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PLANEJAMENTO
PROJETO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM E PROJETO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Circulação Interna

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Textos extraídos Do Livro Planejamento de Celso dos S. Vasconcellos
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Sumário
APRESENTAÇÃO............................................................................................................................ 2

1ª Parte
PLANEJAMENTO EM QUESTÃO.................................................................................................. 3
Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 21

2ª Parte
O PLANEJAMENTO COMO MÉTHODOS DA PRÁXIS PEDAGÓGICA.................................... 22
Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 66

3ª Parte
PROJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM.................................................................................... 67
Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 122

4ª Parte
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO............................................................................................. 123
Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 148

Referências Bibliográficas.................................................................................................................. 149

Atividades Avaliativas........................................................................................................................ 154

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Apresentação
Não somos pescadores domingueiros, esperando o peixe. Somos agricultores,
esperando a colheita, porque a queremos muito, porque conhecemos as sementes, a
terra,os ventos e a chuva, porque avaliamos as circunstancias e porque
trabalhamos seriamente.
Danilo Gandin

Caro aluno,

Nossos estudos estão baseados em três grandes eixos (realidade, finalidade, mediações), que foram
organizados em quatro partes (o terceiro eixo está desdobrado em duas partes).
Na primeira parte, buscamos entender melhor o problema do planejamento educacional (relativamente à
escola e à sala de aula), levantar algumas hipóteses para explicar o que está acontecendo, passar da
manifestação à compreensão das possíveis causas.
Na segunda parte, procuramos resgatar o sentido do planejar, tanto no que diz respeito à sua necessidade
quanto à sua possibilidade, apontando suas finalidades; em seguida, fundamentamos conceitualmente,
através de uma perspectiva histórico-antropológica e epistemológica do planejamento.
Na terceira e quarta partes, caminhamos em direção à operacionalização, indicando algumas perspectivas
teórico-metodológicas de como planejar no âmbito da sala de aula (Projeto de Ensino-Aprendizagem) e da
escola (Projeto Político- Pedagógico), respectivamente.
Este módulo traz muitos conhecimentos importantes para a prática de educadores, diretores,
orientadores, enfim, de todos os envolvidos com a educação.

A todos, bons estudos!

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1ª Parte

PLANEJAMENTO EM QUESTÃO

INTRODUÇÃO: O PAPEL DA REFLEXÃO


Nosso desejo é ajudar a transformar a prática educativa. Assim estes estudos pautam-se
na mediação simbólica, na reflexão. Poderíamos nos perguntar: diante do quadro —
muitas vezes dramático — de dificuldades da educação escolar, qual seria o papel da
reflexão?

De início, precisamos considerar que a reflexão encontra-se no campo da subjetividade, sendo que os
obstáculos para a mudança estão tanto no campo subjetivo como no objetivo, Como avançar? A reflexão
enquanto tal (atividade simbolizadora e seus produtos: representações, conceitos, teorias, etc.) não pode, de
fato, interferir diretamente na realidade, nas condições objetivas; quem age sobre a realidade — direta ou
indiretamente (através de algum instrumento) — são os sujeitos. Ocorre que estes, por sua vez, têm sua ação
pautada em algum nível de reflexão, visto que a prática está sempre baseada numa significação, seja ela
ideológica, interesseira, utilitária, alienada, qual seja, não é um processo mecânico, automático, aleatório,
casuístico. Incessantemente há na ação consciente dos sujeitos um nível de elaboração, um sentido, um fim,
uma justificativa, uma marca humana que é a intencionalidade. 1 E como afirma Rubinstein: o caráter
consciente e orientado a um fim caracteriza a atuação humana (1967: 596). E certo que a ação humana pode
ser alienada; poderíamos, no entanto, dizer que a alienação não está na ausência de fins, mas na qualidade
dos mesmos.

A reflexão, portanto, é uma mediação no processo de transformação. Digamos assim, ela


pode agir ‘através’ do sujeito. Para quem deseja a mudança resta, pois, a possibilidade de
1 A não ser
interagir com casos de doença física ou neurológica.
a intencionalidade E justamente
dos sujeitos, mercê do que
favorecer parece bem. queentre
a interação todos realizam
eles, detudo forma
(Aristóteles,
a
Política).
que possam ter uma ação pautada numa nova concepção. No entanto, esta interação não
pode ser ingênua: 3
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Sem dúvida, a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas. (Marx, 1989: 86)
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Qual seja, devemos levar em conta a influência da dimensão objetiva na subjetiva: “Não é lutando
contra a fraseologia de um mundo, que se luta com o mundo que realmente existe” (Marx, 1980a: 17). A
reflexão precisa ajudar a identificar os elementos que condicionam a prática e a entender como os mesmos
interferem na percepção que os sujeitos constroem da existência.
Retomemos a questão: considerando os dois grandes níveis de obstáculos (objetivo e subjetivo), qual
o papel da reflexão? Trabalhar com os obstáculos da consciência (conteúdo: ideologias, preconceitos,
bloqueios; forma: estruturas mentais, lógicas, estilos de pensar); e se constituir em guia de intervenção sobre
os obstáculos objetivos, a partir da tentativa de captar estes determinantes, para poder intervir no real. O
sentido último da teoria é a transformação da prática.
A reflexão tem, pois, por função propiciar o despertar do sujeito, além de capacitá-lo para caminhar
(um conhecimento da realidade — Análise da Realidade, uma nova intencionalidade — Projeção de
Finalidades, e um novo plano de ação — Formas de Mediação). Isto implica que a reflexão precisa articular
duas dimensões:

1) Convencimento — ser elemento que dê sentido e força à atividade, propicie o despertar do desejo
para a consciência se integrar, se encontrar, se motivar, se dispor para a ação. ‘Limpar o meio de
campo’: desconstruir representações equivocadas, desmontar mitos e preconceitos. Ajudar o sujeito
(pessoal e coletivamente) a se convencer de que sua ação é importante, embora limitada.
Corresponde a uma mobilização inicial, à gênese do resgate do professor como sujeito. Esta é, então,
uma primordial tarefa da reflexão:

Reconstruir o sujeito mediador

2) lntervenção — ser um guia para a prática que se quer transformadora. Indicar caminhos. Ajudar a
ganhar competência para a ação: entender o que está acontecendo; projetar objetivos para a ação;
apontar alternativas para a intervenção. A outra grande tarefa da reflexão é, então:

Construir um caminho viável de mediação

Deve ficar claro que tratam-se de duas dimensões e não de duas etapas da reflexão, qual seja, não
podemos imaginar que primeiro teremos o sujeito totalmente convencido, para só então buscarmos um
caminho de intervenção.
Apresentamos na seqüência um quadro procurando sistematizar as funções da reflexão no processo
de transformação da prática pedagógica.
Insistimos que o objetivo e o subjetivo não são duas realidades justapostas, mas, pelo contrário, duas
dimensões do único e complexo processo de ação humana. E preciso, pois, que fique clara a dialeticidade
entre estas esferas.
A perspectiva dialética da educação resgata o enfoque ontológico: estamos compreendendo o sujeito
como sujeito concreto e não apenas como sujeito epistêmico.

Desafio da Papel da Reflexão Base Campo Tipo de Destinação da


Reflexão: (ênfase) Reflexivo Reflexão2 Reflexão

Obstáculos Convencimento Afetiva/ Ontológico Valorativa Própria


Subjetivos Mobilização Cognitiva Axiológico Consciência

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Obstáculos Conhecer para Cognitiva/ Epistemológico Méthodos Mundo


Objetivos4 Transformar Planejar Afetiva Axiológico extraconsciência
Intervenção Guia para a
Ação

— Quadro: A Reflexão frente ao Processo de Transformação da Prática —

Queremos deixar claro este nosso esforço no decorrer do trabalho, qual seja, investir no
convencimento do professor em relação à necessidade do planejamento e na sua
capacitação para a elaboração e realização de projetos. A nosso ver, semelhante empenho
deve ser feito no processo de formação dos educadores, se desejamos contribuir para a
mudança concreta da prática educacional.

I
A Falta de Sentido do Planejamento
Quando adentramos no campo educacional, deparamo-nos com séculos de denúncia de uma escola
desvinculada da vida, abstrata, formalista, autoritária, passiva, etc., e, no entanto, numa observação mais
atenta, nos damos conta que a prática, no seu conjunto, pouco tem mudado... O desinteresse dos alunos, os
elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar, a baixa qualidade da aprendizagem, o desgaste do
professor, a insatisfação de país, as queixas do mercado de trabalho em relação ao perfil do profissional saído
da escola, etc. são alguns sinais desta triste realidade. Este vai ser o pano de fundo neste trabalho, enquanto
campo de preocupação e desafio de mudança. Nosso desejo é que a escola cumpra um papel social de
humanização e emancipação, onde o aluno possa desabrochar, crescer como pessoa e como cidadão, e onde o
professor tenha um trabalho menos alienado e alienante, que possa repensar sua prática, refletir sobre ela, re-
significá-la e buscar novas alternativas. Para isto, entendemos que o planejamento é um excelente caminho.
Todavia, vivemos um período de extremos paradoxos: ao mesmo tempo em que há um desmonte da
razão (crise de paradigmas, muitas facetas da pós- modernidade, do pós-estruturalismo, crise das
metanarrativas, fim da história, da ciência, das utopias), há uma busca ferrenha de sentido, a ponto de se
configurar uma patologia, a neurose noogênica (cf. Frankl, 1989: 9), gerada pela falta de sentido da
existência (percepção de um clima de ‘geléia geral’). O planejamento acaba se colocando no centro desta
disputa, já que existe a crise da racionalidade, e o planejar é um processo que tem uma forte carga racional. E
certo que, refinando um pouco a análise, vamos encontrar vários pontos de convergência nestes diferentes
enfoques, considerando, por exemplo, que se faz a crítica não à razão em si, mas ao racionalismo exacerbado
(onipotência da razão), que negou historicamente outras dimensões do ser humano, como a emoção, o
sentimento, o desejo, a paixão, o imaginário. De qualquer forma, esta constatação deve servir de alerta para
nossas reflexões: não perder de vista a extraordinária constelação de questões envolvidas, bem como as
contradições da realidade, inclusive em relação ao próprio planejamento.
Planejar é uma atividade que faz parte do ser humano, muito mais inclusive do que imaginamos à
primeira vista. Nas coisas mínimas do dia-a-dia, como tomar um banho ou dar um telefonema, estão
presentes atos de planejamento. Nas várias instâncias da vida (profissão, ciência, economia, política, fé,
lazer, educação dos filhos, condomínios, etc.) fala-se, talvez como nunca, de projetos. Segundo alguns
analistas, estamos diante uma verdadeira civilização de projetos, o que faz com que acabe se tornando
“palavra mágica e cheia de promessas, parecendo ocupar o essencial do campo da renovação das práticas
sociais” (Barbier, 1996: 19). Por outro lado, é muito visível a distância entre as intenções expressas nos planos
e as práticas concretas realizadas, o que coloca o planejamento, mais uma vez, num território de disputas e

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controvérsias.
No interior da academia, podemos perceber um certo desprezo pela temática do planejamento: há um
vazio cultural neste campo, pouca produção específica2, ao contrário de outras temáticas como política
educacional, avaliação, formação de professores, processo de conhecimento e, mais recentemente, até
mesmo de currículo. 3
Existem, naturalmente, diferentes níveis de complexidade de ações e, portanto, de planejamento. O
planejamento educacional é da maior importância e implica enorme complexidade, justamente por estar em
pauta a formação do ser humano.

NOTA METODOLÓGICA:

Como veremos mais à frente (3ª Parte), os conteúdos a serem trabalhados na formação
dos sujeitos podem ser classificados em três grandes categorias, a saber:

□Conceituais: relativos a informações, fatos, conceitos, imagens, etc.


□Procedimentais: habilidades, hábitos, aptidões, procedimentos, etc.
□Atitudinais: disposições, interesses, posturas, atitudes, etc.1

Gostaríamos de convidar o leitor a fazer uma metaleitura deste nosso trabalho,


procurando perceber como estas três dimensões são trabalhadas no decorrer de toda
obra, ganhando, no entanto, especial visibilidade em alguns momentos.
Vamos iniciar nossas reflexões trazendo alguns problemas vivenciados na escola quando
está em questão o planejar.

1- LOCALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA

No cotidiano das escolas, em especial no final e início de ano, é realizada uma série de práticas como
preencher formulários com objetivos, conteúdo, estratégia, avaliação, indicação de livros didáticos, etc.
Outras vezes, os professores são convocados para discutirem a proposta pedagógica da escola. O que se
percebe, no entanto, é que com freqüência estas atividades são feitas quase que mecanicamente, cumprindo
prazos e rituais formais, vazios de sentido. É muito comum o professor considerar tudo isto como mais uma
burocracia...
Alguns fatos observados:

• Coordenadores/orientadores/supervisores cobram exaustivamente os professores para que


entreguem os planos;
• Planos são entregues e engavetados;

2 Em termos de livros específicos sobre planejamento educacional de autores nacionais, não chega a uma dezena no
mercado. Há sinais de crescimento, no entanto, peias bordas: artigos em revistas de educação, capítulos em livros sobre Didática
ou Currículo, ou como temática em seminários e congressos da área.
3 Que tinha ficado um tanto no ostracismo, talvez por sua identificação com vertentes tecnicistas, o que pode explicar, ao
menos em parte, a semelhante atitude em relação ao planejamento.

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• A prática do professor em sala de aula não leva em conta o que foi colocado no plano;
• Planos são copiados do livro didático, do colega (da mesma escola ou de outras), ou de um ano
para outro;
• Escolas fazem seus projetos e estes ficam esquecidos;
• Escolas com textos belíssimos na sua filosofia, na agenda escolar, no regimento, e práticas bastante
arcaicas e contraditórias;
• Escola faz projeto político-pedagógico; muda a direção (ou o governo), e o projeto é simplesmente
arquivado;
• Escola faz proposta pedagógica só porque a Delegacia de Ensino ou a mantenedora pediu, ou
‘para cumprir a lei’ (projeto vitrine).

Há uma ambigüidade na prática dos professores, pois ao mesmo tempo em que não negam a
importância do planejamento, percebem sérias limitações em sua realização. Outras vezes, há uma
polarização entre os ‘especialistas’ e os professores: os primeiros defendendo ferreamente o planejamento e
os últimos fazendo de tudo para se livrarem dele. Nesta polarização se manifesta amiúde uma outra
ambigüidade: os especialistas cobram dos professores, mas não fazem o seu respectivo plano de trabalho...
Planejar parece identificado a 'preencher planos’, e, ainda, ‘para os outros’ (supervisão, direção,
secretaria).
Numa observação mais minuciosa, o que se verifica com freqüência é que os professores, de fato,
não acreditam nos planos que fazem por solicitação exterior. Se deixados, talvez alguns professores seriam
capazes de trabalhar por anos, sem nem se lembrarem de esboçar qualquer tipo de plano...
Tem-se a sensação, muitas vezes, de que se faz aquilo tudo para se enganar reciprocamente, todo
mundo sabendo que não adianta, mas também ninguém tendo coragem de questionar...
A situação geral constatada, portanto, é de:

Descrença no Planejamento

2- O QUE DIZEM OS PROFESSORES

Por que há tanta descrença por parte do professor? Quais são as principais queixas sobre o processo
de planejamento das escolas e de ensino-aprendizagem (tanto em termos de elaboração quanto de execução)?
Não podemos desprezar as condições prévias, partir do princípio idealista da antecedência linear do
pensamento sobre a prática: quando o educador se insere num processo de planejamento, já tem experiências,
visões, afetos. É preciso, pois, procurar compreender o ponto de vista do professor sobre a questão.
Para isto, nada melhor do que começar por dar-lhe a palavra. Podemos agrupar as falas dos
professores em três grupos básicos:

— Os que acham que não é possível planejar;


— Os que acham que até é necessário e/ou possível, mas do jeito que vem sendo feito não está
bom;
— Os que acham que não é necessário planejar.

2.1. Não é Possível Planejar

A percepção que têm muitos professores é de que a tarefa educativa é impossível de ser prevista (ou
mesmo realizada), carecendo de sentido, então, o planejamento.

□ A realidade é muito dinâmica

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Há uma visão de que não dá para planejar, porque a realidade da escola não é nada simples e a sala
de aula é muito dinâmica (cada dia é cada dia, cada classe é cada classe, cada aula é uma aula...). Tudo
muda...

Planejar é tentar prever o imprevisível. E querer brincar de Deus. Não dá para planejar com tantos valores
diferenciados: família, escola, sociedade. Não se tem como planejar com diversas posturas
epistemológicas de professores na escola. Existem muitas idéias diferentes e divergentes quanto às
maneiras de educação (professor construtivista x tradicional). O volume e a velocidade das mudanças que
nos levam a estamos sempre defasados. Como planejar, se cada hora nos pedem uma coisa? A troca de
governos deixa o professor inseguro. 4

□ Não há condições

Muitas vezes, o que está em questão é a percepção da falta de condições mínimas favoráveis para
poder se desencadear um processo de planejamento significativo:

Como vou planejar com 60 aulas semanais? O professor está sobrecarregado com aulas ou outras
atividades paralelas para poder se sustentar. Não dá para planejar se tenho que cumprir tintim por tintim o
que já vem estabelecido. Como dar conta das diferentes demandas impostas pelos ‘órgãos competentes’?
Faltam momentos para o grupo se reunir; a dificuldade maior é juntar o coletivo. Falta de espaço nas
escolas para trabalhar ou planejar de forma integrada. Fica difícil planejar com a rotatividade dos
professores. Não temos poder sobre o que planejamos; falta autonomia: tínhamos planejado 4 classes com
35 alunos cada; daí vem a Delegacia de Ensino e manda fazer 3 classes de 46... A programação da
Secretaria de Educação prevê a escolha de classe depois da semana de planejamento; assim, o professor
planeja numa escola e vai trabalhar em outra...

□ Não tem jeito mesmo

Além disto, há a questão do determinismo enraizado: se somos determinados (por fatores biológicos,
sociais, psicológicos, etc.), se não dá para mudar mesmo, de que adianta planejar? Isto nada mais seria que
uma enganação, uma alienação, uma perda de tempo...

Não adianta, pois existem as exigências sociais (legislação, pais, vestibular, etc.). Planejar é inócuo face
às determinações a que estamos submetidos. De que adianta planejar, se nada vai acontecer mesmo? Não
dá! Eu já tentei muitas vezes e não deu!

2.2. Do jeito que o Planejamento vem sendo feito não funciona

Este segundo grupo — grande maioria dos professores —, não questiona, a priori, a validade, a
necessidade de se planejar. No entanto, aponta uma série de problemas na maneira como habitualmente tem
sido encaminhado.

□ É Inútil

Esta é com certeza uma das maiores queixas dos professores: sentem que estão submetidos a um
ritual que não tem conseqüências na prática cotidiana da escola, é uma mera formalidade.

O planejamento é uma estruturação inútil. E mera burocracia. Serve apenas para cumprir as exigências

4 Estes depoimentos foram recolhidos junto a professores de diferentes partes do país, tanto de escola pública quanto
privada.

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burocráticas. E perda de tempo! Não serve para nada; é algo estéril. Para quê planejar, se já vem tudo
pronto o que devemos dar? O planejado com muita antecipação resulta inviável, devido às variações do
cotidiano. Na hora de planejar tudo bem; mas depois... Planejamento bem elaborado que só permanece no
papel. A prática fica a desejar. Falta aplicação no dia-a-dia. Não adianta planejar: são tantos alunos, cada
um com seu ritmo e jeito de aprender...

□ Processo não Acontece

Fala-se muito, no interior da escola, do planejamento como processo; porém é clara a percepção dos
professores de que este ‘processo’ acaba não acontecendo.

Gastam-se muitas horas para planejar e depois aquilo não é retomado. E mais um papel que ‘tem que
entregar e que permanecerá no arquivo; não é consultado e muito menos levado a sério. Não recordo de
ter procurado o planejamento, nem meus colegas de trabalho; fica só na gaveta. E gastar tempo para ser
guardado depois. O plano muitas vezes fica deixado de lado. E tão importante, mas tão, que fica
guardado a sete chaves... Parece que é uma obrigação de início de ano pensar em plano; depois ninguém
mais lembra que existe. Não há tempo para rever o planejamento. Palia tempo para discussão, mudanças e
estudo. Falta comunicação entre professores. Não é elaborado calmamente, com a participação de todos.
Faltam revisões e avaliações periódicas. Não adianta preparar um planejamento se a escola não colabora \
O calendário escolar não prevê espaço para a elaboração do projeto.

□ Falta Compromisso

Alguns educadores já ganham clareza que o plano não vai funcionar magicamente, e denunciam a falta
de compromisso por parte dos agentes.

Há uma contradição muito grande entre os momentos da elaboração e da execução: encontram-se


inúmeras barreiras. Muitas vezes, não conseguimos executar aquilo que planejamos coletivamente, pois
nem todos se comprometem. O projeto já nasce abonado, pois ninguém acredita. O que desanima é que
não cumprimos o que nós mesmos decidimos. Na teoria é muito fácil; na prática, cada um, caminho de
um lado. O plano é cobrado formalmente, mas nem sequer é lido.

□ Limita o Trabalho

Para muitos professores, planejar é se ‘prender’, o que seria incompatível com o ensino, que deve ser
livre’.

Planejar é se amarrar, é perder a liberdade. Escraviza o trabalho do professor; camisa de força. Pode nos
podar, coibir a nossa criatividade e as necessidades do aluno e da classe. Há uma cobrança muito grande
para ‘cumprir o programa \ Eu tenho medo de não. cumprir o que planejei. A culpa, como sempre, é do
professor! Quando é exigido seu cumprimento, sem dar importância se o aluno aprendeu e apreendeu o
conteúdo; quando não pode ser refeito,. tornando-o inflexível. Não pode ser reformulado quando
necessário. O plano vira um fim em si mesmo. Não dá liberdade do aluno participar. A gente tem que
seguir, caso contrário o aluno vai mal na prova elaborada pela coordenação. A proposta político-
pedagógica é uma forma de controlar ainda mais o professor. O ruim do projeto é que decide em fevereiro
e depois a gente se sente preso.

□ É muito Complicado

Diante de exigências formais, os professores acabam não vendo sentido naquela série de itens que
muitos planos exigem.

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O planejamento é uma coisa complicada. Aquele monte de objetivos disso, daquilo, aquelas folhas e
folhas intermináveis, que até se tomam repetitivas. Detalhes desnecessários que muitas vezes cansam o
professor. Não é feito com consciência, mas apenas com palavras bonitas e técnicas. Prolixo, cheio de
minúcias, não prático. E ruim porque nos toma muito tempo. Exige muito dos professores. Temos
dificuldade de colocar no papel o que pensamos.

□É Fora da Realidade

Uma outra queixa muito freqüente é a de que os planos estão longe da realidade concreta da escola,
dos alunos efetivamente existentes em sala, das condições que o professor tem para trabalhar.

Não está embasado na realidade; inadequado e mostra uma realidade não existente, sendo difícil seguí-lo
à risca. Metas e objetivos são inviáveis. Baseado numa compreensão utópica da realidade e não da
realidade conhecida e compreendida da nossa escola e dos nossos alunos, Não adianta, pois ê feito sem a
gente conhecer os alunos. Distancia entre ideal x real No papel o planejamento é bonito, mas na prática
fica difícil Na prática, a teoria é outra, o planejamento nem, sempre vai ao encontro da realidade. Não
leva em conta a realidade concreta. Não tem itens claros, precisos e reais, passíveis de serem aplicados.
Sinceramente, às vezes eu registro uma coisa e faço outra. E muito conteúdo para ser trabalhado e na
grande parte das turmas encontramos alunos com falta de pré-requisitos.

□ Não ê Participativo

A fala dos professores sobre a forma como o planejamento é encaminhado revela uma centralização.

O planejamento é feito pela equipe diretiva e apresentado pronto a toda a escola. Um pequeno grupo
planeja e o restante do grupo executa. Há centralização na elaboração do planejamento. E um teatro, onde
fingimos ser autores, mas o texto já estava pronto. O programa é imposto. Uma professora planeja e todas
têm que seguir da mesma forma e no mesmo ritmo. O planejamento é um, ritual hipócrita, pois na
verdade quando pronto, as decisões mais importantes já foram tomadas [por fora] de acordo com a
pressão daqueles que realmente detêm o poder. Não é fácil elaborar um planejamento com a real
participação da comunidade.

Com todo esse questionamento, este grupo acaba ficando a meio caminho para concluir que o
planejamento não seria necessário...

2.3. Não é Necessário Planejar

Além de toda problemática anterior apontada, alguns professores radicalizam ao considerar que não
há efetivamente necessidade de planejar, uma vez que estão ‘dando bem conta do recado’.

Dar aula não é tão complicado assim. Planejar é coisa de quem está começando; eu já tenho experiência.
E desnecessário; tenho tudo na cabeça. Já sei o que vou ensinar, está tudo no livro. Eu sempre fiz assim.
Em educação o que conta é o amor, a arte, não precisamos destas coisas técnicas. Vou na base da
intuição.

Com tantas queixas ou limitações, fica difícil mesmo o envolvimento do professor com qualquer
coisa que diga respeito a planejar. Podemos perceber, pois, no discurso dos professores uma série de
eventuais obstáculos epistemológicos (cf. Bachelard, 1884-1962) em relação ao planejamento, que devem ser
trabalhados.

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À partir deste breve levantamento 5, podemos identificar alguns fatores em tomo dos quais estaria a
contradição principal, a distorção do planejamento, segundo os professores:

• Na estrutura da escola: falta de projeto educativo, falta de espaço de reflexão constante e


coletiva sobre a prática, falta de perspectiva de mudança, autoritarismo, burocracia, formalismo,
número excessivo de alunos por sala, salários insuficientes, falta de instalações e equipamentos
adequados, etc.;
• Na equipe de coordenação/supervisão: formal, burocrática, autoritária, de gabinete, distante
da prática, etc.;
o No Sistema de Ensino: falta de condições de trabalho, falta de apoio à escola e ao professor,
cobrança formal, exigências legais, falta de participação, etc.

Todavia, se formos ouvir os dirigentes ou as equipes de serviços, encontramos um outro conjunto de


hipóteses explicativas desta desvalorização do planejamento, só que agora relacionadas ao professor:

Acomodado, desatualizado, fossilizado, cético, despreparado, sai da faculdade sem preparação adequada,
falta fundamentação teórica, imaturo, inseguro, desanimado, resistente à mudança, não quer inovar
postura tradicional, não quer se comprometer, engajamento é pequeno, falta desejo de aprender, falta
motivação (acredita que ‘não dá em nada), omisso, não transparente, não organizado, não sabe lidar com
os limites, professores preocupados demais com o conteúdo e pouco com a aprendizagem dos alunos,
apego ao livro didático, individualismo excessivo, resistência para pensar junto, falta auto-estima, etc.

Confrontando com as falas anteriores, e dependendo do ponto de vista, a alegada ‘resistência5 dos
professores em relação ao planejamento pode ser entendida com um significado negativo (descompromisso)
ou positivo (se confrontar com uma lógica espúria e alienante, resistir face a um esquema sem sentido)... Por
aqui já podemos vislumbrar a complexidade da questão.

Para refletir....
Nas escolas que você trabalha, ou que você conhece, você pode perceber
um descaso com o planejamento? Você acredita que a falta de
planejamento pode ser considerada um dos maiores problemas da
educação?

II
Análise do Problema

5 E interessante fazer o registro de como, nos problemas levantados, praticamente não aparecem os alunos e os país, fato difícil
de ocorrer quando se tratam de outros aspectos do trabalho do professor (ex.: a metodologia de ensino, a avaliação ou a disci-
plina). Isto reflete, a nosso ver, a maior especificidade do problema do planejamento enquanto organização do trabalho docente.

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Como entender esta descrença toda em relação ao planejamento? Não podemos pensá-la
desvinculada de um contexto maior que envolve a escola e o educador. Poderíamos nos
questionar: a descrença estaria restrita ao planejamento ou, no limite, à própria profissão?
Vamos recorrer à análise filosófica, sociológica e histórica, ainda que breve, para tentar
compreender melhor este movimento.

1- DUAS GRANDES CORRENTES DO PENSAMENTO

As contradições apontadas anteriormente estão relacionadas a uma questão de fundo que é a própria
cosmovisão, o caldo de cultura em que estamos envolvidos.
Há certos tipos de teorias e de práticas que não se compatibilizam com a perspectiva de
transformação da realidade. Se formos analisar, veremos que muito da concepção teórica marcante no
conjunto dos educadores está permeada pelos vícios da cultura, da 4civilização ocidental’.. Nos detendo
sobre a história do pensamento humano, percebemos que, grosso modo, a reflexão do homem orbitou em
tomo de duas correntes: a Metafísica e a Dialética. Sabemos da influência do pensamento grego em nossa
cultura; podemos encontrar as raízes dessa influência num debate anterior aos grandes filósofos, ainda na
fase pré-socrática, na famosa controvérsia entre os discípulos de Heráclito e Parmênides. Em grandes linhas,
poderíamos dizer que Heráclito era defensor da cosmovisão que admitia o movimento, onde tudo estava num
constante vir-a-ser e que havia unidade dos contrários.

