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Políticas e práticas de formação em grandes


empresas: situação actual e perspectivas
futuras

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Alda Bernardes
University of Lisbon
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Políticas e práticas de formação em grandes empresas


— Situação actual e perspectivas futuras

Alda Bernardes
aldabernardes@gmail.com
Doutoranda em Ciências da Educação, área de especialização
em Formação de Adultos (FPCE­‑UL)

Resumo:
O presente artigo visa traçar uma primeira perspectiva da situação da formação nas gran‑
des empresas e dar um contributo crítico para a compreensão das lógicas subjacentes às
suas políticas e práticas de formação. Baseia­‑se nos resultados de um estudo explorató‑
rio realizado em 26 grandes empresas Nacionais e Transnacionais a operar em Portugal.
Com a informação recolhida, obtiveram­‑se conhecimentos sobre o que se está a passar
no campo da formação nas empresas e foi possível identificar um conjunto de tendências.
Para ajudar a compreender a realidade observada, apresenta­‑se uma proposta tipológica
que fornece elementos iniciais para orientar na caracterização das políticas e práticas de
formação nas empresas. Os tipos de formação encontrados classificaram­‑se em: Formação
tradicional e utilitarista, Formação estratégica e orientada para a resolução de problemas,
Formação orientada para o desenvolvimento pessoal e social.

Palavras­‑chave:
Educação de adultos, Formação contínua, Políticas de formação, Recursos Humanos.

Bernardes, Alda (2008). Políticas e práticas de formação em grandes empresas —Situação actual
e perspectivas futuras. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 06, pp. 57-70.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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Este estudo enquadra­‑se numa investigação em Educação e formação profissional:
curso, no âmbito do doutoramento em Ciências da perspectivas
Educação, na área da Formação de Adultos. Visa
compreender as lógicas da formação que é propor‑ A problemática da formação remete para a discussão
cionada pelas empresas aos trabalhadores. Os estu‑ dos conceitos de educação e de formação. Se a edu‑
dos e a investigação produzida sobre formação nas cação se refere ao “desenvolvimento do indivíduo no
empresas, nos últimos anos, caracterizam­‑se por sentido global, sem nenhuma relação específica com
conclusões gerais desenhadas a partir de análises o trabalho” (Pineda, 1995, p. 23), parece­‑nos interes‑
estatísticas e de dados quantitativos. Este estudo sante que a formação possa conter essa dimensão de
propõe explorar o conceito de formação contínua educação, de formação geral e de desenvolvimento
e as lógicas e práticas de formação nas grandes em‑ pessoal. O termo formação compreende, normal‑
presas, com base numa abordagem qualitativa. mente, mudanças ao nível profissional. Parece­‑nos,
No âmbito da investigação em curso, começámos no entanto, que desejavelmente a formação pode ter
por realizar um estudo exploratório, cuja proble‑ também um cariz de desenvolvimento pessoal e so‑
mática, metodologia e resultados são apresentados cial que, de alguma forma, se relacione depois com
neste artigo, em que foram feitas 26 entrevistas semi­ o trabalho actual ou futuro das pessoas.
‑estruturadas junto de responsáveis de Recursos Relativamente ao conceito formação, algumas
Humanos (RH) e de formação de grandes empre‑ definições são mesmo muito restritivas e demasiado
sas. Na primeira parte do artigo, aborda­‑se a proble‑ simplistas em termos das dimensões que o conceito
mática da formação contínua, no contexto das gran‑ pode encerrar. É o caso da que é dada pelo Thesau‑
des empresas, considerando várias perspectivas que rus do Cedefop que refere que “a formação na em‑
podem existir de acordo com diferentes estratégias presa é toda a formação profissional (…) dada nos
empresariais. Na segunda parte, procede­‑se a uma locais de uma empresa e a uma pessoa que tem o
apresentação da metodologia e dos resultados da status de trabalhador ou de empregado” (Viet, 1988,
pesquisa exploratória, sugerindo­‑se uma proposta p. 72). Esta perspectiva situa­‑se numa visão simplis‑
de tipologia para diferentes lógicas de formação. Fi‑ ta que não considera, por exemplo, os objectivos ou
nalmente, prospectiva­‑se a continuidade do estudo, os resultados que se supõem com a formação. Uma
apontam­‑se algumas linhas para o aprofundamento outra abordagem, igualmente circunscrita e funcio‑
do trabalho a realizar num conjunto reduzido de nalista, é a que considera que a formação contínua
empresas. dos trabalhadores se refere à sua capacitação para
exercer correctamente a sua profissão e as tarefas
exigidas para o seu posto de trabalho (Buckley &

