latim significa saúde). Justamente por ser
um império intermediário que o império d’OESPÍRITO
tem a maior dificuldade em se instalar. Oscila progressiva
e regressivamente em um vai-e-vem constante já que a
referência que poderia instalá-lo de vez é rara e talvez
nunca venha a se constituir como império dominante.
Esses impérios foram extraídos da teoria e da prática
analítica e são designados como creodo (caminho necessá­

264 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

rio) antrópico para o nosso desenvolvimento que vai do


primário para o secundário e daí para o originário que é o
que nos qualifica. Entretanto, deve-se reconhecer que não
há nesse processo nenhum imperativo categórico (Kant),
pois nada obriga esse encaminhamento para o originário,
embora seja o caminho que está à nossa disposição.

As poléticas da nova mente


A política tem sido uma pedra no sapato de psica-
nálise ao longo de sua história pregressa. A discussão mais
comum no sentido de se tentar entender as relações entre
psicanálise e política é de que a psicanálise não tem com
a política diretamente nenhuma relação, pois segundo esse
debate, a política sempre esteve na dependência de alguma
ideologia que a orientasse e a psicanálise, de uma ética que
a fundamentasse. Esta é uma questão de suma importância,
mas que, dada sua extensão, só poderemos tratar em outra
ocasião.
Para a nova psicanálise, a política é questão
fundamental. Desde o seminário Psicanálise & polética
(1986) que a delicada questão contemporânea da ética
e da política, decisivas para o manejo dos impérios
culturais como apresentados no segmento anterior, vem
sendo repensada. Mas em vez da política em seu sentido
costumeiro, propõe-se uma polética, palavra-valise
construída a partir da equivocação entre política e ética.
Uma polética é antes de mais nada uma política norteada

Sumário 265
A nova mente da máquina e outros ensaios

por uma ética ou, senão, uma ética criada por uma política:
“Polética é uma política que tem como referente o Norte
encontrado por esta Ética.” (Magno, 1986, p. 6-7).
Evidentemente que não se trata de uma ética qual-
quer, mas de uma política segundo o referencial por ela
desenhado: “Age como quem lembra da Viagem que fez ao
Cais Absoluto, onde, sem Morte, achaste entanto o Norte
de qualquer viagem. Se a isto nada obriga. Seja qual for
contudo a tua rota, somente assim será original e singular
a tua Sorte (apesar das afeições desta lua volúvel)” (Mag-
no [1994], 2008, p. 260).
Três poléticas foram então propostas como decor-
rências necessárias do teorema do revirão. A primeira, é
a da volta ao retorno do recalcado, ou seja, a polética do
revirão, isto é, daquele que, tendo feito o seu trajeto até o
originário, reconhece a disponibilidade enriquecedora das
possibilidades recal­cadas, em qualquer nível, seja primário
ou secundário. É a riqueza das formações em disponibili-
dade, que faz com que outras sejam contempladas, vistas
ou intuídas. Estamos acostumados em nossa cultura a falar
em ética quando algo obriga a um tipo de comportamento.
Mas nenhum imperativo ético se sustenta mais. O que há,
como disponibilidade, são as poléticas e seus modos de
ação. Neste primeiro caso, é uma polética onde tudo pode
ser revirado e todos os valores podem ser tranformados.
A segunda polética é a da indiferenciação pura e
simples: indiferenciação religiosa, sexual, artística, política

266 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

ou qualquer outra, como a única atitude capaz de renovar


valores e performances no mundo contemporâneo. Quem
pode referir-se ao originário, também pode serenamente
retornar à política da indiferenciação e agir a partir dela
sem grandes aderências sintomáticas. Agir sobre formações
primárias ou secundárias sem tomá-as como referência
fundamental de nossa existência, sem tomar seus conteúdos
culturais como nossa identidade. É essa competência de
indiferenciação que permite a política do reviramento
até mesmo contra nossos interes­ses, nossos desejos,
nossos sintomas, enfim, nossas configurações primárias e
secundárias com as quais convivemos diariamente.
E a terceira é a política da heurística permanente.
Isto é, a polética da prótese, seja em que nível for e que
tenta o mais frequentemente pôr à disposição os artifícios
industriais que são típicos de nossa espécie. São, portanto,
três políticas entrelaçadas: o revirão, a indiferenciação e a
produção de próteses (em níveis primário e secundário). São
políticas disponíveis ao uso ad hoc, mas nada obriga que se
faça uso delas. Não há nesse modelo nenhuma instância que
funcione como imperativo de uso da competência mental
do reviramento. Por exemplo, pode-se simplesmente
permanecer estúpido para sempre.
Entende-se por prótese tudo o que é construído ou
operado secundariamente por uma idioformação, aquela
que porta a competência de reviramento. São os artifícios
industriais: o martelo, a lança, escrita, a imprensa, a culinária,

Sumário 267
A nova mente da máquina e outros ensaios

a nave espacial, a informática, etc. Embora produzidas pelo


homem, e como tal são formações secundárias, mesmo
assim podem intervir eficazmente no primário invadindo
ou alterando a constituição dessa formação sempre que
possível. Por exemplo, equipamento de mergulho, que
permite que alguém mergulhe e não se afogue ou o avião,
que possibilita vencer a lei da gravidade, a elaboração
de código de leis que regula e disciplina a ação de grupo
social, etc. Qualquer coisa construída pelo homem é
prótese, seja um poema, a bomba atômica, uma codificação
moral ou gramatical. Mas em seu processo de repetição,
uma prótese pode se estabelecer como resistência, como
um elemento recalcante, impedindo o movimento pulsional
em sua deriva ocorrendo então um processo de reificação,
de primarização, naturalização ou coisificação do que é tão
somente uma criação humana.
As próteses com acentuado grau de reificação fazem
da cultura isso que ela frequentemente tende a ser: um campo
de formações secundárias fossilizadas, esclerosadas, duras,
que, por se apresentarem dessa forma, constituem-se como
uma neo-etologia, uma primarização do que é secundário,
fazendo com que o processo de animalização do homem
volte a vigorar no Secundário. Por isso é que a ordem
cultural é frequentemente tão rígida, violenta e opressora.
Quando tratamos antes das formações do Haver e a
ordem dos recalques, vimos que no campo geral do Haver
estas formações estão em permanente guerra ou agonística

268 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

umas com as outras. Ou são formações vencedoras e


imperativas que estão instaladas e assim gozando do poder
de que dispõem, ou são formações vencidas, recalcadas,
que têm a possibilidade de retornar a qualquer momento e
mesmo virem a ocupar lugar de dominação. Como já ficou
dito, o que é específico para a espécie humana é que ela
tem a competência de revirar por si mesma, podendo assim
operar transformações. Embora não revire com facilidade,
o que tem de diferente das outras espécies conhecidas é
essa competência que ela tem e outras não. Pode-se dizer
que se trata de competência de dialetização plena, capaz
de avessamento absoluto do que quer que compareça. Já
que temos essa competência de reviramento, as poléticas
são técnicas e maneiras de lidar com o sistema organizado
das formações dadas aqui e agora. Não só contamos com
as possibilidades que podem emergir e das quais nunca nos
tínhamos dado conta, mas também com a possibilidade de
inventar uma prótese como solução ainda que temporária
para uma realidade qualquer que nos limite. Como revirar
doenças que nos acometem e que produzem tanto mal-estar,
como câncer, AIDS e tantas outras? O investimento nessas
áreas tem sido cada vez maior. Como se reviram as formas
de racismo instaladas milenarmente em nossa cultura e
que se repetem habitualmente em nossa mente? Como
podemos nos tornar mais disponíveis a tantas mudanças
para que não sejamos destruídos ou sucateados por elas
como diariamente acontece?