Na acepção moderna, dialética significa o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de


compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. (...) No
sentido moderno da palavra, o pensador dialético mais radical da Grécia antiga foi, sem dúvida, Heráclito
de Éfeso (aprox. 540-480 a. C.). Nos fragmentos deixados por Heráclito, pode-se ler que tudo existe em
constante mudança, que o conflito é o pai e o rei de todas as coisas. Lê-se também que vida ou morte,
sono ou vigília, juventude ou velhice são realidades que se transformam umas nas outras. O fragmento n.
91, em especial, tornou-se famoso: nele se lê que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio.
Por quê? Porque na segunda vez não será o mesmo homem, e nem estará se banhando no mesmo rio
(ambos terão mudado). (Konder, 1981: 8)

Por outro lado, Parmênides defendia a estabilidade das coisas, não admitindo a contradição presente:
“o ser é, o não ser não é”. “Parmênides ensinava que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o
movimento (a mudança) era um fenômeno de superfície” (Konder, 1981: 9). Em função dos jogos de poder
presentes na história, a concepção de Parmênides acabou tendo mais influência:

Essa linha de pensamento — que podemos chamar de metafísica — acabou prevalecendo sobre a dialética
de Heráclito. (...) De maneira geral, independentemente das intenções dos filósofos, a concepção
metafísica prevaleceu, ao longo da história, porque correspondia, nas sociedades divididas em classes, aos
interesses das classes dominantes, sempre preocupadas em organizar duradouramente o que já está fun-
cionando, sempre interessadas em ‘'amarrar' bem tanto os valores, e conceitos como as instituições
existentes, para impedir que os homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente.
(Konder, 1981: 9)

Passando pela matriz platônica, vamos encontrar uma das mais fortes vertentes de pensamento até
hoje presente no nosso meio: o idealismo metafísico. Aprendemos com Platão que o que importa é o mundo
das idéias, os grandes ideais, e que a prática, o cotidiano, nada mais é que a cópia imperfeita do ideal e,
portanto, é banalidade, vão engano, não merecendo maior atenção. Estas concepções filosóficas vão
encontrar ressonância em movimentos religiosos de várias origens; assim é que até hoje se despreza o
concreto, porque remete à realidade, nas suas contradições, na sua 'miséria’. Acontece que a vida também, e

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sobretudo, é feita do concreto, e não levá-lo em conta é distanciar-se, é não ‘morder’ a realidade.
A Dialética pode ser entendida como “método de penetração na essência do fenômeno, método de
análise da realidade e sua reprodução na lógica dos conceitos” (Kopnin, 1978: 46). Caio Prado Jr. (1907-
1990) afirma que “para conhecer a Dialética é preciso pensar dialeticamente, isto é, conhecer a Dialética para
conhecê-la” (1980: 11). Tal assertiva, para a lógica formal, apresenta-se como um contra-senso; precisamos
compreender que se trata de uma concepção de aproximações sucessivas, em. que o sujeito, a partir de uma
prática de intervenção no real, vai se aproximando cada vez mais do ser e do pensar dialético, a ponto de
atingir sua ‘atração gravitacional’, que o leva para o âmago do conhecimento dialético da realidade (unidade
dialética entre ser e pensar).
Como podemos constatar, este embate não terminou; ao contrário, está muito presente entre nós. A
seguir vamos analisar esses desdobramentos na realidade do professor.

2- PROCESSO DE ALIENAÇÃO DO PROFESSOR

De um modo geral, podemos abordar o trabalho do educador em sala de aula a partir de dois
enfoques: um, de natureza objetiva, outro, subjetiva, Do ponto de vista objetivo, poderíamos fazer toda uma
série de considerações sobre as condições concretas em que exerce sua atividade (material didático, número
de alunos, salários, etc.). Evidentemente, as condições objetivas do trabalho são fundamentais para seu
desenvolvimento a contento, podendo ser, em última instância, determinantes para tal. Entretanto, neste
momento, gostaríamos de analisar um pouco mais o aspecto das condições subjetivas do trabalho do
educador (que, naturalmente, não são Independentes das objetivas). Nossa constatação, neste sentido, é de
que há uma falta de clareza do professor com relação ao seu trabalho, sendo esta a responsável, em parte,
pela sua não atuação mais efetiva na mudança da realidade educacional ou mais geral. Esta falta de lucidez
vem da situação de alienação em que se encontra o educador.

2.1 .Sobre a Alienação

Por alienação estamos entendendo aquele estado em que as pessoas tornam- se estranhas a si mesmas
e ao mundo que as rodeia, não podendo interferir na sua organização, nem sabendo justificar os motivos
últimos de suas ações, pensamentos, emoções, E a situação mais ou menos acentuada de perda de sentido, de
desorientação, de falta de compreensão e de domínio das várias manifestações da existência.

Em última análise, a alienação nada mais ê que uma, ruptura na qual a evolução da humanidade se
destaca da evolução do indivíduo (..). Logo, a alienação é (...) a ruptura, a contradição entre a essência e a
existência do homem, (Markus, 1974: 99)

A alienação, com certeza, não é um privilégio dos profissionais da educação. Concretamente, é uma
realidade que perpassa toda nossa sociedade, uma vez que sua raiz está na organização do trabalho no modo
de produção capitalista, ou seja, na exploração da força de trabalho do homem por outrem, baseada na
divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção. O trabalhador não participa do
resultado da produção, a não ser por um mísero salário para a reposição da força de trabalho, “para existir
como trabalhador, não como homem, e para gerar a classe escravizada dos trabalhadores, não a humanidade”
(Marx, 1989: 107). Assim sendo, o trabalhador, não domina seu próprio trabalho, na medida em que não
sabe porque produz, como produz, sendo, pois, alienado não só do produto, mas também do processo (cf.
Marx, 1989: 161). A partir desta alienação fundamental, vão se estruturando todas as outras, em termos da
superestrutura, passando pelas instituições e pelo próprio Estado.
A alienação é como um bisturi social, com base econômica e desdobramento político e cultural, que
cinde o homem de si mesmo, tornando-o objeto de manipulação, em função dos interesses de minorias
dominantes.

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A alienação não se revela apenas no fato de que os meus meios de vida pertencem a outro, de que os
meus desejos são a posse inatingível de outro, mas de que tudo é algo diferente de si mesmo, de que a
minha atividade é qualquer outra coisa e que, por fim — e é também o caso para o capitalista — um
poder inumano impera sobre tudo. (Marx, 1989: 217)

No entanto, trata-se de uma realidade contraditória: pelo fato do trabalhador interagir com a natureza
e com os outros, abre-se neste processo a possibilidade de superação da alienação, pela transformação
revolucionária do modo de produção da existência.
2.2. A Alienação do Educador

O educador, antes de mais nada, como cidadão, está inserido num contexto mais amplo de sociedade,
sendo portanto atingido pela alienação mais geral, imposta, devida a toda a forma de organização social.
Enquanto profissional, participa da alienação mediatizada no conjunto de seu trabalho.
Freqüentemente, seja para os alunos, seja para os professores, a escola corresponde a uma opção
formal que aliena o caráter existencial e político da experiência pedagógica. O trabalho de ensino-
aprendizagem, tomado como mera forma de sobrevivência pelo professor ou como mercadoria pelo aluno,
perde sua dimensão humana e reduz-se a uma relação fetichizada de trocas institucionais. O trabalho
intelectual é tomado como um fim em si mesmo, adequado a restritas aspirações profissionalizantes,
desvinculado das causas, sentidos e compromissos que poderiam orientá-lo. 6 Esta constatação quebra a
ilusão de que o trabalho em educação seria ‘mais humano’. A atividade educacional, nas condições em que
corriqueiramente ocorre, é pura alienação. Por ser o articulador, o coordenador do trabalho em sala de aula e
por ser a extremidade dessa intrincada rede de relações que é o sistema educacional, corre-se o risco de se
atribuir ao professor toda a responsabilidade do fracasso escolar, não se percebendo que o que acontece na
sala é reflexo — não mecânico, todavia — do leque de determinações a que a escola está sujeita.
A situação de alienação se caracteriza pela falta de compreensão e domínio nos vários aspectos da
tarefa educativa. Assim, percebemos que ao educador falta clareza com relação à realidade em que ele vive,
não dominando, por exemplo, como os fatos e fenômenos chegaram ao ponto em que estão hoje (dimensão
sociológica, histórico-processual); falta clareza quanto à finalidade daquilo que ele faz: educação para quê, a
favor de quem, contra quem, que tipo de homem e de sociedade formar, etc. (dimensão política, filosófica),
e, finalmente, falta clareza, como apontamos antes, à sua ação mais específica em sala de aula (dimensão
pedagógica). Efetivamente, faltando uma visão de realidade e de finalidade, fica difícil para o educador
operacionalizar alguma prática transformadora, já que não sabe bem onde está, nem para onde quer ir.

O professor não tem compreensão do seu trabalho na complexidade que ele implica; está
alienado do seu quefazer pedagógico: foi expropriado do seu saber, situação esta que o
desumaniza, deixando-o à mercê de pressões, de ingerências, de modelos que são
impostos como ‘receitas prontas’,1 impossibilitando um trabalho significativo e
transformador, levando-o, por conseqüência, ao sofri- mento, ao desgaste, ao desânimo,
ao descrédito quanto à educação, à acomodação, à desconfiança, chegando mesmo à falta
de companheirismo e de engajamento em lutas políticas e até sindicais. Analogamente ao
operário na fábrica, que não mais domina o seu fazer como o artesão dominava, encontra-
se o professor em relação à sua atividade pedagógica.

Há algum tempo atrás, o professor ainda controlava um pouco mais o seu fazer, pois, embora sem o
devido aprofundamento, era ele quem selecionava os conteúdos, os fichava e passava aos alunos, escolhia a
forma de dar aula (que quase sempre.era expositiva) e de avaliar. Hoje, o professor, em número muito maior

6 Cf. Princípios Orientadores do nosso Trabalho, Imaco, 1985, mimeo.

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que antes 7, sente que foi mal formado, que não está devidamente capacitado para os desafios da realidade.
Quando vai para a prática, defronta-se com uma organização fragmentada do trabalho, onde uma série de
‘especialistas’ vão lhe dizer o que deve fazer ou deixar de fazer, sem contar a pressão em tomo do livro
didático, que,'no final das contas, acaba sendo a tábua de salvação, no sentido de estruturar todo o seu curso.
Assim, entendem que têm que cumprir programas impostos, não sabendo o motivo pelo qual sua
disciplina existe no. currículo; quando interrogados, dão respostas baseadas no senso comum; se
questionamos mais a fundo, percebemos o embaraço em que ficam e muitas vezes acabam confessando que
dão aquela matéria por exigência do programa preestabelecido e, no limite, em função do vestibular. Da
mesma forma, quando analisamos as práticas em sala de aula, verificamos que elas acontecem como rituais
que foram aprendidos de uma maneira empírica, freqüentemente muito mais pela ‘iniciação5 que tiveram no
longo tempo de banco escolar, do que por uma tomada de posição consciente. Se interrogados sobre os seus
rituais, não conseguem apontar justificativas relevantes, percebendo-se, dessa forma., a falta de domínio, de
consistência e de fundamentação.
Por outro lado, quando ao invés de partirmos dessas práticas, buscamos suas idéias, nos deparamos
com belos discursos a cerca da educação e da atuação do educador; em geral, encontramos um verdadeiro
sincretismo em relação às concepções pedagógicas: pedaços de teorias que são justapostos, não dialogando,
nem criticando-se, de forma a constituir um todo orgânico. Confrontando-se com a prática, há um enorme
abismo e, o que é pior, não há consciência dessa distância. O trabalho do educador “existe
independentemente, fora dele e a ele estranho, e se toma um poder autônomo em oposição com ele; uma
força hostil e antagônica” (Marx, 1989: 160).

A Didática teórica prepara o professor para ser um profissional liberal que detém, o controle do processo
e do produto do seu trabalho, concebendo, executando e controlando ' o seu processo de ensino. No
entanto, a Didática prática ocorre numa organização do trabalho em que o professor é um assalariado do
ensino e, na hierarquia de funções dentro da escola, ocupa a posição de executor de tarefas, não detendo,
portanto, o controle sobre o processo de ensino e seus resultados. Daí a fragmentação do seu fazer e a
busca de alternativas metodológicas. (Martins, 1989: 71)

O ‘bom5 de um trabalho mecânico, repetitivo é que não exige maiores esforços. Fazer um trabalho
mais consciente, crítico, criativo, significativo, implica que” o professor deva se rever, se capacitar, sair do
'piloto automático’, enfrentar conflitos, etc.
Se o trabalho do professor está marcado muito fortemente pela alienação, é claro que não verá o
menor sentido- no planejamento.

3- (DES)CAMINHOS DO PLANEJAMENTO

Vamos analisar agora a questão específica do desgaste do planejamento junto aos educadores,
levantando algumas hipóteses para explicá-la.

3.1. Breve Retrospectiva Histórica

Embora, como veremos mais adiante, a atividade de planejar seja tão antiga quanto o homem, a
sistematização do planejamento se dá fora do campo educacional, estando ligada ao mundo da produção (I e
II Revoluções Industriais) e à emergência da ciência da Administração, no final do séc. XIX. Este novo
campo de saber terá como emblemáticos os nomes do americano Taylor (1856—1915) e do francês Fayol
(1841-1925). Á própria Administração vai se utilizar, para configurar o planejamento, de termos (como

7 Como se sabe, houve efetivamente, nos últimos anos, um aumento da oferta de vagas proporcionalmente maior que o
aumento da população. Lamentavelmente, não podemos nos vangloriar disto, na medida em que ao aumento da quantidade não
correspondeu o aumento da qualidade (até a formal existente se perdeu). Esta foi a estratégia utilizada pela classe dominante, pela
mediação do Estado, para não ser ameaçada em sua hegemonia por um possível crescimento da massa crítica nacional.

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objetivos, estratégia) de um campo ainda mais distante e ancestral: a guerra, considerada como um empre-
endimento que desde muito cedo buscou a eficiência... Mas talvez o elemento genealógico mais complicador
em termos de alienação do trabalho — em geral e escolar — tenha sido a preconização por Taylor da
necessidade de separar a tarefa de planejamento da execução, ou seja, para ele, organizar cientificamente o
trabalho implicava a distinção radical entre concepção e realização. Desta forma, esta nova ciência acaba por
respaldar e justificar a prática tão antiga (desde os gregos, por exemplo) de uns conceberem (homens livres)
e outros executarem (escravos). Abre também o campo para o planejamento tecnocrático, onde o poder de
decisão e controle está nas mãos de outros (‘técnicos’, ‘políticos1, 'especialistas5), e não no próprio agente.
No início do século XX, o planejamento vai avançando para todos os setores da sociedade,
provocando um enorme impacto a partir do seu uso na União Soviética não como simples organização
interna a uma empresa, mas como planificação de toda uma economia.
Atualmente, pode-se identificar três grandes-linhas em termos de planejamento administrativo: o
gerenciamento da qualidade total, o planejamento estratégico e o planejamento participativo, sendo que a
tendência do primeiro é decrescente em favor do segundo, que procura, em certos casos, incorporar
contribuições do terceiro, que é mais difícil de ser utilizado em empreendimentos cuja função social não
possa ser definida coletivamente. 8

Curiosidade:

O processo de Revolução Industrial (homo techinicus) pode ser dividido em quatro grandes
fases: final do séc. XVIII, com o aproveitamento do vapor como energia motriz, fins do séc.
XIX, com o uso da eletricidade para movimentações de máquinas e equipamentos; período
entreguerras, pela utilização de novos métodos de produção (linha de montagem, produção
em série); e uma quarta fase, a partir dos anos 60, com a introdução da automação, da
robotização, novas formas de energia (micoeletrônica, microbiologia e energia nuclear).

A escola, naturalmente, não ficou imune a este movimento. 9 Ao analisarmos a história da educação
escolar, percebemos diferentes concepções do processo de planejamento, de acordo com cada contexto
sócio-político-econômico-cultural. A prof.ª Margot Ott (1984) aponta três grandes concepções que vão se
manifestando em diferentes momentos da história do planejamento:

a) Planejamento como Princípio Prático

Esta primeira concepção está relacionada à tendência tradicional de educação, em que o


planejamento era feito sem grande preocupação de formalização, basicamente pelo professor, e tendo como
horizonte a tarefa a ser desenvolvida em sala de aula.
Os planos eram apontamentos feitos em folhas, fichas, cadernos (tipo ‘semanário5, até hoje utilizado
por professoras de lª a 4a série), a partir das leituras preparatórias para as aulas. Uma vez elaborados, eram
retomados cada vez que Ia dar aquela aula de novo, servindo por anos e anos.
Alguns manuais didáticos chegavam a sugerir duas categorias de organização: os objetivos e as
tarefas; todavia, a preocupação estava centrada na tarefa, entendendo-se que os objetivos estavam nela
inseridos. O ‘planejamento5 pedagógico do professor no sentido tradicional, a rigor, não era bem
planejamento; era muito mais o estabelecimento de um ‘roteiro5 que se aplicaria fosse qual fosse a realidade.
Podemos citar, como ilustração, os famosos passos formais da instrução, de Herbart (1776-1841), que levou

8 Objetivamente, fica difícil fazer planejamento participativo, no sen autêntico sentido, quando os donos visam a
apropriação máxima dos lucros (cf. Gandin, 1994).
9 A título de ilustração: a Sociologia do Currículo revela que Bobbitt (1918), um dos iniciadores dos estudos sobre currículo,
estava fortemente influenciado pela Teoria da Administração Científica.

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muitos professores a seguirem rigidamente o plano de aula. No entanto, observava-se que o plano, com
efeito, orientava o trabalho do professor, tinha uma função, vale dizer, havia uma estreita relação entre
planejar e acontecer. Sabemos de casos em que professores deixavam de dar aula por estarem sem seus
apontamentos 10... Folclore à parte, o que queremos destacar é que o plano era objetivamente uma referência
para o trabalho do professor, estava presente em sala de aula, e servia de gula para sua ação.
Um outro movimento pode ser Identificado nesta primeira concepção: depois da I grande guerra, o
movimento escolanovista, enfatizando a ligação do ensino com os interesses dos alunos, crítica o plano
previamente estabelecido, dando início a mais uma polêmica educacional Estava em questão a perspectiva
não-diretiva de ensino, com sua ênfase na espontaneidade e criatividade dos alunos. G planejamento deveria
ser feito em tomo de temas amplos; ao professor caberia ter uma ‘idéia geral’ do que seria a aula, sendo que
os passos seriam determinados de acordo com os interesses emergentes. Neste sentido, podemos dizer que
havia até uma cooperação dos alunos no planejar.

b) Planejamento Instrumental/Normativo

Esta concepção — que se explicita no Brasil no final da década de sessenta — relaciona-se à


tendência tecnicista de educação, de caráter cartesiano e positivista, onde c planejamento aparece como a
grande solução para os problemas de falta de produtividade da educação escolar, sem, no entanto, questionar
os fatores sócio-político-econômicos, até em função de sua pretensão de neutralidade, normatividade e
universalidade.
À ênfase à racionalidade era muito forte. Buscava-se uma rígida seqüência (donde a importância dos
‘pré-requisitos’) e a ordem lógica para tudo; só que a lógica tomada como referência era a de quem ensinava
e não de quem aprendia... Influenciada pelas teorias comportamentalistas 11, dava-se muita ênfase ao aspecto
formal, à especificação de todos os comportamentos verificáveis (podemos lembrar aqui daquelas relações
de verbos que tínhamos que usar para expressar os objetivos 12 a fim do plano ficar ‘correto’); chegava-se a
afirmar, por exemplo, que “só se pode estabelecer um objetivo que seja passível de ser medido”; havia uma
verdadeira obsessão planificadora. Os professores eram obrigados a ocupar parte significativa de seu escasso
tempo livre para preencher planilhas e mais planilhas (cf. Gvirtz, 1998: 184). O aluno deveria aprender
exatamente aquilo que o professor planejara, reforçando a prática do ensino como mera transmissão, ou, no
pólo oposto, como instrução programada.
Essa exigência técnica para elaborar o planejamento justificou, ideologicamente, sua centralização
nas mãos dos ‘especialistas’ (do Estado ou das escolas), fazendo parte de uma ampla estratégia de
expropriação do quefazer do educador e do esvaziamento da educação como força de conscientização,
levando a um crescente processo de alienação e controle exterior da educação.
Muitos dos problemas que se colocam hoje na prática escolar entre professores e técnicos, tais como
a competição, a disputa de influência e poder, têm sua explicação na origem mesma dessa função, já que,
desde então, esteve associada ao ‘controle’, uma vez que a supervisão surgiu no século XVIII nos Estados
Unidos como ‘Inspeção Escolar’ e como tal veio para o Brasil em meados do século XIX. Nos anos 70, do
século seguinte, ganhou força e contorno legal, num ambiente nada favorável:

Sabe-se que a Supervisão Educacional foi criada num contexto de ditadura. A Lei n. 5692/71 a instituiu
como serviço específico da Escola de1Io e 2o Graus (embora já existisse anteriormente). Sua função era,
então, predominantemente tecnicista e controladora e, de cena forma, correspondia a militarização
Escolar. No contexto da Doutrina de Segurança Nacional adotada em 1967 e no espírito do AI-5 de 1968,

10 Por terem sido esquecidos ou até mesmo por terem sido escondidos pelos próprios alunos...
11 Eram comuns a utilização de termos como input, output, feedback. A instrução programada era talvez o modelo mais acabado
desta visão.
12 Influenciadas pelas taxionomias, havia grande ênfase na elaboração dos objetivos; alguns autores chegaram a calcular: para
sete unidades temáticas, levando em conta os vários níveis da taxionomia, o professor teria, para um ano de trabalho, cerca de 4.
200 objetivos comportamentais..., o que acabava, conseqüentemente, ocupando as melhores energias e desviando a atenção do
essencial: a própria prática pedagógica.

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foi feita a reforma universitária. Nela situa-se a reformulação do Curso de Pedagogia. Em' 1969 era
regulamentada a Reforma Universitária e aprovado o parecer reformulador do Curso de Pedagogia. O
mesmo prepara predominantemente, desde então, ‘generalistas1, com o título de especialistas da
educação, mas pouco prepara para a prática da educação. (Urban, 1985: 5)

A introdução da Supervisão Educacional traz para dentro da escola a divisão social do trabalho no
campo pedagógico, ou seja, a divisão entre os que pensam, decidem, mandam e se apropriam dos frutos, e os
que executam, uma vez que até então, o professor era o ator e autor de suas aulas, sendo que, a partir daí,
entre ele e o seu trabalho passa a colocar-se a figura do ‘técnico’.

Comprometido com a estrutura de poder burocratizada de onde emana a fonte de sua própria autoridade
individual, o supervisor escolar tende a ‘idiotizari o trabalho do professor porque, tal como na situação
industrial, ‘não se pode ter confiança nos operários’ (...) A incompetência postulada do professor se
apresenta assim como a ‘garantia ’ perversa da continuidade da posição do supervisor, de vez que
inviabiliza a discussão sobre sua competência presumível e sobre a validade de sua contribuição
específica. (Silva, 1984: 105)

O saber do professor foi sendo paulatinamente desvalorizado, levando-o a uma perda de confiança
naquilo que fazia. Paralelamente, criou-se um mito em tomo do planejamento, como se planejar levasse
necessariamente a acontecer, o fato de se ter feito um bom plano garantiria automaticamente’ uma boa
prática pedagógica: “Em outras palavras, ensina bem o professor que planeja bem o seu trabalho,
entendendo-se este ‘planejar’ como sendo a elaboração do documento denominado plano” (Fusari, 1984: 33).
Isto se distorceu a tal ponto que alguns professores ou técnicos se dedicavam exclusivamente a elaborar
‘bons planos’, e se sentiam realizados com isto, desvinculando-se da prática efetiva do planejado.
Planejar passou a significar preencher formulários com objetivos educacionais gerais, objetivos
instrucionais operacionalizados, conteúdos programáticos, estratégias de ensino, avaliação de acordo com
objetivos, etc.
Aliado ao processo de desgaste do professor — má formação, má remuneração, falta de condições de
trabalho, etc. —, estava o avanço da indústria do livro didático, como que ‘compensando’ a falta de
condições do professor preparar bem suas aulas. Além disto, do ponto de vista do planejamento, em poucos
anos os livros passaram a trazê-lo pronto, quase que Induzindo o professor à cópia...
Mais recentemente, há um ressurgir desta linha através dos programas de “Qualidade Total”, que
seduzem multas escolas utilizando termos como participação, ser sujeito do processo, representando, no
entanto, uma verdadeira onda neotecnicista, de cunho conservador, visto não colocar em questão os alicerces
do sistema (a serviço de quem? o que qualifica a qualidade?), que apenas administra ‘com mais eficiência’.

c) Planejamento Participativo

Aqui, consciência, intencionalidade e participação são os fundamentos mais marcantes (1984: 30).
Esta nova forma de se encarar o planejamento é fruto da resistência e da percepção de grupos de
educadores 13 que se recusaram a fazer tal produção do sistema, e foram buscar formas alternativas de fazer
educação e, portanto, de planejá-la. O saber deixa de ser considerado como propriedade de ‘especialistas’,
passando-se a valorizar a construção, a participação, o diálogo, o poder coletivo local, a formação da
consciência crítica a partir da reflexão sobre prática de mudança. Tem como objetivo “a transformação das
relações de poder, autoritárias e verticais, em relações igualitárias e horizontais, de caráter dialógico e
democrático” (Pinto, 1995: 178).
Esta perspectiva rompe com o planejamento funcional ou normativo das ias concepções anteriores,
onde as práticas do professor e da escola são vistas como isoladas em relação ao contexto social. Aqui o

13 Ligados à educação popular, movimentos de base da igreja católica, partidos de oposição aos regimes autoritários.

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planejamento é entendido como um instrumento de intervenção no real para transformá-lo na direção de uma
sociedade mais justa e solidária. E nesta perspectiva que vamos desenvolver nosso trabalho.
Claro está que tais práticas não se sucedem linearmente; pelo contrário, convivem na mesma
realidade e, não raras vezes, no mesmo sujeito. O importante é a tomada de consciência dessas influências e
a definição de uma nova intencionalidade para orientar a prática do planejar.

3.2. Núcleo do Problema do Planejamento

Na tentativa de explicar o desgaste do planejamento junto aos professores, apontamos algumas


contradições nucleares que se configuram como elementos comprometedores de seu sentido e força.

a) ldealismo

De um modo geral, nossa cultura está marcada pelo idealismo: conforme análise precedente, há uma
tendência de se valorizar as idéias em detrimento da pratica e mesmo de superestimar o poder das idéias,
como se bastasse uma idéia ara para que, automaticamente, acontecesse a alteração da realidade (patologia
das condutas de idealização — Boutinet, 1996: 8). O planejamento pode estar contaminado por essas
concepções e, dessa forma, também contribuir para a manutenção da situação dominante, já que pode ser a
expressão de uma série enorme de boas intenções, de coisas que gostaríamos de fazer, mas que não têm
menor senso de realidade, que estão totalmente desvinculadas das reais condições materiais e estruturais da
instituição e da sociedade, pois, como afirma Simone Weil (1909-1943) “é preciso conhecer as condições
materiais que determinam nossas possibilidades de ação” (1979: 242).
E comum passar-se a visão de que o planejamento é capaz de ser ‘senhor do futuro’, que “com ele se
é capaz de prever tudo, controlar tudo, modificar tudo segundo esquemas preestabelecidos” (Ferreira, 1985:
46), havendo total ruptura entre o plano e a realidade cotidiana da escola. Ao preencher os formulários de
planejamento, o professor tem a sensação que tudo pode, que é o senhor supremo, que pode decidir livre e
soberanamente. Depois, sem saber porque, as coisas não acontecem...
O tremendo descompasso entre aquilo que é esperado do professor e as condições objetivas de
trabalho que são oferecidas, conforme os depoimentos tão contundentes logo no começo do primeiro capítulo
(o professor sequer têm tempo para poder parar a fim de refletir sobre sua prática), é um forte indicador da
presença deste Idealismo no interior das escolas e do sistema de ensino.
Neste caso, o planejamento cumpre um papel Ideológico, de ocultação das verdadeiras contradições
da realidade, uma vez que somente o enfrentamento dessas contradições, nas suas bases concretas, é que
permitiria a efetiva mudança da realidade, ainda que num nível e ritmo muito aquém do que desejamos. Á
idéia é fundamental no processo de transformação, mas uma idéia articulada à realidade e por ela fertilizada;
o Idealismo é a hipertrofia da Idéia em detrimento da realidade.
Portanto, este é um grande fator de desmoralização do planejamento: ir para o papel e depois não
acontecer!

b) Formalismo

O formalismo, a atividade desprovida de sentido para o sujeito, o burocratismo, com certeza são
outros fatores que podem gerar profundo desgaste da idéia de planejamento. Cumprir prazos não discutidos,
preencher formulários impostos, ter que se adequar a um saber já pronto, ‘técnico’, etc. Paulatinamente, o
professor vai tomando consciência de que o plano é uma prática cartorial, uma exigência formal, mas que
não tem repercussão alguma no cotidiano; a elaboração do plano de ensino fica desconexa, desarticulada
justamente por não haver um plano integral da escola que dê direção, unidade e sustentação a todo trabalho.
A situação de descrença chegou a tal ponto que temos relatos de professores que entregaram o plano
só com a capa de sua disciplina, mas no interior havia o conteúdo de outra, e nunca ninguém questionou...,

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ou seja, ficou a certeza de que sequer os planos eram lidos por alguém.
Toda essa distorção na elaboração, naturalmente, acaba levando a um comprometimento da execução
e, portanto, dos resultados, configurando o descrédito a que nos referimos.
Elaboram-se planos — para dar ar de seriedade à instituição —, mas diante das vicissitudes do dia-a-
dia, as reais decisões vão se tomando sem planos (cf. Ferreira, 1985: 46). Isto gera um clima de desilusão.
Quando a ênfase da escola (notadamente coordenação, orientação, direção) está voltada para o apoio
à mudança da prática em sala de aula, até que o professor se dispõe a repensar o 'planejamento'; no entanto,
quando a ênfase está .na ‘escola de papel’, o professor se fecha, não acredita. Constata-se amiúde uma
incoerência entre a importância que a escola diz que o planejamento tem e as condições para se fazer um
trabalho de acompanhamento do mesmo.

c) Não-participação

O planejamento pode ser utilizado como dispositivo de disciplinamento (cf. Foucault, 1926-1984) de
professores e alunos, como meio de dominação (ao invés de libertação), na medida em que um pequeno
grupo planeja e decide o destino de um grande conjunto de pessoas, que deverão apenas executar, esta-
belecendo um processo de desumanização, de alienação, já que é próprio do ser humano uma unidade, e não
uma separação, entre o pensar e o fazer, o analisar e o decidir, o construir e o usufruir. Tal prática de
planejamento introduz uma cisão na totalidade humana, tendo em vista que as pessoas não participam dos
resultados do próprio trabalho (a não ser em nível mínimo, para uma mera sobrevivência enquanto mão-de-
obra).
E interessante perceber a corriqueira estratégia da dominação: fala-se muito em participação, mas
não se deixa claro em momento algum que o que se espera e necessita é a participação simplesmente na
execução... Como aponta o professor João Bosco Pinto, no artigo já referido, houve uma tentativa de
apropriação da idéia de planejamento participativo pelo governo militar brasileiro, a partir da necessidade de
restabelecer sua hegemonia, ameaçada explicitamente nas eleições de 1974, o que, naturalmente, foi feito
com um discurso geral e abstrato que nada comprometia, embora tivesse a função de buscar o consenso,
como estratégia de legitimação. (Pinto, 1995: 177)
Uma outra prática utilizada por dirigentes sem espírito democrático é propiciar a participação em
algumas questões menores, periféricas, sendo que as essenciais já vêm decididas (‘pseudodemocracia’):
enquanto os professores estão discutindo se a cor da parede da sala deve ser verde ou azul, a mantenedora
está resolvendo fechar um curso ou departamento...
O que ocorre em muitas realidades é que o planejamento por parte do professor é feito ‘para a
escola’ e não para organizar e orientar efetivamente o trabalho, passando a significar ‘prisão’, forma de
controle autoritário.
A não-participação também pode se dar no sentido de reduzir a área de domínio, o âmbito do campo
do planejamento, qual seja, o sujeito/grupo tem liberdade para decidir até um certo nível, mas não participa
do plano mais global. A conseqüência disto é a interferência de instâncias superiores no planejado.
Encontramos a exemplificação deste descompasso nas falas iniciais dos professores, onde a decisão da escola
foi ‘atropelada’ pela da Delegacia de Ensino.

