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Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Discente: Ana Carolina Rodrigues


Docente: Charles Santana
Disciplina: China e Japão no século XX
Curso: História, DCH-I

RESENHA DO FILME “CORAÇÕES SUJOS”

O filme “Corações Sujos” foi produzido em 2011 e estreou no Brasil no ano seguinte,
com a direção de Vicente Amorim, cineasta e produtor austro brasileiro, e contando com
a atuação de atores japoneses, como Tsuyoshi Ihara, que faz o protagonista, o fotógrafo
Takahashi, e brasileiros, como Eduardo Moscovis, que interpreta um subdelegado. O
filme possui 1 hora e 47 minutos, com a classificação indicativa de 14 anos. Se trata de
um drama da história nacional baseado em fatos reais contados no livro reportagem que
possui o mesmo nome do filme.

Fernando Morais é o autor desse livro usado como fonte do tema central do filme: a
Shindo Renmei, uma associação que surgiu numa colônia japonesa no interior de São
Paulo, antes da rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial e que defendia a soberania
japonesa. Com o fim da guerra a associação promove execuções de imigrantes japoneses
que acreditavam na rendição e eram vistos como “corações sujos”. O autor do livro é um
jornalista e realiza um levantamento dos casos de assassinato realizados, fazendo um
trabalho investigativo. Ele descreve os passos dos tokkotais, como eram chamados os
membros da associação, e das suas vítimas.

“O Brasil será presa do Japão” 1 disse Vargas demonstrando a insatisfação quanto a


imigração japonesa. Em 1938 um novo decreto buscava impedir o avanço estrangeiro,
proibindo, dentre outras coisas, hastear bandeiras ou símbolos de partidos políticos
estrangeiros 2. Os jornais estrangeiros também foram proibidos, assim como seus livros e
sua forma de educação. Quando em 1942 o Brasil rompe relações com o Eixo, os
imigrantes japoneses sofreram novas restrições. Eles eram proibidos de se reunirem, de

1
(MORAIS, 2011)
2
(BRASIL, 1938, p. 7357)
cantarem seus hinos, até mesmo de falar o seu idioma em público, sendo que muitos deles
não falavam o português.

O Japão vivia a Era Showa e o país sofria com problemas econômicos e políticos. O
governo investiu em gastos militares, industriais e também numa campanha de
valorização imperial, da qual o Xintoísmo fazia parte. O Imperador Hirohito não tinha
sua autoridade e divindade questionada e manteve vívida a ideia de soberania.

A medida que se consolidam os laços do Japão com os outros países do Eixo, os japoneses
sofrem com as retaliações dos EUA, principalmente após o ataque a base naval norte-
americana Pearl Harbor. O Japão resiste após as derrotas na Alemanha e na Itália,
rendendo-se apenas após os bombardeios atômicos que arruinaram o país.

A educação japonesa baseava-se na tradição e na honra, construindo um modo de pensar


e de agir vistos no filme. Ocorreram invasões de escolas clandestinas, despejo de famílias
e perseguição. Eles estavam afastados e proibidos de ter acesso aos jornais japoneses e
jamais acreditavam na rendição japonesa.

As informações do contexto histórico trazidas no início do filme permitem que as cenas


seguintes sejam compreendidas dentro de uma conjuntura na qual estava inserido o
protagonista Takahashi, um fotografo japonês que ali vivia e não falava o português. Uma
importante cena demonstra a truculência da polícia diante da reunião de japoneses,
proibida naquele contexto. A bandeira japonesa é desonrada pelo policial que se torna
alvo da associação japonesa e a partir de então se desdobra o enredo da obra.

Mas logo fica claro que os principais alvos da Shindo Renmei eram os corações sujos. Os
tokkotais recebiam uma bandeira do Japão que era amarrada no corpo na hora da
execução, uma pistola, uma faca cerimonial e um pedaço de madeira para esculpir o nome
do morto. As cartas iam acompanhadas de uma adaga e avisavam aos traidores que seriam
mortos em 24 horas se não cometessem o suicídio ritualístico chamado “seppuku”,
tradicional do Japão feudal. Era dada ao traidor a chance de morrer de forma honrosa. A
expressão “coração sujo” era pintada nas portas das casas dos traidores.