Sumário 269
A nova mente da máquina e outros ensaios

O quarto império e a hiperpolítica


Nos modos de entender política e cultura como foram
apresentadas até o momento, verificamos que há pontos de
contato entre o pensamento de Magno e Sloterdjik. Na série
que este apresenta como paleopolítica, política clássica
e hiperpolítica não é difícil de reconhecer semelhanças
com o que foi apresentado como os cinco impérios e suas
respectivas referências. Notadamente uma aproximação
entre o império d’AMÃE e a paleopolítica das hordas
primitivas, os impérios d’OPAI e d’OFILHO e a política
clássica e o império d’OESPÍRITO e a hiperpolítica. Mas
as possíveis semelhanças vão até aí. Não há nada, por
exemplo, que se aproxime da noção de quinto império e a
proposta efetiva de ação política dela decorrente.
Como a maioria dos pensadores contemporâneos
que se preocupam com essas questões de que estamos
tratando, o impasse frequentemente se apresenta nesta
encruzilhada. Agora que o homem se encaminha cada
vez mais para a complexidade da era da informação e da
tecnologia, o que vai acontecer? O que será do Homem?
O que será da humanidade? Ou como pergunta, ainda que
ironicamente, Sloterdjik: como continuar a reproduzir o
homem pelo homem? Este mesmo homem está envolvido
em uma simbiose com o meio ambiente vegetal, animal,
ecológico em sentido amplo, assim como com as ma­quinas,
sistemas e redes que ele criou para sobreviver ou para
garantir seu crescimento e desenvolvimento. Nesse sentido,

270 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

a fronteira que separa o natural do artificial torna-se cada


vez mais imprecisa. As ferramentas, máquinas, objetos
manufaturados que povoam o nosso meio ambiente, como
uma espécie de tecido biológico exteriorizado ou como
próteses que esten­dem a ação de seus sentidos ou mentes,
constituem parte integrante de nossa evolução cultural.
Da mesma forma, as máquinas que operam a infor­mação
estão se tornando cada vez mais inteligentes. Também
os seres vivos serão igualmente submetidos a profundas
modificações biológicas pelas biotecnolo­gias. Numerosas
funções biológicas serão duplicáveis por máquinas.
Reciprocamente, muitas máquinas vão também adquirir
características quase biológicas em uma verdadeira con­
vergência evolutiva (Rosnay, 1997, p. 317).
A tecnologia investe cada vez mais no biológico
e a biologia, por sua vez, invade cada vez mais o
mundo das máquinas. Campos recentes de pesquisa e de
desenvolvimento nas ciên­cias biológicas, da informação
ou dos materiais (como a robótica, a nanotecnologia, a vida
artificial, as redes neurais, a realidade virtual ou as redes
planetárias de comunicação) vão colocar grandes desafios
aos nossos modelos culturais de um mundo dominado
pelo homem e explorado em seu benefício. Desaparece
progressivamente a fronteira entre natural e artificial, real
e virtual, material e imaterial deixando de haver diferenças
fundamentais entre natu­reza artificial e artifício natural
(1997, p. 98).

Sumário 271
A nova mente da máquina e outros ensaios

Há séculos escritores de ficção científica tentam


imaginar como seria esse homem do futuro. Para alguns,
esse homem já foi pensado como um super-homem, dotado
de capacidades intelectuais fenomenais pelo aumento do
número de neurônios do respectivo cére­bro: uma enorme
cabeça, pernas minúsculas e sem dentes. Pode-se conti­nuar
esse quadro caricatural e, evidentemente, muito afastado
da realidade, pois a velocidade da evolução bio­lógica não
é suficientemente rápida, se comparada à tecnológica,
para tornar possíveis tais mutações deter­minantes. Para
outros, o homem do futuro será biônico, com­posto por
peças eletrônicas e informações intermutá­veis, por órgãos
e sentidos sob medida, por sistemas ampliados de visão
e audição. Com a possibilidade de ouvir a centenas de
metros, ver na obscuridade, saltar e correr com grande
rapidez.
Tais homens e mulheres biônicos se tornaram bem
conhecidos através do cinema e das séries de televisão
divulgadas no mundo inteiro. Cientistas e autores de ficção
científica têm imagi­nado homens cibernéticos (cyborgs),
metade homens metade robôs, como Robocop ou O
Exterminador do Futuro (Termina­tor). Outros predizem
a chegada de combots (computer-robots), nova geração de
seres inteligentes produzidos pelo homem. Em seguida,
serão capazes de se auto-reproduzir e viver em associação
conosco, espécie de um novo tipo de coabitação com a
huma­nidade biológica. Hans Moravec supõe que os robôs

272 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

do futuro irão atingir tal grau de inteligência que vão


conseguir nos convencer de não “desligar a tomada” caso
pretendamos interromper seu funcionamento. Simpáticos,
afetivos e integrados à nossa vida, certamente que vão
exercer sobre nós pres­sões também afetivas como se
fossem animais domésticos. Essas diferentes visões do
futuro focalizam, em geral, o indivíduo. Seja como for,
graças às suas conexões biológicas, psicológicas ou
bióticas o homem poderá dispor de meios extraordinários
de conhecimento e ação.
Estamos aí perante questões decisivas para uma
melhor compreensão de nosso tempo: toda esta revolução
tecnológica contemporânea está sendo frequentemente
debatida entre as correntes de pensamento que se alistam
do lado do racionalismo moderno ou então do “irracio­
nalismo” pós-moderno. Segundo Lyotard, por exemplo, o
conhecimento proposto pela modernidade teria uma forma
com maior unidade resultante das “grandes narrativas”
mitificadas pelo historicismo, pela teleologia e pela crença
na emancipação da humanidade. Já o pós-moderno, con-
sentiria cada vez mais no processo de fragmentação que
dão origem a possibilidades de linguagens diferentes e
autônomas entre si, entrando aí no império da relativização
onde não há verdades nem fundamentos a serem buscados
e onde qualquer critério de validação é suspeito (Lyotard,
1989, p. 49-51).
Sloterdijk reconhece a nossa atual situação multi-