CONCLUSÃO

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Na gênese do processo de descrença do professor em relação ao planejamento está uma


fase marcada pela extrapolação do ‘Possível’, ou seja, onde tudo parecia ser muito fácil de realizar (o
papel aceita qualquer coisa...)- Inicialmente o professor foi ‘seduzido’ pelas promessas do
planejamento, como se através dele tudo pudesse ser resolvido. Só que depois, à medida que as
coisas não iam acontecendo, foi desacreditando, se decepcionou, mas continuou sendo cobrado
para que fizesse: caiu-se no vazio do fazer alienado. Deixou de ser uma autêntica elaboração,
tomando-se uma prática mimética.
E claro que esta dinâmica é muito complicada, pois, como se costuma dizer popularmente,
não se pode jogar fora a água suja junto com a criança: a recusa de fazer o plano para o outro acabou
eclipsando o valor do planejamento como método de trabalho.
Será que o educador não pode dominar o seu fazer? Até quando haverá de continuar nesta
situação? Será possível ao educador, saber o ‘porquê, para quê e como se faz de sua atividade, ou ele
estará condenado a fazer como outros fizeram? Acaso será impossível ao educador superar essa
situação? E certo que não se trata de voltar aos Velhos tempos, mas esta alienação do trabalho peda-
gógico, que tem sua raiz na realidade social alienada e fetichizada, precisa ser enfrentada.
Na representação do professor, o planejamento acabou ficando marcado tanto pelo
‘Impossível’ (não é possível planejar), quanto pelo ‘Contingente5 (não é necessário, da forma como
vem acontecendo não resolve). Nosso desafio é resgatá-lo como ‘Possível’ e ‘Necessário’.
Portanto, a partir da análise feita, fica clara a necessidade de superar a descrença no
planejamento, recuperar seu sentido, a fim de buscar formas alternativas de praticá-lo. A esta tarefa
nos dedicaremos nos próximos capítulos.

Atividades de Síntese
1- Você acredita que a reflexão seja importante nas instituições educacionais? Quais as dimensões que
precisam ser articuladas na reflexão?
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2- Quais as principais queixas dos professores a respeito do planejamento? Você concorda com estas
queixas?
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2ª Parte

O PLANEJAMENTO COMO
MÉTHODOS DA PRÁXIS
PEDAGÓGICA

I
Re-significando a Prática do
Planejamento

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Qual o sentido do planejar? Por que um sujeito/grupo vai se envolver com este tipo de
atividade? Constatamos aquela ambigüidade nos educadores: ao mesmo tempo em que
aceitam a importância do planejamento, têm também sérias desconfianças; concordam
com a Idéia geral de planejamento (quem não concorda?), mas estão marcados pela
experiência de elaboração de planos burocráticos, formais, controladores. Se o professor
não vê objetivo em planejar, com certeza não irá se envolver significativamente nesta
atividade; pode até fazer para ‘inglês ver’...

Para estabelecer um referencial de comunicação, esbocemos Inicialmente um conceito: planejar é


antecipar mentalmente uma ação a ser realizada e agir de acordo com o previsto; é buscar fazer algo Incrível,
essencialmente humano: o real ser comandado pelo ideal.

De que pressuposto — normalmente implícito — parte-se quando se planeja?

• Planejar ajuda a concretizar aquilo que se almeja (relação Teoria-Prática);


• Aquele algo que planejamos é possível acontecer; podemos, em certa medida, interferir na
realidade.

Re-significar o planejamento para o sujeito implica resgatar sua necessidade e possibilidade, em dois
níveis: um mais geral e outro específico da atividade de planejar.
NECESSIDADE Mudança Querer mudar a realidade; estar vivo, em movimento.
Ponto de partida para todo processo de planejamento

Planejar Sentir que precisa de mediação simbólica para alcançar o


que deseja
POSSIBILIDADE Mudança Acreditar na possibilidade de mudança (em geral e
daquela determinada realidade); esperança; abertura
Planejar Ver condições de poder antecipar e realizar a ação

— Quadro: Tarefas implicadas na re-significação do Planejamento—

Planejar, então, remete a: 1- querer mudar algo; 2- acreditar na possibilidade de mudança da


realidade; 3- perceber a necessidade da mediação teórico- metodológica; 4- vislumbrar a possibilidade de
realizar aquela determinada ação. 14 Para que a atividade de projetar seja carregada de sentido, é preciso, pois,
que, a partir da disposição para realizar alguma mudança, o educador veja o planejamento como necessário
(aquilo que se impõe, que deve ser, que não se pode dispensar) e possível (aquilo que não é, mas poderia ser,
que é realizável).

1 -NECESSIDADE DO PLANEJAMENTO

1.1. Pressuposto Fundamental do Planejar:

Necessidade de Mudar

O fator decisivo para a significação do planejamento é a percepção por parte do sujeito da


necessidade de mudança. E claro que se tudo vai bem, se nada há para se modificar na escola, para quê
introduzir este tal de 'plano5? É incrível, mas muitos professores parecem tão satisfeitos — ou alienados... —
com suas práticas que não sentem necessidade nem de aperfeiçoamento. Talvez, se questionados sobre a

14 De certa forma, podemos relacionar estes aspectos com os conceitos de potência

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escola, até tenham o que dizer; ou não, de medo que dizendo alguma coisa possa sobrar alguma tarefa para
eles... Todo o trabalho da ideologia dominante vai no sentido de anestesiar a percepção das contradições e a
conseqüente necessidade mudança. O ponto de partida é uma pergunta básica: há algo em nossa prática que
precisa ser modificado, transformado, aperfeiçoado? Se não há, não se precisa de projeto. A ausência de
falta, a inapetência (física e/ou intelectual), a ausência de desejo é sinal de estagnação, e, porta ~ de morte.
O que constatamos com freqüência é que há uma descrença anterior e mais profunda, qual seja, não
com o planejamento enquanto tal, mas com a própria educação... (e, em alguns casos, no limite, com a
própria existência: morte do entusiasmo, do espanto, da indignação — cf. Santos, 1996a). Não é possível re-
significar o planejamento em si, isolado da re-significação de estar no mundo e de toda a prática
educacional! O grande nó do planejamento educacional pode estar na morte do autêntico trabalho
pedagógico devido a:

• Fatores exteriores: a falta de condições e de liberdade, a cobrança formal e autoritária do


cumprimento do programa, etc.;
• Fatores interiores: o professor que se entregou, que abriu mão de lutar, de resistir contra as
pressões equivocadas.

Não há processo, técnica ou instrumento de planejamento que faça milagre. O que existem são
caminhos, mais ou menos adequados. De qualquer forma, o fundamento primeiro de qualquer processo de
planejamento está num nível mínimo (considerando que a realidade é sempre contraditória e processual),
pessoal e coletivo, de compromisso (desejo, ética, responsabilidade) e competência (capacidade de resolver
problemas).
A questão do planejamento é desafiadora, pois projetar é para o humano, e não poucas vezes estamos
reduzidos em nossa humanidade, estamos desanimados, descrentes, cansados. Também no meio educacional
— entre professores, membros de equipes de coordenação, direção, mantenedores, pais, funcionários, alunos
—, estão presentes forças de vida e de morte. Chegamos a nos sentir com ausência de desejo: quem quer a
escola? quem acredita na escola como caminho de construção de uma sociedade mais justa? Escola para
quê? Simplesmente como meio de subsistência?
O que dá vida a uma escola? Seria o planejamento? Não podemos ter esta ilusão. São as pessoas, os
sujeitos que historicamente assumem a construção de uma prática transformadora. Antes de mais nada,
precisamos de uma ‘matéria- prima’ fundamental: as pessoas, que buscam, sonham, pensam, interrogam, de-
sejam. Numa concepção libertadora, sujeitos, projeto e organização devem se articular a partir do
fundamental, que são as pessoas, construtoras e destinatárias da libertação.
Não vivemos sem desejo. Precisamos nos aproximar, precisamos somar as forças — ainda que
diminutas — dos que desejam, dos que estão vivos e querem lutar pela vida... Por outro lado, como dizia D.
Helder: “o número de pessoas que querem o bem é muito maior do que a gente imagina”.
Existem várias formas de suicídio [Eros (princípio de ação, desejo, disposição vital) x Thánatos
(impulso de morte, destruição) cf Freud, 1856-1939]: uma delas é nos metermos no trabalho feito loucos e
não pararmos para pensar. Outra é ficarmos sempre reclamando: dá uma sensação de que estamos fazendo
alguma coisa. Aliás, para o sistema é muito bom, é uma forma de se manter pois a queixa funciona “como
lubrificante da máquina inibitória do pensamento”, já que “este lamento impotente confirma e reproduz um
lugar de dependência” (Fernández, 1994: 107), e ainda dá a aparência de ser democrático; tal atitude é
absolutamente ineficaz quando não se tiram conseqüências concretas de organização e ação. Estas evasivas,
no entanto, podem configurar um ciclo vicioso, pois o que dá energia para a ação é a visualização de algo a
ser realizado, um objetivo, uma finalidade; ao não estabelecê-la, vamos tendo menos disposição ainda, e
assim sucessivamente. Romper este círculo necrófilo implica investir num primeiro momento, acreditar, estar
marcado pelo desejo de mudar, pela busca de melhoria, pelo compromisso com a transformação. A questão
essencial, portanto, a ser colocada é:

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O planejamento só tem sentido se o sujeito coloca-se numa perspectiva de mudança

Coloca-se então, uma possível situação de prostituição do magistério: planejamos porque outros nos
pedem/obrigam, mas não acreditamos naquilo... Nos vendemos barato; preferimos cumprir rituais formais a
enfrentar conflitos.
O professor deveria se recusar a formalizar planos, enquanto não estivesse convencido. Onde está a
formação para a autonomia? (a começar por ele mesmo!).

— O Educador como Sujeito de Transformação

Para resgatar o lugar do planejamento na prática escolar, há um elemento fulcral que é o professor se
colocar como sujeito do processo educativo. Quem age por condicionamento, não carece de planejamento,
pois alguém já planejou por ele; seres alienados ‘não precisam5 planejar! Muito sinteticamente, podemos
dizer que o indivíduo está na condição de sujeito de transformação15 quanto a uma prática, quando em
relação a ela há um querer (estar resolvido a fazer alguma coisa) e um poder (capacidade de realizar algo).

Querer
Fazer
Poder

O querer é a dimensão relativa às necessidades, ao desejo (eros: vivo desejo, amor), à paixão
(pathos: sofrer, suportar, deixar-se levar por), às emoções, à afetividade, aos valores assimilados. Já os
gregos antigos (Hesíodo e Parmênides) sugeriam que o amor é a força que move as coisas e as conduz e as
mantém juntas; o amor é falta, insuficiência, necessidade e ao mesmo tempo desejo de adquirir e de
conquistar o que não se possui. A ação humana, simbólica ou material, se caracteriza por ser motivada; para
agir, o sujeito precisa desta energia, deste ‘querer5.
O querer, no entanto, não basta. Devemos considerar que o sujeito faz parte de uma realidade maior
e que, portanto, sua ação vai depender também dos condicionantes da mesma, qual seja, para que uma ação
chegue a se realizar, é preciso que seja historicamente possível; em suma, é preciso poder. Esta palavra tem
uma significação muito complexa; aqui estaremos assumindo-a como a capacidade ou possibilidade de agir,
de produzir efeitos, de realizar.
O poder tem uma base objetiva que são as condições para a ação (os meios, os recursos, sejam
materiais ou estruturais), e uma base subjetiva que é o saber (seja na forma de conhecimento, habilidades
e/ou atitudes). Há também aqui uma relação entre estas dimensões, uma vez que a base objetiva, por um
turno, constrange a subjetiva, e, por outro, pode ser alterada justamente pela ação consciente do homem,
portanto, orientada pela base subjetiva.
O quadro a seguir procura sistematizar as várias dimensões envolvidas neste processo.

Campo Área (s) Dimensões

Vontade (motivo mais consciente)

Querer Necessidade

Desejo (motivo mais inconsciente)

15 No presente trabalho, sempre que nos referirmos à transformação estaremos assumindo o sentido de uma mudança em direção a um horizonte de
emancipação humana, pessoal e coletiva, institucional e social.

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Saber • Saber
• Saber Fazer
• Saber ser
Poder

Ter • Recursos Materiais


• Recursos Políticos

— Quadro; Dimensões do Querer e do Poder implicadas na Atividade Humana—

Não podemos partir do pressuposto de que este sujeito de transformação esteja pronto; deve ser
formado, ou melhor, precisa se construir. Para Isto, é fundamental fortalecer seu querer e seu poder.
E interessante observar previamente que há uma dialética entre o possível e o necessário: o fato do
sujeito saber o que lhe é necessário, o provoca a procurar as possibilidades de realizar; o fato do sujeito saber
o que é possível, abre espaço para que necessidades sejam nele geradas (uma vez que a necessidade é sempre
necessidade de algo); é o movimento Interno entre o querer e o poder no sujeito: se não vislumbra
possibilidade de mudança, pode nem se Interessar por ela.
O empenho no ato de planejar depende, antes de mais nada, do quanto se julga aquilo importante,
relevante (corresponde a Interesses do sujeito/grupo): quando há Interesse nos resultados, certamente o
sujeito/grupo vai se envolver no planejamento, a fim de garantir, o máximo possível que o resultado
almejado venha a se concretizar. Quando estudamos processos de planejamento, não deixa de emergir uma
questão: por que na indústria, nas empresas o planejamento é tão enfatizado e valorizado? Poderíamos dizer,
a princípio, porque funciona! E por que funciona? De um lado, é razoável levantar a hipótese de que o
número e a complexidade das variáveis são bem mais limitados.16 Mas de outro lado, uma outra hipótese,
menos simpática, pode ser acionada: o planejamento funciona na empresa porque há um forte interesse nos
resultados (no mínimo, do proprietário), enquanto que na escola...
Há uma assertiva popular de que “querer é poder”. Esta é uma visão voluntarista, na medida em que
nega as exigências implicadas na realização deste querer. Entendemos que querer é condição necessária para
começar a criar um novo poder, a fim de enfrentar os poderes estabelecidos, mas não é suficiente»
O professor precisa interromper o cruel processo de imbecilização, de destruição a que vem sendo
submetido. Precisa resgatar-se como autor, como sujeito, como ser autônomo, para, enfim, resgatar sua
dignidade. E o planejamento pode ser um valiosíssimo caminho para isto, pois ajuda a superar o processo de
alienação, qual seja, fazer com que o professor, enquanto ser consciente, não transforme “sua atividade vital,
o seu ser, em simples meio da sua existência” (Marx, 1989: 165). A superação da alienação não pode ficar
restrita, obviamente, ao planejamento consciente da atividade de sala de aula; vai implicar a intervenção do
professor na escola, na comunidade e na sociedade no seu aspecto mais geral (vários níveis de luta).
Desta forma, se “o objetivo principal do projeto educativo emancipatório consiste em recuperar a
capacidade de espanto e de indignação e orientá-la para a formação de subjetividades inconformistas e
rebeldes” (Santos, 1996a: 17), isto deve se dar, antes de tudo — e até como condição de possibilidade —, no
próprio educador!

1.2 Planejamento como Necessidade do Educador

Os autores mais progressistas, ao abordarem a problemática, lembram que, antes de ser uma mera
questão técnica, o planejamento é uma questão política, na medida em que envolve posicionamentos, opções,
jogos de poder, compromisso com a reprodução ou com a transformação, etc. Isto é um avanço, mas ainda
não dá conta da sua significação. Para ter sentido, o enfoque do planejamento, com efeito, necessita deste
deslocamento. Todavia não basta trabalhar numa nova abordagem; é preciso trabalhar também a descrença
que o professor traz, portanto, a percepção, o conhecimento, as representações prévias que já tem quanto ao

16 Na escola, ao invés de se reconhecer esta dificuldade e ir fii__Jo na Investigação, parte-se logo para a
improvisação.

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planejamento. Há, então, esta questão mais elementar hoje colocada, que é a valorização do planejamento, o
estar mobilizado para fazê-lo, entendê-lo realmente como uma necessidade. Trata-se de um problema filosó-
fieo-axiológico, de posicionamento valorativo, de ver sentido, acreditar. O planejamento é político, é hora de
tomada de decisões, de resgate dos princípios que embasam a prática pedagógica. Mas para chegar a isto, é
preciso atribuir- lhe valor, acreditar nele, sentir que planejar faz sentido, que é preciso. O primeiro passo,
portanto, é chegar ao ponto do:

Planejamento ser necessidade do professor!

— Da Necessidade de Planejar

Por que o planejamento é necessário? Se o ponto de partida, se a motivação primeira do planejar é o


desejo de mudança da realidade, é preciso perceber que esta mudança não se dará 1- espontaneamente (o que
transforma a realidade são as ações), 2- apenas com boa vontade (não é qualquer ação): há uma lógica dada
que caminha em sentido contrário ao da humanização que estamos buscando. Uma clareza deve ser
resgatada: a reprodução, o ensino desprovido de sentido, pode existir sem planejamento, todavia a recíproca
não é verdadeira: se desejamos uma educação democrática, temos que ter um projeto bem definido nesta
direção. Se deixarmos a 'coisa rolar’, se não adotarmos uma intervenção consciente e crítica, o que teremos
será a reprodução do mundo que está dado (império do determinismo), que tem suas estruturas, seus
condicionantes, que se traduzem em práticas sociais, formas de organização do espaço-tempo-recursos,
símbolos, leis, normas, rotinas, etc. Portanto, por si, as coisas tendem a serem repostas, dada a ‘engrenagem5
montada (que, provavelmente, corresponde a uma Intencionalidade do passado). E como se ganhassem 'vida
própria5; precisamos considerar, todavia, que esta 'engrenagem’ é alimentada, é sustentada muito
concretamente pela ação — alienada — dos homens ali presentes. A medida que o Indivíduo/grupo não
conhece os fatores condicionantes mais essenciais, agindo de forma Imediata, sob a pressão de
determinações que lhe são desconhecidas 17 , menos sujeito é da história, mais determinado está. "As ciências
da planificação permitiram, sobretudo, que o homem se apercebesse da natureza e dos mecanismos das
determinações que condicionam sua vida, controlando e manipulando estas em favor dos seus projetos55
(Carvalho, 1992: 137).
Guiado pelo projeto, o educador pode agir sobre si mesmo e sobre as condições reais de sua
existência.
Não podemos ser ingênuos: para estabelecer uma outra ordem nas coisas, há necessidade de uma
ação numa determinada direção, pois não é uma ação qualquer que nos levará ao que desejamos.

Mesmo quando as condições histórico -sociais de uma determinada sociedade estão deterioradas,
marcadas pela degradação, pela opressão e pela alienação, como é o caso da sociedade brasileira, o
projeto educacional se faz ainda mais necessário, devendo se construir então como um projeto
fundamentalmente contra-ideológico, ou seja, desmascarando, denunciando e criticando o projeto
político opressor e anunciando as exigências de um projeto político libertador. (Severino, 1998: 82)

O sistema dominante disponibiliza leituras de realidade, fins e meios; só que estes não são neutros,
evidentemente. Se não damos uma direção à nossa ação, se não temos um projeto claro, com certeza (pela
característica teleológica do homem), sem 'projeto5 é que não agimos; alguém está nos dirigindo.
A perspectiva de superação implica, então, a mediação teórica que deve dar conta da qualificação da
ação de intervenção e da complexidade do campo da ação. Precisamos, pois, planejar em função da:

□ Qualificação da Ação (intencionalidade);


□ Complexidade do Real.

17 Cf. Karl Mannhein, Ideologia e Utopia.

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a) Qualificação da Ação

O que importa é a ação! A ação é o elemento fundamental definidor dos sujeitos e das instituições. O
objetivo de todo processo de planejamento é chegar à ação. Como dizem muitos professores 'O importante é
a prática’; estamos de acordo. Mas se fosse só isto, tudo estaria resolvido, pois o que não falta nas
instituições educacionais é prática... Alguém pode afirmar: “O que Importa é que estamos fazendo, mesmo
não tendo o projeto...” Cuidado: fazendo todo mundo está, toda escola, mas o que está se obtendo? Para onde
estão indo? Um outro pode dizer: “Se as coisas vão indo bem sem o planejamento mais consciente, Isto
significa que podemos esquecê-lo”. Só gostaríamos de lembrar de um detalhe: o julgamento de que 'as coisas
vão indo bem’ não pode ser feito apenas pelo professor; há que se consultar todos os envolvidos,
especialmente os alunos...
A questão é o tipo, a qualidade da prática. A análise de processos de mudança traz uma clara
constatação: não basta qualquer ação. Não pode ser qualquer ação, pois não temos qualquer finalidade, e não
partimos de qualquer realidade (pessoas, recursos, instituição, comunidade, sociedade).

•A realidade não é qualquer e não queremos uma mudança qualquer

•A ação a ser desenvolvida não pode ser qualquer

•A ação humana consciente está sempre pautada numa certa elaboração teórica

Mediação Simbólica -> Nova Intencionalidade

— Esquema: Ação e Mediação Simbólica –

Um dos grandes desafios da instituição ou do sujeito é justamente chegar a uma ação que seja eficaz,
Inovadora (tendo como referência um projeto de emancipação humana). Reiteramos: ações, práticas temos o
tempo todo; o que nos Interessa enquanto Instituição é chegar a uma ação qualificada: ação
transformadora. A questão é ter a prática adequada, fazer 'a coisa certa’: momento, conteúdo, forma e
postura adequados (quando, o quê, como, para quê). Como chegar, então, a uma ação transformadora? Sorte?
Mera Intuição? Repetição do que vem sendo feito? Se entregar ao destino? Ensaio e erro? Ajuda dos deuses?
E claro que podemos chegar, propor uma ação e esta ser a 'certa’, em função de nossa experiência, intuição,
etc. Ocorre que historicamente não é isto que em geral se dá. O que estamos procurando é um caminho mais
seguro, que possa utilizar o arcabouço científico para nos fazer sofrer menos (cf. Brecht, 1898-1956). Isto
não exclui, obviamente, a Intuição, mas ao contrário, lhe dá suporte, sustentação. O planejamento se coloca
como uma ferramenta para isto. A ação a ser desencadeada deve estar atravessada, pois, por uma
intencionalidade, sendo fruto de uma proposta. Coloca-se aqui a necessidade da mediação simbólica, da
teoria, de um método de trabalho, que ajude a superar a apreensão vulgar, imediata da realidade e permita
nela Interferir.

Relação Teoria-Prática: em busca da Práxis

Tem sido comum ouvirmos dos professores afirmações do tipo: ‘Ah, teoria nós já temos; queremos a
prática’, refletindo uma descrença e uma certa fobia à teoria, paradoxalmente, visto que a escola deveria ser
um dos espaços por excelência para cultivá-la. Questionamos: temos, com efeito, teoria ou um blablablá
desenfreado, uma colcha de retalhos de fragmentos de discurso? Pois. a teoria, se é teoria mesmo,
forçosamente é ligada à prática 18. Como dizia Paul o Freire (1921-1997): nada mais prático que uma boa

18 Desde sua origem grega: teoria como visão de um espetáculo (os jogos ou festivais públicos); no nosso caso, o espetáculo seria a própria
realidade que está sendo pesquisada. E certo que depois houve uma distorção metafísica, mas que a epistemologia dialética procura superar.

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teoria. Teorizar é iluminar a ação, é decifrá-la, é apreender o movimento do real, portanto, algo por essência
relacionado à prática.
A nossa hipótese é de que falta teoria, embora abunde discurso... O professor fica com uma certa
elaboração 'teórica’ que não dá conta da realidade. Temos, isto sim, como apontamos, muita plasticidade no
discurso: um dia, éramos tradicionais, outro dia, modernos, outro dia tecnicistas, etc. Assimilamos a nova
retórica com uma enorme facilidade, às vezes até de forma ingênua, deslumbrada ou dogmática. Todavia,
isto não significa mudança profunda de concepção (prova disto é a rigidez da prática), mas apenas mudança
de discurso; é a apropriação de palavras, são os modismos 19. Fazemos isto não ‘por maldade , mas por uma
autêntica situação de busca, frente às dificuldades da sala de aula, ou ainda uma forma de sobreviver sem
muito conflito com as diferentes administrações, cada uma querendo deixar sua marca 20. Corremos o risco,
no entanto, de criarmos certas aberrações metodológicas. As palavras foram prostituídas... O discurso novo
sai muito fácil; talvez até como forma de se tentar encobrir o que é intuído de início: a prática nanica que se
tem/terá (quem sabe esperando um certo milagre de que, pelo fato de se estar dizendo, ‘automaticamente’
comece a acontecer...). Daí vem o drama: tudo resolvido no discurso os problemas continuando no
concreto...
Por outro lado, a rigor, não há prática (no sentido ético ou técnico) puramente material, que não
esteja vinculada a alguma elaboração teórica, a algum nível representacional (cf. Gardner, 1995: 403); existe
sempre a presença de um mínimo de consciência, do elemento teórico: “a existência dos homens se dá
sempre no duplo registro da objetividade/subjetividade, de modo que estão sempre lidando com uma
objetividade subjetivada e com uma subjetividade objetivada” (Severino, 1998: 86).

A práxis, com efeito, é uma passagem do objetivo ao objetivo pela interiorização; o projeto, como
superação subjetiva da objetividade em direção à objetividade, tenso entre as condições objetivas do
meio e as estruturas objetivas do campo dos possíveis, representa em si mesmo a unidade em
movimento da subjetividade e da objetividade estas determinações cardeais da atividade. O subjetivo
aparece, então, como um momento necessário do processo objetivo. (Sartre, 1978: 154)

O que acontece é que a unidade teoria-prática pode ocorrer de forma mais ou menos precária. Assim,
ao contrário do senso comum, podemos dizer que na prática a teoria é aquela que de fato assimilamos,
ainda que não seja aquela que desejaríamos. Se no processo de planejamento estamos visando um certo tipo de
ação, precisamos então buscar a teoria que a fundamente e, sobretudo, que possa servir de guia para a
prática.
A relação teoria-prática é uma, e apenas uma, das relações que interferem na prática. Na verdade, a
prática tem relações com o contexto maior, com as estruturas da instituição, com as necessidades biológicas,
vontades e desejos dos sujeitos, além da relação com a teoria. Assim, a teoria (projeto) deve ser a melhor
possível, não caindo, porém, na ingenuidade de imaginar que basta planejar para acontecer: tendo em vista as
diferentes visões e opções, bem como o já referido processo de alienação, há toda uma luta ideológica,
política, econômica, social a ser enfrentada, seja consigo mesmo, com os colegas de trabalho, com os
educandos, com as famílias e com as instituições em geral.

A teoria em si (...) não transforma o mundo. Pode contribuir para sua transformação, mas para isso
tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar com
seus atos reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se
insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos
concretos de ação. (Vázquez, 1977: 206)

Devemos considerar que o que modifica efetivamente a realidade é a ação e não as idéias. No
entanto, a ação sem idéia é cega e ineficaz. O que visamos e a práxis: “...a praxis é, na verdade, atividade

19 E claro que por detrás deste problema há uma questão epistemológica: a complexidade do nosso objeto de trabalho, a história de constituição
das ciências da educação quase sempre apoiadas em outras ciências, etc. Ver, por exemplo, Gimeno Sacristán, 1983.
20 “O que ‘eles’ querem ouvir? E isto que vou dizer...” Algo semelhante ao que ocorre em sala de aula com o aluno: aprende a dizer o que o
professor quer ouvir para poder sobreviver.

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teórico-prática; ou seja, tem um dado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com a
particularidade de que só artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do
outro” (Vázquez, 1977: 241).
A consciência pode ser uma contradeterminação em relação à determinação da prática social
alienada, pois se isto não fosse possível, não haveria, como tem havido, mudanças históricas. A teoria pode
ser um elemento importante na alteração da realidade econômica, social, política e cultural. Mas “esse fator
subjetivo só pode ser decisivo sob a condição de integrar-se no movimento dos fatores objetivos” (Vázquez,
1977: 39).
Será que na educação estamos precisando de uma nova relação de idéias sobre a realidade ou de uma
nova relação com as idéias e com a realidade? (cf. Vasconcellos, 1998a: 53). Nos parece fundamental
pararmos de ficar correndo atrás de modismos e levar a sério algumas idéias que acreditamos, tentar trans-
formar a prática, buscar concretizar. Até porque, sabemos que se não houver uma mudança da prática do
sujeito, aquela consciência inicial não se ‘consolida’, se volatiliza e o sujeito volta a ser determinado por sua
existência (não transformada, anterior).
Neste sentido, deve ficar claro que o projeto em si não transforma a realidade; não adianta ter planos
bonitos, se não tivermos bonitos compromissos, bonitas condições de trabalho sendo conquistadas, e bonitas
práticas realizadas. O que vai, de fato, orientar a prática é a teoria incorporada pelos sujeitos. Por Isto, não
adianta um belo texto, mas que não corresponde ao movimento conceituai do grupo.

O Planejamento como caminho de Teorização para o Professor

O planejar, no sentido autêntico, é para o professor um caminho de elaboração teórica, de produção


de teoria, da sua teoria! E evidente que, num ritual alienado, quando multo, o que pode acontecer é tentar
aplicar, ser um simples 'consumidor5 de idéias/teorias elaboradas por terceiros; mas quando feito a partir de
uma necessidade pessoal, o planejamento torna-se uma ferramenta de trabalho intelectual.
Poderíamos resgatar aqui algumas reflexões sobre a relação entre pensamento e linguagem, situando
o planejamento neste contexto. Entendemos que, assim como a linguagem, o planejamento desempenha duas
funções básicas: instrumento e interação (comunicação)33 de pensamentos. Faremos na seqüência referência
à primeira função, e mais adiante, à outra.

