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Na ausência congênita de incisivos laterais superiores: fechar ou

recuperar o espaço?
The agenesis of maxillary lateral incisors: closing or reopening the
space?

Orlando Tanaka*
Tatiana Banzatto Kreia**
José Vinícius Bolognese Maciel***
Elisa Souza Camargo****

O artigo está publicado na REVISTA CLÍNICA DE ORTODONTIA DENTAL PRESS, fev./mar.2003

Resumo
A maioria dos ortodontistas já tratou ou tratará em sua rotina ortodôntica, pelo menos
um paciente com agenesia de um ou ambos os incisivos laterais superiores, ou com
alguma discrepância de ta-manho dentário. Em busca dos objetivos ortodônticos de
estética dental e facial, função e saúde do sistema estomatognático e estabilidade dos
resultados atingidos, todos os elementos de diagnóstico devem ser clara e
minuciosamente analisados e ponderados para a elaboração de um planejamento
ortodôntico individualizado. É impossível atingir esses objetivos se o profissional eliminar
ou omitir o diagnóstico diferencial científico que pode levar ou não à extração de dentes
ou mal administrar a agenesia de um incisivo lateral superior aliada a falta de habilidade
artística no manuseio de seu instrumento de trabalho. O artigo está ilustrado com dois
casos clínicos finalizados apresentando agenesia de incisivos laterais superiores,
contribuindo para a compreensão no diagnóstico, plane-jamento e tratamento de casos
semelhantes.
Palavras-chave: Agenesia. Incisivo lateral. Fechar espaço. Recuperar espaço.

INTRODUÇÃO E FUNDAMENTOS TEÓRICOS

A ausência congênita de dentes, na denti-ção permanente, é relativamente comum com


uma prevalência de 3,5% a 6,5%, ocorrendo mais freqüentemente em mulheres5. Esta
ausência resulta de um distúrbio durante os estágios iniciais da formação de um dente –
iniciação e proliferação14,15. Baseado em princípios biológicos, a ausência congênita de
dentes seria explicada parcialmente por uma falha da proliferação distal ou lingual das
células do germe dental para a lâmina dental 4.
Pode-se citar como causas principais para a falta congênita desses dentes a
genética5,11; ex-pressão de mudanças evolutivas na dentição; condições sistêmicas,
como raquitismo, sífilis, severos distúrbios intra-uterinos; inflamações localizadas ou
infecções; displasia congênita11; fatores ambientais, como irradiações, tumo-res,
rubéola, talidomida5,26.
Dentre os pacientes que, freqüentemente, procuram tratamento ortodôntico apresen-
tando alguma agenesia, a mais comum é a dos incisivos laterais superiores7, que
acomete cerca de 2% da população, e pode ser uni ou bilateral e, quando se apresenta
unilateral, está associada a incisivo lateral conóide do outro lado6,26. Podem apresentar
também, além da agenesia destes incisivos, ausência de outros dentes; impactações
dentárias e discrepâncias no tamanho dentário em am-bas as arcadas26.
As opções de tratamento ortodôntico escolhidos pelo profissional nestes casos são:
manutenção ou abertura dos espaços dos incisivos laterais para a reabilitação por meio
de implante ou prótese; fechamento dos espaços com a mesioversão dos caninos,
estabelecendo uma relação molar de Classe II2,6,7,8,9,10,11,12,16,17,22,24,25,26,
fechamento dos espaços, extração de dois pré-molares ou in-cisivos laterais inferiores,
estabelecendo uma relação molar de Classe I2,19. Porém, os resul-tados mais
satisfatórios, são atingidos quando os espaços são fechados com a movimentação para
mesial dos caninos20,22.
A decisão de movimentar os caninos permanentes superiores nas posições dos incisivos
laterais ausentes depende de fatores que podem influenciar o profissional no plano de
tratamento, tais como: idade do paciente; conformação e posicionamento dos caninos;
conveniência dos incisivos centrais e caninos como pilares; desejo do paciente; profundi-
dade da mordida; grau de apinhamento ou de diastemas e estado da oclusão11.
O sucesso na estética e função nos casos de agenesia de incisivos laterais superiores
estão diretamente relacionados com o formato ori-ginal dos caninos superiores, o
quadro geral apresentado na maloclusão, as alterações na forma de arco superior e a
habilidade do operador em remodelar os caninos estética e funcionalmente 6,16,22,24.