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Caple, 1991; Pineda, 1995). Deste ponto de vista, o como “todo o processo pelo qual um indivíduo de‑
conceito assume­‑se como uma resposta a necessida‑ senvolve as competências requeridas nas tarefas rela‑
des actuais, podendo não antever as necessidades cionadas com o trabalho”2. Nela cabem as actividades
futuras. de formação que visam a aquisição de capacidades e
Outra visão possível pode ser a racionalista competências actuais e futuras. Sendo uma definição
que é orientada para a melhoria das operações e bastante geral, pode incluir todas as categorias de for‑
dos resultados económicos das empresas. Nesta vi‑ mação: formação formal e informal, formação no pos‑
são inscrevem­‑se as definições que remetem para a to de trabalho e formação em sala, formação específi‑
aquisição de destrezas com o objectivo de melhorar ca e formação geral. No entanto, é, ainda assim, uma
a performance como a que encontramos na literatu‑ definição que não clarifica se o tipo de competências
ra anglo­‑americana: “A formação é definida como a a que se refere inclui uma dimensão educativa ou de
aquisição sistemática de competências, regras, con‑ formação geral, no sentido de ser integradora e dar
ceitos ou atitudes que conduz à melhoria da perfor‑ uma visão global.
mance noutro ambiente” 1 (Goldstein, 1993, p. 3). Sarramona (1988), citado por Pineda (1995,
Esta definição é mais completa, na medida em que p. 24), referindo­‑se aos objectivos que a formação
abrange as várias aquisições de saberes e contém cumpre na empresa, apresenta uma perspectiva
uma referência aos resultados que devem notar­‑se, mais equilibrada, em que introduz uma dimensão
a posteriori, em ambiente real. de desenvolvimento pessoal e profissional. Con‑
Tendo a formação o propósito de produzir mu‑ sidera que além de habilitar de forma progressiva
danças no trabalhador que se repercutirão ao nível para realizar tarefas de maior, a formação deve ser
do trabalho, tal não tem que ocorrer apenas pela via uma fonte de satisfação profissional e de melho‑
da formação de cariz técnico. Também a formação ria das condições pessoais, ao mesmo tempo que
de cariz pessoal e social pode contribuir para as cobre as necessidades dos postos de trabalho.
melhorias ao nível do trabalho. Hoje a concepção Contudo, da consulta a uma vasta bibliografia, ra‑
Tipos de
utilitarista, em que apenas existe interesse se o indi‑
formação ramente emerge o conceito de formação, contem‑
víduo obtiver
: proveito pessoal e de curto prazo, foi plando o desenvolvimento integral da pessoa, tal
ultrapassada em muitas organizações, e a formação
Formaçã como acontece com a educação. De acordo com
assume­‑seo como um conjunto de aprendizagens que Buckley e Caple (1991, p. 2) a formação está mais
tradiciona
permiteml eo desenvolvimento de projectos pessoais orientada para o trabalho do que para a pessoa e,
de vida “em que a parte laboral é um aspecto mais,
utilitarista a educação, está mais orientada para a pessoa. Na
Formaçã
mas não é o único e nem, para algumas pessoas, o perspectiva destes autores, enquanto que a forma‑
o
mais importante”
estratégic
(Camps, 2005, p. 36). ção aborda conhecimentos e técnicas para levar a
Pelo exposto,
ae verifica­‑se que o próprio conceito cabo determinadas tarefas específicas, a educação
de formação pode ser limitativo e surgir associado a
orientada dota de estruturas mais teóricas e conceptuais con‑
para
intervenções em a que existe um formador, há conte‑ cebidas para estimular as capacidades analíticas e
resolução
údos, e sede pretendem mudanças de comportamento. críticas do indivíduo. A formação deve promover a
No entanto não tem que ser necessariamente assim:
problema autonomia dos indivíduos no sentido de estes pro‑
nem a formação tem que ser apenas técnica nos
s curarem sempre mais.
Formaçãnem os seus fins e objectivos têm
seus conteúdos, A formação pode, assim, enquadrar­‑se numa ló‑
o
que ser restritos,
orientadanão contemplando uma dimensão gica de acção social, na medida em que favorece a
educativa.paraEstaoposição não significa que se retire o promoção profissional e eleva os níveis de qualifica‑
desenvol
significado e valor à formação de carácter técnico e ção dos trabalhadores. As pessoas, as empresas e o
vimento
orientadapessoal
para a tarefa. Ela é importante e necessária país podem obter mais benefícios se a formação for
e reveste­‑se, muitas vezes, de uma enorme utilidade.
e social dotada desta componente de educação ou de forma‑
A definição apresentada pela OCDE (OECD, 1997, ção geral, no sentido de preparar para a vida e para
p. 19) é já mais abrangente na medida em que encer‑ uma cidadania activa.
ra outras dimensões que não apenas as competências
técnicas. Considera a formação (e desenvolvimento)

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Educação, formação e produtividade o investimento no “capital humano” e a “aprendiza‑
Hoje, é comum a formação e a aprendizagem serem gem ao longo da vida”.
associadas à possibilidade de contribuírem para o Existem, no entanto, vários autores (Canário,
desenvolvimento económico dos países e das empre‑ 2003, 2006a, 2006b; Charlot, 2005; Finger & Asún,
sas, para o mercado de trabalho e para a empregabi‑ 2003; Lima, 2005) que criticam, hoje, a racionali‑
lidade. Estudos da OCDE, por exemplo, têm divul‑ dade instrumental 4 que domina o mercado e à qual
gado que os países que mais investem em formação a Educação de Adultos se subordina. Também por
e que têm os seus sistemas de educação e de forma‑ esta se encontrar fortemente ligada à economização
ção mais desenvolvidos, são os que se mantêm mais da vida social (Finger & Asún, 2003, p. 16), ou por‑
competitivos na economia global (OECD, 1994). que “(…) privilegia a formação dos recursos huma‑
Praticamente, todas as investigações são unânimes nos, assume modalidades escolarizadas e dirige­‑se
em considerar que uma mão­‑de­‑obra altamente qua‑ à capacitação individual” (Canário, 2006a, p. 33).
lificada é um factor de crescimento macroeconómico Nesta mesma linha, Lima (2005, p. 45) critica “a
e de prosperidade individual. Este é também o pon‑ educação pública enquanto instrumento de produ‑
to de vista da teoria do capital humano. ção de ‘capital humano’”. Estes autores referem­‑se
A formação orientada para a produtividade, para à instrumentalização da Educação de Adultos quer
a modernização da economia, ligada à produção de através da “subordinação funcional das políticas de
mão de obra qualificada e à empregabilidade, cor‑ educação e de formação à racionalidade económi‑
responde ao “modelo económico produtivo” (Sanz ca” (Canário, 2006a, p. 29), quer pelo facto de que
Fernández, 2006) que pode ainda subdividir­‑se “a formação contínua cada vez mais alimenta as
quer na formação profissional do tipo vocacional, empresas — uma tendência ilustrada, por exemplo,
com carácter profissionalizante, normalmente dis‑ pelo facto de a maior parte do dinheiro da União
ponibilizada pelos centros de emprego, centros de Europeia para formação ser canalizada para empre‑
formação ou por associações empresariais, quer na sas e sindicatos, assim transformando a formação
formação contínua, promovida pelas organizações e contínua num negócio lucrativo” (Finger & Asún,
empresas, destinada aos próprios trabalhadores. De 2003, p. 116).
acordo com os dados da Eurofound e do 4º Relató‑ Também Cunningham (1993, p. 9), nesta mesma
rio sobre Condições de Trabalho (2006)3, Portugal linha, refere que a instrução do adulto se tornou cada
é o 4º país, entre 31, com menos trabalhadores qua‑ vez mais cúmplice da indústria e negócios privados.
lificados. Segundo o mesmo relatório, apenas 15,1% Com a formação no posto de trabalho, as empresas
dos trabalhadores tiveram a formação paga pela sua utilizam os fundos do governo destinados à Edu‑
entidade patronal. cação de Adultos, para seu próprio benefício: “Os
A nível europeu, a Estratégia de Lisboa confir‑ formadores de adultos, que hoje se intitulam Forma‑
mou o papel central da educação e da formação dores de Recursos Humanos (HRD), defendem que
na agenda da União Europeia para o crescimento a aprendizagem no posto de trabalho é mais que a
e o emprego. As orientações integradas instam os mera aquisição de competências e eu considero que a
Estados­‑membros a alargar e melhorar o investi‑ sua concepção está correcta. Parece, no entanto, que
mento no “capital humano” e a adaptar os sistemas ainda se não aperceberam que muito do trabalho de
de educação e de formação às novas exigências em hoje se concretiza fora do mercado e que não equa‑
matéria de competências. Em Portugal, para além cionamos a relação do trabalho com os interesses de
de existirem hoje elevados índices de desemprego vida dos membros da sociedade por oposição com os
pouco qualificado, assiste­‑se a um baixo nível de interesses lucrativos do capital”5. De acordo com esta
habilitações e de qualificações da população em‑ perspectiva, hoje, a formação das pessoas encontra­‑se
pregada. O próprio Conselho Europeu de 2004, na prisioneira da aprendizagem para ganhar, e é molda‑
sequência da Estratégia de Lisboa, estabeleceu as da pela necessidade de fazer lucros.
prioridades políticas em matéria de emprego, defi‑ Estes autores (Canário, 2003, 2006a; Finger,
nindo como prioritários o aumento da capacidade 2005; Finger & Asún, 2003; Lima, 2005, 2006)
de adaptação dos trabalhadores e das empresas, criticam, acima de tudo, a submissão das questões