— O Planejamento como Instrumento de Pensamento

A teoria dialética do conhecimento nos revela que o sujeito, à medida que vai conhecendo algo, tem
necessidade de Ir expressando — de alguma forma (sendo a linguagem verbal uma forma privilegiada) —
aquilo que está se apropriando. Podemos recorrer à função analítica a que se refere Luria (1987); falar não é
só repetir/expressar o pensamento, mas como que se antecipar a ele, ou seja, a palavra cumpre a função de
organizar o pensamento para poder ser devidamente assimilado. O professor deve compreender que a
expressão (oral, escrita) não. é apenas um meio de comunicação, é também um instrumento de
pensamento; esta é a função mais sofisticada da linguagem (enquanto generalização do pensamento,
categorização, instrumento de mediação na relação do sujeito com o mundo). Por Isto se percebe que
embora, a partir de certo ponto do desenvolvimento, pensamento e linguagem formem uma unidade, não são
idênticos. Algo semelhante se observa no processo de desenvolvimento da criança, quando antes de fazer
algo, diz em voz alta. Entraria aqui uma das funções da linguagem: a de planejamento.

— Pensamento-Linguagem

A relação entre o pensamento e a palavra é um processo, um movimento contínuo de vaivém do


pensamento para a palavra, e vice-versa. A palavra não simplesmente a expressão do pensamento; é por meio
das palavras que o pensamento passa a existir. O pensamento procura solucionar um problema e por isto

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estabelece uma relação entre as coisas. O estudo do fluxo do pensamento pede investigação sobre suas fases
de elaboração, antes de ser externalizado.
Inicialmente, deve-se distinguir dois planos da fala: o interior — semântico .. significativo — e o
exterior — fonético — ; eles formam uma unidade, mas têm suas leis próprias de movimento. A fala Interior
é para si próprio; a fala exterior é para comunicação com os outros. Esta diferença funcional afeta a
estrutura de ambas.
O processo de pensamento não é idêntico ao da fala. Assim, por exemplo, um pensamento é
concebido como um todo; depois o sujeito expressa-o em . palavras separadas pela própria contingência da
linguagem, sendo que a transição do pensamento para a palavra passa pelo significado. Mas se quisermos ir
mais fundo ainda na análise, temos que procurar os motivos de um pensamento: “urna compreensão plena e
verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua base afetdvo-volitiva” (Vygotsky,
1987: 129).

— Determinação da Síntese

Enquanto a síntese (no caso, o projeto) está 'na cabeça’, pode ainda incorrer em certo grau de
generalidade, de abstração, ao passo que ao se realizar a exposição material, o sujeito se obriga a uma
formatação, a uma objetivação, a uma sintetização conclusiva, específica. Pode acontecer da expressão
material (fala, escrita, etc.) ser simples reprodução da síntese mental (o que significa que da foi feita com
bom grau de concretude); multas vezes, no entanto, o que ocorre é que no momento da exposição, o sujeito
apercebe-se que as relações, as articulações não estão tão claras assim. Desprezar a exposição material seria
supervalorizar a elaboração mental do indivíduo, além de negar a possibilidade de reconstrução e de
interação social (cf. Vasconcellos, 1999: 94-95).
Nos sistemas burocráticos de ensino, baseados na 'pressa’, no formalismo ou nas cobranças
autoritárias, há o risco do professor não elaborar sua síntese, e sua exposição (plano) ser mera reprodução
mecânica de outros planos ou mesmo do livro didático.
Estamos de acordo no que diz respeito ao fato de que o professor deve ter, e saberes sobre o objeto
que ensina; mas como é que vai organizar isto na ordem da exposição? Não basta dominar o assunto.
Planejar ajuda a 'fluir5 de maneira lógica (o que vem antes, o que vem depois) e significativa (o que é
relevante, o que está de acordo com realidade e necessidade do grupo). São conhecidos os casos de
professores que, segundo o reconhecimento dos próprios alunos, dominam multo bem o que ensinam, mas
'não conseguem transmitir5. De fato, não há uma relação-linear entre uma coisa e outra: se o professor não
planejar, e muito bem, todo o seu domínio de conteúdo pode ficar trancado, não conseguir estabelecer a
ligadura’ com os alunos, frustrando a intencionalidade do ensino que é a aprendizagem. Nesta medida, o
planejamento pode ser, pois, uma forma de organizar o pensamento do professor tendo em vista a prática
pedagógica. Planejando e avaliando, poderá ir se aproximando de uma forma mais apropriada de trabalho.
No próximo capítulo voltaremos a esta questão da intencionalidade e do seu papel no planejamento.

b) Complexidade da Prática Educativa

A necessidade do planejamento está relacionada também à complexidade da ação a ser desenvolvida,


que decorre, basicamente, do:

• Objeto — complexidade da atividade em si;



21
Processo — nível de abrangência.

— Complexidade da Realidade em Geral

21 Se o processo da atividade a ser desenvolvida for coletivo, demanda maior articulação, organização, registro.

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Se a realidade nos fosse dada imediatamente, não precisaríamos da reflexão teórica, os fenômenos se
revelariam de maneira direta à nossa sensibilidade, ficando fácil intervir para obter o que quiséssemos. O que
de fato acontece é que, se desejamos compreender um fenômeno, temos que ir além de sua aparência, ou
seja, ir além da maneira como se nos revela num primeiro momento, captar suas leis de desenvolvimento,
sua essência 22 (a aparência faz parte da essência, mas absolutamente não a esgota). Todo dia o Sol se levanta
e o Sol se põe; é ‘óbvio’, portanto, que o Sol gira em tomo da Terra... A aparência freqüentemente mais
oculta do que revela a essência.

A ciência parece um paradoxo e está em contradição com as observações da vida cotidiana. Parece
também paradoxal que a Terra gire ao redor do Sol e que a água seja formada por dois gases
altamente inflamáveis. As verdades científicas serão sempre paradoxais, se julgadas pela experiência
de todos os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das coisas. (...) Toda ciência seria
supérflua se a essência das coisas e sua forma fenomênica coincidissem diretamente. (Marx, 1978: 79;
O Capital, III, 2)

Na verdade, vivemos, cotidianamente, na pseudoconcreticidade de que fala Kosik:

O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana,
que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos
agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o mundo da pseudoconcreticidade.
(1985: 11)

No enfrentamento do real, percebemos que a natureza tem sua estrutura, suas leis, e que a
humanidade (pessoal e social) está marcada por conflitos de Interesses, de forma que oferecem resistência ao
desejo do homem na sua ação sobre o mundo. Como já apontamos, não temos o controle de todas as
variáveis, não podemos simplesmente ‘imprimir forma5 do jeito que desejamos. Diante da ‘resistência5 da
realidade, temos necessidade de conhecer seus múltiplos nexos, para possibilitar a inserção crítica no
processo. E como aponta Marx (1818- 1883) na Introdução à Crítica da Economia Política, o concreto é
síntese de múltiplas determinações e não aquilo que se nos apresenta logo de Imediato (empírico).
O mundo presente, com toda sua trama de relações, nos desafia, e a teoria deve ser elemento
decifrador e orientador da prática histórica. Eis uma grande tarefa para o planejamento.

— Complexidade da Realidade Educacional

O campo sobre o qual incide o planejamento educacional é de fato extremamente complexo, sendo
difícil apreender seus determinantes. Talvez aí esteja uma das dificuldades do professor, diferente do
planejamento em outras áreas (engenharia, odontologia 23, p. ex.), onde é mais fácil controlar as Variáveis5 e
se chegar ao resultado esperado.
No caso da educação escolar, temos a dupla fonte de complexidade: objeto e processo. Precisamos
tomar consciência de que nosso trabalho é dos mais intrincados do ser humano: trata-se da formação da
consciência, do caráter e da cidadania, ao mesmo tempo, de 20, 30, 40 pessoas; por isto exige também um
planejamento à altura. Estamos partindo, pois, do pressuposto de que a tarefa de educar é por demais
importante e complexa para ser decidida e feita Isoladamente, na improvisação, ao acaso, na base do
‘jeitinho”.
Um outro fator pode ser considerado: a escassez de recursos: quanto menos recursos disponíveis se
tem, maior a necessidade de planejar para poder aproveitá-los melhor.

22 Estamos assumindo essência não no sentido metafísico (algo já pronto e estático, que restaria ‘descobrir’), mas dialético
(conjunto de relações que caracterizam, determinam historicamente o objeto, portanto, uma construção).
23 O dentista é capaz de mostrar na tela do computador como vai ficar a restauração a ser feita e ainda oferecer diferentes
opções...

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— Complexidade do Planejamento

Como apontamos na lª parte, uma das queixas dos professores recai sobre a complexidade do
planejamento. A rigor, poderíamos dizer que o planejar em si não seria tão complicado assim: bastaria
responder 5 ou 6 perguntas (porquê, para quê, o quê, como, com que, etc.). Acontece que complexa é a
realidade sobre a qual incide o planejar: “o difícil não é” saber como planejar. E conhecer “ o que se planeja”
(Ferreira, 1985: 58).
Neste sentido, uma pergunta não deixa de vir à mente, quando ouvimos os professores afirmarem
que desejam um planejamento ‘simples5: acaso a NASA (agência espacial norte-americana) pode fazer um
planejamento ‘simples5 para o lançamento de um foguete? Nos perguntamos, então, o que seria mais comple-
xo: o lançamento de um foguete ou a formação de um ser humano?... “Não temos dúvidas em afirmar que a
mais complexa das empresas é muito mais simples, do ponto de vista do projeto que persegue, do que a mais
simples das escolas” (Machado, 1997: 38).
Por outro lado, podemos entender o que está por detrás da solicitação dos professores: que o
planejamento não seja artificialmente complexo (muito minucioso, detalhista), vale dizer, ser tal que tenha
significado para os professores e não apenas para a equipe técnica da escola. Como dizia Albert Einstein
(1879- 1955): “Devemos simplificar o máximo possível; porém, não mais que o possível!”, pois cairíamos
no simplismo. Bachelard também alerta para a impossibilidade de uma eventual ilusão de 'caminho rápido5
para se chegar a uma forma simples de planejar: “não se poderá delinear o simples senão após um estudo
aprofundado do complexo” (1978: lóó).
Outro elemento que complexifica demais é a dimensão coletiva do trabalho educativo; se fosse uma
atividade de cunho individual, poderia até ser mais. fácil planejar, já que bastaria a percepção de
necessidade, objetivo e plano de ação por parte do professor. Mas mesmo assim, não podemos nos iludir,
tendo em vista a ecologia cognitiva: “Quem pensa? (...) O pensamento se dá em uma rede na qual neurônios,
módulos cognitivos, humanos, instituições de ensino, línguas, sistemas de escrita, livros e computadores se
interconectam, transformam e traduzem representações” (Lévy, 1993: 135). Quando entramos na esfera do
trabalho de grupo, estas três dimensões da elaboração já devem passar pelo crivo de todos, o que vai exigir a
explicitação de cada um, o registro, a negociação, etc.

— O Planejamento como Instrumento de Comunicação

Trazemos agora a complementação da reflexão anterior sobre a aproximação entre planejamento e


linguagem. A elaboração do planejamento por parte do professor é basicamente um fenômeno mental, o que,
naturalmente, dificulta a interação com os demais sujeitos participantes. Embora, no dia-a-dia, o professor
entre sozinho na sala de aula, está, na verdade, sendo portador de um projeto que é coletivo e que, por sua
vez, responde a uma delegação da sociedade no sentido da formação das novas gerações; há, portanto, um
caráter público na sua atividade. Daí a demanda de explicitação (oral, escrita, gráfica) como suporte da
comunicação.
O Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto Educativo), além de permitir a interação de pensamentos
entre seus agentes construtores, favorece a interlocução com a comunidade, com os órgãos responsáveis pelo
sistema educacional e com a sociedade no seu conjunto (a quem possa interessar). Já o Projeto de Ensino-
Aprendizagem, enquanto explicitação da proposta de trabalho, possibilite estabelecer a comunicação com os
outros professores, visando a integração curricular, bem como a evitar as desnecessárias repetições ou os
vazios curriculares (um acha que o outro vai dar determinado conceito); permite ainda uma melhor
comunicação com os alunos (conhecendo-os, explicitando objetivos, etc.), propiciando sua participação mais
efetiva em aula e na própria construção da proposta.

2 -POSSIBILIDADE DO PLANEJAMENTO

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Nenhuma pessoa de bom senso se envolve numa atividade sem previamente avaliar sua viabilidade.
Portanto, antes de fazermos maiores ponderações sobre a prática do planejamento, precisamos passar pela
análise de sua própria possibilidade: até que ponto é possível planejar, qual seja, até que ponto é possível
antecipar e realizar uma determinada ação desejada? Como apontamos, este questionamento é precedido por um
outro que tange a possibilidade de mudança ela realidade em geral

2.1. Possibilidade de Mudança em Geral

A realidade que nos cerca, em função de suas gritantes e desumanas contradições, aponta para uma
urgente necessidade de mudança. Paralelamente, existe um desejo, em muitos educadores, de sair dessa
situação e ir para uma melhor. Vem então a questão: é possível? “E evidente, com efeito, que a atualização
de uma ação ou de uma idéia pressupõe que antes de tudo elas tenham sido tornadas ‘possíveis’...” (Piaget,
1985: 7). A resposta a esta pergunta não pode ser dada de forma idealista, onde, por uma espécie de
imperativo categórico, a pessoa afirma: ‘Sim, é claro que é possível’. Para superar este viés, há que se
recorrer à análise histórica e ao contexto concreto em questão.

Vivemos um tempo paradoxal. Um tempo de mutações vertiginosas produzidas pela globalização, a


sociedade de consumo e a sociedade de informação. Mas também um tempo de estagnação, parado na
impossibilidade de pensar a transformação social, radical. Nunca foi tão grande a discrepância entre a
possibilidade técnica de uma sociedade melhor, mais justa e solidária e a sua impossibilidade política.
(Santos, 199óa: 15)

— Atitude diante da Realidade

As idéias que nos habitam não nos são indiferentes: a luta inconsciente ou ainda-não-consciente
entre as forças de vida e de morte delas se apropriam; precisamos, pois, estar atentos às nossas
representações, à nossa visão de mundo.
Existe uma forma de abordar a realidade que a divide entre o bem e o mal, o positivo e o negativo, a
teoria e a prática, o tudo e o nada, o social e o individual, etc., de forma dicotômica, maniqueísta, dualista,
como se essas coisas ocorressem em ‘estado puro’, isoladas umas das outras, em pólos antagônicos
irreconciliáveis, irredutíveis. “Maneira de pensar onde a pessoa vê a realidade em pólos opostos e distintos,
negando completamente a complementaridade entre eles” (Grupo Tao, 1996: 72). Faz um julgamento
apressado, estereotipando, rotulando, imobilizando o real como forma de obter segurança em vista da sua
complexidade, não dando conta das contradições e da sua superação. Essa concepção linear, mecanicista,
reducionista, corre o risco de levar a duas posições equivocadas:

• Sob a marca do Possível — Voluntarismo: exacerbação da vontade do sujeito,


desconsiderando os limites e a influência da realidade;
• Sob a marca do Impossível — Determinismo: exaltação dos limites e influência da realidade,
desprezando a força da ação consciente e voluntária, bem como a possibilidade de sua
articulação (cf. Vasconcellos, 1998c: 22).

Embora tenham enfoques diferentes, estas duas posturas acabam levando ao imobilismo. A segunda,
obviamente, por ser uma atitude mecanicista e demissionária (pessimista, desesperançosa, niilista, de caráter
conformista e fatalista); a primeira, por passar a idéia que mudar é muito fácil: quando se tenta mudar,
emergem as dificuldades para as quais não se estava preparado, levando, em pouco tempo, ao desânimo, à
frustração, e por fim à acomodação. E Interessante observar também que no cotidiano escolar uma acaba
realimentando a outra: um professor julga que o colega está sendo muito otimista e resolve carregar nas
tintas do pessimismo, o que levará à reação do outro para compensar, e assim por diante. Devemos
reconhecer no entanto que nos dias correntes a postura fatalista tem sido hegemônica: paira um clima muito

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forte de desencantamento, chegando mesmo a uma atitude futuricida (cf. Santos, 1996b: 322), onde muitos
dos educadores mais avançados se apegam a um certo pós-modernismo que assume a morte do futuro para
gozar o presente, os mais conservadores se apegam nostalgicamente ao passado, e uma grande massa fica
desorientada por não vislumbrar perspectivas para o amanhã.

— Dialética Possível-Impossível

Há, porém, uma forma superadora de enfrentar a realidade, na qual leva-se em conta a complexidade
contraditória da totalidade do real: compreende-se que não há negatividade ou positividade ‘pura5, mas
positividades e negatividades interagindo dinamicamente na realidade mesma; num dado momento histórico,
é possível identificar qual a polaridade dominante, contudo sem deixar de percebê-la inserida no movimento,
no jogo de contradições presentes nos fenômenos. O que se busca é a ultrapassagem desta oposição
dicotômica e estéril entre realidade e vontade, entre o dado e o desejado, pelo reconhecimento de que estes
aspectos fazem parte do real e de que precisam se articular e não se excluir mutuamente.
Trata-se de uma postura crítica (porque procura desvendar o funcionamento do real) e
transformadora (porque procura interferir no seu processo), que integra os dois momentos: a análise concreta
do presente e a antecipação.
Neste enfoque dialético, em cada caso concreto, há necessidade de análise, para se saber as reais
possibilidades de mudança.

A possibilidade não é a realidade, mas é, também ela, uma realidade: que o homem possa ou não
possa fazer determinada coisa, isto tem importância na valorização daquilo que realmente faz.
Possibilidade quer dizer ‘liberdade'. A medida da liberdade entra na definição de homem. Que
existam as possibilidades objetivas de não se morrer de fome e que, mesmo assim, se morra de fome,
é algo importante, ao que parece. Mas a existência das condições objetivas — ou possibilidade, ou
liberdade — ainda não é suficiente: é necessário ‘conhecê-las’ e saber utilizá-las. Querer utilizá-las, O
homem, neste sentido, / vontade concreta: isto é, aplicação efetiva do querer abstrato ou do impulso
vital aos meios concretos que realizam,\ sua vontade. (Gramsci, 1984: 47)

É preciso combater a reificação presente muitas vezes em nosso meio: é o homem que faz a história,
todavia, com o tempo, parece que a história é feita alguma potência oculta, cujo controle fugiria totalmente
de nossas mãos. O fio que se coloca é a compreensão dos condicionantes.

Os homens fazem sua própria história, mas não afazem como querem; não afazem sob circunstâncias
de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.
(Marx, 1986: 17)

É necessário enfrentar simultaneamente o idealismo voluntarista e o materialismo mecanicista, que


distorcem a dialética do real, reduzindo-a a um dos pólos, ou seja, fazem-no pura história do espírito ou
reduzem a consciência a mero reflexo do real (Gramsci, 1984: 4). E ainda Gramsci (1891-1937) quem nos
aponta que “Na filosofia, o centro unitário é a praxis, isto é, a relação entre a vontade humana (supra-
estrutura) e a infra-estrutura econômica” (1984: 112). O problema todo consiste, pois, em

...em evitar o realismo trivial (adaptar-se ao imediato) e o irrealismo trivial (subtrair-se às constrições
da realidade). O importante é ser realista no sentido complexo do termo (compreender a incerteza do
real, saber que há o possível, mesmo que ainda esteja invisível no real), o que freqüentemente pode
parecer irrealista. (Morin, 1998: 69)

Onde está escrito que a realidade é simplesmente isto que está dado, e que nos cabe apenas e tão
somente a resignação de nos adaptarmos a ela? Ora, a realidade é o que está dado mais o nosso sonho de
mudança, já que somos parte desta realidade e nossos sonhos são partes de nós: “o fator subjetivo da
atividade produtora é, no seio do Ser, um fator objetivo ao mesmo título que o objeto... O sujeito no Mundo é

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também parte do mundo” 24. Portanto, na perspectiva dialética, entende-se que a realidade não é um sistema
fechado e pronto; existem, sem dúvida, os constrangimentos, todavia há também todo um leque de
possibilidades ainda-não realizadas e que podem/devem ser exploradas.

Realidade: o que está Dado + Possibilidades ainda-não exploradas

Isto “significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a
História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o faturo é problemático e não inexorável”
(Freire, 1997b: 21). Num certo sentido, podemos dizer que para projetar algo o sujeito deve estar numa dinâ-
mica pessoal de projeto, qual seja, deve ter feito da sua existência um projeto e não uma fatalidade.

— Possibilidade de Transformação da Escola

E possível a transformação da escola? Entendemos que, fundamentalmente, o que possibilita sua


mudança é o fato da contradição estar também ali presente e não apenas fora dela, pois a escola não consegue
ser um lugar isolado da sociedade — apesar deste parecer ser o sonho de certos educadores. Para além do
otimismo ou pessimismo, temos que tomar a escola como local de contradições dialéticas.
Essas contradições, ao serem assumidas por vários segmentos da escola, passam a atuar ainda mais
fortemente, ocupando mais espaço e provocando mais reação, o que vai exigir a definição mais clara de
posições por parte de todos os membros da comunidade educativa. Por outro lado, à proporção que as contra-
dições são postas a descoberto, são tematizadas, favorece-se a tomada de consciência, a superação do senso
comum. Boutinet, referindo-se a Ernest Bloch (1885-1977), aponta o movimento de “tensão que a tomada de
consciência vai transformar em aspiração, ela própria orientada em pesquisa de um fim” (Boutinet, 1996:
58). Nesta mesma medida, o planejamento resgata seu sentido.

2.2. O Planejamento enquanto Possibilidade

Entendemos que a percepção 25 por parte do educador da possibilidade específica de planejar está
estreitamente vinculada à compreensão de dois fatores, a saber:

□ Regularidade do Real;
□ Possibilidade de Mudança da realidade em que estamos inseridos.

E interessante notar que, em certa medida, estes dois fatores são contraditórios, pois a regularidade
traz a idéia de repetição, de conservação, ao passo que a mudança remete a abertura, plasticidade, alteração,
novidade (unidade dos contrários).

a) Regularidade do Real

Há um pressuposto ontológico no processo de planejamento: só tem sentido planejar por


considerarmos que existem certas regularidades no real, o que significa que a realidade possui sua própria
racionalidade (Demo, 1988: 53): “a ordem lógica segundo a qual se processa o curso dos fenômenos é o
princípio da possibilidade da ação previsível” (Pinto, 1979: 145). E isto o que permite prever, antever. Caso
contrário, caos: nada a planejar, só deixar fluir; se o que temos na vida é pura Irregularidade (tudo
dependendo de vontades individuais, forças extramundanas), nada a fazer, senão apelar aos oráculos para
pedir ajuda e proteção aos deuses (para os que acreditam que eles existem...).

24 E. Bloch, O Princípio Esperança, apud Freitag 1993: 52.


25 A percepção por parte do sujeito das reais possibilidades de mudar funciona como uma espécie de possibilidade em-si e
para-si, qual seja, não adianta o sujeito ter desejo de mudança se “as condições não conspiram a seu favor”; todavia, também não
adianta existirem condições dadas no real, se o sujeito não as capta a fim de explorá-las.

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A idéia de regularidade da natureza e da sociedade foi sendo construída durante séculos,


especialmente a partir do Renascimento, com o avanço da Ciência, da Filosofia, da Técnica, etc. Nos dias
atuais se, por um lado, a experiência comum nos leva muitas vezes a duvidar da regularidade (ex.: falhas sis-
temáticas na previsão do tempo, planos econômicos que nunca dão certo, violência urbana, etc.), por outro,
induz fortemente a esta crença: vemos, por .exemplo, as leis da Mecânica funcionando a todo momento nos
automóveis com os quais cruzamos nas ruas; as leis da aerodinâmica presentes no vôo de cada pássaro ou
avião; as ondas eletromagnéticas chegam a todo momento nos rádios e televisores, etc. No campo social
também nos deparamos com evidências de regularidade quando os institutos de pesquisa são capazes de
‘adivinhar7 (com margem de erro de décimos) os votos de 90 milhões de eleitores ouvindo apenas 6 mil
deles; são conhecidos os altos investimentos na pesquisa de marketing para lançamentos ou aumento de
vendas de produtos: uma minoria absoluta é ouvida e disto são tiradas conclusões para milhões. Mas esta
convicção se firmou a tal ponto que levou a uma certa cegueira, a uma visão meio que mecânica do mundo,
como se tudo pudesse ser fruto de um cálculo preciso, beirando o dogmatismo, negando o autêntico
movimento do real, levando ao fechamento a novas perspectivas. Mais recentemente, esta visão passa a ser
fortemente questionada, inclusive no interior da própria Ciência, que' resgata a dimensão de complexidade
do real. A teoria do Caos na física moderna, por exemplo

...designa a imprevisibilidade de sistemas complexos, isto é, a existência de fenômenos em relação


aos quais não é possível fazer previsões ou cálculos precisos dadas alterações, mesmo que pequenas,
nas condições iniciais. (Japiassú, 1996)

Todavia, levar a idéia de não-regularidade às últimas conseqüências, implica, entre outras coisas,
colocar em questão o próprio sentido da elaboração teórica, ou mesmo do aprender: de que pode valer
qualquer aprendizado se jamais poderá ser exercido, vista a cabal novidade do mundo?
Hoje talvez estejamos mais próximos de uma situação de bom senso, onde são reconhecidas certas
regularidades do universo, inclusive social, mas não de forma dogmática, definitiva (leis férreas’);
explicações monocausais já não são aceitas com tanta facilidade. Há a tendência de caminharmos para uma
atitude de mais humildade, de maior atenção às questões locais, às particularidades, à subjetividade, etc.
“Chegamos assim a uma estreita passagem ‘intermediária’. Conservamos a idéias de leis, mas introduzimos
também a dos eventos. Esta visão incorpora a inovação, seja na arte, na ciência ou na sociedade” (Prigogine,
1996: 268).
A educação escolar, além de participar das regularidades sociais em geral, tem alguns elementos
específicos que reforçam sua regularidade — se tornando até obstáculo para a mudança —, tais como a
legislação (dias letivos, carga horária, grade curricular mínima), as rotinas (seriação ou ciclos, organização
em bimestres ou trimestres, horário de aulas), os espaços bem determinados (sala de aula, pátio, quadra,
biblioteca), etc.
A partir da aceitação deste pressuposto ontológico, o grande desafio passa a ser o domínio destas
regularidades (determinações ou condicionantes), para poder prever e interagir. Estamos, portanto, alertando
para as possibilidades, mas também para os limites do planejamento.

b) Possibilidade Concreta de Mudança

Se planejar significa antever uma intervenção na realidade visando sua mudança, a pertinência do
planejamento está intrinsecamente ligada ao reconhecimento da possibilidade da transformação vir a ocorrer,
visto que “o campo dos possíveis é o objetivo em direção ao qual o agente supera sua situação objetiva”
(Sartre, 1978: 152). É possível mudar? Antes de mais nada, esta é a questão com a qual o professor deve se
defrontar. Caso contrário, por estar marcado por pseudo-impossibilidades, não acreditando que algo possa
ser alterado, não valorizará as eventuais propostas feitas, desqualificando-as: 'Palavras, palavras, palavras...’,
‘Na prática, a teoria é outra’, ‘Quando tinha sua idade também pensava como você’, ‘Não adianta’, ‘E assim
mesmo...’, ‘Sempre foi assim’, ‘E o sistema’, ‘E a estrutura...’ Uma concepção completamente determinista

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de realidade, naturalmente faz caducar qualquer idéia de planejamento. O desafio fundamental, portanto, está
em resgatar a “confiança nas possibilidades de êxito do sujeito, num sentido de invenção e criação, portanto
de libertação” (Campos, 1993: 20).

O Poder do Educador

Digamos que estamos de acordo com as análises anteriores sobre a regularidade do real e da sua
possibilidade de mudança, em sentido geral, qual seja, superamos a resistência inicial à idéia de planejar,
bem como a postura determinista. Vem, então, o questionamento: ‘Concretamente, temos poder para mudar
isto que estamos nos propondo?’, visto que a possibilidade objetiva de planejar determinada ação está
também atrelada à capacidade de intervenção no real. Esta pergunta básica vai se desdobrar em outras duas,
como veremos na seqüência.

— Temos poder para transformar nossa realidade concreta?

Se nenhum poder temos sobre o campo onde estamos vislumbrando a ação, de nada adianta falar de
planejamento. E preciso que o sujeito sinta que tem capacidade de dominar uma situação e nela promover
mudanças (cf. Barbier, 1996: 20), pois planejar envolve um exercício de poder.
Alguns professores parecem não gostar do planejamento, quando este é bem feito, já que mostra o
limite, o universo restrito das possibilidades. O professor parece reagir ao ter que ‘acordar’ do sonho
descomprometido (mito da onipotência).
E claro que não temos respostas precisas a priori sobre nosso poder de intervenção; mas é necessário
fazer apostas, sendo que o próprio processo de planejamento, dependendo de como for conduzido, como
veremos mais à frente, pode se constituir numa construção de poder seja pelo saber produzido, seja pelas
relações, negociações que vão se estabelecendo no decorrer do mesmo. Como afirma Saviani (1944- ), é
preferível um poder limitado, porém real, a um poder ilimitado (seja pessoal ou das estruturas), mas ilusório.

— Temos condições de realmente Planejar? Planejamento e Condições Objetivas de Trabalho

Considerando a realidade do professor (várias escolas, cobrança para dar conta dos conteúdos, falta
de espaço de trabalho coletivo, etc.), até que ponto seria possível planejar no verdadeiro sentido (não apenas
preencher planos formalmente)?
Para que uma nova prática possa ocorrer, é preciso que simultaneamente se articulem tanto
condições subjetivas — clareza de proposta, necessidade, motivação, etc. (conforme considerações
preliminares) —, quanto condições objetivas — certas disposições concretas da realidade a ser trabalhada.
Se desejamos que o planejamento deixe de ser ‘um ritual hipócrita’, é fundamental discutirmos as
necessárias condições que a escola precisa conquistar e oferecer para se realizar um trabalho digno e
coerente. Assim, por exemplo, são frentes de luta dos educadores comprometidos com uma educação
transformadora: o empenho para que se tenha melhor remuneração para os professores (de forma a que
possam dar menos aulas, não sobrecarregar a jornada de trabalho), concentrar o professor na escola, diminuir
rotatividade dos educadores, consolidar a autonomia da unidade escolar, buscar classes com número
adequado de alunos, garantir elasticidade na programação, tempo para leitura, pesquisa, realizar trabalho
coletivo (não ficar na base do ‘cada um cada um’). Além dessas questões mais de fundo, uma série de outras
pequenas iniciativas pode ser tomada pelos educadores e pela escola, no sentido de colaborar com a melhoria
do cotidiano 26.
A ação do sujeito se dá no campo das condições; elas são o universo da ação, o ponto de partida e de
chegada; porém, as condições objetivas não se transformam por si: o que as pode transformar é justamente a

26 Como por exemplo: material didático, instalações, luminosidade da sala de aula, temperatura, ventilação, silêncio externo,
condições de saúde e alimentação dos alunos e professores, etc.