SUMÁRIO DO DIAGNÓSTICO
CASO CLÍNICO 1

Classe I esquelética. Classe I dentária. Overjet e overbite normais. Presente os den-tes


de 16 a 26 e de 37 a 47, exceto o incisivo lateral superior direito. Dente 13 posiciona-do
praticamente no local do 12. Microdontia do incisivo lateral superior esquerdo. Linha
mediana superior desviada 2,0mm para a direita. Dente 16 posicionado mesialmente em
torno de 3,0mm em relação ao 26. Radio-graficamente, início de formação das cúspides
dos dentes 38 e 48. Ausência dos germes dos dentes 18 e 28. Paralelismo de raízes dos
dentes 13 e 11. Cefalometricamente, bom relacionamento maxilo-mandibular entre si e
com a base craniana. Incisivos superiores e inferiores relativamente bem posicionados.
Perfil convexo.
OPÇÕES DE TRATAMENTO ORTODÔNTICO
a) Recuperação de espaço para a reabilitar proteticamente o incisivo lateral (12) e abrir
diastemas mesial e distalmente ao dente 22 para reanatomizá-lo. Associar leves
stripping de canino a canino inferior.
b) Exodontia dos dentes 22, 31e 41.
c) Exodontia dos dentes 22, 34 e 44.
Todas as opções com Ortodontia Corretiva (aparelho fixo total).
TRATAMENTO ORTODÔNTICO
O tratamento ortodôntico foi realizado com a exodontia do incisivo lateral superior
esquerdo (22) e dos 1os pré-molares inferiores (34 e 44) com duração de 28 meses. Os
obje-tivos estéticos e cefalométricos foram atingi-dos, com o posicionamento dos
incisivos na base óssea maxilar e mandibular. Alcançados, também, overjet e overbite
adequados com a intercuspidação dos dentes. Manutenção da normalidade óssea e
radicular. Foi uti-lizado o aparelho fixo, edgewise, slot .022” x .028”. arcos de
alinhamento, nivelamento com secção redonda; arcos retangulares e re-tração individual
de dentes com elásticos em cadeia. Arcos de finalização, rigorosamente coordenados.
Contenção superior com apa-relho removível, tipo wraparound e barrra lingual fixa de
canino a canino inferior.
SUMÁRIO DO DIAGNÓSTICO
CASO CLÍNICO 2
Classe III esquelética (leve retrognatismo maxilar). Classe I dentária. Presente os
dentes 16, 55, 14, 53, 13, 11, 21, 23, 24, 65, 26,
FIGURA 1 - Fotografias de modelos, radiografia panorâmica,
telerradiografia em norma lateral e valores cefalométricos
iniciais.
FIGURA 2 - Fotografias de modelos, radiografia panorâmica,
telerradiografia em norma lateral e valores cefalométricos
finais. Super-posição dos traçados cefalométricos inicial e final.
27 em irrupção, 37 e 47. Overjet e overbite normais. Giroversão dos 13,
23, 24, 35, 34, 44, 45. Distogiroversão dos 33 e 43. Linha mediana
superior desviada para a esquerda 2,0mm. Radiograficamente, presente
os ger-mes dos 15 e 25 com 3/4 das raízes formadas. Rizólise parcial do
65, adiantada do 55 e sem rizólise no 53. Presente os germes dos
terceiros molares com 1/3 das coroas forma-das. Espaço nasofaringeano
desobstruído. Cefalometricamente, protrusão acentuada dos incisivos
superiores. Inferiores vertica-lizados. Sugere-se tendência de
crescimento ântero-posterior maior que vertical. Lábio inferior à frente Tabela de
do superior. valores
cefalométricos
PLANO DE TRATAMENTO ORTODÔNTICO inicial e final,
baseados nas
Cefalometricamente, apresenta-se com Classe III. Isto é, há medidas
envolvimento de bases ósseas e as modificações basais são possíveis sugeridas pelo
somente com a cirurgia ortognática. Nos casos de agenesias dos Board
incisivos laterais su-periores, duas opções de tratamento podem ser Brasileiro de
sugeridas: Orto-dontia
(BBO)2.
a) Manter os espaços dos incisivos laterais para colocação de futura prótese (fixa, remo-
vível ou implante). Devido à discrepância de bases ósseas maxilar e mandibular em
relação à base craniana, principalmente pelo retrog-natismo maxilar foi optado pela
manutenção do perímetro da arcada dentária maxilar. A aplicação do sistema de forças,
traduzida na movimentação para mesial dos dentes do segmento posterior aos caninos,
dificultaria a obtenção de overjet e ovebite adequados.
b) Tentar fechar os espaços da falta dos in-cisivos laterais movimentando e posicionando
os caninos no local dos mesmos e movimen-tando todos os dentes posteriores para
mesial. Pequenos espaços poderão permanecer entre os dentes anteriores. A morfologia
dos cani-nos deverá ser modificada com compósitos, tornando-os menos pontiagudos.
Extrações de dentes inferiores podem ser necessários para possibilitar o correto encaixe
entre os dentes superiores e inferiores.