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da educação ao sistema económico e produtivo e É o que pode acontecer, por exemplo, se a formação
o facto de se olharem as pessoas como “recursos ajuda na resolução de problemas profissionais, se con‑
humanos”. Canário (2006a, p. 29), por exemplo, tribui para o desenvolvimento de interesses pessoais
questiona a existência de uma relação directa e line‑ ou mesmo se possibilita promoções de carreira.
ar entre o investimento na qualificação dos recursos Como consequência e de acordo com os resulta‑
humanos e o “crescimento económico”, o “desen‑ dos obtidos nas recentes investigações do Chartered
volvimento”, a superação do “atraso”, o “emprego”, Institute of Personnel Development (CIPD, 2005) e
a “produtividade”, a “competitividade” e a “coesão de Reynolds (2004), na crescente economia baseada
social”. Lima (2006, s/p) refere que, hoje, “a forma‑ no conhecimento, quando os indivíduos adquirem
ção da educação de adultos na Europa é um subca‑ conhecimento e competências que contribuem para
pítulo da gestão de recursos humanos”. os objectivos da organização, esta adquire vantagem
A formação está, cada vez mais, também, nas competitiva. Em princípio, a formação deverá ter
mãos de cada um e aos poucos está a deixar de ser esse importante e complementar papel: contribuir,
da responsabilidade das políticas públicas. Espera­ simultaneamente, para o incremento da aprendiza‑
‑se que cada indivíduo seja responsável pela sua gem individual e organizacional.
formação. Sociedade do conhecimento, da informa‑ Se, por um lado, se pode criticar a instrumenta‑
ção, qualificação ou aprendizagem, são termos pre‑ lização da Educação de Adultos e a formação pro‑
sentes na vida das pessoas em geral, e nos contextos fissional enquanto refém do sistema económico e
de trabalho em particular. De acordo com Finger e produtivo (Canário, 2006a; Finger, 2005; Finger &
Asún (2003, p. 111), “aprender está a tornar­‑se uma Asún, 2003; Lima, 2005), por outro lado, importa
questão privada ou puramente pessoal, assim se reconhecer a existência de organizações que pro‑
abandonando todas as suas dimensões colectivas, movem uma formação que contribui para o desen‑
enquanto que, paralelamente, esta tendência é re‑ volvimento humano e social dos cidadãos. Impõe­‑se
forçada pela pressão do mercado para a privatiza‑ saber se as empresas assumem as suas responsabili‑
ção, pois a educação de adultos deixou de ser da dades, se definem políticas e se promovem a forma‑
responsabilidade da administração pública e pas‑ ção e o conhecimento. No actual contexto em que
sou para a de corpos privados”. o desenvolvimento de competências deverá ser um
Se é hoje aceite que as empresas assumem um continuum em qualquer fase da vida, competirá à
importante papel na definição das competências, é empresa proporcionar as competências básicas, ge‑
fundamental que as políticas sejam integradas e que rais e profissionais mas também a promoção da ape‑
promovam não apenas a aquisição de competências tência para aprender.
orientadas para o trabalho, mas também a qualifica‑
ção e a educação, no sentido mais lato do termo.
Assim, as empresas devem proporcionar aos tra‑ Estratégias Empresariais e Formação
balhadores não apenas a formação específica que ser‑ Quanto aos fins e objectivos para os quais muitas
ve para fazer face aos desafios da empresa e do actual empresas realizam formação, muitos gestores consi‑
posto de trabalho, mas exercer também a responsa‑ deram que o propósito central de toda a acção forma‑
bilidade de proporcionar uma formação mais ampla tiva na empresa é facilitar aos trabalhadores a aqui‑
que contribua para o enriquecimento da pessoa, sição de conhecimentos, habilidades e destrezas ne‑
como um todo. Os benefícios surgirão para a organi‑ cessárias para realizarem correctamente a sua tarefa,
zação, mas também para o indivíduo e para a socie‑ prepará­‑los para serem transferidos ou promovidos
dade em geral. Ao aprenderem, as pessoas melhoram a outros postos de trabalho, e ajudá­‑los a adequarem­
o seu desempenho e, com isso, a sua actividade e o ‑se ao grupo de trabalho, departamento e empresa em
resultado nas áreas de trabalho e na empresa. A for‑ que trabalham (Edwards et al., 1983, p. 103).
mação enriquecerá a pessoa na medida em que lhe Caetano (2000, p. 295) conclui que “as empresas
abre novas perspectivas no campo do conhecimento se preocupam sobretudo com o aumento das com‑
e ajuda a fazer da actividade profissional “Uma fon‑ petências, que correspondem às suas necessidades
te de satisfação pessoal” (Sarramona, 2002, p. 23). a curto prazo, e não tanto com o desenvolvimento

