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Resumo
A má oclusão de Classe II caracteriza-se por um desequilíbrio no sentido anteroposterior
dos arcos dentários. Essa discrepância maxilomandibular desencadeia problemas estéticos e
funcionais, justificando o grande número de pacientes que apresentam essa má oclusão nos
consultórios de todo o mundo. Este caso clínico apresenta o tratamento ortodôntico com-
pensatório de um paciente em crescimento, portador de má oclusão de Classe II com retrog-
natismo mandibular e sobremordida aumentada. Elásticos intermaxilares de Classe II foram
utilizados na mecânica com bráquetes do sistema autoligável Damon para a correção sagital.
Os resultados do tratamento mostraram uma melhora no corredor bucal dada pelos torques
adequados dos dentes posteriores, manutenção dos planos verticais e crescimento facial signi-
ficativo durante o período do tratamento ortodôntico. No aspecto dentário, foram corrigidas
as inclinações vestíbulo-linguais dos incisivos superiores e os incisivos inferiores mantiveram
sua posição inicial.
Descritores: Ortodontia, bráquetes ortodônticos, fios ortodônticos.
Abstract
Class II malocclusion is presented by an imbalance in the anteroposterior relationship of
dental arches. This maxillomandibular discrepancy causes aesthetic and functional problems,
justifying the large number of patients who present this malocclusion in clinics around the
world. This clinical case presents the compensatory orthodontic treatment of a Class II gro-
wing patient with retrognathism and increased overbite. Class II intermaxillary elastics were
used in the mechanics with Damon system passive self-ligating brackets for sagittal correction.
The results showed an improvement in the oral corridor due to adequate torques of the pos-
terior teeth, maintenance of the vertical planes and significant facial growth during the ortho-
dontic treatment. In dental aspect, buccolingual inclinations of upper incisors were corrected
and the lower incisors maintained their initial position.
Descriptors: Orthodontics, Orthodontic brackets, Orthodontic wires.
1
Mestre e Doutor em Ortodontia - FOB/USP, Professor Livre Docente – Departamento de Odontologia Social e Clínica infantil -
ICT/UNESP.
2
Mestre e Doutor em Ortodontia - FOB/USP, Professor de Graduação e Pós-Graduação (Mestrado Profissional em Ortodontia) –
UNG.
A B C
Figuras 1 (A-D) - Fotografias extrabucais iniciais.
B C
Figuras 2 (A-C) - Radiografias e traçado cefalométrico inicial.
Nas características dentárias e funcionais, o paciente do, além de suave apinhamento. Guia incisal longa devido
apresentava sobremordida aumentada, relação de Classe II à sobremordida, lateralidade em grupo devido à relação de
completa do lado direito e de meia cúspide do lado esquer- Classe II e sem sinais ou sintomas de DTM (Figura 3).
Relato de caso | Case report
A B C
D E
Figuras 3 (A-E) - Fotografias intrabucais iniciais.
A B C
D E F
Ursi W, Matias M.
G H I
Figuras 4 (A-I) - Sequência clínica, evidenciando o emprego precoce dos elásticos intermaxilares de Classe II.
A B C
D E F
G H I
Figuras 5 (A-I) - Sequência clínica, evidenciando a correção sagital da Classe II com auxílio de molas fechadas, alças de retração e
elásticos em cadeia.
Contenção 2x2 superior com fio coaxial 0,0195” e rante 6 meses. Depois, 10 horas por dia, durante dois anos
placa de acetato de 1mm foram instaladas ao final do tra- pelo menos. No arco inferior foi instalado um 3x3 com fio
tamento, com orientação de uso de 24 horas por dia, du- de aço inoxidável 0,7mm (Figura 6).
A B C
Relato de caso | Case report
D E
Figuras 6 (A-E) - Fotografias intrabucais ao final do tratamento.
Alternativa ao plano de tratamento executado, se- características esqueléticas, houve a manutenção dos pla-
ria a instalação de protratores mandibulares fixos (Her- nos verticais e crescimento facial significativo durante o
bst, APM, Forsus, etc.). período do tratamento ortodontico, melhorando a rela-
Uma possível limitação do tratamento seria a cola- ção sagital maxilo-mandibular (Figuras 8 e 9). No aspecto
boração com a manutenção da higiene bucal e o uso dentário, foi corrigida a posição sagital dos incisivos supe-
de elásticos. Possível vestibularização dos incisivos infe- riores e de suas inclinações vestíbulo-linguais. Os incisivos
riores, decorrente do uso de elásticos, pressupõe uma inferiores mantiveram sua posição inicial. Morfologica-
diminuição da estabilidade, exigindo tempo de conten- mente, a intercuspidacão dentária melhorou, assim como
ção mais longo. o número e qualidade dos contatos oclusais. O tempo
Como resultados do tratamento foi possível obser- total de tratamento foi de 2 anos e 1 mês.
var uma melhora no selamento labial e do corredor bucal As Figuras 10 e 11 evidenciam a manutenção dos
pelos torques adequados dos dentes posteriores, além de resultados obtidos após um período de 3 anos e 4 me-
pequena melhora na convexidade facial (Figura 7). Nas ses pós-tratamento.
