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2 Treinamento e desenvolvimento

Treinamento
complementarmente a gestão de empresas e de pessoas — o que inclui
estratégias de treinamento e de desenvolvimento — nas organizações

e desenvolvimento
pós-globalizadas.
Neste capítulo, você vai estudar as noções de treinamento e de de-
senvolvimento sob os pontos de vista histórico e da prática situada na
cotidianidade organizacional, vai aprender sobre a capacitação de cola-
Objetivos de aprendizagem boradores, imbricada à noção de vantagem competitiva nas empresas
contemporâneas, bem como vai conhecer as relações possíveis entre
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: desenvolvimento humano e empregabilidade.

 Diferenciar treinamento de desenvolvimento de pessoas.


 Explicar por que investir na capacitação dos funcionários é funda- Treinamento e desenvolvimento de pessoas
mental para o alcance de vantagem competitiva.
 Relacionar treinamento e desenvolvimento com o conceito de A pluralidade de definições e interpretações na área de conhecimento da gestão
empregabilidade. de pessoas pode, por um lado, conduzir e atualizar o conjunto de atividades
realizadas para o alcance de objetivos organizacionais e pessoais; por outro,
pode estabelecer lacunas nas práticas dos profissionais de gestão de pessoas
Introdução nas organizações. Essas lacunas ocorrem especialmente porque a dificuldade
de diferenciar treinamento e desenvolvimento pode levar a esforços incipientes,
O controle do fogo, há mais de dois milhões de anos, pelos nossos ancestrais, na medida em que o ponto de partida, a caminhada e o ponto de chegada em
significou uma nova fonte de calor e ensejou novas maneiras de preparar treinar, desenvolver e educar não é facilmente identificado por organizações,
alimentos. Tal conhecimento desenvolvido pelo Homo erectus, de raciocínio líderes e colaboradores (VARGAS; ABBAD, 2006). Dessa forma, a seguir, a
mais evoluído, resultou de inúmeras tentativas de fricção entre pedras. presente seção do capítulo apresentará definições, estabelecendo principais
A intensidade da faísca, como resultado parcial, conduzia o homem pré- diferenças entre treinamento e desenvolvimento, fundamentalmente para a
-histórico a utilizar mais e menos força, pedra, imprimindo velocidade na prática de gestão de pessoas.
realização da atividade. Podemos inferir que o homem realizou treinamento Vamos construir um exemplo como nosso ponto de partida? Pense na escola
para alcançar esse objetivo específico — controlar o fogo —, que alavancou onde você estudou no ensino básico. Você lembra do nome de sua primeira pro-
a evolução humana desde então. Contemporaneamente, após incessan- fessora? A escola é uma instituição que tem como objetivo o desenvolvimento
tes processos evolutivos, a complexidade do desenvolvimento humano, humano em múltiplas formas de comunicação, de criação, de sociabilidade,
exponencialmente crescente, alavancou novos modos de produção, de a partir de um projeto pedagógico específico. Você lembra de quando ainda
organizar e de compartilhar o processo de trabalho. A tecnologia e o acesso estava na escola, no ensino fundamental, e, ao longo de seu desenvolvimento
instantâneo a informações aceleram, ainda mais, a competitividade entre pedagógico, provavelmente teve que treinar com foco e atenção a leitura e
mercados, empresas e pessoas. Na esteira desse fenômeno, a engenho- a redação das primeiras palavras? Geralmente, os projetos pedagógicos das
sidade taylorista da repetição para a produção em menos tempo ganha escolas estão focados no letramento e na alfabetização nos anos iniciais. Com
novos contornos e exigências. Paulatinamente, os movimentos econômicos, isso, podemos depreender, em primeiro lugar, que a ideia de desenvolvimento,
políticos, sociais e tecnológicos redefiniram as relações do homem com o na organização escolar, é mais ampla do que a de treinamento.