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das capacidades e o aumento das qualificações dos promover mudanças colectivas, que podem con‑
empregados enquanto profissionais”. De acordo duzir a uma mobilização social e à participação dos
com Sarramona (2002, p. 20), normalmente, os ges‑ trabalhadores. Esta lógica é a que se aproxima mais
tores esperam que as habilidades e conhecimentos dos princípios da educação popular, humanista e
adquiridos se possam aplicar de maneira directa emancipadora, vendo a Educação de Adultos não
e imediata. O problema é que nem sempre existe como uma actividade reparadora, mas como deven‑
transferência dos conhecimentos adquiridos para o do visar a melhoria e a mudança das organizações e
posto de trabalho, porque a formação não é ou não da sociedade.
pode ser “aplicável” no trabalho, e não são visíveis Conhecer a estratégia da empresa e o modo como
os resultados para a organização. Tal poderá dever­ esta se relaciona com a formação é fundamental para
‑se a questões de método e de conteúdos em que perceber se esta decorre da estratégia da empresa ou
muitas vezes existe muita quantidade de informação se se confina a necessidades pontuais. Quando in‑
mas pouca aprendizagem, ou poderá dever­‑se a um tegrada na estratégia global de desenvolvimento da
conjunto de factores descoincidentes entre forma‑ empresa, a formação apresenta­‑se com planos, com
ção e trabalho. programas, com um orçamento e deverá ter definido
Na formação que é promovida pelas grandes em‑ um sistema de avaliação. Se se pretende que a forma‑
presas, são várias as lógicas que podem estar subja‑ ção esteja alinhada com a estratégia da empresa e vá
centes e que determinam não apenas a quantidade ao encontro da resolução dos problemas ou mesmo
e o investimento em formação, mas também o tipo da sua antecipação, a função formação tem que es‑
de formação e os objectivos visados. Para além da tar imersa nos próprios processos de trabalho. Para
tradição do sector e das questões históricas e cul‑ isso, os gestores de topo têm que garantir todo o su‑
turais da organização, existem outros factores que porte e apoio para que a formação se exerça em toda
influenciam o tipo de formação, como sejam a estru‑ a plenitude, por toda a organização.
tura e natureza do grupo de trabalhadores, as rela‑
ções industriais, as atitudes de gestão e as próprias
políticas do governo. Metodologia e resultados
Na operacionalização da sua política de forma‑ da pesquisa
ção, algumas empresas optam por organizar uns
quantos cursos e acções soltas que, de modo isola‑ Centrando­‑se na análise de diferentes experiências
do e desenquadradas das reais necessidades, têm a formativas em várias empresas, o estudo pretende
finalidade de fazer face a obrigações legais, ou vi‑ analisar as políticas e as práticas de formação e desen‑
sam apenas cumprir planos de formação definidos volvimento dos trabalhadores nas grandes empresas.
por uma tal elite de formação, muitas vezes alheia Este trabalho parte de um estudo exploratório e
ao outro lado, ou seja, o mundo do trabalho. Ou‑ da recolha e análise de informação obtida junto de
tras empresas há que, concebendo a formação numa um conjunto de 26 grandes empresas, através de en‑
perspectiva de melhoria contínua e visando uma in‑ trevistas semi­‑estruturadas, realizadas aos seus direc‑
tervenção no terreno, revelam o modo como o mun‑ tores de recursos humanos ou de formação. 5 delas
do da formação e o mundo do trabalho se fundem, são empresas nacionais do sector público, 8 são em‑
numa articulação plena e tendo a realidade do traba‑ presas nacionais do sector privado e 13 são empresas
lho como pano de fundo, muitas vezes, integrando transnacionais. Os sectores e ramos de actividade
ainda uma perspectiva de desenvolvimento pessoal a que pertencem as empresas são variados e abran‑
e social na formação dos trabalhadores. gem desde o sector energético, alimentação e tabaco,
Para além das motivações e dos fins, dentro da construção civil, até à indústria electrónica e máqui‑
formação nas empresas, parecem existir ainda duas nas, metalúrgica, química, automóvel, têxtil e vestuá‑
lógicas distintas: as que se destinam a uma apren‑ rio, passando pelas novas tecnologias, o comércio, os
dizagem individual, dirigidas aos trabalhadores e serviços, o turismo, e os transportes e comunicações.
que promovem a empregabilidade e a performan‑ Para tratamento dos dados foi realizado um re‑
ce individual (Lima, 2005) e as que se destinam a latório logo após cada entrevista, e elaborada uma