A B C D
Figuras 7 (A-D) - Fotografias extrabucais ao final do tratamento.
A B C
Figuras 8 (A-C) - Radiografias e traçado cefalométrico final. Ursi W, Matias M.
A B C
Figuras 9 (A-C) - Sobreposição dos traçados inicial e final.
A B C D
Figuras 10 (A-D) - Fotografias extrabucais após 3a e 4m do final do tratamento.
A B C
D E
Figuras 11 (A-E) - Fotografias intrabucais após 3a e 4m do final do tratamento.
que os resultados esperados sejam atingidos. São ção de efeitos indesejáveis da mecânica ortodôntica.
os chamados tratamentos de cooperação máxima, Sua utilização tem muito a ver com a facilidade da
uma vez que interferem de maneira significante no instalação, por não serem invasivos, nem necessita-
cotidiano dos pacientes. Nessa categoria estão todos rem de procedimentos complexos e serem de bai-
os aparelhos removíveis e os elásticos intermaxilares. xo custo. Apesar de apresentarem muitas vezes os
As estimativas encontradas na literatura é que bons efeitos pretendidos pela mecânica, sempre apresen-
cooperadores não sejam a maioria dos pacientes14. tam efeitos colaterais que devem ser considerados
e, quando possível, controlados, uma vez que eles mento demasiado no overjet, conforme fios mais
exercem forças oblíquas que induzem a movimen- calibrosos são inseridos, caso o paciente não use
tos anteroposteriores, mas apresentam também os elásticos de forma assídua. Dessa forma, foram
componentes verticais extrusivos que podem ser utilizados bráquetes Damon com prescrição Stan-
minimizados, ou aumentados, conforme a escolha dard no arco superior (ICS: +12 graus, ILS:+8 graus,
dos pontos de origem e inserção desses11,15,16,17. C:+7 graus) e o nivelamento foi feito até o fio
Este caso em particular se apresentava favo- 019x025”, para melhor controle do torque. Já no
rável à sua utilização, com padrão de crescimento arco inferior, foram utilizados bráquetes Damon
equilibrado (SN.GoGn: 33 graus e FMA: 21 graus), low torque (IIs: -11 graus, C: 0 graus), na tentativa
embora os incisivos superiores se encontrassem de minimizar a tendência protrusiva dos elásticos.
inclinados para lingual e retrusos, enquanto os A Tabela 1 apresenta as diferentes prescrições de
inferiores protruídos e inclinados para vestibu- torque nos bráquetes Damon Q utilizados neste
lar. Essas posições dentárias, normalmente, con- caso clínico. Coincidentemente, os efeitos dese-
traindicam a utilização dos elásticos, uma vez que jados pela escolha de prescrições variadas foram
seus efeitos tendem a aumentar ainda mais essas atingidos, uma vez que a inclinação e a protrusão
compensações pré-existentes. Uma forma de mi- dos incisivos superiores melhoraram, mesmo com
nimizar esses efeitos indesejáveis do elástico seria o efeito dos elásticos de Classe II. No arco inferior
empregar bráquetes Damon com prescrição high também o objetivo de controlar o efeito dos elás-
torque superior (IC: +22 graus, IL:+13 graus, C:+11 ticos foi alcançado, com a manutenção da posição
graus). Porém, diferentemente de outros acessó- dos incisivos inferiores. Por isso, o conhecimento
rios para a correção da Classe II, como por exem- das diferentes prescrições existentes, como no
plo, o aparelho de Herbst, que não dependem da sistema Damon (standard, high torque e low torque)
cooperação do paciente, a mecânica com elásticos torna-se extremamente importante para um bom
possui essa dependência e pode ocasionar um au- desempenho clínico.
IC IL C 1PM 2PM
DAMON Q - MANDÍBULA
IC IL C 1PM 2PM
Merece reforço a informação de que as prescrições de inclinação vestibular dos incisivos inferiores e uma
usadas no sistema Damon levam em consideração a inclinação palatina dos incisivos superiores, claramente
mecânica utilizada, como elásticos e outros auxiliares percebida naquelas situações clínicas em que se faz uso
(APM, FLF, Forsus, Jasper Jumper, Herbst), funcionando dos aparelhos funcionais fixos18.
em um princípio de torque resistente. Por exemplo, em Outro aspecto positivo das prescrições utilizadas,
Ursi W, Matias M.
um caso de Classe II, os torques na mecânica Damon particularmente com relação aos caninos superiores, é
são escolhidos para se contraporem aos efeitos secun- que originalmente os caninos superiores apresentavam
dários. Uma prescrição high torque superior e outra um inclinação vestibulo-lingual para lingual (torque ne-
low torque inferior pode ser utilizadas concomitante- gativo). Como o canino é um dente com área radicular
mente, com a finalidade de compensar uma tendência acentuada, muitas vezes a utilização de prescrições com
torque neutro ou negativo perpetuam a inclinação ori- 8. Angle EH. Malocclusion of the Teeth. 1907.
