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Caso Clínico BBO

Má oclusão Classe II de Angle, tratada


com extrações de dentes permanentes

Gustavo Mattos Barreto1

A má oclusão Classe II de Angle associada à mordida aberta anterior, em pacientes adultos, envolve um planejamento
ortodôntico bem elaborado e cuidadoso, tendo como objetivo principal devolver a estética facial e dentária harmonio-
sa, e uma função mastigatória equilibrada. O tratamento, muitas vezes, está no limite para cirurgia ortognática ou para
extrações de dentes permanentes, fazendo com que a decisão esteja ligada a todos os aspectos dentários, esqueléticos
e funcionais. O presente relato mostra a compensação ortodôntica por meio de extrações de pré-molares superiores,
a fim de corrigir a relação de Classe II dos caninos e, consequentemente, a mordida aberta anterior, aceitando que os
incisivos superiores estejam retroinclinados. Esse caso clínico foi apresentado à diretoria do Board Brasileiro de Orto-
dontia e Ortopedia Facial (BBO) como parte dos requisitos para a obtenção do título de Diplomado pelo BBO.

Palavras-chave: Má oclusão Classe II. Mordida aberta anterior. Compensação ortodôntica. Planejamento ortodôntico.

introdução Diagnóstico
Paciente com 17 anos e 11 meses de idade, sexo fe- À avaliação a face da paciente, observou-se padrão
minino, chegou ao consultório relatando dificuldade na dolicofacial, ausência de selamento labial passivo, terço
apreensão dos alimentos com os dentes da frente e insa- inferior da face aumentado, significativa exposição do
tisfação com sua estética dentária, principalmente com a vermelhão labial inferior, corredor bucal amplo ao sorrir,
do sorriso. Constatou-se durante a anamnese que apre- perfil reto, lábios superior e inferior dentro do limite da
sentava histórico de respiração bucal, com adenoides normalidade e ângulo nasolabial aumentado (Fig. 1).
operadas na infância e rinite alérgica, boa saúde bucal, Clinicamente, as arcadas dentárias apresentavam re-
com poucas restaurações, interposição lingual e ausência lação de má oclusão de Classe II de Angle, divisão 1, de
dos terceiros molares, que já haviam sido extraídos. maior magnitude no lado direito (completa), estando topo

» O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou finan-


1
Especialista em Radiologia, Unicamp. Mestre e Doutor em Ortodontia e Ortopedia ceiros, que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos
Facial, Unesp-Araraquara. Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia (BBO). nesse artigo.
Professor convidado, curso de Pós-graduação em Ortodontia, UNIT.
» A paciente que ilustra o presente artigo autorizou previamente a publicação de suas
* Caso clínico categoria 2, aprovado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia fotografias faciais e intrabucais.
Facial (BBO).
Endereço para correspondência: Gustavo Mattos Barreto
Como citar este artigo: Barreto GM. Angle Class II malocclusion treat- Rua Campo do Brito, 47 – Apt. 1002 – Edf. Mansão Cristal – Bairro 13 de Julho
ed with extraction of permanent teeth. Dental Press J Orthod. 2013 July- CEP: 49020-380 – Aracaju/SE
-Aug;18(4):126-33. Email: gustavobarreto@ortos-se.com.br

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Figura 1 - Fotografias faciais inicias.

a topo no lado esquerdo. Com isso, também constatou-se mais longo e com possibilidade de leve retração labial
mordida aberta anterior severa, restrita de canino a canino, superior. Vale ressaltar que, nesse planejamento, os pri-
desvio da linha mediana inferior de 2mm para a direita, meiros molares superiores permaneceriam em relação
sobressaliência de 8mm e inclinação lingual dos dentes de Classe II, mas com os caninos em relação de chave de
posteriores. Com relação às distâncias interdentárias, a oclusão1,2. Para a correção da mordida aberta anterior, o
intercaninos superior era de 30,5mm e a inferior era de espaço deixado após as extrações permitiria programar
27mm. Havia ausência das guias funcionais e dificuldade retroinclinação e consequente extrusão dos incisivos su-
na apreensão dos alimentos pela região anterior (Fig. 2, 3). periores, favorecendo o fechamento da mordida3,4. Para
A relação maxilomandibular estava dentro da faixa de a atresia da arcada foi indicada expansão com o aparelho
normalidade (ANB = 3°), porém com maxila e mandíbu- de Haas. O prognóstico do tratamento seria favorável,
la retruídos em relação à base do crânio. SNA era de 75° mas com cuidado para manter ou alterar levemente a
e SNB = 72°, com padrão de crescimento bem vertical posição labial superior em função da retração.
(SN.GoGn = 45°, FMA = 36° e Eixo Y = 66°). Apresen- Devido à interposição lingual, o acompanhamento
tava vestibularização e protrusão dos incisivos superiores fonoaudiológico seria necessário. É importante conside-
(1.NA = 35,5° e 1-NA = 9mm) e lingualização dos incisi- rar, para a estabilidade, a remoção do fator etiológico da
vos inferiores (1.NB = 16° e IMPA = 76°) (Fig. 4 e Tab. 1). mordida aberta anterior (a interposição lingual após res-
Na avaliação da radiografia panorâmica, observou- piração bucal na infância)5. Planejou-se, também, ajuste
-se a ausência dos terceiros molares, que já haviam sido oclusal após a finalização.
removidos, leve encurtamento radicular dos dentes 11,
12, 21 e 22, e arredondamento apical dos dentes 33, 32, Tratamento realizado
31, 41, 42 e 43 (Fig. 5). Inicialmente, foi instalado o aparelho disjuntor de Haas
para expansão superior, o qual foi ativado ¼ de volta a cada
Plano de Tratamento 12 horas, durante 12 dias. O período de contenção foi de
Foram elaborados dois planos de tratamento. O pri- cinco meses. Em seguida, procedeu-se à montagem do
meiro, envolvendo cirurgia ortognática, imediatamen- aparelho fixo convencional, sistema Edgewise Standard
te descartado pelos pais e pela paciente; e um segundo, de 0,022” x 0,028”, não incluindo os dentes 14 e 24, que
com extrações dos primeiros pré-molares superiores, seriam removidos. Assim, solicitou-se extração dos dentes
deixando os pais cientes que esse seria um tratamento 14 e 24 e instalou-se barra palatina de 0,9mm para controle