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ação do(s) indivíduo(s); elas são o que são naquele momento histórico (logo, estão sendo). Portanto, não
podem servir como álibi para o não-fazer: é justamente a tarefa a ser enfrentada! A queixa dos professores é
que existem espaços de decisão nesta esfera das condições objetivas que não estão, de imediato, ligados a
eles 27 . Esperam que quem de direito faça por onde, desempenhem adequadamente seu papel e favoreçam as
devidas condições de trabalho. Ocorre que nem sempre isto se dá. E, então, o que fazer? Se alguém ou algum
segmento não assume suas responsabilidades, este deverá ser mais um elemento a fazer parte da pauta de luta
(plano de ação) dos professores. 28
Neste sentido, o planejamento não pode suprir a exigência das condições para que tal ação ocorra;
pode, no entanto, prever, indicar, apontar esta necessidade. Aqui está também a força e o limite do
planejamento.

A medida que compreendo a história como possibilidade, eu reconheço:

1. Que a subjetividade tem que desempenhar um papel importante no processo de


transformação.
2. Que a educação torna-se relevante á medida que este papel da subjetividade é
compreendido como tarefa histórica e política necessária.
3. Que a educação perde o significado se não for compreendida — como o são todas
as práticas — como estando sujeita a limitações. Se a educação pudesse fazer tudo
não haveria motivo para falar de suas limitações. Se a educação não pudesse fazer
coisa alguma, ainda não haveria motivo para conversar sobre suas limitações.
(Freire, 1997a: X)

— Aproximações Sucessivas

Naturalmente, este poder e estas condições não estão dados, prontos. Precisam ser conquistados. Se
acreditamos na possibilidade de mudança da realidade, vamos estar abertos para encontrar os caminhos de
intervenção para poder realizar o planejamento de uma forma mais significativa. Sempre há algo possível de
ser feito, em função da autonomia relativa que se tem.

Isto significa que o professor (...) não perde sua capacidade de pensar, de criar, de buscar alternativas
práticas, através de sua experiência cotidiana. Além de executar as ordens estabelecidas, ele conserva
uma liberdade que lhe é inerente: ele pode criar, inventar, construir. (Martins, 1989: 82)

Há um fato objetivo a ser considerado: na mesma conjuntura existem trabalhos bastante


diferenciados sendo realizados. Isto nos aponta para a compreensão de que a mudança está limitada, mas tem
um grau de possibilidade, de liberdade. Se o professor tem 60 aulas semanais, com certeza não terá
condições de se dedicar a planejar cada uma, mas poderá investir, então, hoje em uma, outra daqui a algum
tempo, e assim, aos poucos, pode ir re-significando, requalificando seu trabalho (enquanto luta para não
precisar dar tantas aulas). Este maior empenho inicial será altamente compensador no decorrer do ano. Como
sabemos, o que nos destrói não é só a carga de trabalho, mas também a falta de clareza, a cisão interna, a
falta de objetivo (típica do trabalho alienado), não havendo critérios para direcionar a ação (“O motivo pelo
qual muita gente não chega à meta é porque nunca fixou meta alguma”), e sobretudo a falta de retorno, de
sentido para o que fazemos.
Coloca-se aqui um delicado problema: a questão do processo. Há nas instituições, muitas vezes, uma
dificuldade de se trabalhar com a superação dos limites. Os limites são colocados como algo inviolável,

27 Ex.: poder de decisão sobre alteração de salário ou de número de alunos em sala, criação de espaço freqüente de trabalho coletivo
e de pesquisa, etc.
28 Assim, por exemplo, a proposta de planejamento participativo, à medida que vai se concretizando, vai implicar em ônus
econômico para escola ou mantenedora (reuniões, conselhos, materiais, etc.), levando à explicitação (ou não) do autêntico compromisso
com esta perspectiva de trabalho.

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intransponível. Devemos, no entanto, lembrar que os limites são sempre históricos; muito do que foi limite
no passado, hoje já não é.
O esquema a seguir nos ajuda a refletir sobre este movimento entre o possível-impossível e o
necessário-contingente.
Possível

Impossível

— Esquema: Possível-lmpossível x Necessário-Contingente—

Não podemos cair no jogo do tudo ou nada; é possível ter avanços parciais, mas concretos e na
direção almejada pelo grupo. 29
A condição para que o fazer seja efetivo, é acreditar naquilo que se está fazendo, entender aquilo
como parte de um processo maior, como um passo ou uma estratégia de resistência dentro de um amplo
combate. Se não compreendemos o sentido da ação dentro de uma perspectiva maior, podemos achar pouco,
fazer por um tempo e depois deixar de fazer, uma vez que no fundo não estamos convencidos. A questão é
essa: buscar elementos para que possamos nos convencer de que é necessário e possível fazer alguma coisa.
Neste empenho de mudança, portanto, devemos ganhar clareza que trata-se de um processo, o que
implica ir por passos, não querendo transformar tudo de uma só vez (mesmo porque não é possível);
podemos ir progressivamente: sala de aula, curso, escola, comunidade, etc. Devemos procurar ir
arrebentando um a um os problemas, a começar pelos mais próximos; a escola deve se organizar a partir de
dentro, articulando-se com a luta mais geral por uma sociedade mais justa e livre.
Dialeticamente, podemos dizer que planejamos porque podemos e podemos porque planejamos,
visto que o planejamento coloca-se como um caminho do homem resgatar sua dimensão de sujeito, na
medida em que, através dele, se capacita para exercer sua liberdade, sua criatividade, para traçar o seu
destino, não de uma maneira idílica, ilusória, mas preparando-se para o confronto com estas determinações e
limites da realidade a ser mudada.
Nesta perspectiva, entendemos que o planejamento (Projeto Político-Pedagógico, Projeto de Ensino)
deve ser, antes de mais nada, um instrumento de trabalho para o próprio sujei to/grupo (e não para o
coordenador, a secretaria da escola, a supervisão, mantenedora), correspondendo ao seu projeto de interven-
ção na realidade, “situando-o como produtor e não mero executor dos projetos de outrem” (Carvalho e
Diogo, 1994: 10).

29 Só para exemplificar: a questão do número de alunos em sala de aula; de um lado, vemos os professores solicitando a redução, de
outro,- os administradores dizendo que é Impossível. Resolver o problema de uma vez é muito difícil para a mantenedora; porém, é
preciso considerar também que os professores precisam de melhores condições de trabalho para concretizarem uma proposta nova de
educação. Pode-se chegar a uma superação processual: estabelece-se diminuir, por exemplo, um aluno por classe durante três ou cinco
anos; parece pouco, mas pode ser uma forma de se enfrentar o problema e sair do impasse do empurra-empurra, do tudo ou nada.

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3- FINALIDADES DO PLANEJEMENTO

A partir das reflexões precedentes, podemos explicitar algumas finalidades do planejamento.

□ Planejamento em geral

• Despertar e fortalecer a esperança na história como possibilidade;


• Ser um instrumento de transformação da realidade;
• Resgatar a intencionalidade da ação (marca essencialmente humana), possibilitando a
(re)significação do trabalho, o resgate do sentido da ação educativa;
• Combater a alienação: explicitar e criticar as pressões sociais e os compromissos
ideológicos; tomar consciência de que projeto está se servindo;
• Dar coerência à ação da instituição, integrando e mobilizando o coletivo em torno de
consensos (provisórios); superar o caráter fragmentário das práticas em educação, a mera
justaposição;
• Ajudar a promover e superar as dificuldades; fortalecer o grupo para enfrentar conflitos e
contradições;
• Diminuir o sofrimento.

□ Projeto Político-Pedagógico

Podemos apontar as seguintes finalidades mais específicas do Projeto Político-Pedagógico:

• Ser elemento estruturante da identidade da instituição;


• Possibilitar a gestão democrática da escola: ser um canal de participação efetiva;
• Mobilizar e aglutinar pessoas em tomo de uma causa comum, gerando solidariedade e
parcerias;
• Dar um referencial de conjunto para a caminhada;
• Ajudar a conquistar e consolidar a autonomia da escola;
• Resgatar a auto-estima do grupo: fazê-lo acreditar nas suas possibilidades de intervenção na
realidade. Aumentar o grau de realização/concretização (e, portanto, de satisfação) do trabalho;
desfrutar o prazer de conhecer (a realidade do campo de intervenção) e de concretizar (aquilo
que foi planejado);
• Possibilitar a delegação de responsabilidades;
• Ajudar a superar as imposições ou disputas de vontades individuais, na medida em que há
um referencial construído e assumido coletivamente;
• Colaborar na formação dos participantes.

O Projeto Educativo é uma tentativa de diminuir os Inimigos internos’ na prática institucional, que
tem tantos efeitos negativos, levando, muitas vezes, à ausência de mudança por medo da incompreensão dos
próprios colegas.
Pela nossa vivência na escola, sabemos que um grande desafio que se coloca é o grupo estar junto
em tomo de uma causa que valha a pena (progressista, libertadora, transformadora). O Projeto é um caminho
para isto, dada sua dimensão participativa, que favorece a unidade (não uniformidade), que vai se
constituindo no próprio processo de elaboração (construção da proposta de construção do coletivo), e em
função de sua base científica (lógica da proposta, princípios teórico-metodológicos que o fundamentam).
São conhecidos casos de escolas públicas que diminuíram a rotatividade dos professores em função
da elaboração participativa do seu projeto político-pedagógico; apesar de terem, por exemplo, o mesmo

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salário, os professores preferem ficar em unidades até mais distantes de suas residências, sentindo a mudança
que o projeto trouxe nas relações na instituição.

□ Projeto de Ensino-Aprendizagem

Quanto ao Projeto de Ensino-Aprendizagem, apresentamos as seguintes finalidades que lhes são


mais pertinentes:

• Possibilitar a reflexão e a (re)significação do trabalho;


• Resgatar o espaço de criatividade do educador;
• Favorecer a pesquisa sobre a própria prática;
• Organizar adequadamente o currículo, racionalizando as experiências de aprendizagem,
tendo em vista tornar a ação pedagógica mais eficaz e eficiente;
• Estabelecer a comunicação com outros professores e alunos;
• Ajudar a resgatar o movimento conceitual e a organizar o fluxo da expressão sobre o objeto
de conhecimento;
• Não desperdiçar atividades e oportunidades de aprendizagem 30;
• Ser elemento de autoformação do professor, na medida em que possibilita o pensar mais
sistematicamente sobre a realidade, sobre a proposta, sem a prática, ajudando, pois, a diminuir a
distância teoria-prática, evitando a rotina viciada e a Improvisação;
• Resgatar o saber docente, a cultura pedagógica do grupo;
• Superar a expropriação a que o professor foi submetido em relação a concepção e ao
domínio do seu quefazer, resgatando sua condição de sujeito de transformação.

E uma questão de respeito a si e ao grupo: ao não nos dedicarmos ao planejar, desvalorizamos nossa
própria atividade (e antes disso, nossa própria pessoa: implica que podemos perder tempo, recursos...). E
também questão ética, de responsabilidade (no mínimo, pedagógica e política) por uma tarefa que assumires
e que nos é delegada socialmente.
O planejamento é uma síntese do trabalho do professor/grupo; se ainda não chegou a amadurecer,
não terá condições de planejar; neste caso, o envolvimento com o processo de planejamento pode ajudar a
construir esta síntese. Pkgect (1896-1980) alertava para a necessidade de se buscar “as analogias e diferenças
entre ‘conseguir5, que é resultado do ‘savoir faire’ e ‘compreender’, que é próprio da conceituação, quer esta
suceda à ação ou, ao contrário, a prece/.; e oriente55 (Piaget, 1978: 10); fazemos muitas coisas que não
sabemos ao certo de fundamentos ou suas repercussões; o planejamento pode ser uma forma de professor ir
se apropriando mais plenamente do seu fazer.
Vivemos hoje um mundo de fragmentação, de correria, o que significa r que o sujeito-educando tem
uma série de outras coisas para fazer, uma série de outros estímulos e solicitações. Se queremos efetivamente
atingi-lo, temos que aproveitar da melhor forma o espaço-tempo na sala de aula e na escola.

Curiosidade:
Algumas escolas têm tido a iniciativa de propor, como uma espécie de TCC (trabalho de
conclusão de curso) para os alunos do ensino médio, o seu Projeto de Vida.

□ Articulação entre Projetos

Um aspecto bastante relevante deve ser explicitado:

30 Ex.: o professor pode se lembrar no meio de uma aula de um texto complementar interessante ou de uma dinâmica boa,
mas por não ter previsto com antecedência, não pode utilizar naquele momento.

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...a instituição escolar deve-se instaurar como espaço-tempo, como instância soa (d que sirva de base
mediadora e articuladora de outros dois tipos de projetos que têm a ver com o ser humano: de um
lado, o projeto político da sociedade, e, de outro, os projetos pessoais dos sujeitos envolvidos na
educação. (Severino, 1998: 81)

Qual seja, não há proposta educativa que se sustente sem um projeto de sociedade e sem os projetos
de vida das pessoas que dela participam. Nestes últimos, cabe destacar que normalmente pensamos no
professor, o que é absolutamente correto; só que o aluno também deve ser aí incluído, visto que o que
desejamos é que, no decorrer do seu processo de formação, possa estar construindo sua identidade, portanto,
o seu projeto pessoal.

Projeto Social

Planejamento Educacional

Projeto Pessoal

— Esquema: Interfaces do Planejamento Educacional—

Planejar, então, para quê? Para fazer acontecer; para transformar sonhos em realidade. Para
transformar nosso trabalho, nossa relação com os alunos, a nós mesmos, a escola, a comunidade, e, no limite,
a própria sociedade.

A estrutura do processo vital da sociedade (...) só pode desprender-se do seu véu nebuloso e místico,
no dia em que for obra de homens livremente associados, submetida a seu controle consciente e
planejado. (Marx, 1980b: 88)

CONCLUSÃO
Depois de todas estas reflexões sobre os problemas, a possibilidade e a necessidade, que
postura assumir frente ao planejamento? Entendemos que é preciso superar tanto a adesão
deslumbrada (que considera-o como uma espécie de panacéia), quanto a pura e simples rejeição
(que considera-o como empulhação), em direção à compreensão do planejamento como prática
humana contraditória, tendo lucidez de seus limites (constrangimentos naturais, sociais ou
Inconscientes, concepções equivocadas, etc.), mas também de suas potencialidades (tomada de
consciência, elemento articulador da ação, etc.).

Adesão Ingênua Rejeição


x
Planejamento como Prática Contraditória

Esquema: Posturas frente ao Planejamento-

Precisamos estar atentos para não entrar ingenuamente na sua elaboração e causar mais uma
frustração para a comunidade educativa e, em particular, para os professores.

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O projeto não é ‘varinha de condão’, não tem ‘superpoderes’. No entanto, se o enfrentamento


da situação é penoso com um planejamento, certamente será pior sem ele, visto que ficaríamos bem
mais susceptíveis à desorganização interior e às pressões exteriores. Assim, o processo de
planejamento pode ser de grande valia, na medida em que busca re-significar, orientar e dinamizar
o trabalho.
Planejar pede envolvimento sincero na elaboração, e por isto mesmo as diferentes posições
vão se manifestar, gerando conflitos; as ‘neuroses5, os componentes de não-vida (desânimo,
desesperança) também vão aparecer. E um trabalho exigente. Vai implicar investimento de tempo e,
sobretudo, energias, crenças, valores, verdade, reflexão.
Precisamos ter em conta que o planejamento é apenas um instrumento teórico-metodológico.
Poderoso, mas instrumento. Portanto, depende de sujeitos que o assumam (tanto na elaboração
quanto na realização). Não é, pois, uma coisa maravilhosa: é relativamente complexo, exigente e
ainda falível. No entanto, não é também um capricho; é uma necessidade! A menos que desejemos
caminhar sem destino certo, improvisando, agindo sob pressão, administrando por crise, sem
procurar intervir no vir-a-ser do real, abrindo mão da nossa condição de sujeitos.

Hoje mais do que nunca ‘o tempo é construção’ para dizê-lo com as palavras de Paul Valéry. Não
podemos ter a esperança de predizer o futuro, mas podemos influir nele. (Prigogine, 1996: 268)

O planejamento é sempre uma aproximação, uma tentativa, uma hipótese; não pode se
transformar em algo dogmático que mate, ao negar, o movimento do real (que é sempre muito
maior do que qualquer possível explicação ou previsão) ou a própria intuição (por paradoxal que
possa parecer). Deve estar sempre atento e aberto à realidade (exterior e interior: fluxo, relações,
contradições, desejo, etc.). A perspectiva é de um planejamento mais humilde, menos pretensioso
de abarcar a totalidade da prática, nos seus mínimos detalhes, tendo em vista que tudo que é
fechado/determinado demais acaba expulsando o humano (cf. Arroyo, 1999). Na nossa contingência
de seres históricos e limitados, precisamos de pontos de apoio e referência para nos
movimentarmos; mas isto não pode impedir de caminhar ou de trilhar novos caminhos!

II
Fundamentos Histórico-
Antropológicos e Epistemológicos
Bem, se em linhas gerais estamos de acordo que o planejamento é necessário e possível, podemos
dar início ao seu estudo mais específico, tendo em conta seus fundamentos primeiros, refletindo sobre o seu
núcleo» O planejamento tem como um dos pilares básicos a ação; subtrair a idéia de ação do planejar é
descaracterizá-lo por completo. Por isto vamos começar procurando entender um pouco melhor a atividade
humana. Esta tarefa é assaz delicada, pois se, de um lado, pode-se até reconhecer sua necessidade, de outro,
tudo pode parecer tão ‘óbvio5, ‘natural’, ‘elementar’ que dispensaria qualquer esforço maior de
compreensão» Esperamos poder contribuir para superar o senso comum, entendendo melhor a complexidade
do agir humano intencional.

1 -PERSPECTIVA HISTÓRICO-ANTROPOLÓGICA

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“No princípio era a ação” (Wallon, 1979)

1.1. Gênese da Atividade de Planejar

No longo processo de hominização, o homem vai se constituindo enquanto tal por sua ação de
transformação do mundo; movido por um espectro de desejo, por uma incipiente curiosidade, começa a
interagir com a realidade através daquilo que vai se configurar como sendo trabalho. “Pode-se referir a
consciência, a religião e tudo o que se quiser como distinção entre os homens e os animais; porém, esta
distinção só começa a existir quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida, passo em frente
que é conseqüência de sua organização corporal5’ (Marx, 1980a: 19). Isto se deu porque nossos ancestrais
mais remotos, ao contrário de outras espécies, não se acomodaram, não ficaram restritos à mera adaptação à
natureza.

E dessa aventura estranhíssima do homem não se conformar com o mundo que está aí, e querer criar
um mundo diferente, que é a cultura, ato pelo qual ele vai de homo sapiens [nível biológico] a ser
humano. (Di Giorgi, 1990: 130)

A ação de intervenção do homem, no entanto, não era qualquer, já que tinha um direcionamento.
Assim, o trabalho, enquanto “atividade produtiva adequada a um determinado fim e que adapta certos
elementos da natureza às necessidades particulares do homem55 (Marx, 1980b: 50), ou seja, “interpretado
como atividade material orientada por um projeto” (Giannotti, 1985:21), já traz incorporada .a idéia de
planejamento. 31

Foi com o trabalho que o ser humano ‘desgrudou ’ um pouco da natureza e pode, pela primeira vez,
contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não fosse o trabalho, não existiria a
relação sujeito-objeto. O trabalho criou para o homem possibilidade de ir além da pura natureza. ‘A
natureza, como tal, não cria nada de propriamente humano’ (...). O homem não deixa de ser animal,
de pertencer a natureza; porém, já não pertence inteiramente a ela. Os animais agem apenas em
função das necessidades imediatas e se guiam pelos instintos (que são forças naturais); o ser humano,
contudo, é capaz antecipar na sua cabeça os resultados das suas ações, é capaz de escolher os
caminhos que vai seguir para tentar alcançar suas finalidades. A natureza dita o comportamento dos
animais; o homem, no entanto, conquistou certa autonomia diante dela. (Konder, 1981: 24)

Tal mudança (o pôr teleológico do trabalho) significa algo radicalmente novo, sem paralelo na
natureza, um verdadeiro salto ontológico, onde há a transformação do ser em-si num ser para-si (cf. Lukács,
1979: 17).
Desde a filogênese, a partir deste recente equipamento, o homem passa a construir um universo
novo, qual seja, o mundo da cultura, do conhecimento, atribuindo significados às coisas e à própria
existência. Ganha, pois, certa autonomia em relação à natureza, podendo agir de forma auto-reflexiva e
criativa. Por isto dizemos que é, essencialmente, um ser de práxis. Os objetos culturais com os quais o
homem passa a entrar em relação são o resultado do trabalho humano, são trabalho acumulado. Tanto na
formação do próprio sujeito, quanto nos objetos com os quais vai se relacionar e conhecer, está, portanto, o
trabalho. O homem produz cultura, e as novas gerações, a partir de sua inserção cultural, passam a se
produzir (e a produzir cultura também).
Isto se dá porque, historicamente, a partir de sua atividade sobre a realidade (a natureza) e de suas
relações sociais (membros da sua espécie), o homem começa a desenvolver a capacidade de representar:
“operação pela qual a mente tem presente em si mesma uma imagem mental, uma idéia ou um conceito
correspondendo a um objeto externo” (Japiassú, 1996), ou seja, a possibilidade de pensar um objeto mesmo
quando este não se encontra mais presente, diante de si, tomando-o “objeto da consciência e estabelecendo
assim a relação entre a consciência e o real”. O planejamento tem uma forte base na representação, tanto no

31 O planejamento é conatural ao trabalho humano. Por seu turno, à medida que o trabalho se toma alienado, o mesmo ocorre
com o planejar.

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que diz respeito à elaboração, quanto à realização.

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico
(lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que
agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira
análoga ao papel de um instrumento no trabalho. (Vygotsky, 1984: 59)

A capacidade de pensar, portanto, não é anterior à ação, mas vai se formando no bojo da própria ação
do homem sobre o mundo tendo em vista a busca dos meios para sua sobrevivência. Neste processo, o
desenvolvimento da íriitruagem tem um papel fundamental, visto que a linguagem é “o instrumento melhor
sistematizado e mais expeditivo do pensamento, que maneja não as coisas, mas os símbolos, ou que maneja
as coisas por meio dos símbolos” (Wallon, 1979: 165).
Esta atividade mental abre a possibilidade de construir uma representação do real que acaba
adquirindo autonomia em relação a este real, ganhando existência própria. Isto, por um turno, pode introduzir
distorções, visto não estar ‘orudada’ ao objeto que é representado (questão da veracidade do pensar), No
entanto, na totalidade do processo mental, esta autonomia das representações é decisiva, pois é o que vai
permitir o sujeito ‘descolar’ do presente e se movimentar tanto em direção ao passado (memória) quanto ao
futuro (projeção) (cf. Barbier, 1996: 37). Num primeiro momento, a representação tende ao passado, fazendo
a recordação do objeto, mas no processo de desenvolvimento, ela passa a fazer parte do conjunto de relações
que o sujeito estabelece, abrindo a possibilidade de projetar o futuro. Naquele famoso início do filme 2001
— Uma Odisséia no Espaço, é apresentado, na aurora da humanidade, um hominídeo que descobre a função
do instrumento, ao começar, como que por acaso, a bater numa ossada, passando em seguida a representar
mentalmente não mais a ossada, mas o próprio animal sendo abatido, indicando um dos primeiros embriões
da atividade de planejar.
Há um texto belíssimo de Marx em que recorre à idéia de projeto para diferenciar a atividade dos
animais e do homem:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao
construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na
mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece
um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas
o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o
qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade.
(Marx, 1980b: 202)

A própria ciência — um dos grandes construtos da humanidade — pode ser entendida como projeto:
“Acima do sujeito, além do objeto imediato, a ciência moderna funda-se no projeto. No pensamento
científico, a meditação do objeto pelo sujeito toma sempre a forma de projeto” (Bachelard, 1978: 96)
Planejar, ter projetos, portanto, é uma das grandes marcas humanas: “A capacidade de elaborar
projetos pode ser identificada como a característica mais verdadeiramente humana; somente o homem é
capaz não só de projetar como também — e primordialmente — de viver sua própria vida como um projeto”
(Machado, 1997: 66).
Há uma base material para o conhecimento: “O pensamento não atua sem pressupostos e o
pressuposto efetivo do concreto criado pelo pensamento é constituído pelo concreto real, que é captado pela
intuição e representação” (Dal Pra, 1971: 377). As representações do sujeito, para se constituírem e avançar,
têm na relação com o mundo exterior, através da ação, da atividade prática, um canal muito rico. Esta
atividade implica a interação com objetos materiais concretos, com os objetos que o rodeiam. 32 A partir deste
contato, o sujeito pode ter elementos para estabelecer as relações constituintes do objeto de conhecimento,
abrindo possibilidade de criar novos conhecimentos.
A alteração da realidade é o grande desafio do homem, uma vez que por esta atividade o ser humano
continua se fazendo, se constituindo, se transformando também. Neste contexto mais amplo é que se coloca a

32 Ex.: a fala de uma pessoa, uma pedra, um instrumento; mais recentemente: um livro, um martelo, um microscópio, etc.

46
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tarefa de planejar.
Portanto, se o homem se constitui enquanto tal por sua ação transformadora no mundo pela mediação
de Instrumentos, o planejamento — quando instrumento metodológico — é um privilegiado fator de
humanização! Se o trabalho está na base da formação humana, e tem uma dimensão de consciência e
Intencionalidade, podemos concluir que o planejar é elemento constituinte do processo de hominização: o
homem se faz pelo projeto! 33

1.2 Dimensões da Ação Intencional

De um modo geral, podemos encontrar, no processo que conduz à ação humana, três elementos
básicos que são seus constituintes: a Necessidade, o Objetivo 34 e o Plano de Ação (leitura sincrônica). Por
ação estamos entendendo aqui a ação consciente e voluntária, ou seja, intencional, aquela em que o sujeito
faz e sabe que esta fazendo, ou, no caso da ação habitual, mecanizada, automatizada (ex.: dirigir um
automóvel), se questionado sabe — diferentemente de uma ação Instintiva — dizer o porquê, o para quê e o
como dessa ação (pelo menos em linhas gerais).
A concepção dialética do homem entende que diante do estímulo do melo, o sujeito tem uma
elaboração pessoal — que abrange todo seu ser: raciocínio, desejos, necessidades, sentimentos, Imaginário,
fantasia, etc. — antes de dar a resposta, o que significa dizer que a ação não é mero reflexo do estímulo. 35

O animal identifica-se imediatamente com sua atividade vital. Não se distingue dela. E a sua própria
atividade. Mas o homem faz da atividade vital o objeto da vontade e da consciência. Possui uma
atividade vital consciente. Ela não é uma determinação com a qual ele imediatamente coincide. A
atividade vital consciente distingue o homem da atividade vital dos animais. (Marx, 1989: 164)

Na verdade, essa concepção é muito complexa, pois envolve também o papel ativo do sujeito sobre o
ambiente, qual seja, o sujeito não só recebendo estímulos, mas também os produzindo; considerando, no
entanto, a preocupação desse momento, basta esse nível de diferenciação.
O que seria esta ‘elaboração’ do sujeito? E justamente a articulação entre necessidade, objetivo e
plano de ação, vale dizer, o que faz com que tenha conscientemente uma determinada ação é o fato de, a
partir de sua Interação com a realidade, ser criada nele uma necessidade, que o motiva a buscar algo
(objetivo), de uma determinada maneira (plano de ação). Essa elaboração (que implica um processo de
transformação das representações) possibilita o desencadeamento da ação consciente e intencional. “A
conduta mais rudimentar deve ser determinada ao mesmo tempo em relação aos fatores reais e presentes que
a condicionam e em relação a certo objeto a vir que ela tenta fazer nascer. E o que denominamos o projeto”
(Sartre, 1978: 152, grifo do autor). Estamos aqui apresentando os elementos da elaboração numa certa
seqüência por conta da contingência da linguagem, já que, na verdade, esses elementos ocorrem em contínua
interação, quase não sendo possível distinguí-los numa determinada ação realizada. Vejamos um pouco
melhor o que seria cada elemento constituinte:

□ Necessidade

O que leva o sujeito à ação?36 Esta é uma pergunta da mais alta importância, mas também da mais alta
complexidade.
O homem é, entre outras coisas, um ser de necessidade: “A primeira condição de toda atividade é

33 E claro que, num primeiro momento, tratava-se de um projeto multo rudimentar, um protoprojeto, um lampejo de consciência esboçando algo
a ser feito (anteprojeto).
34 Há muita controvérsia no significado de termos como finalidade, objetivo, meta. Vamos utilizar aqui objetivo para designar o aspecto mais
restrito, e finalidade para o mais geral.
35 E triste ver o cachorro tentando cavar o cimento após ter feito suas necessidades
fisiológicas (para cobri-la ou enterrá-la); esta é uma programação genética que não faz o menor sentido num piso que não seja a terra. Por outro lado, é
triste também, por exemplo, ver a fila de pessoas na lotérica ou consumindo certo produto, como decorrência de uma ‘programação5 social (marketing,
moda, ideologia)...