trabalho e com a realização das atividades. A criatividade, a autonomia, a Anos depois, já no ensino médio, as exigências são ampliadas tanto pelo
excelência técnica, a habilidade relacional e a polivalência passaram a ser conjunto de experiências anteriores que você teve ao longo do desenvolvimento
sinônimo de vantagem competitiva. Essa pluralidade de elementos integra escolar quanto pela fase do ciclo vital, que pauta novas possibilidades para
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a aprendizagem e o desenvolvimento. Veja, para compreender a fórmula de


adolescentes, Piaget desenvolveu um modelo teórico para a construção da inteligência
Bhaskara, você precisa, antes, conhecer as operações básicas, como a soma, — “ligada à ação e à interação com o meio” (CAETANO, 2010, p. 2). Em sua vasta trajetória
a divisão, e a multiplicação (TREVISAN; AMARAL, 2016). Para concluir o científica, “[...] o autor produziu uma vasta obra, com mais de 50 livros e 300 artigos,
ensino médio, dessa maneira, tanto quanto você deve ter precisado repetir as recebeu mais de 30 doutoramentos honoris causa” (CAETANO, 2010, p. 2).
operações básicas, também deve ter treinado, diversas vezes, problemas para Para saber mais sobre como a teoria de Piaget pode ajudá-lo a refletir sobre o seu
desempenho na escola na operacionalização da fórmula de Bhaskara, conforme
compreender as possíveis relações entre geometria e equações do segundo falamos anteriormente, por exemplo, ou para refletir sobre a gênese do conhecimento
grau. Junto a isso, a chegada da adolescência e a nova capacidade de pensar relacionada à lógica e à matemática, acesse o link a seguir, em que você pode ler o
sobre coisas ainda desconhecidas ensejam nova fase de desenvolvimento trabalho dos pesquisadores da Universidade de Campinas Alexandre Augusto Ferraz
(operatório abstrato, aos 12 anos, aproximadamente), na qual avançamos na e Ricardo Perereira Tassinari.
complexidade de observar e interpretar o mundo, estabelecendo novas relações
https://qrgo.page.link/3Qkn5
entre as coisas e os acontecimentos (PIAGET, 1972). Em síntese, Piaget (1972)
postulou o desenvolvimento humano em diferentes estágios, os quais você
confere a seguir (ABREU et al., 2010).
Diante disso, você poderá estar se perguntando sobre a pertinência dessas
 Sensório motor (0–2 anos): noção do eu (o eu e o mundo-diferenciação). reflexões. Por que fui convidado a revisitar minhas primeiras experiências
Alcança “equilíbrio biológico e cognitivo que permite constituir estru- escolares? Por que diferentes estágios do desenvolvimento da criança estão
tura linguística por volta dos 12 - 18 meses” (ABREU et al., 2010, p. 363). elencados em um capítulo sobre treinamento e desenvolvimento? De que forma
 Pré-operatório (2–7 anos): narrar fatos e interpretar situações; lin- essas reflexões podem fundamentar diferenças entre treinamento e desenvol-
guagem e assunção de uma identidade. vimento, tanto na definição teórica quanto na prática organizacional? O que
 Operatório-concreto (7–12 anos): peso, volume, substância, relações; acompanha centralmente a questão do desenvolvimento é a ideia de continuidade,
sociabilidade e afetividade; capacidade de coordenar ações. crescimento e aprendizagem como práticas inacabadas. Desde que nascemos,
 Operatório formal (a partir dos 12, 13 anos): estado de equilíbrio, estamos constantemente nos desenvolvendo ao longo do ciclo vital e de seus
aproximadamente em torno dos 14, 15 anos; operações se deslocam incontáveis atravessamentos.