Sumário 273
A nova mente da máquina e outros ensaios

cultural e globalizada como holomaníaca voltada para um


mundo cada vez mais sincrônico. Magno vê nesse movi-
mento todo um vigoroso esforço de passagem para o quar-
to império, pois para ele a “Modernidade é a tentativa,
onde quer que se a encontre, de fazer funcionar o Quarto
Império” (Magno, p. 2000, p. 81).
Segundo esta análise, todos os esforços de moder-
nidade, seja na filosofia, nas artes, nos comportamentos
culturais, nas fundações sociais, nas reorganizações polí-
ticas, no remanejamento do poder, são no sentido de se
implantar o quarto império. E como a modernidade não
se instalou efetivamente até agora não é mais possível
identificá-la, passando a ser pensada como pós-moderno
em seus múltiplos sentidos.
Neste caso, a nova psicanálise oferece um aparelho
capaz de articular essa questão de maneira inédita e
provavelmente mais eficaz. Segundo seus princípios, o
projeto moderno se encaminha na mesma direção de todos
os projetos culturais propostos pelo creodo antrópico.
Ele é um projeto cuja vetorização parte do primário para
o originário, um movimento de afastamento de nossa
primariedade animal, zoológica, e aproximação de nossa
competência maior, o revirão. A modernidade seria
justamente a tentativa de passagem do terceiro para o
quarto império.
Mas retomemos a questão: por que não tem dado
certo? Por que a modernidade não se instala de fato? Por

274 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

que o projeto moderno deu a impressão, na cultura, de que


se encaminhava com força, segundo esquema apresentado,
para o quarto império e, de repente, se verifica o colapso
generalizado de suas principais propostas?
A partir dos anos 70, surge o que ficou conhecido
como pós-moderno, que é entendido ora como exagero do
Moderno, ora como movimento de retrocesso, de volta a
modelos culturais antigos ou arcaicos. Há inclusive autores
que pensam a pós-modernidade como movimento de
contraposição à modernidade. faz a suposição, juntamente
com Bruno Latour, de que Jamais fomos modernos
(Latour, 1994, p. 16), de que nunca conseguimos de fato
uma cultura moderna, porque o esforço da modernidade,
na vetorização do terceiro para o quarto império, jamais
pode ser completado inteiramente, segundo o movimento
vetorial de sua situação intermediária de ser um império
cultural de passagem entre secundário e originário. Isto
porque “toda vez que encontramos um vetor qualquer de
tentativa de passagem de um regime para outro, ele não tem
condições de se estabelecer e se completar senão quando
algo posterior a ele chega ao regime seguinte” (Magno,
2000, p. 83).
Não há condições de se efetivar o segundo império
a não ser que se chegue ao terceiro. Os impérios interme-
diários são regimes instáveis. Os regimes mais estáveis
são estabelecidos ou no primário, ou no secun­dário ou
no originário. Aqueles que são intermediários têm sérias

Sumário 275
A nova mente da máquina e outros ensaios

dificuldades de se sustentar. A dificuldade de sua instalação


e sua aparência às vezes progressiva e às vezes regressiva
não é senão o regime mesmo do quarto império que não
conseguirá se estabelecer de uma vez por todas a não ser
quando a referência efetiva for o quinto império.
A possibilidade de instauração definitiva do quarto
império na prática, no exercício cultural, está na dependência
de se passar, pelo menos como referência, ao quinto impé-
rio, ao puro reviramento, à pura indiferenciação. Passar-se
à soltura mental, à leveza, à competência de podermos nos
apropriar de todos os outros impérios e suas referências com
indiferença, com neutralidade para manipulá-las ad hoc com
a maior eficiência e eficácia. O quinto império é neutro, não
existe culturalmente. Talvez não haja a menor possibilidade
instalá-lo na ordem cultural. Ele é pura referência que poderá
fazer com que o quarto império, o império d’OESPÍRITO,
venha a se constituir de fato. Só assim haveria a realização
da modernidade como o império d’OESPÍRITO, que até
hoje não aconteceu de fato. A polética da nova psicanálise
é então pró-moderna, aquela que poderia fazer com que o
quarto império se instalasse de vez.
Este é encaminhamento para uma abordagem da
cultura segundo a clínica geral da nova psicanálise. E qual
o caminho possível para a implantação desse processo?
As poléticas que estão disponíveis a todos que tenham
a competência de reviramento para que se pudesse fazer
vigorar, não a democracia que muitos pensam ser uma

276 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

saída talvez para o impasse contemporâneo e pós-moderno,


mas a diferocracia,93 capaz efetivamente de produzir uma
sociedade menos racista e mais inclusiva.

A crise da sociedade da escrita


Não se trata mais, como vimos até o momento,
de reproduzir o homem pelo homem, mas de produzir
uma pedagogia da competência do reviramento que
está disponível para qualquer idioformação, desde que
referida ao originário. Se o tempo em que vivemos é
reconhecidamente um momento de passagem de uma ordem
cultural para outra, é claro que a questão do pertencer
torna-se prioritária. A que modelo cultural se pertence? A
que império se está escravizado? Que momento cultural
tomamos como identidade? Essa passagem de um império
para o outro se dá mediante agonística de forças culturais
adversárias e sempre com algum tipo de violência. Não
é possível qualquer transformação em paz. Nessa guerra
entre formações culturais há então o necessário confronto
entre formas de poder, autoridade e força que sustentam
hegemonicamente o modelo cultural dominante.

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Diferocracia: “Esta polética seria a administração da diferença,
aquilo que eu já disse que gostaria de poder pensar no nível da ficção
política com o nome de Diferocracia, o governo da diferença. Parece
que isto jamais existiu na face da Terra, embora se fale disso quando se
tenta definir a democracia. Seria uma novidade o discurso psicanalítico
trazer como consequência a ficção de uma possível Diferocracia: os
homens governados pelo respeito estrito à Lei da Diferença” (Magno
[1981], 1986, p. 305).

Sumário 277
A nova mente da máquina e outros ensaios

Tomemos como exemplo uma formação secundária


que contribui decisivamente para a constituição do segundo
e terceiro impérios: a escrita. De acordo com Pierre Levy,
a escrita foi inventada diversas vezes e separadamente nas
grandes civilizações agrícolas da antiguidade. Reproduz,
no domínio da comunicação, a relação com o tempo e o
espaço que a agricultura havia introduzida na ordem da
subsistência alimentar. O escriba cavava nas tabuinhas de
argila assim como o agricultor fazia sulcos no barro do
seu campo. Através da escrita , o poder estatal determina o
comando dos homens, fixando-os em funções, designando-
os para um território, ordenando-os sobre um superfície
unificada. A escrita serve para a gestão dos grandes
domínios agrícolas e para a organização dos impostos.
Também permite uma situação inteiramente nova de
comunicação: separação entre discurso e circunstância em
que foi produzido, nisso, inteiramente diferente da cultura
oral. Quando as mensagens ambíguas e fora de contexto
começam a circular, a atribuição de sentido torna-se cada
vez mais uma questão central. Desde o terceiro milênio
AEC. que toda uma tradição de leitura havia se constituído
no Egito e Mesopotâmia. A atividade de interpretação,
de exegese, não se exerceria somente sobre papéis ou
tabuinhas, mas sobre uma infinidade de sintomas, signos
e presságios, céu estrelado, entranhas dos animais, peles,
etc. O mundo todo se oferece como um grande texto a ser
decifrado (Levy, 2000, p. 18).