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Figura 2 - Fotografias intrabucais iniciais.

Figura 3 - Modelos iniciais.

A B

Figura 4 - Radiografia cefalométrica de perfil (A) e traçado cefalométrico (B) iniciais.

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A paciente necessitou de acompanhamento fonoaudio-


lógico por seis meses, iniciando um mês antes da remoção
da aparatologia fixa. Foram realizados ajustes oclusais em
três momentos: na fase de finalização, seis meses e um ano
após remoção do aparelho. Além disso, foi realizado recon-
torno anatômico dos incisivos superiores, bem como plas-
tia gengival nos dentes posteriores para melhor exposição
dentária e, consequentemente, melhor estética.

Resultados Obtidos
Após a finalização ortodôntica, foram realizados exa-
Figura 5 - Radiografia panorâmica inicial.
mes em dois momentos, um final (Fig. 6, 7) e após dois
anos de controle (Fig. 8, 9). Houve melhora do selamento
labial e da harmonia do sorriso, com boa visualização dos
dentes posteriores e boa exposição dos incisivos (a plastia
gengival foi de extrema relevância para a beleza do sorriso),
de ancoragem. Na arcada superior, o alinhamento e nive- moderada alteração do lábio superior (LS-Linha S= -1mm
lamento foram feitos em três segmentos: dos dentes 13 a após o tratamento, e -1,5mm após dois anos de controle).
17, dentes 12 a 22 e dentes 23 a 27. Todos os segmentos Os molares finalizaram em relação de Classe II, como
iniciaram com fio 0,014” de nitinol, seguidos por fios de previsto, mas com relação de caninos em chave de oclu-
aço inoxidável de 0,016”; 0,018”; 0,020”; e, por fim, fio são. Houve correção da mordida aberta anterior e manu-
de 0,018” x 0,025” de aço inoxidável. Nessa fase, foi colo- tenção dos resultados após o tempo de controle, melhora
cado o arco de extrusão para os incisivos superiores, feito do desvio da linha mediana (ainda com suave desvio),
com fio de 0,017” x 0,025” de TMA, saindo dos tubos correção da sobressaliência (1mm final e após dois anos) e
auxiliares dos primeiros molares superiores e fazendo um melhora da forma da arcada superior (Fig. 6 a 9).
bypass, sendo sobreposto na região de incisivos superiores Verticalmente, apresentam-se as mesmas caracterís-
e ativado para extrusão. Após nivelar o plano oclusal su- ticas, como esperado, pois se optou por um tratamento
perior, foi feito um renivelamento com arco contínuo e, exclusivamente ortodôntico. No sentido anteroposterior,
em seguida, mecânica convencional de fechamento de es- houve leve melhora do ângulo ANB (3° inicial, 2° final
paço em massa utilizando-se arcos de 0,018” x 0,025” e e após dois anos de estabilidade). Cefalometricamente,
de 0,019” x 0,025” de aço inoxidável, com alça de Bull houve expressiva lingualização e retração dos incisivos
entre os dentes 13 e 14 e 23 e 24. Na finalização, foram superiores (1.NA = 13° e 1-NA = 3,5mm, mantendo-se
utilizados arcos retangulares de 0,019” x 0,025” de aço após dois anos de controle) (Fig. 10, 11 e Tab. 1).
inoxidável, com dobras de primeira, segunda e terceira or- Na avaliação da radiografia panorâmica final, obser-
dens, individualizadas conforme a necessidade. Na arcada vou-se bom paralelismo radicular após o fechamento de
inferior, o alinhamento e nivelamento foram iniciados com espaço, o qual manteve-se preservado após dois anos de
fio de 0,014” de nitinol e, depois, seguido pelos fios de controle. Os comprimentos radiculares sofreram apenas
0,014” a 0,020” de aço inoxidável, com dobras de primei- pequena alteração (Fig. 12, 13).
ra e segunda ordens. Arcos de finalização retangulares de Na interpretação das sobreposições cefalométricas,
0,019” x 0,025” de aço inoxidável, coordenados, com do- houve melhora do perfil facial e da posição dos lábios,
bras de primeira, segunda e terceira ordens, individualiza- promovendo melhor selamento, moderada alteração do
das conforme a necessidade, foram utilizados em seguida. lábio superior e correção dos trespasses horizontal e ver-
Como protocolo de contenção, foi instalada barra tical. Na avaliação parcial da maxila, observou-se signi-
fixa entre os dentes 11 e 21 (Bond-a-Braid) e placa re- ficativa lingualização, retração e extrusão dos incisivos
movível superior total com fio de aço de 0,032”. Na superiores e mesialização dos molares superiores, devido
arcada inferior, instalou-se barra intercaninos fixa com à perda de ancoragem. Na avaliação parcial da mandíbu-
fio Twist Flex de 0,032”. la, não houve alterações significativas (Fig. 14).