da tão somente manipulação concreta; raciocínio hipotético-dedutivo. No entanto, o fato de aprendermos a fórmula de Bhaskara somente anos
depois de nossas primeiras experiências com os números sugere (com auxílio
da teorização piagetiana) que o processo de desenvolvimento humano, desde
a mais tenra idade até a vida adulta, orbita em torno de processos complexos
que não prescindem de experiências em processos básicos anteriores (PIAGET,
1972; ABREU et al., 2010). Além disso, o meio em que este desenvolvimento
ocorre, com as diferentes relações que estabelecemos, é imperioso no resultado
Jean Piaget nasceu na Suíça, em 1896, e é um dos nomes mais proeminentes na área dessa trajetória de crescimento. Nesse sentido, podemos depreender que “boas
do desenvolvimento humano. Ainda criança, Piaget demonstrou interesse especial práticas” de gestão de pessoas — incluindo captação, seleção, treinamento,
pela natureza: “[...] considerado uma criança precoce, desde cedo demonstrou interesse desenvolvimento (técnico, engajamento, motivação, saúde, bem-estar no traba-
pela observação da natureza e pela organização sistematizada dos dados coletados, lho) — para a superação de resultados mensuráveis no âmbito organizacional
tanto que aos onze anos publicou um pequeno artigo científico a respeito de suas
observações de um pássaro albino” (CAETANO, 2010, p. 1).
compreende um amplo conjunto de experiências, ações, relações.
Formado em biologia, Piaget desenvolveu teorias verificáveis (métodos científicos Mais pormenorizadamente, para o debate acerca do tema treinamento e
rigorosos) para esboçar a sua Teoria Epistemológica Genética: ao pesquisar o de- desenvolvimento, do exemplo supracitado (alusivo às possibilidades da teoria
senvolvimento humano, especialmente a partir da observação de bebês, crianças e piagetiana), podemos interpretar que a relação com a leitura, com a escrita, com
as fórmulas matemáticas do ensino médio, tanto a sua quanto a de seus colegas
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de classe — de mesma faixa etária (fase de desenvolvimento aproximadas) e percebidas, compreendidas e utilizadas em benefício mais amplo” (VARGAS;
expostos à mesma orientação da professora da disciplina, ao mesmo material ABBAD, 2006, p. 138). No contexto da organização contemporânea, o termo
didático e período escolar — são diferentes e singulares. Isso ocorre porque, “treinamento e desenvolvimento”, que surgiu no cenário empresarial norte-
embora as reflexões de Piaget (1972) estejam alicerçadas em uma perspectiva -americano, frequentemente é associado à estratégia organizacional para o
ampliada de conhecimento, “[...] relacionado a organizar, estruturar e explicar alcance de metas e objetivos, a partir da ampliação de habilidades sociais, rela-
o mundo em que vivemos — incluindo o meio físico, as ideias, os valores, as cionais, criativas, conhecimentos técnicos e operacionais, inovação tecnológica,
relações humanas, a cultura de um modo mais amplo — a partir do vivido de colaboradores e lideranças.
ou experienciado” (CAVICCHIA, 2010, p. 1), a idade de amadurecimento, de Mas, afinal, qual é a diferença entre treinamento e desenvolvimento? Para
vivência em cada fase depende de onde você mora, com quem, quem são seus responder a essa questão, partimos da ideia de que nem todo treinamento
amigos, colegas, onde você estuda, onde você brinca, quanto tempo dedica aos desdobra-se em desenvolvimento (não podemos depreender relação direta,
estudos, assim como da relação que você, individualmente, considerando seus do tipo causa e consequência), mesmo que, no escopo de gestão, no planeja-
singulares processos psicológicos e individuais, consegue estabelecer com tais mento e na prática de políticas de gestão de pessoas, os termos treinamento e
elementos. desenvolvimento sejam, muitas vezes, apresentados em complementariedade
Nesse contexto, se você, hipoteticamente, tivesse se desenvol- (treinamento e desenvolvimento — “T&D”). Isso pode ser explicado, dentre
vido com um irmão gêmeo — que mora na mesma casa, têm os mes- outras razões, porque o gatilho de aprendizagem alavancado pela imersão em
mos amigos, a mesma atenção parental, estuda na mesma escola um tema, treinamento específico, somente poderá ser observado ao longo do
—, não necessariamente vocês iniciariam, juntos, no dia do aniversário de 12 tempo e da prática organizacional.