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uma necessidade” (Leontiev, 1978: 107). O que observamos, historicamente, é que o hominídeo não
desenvolvia uma ação qualquer, mas uma ação carregada de sentido, visto corresponder a uma carência.
Assim, foi construindo representações vez a vez mais elaboradas da realidade, que se tornavam cada dia mais
Importantes a fim de poupar esforços desnecessários, diminuir o sofrimento e poder garantir a sobrevivência
da espécie: a alimentação, a defesa contra os animais e Intempéries, a defesa frente a outros bandos, a
habitação, etc. O conhecimento, pois, sempre esteve ligado a necessidades, Interesses, sendo que a partir
deles o homem se empenhava no enfrentamento da realidade, vindo a construir cada vez mais representações
mentais. “A produção de uma nova representação é, de fato, um processo ativo de transformação ou
reconstrução de representações anteriores” (Barbier, 1996: 41). Portanto, a necessidade faz surgir o
conhecimento e, com o tempo, o próprio conhecimento torna-se uma necessidade, como mediação para
satisfazer outras necessidades.
Muito sinteticamente, e numa primeira aproximação, podemos dizer que o que leva o homem a ter
uma ação Intencional é a necessidade, que pode ser vista sob o prisma da vontade (relacionada a qualquer
uma das dimensões da existência: física, afetiva. Intelectual, estética, lúdica, espiritual, social, econômica,
política, cultural, etc.), e/ou do desejo (pulsão, tendência). Enquanto a primeira está mais ligada aos motivos
conscientes, o segundo, aos inconscientes, embora as fronteiras aqui sejam extremamente frágeis e
dinâmicas. O motivo da ação tem, portanto, como elementos constitutivos não só momentos racionais, mas
também irracionais (enquanto. inacessível ao entendimento). Cabe aqui fazer mais algumas breves
considerações sobre a questão do desejo. De novo estamos nos movendo num campo muito delicado, onde
são raros os consensos. Sentimentos e emoções afetam os homens independentemente de seu consentimento.
O querer, portanto, tem uma componente que caminha na direção do imponderável. Ocorre, todavia, que
podemos criar condições para o seu desenvolvimento: posso alimentar meu desejo no desejo do outro,
convivendo com pessoas que desejam, que buscam algo que também busco. O elemento racional embora
necessário, não é suficiente para configurar a ação humana: quantas vezes o indivíduo sabe, mas não faz, não
dá o devido valor àquele conhecimento; falta o impulso, o investimento afetivo que vem do desejo. Uma das
grandes dificuldades na escola é a tomada de consciência de que, para haver a mudança, não bastam idéias
novas, o que vai implicar a necessidade de viver novos afetos nas relações, capazes de despertar igualmente
novos afetos nos outros. A vontade pode ser-compreendida como uma das interfaces entre o querer e a
razão. 37 De qualquer forma, queremos assumir o seguinte: a grande tarefa do homem, no seu processo de
busca de uma vida mais plena, está em conhecer o desejo, buscar tanto quanto possível se apropriar do. seu
inconsciente. 38
Por muito tempo nas ciências humanas e na filosofia houve uma ênfase desmedida no ‘pensar’,
desconsiderando que o centro da atividade humana pode passar pelo ‘querer’, pela necessidade. Marx, nos
Manuscritos, tem uma colocação muito interessante sobre isto: “A emoção intensa, a paixão é a faculdade do
homem esforçando-se energicamente por alcançar o seu objeto” (Marx, 1989: 251). Piaget tem uma célebre
assertiva que também procura explicar esta base da atividade: “a afetividade é energia da ação”.
Necessidade (derivado do latim necessitas) é o estado de consciência que acompanha a privação de
algo que é necessário ou encarado como tal; trata-se do sujeito sentir uma falta que precisa ser preenchida. A
necessidade pode ser compreendida também como o estado de tensão que esta falta provoca no sujeito; como
veremos, vai ser justamente esta tensão que o impulsionará para a ação. Estamos aqui assumindo o termo
necessidade no seu sentido ontológico (precisão, carência, déficit), e não lógico (aquilo que não pode ser de
outro modo). 39

37 A vontade difere do desejo por implicar esforço para vencer obstáculos (materiais ou psíquicos), por exigir discernimento e reflexão antes de agir
(avaliação e tomada de decisão), e por referir-se ao possível que pode ser ou deixar de ser e que se toma real graças ao ato voluntário (cf. Chauí, 1994: 351).
38 “Freud propunha como máxima da psicanálise ‘Onde era o Id, será o Ego’. (...) Ego, consciência e vontade deve tomar o lugar das forças
obscuras, que, ‘em mim’, dominam, agem por mim — ‘atuam-me’” (Castoriadis, 1995: 123).
39 Em linhas gerais, costuma-se classificar as necessidades em primárias e secundárias; as necessidades primárias são as orgânicas, que têm um caráter
de imperiosa necessidade (ex.: respiração, fome, sede, sono). Já as secundárias, são as necessidades imprescindíveis para a sobrevivência harmônica, bem
como para a realização do indivíduo (ex.: movimento, proteção, afeto, compreensão, valorização, estética).

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□ Objetivo

Nos remetendo à filogênese, constatamos que o contato do homem com o mundo passa a ser
mediatizado por esse novo Instrumental simbólico (mediação semiótica), a tal ponto que dizemos tratar-se de
um ser com características teleológicas (télos = fim): pode agir de acordo com finalidades que se propõe, mais
ou menos explicitamente. “A peculiaridade específica da atividade humana consiste em que se trata de uma
atividade consciente e orientada a um fim” (Rubinstein, 1967: 590). Sua ação começa a ser marcada pela
intencionalidade (intentio: “aplicação do espírito ao seu objeto, quer dizer, o movimento pelo qual o espírito
tende para o objeto que interiorizou” — Boutinet, 1996: 49).

...mas só no homem é atingida a etapa da ideação, da generalização, por via abstrativa, e da


memorização das experiências, que engendra uma esfera inédita da realidade, a da consciência.
Quando esta aparece, estamos no plano da existência humana. O que a caracteriza é que a partir de
então, os atos do indivíduo passam a ser dirigidos por prefigurações representativas da ação a fazer,
que possuem o caráter de verdadeira ideação. (Pinto, 1979: 141)

Trata-se daquilo que o sujeito vislumbra para satisfazer aquela necessidade; está, portanto, referida
ao objeto da necessidade. E o que se pretende alcançar, sendo previamente delineada. Podemos identificar
dois grandes níveis de finalidade: um mais geral, de fundo, relativo às grandes opções, aos valores (nuclear),
e outro mais específico de uma ação, mais relacionado à satisfação de determinada necessidade (estratégica),
aqui assumido como objetivo.

□ Plano de Ação

São os passos que o sujeito estabelece mentalmente como forma de atingir o objetivo. Está referido
tanto ao objeto da necessidade, quanto aos meios/ instrumentos disponíveis na realidade.
Pelo fato de ser histórico, de realizar aprendizagens, essa articulação se dá contando com
experiências anteriores, pois os conhecimentos acumulados passam a fazer parte do processo de ação do
sujeito, ficando ainda mais difícil distinguir uma dimensão da outra. Por outro lado, não podemos deixar de
mencionar que esta análise é um recorte na totalidade do sujeito, que é sempre muito mais complexo;-só
como ilustração, poderíamos recordar o enfoque psicanalítico que nos aponta para as várias instâncias do
sujeitos, que constituem espécies de micro-sujeitos ou sub-sujeitos, cada um buscando agir por conta própria,
perseguindo seus próprios ‘fins’ (cf. Castoriadis, 1999: 36-37).
Podemos tomar um exemplo bem simples, só para deixar mais claro o que estamos dizendo: um
indivíduo sai de casa e sente frio; tem, então, necessidade de proteção da pele por algum agasalho 40; pensa
em pegar o agasalho que tem na gaveta; elabora o plano de ação: ‘tenho que voltar, abrir a porta, ir até o
quarto e vestir a blusa’. Como essa situação é tão corriqueira, já foi realizada tantas vezes, é evidente que o
sujeito não tem necessidade de ficar pensando cada passo como aqui descrevemos, pois isto faz parte de seus
esquemas de ação. No entanto, se ao voltar para casa perceber que saiu sem a chave, encontrar-se-á numa
nova situação, que implica um novo conjunto necessidade-objetivo-plano de ação: tem necessidade da
chave, com o objetivo de entrar em casa e para isto elabora um outro plano de ação: conseguir uma ficha
telefônica, ir até um telefone público, ligar para a esposa, etc. Esse novo conjunto de elementos de
elaboração da ação está subordinado ao conjunto anterior, e aí se encontra mais uma dificuldade de
compreensão da ação do homem, uma vez que essas elaborações vão se Imbricando e complexificando, se
coordenando, subordinando ou até mesmo sendo suprimidas. Essa pessoa pode avaliar que, diante deste novo
contexto em que se encontra, sua necessidade maior é chegar ao trabalho no horário combinado, colocando-
se, então, como objetivo a Ida para o trabalho, esquematlzando um novo plano de ação.

40 Neste caso, o agasalho é o objeto da necessidade; é importante destacar que os objetos de satisfação da necessidade são dados socialmente.
Assim, por exemplo, o sujeito pode não ter um agasalho, mas sentir necessidade de um, uma vez que socialmente se produz tal objeto para suprir tal
necessidade; por outro lado, se estivesse na pré-história, certamente o objeto de satisfação de sua necessidade estaria mais associado ao fogo que ao
agasalho.

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Ainda nestes exemplos a relação necessidade-objetivo-plano de ação está muito linear, em função da
situação de descrição; como dissemos, na realidade elas se intercruzam e Interagem dinamicamente, não
sendo sucessão lógica, mas dimensões constitutivas de um processo totalizador. No entanto, esses elementos
são verificáveis empiricamente: são resultados de uma rigorosa análise da realidade. O que gostaríamos de
destacar é esta estrutura básica de constituição da elaboração da ação consciente. Entender essa formulação
como uma rígida seqüência lógica seria fazer um corte no processo, e querer ordená-los tal qual aparece na
razão. Neste caso, estaria se rompendo a dialética do lógico-histórico. 41
Até aqui, vimos a gênese do planejamento na atividade humana em gerai Agora, vamos começar a
nos aproximar de um outro nível ou tipo de planejamento, não aquele que ocorre como que espontaneamente
no sujeito face a situações do cotidiano (baseado no senso comum), e sim o planejamento feito
Intencionalmente, sistematizado, envolvendo, portanto, uma metacognição: não só fazer, mas ter consciência
de que está fazendo.

2 -PLANEJAMENTO ENQUANTO MÉTODO DIALÉTICO DE TRANSFORMAÇÃO

À medida que começamos a refletir sobre a teoria da atividade humana, vamos


percebendo que esta ação deve ser organizada. Isto nos remete à idéia de método. Que
relação poderíamos fazer entre Planejamento e Método?

2.1 .Concepção de Método

Método é uma palavra que vem do latim tardio Methodus e, este, do grego Méthodos, de meta- (fim)
e hodós (via, caminho) 42. Existem, no entanto, diferentes formas de se entender Método (e metodologia); o
que nos importa é procurar uma concepção que dê conta de orientar efetivamente a prática educativa na
superação de suas contradições. Na XI Tese contra Feuerbach, Marx redefine, com vistas à práxis, o papel
da teoria:

Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo. (Marx,


1978: 53)

O método, na perspectiva dialética que estamos aqui assumindo, conseqüentemente, não pode ser um
simples método de ‘interpretação’, de ‘ilustração’ a respeito da realidade, tão ao gosto da classe dominante,
que não se interessa mais por qualquer modificação mais substancial das relações sociais. O conhecimento
que dá suporte ao método dialético, ao invés, é um conhecimento ‘transitivo’, no sentido de ser vocacionado
à transformação da realidade, eticamente comprometido com a construção do homem (“o homem todo e todo
homem”). “Para o método dialético, a transformação da realidade constitui o problema central” (Lukács,
1989: 18).
O sujeito pode ter acesso a um conjunto enorme de informações, mas não as relacionar. O método é
uma forma de organizar o pensamento, de sorte que se possa criar, fazer relações até então não estabelecidas.
Não podemos conceber método como um conjunto de técnicas, de passos que se aplicam a qualquer
objeto e que devem ser mecanicamente seguidos para se chegar a um determinado fim; ao contrário,
precisamos entendê-lo como uma postura diante da realidade 43 , postura essa que implica sempre as seguintes
tarefas indissociáveis: reflexão/conhecimento/interpretação da realidade e sua transformação. O movimento a
ser feito é:

41 Cf. José Paulo Netto, 0 Método em Marx - notas de aula. PUC/SP, Pós-Graduação, 1990.
42 A.G. da CUNHA, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 2a ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989.
43 Poderíamos dizer que estamos falando de Método com ‘m’ maiúsculo, para distinguir de método no sentido mais restrito utilizado para práticas
em sala de aula (ex.: método expositivo, método ativo, etc.).

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— Partir da Prática — ter a prática em que estamos inseridos como referência e desafio para a
transformação. Ter clareza de que há uma história, há um movimento do real; não é a reflexão
que inaugura o mundo, já que, como vimos, “no princípio era a ação”; qualquer processo de
mudança tem como referência experiências anteriores;
— Refletir sobre a Prática — através da reflexão crítica e coletiva, buscar subsídios, procurar
conhecer como funciona a prática, quais são suas contradições, sua estrutura, suas leis de
movimento, captar sua essência; 44 projetar um sentido novo, abrir novas possibilidades; procurar
saber como atuar no sentido de sua transformação;
— Transformar a Prática — atuar, coletiva e organizadamente, sobre a prática, procurando
transformá-la na direção desejada.

O problema metodológico refere-se ao processo de conhecimento que deve ser realizado


para se apropriar criticamente da realidade e transformá-la. (...) A resposta metodológica
que procuramos não está apenas nos passos que são necessários dar, nem nos meios ou
ferramentas que se precisa utilizar, mas na estratégia global que orienta e permeia nosso
trabalho, dando-lhe coerência interna, sentido e perspectiva. A questão metodológica
principal está em como conseguir uma articulação de conjunto entre os objetivos que nos
colocamos e a situação da qual partimos, num processo, passando pelas diferentes
mediações necessárias para implementá-la. (Jara, 1985: 1 e 9, grifos nossos)

Situação —> Mediações —> Objetivo

— Esquema: Relação Situação-Objetivo-Mediação—

O método não dispensa a apreensão, em si mesmo, de cada objeto; o método proporciona


apenas um guia, um quadro geral, uma orientação para o conhecimento de cada realidade.
Em cada realidade, precisamos apreender as suas contradições peculiares, o seu movimento
peculiar (interno), a sua qualidade e as suas transformações bruscas; a forma (lógica) do
método deve, pois, subordinar-se ao conteúdo, ao objeto, à matéria estudada. (Lefebvre,
1979: 29)

Ora, com esta visão ampliada de Método podemos identificar uma aproximação muito grande com o
Planejamento (também no enfoque dialético), como veremos a seguir.

2.2.Planejamento enquanto Méthodos de Trabalho

Embora as situações práticas não sejam rigorosamente iguais, a resposta dada pelos sujeitos “na
maioria dos casos, não ultrapassa os limites dos condicionamentos habituais... pelo simples aproveitamento
de experiências cujos resultados são conhecidos” (Pinto, 1979: 220). Por isto é que constatamos, não poucas
vezes, que o professor, diante de problemas que não domina, fica desarvorado, não sabe como enfrentar,
acusa, se irrita, agride. Não sabe o que fazer. E por que não sabe? Porque não sabe o que quer. E por que não
sabe para onde quer ir? Porque não sabe onde está, não sabe o que é que condiciona sua ação... Confrontando
com a formação que teve, verifica-se que esta, com freqüência, foi de caráter meramente prescritivo
(conjunto de orientações, quase mesmo receitas, de como ‘se deve agir’) ou técnico (em sentido estreito,
conjunto de passos a serem dados), ao invés de capacitá-lo a teorizar, qual seja, se debruçar sobre a realidade
para poder entendê-la e intervir, de acordo com as necessidades e objetivos elaborados a partir da situação
concreta.
O fato é que o educador costuma não ter método de pesquisa e de trabalho para a transformação da

44 Processo de construção de conhecimento que implica um movimento de síncrese, análise e síntese.

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prática» Por isto, tem se afirmado, cada vez mais, a necessidade do professor reflexivo. Ora, qual o caminho
(portanto, método) desta reflexão do professor? Vemos como fundamental a reflexão do professor (e da
escola) se dar em cima de três dimensões: realidade (onde estamos), finalidade (para onde queremos ir) e
mediação (o que fazer para chegar lá), que nada mais é do que a estrutura básica do Planejamento: Análise
da Realidade (AR), Projeção de Finalidades (PF) e Elaboração das Formas de Mediação (FM).
O planejamento, sem dúvida, pode colocar-se como um instrumento teórico-metodológico para a
intervenção na realidade. Todavia, mais do que instrumento ou ferramenta, queremos apontar para a
possibilidade de entendermos e vivenciarmos o planejamento como Méthodos de Trabalho do educador, qual
seja, como postura (algo reelaborado e interiorizado pelo sujeito), como forma de organizar a reflexão e a
ação, como estratégia global de posicionamento diante da realidade. Assim, podemos dizer que Méthodos45
de Trabalho é o outro nome de Planejamento (o que poderia até ter algumas vantagens dado o desgaste da
idéia de planejamento).

Nossa interpretação do conceito de método busca encontrar na essência da consciência a


raiz da inteligibilidade que lhe reconhece. (...) Para nós, o método brota da natureza da
consciência, é uma exigência dela, e por isto não pode ser dissociado da consideração do
ser do homem, enquanto animal naturalmente investigador da realidade. O método é, na
verdade, a forma exterior, materializada em atos, assumida pela propriedade fundamental
da consciência, a sua intencionalidade. (Pinto, 1979: 373)

A apropriação do Méthodos melhor habilita o educador a enfrentar mudanças repentinas, decorrentes


de fatores imprevisíveis (as quais, inclusive, são muito comuns na escola e na sala de aula), visto que mais
do que preso a um esquema formal, o professor dispõe de um modus de atuação, qual seja, não está limitado
aos objetivos imediatos, já que tem uma visão de totalidade do processo. “Descobrir por si mesmo uma
verdade, sem sugestões e ajudas exteriores é criação (mesmo que a verdade seja velha) e demonstra a posse
do método” (Gramsci, 1982: 125).
Precisa ficar muito claro que o Planejamento não é uma coisa que se coloca como um ‘a mais’ no
trabalho do professor: muito pelo contrário, é o próprio eixo de organização e definição deste trabalho. As
vezes, da maneira como o professor se refere ao projeto, parece que é uma coisa exterior: vai pensar sobre
seu trabalho, tomar as decisões, e depois ‘ainda tem que fazer o planejamento’ (para o outro, como
analisamos). Entendemos que o ato de pensar sobre a prática, organizar as idéias e tomar as decisões sobre a
ação a ser realizada já é planejamento. A proposta de planejamento que estamos aqui desenvolvendo visa
justamente organizar, sistematizar, direcionar, tensionar esta reflexão do educador. Portanto, não seria nem
externo (para o outro), nem extemporâneo (posterior ao processo de reflexão).

Nota Metodológica:

A título de melhor localização, apresentamos um quadro com a estrutura do trabalho dos


próximos capítulos deste módulo, explicitando as articulações entre as várias dimensões do
processo de elaboração do planejamento e as dimensões da atividade humana intencional
(tomada como referência e ponto de partida para a atividade de planejar).

45 Estamos usando o termo grego para procurar evitar a confusão com método/ metodologia no sentido mais restrito que se
tem difundido no meio educacional.

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Atividade Planejamento Projeto de Ensino- Projeto Político-


Intencional em geral Aprendizagem Pedagógico

Necessidade Realidade Análise da Realidade Marco Situacional


Diagnóstico

Objetivo Finalidade Projeção de Marco Filosófico


Finalidades Marco Operativo

Plano de Ação Plano de Elaboração das Programação


Mediação Formas de Mediação

— Quadro: Dimensões da Ação Humana Intencional x Dimensões da Elaboração do Planejamento—

Desejaríamos que não nos perdêssemos nos termos. Precisamos das palavras para nos comunicar,
mas são tão fluídas, polissêmicas... Travamos uma batalha para encontrar uma que seja mais adequada; o
Importante, no entanto, é o movimento conceitual, a estrutura, a lógica interna. Enfim, quero dizer que
partilho da procura de Drummond (1997: 43):

A Palavra Mágica

Certa palavra dorme na sombra


de um livro raro.
Como desencantá-la?
E a senha da vida a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo,
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo, procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

III
Processo de Planejamento
1- APROFUNDANDO O CONCEITO DE PLANEJAMENTO

Discutir conceitos (de planejamento, de projeto, por exemplo) pode parecer perda de tempo , sendo
que o mais importante seria discutir o como fazer. Ocorre que, com frequência, as idéias mais interessantes
sobre a prática acabam advindo justamente da clareza conceituai Quanto mais se aprofunda o conceito, maior
o grau de liberdade, de autonomia do sujeito-professor. Pela negativa: quanto menor a fundamentação, maior
a necessidade de receita, de modelo.

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Chegar a um conceito de planejamento, assim como outros tantos, não é tarefa fácil. Vamos partir da
concepção dicionarizada:

Planejamento. S. m. 1 .Ato ou efeito de planejar. 2.Trabalho de preparação para qualquer


empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados; planificação: o planejamento de um
livro, de uma comemoração. (Aurélio)

Planejar. V. t. d. 1.Fazer o plano de; projetar, traçar: Um bom arquiteto planejará o edifício. 2.Fazer
o planejamento de; elaborar um plano ou roteiro de; programar, planificar: planejar um roubo.
3.Fazer tenção ou resolução de; tencionar, projetar (...). (Aurélio)

Plano. (Do lat. planu) Adj. (...) Projeto ou empreendimento com fim determinado. Conjunto de
métodos e medidas para a execução de um empreendimento (...). (Aurélio)

Projeto, (do lat. projectu, lançado5 para diante). S. m. 1 Idéia que se forma de executar ou realizar algo,
no futuro; plano, intento, desígnio. 2.Empreendimento a ser realizado dentro de determinado
esquema. (Aurélio)

Projeto. Em geral, a antecipação das possibilidades: isto é, qualquer previsão, predição,


predisposição, plano, ordenação, predeterminação. (Nicola Abbagano)

Por aqui percebemos a manifestação de um conceito de planejamento que poderíamos chamar, no


mínimo 46, de restrito, visto que não está supondo a vinculação entre a elaboração e a realização pelo sujeito.
Na verdade, esta concepção retrata aquela divisão a que nos referimos anteriormente, e que alçou um estatuto
científico com o taylorismo.
Tendo em vista o caráter emancipatório que buscamos, o que nos interessa neste trabalho é o
conceito integral de planejamento, como aquele já explicitado: planejar é antecipar mentalmente uma ação63
a ser realizada e agir de acordo com o previsto. Planejar não é, pois, apenas algo que se faz antes de agir, mas
é também agir em função daquilo que se pensou. Podemos fazer uma analogia com a coluna vertebral: é
aquilo que dá postura ao sujeito, qual seja, não é algo característico só do antecedente da ação: está presente
também na ação (e no depois). Esta antecipação e realização pode ser obra de um indivíduo, de um grupo ou
mesmo de uma coletividade social bem mais ampla (ex.: o planejamento participativo num sindicato, numa
rede de ensino). Trata-se, ao fim e ao cabo, de antever, projetar uma ação, mas não qualquer: é uma ação a
ser realizada (realizar = tornar real); é uma ação, portanto, que visa um fim (age-se de tal forma para..), e por
sua vez, tanto o fim quanto a ação estão referidos a uma realidade a ser transformada. Pode ser entendido
como “atividade consciente do homem que concebe uma coisa futura como possível e dependente dele, que
para isto tende pelo desejo e vontade, e se esforça pela sua realização” (Lalande, s/d). Deve ficar muito claro,
portanto, que planejar é também se comprometer com a concretização daquilo que foi elaborado enquanto
plano. Este compromisso corresponde à energética da ação (cf. Piaget), que possibilitará (no sentido de
impulsionar e dar suporte) a passagem da esfera reflexiva ao mundo objetivo.
O planejamento, enquanto construção-transformação de representações, é uma mediação teórico-
metodológica para a ação, que, em função de tal mediação, passa a ser consciente e intencional. Tem por
finalidade procurar fazer algo vir à tona, fazer acontecer, concretizar, e para isto é necessário ‘amarrar5,
‘condicionar5, estabelecer as condições — objetivas e subjetivas — prevendo o desenvolvimento da ação no
tempo (o que vem primeiro, o que vem em seguida), no espaço (onde vai ser feita), as condições materiais
(que recursos, materiais, equipamentos serão necessários) e políticas (relações de poder, negociações,
estruturas), bem como a disposição interior (desejo, mobilização), para que aconteça. E fazer história: uma

46 Para não dizer ideológico ou alienado.

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tentativa de fazer elo consciente entre passado, presente e futuro. Independente de o sujeito planejar ou não,
há um ‘fluxo5 do tempo, dos acontecimentos. Planejar é tentar interferir neste fluxo, no devir.

Vários atos desarticulados ou justapostos casualmente não permitem que se fale de


atividade (de planejamento); é preciso que os atos singulares se articulem ou estruturem,
como elementos de um todo, ou de um processo total, que culmina na modificação de uma
realidade. (Vázquez, 1977: 186)

— Diferenças

Planejar tem uma série de aproximações com outras práticas que envolvem alguns de seus elementos
básicos (representação, antecipação, etc.). Todavia, é importante perceber também suas diferenças e, com
isto, ter maior clareza do próprio conceito.

• Planejar difere da simples imaginação, na medida em que nesta não há o compromisso com a
colocação em prática.
• Difere do sonho, do desejo difuso, da mera intenção, visto que prevê passos, seqüência determinada de
ação, utilização de recursos, etc.
• O planejamento remete à prática, tem uma relação Intrínseca com ela; isto o difere de uma teoria
educacional qualquer, por exemplo, que pode ficar em meras elucubrações; além disto, o planejamento
se dá em cima de uma ação específica, numa situação bem concreta, enquanto que uma teoria tem um
caráter genérico (explica, se aplica a vários objetos ou contextos).
• Difere do relatório (memória), pois apesar deste ter a prática como referência, trata-se de uma prática
já realizada, ao passo que o planejamento incide sobre uma ação a ser realizada (imagem reprodutora
x imagem antecipadora); pelo mesmo motivo, distingue-se da avaliação, no sentido estrito (embora
estejam muito vinculados).
• Difere também da predição, pois esta apenas aponta o que está para acontecer com as condições dadas,
enquanto que o planejamento é uma forma de intervir e interagir com as condições dadas para que
determinadas coisas venham a acontecer.
• Distingue-se ainda do script de uma peça, pois, embora este se refira a uma prática a ser realizada, não
há, digamos assim, grau de liberdade: uma vez montada a peça, praticamente nada se altera, vai ser a
repetição do mesmo, enquanto que o planejamento, sobretudo o educacional, não chega a este nível de
detalhamento e de amarração segundo a segundo.

Tem, portanto, uma carga de interesse em função deste caráter pragmático, visto que “é a única entre
todas as figuras antecipatórias a poder ser considerada como operatória” (Carvalho e Diogo, 1994: 8).

— Planejamento x Plano

Planejamento é o processo, contínuo e dinâmico, de reflexão, tomada de decisão, colocação em


prática e acompanhamento. Plano é o produto desta reflexão e tomada de decisão, que como tal pode ser
explicitado em forma de registro, de documento ou não: “Poderá tão-somente ser assumido como uma
decisão e permanecer na memória viva como guia da ação. Aliás, só como memória viva ele faz sentido”
(Luckesi, 1984: 211).
O planejamento, enquanto processo, é permanente. O plano, enquanto produto, é provisório.

O planejamento da educação escolar pode ser concebido como processo que envolve a
prática docente no cotidiano escolar; durante todo o ano letivo, onde o trabalho de formação
do aluno, através do currículo escolar, será priorizado. Assim., o planejamento envolve a

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fase anterior ao início das aulas, o durante e o depois, significando o exercício contínuo da
ação-reftexão-ação, o que caracteriza o ser educador. (Fusari, 1988: 9)

O plano corresponde a um certo momento de amadurecimento e de clareza no processo de


planejamento: “quando condições, objetivos, meios podem ser e são determinados 'exatamente’, e quando a
ordenação recíproca dos meios e dos fins apóia-se sobre um saber. suficiente do domínio em questão”
(Castoriadis, 1995- 97). Esta é sua força e seu limite, pois se desta forma pode direcionar a ação, de outra, está
condenado a ficar ultrapassado pelo fluxo do real: os planos passam, o planejamento permanece (cf.
Castoriadis, 1995: 97).

— Subprocessos

Planejar é elaborar o plano de mediação, da intervenção na realidade, aliado à exigência, decorrente


de sua intencionalidade, de colocação deste plano em prática. A elaboração do plano, obviamente, não é
ainda a ação; é um processo mental, de reflexão, de tomada de decisão; por sua vez, não uma reflexão qual-
quer, mas uma reflexão ‘grávida’ de intervenção na realidade. Temos, então, a dialética da ação humana
consciente e intencional entre ação e reflexão. E preciso ficar claro, no entanto, que não se trata de ‘etapas’
que se sucedem mecanicamente: uma de reflexão, outra de ação. Trata-se de predominância de uma ou de
outra, mas não de justaposições estanques, dicotômicas. Isto é importante: são momentos em que predomina
a reflexão ou a ação, mas ambos constituem uma unidade Indissolúvel (práxis). Na reflexão está presente a
ação, como ponto de partida, como desafio. Na ação há um tipo de reflexão que é ‘tensiona’, que está ao
mesmo tempo guiando a ação e confrontando, comparando com o Ideal estabelecido.

O planejamento enquanto processo envolve, pois, dois grandes subprocessos:

□Elaboração
□ Realização Interativa 47

Tem que haver elaboração do plano de ação. Mas isto não basta: se não houver a tentativa de
colocação em prática, tendo como referência aquilo que foi planejado, estará rompida a unidade do processo,
se estabelecerá uma dicotomia entre pensar e fazer, conceber e realizar, teoria e prática, o que caracteriza
uma atividade alienada. “A relação entre a consciência do projeto proposto e o processo no qual se busca sua
concretização é a base da ação planificada dos seres humanos” (Freire, 1981a: 43).
Por outro lado, ainda que a avaliação seja elemento Inerente à Realização Interativa, deve-se prever
um momento de avaliação mais sistemática do conjunto da atividade (antenção, ação, retroação, cf.
Palmarini, 1992: 23). Podemos representar o ciclo do planejamento da seguinte forma:
(Re) Elaboração

Realização Interativa

Avaliação de Conjunto

— Esquema: Ciclo do Planejamento—

Os esquemas clássicos do ciclo do planejamento apresentam os seguintes ‘passos’: Planejar,


Executar e Avaliar. Temos restrições a esta abordagem por entendermos que a execução não pode estar
separada do que foi planejado e a avaliação não é algo que ocorre apenas no fim; ao contrário, acompanha

47 No planejamento administrativo, este subprocesso fase costuma corresponder às fases denominadas “execução” e “controle”.

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todo processo de colocação em prática. Por isto, afirmamos que o ciclo do planejamento, na verdade, é
elaborar e realizar interativamente, o que implica a avaliação — tanto no processo como num momento de
conjunto —, ou seja, não pode haver — para não ser planejamento alienado — separação na execução com
aquilo que foi planejado. Esta não desvinculação da ação com a intencionalidade caracteriza a práxis.