"Vocês não entendem. Para o japonês só há uma verdade: a honra do Espírito japonês" 3
– Essa fala de Takahashi revela que os japoneses eram ensinados a jamais negarem a força
do seu país. O fotografo até falsifica imagens da vitória dos japoneses na guerra,

3
(CORAÇÕES... 2011)
obedecendo ordens do Coronel Watanabe, interpretado pelo ator japonês Eiji Okuda. Mas
quando questiona as ações da Shindo Renmei, ele se torna alvo e se volta contra o
Coronel, que é assassinado por ele. Takahashi se entrega para a polícia e pede perdão
pelos inocentes que matou. Ele não se considera digno de realizar o sepukku e afirma que
seu maior castigo seria viver sozinho pelo resto de sua vida. Então o filme se encerra
com informações como o número de mortos, presos, condenados e anistiados após 10
anos dos episódios narrados.

O documentário “Yami no Ichinichi – O Crime que abalou a Colônia Japonesa no


Brasil” reúne informações sobre um episódio específico no qual Tokuichi Hidaka e
outros tokkotais assassinam o coronel Jinsaku Wakiyama, considerado traidor. Hidaka
conta suas motivações e os familiares de Wakiyama narram as circunstâncias da sua
morte, sendo possível acessar pontos de vista diferentes da mesma história.

Quando Fernando Morais se refere aos tokkotais como “um bando de japoneses
desequilibrados”4, ele faz uma análise superficial que pode reforçar um estereótipo. No
filme, através do personagem fictício Takahashi, Vicente Amorim humaniza a Shindo
Renmei e suas motivações. O protagonista sofre ao longo das execuções, mas era
obediente ao general Watanabe que afirmava ser um dever sagrado a morte dos traidores.

Diante disso, para a leitura do livro e compreensão do filme são importantes pesquisas
sobre o contexto histórico e sobre a história da imigração japonesa no Brasil. Só assim é
possível entender que muitos dos imigrantes enfrentavam condições precárias de
sobrevivência, além de conviverem com o racismo e serem frequentemente rebaixados,
um dos motivos para não acreditarem na derrota japonesa, diante da desinformação
institucionalizada e das notícias da fase inicial da guerra que traziam vitórias do Eixo.

O sofrimento vivido pelo protagonista para honrar seu país provoca uma torcida para que
aqueles japoneses soubessem a verdade e parassem de matar uns aos outros. O final do
filme gera um sentimento de tristeza pelas perdas do protagonista, resultados da sua
obediência.

É possível concluir que as restrições impostas aos imigrantes japoneses por Vargas os
deixaram isolados em território apoiador dos seus inimigos, e condenados a
desinformação. Buscando defender a pátria a qualquer custo, muitos foram executados e

4
(MORAIS, 2011)
executaram seus compatriotas em nome da defesa da soberania nacional, seja pelas
medidas restritivas de Vargas, sejam pelas mortes justificadas pela implacável Shindo
Renmei.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Decreto-Lei nº 383, de 18 de abril de 1938: Veda a estrangeiros a atividade


política no Brasil e dá outras providências. Diário Oficial da União - Seção 1 -
19/4/1938, Página 7357.

CORAÇÕES Sujos. Direção de Vicente Amorim. Roteiro: David França Mendes. Rio de Janeiro:
Downtown Filmes, 2011. (107 min.), son., color. Legendado. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=qhFZnkwnzk0. Acesso em: 18 jun. 2022.

MORAIS, Fernando. Corações Sujos. 3. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011a.

INAMURA, Diogo Silva. Imigração japonesa e o surgimento da Shindo Renmei:


apontamentos sobre a questão da informação na era Vargas. 2022. 77 f. TCC (Graduação) - Curso
de Relações Internacionais e Integração, Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e
Política, Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Foz do Iguaçu, 2022.

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