anos, o estágio operatório completo (PIAGET, 1972; ABREU et al., 2010). Essas Em termos teóricos, a noção de treinamento também acompanhou as atu-
proposições de estágios são tão somente possibilidades para o desenvolvimento, alizações das organizações ao longo do tempo, mas, de forma geral, conforme
e a concretização dependerá das vivências, orquestradas pela ação de cada um sistematizaram Vargas e Abbad (2006, p. 140), pode ser compreendida como ação
ao longo desse desenvolvimento e por uma miríade de características sociais, específica para indução da aprendizagem com foco na melhoria do desempenho
psicológicas, dentre outras. Logo, ainda na mesma hipótese, se o seu irmão gêmeo no trabalho (NADLER, 1984); como o esforço organizacional para pautar a
tivesse apresentado dificuldade em matemática, mas, diante disso, treinado (ação) aprendizagem de comportamentos relacionados à realização do trabalho (WEX-
mais do que você, poderia ter alcançado desempenho destacado em relação ao LEY, 1984); como a aquisição sistemática de atitudes, conceitos, conhecimentos
seu. De outra maneira, se ele estudasse em classe diferente da sua, recebendo e habilidades voltados para a tarefa (GOLDSTEIN, 1991). Em perspectivas
estímulos de outra professora, poderia ter estudado menos, apresentando, da mais contemporâneas, como a de Rosenberg (2006, p. 169), o treinamento
mesma maneira, performance diferenciada. Analogamente, as questões de está voltado “[...] para formatar a aprendizagem em uma direção específica”.
treinamento e desenvolvimento nas organizações podem (e devem) ser pensadas O treinamento, assim, envolve intencionalidade, condução da organização em
a partir dessa complexa relação entre o conhecimento e o meio no qual nós nos processos sistemáticos.
desenvolvemos, considerando a singularidade da experiência humana.
Isso posto, imergindo nos termos e temas da área, do ponto de vista histórico,
a questão de treinamento e desenvolvimento remonta “[...] aos primórdios da
civilização, quando o homem da caverna repassava aos seus descendentes os
conhecimentos básicos que asseguravam a sobrevivência e a continuidade da
espécie humana” (VARGAS; ABBAD, 2006, p. 138). A partir daí, paulatina- Na cotidianidade prática de uma organização X, por exemplo, frente ao diagnóstico
mente (e especialmente após a Segunda Guerra Mundial, em 1945), frente às de clima organizacional (pesquisa realizada somente com colaboradores), a área
de gestão de pessoas identificou a necessidade de desenvolver seus líderes. Um
atualizações, com a inserção de novos instrumentos e da tecnologia, nos modos
grupo de trabalho da equipe de gestão de pessoas, então, desenvolveu o programa
de viver e de trabalhar, e ao exponencial aumento da especialização do trabalho, de desenvolvimento de lideranças X. O programa consistia em um final de semana
“[...] as atividades de treinamento e desenvolvimento de pessoas passaram a ser
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de imersão com palestras, dinâmicas, debates, exercícios práticos, relacionados ao


ele performará também no trabalho. O desenvolvimento, por fim, pressupõe
desenvolvimento técnico para o exercício da liderança. Foram convidados a participar um processo de aprendizagem mais amplo (pode incluir o treinamento em
do treinamento os líderes das diferentes áreas da empresa, sem participação dos cola- alguma perspectiva), mas não está focado exclusivamente no posto de trabalho
boradores. Após 36 horas de formação, o desenho do projeto previa, ainda, a utilização (VARGAS; ABBAD, 2006). Com isso, podemos interpretar que o programa
de instrumentos de avaliação do programa, os quais foram realizados ao final de cada
voltado para as lideranças na organização X foi prematuramente avaliado
dia de treinamento. Após a mensuração estatística dos dados e a interpretação positiva
do programa pelos líderes, a empresa constatou que o objetivo para a atualização das em um contexto de aprendizagem reduzido. O desenvolvimento do indivíduo
lideranças — desenvolvimento — foi alcançado. no escopo da gestão de pessoas, assim, envolve o desenvolvimento humano
em processos de aprendizagem que transcendem o conjunto de experiências
profissionais, formação técnica, treinamentos.