TRATAMENTO ORTODÔNTICO

O tratamento ortodôntico foi realizado a longo prazo (5 anos). A finalização foi obti-da
pelo inter-relacionamento com a prótese sobre implante nos incisivos laterais. Os va-
lores cefalométricos demonstram ter havido um significativo crescimento
mandibular do tipo C23, o que dificultou sobremaneira a mecânica
ortodôntica, mesmo optando-se pela manutenção do perímetro da
arcada dentária por meio da reabilitação utilizan-do-se implantes nos
locais das agenesias dos incisivos laterais.
CONSIDERAÇÕES

A reanatomização dentária por desgaste de uma ou todas as superfícies


dentárias por meio de pontas diamantadas18, tiras de aço, discos
diamantados e de lixa22, seguida do polimento e aplicação tópica de
fluoretos são imprescindíveis18,19,22,24.
Quanto à reanatomização nos casos de agenesias com materiais
restauradores a racionalidade, no manuseio do material, sem prejuízo
para as estruturas dentárias, além de menor tempo clínico e com a
evolução dos sistemas adesivos restauradores13, resulta em melhores
resultados estético-fun-cionais para o paciente com reação clínica
ausente ou insignificante21.
Quando um diagnóstico é bem ela-borado e baseado em todos os
elementos disponíveis e nos conhecimentos científicos adquiridos ao
longo de sua formação e apli-cação destes conhecimentos, o resultado e
a fotografia final poderá ser a de um bom resultado, e talvez, um
resultado bem fina-lizado. E, com um pouco mais de atenção e
dedicação, um resultado excelente, ou seja, um detalhe que pode ser
resumido na seguinte frase. Em busca da essência da excelência em
Ortodontia ou em Dentística Restauradora.

Tabela de
Pode-se dizer que na busca desta ex-celência não existem técnicas valores
milagrosas. Existem, sim, planejamentos bem ou mal realizados e casos cefalométricos
bem ou mal finalizados. Materiais revolucionários já estão dispo-níveis inicial e final,
no mercado, porém, sozinhos, não fazem milagres. O profissional deve baseados nas
conhecer e dominar a técnica, embasados no diagnóstico correto. medidas
Todos os pacientes procuram soluções para a sua problemática e cabe sugeridas pelo
aos profissio-nais devidamente habilitados, conhecer as limitações da Board
Ortodontia e os benefícios da sinergia com as especialidades e vice- Brasileiro de
versa, e aplicá-las adequadamente. Orto-dontia
Angle (1899)1 já afirmava que embora o diagnóstico seja a questão de (BBO)2.
maior impor-tância ainda é, pelo menos aparentemente, o menos inteligentemente
estudado e com-preendido.
CONCLUSÃO
A colaboração entre a Ortodontia, Pró-tese e a Dentística Restauradora devem ser
empregadas na Odontologia Contemporâ-nea, mesmo que os tratamentos sejam com-
plexos em busca dos melhores resultados estéticos e funcionais possíveis, alicerçados no
correto diagnóstico, em todos os casos de maloclusões.
ABSTRACT
Orthodontists struggle daily with the absence of one or both maxillary lateral incisors.
This absence introduces an im-balance in a potential esthetic region of the mouth and
present a problem which complicate both orthodontic treatment and prosthetic
procedures. Orthodontics and Cosmetic Dentistry must decide between space opening or
subsequent prosthetics lateral incisor replacement and contouring the canines to
resemble lateral incisor and positioning them to function in place of the missing lateral
incisors. Such decision will be influenced by the position, size and canine morphology.
The article describes the treatment of a case in which canines are used to replace
congenitally absent lateral incisors. In another, space was opened for implant-prosthetic
purposes. In both cases consistent esthetic and functional results was achieved.
Key words: Agenesis. Lateral incisor. Space closure. Space opening.
FIGURA 3 - Fotografias de modelos, radiografia panorâmica,
telerradiografia em norma lateral

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