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Figura 6 - Fotografias faciais e intrabucais finais.

Figura 7 - Modelos finais.

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Figura 8 - Fotografias faciais e intrabucais de controle após dois anos.

Figura 9 - Modelos de controle após dois anos.

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A B

Figura 10 - Radiografia cefalométrica de perfil (A) e traçado cefalométrico (B) finais.

A B

Figura 11 - Radiografia cefalométrica (A) e traçado cefalométrico de perfil (B) de controle após dois anos.

Figura 12 - Radiografia panorâmica final. Figura 13 - Radiografia panorâmica de controle após dois anos.

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A B

Figura 14 - Sobreposições total (A) e parcial (B) dos traçados inicial (preto), final (vermelho) e de controle
após dois anos (verde).

Tabela 1 - Resumo das medidas cefalométricas.

Medidas Normal A B Dif. A/B Controle


SNA (Steiner) 82° 75° 73,5° 1,5° 73°
SNB (Steiner) 80° 72° 71,5° 0,5° 71°
ANB (Steiner) 2° 3° 2° 1° 2°
Ângulo de convexidade (Downs) 0° 2° 2° 0° 2°
Padrão esquelético
Eixo Y (Downs) 59° 66° 67° 1° 67°
Ângulo facial (Downs) 87° 83° 82,5° 0,5° 82°
SN-GoGn (Steiner) 32° 45° 45° 0° 45°
FMA (Tweed) 25° 36° 36,5° 0,5° 37°
IMPA (Tweed) 90° 76° 78° 2° 77,5°
1.NA (graus) (Steiner) 22° 35,5° 13° 22,5° 13°
1-NA (mm) (Steiner) 4mm 9mm 3,5mm 5,5mm 4mm
1.NB (graus) (Steiner) 25° 16° 16° 0° 16°
Padrão dentário
1-NB (mm) (Steiner) 4mm 3mm 3,5mm 0,5mm 4
1 - Ângulo interincisal
1 (Downs) 130° 127° 150° 23° 150°

1-APo (mm) (Ricketts) 1mm -1mm 0mm 1mm 0mm


Lábio superior – Linha S (Steiner) 0mm -0,5mm -1mm 0,5mm -1,5mm
Perfil
Lábio inferior – Linha S (Steiner) 0mm 0mm 0,5mm 0,5mm 0mm

Considerações Finais Referências

Os resultados foram satisfatórios e os objetivos foram


atingidos; destacando que, nesse tratamento, a cirurgia 1. Proffit WR, Phillips C, Douvartzidis N. A comparison of outcomes of

ortognática foi levada em consideração, mas descartada orthodontic and surgical-orthodontic treatment of Class II malocclusion in
adults. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1992;101(6):556-65.
pelos responsáveis e pela paciente. O sorriso ficou agradá- 2. Proffit WR. Ortodontia contemporânea. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara

vel e expressivo, com boa exposição dentária, correção da Koogan; 2002.


3. Mihalik CA, Proffit WR, Phillips C. Long-term follow-up of Class II adults
mordida aberta anterior e da sobressaliência, bem como treated with orthodontic camouflage: a comparison with orthognathic
com boa estabilidade após dois anos de acompanhamen- surgery outcomes. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2003;123(3):266-78.
4. Cal-Neto JP, Quintão CC, de Menezes LM, Almeida MA. Severe anterior
to. A paciente ficou muito feliz, pois o tratamento supe- open-bite malocclusion. orthognathic surgery or several years of
rou suas expectativas iniciais e de toda família. Vale ressal- orthodontics? Angle Orthod. 2006;76(4):728-33.
5. Janson G, Valarelli FP, Beltrão RTS, Freitas MR, Henriques JFC. Stability of
tar a importância do envolvimento multidisciplinar com anterior open-bite extraction and nonextraction treatment in the permanent
a Dentística e a Periodontia para o sucesso do tratamento. dentition. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2006;129(6):768-74.

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