A partir, então, do exemplo da organização X, podemos depreender que,


embora este programa de desenvolvimento de liderança X contemple os quatro Capacitação de colaboradores e vantagem
elementos principais do treinamento previstos por Rosemberg (2006) — quais competitiva
sejam, 1) intenção “de melhorar um desempenho específico”; 2) o desenho “que
reflete a estratégia instrucional”; 3) os meios “pelos quais a instrução é entregue”; A ação de capacitar os seus colaboradores pode gerar vantagem competitiva
4) a avaliação com variação dos níveis de complexidade (VARGAS; ABBAD, para as empresas em diferentes aspectos. Antes de adentrarmos nessa reflexão,
2006, p. 141) —, ainda assim, é precoce a avaliação por parte da empresa de vamos fazer um exercício a partir de uma competição esportiva aquática.
que os líderes, egressos do treinamento, alcançaram desenvolvimento relacio- Imagine um atleta de alta performance com o objetivo de ganhar a medalha
nado ao exercício de liderança em diferentes áreas da organização sem antes de ouro, o primeiro lugar, a liderança, em uma competição de alto nível e
acompanhar a prática da liderança propriamente dita. Além disso, o treinamento exigência, como uma Olimpíada; há, portanto, poucas chances para o errar
isolado, à parte da dinâmica de realização das atividades e do compartilhamento entre os competidores, também de alta performance, de diferentes lugares
entre líderes, líderes e liderados, na cotidianidade organizacional, não implica do mundo, com acesso a variadas tecnologias para preparação pré-olímpica.
aprendizagem e desenvolvimento para as diferentes exigências e especificidades
que integram a liderança na organização como um todo.
Assim, o desenvolvimento, por sua vez, conforme explicou Nadler (1984),
pressupõe aprendizagem, mas não necessariamente voltada a uma tarefa es-
pecífica. No entanto, ao tratar a questão da formação de liderança de forma
genérica e descolada da prática, a empresa X contemplou parcialmente, em seu
programa, as intenções voltadas para o desempenho específico dos líderes, uma
vez que a ideia de liderança contemporânea sugere a horizontalização de práticas
e a participação integrativa, construídas junto ao contexto, às contingências
de demandas e recursos, à equipe de trabalho — no bojo da realização das
atividades voltadas para as metas organizacionais (VARGAS; ABBAD, 2006).
Adicionalmente, conforme Vargas (1996), o desenvolvimento pode ser
compreendido como o novo conhecimento que promove mudança a curto ou
longo prazo; já Sallorenzo (2000) chama à cena a importância de observarmos o
Figura 1. Nadador em uma competição de natação.
desenvolvimento para além da cena específica do contexto de trabalho. Há de se
Fonte: Nejron Photo/shutterstock.com.
considerar, explica a autora, o desenvolvimento em perspectivas mais holísticas
para os diferentes contextos do indivíduo, os quais integram a maneira como
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Na Figura 1, podemos identificar um nadador em esforço na piscina e para seus compradores e que ultrapassa o custo de fabricação pela empresa”
imaginar que está à frente na competição, com leve vantagem. Os esportes (PORTER, 1985, p. 3). Disso decorre que a noção de valor “[...] é o montante que
aquáticos de alto nível, em geral, são bastante disputados: o pódio em uma os compradores estão dispostos a pagar por aquilo que a empresa lhes oferece”
competição de natação olímpica, especialmente a disputa pela medalha de (PORTER, 1985, p. 38). Em segundo lugar, Barney (1991, p. 102), em estudos
ouro, pode ser definido por milésimos de segundos de diferença entre os realizados pela Resource-Based Theory (RBT), argumentou que uma empresa
nadadores. Antes desse momento, no entanto, há uma rigorosa e exigente “[...] possui vantagem competitiva quando implementa uma estratégia de criação
preparação por parte do atleta para garantir (DANTAS, 2003), em primeiro de valor que não pode ser simultaneamente implementada por qualquer outro
lugar, o direito de competir nos jogos olímpicos nas disputadas etapas clas- competidor corrente ou potencial” (ITO et al., 2012).