2-FUNDAMENTOS DA ELABORAÇÃO DO PLANEJAMENTO

A Elaboração do planejamento “é um processo mental; precede a ação e reporta-se a um real ‘não


mental’, mas é relativo a uma situação desejada, um real construído mentalmente” (Carvalho e Diogo, 1994:
13). Dá-se tendo como referência as três dimensões da ação humana consciente e intencional: Realidade,
Finalidade e Plano de Ação Mediadora (essência da elaboração do planejamento).

Elaboração Realização

Finalidade

Plano de Mediação Mediação

Realidade

— Esquema: Dimensões do Planejamento—

A mediação (partejada pelo plano) é ‘filha’ da tensão entre a realidade e a finalidade, qual seja, se
não há distância entre o que se vive e o que se quer, não há motivo para a ação (por via de conseqüência,
nem para a elaboração do plano). “O hiato entre a visão e a realidade é fonte de energia. (...) Nós chamamos
este hiato de tensão criativa” (Senge, 1998: 178).
A cada uma destas dimensões do planejamento, corresponde respectivamente, um tipo de atividade
reflexiva:
Dimensão do Planejamento Atividade Reflexiva Correlata
Realidade Cognoscitiva

Finalidade Teleológica

Plano de Mediação Projetivo-Mediadora

— Quadro: Dimensões e Atividades Reflexivas Correlatas na Elaboração do Planejamento—


Em sua obra Filosofia da Praxis, Vázquez insiste na práxis como articulação entre reflexão e ação,
teoria e prática. Aponta duas grandes atividades que esta- riam envolvidas na reflexão: a atividade
Cognoscitiva e a Teleológica. Considerando a análise prévia que fizemos sobre as três dimensões
constituintes da atividade humana consciente e intencional, sentimos necessidade de desdobrar essa divisão,
visando a maior clareza e precisão na compreensão do processo de reflexão. A atividade teleológica, em que
Vázquez subentende tanto a finalidade da ação, quanto o plano de ação, pode ser desdobrada na atividade
Teleológica, no sentido da maior especificidade, por se referir à intencionalidade da ação, e na atividade que
chamaremos de Projetivo-Mediadora, em função de seu caráter de projeto de ação que fará a mediação entre
a realidade e a finalidade (transformar a realidade na direção da finalidade). Observemos que, na verdade, a
atividade reflexiva no seu conjunto pode ser entendida como mediadora da ação humana consciente; aqui, no
entanto, estamos falando de um aspecto particular desta mediação: a projeção.

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Vamos retomar as três dimensões básicas do processo de elaboração do planejamento.

1) Realidade

Planejar, como vimos, é tentar intervir no vir-a-ser, antever, amarrar ao nosso desejo os
acontecimentos no tempo futuro. Para isto, é preciso conhecer o campo que se quer intervir, sua estrutura e
funcionamento: ao projeto retém e revela a realidade superada, recusada pelo movimento mesmo que a
supera: assim, o conhecimento é um momento da praxis, mesmo da mais rudimentar” (Sartre, 1978: 152).
Quando nos referimos ao conhecimento da realidade, falamos de uma visão de um sujeito/grupo, que é,
portanto, sempre uma construção.
Acontece que a realidade não se dá a conhecer diretamente, não se ‘entrega5; o esforço de decifração
e interpretação visa a apreender o dinamismo do real já configurado, tendo em vista nele entrar, seja no
sentido de usufruir ou de transformar. Tanto o para quê, quanto o quê do plano estão referidos à situação, à
realidade. Ela é o ponto de partida e o de chegada (só que já transformada), bem como o campo de
caminhada.
Ao ser conhecida, a realidade pode revelar possibilidades Inexploradas:

A situação, ao mesmo tempo em que nos indica o que nos falta (portanto, os objetivos, ou
seja, aquilo que ainda não foi alcançado mas que deve ser alcançado), indica o que temos
(portanto, os meios que nos permitem realizar os objetivos propostos). (Saviani, 1983a: 64)

A atividade reflexiva característica desta dimensão, como indicamos, é a Cognoscitiva. Refere-se à


reflexão sobre uma realidade presente, que se pretende conhecer; não traz em si uma exigência de ação
efetiva, diferentemente da teleológica. Uma das funções da teoria é interpretar a realidade, decifrá-la, através
da pesquisa. Tem como resultado a produção de conhecimentos (informações que se articulam em saberes,
conceitos, hipóteses, teorias, leis).

2) Finalidade

Esta dimensão corresponde à busca do telos (fim), à explicitação da intencionalidade, ao sentido a


ser dado à ação, ao estado futuro de coisas, à uma orientação geral, à direção para transformar o que ê
naquilo que deve ser: qual o horizonte, qual a utopia, o que se deseja mais profundamente.

A forma de raciocínio projectual é diferente das formas de raciocínio descritivo e


explicativo relacionadas com a observação de fatos. (...) Não é um método de obtenção de
informação, é um método de injeção7 de informação na configuração do projeto. (Thiollent,
1984: 49)

A afirmação do que se quer tem uma importante tarefa na superação dialética: ao assumir
finalidades, o homem nega a realidade presente e afirma uma outra ainda não existente. “O presente é
contraditório, está sempre sobrecarregado de passado, mas ao mesmo tempo está sempre grávido das
possibilidades concretas de futuro” (Konder, 1992: 123). A determinação da ação passa a vir não simples-
mente do passado ou do presente, mas como que também do faturo.

A atividade propriamente humana só se verifica quando atos dirigidos a um objeto para


transformá-lo se iniciam com um resultado ideal, ou finalidade, e terminam com, um
resultado ou produto efetivo, real. Neste caso, os atos não só são determinados casualmente
por um estado anterior que se verificou efetivamente — determinação do passado pelo
presente —, como também por algo que ainda não tem um,a existência efetiva e que, não
obstante, determina e regula os diferentes atos antes de culminar num resultado real; ou

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seja, a determinação não vem do passado, mas sim do futuro. (Vázquez, 1977: 187)

A finalidade deve ser aberta, um projeto dinâmico, que vai se configurando pela interação com a
própria realidade.
Aqui, a atividade reflexiva característica é a Teleológica, que refere-se a um estado futuro, portanto
ainda inexistente. E a construção de representações mentais sobre o que se deseja. Trata-se da
intencionalidade, do alçar vôo, antever, projetar ou explicitar finalidades. Tem como resultado os fins, os
objetivos, as metas (de acordo com os diferentes níveis de abrangência), o ‘produto’ ideal, entes que “ainda-
não-são”, a imagem do resultado almejado.
O caráter finalista que reveste certas idéias provém do engajamento do homem no mundo (cf. Pinto,
1979: 144), da sua luta pela sobrevivência, da sua não mera adaptação: “...a atividade teleológica traz
implícita uma exigência de realização, em virtude da qual se tende a fazer da finalidade uma causa de ação
real” (Vázquez, 1977: 191).
A atividade reflexiva serve também, pois, para a projeção, para esboçar o novo, para abrir novas
possibilidades, criar o ainda não existente: “...o possível cognitivo é essencialmente invenção e criação”
(Piaget, 1985: 8). A mudança da realidade exige imaginação, criatividade a fim de se projetar uma
possibilidade de organização diferente da que temos. Podemos lembrar uma outra colocação de Einstein:
“Nada existe na ciência que não tenha estado antes na imaginação”.

...o possível, o virtual, o futuro não se representa senão através do imaginário. Trabalhadas,
elaboradas, essas representações se tomam utopias afirmativas ou negativas. De tal modo
que o imaginário possui uma função5 igual ou superior ã do saber que se refere ao real.
(Lefebvre, 1983: 63)

Para planejar é importante imaginar, porém não uma imaginação descomprometida, mas que tenha
em conta as experiências anteriores e o engajamento para que venha a acontecer.
Segundo Barbier, há com efeito uma relação genética entre as representações: “para definir uma
representação do possível torna-se provavelmente necessário partir de uma representação do real existente”
(Barbier, 1996: 52), qual seja, a construção da representação de um estado ideal, de um novo horizonte se dá
tendo como base as representações mentais anteriores, portanto, relativas ao passado ou ao presente» Logo, o
trabalho de conhecer bem a realidade é da maior Importância para ampliar o leque de possibilidades de
criação de novas representações antecipadoras. Assim, estabelecer finalidades não pode ser entendido como
um devaneio, um passeio por cima das nuvens onde as finalidades, prontas, amadurecidas, bem definidas,
seriam colhidas e trazidas... E um processo que parte de uma escuta atenta da realidade, que arrisca
interpretações, e que finalmente ousa apostar em algumas projeções.

3) Plano de Mediação

E a previsão das ações, do movimento, da seqüência de operações a serem realizadas para a


transformação da realidade. Dimensão mais operacional, de criação de alternativas concretas de mudança,
onde se elabora um plano de intervenção. Enquanto a finalidade corresponde a uma antecipação de um
estado a ser alcançado, o plano diz respeito à antecipação do processo (sucessão de iniciativas, passagem de
um estado a outro) a ser desencadeado(cf. Barbier, 1996: 57). Tudo se dá como se a imagem ideal projetada
retroagisse sobre o sujeito para estruturá-lo a fim de alcançá-la (cf. Not, 1981: 454).
A atividade reflexiva Projetivo-Mediadora é característica desta dimensão. São idéias que têm a
função de poder representar prefiguradamente uma ação a fazer. Trata-se de buscar construir a Imagem
mental do caminho a ser seguido, ser capaz de visualizar o movimento na situação fatura: como ocupar o
tempo, o espaço e os recursos. Tem como resultado o projeto — stritu senso —, a produção de propostas de
atividades, enfim, o plano a ser assumido.
Para o êxito na realização do projetado, é fundamental, portanto, que a consciência não se limite à

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representação do próprio fim, mas que este fim direcione igualmente o modo de ação nele implicado.

...acaba por dar uma estrutura nova ao ato de trabalho, enquanto implica doravante em si
próprio o seu próprio plano, como consciência da forma do movimento a imprimir ao
objeto. E pois na verdade a imagem que o trabalhador projetou da sua cabeça no material,
não somente a imagem da própria forma do instrumento a obter, mas a imagem da forma do
movimento da sua execução, que se realiza na matéria trabalhada. (Trân Duc Thao, 1974:
201)

O plano deve levar em consideração os meios disponíveis ou potenciais. Vai implicar também em
tomada de decisões quanto às formas de realização.
Devemos estar atentos para um possível equívoco metodológico: a confusão entre a
operacionalização da solução do problema (mediações) e a finalidade. Diante de uma situação-problema,
uma vez que esta é captada, normalmente o que aparece no sujeito é o desejo de sua superação —
objetivo/finalidade —, e isto pode ser confundido com a solução; ocorre que a operacionalização precisa ser
elaborada (plano de mediação), ser construída, a partir da análise sobre as determinações da realidade e da
reflexão sobre os fins almejados.

— Dialética entre as Dimensões

A relação entre estas três dimensões é dialética, o que significa dizer que uma supõe, nega e supera
as demais. Há, por exemplo, uma unidade indissolúvel entre Realidade e Finalidade: primeiro, a existência
da finalidade remete ao conhecimento da realidade para que o fim possa se realizar, mas também tem sua
gênese numa necessidade advinda desta realidade; segundo, a finalidade é de certa forma a negação (ideal)
da realidade (que se quer transformar). O arquiteto, como veremos a seguir, imagina a casa, mas esta
imaginação está baseada em suas experiências anteriores, portanto, na própria realidade. Se pensarmos no
Plano de Mediação, veremos que também leva em conta a realidade, tanto no sentido de experiências
anteriores, quanto dos recursos disponíveis na mesma; e assim por diante.

A démarche de elaboração de projeto pode efetivamente ser definida com,o um processo de


transformação de uma representação orientada do real, com efeito cognitivo e relevando de
uma démarche de identificação e de conhecimento, numa representação orientando o real,
com efeito operatório antecedendo diretamente a ação. (Barbier, 1996: 24)

3 -FUNDAMENTOS DA REALIZAÇÃO INTERATIVA

O autêntico processo de planejamento, além da elaboração, traz implícita uma exigência de


realização. O tipicamente humano é, a partir da realidade, projetar a finalidade, esboçar o plano de ação e
agir de acordo com ele, influenciado, determinado, tendo-o como referência.

Com efeito, enquanto antecipação ideal de um resultado real que se pretende alcançar, o
objetivo é também expressão de uma necessidade humana que só se satisfaz atingindo-se o
resultado que aquele prefigura ou antecipa. Por isto, não se trata apenas de antecipação
ideal do que está por vir, mas sim de algo que além disso, queremos que venha. (Vázquez,
1977: 191)

O plano passa a constituir-se em guia, referência, orientação, direção da ação, interferindo, pois, no
seu desenrolar. Esta prática comum de se fazer plano e depois se esquecer dele, não se comprometer com sua
realização, é marca da atividade humana- alienada, onde alguns pensam e decidem, outros executam. Aliás,
como analisamos, este é o ponto que no cotidiano escolar mais desacredita o plano e, por conseqüência, a
própria idéia de planejamento: as coisas vão para o papel e depois não acontecem! Não basta ter uma

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finalidade Inicial; é preciso que ela acompanhe a atividade de concretização, ainda que o resultado — em
função de fatores intervenientes — saia diferente do ideal inicial. A realização do planejado não vai se dar de
forma linear, mas por um processo de aproximações sucessivas.

E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é
mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante iodo o curso do
trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo
conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece por isso menos
possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças físicas e espirituais. (Marx,
1980b: 202)

Há, portanto, uma unidade interna entre concepção (necessidade-finalidade- plano de ação) e ação
que não pode ser rompida: “Impõe-se que a antecipação intelectual, a idéia das conseqüências se misture
com o desejo e o Impulso para adquirir força de movimento e dar, então, direção ao que seria atividade cega,
enquanto o desejo dá às idéias ímpeto e projeção” (Dewey, 1979: 68).
Deve ficar claro que estamos nos movimentando aqui em dois campos distintos, embora
profundamente articulados, A elaboração se dá no campo das representações (processos mentais e
intelectuais), enquanto que a realização acontece, digamos assim, na realidade objetiva, no campo não-
mental.

— Conhecimento da realidade
— Projeção de Finalidades
— Plano de Mediação Ação

Representações

Conhecimento Realidade Objetiva

— Esquema: Relação entre Campos de Elaboração e de Realização do Planejamento—

O planejamento com efeito é,um processo de transformação; comporta distinguir, no entanto,


transformação das representações e transformação do real em si. Planejar no seu conjunto implica, pois, a
passagem das idéias (transformadas) para a transformação da realidade.

— Interferências

Falamos de intenção de adequação porque não há como 'garantir5 absolutamente que o resultado da
ação sala Igual ao Idealizado. E claro que na análise da realidade, procurar-se-á captar seus determinantes, e
na projeção de finalidades se procurará estabelecer objetivos compatíveis com a realidade e as possibi-
lidades, mas, seja pela não captação adequada do real ou pelas diferentes finalidades dos sujeitos da
instituição, pode acontecer a inadequação. Os conflitos podem emergir, inclusive, decorrentes de um
processo global inintencional, qual seja, de “relações que os homens contraem independente de sua vontade e
de sua consciência” (Vázquez, 1977: 188), A perspectiva de um bom processo de planejamento é superar (ou
pelo menos diminuir a influência) inclusive esta inintencionalidade.
Muitos fatores só se manifestam na consecução do projeto, à medida que avança a prática, levando a
modificar o processo (plano) e o produto (fim) de início projetado.

A finalidade preside as ‘modalidades de atuação \ mas na medida em que entram em jogo


elementos não propriamente ideais — e não podem deixar de entrar, se a finalidade for se
realizar —já se está numa esfera imprevisível na qual seu próprio domínio também está
constantemente em jogo. Mas a finalidade não pode deixar de dominar — ou seja, a

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consciência não pode bater em retirada no processo prático —, e por isso tem que estar
alerta às exigências imprevistas do processo objetivo de realização. (Vázquez, 1977: 242)

Em função das interferências, o que pode acontecer é o planejamento não completar seu ciclo
Elaboração - Realização Interativa (ex.: prevê-se um curso na escola e depois ele não acontece). E claro que
aqui caberá uma análise para localizar o foco do problema: plano mal elaborado, falta de compromisso da
execução, interferência não previsível, etc.
Não podemos, portanto, identificar o planejar com o necessariamente acontecer — embora deva
haver esta intenção inicial—. Todavia, quando da concretização, esta deverá se pautar pelo planejado, não
podendo ser uma ação qualquer. Neste sentido é que podemos falar do planejamento como Méthodos para a
Práxis.

— Dinamismo da Consciência

Não há uma lei previamente determinada que oriente todo o trabalho educacional. Há fatores comuns
que permitem certo grau de previsão, porém não de forma absoluta, variando de acordo com as condições
objetivas, peculiares. “O que significa que a consciência não pode limitar-se a traçar um objetivo ou modelo
ideal imutável. O dinamismo e a imprevisibilidade do processo exigem também um dinamismo da
consciência” (Vázquez, 1977: 242).
A consciência tem de estar atenta durante todo o processo, tendo em vista as mudanças necessárias.
Diante de uma mudança na realidade, por exemplo, o sujeito poderá manter o objetivo e rever a mediação, ou
alterar o próprio objetivo, etc. Os fins não são, portanto, produtos acabados, mas estão neste processo de
interação com a realidade e as formas de mediação.
Por isto também, é importante tentar fazer: ao tentar, conhece-se melhor a realidade, pode-se
aquilatar melhor onde está a resistência. 48 Não é viável, pois, aquela postura de se esperar ter toda a certeza
para só depois agir.
A competência do educador vai crescendo na mesma proporção em que vai aprendendo a
transformar sua prática pedagógica. A mera repetição — ainda que de práticas Interessantes — não faz um
bom professor. Nesta perspectiva, o planejamento pode ser um suporte para ajudar o seu crescimento.

— Duas vezes

Nesta explicitação do processo de planejamento, fica claro que o resultado acontece duas vezes: uma
vez quando é antecipado mentalmente, outra quando é realizado. O conceito de planejamento está vinculado
simultaneamente às Idéias de antecipação e de realização da ação, tendo em vista atingir determinado
objetivo.

Este modo de articulação e determinação dos diferentes atos do processo ativo distingue
radicalmente a atividade especificamente humana de qualquer outra que se situe num nível
meramente natural. Esta atividade implica na intervenção da consciência, graças à qual o
resultado existe duas vezes — e em tempos diferentes—: como resultado ideal e como
produto real. (Vázquez, 1977: 187)

No texto já reproduzido, Marx afirma que o arquiteto figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade.
Devemos ponderar, no entanto, o fato de que não é só o resultado que aparece duas vezes; a
mediação também: enquanto plano de ação e enquanto ação concreta na realização interativa.

48 Ex.: pode-se pensar, inicialmente, que a dificuldade de se implantar uma idéia estaria na direção da escola; quando se
tenta, percebe-se que a resistência na verdade está nos professores ou nos pais.

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— Atividades Reflexivas Presentes

Pensando no ciclo integral do planejamento, além das atividades reflexivas Cognoscitiva,


Teleológica, Projetivo-Mediadora, presentes na Elaboração, devemos acrescentar ainda, relativamente à
Realização Interativa, duas outras, mais específicas deste momento, a saber:

□ Práxico-Pragmática 49: atividade reflexiva de caráter mais operatório, que está presente, em
alguma medida, na prática concreta do sujeito; trata-se mais de um estado mental que o acompanha, dando
inclusive sua identidade por ligar passado, presente e futuro;
□ Diagnostica: atividade reflexiva de cunho axiológico, valor ativo, aquela que faz a revisão, a
crítica, a análise dos resultados que estão sendo obtidos e/ou o julgamento da ação, no sentido de perceber
até que ponto está se aproximando do plano de ação elaborado (e/ou da própria finalidade), e o que deve ser
feito (comparação + juízo + decisão); a comparação se dará entre as representações assumidas como aquilo
que deveria ser e as representações relativas ao que aconteceu ou está acontecendo. Através da análise ou dos
juízos, ela indica as necessidades que orientam a intervenção na prática (princípio de auto-regulação).
Devemos reconhecer que esta atividade reflexiva também está presente na elaboração(ex.: AR: foram
considerados todos os elementos relevantes da realidade?, já chegamos ao núcleo do problema?; PF: os
objetivos estão claros?, é isto mesmo que queremos?; FM: quais os recursos disponíveis?, quais as melhores
alternativas de ação?). Aqui, no entanto, se manifesta de forma mais clara e específica enquanto regulação da
ação

A atividade reflexiva Práxico-Pragmática, de acordo com o empenho do sujeito, pode ocupar um


espectro que vai desde um maior nível de intencionalidade (práxica) até um nível mais elementar
(pragmática).
Planejar implica, pois, refletir antes de agir, durante a ação e depois dela (cf. Brighenti, 1988: 10).
Assim, é possível representar a práxis pedagógica da seguinte forma:

Práxis (Reflexão sobre a Prática) Cognoscitiva


Teleológica
Reflexão Projetivo-Mediadora

Ação Práxico-Pragmática
(Prática Reflexiva) Diagnóstica
— Quadro: Práxis enquanto dialética Reflexão-Ação—

— Sobre a Utopia

As reflexões anteriores nos remetem à questão do papel e do lugar da utopia. Como sabemos, este é
um aspecto controverso, sobretudo depois das críticas ‘pós’ (pós-moderna, pós-estruturalista). De imediato
adiantamos que não estamos assumindo utopia naquele sentido dado por alguns autores modernos (como a
Cidade do Sol de Campanella, 1568-1639) de um programa rigidamente definido, de uma descrição concreta
e pormenorizada de passos a serem dados para se chegar a algum lugar; também não desejamos aquela
perspectiva denunciada por Marx, qual seja, como “ópio do povo”: algo irrealizável, que não tem em conta
os fatos reais, forma de refúgio subjetivo pela fuga da realidade objetiva (recusa do princípio de realidade). O
conceito de utopia foi criado e utilizado por Thomas Morus (1478-1535) na obra que o leva como título

49 Agradeço ao prof. Atitonio Joaquim Severino pela sugestão da denominação deste tipo de atividade mental.

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(1516), a partir de grego topos (que significa lugar) e ou (negação). Entendemos que a utopia tem um papel
importante no processo de transformação quando é compreendida como ou- topos, qual seja, aquilo que não
tem lugar ainda, mas que pode vir a ter, e, em especial, que desejamos que tenha. Neste sentido, tem uma
função de denúncia de uma determinada situação e de anúncio da possibilidade de uma outra, a ser
construída; portanto, é criadora e “subversiva”.

A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição


da imaginação a necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente
melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece a pena lutar. (Santos,
1996b: 323)

Tem por base, pois, a esperança, a crença na possibilidade de mudança do real, conforme reflexão
anterior. Partilhamos aqui da perspectiva de Ernest Bloch quando liga “a espera a um faturo melhor e a
qualifica, ao mesmo tempo, de docta spes, isto é: de esperança fundada também no conhecimento do mundo
e na análise científica de sua estrutura e contradições” (Münster, 1993: 13). Para Bloch, “utopia é, em
primeiro lugar, um topos da atividade humana orientada para um futuro, um topos da consciência
antecipadora e a força ativa dos sonhos diurnos” (Münster, 1993: 25). Contrapondo-se à utopia abstrata,
afirma a concreta que é vinculada a tendências objetivas, já existentes na realidade (embora ainda não
manifestadas).
Resgatamos utopia no seu sentido mais profundo, oriundo de uma concepção ontológlca que
reconhece o ser humano como inacabado (ainda-não-ser. dialética de um ser e de um não-ser cf. Bloch) e,
nesta medida, toda existência é um constante vir-a-ser em direção ao ser-mais, tornar-se cada vez mais
humano (tanto do ponto de vista individual quanto social).
Não podemos negligenciar as potencialidades criativas e transformadoras da realidade, seu excedente
utópico ainda-não explorado (cf. Bloch), sua característica de objeto-projeto (Carvalho, 1988: 119). Deve
fazer parte, portanto, das ciências da educação a preocupação com o futuro, a componente utópica (Gimeno
Sacristàn, 1983: 33). Retomando a reflexão de Gimeno, Carvalho enfatiza: “a ciência da educação não pode
apenas ser uma ciência descritiva: será também uma ciência normativa em que a componente utópica tem
papel central” (1988: 93), visto lidar com um objeto inconcluído, em construção.
Viver é perigoso (cf. Guimarães Rosa); não podemos ficar aguardando passivamente o melhor
momento, a melhor concepção que viriam a se configurar sabe-se lá quando. A vida nos cobra no aqui e
agora. Temos de fazer apostas, temos de nos arriscar, nos chamuscar. Construir, assumir uma utopia,
portanto, é uma tarefa delicada, mas decisiva.

Na medida em que as previsões deterministas não são passíveis, é provável que as visões de
futuro, e até as utopias, desempenhem um papel importante nessa construção. Há pessoas
que temem as utopias; eu temo mais a falta de utopias. (Prigogine,1996: 268)

Que se reconheça: mudar a realidade não é absolutamente fácil! E a meta a ser alcançada, um ideal
que dá sentido ao caminhar. Assim, se o professor não sonha mais, se não deseja, se não tem a esperança
crítica, o que está fazendo em sala de aula? Aliás, o que está fazendo na vida?

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Sonho Impossível 50

Sonhar, mais um sonho impossível,


Lutar, quando é fácil ceder,
Vencer o inimigo invencível,
Negar, quando a regra é vender.
Sofrer a tortura implacável,
Romper a incabível prisão,
Voar, num limite improvável Tocar o inacessível chão.

É minha lei, é minha questão,


Virar este mundo, cravar este chão.
Não importa saber se é terrível demais,
Quantas guerras terei de vencer por um pouco de paz.
E amanhã,
Se esse chão que eu beijei for meu leito e perdão,
Vou saber que valeu delirar e morrer de paixão.

E assim, seja lá como for, vai ter fim a infinita aflição.


E o mundo vai ver uma flor
brotar do impossível chão.

4-NECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO NO PLANEJAMENTO

O conceito de planejamento que estamos plasmando e assumindo traz consigo uma outra exigência:
a Participação. Concebemos o planejar como uma oportunidade de repensar todo o fazer da escola, como um
caminho de formação dos educadores e educandos, bem como de humanização, de desalienação e de
libertação. Colocamos como pano de fundo de todo o processo de planejamento, o desafio da
transformação, ou seja, de conseguirmos efetivamente criar algo novo, ousar, avançar, dar um salto
qualitativo. O fato de buscarmos o planejamento participativo tem a ver com opções de ordem ontológica,
ética e política, mas também pragmática.
A participação é um valor, é uma necessidade humana (o homem se toma homem pela sua inserção
ativa no mundo da cultura, das relações, etc.); é uma questão de respeito pelo outro, de reconhecimento de
sua condição de cidadão, de sujeito do sentir, pensar, fazer, poder. “Ao cooperar com outros de acordo com
um plano, desfaz-se o trabalhador dos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade de sua
espécie” (Marx, 1980b: 378).
Os problemas fundamentais do homem estão justamente nas suas relações com o mundo e,
especialmente, com os outros homens na sociedade: os coeficientes de poder. Estamos no cerne da questão
política da atividade humana e da organização da sociedade. Numa sociedade dividida em classes sociais
antagônicas onde “os ricos estão cada vez mais ricos, às custas” dos pobres cada vez mais pobres,m, não há
espaço para neutralidade. Cabe-nos então a questão: que tipo de planejamento estamos favorecendo? que tipo
de sociedade está subjacente à nossa prática de planejar? Não importa, pois, só o que se planeja, mas também
o como, visto que estamos na busca do bem comum, de uma nova qualidade de vida para todos. A autêntica
participação é, muito concretamente, uma estratégia de superar a dominação e a exclusão.
Por outro lado, a participação no processo de planejamento tem a ver com uma questão muito
prática: o desejo de que as coisas planejadas realmente aconteçam. Uma das grandes metas (e queixas) na
instituição que planeja é que todos Vistam a camisa’, incorporem os objetivos traçados, criando uma nova

50 J. Darion e M. Leigh, The impossible dream; tradução de Chico Buarque de

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cultura. Todavia, em levantamentos feitos junto a educadores de diferentes realidades, os maiores problemas
da escola apontados são, de um modo geral, da ordem das relações, da política interna e não tanto de
proposta pedagógica: pessoas que não querem, não aceitam, não abrem mão, não deixam, controlam, não
mudam. Por isto, quanto maior o nível de participação, maiores as chances de vermos o planejado realizado.
A proposta metodológica do planejamento participativo favorece este envolvimento, visto que nasce na
própria participação ativa de cada membro.
Além disto, como sabemos, o problema maior não está tanto em se fazer uma mudança, mas em
sustentá-la. Daí a essencialidade da participação! Que o planejar seja do grupo e não para o grupo.
A participação pode ser enfocada em três níveis (inter-relacionados): a institucional, que remete ao
tipo de proposta feita para a elaboração do planejamento; a individual, que tem a ver com o grau do
envolvimento da pessoa, possibilitando o resgate da condição de sujeito por parte do educador; a coletiva,
relativa à organização dos sujeitos, que pode favorecer a que um conjunto de forças se articule em torno de
uma mesma direção, o que aumenta as chances de que as coisas venham a se concretizar; há uma diferença
muito grande, em termos de possibilidade de realização, entre ‘colocar no papel’ a idéia de um indivíduo, e
uma idéia assumida pelo grupo. A participação, portanto, é também um elemento estratégico, é uma forma
de diminuir — pela negociação, pela busca de consenso ou de hegemonia — as resistências dos próprios
agentes internos à instituição.
É necessário fazer um planejamento participativo, uma vez que dessa forma:

• O sujeito da reflexão é também o sujeito da decisão, da ação e do usufruto;


• Há motivação, pelo fato de estar atendendo às necessidades dos sujeitos;
• A probabilidade de concretização é maior, dado que quem ajudou a construir está mais
predisposto a realizar;
• Propicia-se uma nova postura (crença, convicção, valores): se o sujeito não participa de
todo o processo, pode até fazer as coisas novas que são propostas, mas não ‘por inteiro’ ou com
‘espírito velho’;
• Possibilita-se o crescimento dialético da autonomia e da solidariedade;
• O que se privilegia é o processo e não só o plano escrito.