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grelha de análise para uma melhor comparação e algumas dimensões do problema que até então desco‑
análise dos dados. A grelha de análise era constitu‑ nhecíamos. Relativamente às características da forma‑
ída por um conjunto de categorias que permitiram ção, afirma­‑se, essencialmente, um modelo tradicional
classificar e comparar o material das entrevistas. O no qual predomina a formação presencial. No entanto,
desenvolvimento e a definição das categorias não foi em algumas empresas, a formação vai muito para além
definido a priori, mas construído e alterado com da perspectiva da formação por catálogo, em que, pe‑
base na informação que se ia recolhendo. rante uma oferta de cursos definidos e estruturados à
A grelha de análise e o seu conjunto de catego‑ partida, há um conjunto de pessoas que se inscrevem
rias permitiram classificar e comparar o material ou que acorrem com o intuito de aprender algo. Em
das entrevistas. Inicialmente, optámos por começar algumas empresas, é notória a integração da formação
a analisar as entrevistas mais ricas no conteúdo (as nas estratégias de empresa e existe uma preocupa‑
que davam mais pistas de investigação) e foi a partir ção com os resultados. Outras empresas, começam a
destas que se começou a classificar e a comparar o apostar numa formação que não se limita a conteúdos
material recolhido. Assim, trata­‑se de uma descrição técnicos inerentes às profissões desenvolvidas. Parece,
analítica (“analytic description”) (Maroy, 2005, igualmente, verificar­‑se uma tendência na partilha de
p. 120) em que a análise não parte de uma grelha pré­ responsabilidades da formação e desenvolvimento.
‑existente, mas deriva de questões práticas, a partir Quanto aos estudos e diagnósticos que se realizam
das próprias entrevistas. De facto, ao longo das en‑ tendo em vista a execução da formação, é de realçar o
trevistas foram surgindo questões diferentes, ora tí‑ facto de os quadros e chefias colaborarem e participa‑
picas, ora pertinentes para o sector ou a empresa que rem activamente no processo. No entanto, fazem­‑no,
não se teriam evidenciado se já houvesse, à partida, muitas vezes, ainda sem o necessário envolvimento dos
uma grelha de análise predefinida. Com o objecti‑ próprios destinatários da formação.
vo de mais facilmente compreender as diferenças e Verifica­‑se, em algumas empresas, que a organi‑
as semelhanças e opções em matérias de políticas e zação do trabalho condiciona a organização da for‑
práticas entre as diferentes empresas e também de mação. O facto de terem que trabalhar em projectos,
poder verificar tendências em determinados secto‑ conduz a que a formação contínua dos engenheiros
res ou tipos de gestão, através de filtros, criou­‑se a passe muito por uma formação abrangente e global,
grelha numa folha de cálculo do Excel. Esta grelha de todos os aspectos da gestão de projectos, o que
permitiu analisar os dados por diferentes tipos de ultrapassa em muito a sua formação base em enge‑
empresas: Nacionais públicas6, Nacionais privadas7 nharia vincadamente técnica e específica das suas
e Transnacionais8. O resultado das comparações le‑ tarefas. Por outro lado, empresas que por terem mão­
vou a que se identificassem novas categorias e con‑ ‑de­‑obra pouco especializada, muitas vezes subcon‑
ceitos que inicialmente não se haviam antecipado. tratada, com elevada rotatividade de pessoal e tarefas
Embora na apresentação e análise dos dados tenha‑ rotineiras, praticamente não investem na formação.
mos, muitas vezes, agrupado as práticas das empresas, Verificam­‑se disparidades ao nível do público­‑alvo
pelo tipo de gestão (Transnacionais e Nacionais públi‑ da formação e ganha força a hipótese que a formação
cas e privadas), dado que existiam práticas e perspec‑ é mais importante na empresa quanto mais elevado
tivas que efectivamente eram mais comuns e que se é o nível de especialização dos trabalhadores e das
destacavam numas e noutras empresas, pareceu­‑nos tarefas. A formação pode ocorrer apenas para alguns
necessário ordenar e classificar a informação segundo grupos funcionais, normalmente os mais especializa‑
critérios pertinentes (Schnapper, 2000, p. 13), o que se dos, em função da estratégia da empresa.
traduz na construção de uma proposta de tipologia. Também foi notório que quanto mais importante
e definida é a estratégia de formação, mais esta assu‑
Dada a elevada quantidade de informação recolhida e me formas variadas de cumprir a sua missão, bem
a diversidade de casos, optamos por apresentar aqui como designações mais abrangentes que ultrapas‑
apenas alguns resultados gerais das várias dimensões sam um simples conceito de Formação. Verifica­‑se,
analisadas. Ainda assim, estes resultados ilustram a igualmente, que os departamentos técnicos, por serem
importância do estudo, na medida em que revelam especializados, podem sempre organizar formação,

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e podem até ter um papel mais determinante do que • Formação para o saber ser
o da própria área de RH/formação. Este facto é con‑ • Formação para o saber fazer
firmado quer pela estrutura e organização da forma‑ • O papel e a responsabilidade da empresa/RH
ção, muitas vezes reduzida ou mesmo inexistente • O indivíduo responsável pela própria formação
ou da responsabilidade de outros departamentos, • O papel e a responsabilidade das chefias
quer também pelo relevante papel que os entrevista‑ • O papel e a responsabilidade dos formadores
dos atribuem às chefias para a formação do futuro. • Formação por antecipação aos problemas
Quanto à avaliação, na maior parte das empresas, não • Formação a distância
existem práticas de avaliar a transferência ao nível do
trabalho ou os impactos da formação na organização. Fica, obviamente, por verificar, se as opiniões e
Podem identificar­‑se, com frequência, dificuldades ideias manifestadas são depois traduzidas para a re‑
no entendimento das questões da avaliação, para alidade e se, na prática, tal se verifica.
além do nível da avaliação de satisfação. O facto de os
entrevistados referirem que conseguem certos efeitos,
pode não significar que, efectivamente, os resultados Políticas e práticas de formação
obtidos se relacionem directamente com a realização nas empresas: proposta tipológica
da formação. Longe de poder considerar­‑se uma tipologia comple‑
Da análise das entrevistas, é possível identificar ta e coerente, advertimos para o facto de que a mesma
ainda um conjunto de problemas relativos às ques‑ se baseia apenas nas entrevistas exploratórias e por
tões políticas, sociais e de estratégias da formação. isso sobre as perspectivas dos entrevistados. Por ou‑
A partir da percepção dos entrevistados, agrupá‑ tro lado, pela diversidade e complexidade das opini‑
mos, quer as preocupações manifestadas, quer os ões e também pelo facto de nem sempre estas serem
aspectos que foram referidos como sendo proble‑ exclusivas de cada um dos tipos, a tipologia carece de
máticos, e sintetizámo­‑los nos seguintes pontos: confirmação. A mesma empresa pode em alguns as‑
pectos ter uma orientação e em outros aspectos, ter
• Exigência da empresa versus nível de desenvolvi‑ outra orientação diferente. Assim, esta não é mais do
mento das pessoas que uma proposta de tipologia, em que na perspecti‑
• Desenvolver as competências da empresa versus va weberiana9 há que entender o sentido das acções.
do trabalhador e das equipas Trata­‑se de uma construção teórica a partir dos casos
• Formação considerada no Balanço Social particulares analisados. Para que se possam estabele‑
• Formação e novo código do trabalho cer relações e para orientar o trabalho de interpretar a
• Relação com ensino/universidades/centros de realidade e a acção, Weber defende a utilização do tipo­
formação ‑ideal ou ideal­‑tipo (“idealtypus”)10. Trata­‑se de orde‑
• Formação co­‑financiada nar a realidade, organizá­‑la para que possa ser com‑
preendida. Há que ter em conta que o ideal­‑tipo não
Identificar as tendências para a formação do é uma descrição da realidade. O ideal­‑tipo é útil para
futuro era um dos objectivos do estudo e foi uma a compreensão dos acontecimentos que se observam
questão sistematicamente colocada aos entrevis‑ na realidade e, neste sentido, é um instrumento pri‑
tados. Situando­‑se ao nível das perspectivas que vilegiado para a compreensão sociológica (Schnapper,
cada um tem sobre o tema, era importante conhe‑ 2000). O conhecimento da realidade consegue­‑se pela
cer a opinião destes especialistas, que são quem, nas indicação do grau de aproximação de um fenómeno
empresas, tem o poder de decisão sobre a matéria. que se classifica (quanto ao tipo), face a um ou vários
Assim, as tendências apresentadas baseiam­‑se, tam‑ conceitos construídos (Weber, 1991, p. 12).
bém aqui, na subjectividade dos entrevistados. Na tentativa de caracterizar as políticas e práticas
Do trabalho decorrente da grelha de análise e de formação na realidade que foi objecto de estudo,
comparação, as tendências foram agrupadas em e a partir de alguns aspectos que são comuns e ou‑
categorias, por sua vez, construídas a partir das res‑ tros que se diferenciam, foi possível identificar 3 ti‑
postas. Sintetizámo­‑las nos seguintes pontos: pos básicos (Quadro 1):