9. Janson G, Fuziy A, de Freitas MR, Castanha Henriques JF, de
ginal, não permitindo que ocupem posições mais fun-
Almeida RR. Soft-tissue treatment changes in Class II Division
cionais e estéticas. A utilização de uma prescrição com 1 malocclusion with and without extraction of maxillary pre-
torque positivo, no caso +7 graus para os caninos, pos- molars. Am. j. orthod. dentofacial orthop. 2007; 18(1):39.
10. Janson G, Sathler R, Fernandes TMF, Branco NCC, De Frei-
sibilita terminar o caso com caninos verticalizados e fun-
tas MR. Correction of Class II malocclusion with Class II elas-
cionando como dente de transição de torque anterior tics: A systematic review. Am. j. orthod. dentofacial orthop.
para posterior de maneira harmoniosa. Essa é uma das 2013; 143(3):383–92.
11. Philippe J. Mechanical analysis of Class II elastics. J. clin.
variações sugeridas na prescrição Damon19, pois com os
orthod. 1995; 29(6):367-72.
7 graus de torque do bráquete, a folga existente en- 12. Ellen EK, Schneider BJ, Sellke T. A comparative study of
tre um arco 0,019” x 0,025” e uma canaleta 0,022” x anchorage in bioprogressive versus standard edgewise tre-
atment in Class II correction with intermaxillary elastic force.
0,028” faria com que o posicionamento do canino fos-
Am. j. orthod. dentofacial orthop.1998; 114(4):430-6.
se mantido nos 0° desejados, mantendo a raiz no osso 13. Jones G, Buschang PH, Kim KB, Oliver DR. Class II non-
medular em uma posição favorável, diminuindo muito a -extraction patients treated with the forsus fatigue resistant
device versus intermaxillary elastics. Angle orthod. 2008;
necessidade de imprimir dobras no arco20.
78(2):332-8.
Também Hilgers21, em sua prescrição, adotou um 14. Al-Moghrabi D, Salazar FC, Pandis N, Fleming PS. Complian-
torque vestibular de +7 graus para o canino superior, ce with removable orthodontic appliances and adjuncts: A
systematic review and meta-analysis. Am. j. orthod. dento-
ao contrário de Andrews (-7 graus), por acreditar que
facial orthop. 2017; 152(1):17-32.
essa disposição seria mais favorável esteticamente e 15. Berkman ME, Haerian A, McNamara JA. Interarch maxillary
que a inclinação vestibular da coroa do canino seria im- molar distalization appliances for Class II correction. J. clin.
orthod. 2008; 42(1):35-42.
portante no suporte das comissuras, além do que com
16. Dermaut LR, Beerden L. The effects of Class II elastic force
a raiz do canino mais lingualizada haveria um menor on a dry skull measured by holographic interferometry. Am.
risco de impacção dessa na lâmina cortical vestibular j. orthod. 1981.
17. Uzel A, Uzel I, Toroglu MS. Two different applications of
durante a retração distal destes dente20.
class II elastics with nonextraction segmental techniques.
Angle orthod. 2007; 77(4):694-700.
Conclusão 18. Ursi W, Matias M. Princípios gerais da mecânica com brá-
quetes autoligáveis. Rev. clín. ortodon. dental press. 2015;
O presente caso clínico reforça a efetividade do 14(1):90-109.
19. Damon DH. The Damon low-friction bracket: a biologi-
tratamento compensatório com uso de elásticos inter- cally compatible straight-wire system. J. clin. orthod. 1998;
maxilares para a correção da má oclusão de Classe II, 32(11):670-80.
nos casos com severidade leve a moderada e com pa- 20. Brito Júnior V de S, Ursi WJ da S. O aparelho pré-ajustado:
sua evolução e suas prescrições. Rev. dent. press ortodon.
cientes cooperadores. ortop. Facial. 2006; 11(3):104-56.
Esses acessórios, quando utilizados nas fases ini- 21. Hilgers JJ. Bioprogressive simplified. Part 2. The linear dyna-
ciais da mecânica com bráquetes autoligáveis passivos, mic system. J. clin. orthod. 1987; 21(10):716-34.
podem apresentar melhores resultados, principalmen-
te, devido ao maior comprometimento do paciente, au-
mentando a eficiência do tratamento como um todo.
Referências
1. Hägg U, Pancherz H. Dentofacial orthopaedics in relation to
chronological age, growth period and skeletal development.
An analysis of 72 male patients with class II division 1 ma-
locclusion treated with the herbst appliance. Eur. j. orthod.
1988; 10(3):169-76.
2. Burkhardt DR, McNamara JA, Baccetti T. Maxillary molar
distalization or mandibular enhancement: A cephalometric
comparison of comprehensive orthodontic treatment inclu-
ding the pendulum and the Herbst appliances. Am. j. or-
thod. dentofacial orthop. 2003; 123(2):108-16.
3. Rosenblum RE. Class II malocclusion: mandibular retrusion
or maxillary protrusion? Angle Orthod. 1995; 65(1):49-62.
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the bite with the Herbst appliance. A cephalometric investiga-
Relato de caso | Case report