sificatórias. A Federação Internacional de Natação (FINA) define índices, Dessa forma, a inovação em processos e produtos e no desenvolvimento
números de vagas e a agenda da etapa classificatória no longo caminho até de competências é um caminho possível no cenário organizacional, para
as Olimpíadas (BRAUER JÚNIOR; BENTO, 2018). a geração de valor (BITENCOURT; AZEVEDO; FROEHLICH, 2013), no
O nadador conta, cada vez mais, com a utilização da tecnologia para reduzir ambiente de negócios globalizado e competitivo. Assim, estrategicamente,
o tempo de prova e potencializar a sua performance, incluindo a utilização de as competências organizacionais, por exemplo, “[...] podem (e devem) estar
roupas especiais para diminuir o atrito do corpo com a água. Além disso, a relacionadas à capacidade da organização [...] para buscar, constantemente,
preparação de um atleta profissional exige conhecimentos multiprofissionais, ofertar produtos e serviços que satisfaçam seus clientes [...] e que, concomitante-
envolvendo um conjunto de especialistas em diferentes áreas do conhecimento: mente, [...] representem diferencial difícil de imitar frente a seus concorrentes”
educador físico, fisioterapeuta, médicos, nutricionistas, psicólogos, técnicos (BITENCOURT; AZEVEDO; FROEHLICH, p. 2).
em natação, entre outros. No entanto, para chegar às competições olímpicas De modo adicional, o foco no desenvolvimento humano individual, no debate
com fôlego para disputar uma medalha, os atletas precisam mais do que foco, da vantagem competitiva, está relacionado, por sua vez, “[...] ao desenvolvimento
tecnologia e uma excelente equipe, pois todos os nadadores que se classificam das pessoas para que a organização possa ter um desempenho mais eficaz e possa
para uma Olimpíada possuem altíssimo nível. Para os que já conquistaram a agregar valor aos diferentes colaboradores envolvidos: funcionários, acionistas
medalha, a exigência é ainda maior, pois é necessário, a partir disso, superar e clientes” (BITENCOURT; AZEVEDO; FROEHLICH, 2013, p. 42).
os próprios números para manter-se entre os mais bem colocados.
Pelo exposto, o exemplo do nadador pode ilustrar a necessidade crescente
de ações de capacitação de pessoas nas empresas de modo geral. Sob esse
aspecto, o atleta, tanto quanto as organizações, para obter algum tipo de
vantagem competitiva, depende não somente de tecnologias, investimentos
financeiros, mas também de buscar desenvolvimento humano continuado e Dentre as escolas de pensamento que voltaram seus esforços para o entendimento de
crescente, tanto individual quanto de sua equipe, para a mobilização de com- competências, os seguintes estudiosos francês destacaram-se neste debate.
 Le Boterf (2003, p. 267): “[...] assumir responsabilidades frente a situações de trabalho
petências necessárias para a construção de diferenciais competitivos, frente
complexas, buscando lidar com eventos inéditos, surpreendentes, de natureza
a adversários e concorrentes diferenciados (BITENCOURT; AZEVEDO; singular”. Nessa linha, Bitencourt, Azevedo e Froehlich (2013) explicam que o autor
FROEHLICH, 2013). entende a competência como resultante da intersecção de três principais eixos: a
pessoa, a sua formação educacional e sua experiência profissional.
 Zarifian (2001, p. 66): chama ao debate, complementarmente às ideias de Le Boterf,
Capacitação: nas trilhas de novas competências a questão da ação situada, ou seja, do momento da ação, o que chamou de evento.