278 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

Para Sloterdijk, a função e natureza mesma do


humanismo é “a comunicação propiciadora de amizade
realizada à distância por meio da escrita” (Sloterdijk, 2000,
p. 7). Mas é justamente esta época que parece chegar ao
seu esgotamento:
A época do humanismo nacional-burguês chegou
ao fim porque a arte de escrever inspiradoras cartas
de amor a uma nação de amigos, ainda que fosse
exercida da maneira mais profissional possível, já
não bastaria para atar os laços telecomunicativos
entre os habitantes de uma moderna sociedade
de massas. Com o estabelecimento midiático da
cultura de massas no Primeiro Mundo em 1918
(radiodifusão) e depois de 45 (televisão) e mais
ainda pela atual revolução da Internet, a coexistência
humana nas sociedades atuais foi retomada a partir
de novas bases (Sloterdijk, 2000, p. 14).

E essas novas bases são, segundo o autor,


pós-literárias, pós-epistolares e pós-humanistas. O
desenvolvimento que foi dado a estas questões é bastante
longo, interessante e polêmico, constituindo o famoso
“escândalo Sloterdijk/Habermas” em 1999, que não vem
ao caso neste trabalho. Da mesma forma que surgiu a
escrita como invenção secundária, também apareceu a
informática, a rede digital e a realidade virtual no contexto
do avanço tecnológico em grande parte responsável pela
revolução a que estamos assistindo. E ainda nem estamos

Sumário 279
A nova mente da máquina e outros ensaios

nos dando conta das transformações que certamente irão


acontecer a partir deste evento. Não podemos nos esquecer
que a maioria dos sistemas de signos conhecidos até hoje
(alfabético, ideográfico, mistos ou outros) foram inventados
quando se dispunha apenas de suportes materiais tais como
a argila, pergaminho, etc. Mesmo os novos sistemas de
comunicação frequentemente apenas retomam as formas já
existentes de escritas disponibilizando-as em rede, modelo
altamente interativo e sinérgico.
Pierre Levy trata tudo isso como navegação nova
em uma reserva semiótica antiga, operando-se, segundo
termos de Deleuze, uma desterritorialização no estoque
de signos já disponíveis. Entretanto, não podemos nos
esquecer de que é ainda tecnologia muito nova que está
produzindo possibilidades hipertextuais em tempo real,
aptas a simular uma verdadeira implosão cronológica pela
instauração de um tempo pontual criado pelas redes de
informática. Por exemplo, um aspecto muito importante
destacado por esse autor refere-se à simulação que é
possível através da computação gráfica e da holografia. As
simulações gráficas interativas tornaram-se indispensáveis
ferramentas auxiliadas por computador. Portanto, não se
trata mais somente da memória típica da cultura oral, nem
da teoria criada pelo advento da escrita, mas da simulação,
considerada como “industrialização da experiência do
pensamento”, abrindo dessa forma uma novo caminho para o
conhecimento e à aprendizagem (Levy, 1993, p. 121-125).

280 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

Por outro lado, também podemos observar quanta


resistência há na passagem do modelo hegemônico da
escrita, que imperava com seus dispositivos de poder.
No momento em que começa a sofrer deslocamentos
produzidos pelo advento de uma nova invenção (que
desloca a escrita do seu lugar hegemônico) e traz consigo
transformação e reformatação necessárias à sua instalação,
nota-se de imediato não só o pânico que se dissemina,
como também a organização de mecanismos de defesa
e sistemas de resistência em todos os níveis. Como se o
único modelo cultural fosse este no qual estamos vivendo
no esquecimento de que ele também foi produzido e
instalado através de artifícios industriais, artificiais ou
secundários produzidos pelo próprio homem! O mesmo
que continua a inventar e produzir novas próteses, que,
como qualquer prótese, pode ser benéfica ou maléfica
dependendo unicamente da ocasião.
Essa produção em excesso, embora nunca suficiente,
resulta do fato de que a nossa mente funciona segundo
o modelo do revirão. Então a ação polética compatível
vai no sentido de uma práxis capaz de gerir essas novas
emergências, administrando na medida do possível sua
complexidade. A atitude mais de acordo com este conjunto
de invenções é a consideração da formação emergente,
seja em que nível for, para só-depois94 tomar decisão

94 Só-depois (Nachträglichkeit): termo muito empregado por Freud


em relação a sua concepção de temporalidade e da causalidade psíqui-

Sumário 281
A nova mente da máquina e outros ensaios

mais adequada. Somente assim estaremos praticando a


política da heurística permanente, propondo-se novas
próteses, novas formações secundárias aptas a lidar com
as exigências do momento.
As poléticas da nova psicanálise podem também
ser entendida como uma arte da pilotagem tão demandada
em nossos dias nos mais diversos áreas do conhecimento e
da ação política e administrativa. Entende-se aqui por arte
da pilotagem a capacidade de condução de um sistema
complexo mediante processos de instalação, utilização e
regulação da dinâmica das forças das formações em jogo
no momento, aqui e agora (ad hoc) tendo o originário
por referência. Tudo isto, é claro, progressivamente e
na medida do possível. Convém lembrar que foi Norbert
Wiener que recriou o termo cibernética para designar o
campo que inclui o estudo da linguagem, das mensagens
como meios de dirigir a maquinaria e a sociedade, de
promover o desenvolvimento de computadores e robôs,
além de reflexões sobre a mente e o sistema nervoso a
partir de uma nova teoria científica. A palavra vem do
grego, kubernetes, que significa piloto e da qual deriva o
termo governador (Wiener, 1973, p. 15-16). Mas a arte da
pilotagem tem aqui sentido muito diverso. Para pilotar é
preciso uma referência, para além de todos os dispositivos

ca. Há experiências, impressões, vivências que são ulteriormente remo-


deladas em função de experiências novas e por isso pode ser conferido
a elas novo sentido e eficácia psíquica.

282 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

de informação empregados em sua condução. E segundo


os princípios da polética, ela está dada pelo revirão e
seu princípio de catoptria, que constitui a mente de
qualquer idioformação, como competência de referir-se ao
originário, à neutralidade pura do Haver e assim ser capaz
de indiferenciar qualquer outra modalidade de formação,
seja ela primária ou secundária. Agir assim é então poder
exercer a arte da pilotagem em conformidade com a mais
alta competência de nossa mente face à realidade das
formações primárias e secundárias.