64 sísifo 6 | alda bernardes | políticas e pr áticas de formação em gr andes empresas…


a. Formação tradicional e utilitarista c. Formação orientada para o desenvolvimento pes­
Tipos de formação:
b. Formação estratégica orientada para a resolução soal e social Formação
de problemas tradicional e
utilitarista
Formação
Quadro n.º 1 estratégica e
Políticas e práticas de formação: Proposta tipológica orientada para a
resolução de
dimensões formação tradicional/ formação estratégica orientada
problemas
formação orientada para o
utilitarista para a resolução de problemas Formação
desenvolvimento pessoal e social
orientada para o
Conceitos em uso Formação/Formação Formação/Desenvolvimento/ Aprendizagem/Desenvolvimento/
desenvolvimento
Profissional Competências Conhecimento
formação e recursos humanos

pessoal e social
Estrutura e recursos Formação centralizada. Formação descentralizada. Formação descentralizada.
para a formação Estrutura reduzida Estrutura variável. Estrutura variável.
Papel dos RH/ Dar formação Promover formação Suporte às chefias
{2. 3. 4. 5. 6.}

Formação
Recurso a empresas/ Frequente Frequente Muito frequente
formadores externos
Formadores internos Pouco frequente Pouco frequente Pouco frequente
permanentes
Formadores internos Frequente Frequente Frequente
eventuais

Visão estratégica Necessidade de os trabalha- Necessidade de produzir mudanças Necessidade de construir


diagnós‑ público- políticas de formação

da Formação dores adquirirem conheci- uma sociedade melhor


mentos relacionados com as
suas tarefas
{7. 8.}

Formação e Desenvol- Formação para o exercício Formação orientada para o futuro e Formação orientada para o desen-
vimento de carreiras da actividade actual para a carreira volvimento pessoal e social
Política de estágios/ Reduzida ou inexistente Activa/o estágio deve apresentar desen- Activa/o estágio deve apresentar
parcerias volvimento para ambas as partes desenvolvimento para a pessoa

Destinatários da Grupos directamente ligados Grupos directamente ligados à actividade Todos os grupos
-alvo

formação à produção/quadros e chefias e à produção

Diagnósticos para São consideradas as lacunas e São identificadas áreas de melhoria para É considerado o potencial que
tico

a formação detectadas carências, num cada pessoa, em contínuo existe em cada pessoa, em contínuo
momento dado

Integração na empresa Formação técnica e específica Formação para conhecimento de proce- Formação sobre os valores, a missão
práticas e estratégias na
formação inicial {9. 10. 11.}

da função dimentos, chefias e equipas e cultura de empresa


Execução da formação No posto de trabalho, sob Tutoria no posto de trabalho, e-learning Tutoria no posto de trabalho,
de integração responsabilidade das chefias e/ou presencial sob responabilidade dos e-learning e/ou presencial sob res-
RH/formação pode envolver outras áreas ponsabilidade dos RH/formação
pode envolver outras áreas
Formação inicial Formação em função das Formação em função das Processos de RVCC
competências necessárias competências necessárias
Execução da Em ambiente real ou Em ambiente real de trabalho Em ambiente real de trabalho
formação inicial simulado ou outro

Formação contínua Conhecimento do produto e Sistemas e processos ligados a uma pro- Actividades com aspecto educativo
formação contínua {12. 13. 14.}
práticas e estratégias na

técnica relac. com o mesmo fissão que visem resolução de problemas e com objectivos alargados
Execução da Recurso a especialistas inter- No âmbito das unidades de negócios Recurso a especialistas e recursos
formação contínua nos, externos, fornecedores ou de trabalho de projecto internos ou externos
Práticas de formação Pouco relevantes Mobilidade/Estágios noutros Mobilidade/Internet e Intranet/
não formal e informal departamentos/países Centros de Documentação
Modalidades de Formação on-the-job, formação Formação on-the-job, formação-acção, Formação on-the-job, self-learning,
formação em sala formação interna em sala e posto de participação de uma equipa de
trabalho com colegas experientes, parti- projecto; conhecer práticas noutro
cipação em grupos de trabalho país, fóruns de debate
avalia‑

Níveis de Avaliação Avaliação da reacção ou Avaliação da transferência/eficácia Avaliação da transferência/eficácia


ção

de conhecimentos e impacto e impacto

Formar para o saber fazer Formar para o saber fazer e o saber ser Formar para o saber ser
*

* tendências para a formação do futuro

sísifo 6 | alda bernardes | políticas e pr áticas de formação em gr andes empresas… 65