Para o autor, a empresa tem o papel de avaliar e identificar a sua responsabilidade
Em termos teóricos, a definição de vantagem competitiva pode ser compreendida pelo desenvolvimento de competências: “[...] a competência profissional é uma
a partir de diferentes correntes de pensamento. Em primeiro lugar, pela lente combinação de conhecimentos, de saber-fazer, de experiências e comportamentos
da corrente da Análise do Posicionamento Estratégico (APE), “[...] a vantagem que se exerce em um contexto preciso”.
competitiva surge fundamentalmente do valor que uma empresa consegue criar
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Desenvolvimento e empregabilidade: Quadro 1. Mercado de trabalho e empregabilidade: aspectos históricos


relações possíveis
Período Principais aspectos
Na presente seção, com vistas a estabelecer relações entre treinamento,
Início do século XX Empregabilidade para distinguir capacidade de
desenvolvimento e empregabilidade, iniciamos com reflexões acerca da as pessoas estarem empregadas na sociedade
noção de empregabilidade. No dicionário de verbetes da língua portuguesa, industrial.
por exemplo, o termo empregabilidade diz respeito “à capacidade que uma
Após a 2ª Guerra Mundial A conclusão de um curso de ensino superior
pessoa possui para conseguir emprego; propriedade do que é empregável” garantia a inserção no mercado de trabalho. Em-
(LUFT, 2006, p. 267). Da acepção semântica para a prática, é importante pregos de longa duração, segurança no trabalho
relacionarmos a ideia e as possibilidades de empregabilidade ao contexto, qualificado e seguro.
ou seja, associar às movimentações do mercado de trabalho, para além do Crise econômica, política Novo paradigma: ampliação da necessidade de
conjunto de experiências e conhecimentos de ações de treinamento e de e cultural dos anos 60 desenvolvimento e qualificação, mesmo dos mais
desenvolvimento profissional tão somente. (Revolução Estudantil) qualificados. As empresas passam a exercer uma
De modo ampliado, no escopo da gestão de pessoas e das relações forte pressão sobre as escolas superiores para
Crise do petróleo
que os seus cursos ofertem treinamentos para a
de trabalho, originalmente, conforme explica Campos (2006), o termo integração dos licenciados nas novas dinâmicas
Inovações sociais e
empregabilidade passou a ser utilizado, principalmente a partir dos anos do mercado de trabalho.
tecnológicas
1990, “[...] pelos trabalhadores, empresários, meios de comunicação, polí-
ticas educacionais”, bem como pelos pesquisadores, a partir de diferentes Desregulamentação Nova relevância para a empregabilidade: pessoas
neoliberal dos perceberam que suas qualificações são etéreas e
perspectivas, alinhadas, de modo geral, “[...] à ideia de desenvolvimento mercados e da revolução que a inserção no mercado de trabalho decorre de
como uma alternativa de enfrentamento das demandas que o mercado tecnológica global desenvolvimento contínuo.
atual impõe” (CAMPOS et al., 2008, p. 161). Tal demanda, resumem He-
Esvaziamento de postos A inserção da tecnologia na vida laboral, como nos
lal e Rocha (2011, p. 140), “[...] reflete o agravamento da crise pela qual de trabalho (anos 1990) bancos, propiciou um elevado número de demis-
passa o mercado de trabalho em todo mundo em função da diminuição sões: ficar desempregado na meia-idade colocava
do número de empregos formais e do aumento dos níveis de desemprego novos problemas à sociedade.
e de trabalho informal”. Brasil, governo Fernando Durante o governo, ocorreu “ação pública brasi-
Disso decorre que a apresentação e a compreensão do conceito de Henrique Cardoso (1994) leira para qualificação profissional”. Neste sentido,
empregabilidade, ao longo da história, exige esforços para alinhamentos Oliveira (2004, p. 141) explica que para o Ministério
da qualificação profissional diante dos engendramentos econômicos e so- do Trabalho, à época (MEHDEFF, 1996), “o conceito
de ‘empregabilidade’ foi lançado por especialistas
ciohistóricos que arregimentam as movimentações do mercado na geração em outplacement”. Esta última “representa um
de empregos e oportunidades. Observe, no Quadro 1, a seguir, informa- serviço prestado por especialistas em recursos
ções sobre a história da empregabilidade no contexto da dinamicidade do humanos às empresas, objetivando melhor enca-
mercado de trabalho. minhar o processo de dispensas de profissionais
de nível superior” (OLIVEIRA, 2004, p. 141).