Conclusão
Do contraponto apresentado entre as poléticas da
nova psicanálise e a hiperpolítica descrita por Sloterdijk,
podemos extrair algumas consequências. Os cinco
impérios não são eras nem épocas pelo simples fato de que
coexistem uns com os outros. Entretanto, aparecem como
estados hegemônicos que podem ser reconhecidos em sua
sucessão. Talvez uma boa metáfora freudiana fossem a de
formação geológica, onde podemos ver a sobreposição de
camadas culturais. Mas não podemos nos esquecer de que o
que importa é poder reconhecer a referência que identifica
cada uma delas.
Do ponto de vista do creodo antrópico, haverá
sempre a tentativa dos impérios inferiores de comandar
os superiores. Trata-se da agonística perene das formações
secundárias entre estases ou paralisias progressivas e

Sumário 283
A nova mente da máquina e outros ensaios

regressivas. Da mesma forma que o segundo império


afirmou-se com instauração do terceiro, também incorporou-
se a ele como forma de fazer preservar suas relações de
identidade. Agora, com a emergência reconhecida do
quarto império podemos também perceber a tentativa que
os impérios anteriores e mesmo arcaicos fizeram e estão
fazendo para dominar as formações emergentes.
Sloterdijk, ao descrever sua sociedade hiperpolítica,
fala da necessidade da constituição de uma política sem
impérios, cujo desafio não será tanto o aperfeiçoamento
da sociedade, mas saber se depois dele haverá ainda
ganhadores no mundo. E isto por quê? Porque reconhece,
nas formas políticas que constituem a cultura de modo geral,
a produção de laços sociais de aprisionamento e servidão.
De que forma? Na paleopolítica, a horda é vista como um
clube fechado e totalitário, cujo modelo de “socialização”
como arte de incubar humanos é rígido e determinado. Na
política clássica, com seu espírito de megalopatia, trata-se
de organizar a cidade e o Estado segundo o laço da amizade
transmitida pela pedagogia (paideia) do Grande. Assim o
homo politicus é todo aquele que apresenta e representa
o poder e fala em seu nome. Daí surgiu a peste política, a
guerra imperial e inter-imperial das grandes civilizações.
Com a hiperpolítica, a decadência do modelo clássico
dada à ineficácia perante a realidade que apresenta outra
configuração, isto é, o nomadismo cosmopata em um
mundo sincrônico ou a insularização nômade da sociedade

284 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

contemporânea resultante do processo de implosão das


ordens culturais que a sustentavam.
A partir de então, a questão do pertencer tornou-se
extremamente delicada. Se a hiperpolítica sinaliza com a
necessidade da reconsideração da arte de pertencer e da
política sem impérios, apesar de descrever com precisão
o quadro geral da situação dominante, ainda assim não
aponta para nenhum horizonte onde se possa vislumbrar
algo que poderia vir a ser sua realização. Mas este também
não parece ser o propósito de Sloterdijk.
Arte de pertencer e política sem impérios bem que
poderiam ser outro nome para a polética da nova psicanálise,
desde que referida ao quinto império, ao originário e
seu princípio de reviramento. Mas uma “política sem
impérios” demandada pelo autor teria de ser de tal modo
esvaziada de conteúdos e significações que só poderia
estar além da hiperpolítica e seu mundo em fragmentação.
Vimos também que os cinco impérios apresentam outra
maneira de considerar os vínculos culturais e seus modos
de pertencer, onde o fator preponderante é a referência
cultural que cada um deles apresenta. Se, do ponto de
vista do modelo da nova psicanálise, a nossa maior e
mais alta competência é o revirão, então qualquer outra
formação do Haver, seja de que espécie for, será sempre
referência de baixa categoria, aquém de nossa qualificação
e necessariamente uma forma de servidão. Por isso que,
na série do creodo antrópico, o único império com efetiva

Sumário 285
A nova mente da máquina e outros ensaios

força para fazer emergir a política sem impérios e a arte


de pertencer é o quinto império, AMÉM, referido ao puro
revirão, que dessa forma instalaria de uma vez por todas
também o quarto império que depende do Originário como
sua referência.
Os outros impérios apresentam referências de
vínculos que são formações primárias e/ou secundárias.
O primeiro império (AMÃE), com sua referência carnal
e laços sócio-uterinos; o segundo império (OPAI), no
reconhecimento do pai e instauração de filiação paterna
fundadora do modelo familiar que permanece até hoje
e também constituindo-se como base de tantas outras
formas de vínculos culturais e políticos; o terceiro império
(OFILHO), instaurador da fraternidade mediante filiação
estritamente simbólica e secundária a um certo discurso. Na
falta de uma referência que de fato se sustentasse, a cultura
é desde sempre esse campo de batalha dominado por toda
sorte de racismo e preconceito, resultantes da hegemonia
de formações primárias (cor de pele, raça, tamanho,
altura, etc.) e secundárias (família, educação, normas, leis,
comportamentos, castas, classes sociais, etc.) fortemente
imperativas e recalcantes de qualquer manifestação avessa
ou diferente. A saída possível é a nossa referência de última
instância: ao quinto império, ao revirão.
Das jangadas à navegação costeira, da navegação
costeira ao ferri-boats e destes às naves espaciais com
navegação de hiper e ciberespaço, uma nova práxis se

286 Sumário
Anexo 2 - A arte da pilotagem

faz necessária, pois as políticas até então conhecidas não


parecem estar para ela devidamente aparelhadas.

Sumário 287
Créditos
Os textos foram revisados e atualizados para publi-
cação neste livro.

1. A nova mente da máquina: da máquina univer-


sal de Turing à máquina plerômica (revirão) de MD
Texto inédito.

2. O revirão do universo: reversibilidade e irre-


versibilidade na física, cosmologia e psicanálise
Texto publicado em TRANZ: revista de estudos
transitivos do contemporâneo. n. 4 - dezembro 2009 • ISSN:
1809-8312 <www.tranz.org.br>

3. Os neurônios-espelho e a mente-espelho da
Nova Psicanálise
Texto publicado em TRANZ: revista de estudos
transitivos do contemporâneo, n. 2, dez. 2007 • ISSN: 1809-
8312 <www.tranz.org.br>

4. Afinal, o que é uma Pessoa? Questões sobre o


filme 13º Andar
Texto publicado como capítulo de: GARCIA, Gabriel

Sumário 289
A nova mente da máquina e outros ensaios

Cid de e COIMBRA, Carlos A.Q. (org.). Ciência em foco: o


olhar pelo cinema. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

Anexos:
Anexo 1. Aspectos do verbo Haver e seu uso na
Nova Psicanálise
Texto publicado em TRANZ: revista de estudos
transitivos do contemporâneo. n. 5 - dezembro 2010 • ISSN:
1809-8312 <www.tranz.org.br>

Anexo 2. Arte da pilotagem.