Formação tradicional e utilitarista Os técnicos e formadores exercem a função for‑
É importante salientar o facto de a formação se mação a par do exercício do trabalho, e conside‑
encontrar ligada estritamente aos problemas da or‑ ram que o seu trabalho termina apenas quando os
ganização e toda a formação que é realizada visa, objectivos da formação são conseguidos ao nível do
apenas, a concretização dos objectivos do negócio. trabalho ou da organização. Todo o processo forma‑
Neste caso, a formação dos trabalhadores, tal como tivo é desenvolvido em articulação com o processo
nos modelos Hard da HRM, tem como fim o aumen‑ produtivo. Verifica­‑se, uma passagem da tradicional
to de competências para melhorar a performance da transmissão de conteúdos para modelos que visam
empresa. Os próprios trabalhadores são considera‑ facilitar a construção do saber e das competências.
dos um recurso pronto a ser usado pela empresa. Trata­‑se de modelos que atribuem aos próprios tra‑
Quanto aos resultados esperados, estas em‑ balhadores mais autonomia, responsabilidade e con‑
presas realizam a formação apenas porque a isso trolo. A formação, sendo de longo prazo, é assim, um
são obrigadas e desenvolvem enormes planos sem meio que com outros meios e estratégias, contribui
que estes estejam em articulação com a estratégia para ir alterando os processos de trabalho.
e com os objectivos dos departamentos. No final,
estão preocupadas em atingir resultados métricos Formação orientada para o desenvolvimento
e os resultados práticos para a organização não pessoal e social
são medidos. As pessoas são enviadas para forma‑ Enquadra­‑se nesta perspectiva, a formação contí‑
ção como forma de serem gratificadas ou com o nua que vai para além daquilo que é aplicável direc‑
objectivo de fazer face a mudanças. No entanto, a tamente dentro da empresa mas que poderá ser uma
formação surge como um acto isolado e os destina‑ mais valia para o trabalhador como pessoa. Trata­‑se
tários são igualmente indivíduos que acorrem por de uma formação orientada para o desenvolvimento
sua iniciativa. A formação tem um carácter parce‑ pessoal, social e relacional, numa óptica de socia‑
lar e pauta­‑se por remediar défices. São empresas bilização para o pleno exercício das capacidades
reactivas, organizando a formação por resposta a de cidadania. É o caso da formação que incentiva
problemas que surgem. Relativamente ao papel da o desenvolvimento de cidadãos livres, responsáveis,
formação e dos formadores, muitas destas empre‑ autónomos e solidários, cidadãos abertos ao diálo‑
sas, incluem­‑se nas que têm a perspectiva de que a go que respeitam os outros e as suas ideias, e que
formação se confina à acção em si, ao momento de valorizam a dimensão humana do trabalho e o de‑
sala, e que o papel dos formadores termina quando senvolvimento do espírito democrático e pluralista,
termina a acção. Nesta perspectiva, o lugar dos for‑ através da formação do carácter e da formação cívi‑
madores é no departamento de formação, onde de‑ ca. Trata­‑se de uma formação que visa formar cida‑
vem exercer a sua função e as chefias consideram dãos livres, críticos e activos, abertos ao mundo e
que cabe à formação, por si, resolver os problemas, preocupados com o futuro do planeta, com os direi‑
através de cursos. tos humanos ou com a justiça social. As práticas de
formação podem incluir temas ou actividades de co‑
Formação estratégica orientada para municação, arte, educação interpessoal e familiar, a
a resolução de problemas participação cívica e ambiental, orientações e pistas
Nas suas lógicas de acção, estas empresas enca‑ para a definição de percursos de educação e gestão
ram a formação como uma verdadeira opção estra‑ da carreira.
tégica para o desenvolvimento dos trabalhadores e A formação tem em conta os interesses dos tra‑
dos próprios processos de trabalho em que a cultu‑ balhadores e tem objectivos mais alargados, de de‑
ra empresarial é orientada para o desenvolvimento senvolvimento pessoal e social que não se confinam
de competências actuais e futuras. Mais do que es‑ aos objectivos imediatamente ligados ao lucro. Nes‑
tarem preocupadas com o número de cursos reali‑ tas empresas, para além da organização, existe o tra‑
zados, estas empresas, estão, efectivamente, interes‑ balhador, a pessoa e o seu auto­‑desenvolvimento, a
sadas nos resultados e no impacto da formação ao partir de uma reflexão consciente sobre os valores
nível do trabalho e da organização. espirituais, estéticos, morais e cívicos.

66 sísifo 6 | alda bernardes | políticas e pr áticas de formação em gr andes empresas…