Fonte: Adaptado de Miragaia e Carvalho (2012); Oliveira (2004).


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Dessa maneira, a definição de empregabilidade relacionada ao desenvol-


vimento exige cautela para a realização de uma análise criteriosa, tanto pela
atualização tecnológica quanto pela dinamicidade do conhecimento, somada
a questões sociais e políticas, a atualizações decorrentes de diferentes planos A inserção tecnológica em larga escala em nossa vida pauta a flexibilização do tra-
balho de diferentes maneiras. A inserção dos aplicativos para a facilitação das nossas
de governo, entre outros. Nesse contexto, dada a renovação contínua das atividades diárias, ao mesmo tempo que esvazia, cada vez mais, postos de trabalho
contingências econômicas e a crescente informalidade do trabalho a partir dos em bancos e centrais de atendimento, por exemplo, concomitantemente, oportuniza
anos 2000, a crescente flexibilização da economia engendra novos modos de novas maneiras de prestação de serviços informais.
relações de trabalho e de produção. Logo, o desenvolvimento de competências A empresa americana Uber, por exemplo, tornou-se, em pouco tempo, uma das
maiores do mundo. A Uber não se apresenta como uma empresa de transporte, mas
— conhecimento (saber) para atender o perfil de uma determinada função,
como uma prestadora de serviços eletrônicos na área do transporte. Isso significa que,
habilidade (saber fazer) para a realização das atividades da função que deve embora a empresa tenha perdido ações trabalhistas para motoristas que processaram
ser exercida, atitude (saber ser) para comportamentos exigidos para o desem- a empresa exigindo direitos trabalhistas de acordo com as leis de cada país, não existe
penho da função (MORELLO; FROEHLICH, 2010) — é imprescindível para vínculo empregatício entre o motorista que realiza cadastro para transportar passageiros
a inserção profissional, mas não garante o vínculo empregatício. por meio do aplicativo da empresa.
Essa relação, assim, não é de emprego (BRASIL, 1964), conforme defende a empresa, já
Mais especificamente no cenário brasileiro, nos anos 2000, a flexibili-
que se apresenta como uma plataforma tecnológica de mediação entre passageiros e
zação da economia, conforme explica Pochmann (2001), causa impactos no motoristas: “ao conectar passageiros e motoristas, a Uber cria milhares de oportunidades
mercado de trabalho. A aparente desestruturação do mercado de trabalho flexíveis de geração de renda, enquanto oferece a milhões de pessoas uma nova
brasileiro pode, dessa maneira, ser associada aos “[...] novos conhecimentos alternativa para se locomover pelas cidades” — argumenta o advogado da empresa
tecnológicos, às exigências empresariais de contratação de empregados com em ações trabalhistas (UBER, 2019, documento on-line).
Na esteira de análise desse novo fenômeno, podemos recuperar a ideia de traba-
polivalência multifuncional”, bem como “[...] ao maior nível de motivação e lhabilidade, vinculada às alternativas de ocupação e renda, com colaboração focada
habilidades laborais adicionais no exercício do trabalho” (HELAL; ROCHA, nos resultados.
2011, p. 140). Assim, uma vez que o termo empregabilidade remete à condição Em sua próxima viagem com a utilização de um aplicativo de transporte, pergunte
de o colaborador constantemente desenvolver-se para manter-se empregado ao motorista sobre desenvolvimento, formação e carreira.
(LAVINAS, 2001), legitima, consequentemente, sua habilidade para manter
seu vínculo.
Por fim, o mundo do trabalho e das organizações na contemporaneidade
exige constante adaptação da mão de obra, com abertura e responsabilização
pelo desenvolvimento intrínseco à empregabilidade, então pautada por globa-
lização, competitividade e reestruturação industrial (HELAL; ROCHA, 2011).
ABREU, L. C. et al. A epistemologia genética de Piaget e o construtivismo. Journal of
Human Growth and Development , v. 20, n. 2, p. 361–366, 2010.
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