Texto publicado como capítulo de livro em GON-
ÇALVES, Robson Pereira (Org.). Subjetividade e Escri­
ta. Bauru, SP: EDUSC; Santa Maria, RS: UFSM, 2000.
p. 185-223

290 Sumário
Créditos

Sobre o Autor
Aristides Alonso
Doutor em Letras (Universidade Federal do Rio de
Janeiro/UFRJ) e Pós-Doutor em Comunicação (Universida-
de Nova de Lisboa/UNL). Professor adjunto da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor titular das
Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA). É Diretor da
NovaMente (Centro de Estudos e Pesquisa, Clínica e Edito-
ra). Pesquisador do ...etc.: Estudos Transitivos do Contempo-
râneo (Grupo de Pesquisa/CNPq) e Coordenador do projeto
de extensão TecMen: Tecnologias da Mente. Faz formação
em psicanálise na NovaMente, da qual é membro. Após a
conclusão da Faculdade de Letras da Universidade Federal
do Rio de Janeiro/UFRJ, dedicou-se à carreira do magistério
na área de Literatura e Comunicação, com pesquisa focada
na interface mente e tecnologia (IMT). Publicou os livros
Cruzficção – Fragmentos (livro de poemas, 1989), Pensa­
mento Original Made in Brazil e O Futuro da Psicanálise,
estes dois livros juntamente com Rosane Araujo, além de
artigos em revistas especializadas nacionais e internacio-
nais. Desenvolveu o projeto de pós-doutoramento A gran­
de maneira: a arte e a técnica maneirista segundo a nova
psicanálise, na Universidade Nova de Lisboa (Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas do Departamento de Ciências
da Comunicação, no Centro de Estudos de Comunicação e
Linguagens/ CECL).
Desde 2011, desenvolve o seminário anual A GALÁ-
XIA DE FREUD, em que apresenta pesquisa sobre a inter-
face mente/tecnologia (IMT) a partir do artificialismo e do
maneirismo freudianos descritos pela Nova Psicanálise.

Sumário 291
Pequeno glossário
da Nova Psicanálise
Organizado por:
Paula de Oliveira Carvalho e Nívia Bittencourt

ALEI – “Haver desejo de não-Haver” ou “Haver quer não-


Haver” ou “Haver tesão de não-Haver” e estenografa-se
A→Ã. É a máquina fundamental da clínica, que Freud chamou
de Pulsão (de Morte), indicando o desejo de alcançar o Gozo
Absoluto: extinguir-se, sumir radicalmente, seja no nível
micro (homem), seja no macro (Haver).

Arte – Tomando o radical ART no sentido etimológico de pro-


cesso puro e simples de articulação, a Arte se generaliza para
toda e qualquer operação de criação, de invenção, que resulte
na produção do novo, para além das formações já dadas.

Artifício – Tudo que há é artifício. Tudo se construiu por


algum artifício, por uma articulação. Apresenta-se em dois
níveis: Artifício Espontâneo e Artifício Industrial. Ver Artifício
Espontâneo e Artifício Industrial.

Artifício Espontâneo – Designa o modo de construção, mais


resistente, das formações já dadas, presentes no Haver desde
sempre. Inclui o que se chama de Natureza. Ver Artifício e
Artifício Industrial.

Sumário 293
A nova mente da máquina e outros ensaios

Artifício Industrial – Designa o modo de construção, mais


maleável, das formações produzidas pelas Idioformações –
que podem forçar a reversão do espontâneo, do já dado. Ver
Artifício e Artifício Espontâneo.

Ato Poético – Ato criativo, em que há a intervenção da


Hiperdeterminação. Ver Criação.

Binário – Referido à lógica da dualidade entre formações


de pólos opostos. Há dois binários: (a) o binário simples ou
“interno” (entre formações modais do Haver que se opõem);
e (b) o binário ao quadrado ou “externo”, elevado à segunda
potência, (22), quando a massa homogênea do que há se opõe
ao não-Haver desejado.

Bipolaridade – Dualismo presente em toda e qualquer


afetação psíquica, fazendo parte do Pathos humano. A
bipolaridade funciona em qualquer situação e não apenas nas
ditas nosologias. Ver Patologia.

Cais Absoluto – Lugar extremo do Haver, onde o conjunto


pleno do que há opõe-se ao que não-há. Lugar de máxima
afetação e angústia, pois o não-Haver é requerido pelo
Haver, mesmo não havendo. Lugar ao qual todos se vinculam
absolutamente (e não entre si), lugar de Hiperdeterminação,
de Vínculo Absoluto. (Metáfora poética retirada de Fernando
Pessoa).

Catoptria (Princípio de) – Do grego kátoptron: ‘luz’,


‘espelho’, ‘refletor’. Princípio de funcionamento dos espelhos
produtores de reflexão, no sentido de absoluta reversão,
enantiose ou Revirão. Emana da neutralidade do Haver e do
psiquismo. Ver Revirão.

Causa – O movimento do Haver em direção a não-Haver

294 Sumário
Pequeno glossário da Nova Psicanálise

produz o excesso em vazio (pois não-Haver não há), que


funciona, em seguida, como Causa do movimento pulsional.

Com-sideração – Modo de abordagem das formações para


produção de conhecimento, sem dispensar a referência à
Hiperdeterminação. Afetação recíproca entre formações, que
estabelecem transas e transes em vários níveis, decorrentes da
catoptria do Haver.

Comunicação – O ápice da comunicação ocorre no silêncio


absoluto, na impossibilidade de dizer a experiência de Haver,
mas vinculado absolutamente à ele. Nesse Vínculo Absoluto
se fundamenta toda e qualquer comunicação, decorrente de
transas e transes entre formações, herdeiras de vinculações
aos regimes Primário e Secundário. Sua teoria mais genérica
é a Transformática.

Conhecimento – Aplicação de uma formação (mais ou menos


complexa) como tradutora de outra formação. Resultado
necessário de transas entre as formações, mesmo que não
exista ali nenhuma Idioformação. Tudo que se diz é da ordem
do conhecimento.

Criação – Criar é ultrapassar o que já está dado, reverter o


que parecia irreversível. A partir da indiferenciação interna no
Haver, sob o empuxo da Hiperdeterminação, o indiscernível
se discerne e o achado de algo novo é acolhido pela primeira
vez. Ver Arte.

Criatividade – Simples re-combinatória de formações, sem


recurso à HiperDeterminação. Contrapõe-se a Criação.

Cultura – Em sentido genérico e abrangente, é o modo de


existência da espécie humana. Em um de seus sentidos
específicos, é vista como Neo-etologia.

Sumário 295
A nova mente da máquina e outros ensaios

Enantiose ou enantiomorfismo – Possibilidade de reversão ao


avesso absoluto, a partir da razão catóptrica ou razão enante-
homórfica.

Excesso – Só há excesso. Não existe falta. Em virtude do ex-


cesso, o Secundário é “ïnventado” por nós, ou melhor, secreta-
do mediante nós, em decorrência da pressão do Originário.

Formação –Toda e qualquer conjuntura destacável, desenhável,


dentro do Haver, seja qual for a forma ou a materialidade
de seus elementos ou dela mesma. O próprio Haver em sua
plenitude é uma formação (aliás, de última instância), assim
como o é o Revirão que se supõe funcionar no Haver.

Formação do Haver – O que quer que se organize, o que


quer que se forme, espontânea ou industrialmente, como
modalização decorrente da fractalidade do Haver, seja da
ordem de um ser vivo, de uma formação psíquica, qualquer
coisa. As formações do Haver se movimentam no empuxo
d’ALEI, como ressonância ou metáfora da impossibilidade
última de Haver passar a não-Haver. Ver ALEI.

Haver (A) – O conjunto aberto de tudo que há e que pode vir


a haver. Inclui o chamado Universo.