Em alguns casos, existe uma preocupação a nível de formação e desenvolvimento dos trabalhadores
do reconhecimento de competências com o objecti‑ denota uma preocupação social e comunitária que
vo de elevar a qualificação dos trabalhadores. Uma tradicionalmente não era vista como fazendo parte
preocupação que pode ir para além do benefício do domínio das empresas. Trata­‑se de saber se na sua
directo e imediato que pode resultar para a empre‑ estratégia e missão estão incluídas as experiências de
sa. Também nos modelos soft da HRM existe uma aprendizagem, ou se elas apenas se resumem a ac‑
ênfase no lado humano e se o desenvolvimento dos ções pontuais, em resposta a problemas que tenham
trabalhadores tem em vista a melhoria da empresa, surgido. Será interessante perceber se as chefias, os
os trabalhadores são aqui considerados como um supervisores e os trabalhadores, em geral, partilham
bem e uma fonte de vantagem competitiva através responsabilidade em matéria de formação e desenvol‑
da sua implicação e adaptabilidade. Nestas empre‑ vimento. Se o fazem, é importante conhecer como se
sas é esperado que os trabalhadores tenham capaci‑ desenvolvem eles próprios e como contribuem para o
dade para resolver problemas e tenham a autonomia desenvolvimento dos outros.
necessária para transformar os problemas em opor‑ Interessa­‑nos analisar se a formação nas empre‑
tunidades. É o caso das empresas que apostam na sas é um instrumento de desenvolvimento do traba‑
formação de quadros nomeadamente pela rotação lhador em todas as suas dimensões, ou se contempla
interna o que implica muitas vezes uma experiên‑ apenas uma dimensão única e específica, que serve
cia noutros países, em que existe a intenção clara de apenas os interesses da empresa.
elevar a autonomia dos trabalhadores. Apenas algumas empresas podem contribuir
para alcançar todas estas dimensões. Interessa­‑nos
prosseguir a investigação aprofundando o conhe‑
Continuidade do estudo cimento sobre a forma como algumas empresas
incluem nas suas políticas, estratégias e práticas de
A orientação da investigação vai no sentido da rea‑ formação, esta dimensão educativa. Interessa­‑nos
lização de um estudo múltiplo de casos, a partir da conhecer todas as práticas e dinâmicas que no dia­
amostra em que se baseou este trabalho. Sendo as ‑a­‑dia as empresas investem em favor da libertação
empresas diferentes em função da sua história, da das suas pessoas enquanto homens e mulheres,
sua cultura, da sua origem e até da sua localização, como forma de desenvolver a cidadania, para além
no trabalho exploratório percebeu­‑se que quando da dimensão técnica que visa a adaptação ao posto
uma empresa elabora a sua política de formação, o de trabalho e às tarefas.
faz a partir de especificidades internas, da sua histó‑ A um nível macro, é importante analisar se existe
ria ou da situação actual e em função das transfor‑ um envolvimento concertado com todos os outros
mações do trabalho que nela se operam. O papel e a actores relevantes, com vista à promoção da coesão
finalidade da formação prendem­‑se, quase sempre, social e também ao desenvolvimento de uma verda‑
com a necessidade de os trabalhadores adquirirem deira cultura de aprendizagem ao longo da vida. Para
novos conhecimentos, comportamentos ou atitu‑ tal, importa conhecer também as fontes de financia‑
des, ou directamente, com o objectivo de produzir mento público e a regulamentação pelo Estado, que
mudanças. Das empresas que consideram a forma‑ pode e deve desempenhar um papel importante na
ção como um custo às que a consideram um inves‑ promoção da responsabilização das empresas, atra‑
timento, é importante verificar até que ponto têm vés da sensibilização dos empresários. Mas, para
uma ideia suficientemente abrangente que ultrapas‑ além do Estado, e para além do investimento de
sa a mera construção de competências úteis em de‑ cada empresa por si, também o associativismo pode
terminado momento e, em função do negócio. ter um papel decisivo. Importará, por isso, conhecer
É importante verificar se as empresas apenas cum‑ o papel dos sindicatos e das associações patronais
prem uma dimensão “básica” da sua responsabilida‑ no âmbito da formação e saber se contribuem para
de, que é a que se relaciona com as obrigações legais o estabelecimento e desenvolvimento de políticas
e sociais existentes para com os trabalhadores, ou se de formação nas empresas. Será interessante verifi‑
a ultrapassam. Isto é, se o investimento na actividade car até que ponto os acordos nacionais de formação

sísifo 6 | alda bernardes | políticas e pr áticas de formação em gr andes empresas… 67


profissional têm favorecido a evolução da formação conhecer o que se faz, interessa­‑nos discutir os mo‑
nas empresas. Também é importante analisar em tivos e as lógicas subjacentes à acção.
que medida os quadros comunitários de apoio se Ainda que nas grandes empresas a realização
têm ajustado às necessidades das empresas. de formação seja motivada, em última análise, por
É habitual os discursos sobre as políticas de edu‑ critérios de produtividade e lucro, existem empre‑
cação e formação centrarem­‑se em aspectos quan‑ sas em cujas práticas se aposta no desenvolvimen‑
titativos (se as empresas e os empresários realizam to das pessoas e no seu bem­‑estar pessoal e social,
muita ou pouca formação, ou se apostam na mão­ muito para além da lógica utilitarista em que a todo
‑de­‑obra qualificada), e concluir­‑se que a formação o custo, importa realizar formação. Nas suas polí‑
conduz a uma maior competitividade. Parece­‑nos ticas e práticas de formação, as empresas podem
que o enfoque deve estar não tanto na formação em promover o desenvolvimento integral das pessoas,
si mas mais no tipo de formação que se faz, como e orientando­‑se por valores abrangentes e assumindo
por que se faz, e por isso, nas questões qualitativas, uma dimensão educativa. Para além dos conteúdos
habitualmente menos debatidas. É necessário com‑ de ordem técnica, que tendo todo o seu mérito, vi‑
preender que não basta realizar muita formação, mas sam apenas o desenvolvimento de competências es‑
sim, melhorar a que se realiza, pelo que há que pro‑ pecíficas ligadas ao trabalho e às tarefas, as empresas
blematizar as várias dimensões da formação. Mais podem promover o desenvolvimento dos trabalha‑
do que conhecer a quantidade e o investimento que dores como pessoas e tal traduzir­‑se na sua valoriza‑
as empresas fazem em formação, importa conhecer ção. Atendendo aos seus interesses e necessidades,
as dimensões que encerra o próprio conceito e as tal constituir­‑se­‑á como um contributo ao seu de‑
práticas da formação e, dentro desta, mais do que senvolvimento pessoal e, também, profissional.

68 sísifo 6 | alda bernardes | políticas e pr áticas de formação em gr andes empresas…


Notas Referências bibliográficas

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ticos afirmam que a racionalidade instrumental/téc‑ IEFP, pp. 28­‑34.
nica se interessa mais pelo método e pela eficiência do Canário, Rui (2006b). A Escola e a Abordagem
que pelo propósito. Limita as suas questões ao ‘como’, Comparada. Novas realidades e novos olha‑
em lugar do ‘porquê’ ” (Kincheloe, 2006, p. 160). res. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 1,
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final é o lucro. o futuro da sociedade. In Rui Canário & Belmiro
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ou fabrica em dois ou mais países diferentes. tos. Mutações e Convergências. Lisboa: Educa,
9. Não é o facto de as empresas realizarem for‑ pp. 15­‑30.
mação que é relevante em si, mas é a significação Finger, Matthias & Asún, José Manuel (2003). A
social que importa. Para Weber, a tarefa da sociolo‑ Educação de Adultos numa encruzilhada. Apren‑
gia é interpretar a acção social, captando o sentido da der a nossa saída. Porto: Porto Editora.
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10. A sua relação é lógica e não tem a ver com uma tions: needs assessment, development and evalua‑
apreciação avaliativa ou com um modelo que o termo tion. 3ª ed. California: Books Cole Publ.
tipo­‑ideal poderia supor. Por isso Weber e outros Kincheloe, Joe (2006). Construtivismo Crítico.
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