HiperDeterminação – Empuxo do não-Haver que, como o


nome diz, é tão exterior ao Haver que nem há, mas nele se
inscreve e se re-inscreve na espécie humana, como Causa.
Exasperação da diferença entre a homogeneidade do Haver
como Um e o não-Haver. Aplica-se sobre o aparelho de
Revirão, para suspender as determinações primárias e as
sobredeterminações secundárias.

Homogeneidade – O Haver, em sua totalidade, é homogêneo


no seu seio. O que dá a impressão de heterogeneidade são as

296 Sumário
Pequeno glossário da Nova Psicanálise

fechaduras das formações, que impedem as transas dentro do


Haver.

IdioFormação – Uma (qualquer) formação que tenha


disponível para si (mesmo que não aplicada hic et nunc) a
Hiperdeterminação. O Haver e o Homem são exemplos de
Idioformações.

IdioFormação (Princípio de) – Idios: ‘mesmo’. O universo


tem uma formação em reflexão, espelho, catoptria e, em última
instância, produz algo que repete a sua reflexão. Repete-se a si
mesmo. Ver Catoptria (Princípio de).

Imanência – O fato de haver formações coloca uma imanência


da qual não se sai nunca. A transcendência é colocada de
direito, mas não há de fato.

Indiferenciação (Indiferença) – Neutralização. Resultado


da equivalência entre dois pólos opostos, com superação da
dualidade, revelando um terceiro lugar que sofre o empuxo da
HiperDeterminação. Estado neutro do Real.

Morte – ‘A Morte não há’, porque não há o gozo da morte. É


impossível para qualquer um ter experiência de morte, sua ou
de outro. O que existe são experiências de perda, castração.

Nada – Estado do Haver em neutralidade, sem diferença interna,


o puro fundo de indiferença que revela a homogeneidade das
formações do Haver. Equivale ao Chi, dos chineses.

não-Haver (Ã) – Avesso radical do Haver. Designa o gozo ab-


soluto requerido pela pulsão, o Impossível. É conjecturado, de
direito, pela catoptria do Haver, mas de fato, ele não há. As Idio-
Formações, por sua constituição íntima, não podem não conjec-
turar o não-Haver em última instância, como Causa de desejo.

Sumário 297
A nova mente da máquina e outros ensaios

NovaMente (ou Nova Psicanálise) – Aparelho clínico de si-


mulação da suspensão dos recalques, criado em 1986, por MD
Magno, na linhagem de Freud e Lacan. Trata-se de uma reedi-
ficação da psicanálise com base nos mais importantes achados
desses dois mestres. Tem se mostrado à altura de orientar uma
leitura da situação atual do mundo, sobretudo em seus aspec-
tos de conhecimento. Coaduna-se com as teorias contemporâ-
neas da cosmologia e da física, e demonstrou antecipá-las em
diversos pontos cruciais.

Originário (OR) (Nível ou Regime) (Recalque) – Funda-


menta-se na axiomatização da ALEI. Designa a dissimetria
radical do Haver e do psiquismo, decorrente da impossibilida-
de do Haver passar a não-Haver.

Pessoa – IdioFormação do caso humano. Situada em determi-


nado pólo, apresenta foco e franja e, em sua extensão máxima,
abrange o Haver por inteiro. Ver IdioFormação e Haver.

Ponto Bífido – Ponto neutro, com possibilidade (não de se


orientar, mas) de ser direcionado ora para um lado ora para
outro.

Primário (Nível ou Regime) (Recalque) – Conjunto de for-


mações que o Haver oferece espontaneamente. As formações
materiais existentes no Haver. No primário de nosso corpo há
dois níveis: autossoma (constituição biótica) e etossoma (con-
junto dos comportamentos inerentes ao autossoma).

Prótese – Invenção resultante de invocação da Hiperdetermi-


nação. Pode ser psíquica, verbal, tecnológica, etc. Imita nossa
originariedade, pois a prótese fundamental é o Originário. Ver
Originário.

Pulsão – Conceito fundamental da Nova Psicanálise que se-

298 Sumário
Pequeno glossário da Nova Psicanálise

gue a última instância elaborada por Freud, a Pulsão de Morte.


Inscreve-se no movimento da libido como tesão e estrutura-se
como Revirão. O próprio movimento do que há como modo
de funcionamento do Haver. Deste conceito se deduzem to-
dos os outros: recalque, inconsciente, repetição, transferência,
narcisismo, etc.

Real – Ponto absolutamente neutro, indiferente, que não dá


passagem para o não-Haver, porque ele não há. Comparece no
Haver como marca do não-Haver, como inscrição do impossí-
vel. Ver Cais Absoluto.

Recalque – Conceito que estrutura o pensamento psicanalíti-


co. O que incide sobre as formações, embargando o movimen-
to pleno da pulsão. O que quer que emperre o Revirão é fun-
dação de Recalque. O que quer que não esteja comparecendo
aqui e agora é da ordem do Recalque. Ver Recalque (Regimes
ou Registros do).

Recalque (Níveis ou Regimes de) – 1°) Primário – Regi-


me das formações materiais que o Haver oferece espontane-
amente, recalcantes do Revirão. No Primário de nosso corpo
há dois níveis: autossoma (constituição biótica) e etossoma
(conjunto dos comportamentos inerentes ao autossoma). 2°)
Secundário – Regime secretado pelas Idioformações como
imitação do modo de produção do Primário. Inclui o que se
chama de simbólico e de cultura. 3°) Originário – Quebra de
Simetria no Haver e no psiquismo, dada pela impossibilidade
de o Haver passar a não-Haver. Competência que têm as Idio-
formações de reviramento radical do que quer que se apresen-
te. Fundamenta-se na axiomatização da ALEI.

Reificação – Processo progressivo/regressivo entre níveis, va-


riando em três graus segundo sua intensidade. Primeiro grau
(analogia): reificação branda que se dá no Secundário, por

Sumário 299
A nova mente da máquina e outros ensaios

imitar o modo de construção do que estava no Primário, não


sendo necessariamente recalcante. Segundo grau (metáfora):
recalcamento. Terceiro grau (hipóstase): reificação do Secun-
dário sobre o Primário, hiper-recalque, onde o que é proibido
é tomado como impossível.

Resistência – O Haver é resistência em estado puro, originá-


ria, pois não passa a não-Haver. Abaixo disso temos inúmeros
níveis de resistência. As formações do Haver, às vezes, não
resistem, perecem. Tudo que há se inclui na política, no jogo
das resistências. A Nova Psicanálise supõe a vida como pura
resistência à pulsão pelo não-Haver.

Revirão – Máquina lógica tomada como exemplar dos movi-


mentos do psiquismo e do Haver. Decorre d’ALEI e se pre-
sentifica para as Idioformações na possibilidade que têm de
pensar, querer e mesmo produzir o avesso de tudo que lhes é
apresentado.

Secundário (Nível ou Regime) (Recalque) – Regime pro-


duzido pelas Idioformações enquanto referidas ao Primário
(etossoma e autossoma), mas empuxadas pelo Originário, que
é sua competência de reviramento radical do que quer que se
lhes apresente. Inclui o que se chama de simbólico e cultura.

Sexuação – Modos lógicos de estabelecimento de gozo. Con-


cerne às modalidades de gozo decorrentes do Tesão do Haver
pelo não-Haver. São quatro sexos: O Quarto sexo, é o Sexo
Desistente, ou Sexo da Morte, que quer eliminar o Tesão com-
pletamente, mas não comparece por impossibilidade de entrar
em funcionamento. O Terceiro Sexo é o Sexo Resistente que
se põe como Um, o sexo do Haver, que simplesmente indica
qual é o movimento do Tesão, sua afirmação diante da não
existência da eliminação do Tesão. Quando o Haver se fracta-
liza diante da não havência do não-Haver, este Terceiro Sexo

300 Sumário
Pequeno glossário da Nova Psicanálise

se modaliza em duas polaridades: Sexo Consistente, que imita


o Um do sexo resistente e faz uma universalização; e Sexo
Inconsistente, cujo modo de atingimento de gozo é na infiniti-
zação, sem designar fronteiras.

Simetria – Aquilo que é desejado pelo Haver e pelo psiquis-


mo, por imposição da catoptria, de acordo com ALEI: Haver
desejo de não-Haver.

Simetria, Quebra de – A fractalização do Haver diante de


um espelho absoluto, por desejar seu avesso catóptrico e não
conseguir atingi-lo. Ocorre pelo fato de não-Haver ser impos-
sível. Inclui o que Freud chamou de castração e indicou como
recalque originário (Urverdrangung).

Sobredeterminação – Imensa gama de elementos, de forma-


ções que determinam a vida da gente. Podem ser de nível Pri-
mário ou Secundário.

Transcendência – Suposição de que há algo para além de


nós.

Um – Tomar o Haver como um todo. Experiência radical de


solidão absoluta e de reconhecimento de que há Um. Chegar
à experiência de Haver diante de um não-Haver radical põe
a experiência da totalidade como Um. Lugar onde todas as
diferenças se suspendem.

Sumário 301
Referências
Links de leitura

ALONSO, Aristides. A máquina de Turing e a máquina


do Revirão: computar, calcular e pensar. In:
LUMINA: Revista do Program de Pós-Graduação em
Comunicação/UFJF, v. 2, n. 2. dez. 2008.
_____. O revirão do universo: reversibilidade e
irreversibilidade na física, cosmologia e psicanálise.
In: TRANZ: revista de estudos transitivos do
contemporâneo. n. 4 - dezembro 2009 • ISSN: 1809-
8312 <www.tranz.org.br>
_____. Os neurônios-espelho e a mente espelho da Nova
Psicanálise. TRANZ: revista de estudos transitivos
do contemporâneo, n. 2, dez. 2007 • ISSN: 1809-8312
<www.tranz.org.br>
_____. Arte da pilotagem. In: Subjetividade e Escrita. Org.
Robson Pereira Gonçalves. Bauru, SP: EDUSC; Santa
Maria, RS: UFSM, 2000. p. 185-223
_____. Revirão: a nova mente da psicanálise. EXPRESSÃO
(Revista do Centro de Artes e Letras). Santa Maria:
UFSM, ano 3, no. 2, jul-dez 1999. p.92-100
_____. Aspectos do verbo Haver e seu uso na Nova
Psicanálise. In: TRANZ: revista de estudos transitivos
do contemporâneo. n. 5 - dezembro 2010 • ISSN: 1809-
8312 <www.tranz.org.br>

Sumário 303
A nova mente da máquina e outros ensaios

_____. “Era no início a ação!” – o Fausto de Goethe. In:


COMUM – Rio de Janeiro: Facha, 2002. v. 7 – nº
20 – p. 80-102.
_____. A queda para o alto: o Fausto de Marlowe. In:
COMUM – Rio de Janeiro: Facha, 2002. v. 9 – nº 22
– p. 39-55.
_____. O trágico: promessa de evento – o “Prometeu
acorrentado” de Ésquilo. In: COMUM – Rio de
Janeiro: Facha, 2002. v. 10 – nº 24 – p. 42-5.
_____. A música das esferas – o “Doutor Fausto” de Thomas
Mann. In: VOZES DIÁLOGO – Revista do Centro de
Educação e Humanidades da UERJ. Rio de Janeiro:
UERJ, 2005. v. 1 – nº 1, 94-111.
_____ e ARAUJO, Rosane [org.] O Futuro da Psicanálise.
Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2002.
______. ARAUJO, Rosane. Pensamento Original Made in
Brazil. Rio de Janeiro: Oficina do Autor/...etc/Finep,
1999, p. 185-189.
ALTSCHULER E. L., VANKOV A., HUBBARD E. M.,
ROBERTS E., RAMACHANDRAN V. S., PINEDA
J.A.. Mu wave blocking by observation of movement
and its possible use as a tool to study theory of other
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ANDERSEN, Hans Christian. A nova roupa do rei. São
Paulo: Martins, 2001.
ARAUJO, Rosane. A cidade sou eu. Rio de Janeiro:
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_____. O urbanismo em estado fluido. In: SILVA, Rachel
Coutinho Marques da. A Cidade pelo avesso. Rio de
Janeiro: Viana & Mosley, 2006 p. 41-58.
_____. La Ville, C’est Moi: l’orbanisme du XXIème siècle.
In: GRELET, Gilles (org.). Théorie-rebellion: um
ultimatum. Paris: L’Harmattan, (2005), p. 104-107.

304 Sumário
Referências

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Lupasco: o homem e a obra. São Paulo: Triom, 2001.
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BITTENCOURT, Guilherme. Inteligência artificial:
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A nova mente da máquina e outros ensaios

e-Links

Site oficial da NovaMente


www.novamente.org.br

Editora NovaMente com as obras de MD Magno


www.novamenteeditora.com.br

Arquitetura, urbanismo e psicanálise


www.acidadesoueu.com.br

Aristides Alonso
www.aristidesalonso.pro.br

Ciência Hoje
www.cienciahoje.pt

Ray Kurzweil
www.kurzweilai.net

Hans Moravec
www.frc.ri.cmu.edu

TRANZ - Revista de Estudos Transitivos do Contemporâneo


www.tranz.org.br/

CNPq - Diretório de Grupos de Pesquisa


lattes.cnpq.br

Revista eletrônica Lumina da Faculdade de Comunicação


da UFJF
www.facom.ufjf.br

320 Sumário
Referências

Wired
www.wired.com

Ed Fredkin
www.digitalphilosophy.org

Stephen Wolfram
www.wolframscience.com

Marcel Duchamp
www.artpool.hu

Alan Turing
www.alanturing.net
www.turingarchive.org

The McLuhan Program in Culture and Technology -


Universidade de Toronto
www.mcluhan.utoronto.ca

A cultura do Silicon Valley


www.siliconvalley.com

Sumário 321
Formato
14 x 21 cm

Mancha
10 x18 cm

Tipologia
Times New Roman, Humnst 777 BT,
Humanst 521 lt BT

Corpo
12,0 / 16,5 / 11,0

Número de páginas
322

Sumário

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