A participação deve se dar em todas as Instâncias: sensibilização, discussão decisão, colocação em


prática, avaliação e frutos do trabalho.
Pela participação efetiva há oportunidade das pessoas se posicionarem, se dizerem, saírem de suas
trincheiras, arriscarem-se, apostarem em algo; abre-se espaço para a razão comunicativa (cf. Habermas,
1929- ) 51, para o autêntico diálogo (cf. P. Freire), portanto, para a vida.
E comum vermos grandes esforços serem empregados para colocar em prática um projeto que é da
equipe diretiva; diante da inviabilização, muitos perguntam-se: 'Onde foi que erramos? O projeto era bom,
estávamos cheios de boa vontade, por que não deu certo?’ Aqui podemos estabelecer um critério de
julgamento para o planejamento: por melhor que seja a intenção (do Estado, da mantenedora, da direção, dos
professores, da equipe de coordenação, dos alunos ou dos pais), se não houver condições Institucionais
mínimas de desencadear um processo de planejamento com a participação da comunidade educativa (mesmo
que em diferentes níveis) 52, é porque não há ainda condições de desencadear um processo de realização de
uma Educação Dialética-Libertadora, cabendo uma ação de Intervenção, a partir da clareza desta realidade.
Acabamos de refletir sobre o planejamento numa visão mais geral. Iremos, na seqüência, analisar seu
desdobramento, em termos mais operacionais, no campo da prática de sala de aula e da escola.

51 “Chamo comunicativas às interações nas quais as pessoas envolvidas se põem de acordo para coordenar seus planos de ação, o
acordo alcançado em cada caso medindo- se pelo reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validez” (Habermas, 1989: 79).
52 Ex.: uma primeira elaboração apenas com professores e funcionários.

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Atividades de Síntese
Escreva um texto falando sobre a necessidade do planejamento na escola.
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3ª Parte

PROJETO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM

Introdução Geral
NÍVEIS DE PLANEJAMENTO

Na educação escolar, podemos realizar planejamentos em diferentes níveis de abrangência:

□Planejamento do Sistema de Educação

E o de maior abrangência, correspondendo ao planejamento que é feito em nível nacional, estadual


ou municipal. Incorpora e reflete as grandes políticas educacionais. Enfrenta os problemas de atendimento à
demanda, alocação e gerenciamento de recursos, etc. 53

□Planejamento da Escola

Trata-se do que chamamos de Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto Educativo), sendo o plano
Integral da instituição. Compõe-se de Marco Referencial, Diagnóstico e Programação. Envolve tanto a
dimensão pedagógica, quanto a comunitária e administrativa da escola. Mais à frente nos dedicaremos ao seu
estudo (4a Parte).

□Planejamento Curricular

E a proposta geral das experiências de aprendizagem que serão oferecidas pela escola, Incorporada
nos diversos componentes curriculares. Dá a espinha dorsal da escola, desde as séries iniciais até às
terminais. 54

□Projeto de Ensino-Aprendizagem

53 Este tipo de planejamento ganhou grande impulso através de iniciativas da UNESCO.


54 A Proposta Curricular pode ter como referência os seguintes elementos: fundamentos da Disciplina/Área de Estudo,
desafios pedagógicos, encaminhamento metodológico, proposta de conteúdos, processo de avaliação.

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E o planejamento mais próximo da prática do professor e da sala de aula. Diz respeito mais
estritamente ao aspecto didático. Pode ser subdividido em Projeto de Curso e Plano de Aula, como veremos
detalhadamente mais adiante.

□Projeto de Trabalho

E o planejamento da ação educativa baseado no trabalho por projeto: são projetos de aprendizagem55
desenvolvidos na escola por um determinado período, geralmente de caráter interdisciplinar. Trata-se, muitas
vezes, mais de uma metodologia de trabalho que incorpora a concepção de projeto.

□Planejamento Setorial

E o plano dos níveis intermediários (cursos, departamentos, áreas) ou dos serviços no interior da
escola (direção, coordenação/supervisão, orientação, secretaria, etc.). Este plano, em termos institucionais, é
equivalente ao projeto de ensino-aprendizagem, devendo, portanto, estar referido também ao Projeto
Educativo da escola.

Nota Metodológica:

Desejamos registrar que o percurso a ser feito a partir de agora (3a e 4a Partes) está
pautado mais na ordem psicológica que na lógica: vamos começar pelo Projeto de Ensino-
Aprendizagem ao invés de pelo Projeto Político-Pedagógico. A justificativa para isto é o
fato da expectativa maior do professor estar voltada para aquilo que lhe é mais próximo.
Esperamos, no entanto, deixar claro no decorrer da exposição que o Projeto de Ensino
pouco valor tem se não estiver articulado ao Projeto Político-Pedagógico da Escola. Se
você desejar, poderá inverter e começar a leitura pela 4a Parte.

I
Estrutura do Projeto de Ensino-
Aprendizagem
INTRODUÇÃO

1- Sobre o Conceito de Projeto de Ensino-Aprendizagem

Estamos assumindo aqui Projeto no mesmo sentido a que nos referimos antes quando conceituamos
Planejamento:

É uma praxis determinada, considerada em suas ligações com o real, na definição

55 Também chamada muitas vezes de Pedagogia de Projetos.

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concretizada de seus objetivos, na especificação de suas mediações. E a intenção de uma


transformação do real, guiada por uma representação do sentido desta transformação,
levando em consideração as condições reais e animando uma atividade. (Castoriadis, 1995:
97)

Importante saber:

Enquanto o Projeto Político-Pedagógico diz respeito ao plano global da instituição, o


Projeto de Ensino-Aprendizagem corresponde ao plano didático.

Tradicionalmente, fala-se de Plano de Ensino-Aprendizagem e não de Projeto. Os conceitos de


projeto e plano podem ser aproximados. Aqui estamos preferindo projeto a plano em função do significado
mais vivo, dinâmico e potencialmente mobilizador do primeiro: enquanto plano nos remete mais à idéia de
produto, projeto traz subjacente a idéia de processo-produto, ou seja, projeto, da forma como estamos
concebendo, inclui o conceito de plano e o transcende, na medida em que remete também a todo processo de
reflexão, de construção das representações e colocação em prática, e não apenas ao seu registro. 56 E por isto
que tem o mesmo significado do próprio conceito de planejamento anteriormente assumido.
Uma questão poderia ser levantada: por que Projeto de Ensino-Aprendizagem e não apenas de
Ensino? Antes de mais nada, porque ensino e aprendizagem são conceitos essencialmente relacionais e
dialéticos: “O ensino (magistério) não existe por si mesmo, mas na relação com a aprendizagem (estudo). (...)
0
existe entre o ensino e a aprendizagem é uma relação de ‘dependência ontológica’” (Veiga, 1997: 139);
assim, por exemplo, a rigor não podemos dizer que houve ensino se não houve aprendizagem; por seu turno,
embora o sujeito possa aprender algo sozinho, nunca está sozinho em absoluto: no mínimo está partilhando
uma linguagem que representa, em alguma medida, a presença do outro. E certo que, como veremos mais à
frente, é até possível fazer a distinção e falar de projeto de ensino do professor e projeto de aprendizagem do
aluno, mas mesmo assim os dois se exigem reciprocamente, pedem um encontro.

2- PROJETO X CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E CONHECIMENTO

O planejamento se coloca no campo da ação, do fazer; todavia, não parte do nada: existem definições
prévias (teoria, valores, etc.) que precisam ser explicitadas. O Projeto de Ensino, Aprendizagem está atrelado
a uma concepção de educação, que, por sua vez, está relacionada às concepções de conhecimento e de
currículo. Estas concepções devem constar do Projeto Político-Pedagógico da instituição.

2.1. Educação Escolar

Gostaríamos de destacar a relação de Interdependência que existe entre o tipo de educação que se
busca fazer e o tipo de planejamento a ela correlato. Muitas vezes, na prática escolar, encontramos
verdadeiros ‘monstrinhos’ criados pela tentativa de justapor concepções antagônicas entre a forma e o
conteúdo do trabalhar no dia-a-dia, e a forma e o conteúdo do planejar.
Pensar no Projeto de Ensino é enfrentar algumas questões básicas, que definem o próprio campo de
atuação do educador: o que entendemos por educação escolar? Qual o papel da escola? Naturalmente, se
estas reflexões já foram feitas por conta da elaboração do Projeto Educativo, basta retomá-las; todavia, no
caso da escola não ter seu Projeto, é fundamental que o educador busque, pelo menos para si e para seu
grupo de trabalho, este posicionamento, a fim de ter critérios de decisão sobre o tipo de planejamento que se
vai assumir.

56 Cremos também que esta mudança na nomenclatura possa ajudar o professor a repensar esta atividade e resignficá-la.

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E claro que sempre há o perigo da esquizofrenia pedagógica: declaramos uma intenção e na verdade
a que dirige o trabalho é outra, sem que, multas vezes, sequer nos demos conta... Mas este é um outro
problema, que não será resolvido simplesmente se omitindo a concepção desejada. Muito pelo contrário, uma
vez explicitada, temos condições de confronto com a prática concreta da instituição.
De nossa parte, esperamos ter deixado claro no decorrer do trabalho a concepção de educação que
assumimos. De qualquer forma e multo sinteticamente, entendemos que a educação escolar é um sistemático e
Intencional pro' cesso de interação com a realidade, através do relacionamento humano baseado no trabalho
com o conhecimento e na organização da coletividade, cuja finalidade é colaborar na formação do educando
na sua totalidade — consciência, caráter, cidadania —, tendo como mediação fundamental o conhecimento
que possibilite o compreender, o usufruir ou o transformar a realidade.

2.2. Currículo e Conhecimento

A prática do planejamento dependerá também da concepção de currículo que se tem, tendo em vista
as implicações bem concretas em termos de organização do trabalho pedagógico.

(Se) por currículo se entendeu deforma dominante o compêndio de conteúdos, planejá-lo é


fazer um esboço ordenado do que se deveria transmitir ou aprender seqüenciado
adequadamente... Se por currículo se entendesse um conjunto de objetivos para serem
alcançados junto aos alunos, o plano é a estrutura e ordenação precisa dos mesmos para
obtê-los por meio de certos procedimentos concretos. Finalmente, se por currículo
entendemos a complexa trama de experiências que o aluno obtém, incluídos os efeitos do
currículo oculto, o plano deve contemplar não apenas a atividade de ensino dos professores,
mas também todas as condições do ambiente de aprendizagem graças ás quais se produzem
esses efeitos: relações sociais na aula e na escola, uso de textos escolares, efeitos derivados
das práticas de avaliação, etc. (Gimeno Sacristán, 1995a: 230)

Todo processo de educação escolar, por ser intencional e sistemático, implica a elaboração e
realização (incluindo aí a avaliação) de um programa de experiências pedagógicas a serem vivenciadas em
sala de aula e na escola. Estamos entendendo por currículo este conjunto de atividades.

Por currículo se entende a síntese de elementos culturais (conhecimentos, valores,


costumes, crenças, hábitos) que conformam uma proposta político-educativa pensada e
impulsionada por diversos grupos e setores sociais cujos interesses são diversos e
contraditórios, ainda que alguns tendam a ser dominantes ou hegemônicos, e outros tendam
a opor-se e resistir a tal dominação ou hegemonia. (Alba, 1991: 38)

O currículo não pode ser pensado apenas como um rol de conteúdos a serem transmitidos para um
sujeito passivo. Temos que levar em conta que as atitudes, as habilidades mentais, por exemplo, também
fazem parte dele. Neste sentido, 0 currículo que nos interessa é aquele em que o educando tem oportunidade
de entrar no movimento do conceito.

...um currículo reflete não só a natureza do conhecimento em si mesmo, como também a


natureza do conhecedor e do processo de aquisição de conhecimento. É um caso em que é
obrigatoriamente mal delineada a fronteira entre sujeito, objeto e método. Um corpo de
conhecimentos, entesourado numa universidade e corporificado numa série de competentes
volumes é o resultado de intensa atividade intelectual anterior. Instruir alguém nessa
matéria não é levá-lo a armazenar resultados na mente, e sim ensiná-lo a participar do
processo que toma possível a obtenção do conhecimento: ensinamos não para produzir
minúsculas bibliotecas vivas ambulantes, mas para fazer o estudante pensar,
matematicamente, por si mesmo, para considerar os assuntos como faria um historiador,
tomar pane do processo de aquisição de conhecimento. Conhecer é um processo, não um

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produto. (Bruner, 1969: 89)

Multas vezes, as propostas curriculares são feitas pelo sistema de educação estadual ou rede
municipal, dando origem aos chamados “Guias Curriculares”, que, em princípio, deveriam ser apenas uma
orientação para as diversas escolas, mas que na prática acabam sendo entendidos — até porque
freqüentemente são cobrados desta forma — como 'programa oficial’, que ‘tem que’ ser dado. Mesmo no
caso de existirem estas propostas gerais — como acontece com os PCNs (Parâmetros Curriculares
Nacionais-MEC) —, é importante que escola elabore o seu currículo, dialogando com as orientações dadas,
mas tendo em vista a realidade concreta em que se encontra, fazendo suas opções e compromissos.

— Relação Conhecimento-Realidade

Faremos a seguir algumas considerações sobre o princípio organizativo do currículo, ou, mais
precisamente, sobre o tipo de relação entre o conhecimento a ser trabalhado em sala de aula e a realidade.
Grosso modo, podemos classificar essa relação em duas grandes tendências, com duas subdivisões cada.

a)Tendências Não-Dialéticas

Nessas tendências, está rompido o vínculo dialético entre o conhecimento e a realidade,


no sentido de que a realidade seja a referência do conhecimento e este, por sua vez, vise a
transformação dessa realidade.

□ “Academicismo ”

E uma das formas mais comuns de se organizar o currículo da escola, o que significa dizer que o que
determina sua estruturação são os programas de ensino, o rol de conteúdos programáticos preestabelecidos e
que devem ser cumpridos. Dessa maneira, os conteúdos passam a ser autonomizados com relação à reali-
dade, tendo valor por si próprios. Nesta visão, boa escola é aquela que ‘dá’, da forma mais completa
possível, os conteúdos socialmente esperados. Há uma certa concepção enviesada de iluminismo por trás
dessa prática, como se o conhecimento por si iluminasse o indivíduo, independentemente da realidade que o
cerca; revela-se também um substrato metafísico-idealista, na medida em que o que importa são as idéias e
não sua articulação com a realidade.

□ “Basismo”

E uma tendência que surgiu como reação à primeira, fazendo uma simples negação (e não
superação), qual seja, aqui o que importa absolutamente é a realidade e qualquer elaboração teórica é vista
como perda de tempo, já que ‘a prática é a teoria dela mesma’. O currículo é organizado com base nas
vivências, na experiência imediata e não se vê necessidade do recurso ao saber sistematizado. Objetivamente
tem pouca ocorrência na escola, estando mais ligada a certas concepções distorcidas de movimentos
populares de educação.

b) Tendências Dialéticas

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Nessas tendências busca-se o vínculo dialético entre o conhecimento e a realidade,


havendo, no entanto, diferença entre elas em relação ao ponto de partida.

□ “Da realidade ao conhecimento”

E a tendência que, nesta vinculação, privilegia a realidade como ponto de partida, ou seja, a partir de
sua análise, da percepção de seus problemas e contradições, é que se vai organizar o currículo, a relação de
temas que precisam ser discutidos, para se elevar o nível de consciência, possibilitando a compreensão e a
intervenção.
Deve ficar claro que existe sim o rigor, a valorização do saber sistematizado, o planejamento, a
proposta de conteúdos, etc. O que difere é seu processo de gênese.
Evidentemente, se a forma de estruturação do currículo parte da problematização da realidade, o
objeto de conhecimento tem uma afinidade muito grande com o sujeito, pois surgiu da própria análise do seu
contexto.
Encontramos uma expressão concreta dessa tendência na concepção freireana de educação, que tem
se traduzido em muitas escolas e redes de ensino como o trabalho com a Interdisciplinaridade, Tema
Gerador, Eixos ou Complexos Temáticos, Totalidades de Conhecimento. Deve ficar claro aqui que “não se
trata de os alunos decidirem e o professor providenciar. O professor passa a ser um elemento do grupo, que
participa dos trabalhos e das decisões, apresentando seus argumentos e experiências” (Ott, 1984: 36).
Nesta tendência também pode ser incluída a Pedagogia de Projeto, vivenciada em contextos
curriculares menos estruturados, onde os projetos vão sendo constituídos a partir dos interesses dos alunos
por alguma temática. Esta pedagogia tem suas raízes em Dewey (1859-1952, experiência, vida, atividade) e
seu discípulo Kilpatrick (1871-1965, método de projetos), e também, mais remotamente, em Ovide Decroly
(1871-1932, com a idéia de globalização e, sobretudo, de centros de interesse).

□ “Do conhecimento à realidade”

E a tendência que, nesta vinculação, privilegia o conhecimento como ponto de partida, qual seja, vai
se organizar o currículo tendo como referência os conhecimentos acumulados pela humanidade, no seu
processo de enfrentamento da realidade. Evidentemente, não se trata aqui de qualquer conhecimento, mas
daqueles considerados fundamentais para se dar conta da compreensão do real e da capacitação dos sujeitos
para sua alteração. Partindo, então, desses conhecimentos, se faz um percurso em direção ao contexto do
aluno e da comunidade, no sentido de buscar as mediações significativas entre o conhecimento a ser
desenvolvido e a realidade de trabalho.
Há que se compreender, entretanto, que para se chegar a este rol de conteúdos, fez-se antes o
caminho da realidade ao conhecimento, estruturando-se a partir daí uma organização curricular de maior
alcance, entendendo-se assim não ser essencial refazer este caminho para cada nova turma (pelo menos por
um certo período) 57.
Encontramos freqüentemente essa tendência entre os educadores que romperam com concepções
tradicionais e estão buscando realizar um trabalho mais significativo e transformador (muitas vezes, dentro
de uma estrutura ainda burocrática, desarticulada e alienada da escola).
A concepção dialética do planejamento, obviamente, só encontra condições de ser concretizada em
contextos nos quais a relação conhecimento-realidade não está sendo rompida na prática educacional.

3- VISÃO GERAL

7 5. Enquanto expressão teórica, essa perspectiva de trabalho pode ser encontrada na concepção crítico-social dos conteúdos
(cf. Libâneo), ou numa certa interpretação da histórico-crítica (cf. Saviani).

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Num sentido mais geral, como já vimos, a atividade tipicamente humana, consciente, está
constantemente marcada por um ato de planejamento. Planejar, de alguma forma, com maior ou menor rigor,
o professor sempre planeja (por escrito, mental ou oralmente). O que estamos buscando agora é uma forma
mais adequada à realidade educacional. A questão que se coloca é superar tanto o planejamento espontâneo,
ingênuo, não sistematizado, quanto o formal mas alienado, em direção ao consciente, crítico, intencional.

— Relação com a Totalidade

Na educação os homens entram em relação, procurando a compreensão e transformação da práxis


que têm como ponto de partida. O planejamento mais especificamente pedagógico diz respeito ao trabalho
em sala de aula, que se caracteriza pela interação entre os sujeitos, baseada no relacionamento interpessoal,
na organização da coletividade e na construção do conhecimento. Particularmente, o trabalho de construção
do conhecimento é um dos aspectos mais enfatizados nos processos de planejamento, mas há necessidade de
considerá-lo na totalidade da escola, ou seja, nas suas relações na própria dimensão pedagógica
(relacionamento interpessoal e organização da coletividade), nas suas relações com a dimensão
administrativa e com a dimensão comunitária da instituição, bem como de levar em conta ainda a própria
relação da escola com a sociedade.

Sujeitos — Administrativa
Sociedade Escola Projeto Estruturas — Comunitária
Recursos — Pedagógica

Trabalho em sala de aula

— Esquema: Trabalho em Sala de Aula na Totalidade da Escola —

Encontramos, freqüentemente, um descompasso entre as propostas pedagógicas e a postura


administrativa relativa às condições materiais exigidas para sua realização, 58 por exemplo. O planejamento,
para ser devidamente equacionado, deve ser abordado na totalidade do real, resgatando suas múltiplas
relações.

— Visão Geral do Projeto de Ensino-Aprendizagem

Um projeto será tanto melhor quanto mais estiver articulado à realidade dos educandos, à essência
significativa da área de saber, aos outros educadores (trabalho interdisciplinar) e à realidade social mais
geral.
A elaboração do projeto é também um processo de construção de conhecimento para os sujeitos que
participam desta tarefa. E, portanto, semelhante a uma aprendizagem: se foi bem feito, interioriza-se e passa
a fazer parte da pessoa.
A seguir, trabalharemos as três dimensões relativas à elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem.

1-ANÁLISE DA REALIDADE

1.1 .Fundamentos

A primeira dimensão a ser contemplada na elaboração do Projeto -e Ensino- Aprendizagem é a

58 Número de alunos por sala, salário, horário para reunião pedagógica, material didático, etc.

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Análise da Realidade. Trata-se do esforço Investigativo (e hermenêutico) no sentido de captar e entender a


realidade, tal qual se encontra no presente, sua articulação histórica, em vista de sua transformação. Tem,
pois, base também na memória, na medida em que a retenção das informações ajuda a compreender o
momento atual. Implica Ir além da sua percepção Imediata, buscando o como é (descrição) e o porque é
(explicação); almeja a tomada de consciência do que está acontecendo, a apreensão radical (ir à raiz) da
realidade. Enquanto abordagem multirreferencial, envolve análise pedagógica, psicológica, além de política,
econômica, social, antropológica, psicanalítica, histórico-cultural, etc. Aponta limites e possibilidades; ajuda
a equacionar os problemas, identificar as contradições e a localizar as necessidades.
Até há algum tempo atrás (cf. lâ Parte), as teorias da educação marcadas pelo viés idealista não leva
im em consideração essa exigência do conhecimento da realidade. Ao que parece, desejava-se deixar a escola
fora desse contexto, como se fosse instância pura formadora do homem, fora dos conflitos, fora das deter-
minações e, conseqüentemente, fora da história. Com o advento da Escola Nova, houve um avanço em
termos de preocupação com a realidade, mas que acabou ficando limitado ao conhecimento da dimensão
psicológica do aluno. Ora, esta é uma posição insustentável hoje dado o avanço da ciência da educação que
incorpora contribuições da sociologia, antropologia, economia política, etc.; já não é mais possível a volta ao
passado romântico. E necessário o confronto com a realidade, e é para este confronto que a educação deve
estar atenta.
Muitas vezes, ouvimos aqui algo semelhante ao que foi dito em relação ao método de trabalho:
4
Sabemos bem qual é o problema, até porque o sofremos na pele’, £Vamos logo ver o que fazer’ ou
‘Queremos é a solução’. Será que de fato se sabe? Por falta de instrumental teórico, o professor olha para o
problema, mas não o vê. O que se visa com a análise da realidade é propiciar a entrada no movimento
conceituai (mediação para entrar no movimento histórico) e não sua mera reprodução. No trabalho científico
costuma-se afirmar que definir bem o problema é já ter grande parte da solução... Não basta, é claro, apenas
dizer ‘o que’ está acontecendo; é preciso buscar o ‘porquê’. A realidade não se entrega de imediato: a
aparência, como já tivemos ocasião de refletir, mais esconde do que revela a essência. Por outro lado, nossas
lentes’ não são neutras: trazem nossa história, valores, concepções. Além do mais, à diferença de um enfoque
positivista que defende uma concepção relativamente estática da realidade social, no enfoque interpretativo
dialético a realidade é algo dinâmico e mutável por seu caráter inacabado e construtivo (Pérez Gómez,
1995a; Demo, 1987; Morin, s/d; Saul, 1988; Santos, 1996), o que remete ao entendimento do seu conheci-
mento como um processo de aproximações sucessivas, de busca de familiaridade para poder melhor penetrar
sua complexidade.
Há que se compreender a realidade em que se está inserido sempre como parte de um todo
(movimento constante entre particular e universal). Assim, em relação à escola, temos que compreender que
os principais condicionantes freqüentemente estão fora dela; daí a importância de se pensar a relação escola-
sociedade, para não ficarmos na ingenuidade pré-sociológica. Na visão dialética ou transformadora, considera-
se a característica de sociedade de classe, o conflito de interesses, a influência da ideologia dominante, as
questões de gênero, etnias, multiculturas. Além do mais, a abordagem da realidade, sem perder de vista as
questões atuais, e por causa delas mesmo, deve ser histórica.
Os professores devem ganhar consciência de que não é possível educar, no sentido concreto — não
abstrato ou ideológico —, sem partir da realidade e sem estar sempre a ela vinculada» Se subestimá-la, no
dia-a-dia da sala de aula o professor poderá ser destronado barbaramente, porque não levou em conta os
determinantes que tinha de enfrentar.
Conhecendo bem a realidade, podemos saber o seu peso efetivo. De um lado, isto ajuda a entender
porque eventualmente ‘a coisa não acontece’ e, por outro, ajuda a enfrentar, a fim de que, com efeito, venha
a acontecer, pela intervenção calculada.
No processo de análise, precisamos estar atentos para localizar as necessidades (conscientes ou
latentes), que podem se manifestar (ou ser provocadas a partir dos) nos problemas ou nas contradições
presentes (que poderão, se assumidas, ser o motor da transformação). Por problema, estamos entendendo
aqui a “necessidade que se impõe objetivamente e é assumida subjetivamente” (Saviani, 1993a: 23). As

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contradições apontam para o novo, para novas possibilidades, que estão ainda embrionárias ou subjugadas a
forças maiores, mas que poderão se libertar com a intervenção da atividade humana consciente.
O novo está inscrito como uma possibilidade nos elementos preexistentes, mas seu
aparecimento não corresponde a uma determinação inexorável (...) Não se cria algo novo
senão a partir do que já existe, mas nunca basta o preexistente para produzi-lo. (Vázquez,
1977: 247)

Devemos, pois, compreender a realidade para negá-la dialeticamente, para transformá-la: “...no
conhecimento e explicação do que existe abriga(-se) paralelamente o conhecimento de sua negação...”
(Marx, 1980b: 17). A análise crítica da realidade aponta para a raiz de um projeto transformador: ao mesmo
tempo em que identifica o campo, revela suas contradições, as forças em jogo, seu movimento, enfim, seu
devir enquanto possibilidade.

1.2. Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem

O planejamento deve partir da realidade concreta tanto dos sujeitos, quanto do objeto de
conhecimento e do contexto em que se dá a ação pedagógica. 59 O primeiro passo, portanto, do educador,
enquanto articulador do processo de ensino-aprendizagem, deverá ser no sentido de conhecer a realidade
com a qual vai trabalhar (alunos, escola, comunidade), além, é claro, do imprescindível autoconhecimento,
do conhecimento do objeto de estudo, e da realidade mais ampla que todo educador deve ter.
Uma referência importante, em especial quando se inicia o planejamento mais sistemático, é a
avaliação do trabalho do ano em exercício (ou do ano anterior, dependendo do momento em que se dá esta
atividade).

a) Conhecimento dos Sujeitos

— Professor

O autoconhecimento por parte do professor parece uma coisa tão óbvia que multas vezes nem é
explicitado. No entanto, percebemos a necessidade de retomar este ponto, dado o caráter essencial do
professor na coordenação do processo pedagógico. Falamos multo da importância de atentar para o aluno
como um ser concreto, o que é perfeitamente correto; acontece que o professor também é um ser concreto e
como tal deve ser resgatado.
O autoconhecimento nos dias atuais tem uma relevância ainda maior em função da necessidade de
um posicionamento claro do professor em relação à sua própria definição profissional: ‘Face a tantos
desafios e dificuldades, quero continuar sendo professor? Considero que é aqui que quero ‘gastar minha
vida? Estou inteiro?’
Além disto, se não reflete sobre si e sobre sua prática, o professor corre o risco, por exemplo, de
ensinar ao aluno o que mais sabe, gosta ou está acostumado a dar, e não o que o aluno precisa...
Devemos lembrar que a criança se educa, antes de mais nada, pelos modelos de comportamento que
vê, que presencia; secundariamente vem os modelos sociais de comportamento apresentados como normas
ou ideais. O professor deve procurar tomar consciência de qual é o seu projeto, e conhecer-se nos vários
pontos de vista: humano — traços de firmeza de caráter, capacidade de perceber e respeitar o outro como
pessoa, como diferente, tolerância; ético princípios, parâmetros, coerência, senso de justiça, compromisso
com o bem comum; intelectual — capacidade de refletir, não ser dogmático, nem fechado, capacidade de
rever os pontos de vista, inteligência no trato com a realidade, apreender seu movimento, ir além do senso
comum; profissional — competência, domínio da matéria e da metodologia de trabalho, segurança nos
conceitos e técnicas, interesse, ânimo no que faz, preparo das aulas, atualização (cf. Vasconcellos, 1998b:

59 Um plano ‘bem feito’, sofisticado, mas desvinculado da realidade, pode ser ‘bonito’, mas bem feito é que não é.

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45).

— Alunos

O conhecimento da realidade do aluno é essencial para subsidiar o processo de planejamento numa


perspectiva dialética. Devemos ter em conta o aluno real, de carne e osso que efetivamente está na sala de
aula, que é um ser que tem suas necessidades, interesses, nível de desenvolvimento (psicomotor, sócio-
afetivo e cognitivo), quadro de significações, experiências anteriores (história pessoal), sendo bem distinto
daquele aluno ideal, dos manuais pedagógicos (marcados pelos valores de classe) ou do sonho de alguns
professores. Temos que trabalhar em função daquilo que realmente o aluno é, e não do que gostaríamos que
fosse. Trata-se, no entanto, de conhecer mesmo, ou seja, não através de rótulos e preconceitos, ou chavões
gerais (‘são alunos de classe média’, ‘os pais são separados’). Para conhecer o outro, é necessário colocar o
olhar sobre ele, mas um olhar atento, curioso, e acima de tudo amigo, despido de preconceitos. Buscar a
empatia: ter a capacidade de perceber o ponto de visto do outro, se descentrar, abrir mão do narcisismo de ser
simplesmente admirado ou respeitado pelo grupo.
Precisamos saber quem é o aluno que procura nossa escola: o que pensa da escola, quais suas
expectativas pessoais e profissionais, qual sua origem social, sua situação social atual, que valores cultiva,
quais suas condições objetivas de existência, sua linguagem, acesso a meios de comunicação, participação
em ‘grupos de cultura’, etc.
Também no dia-a-dia da sala de aula, é fundamental que esta análise da realidade do aluno continue
se dando. Como veremos logo na seqüência, coloca- se, por exemplo, a exigência do professor conhecer as
representações mentais prévias que os alunos trazem relativamente aos assuntos estudados.

Conhecer os determinantes

Devemos observar que não se trata, no entanto, de conhecer a ‘vida íntima’ de cada aluno, mas de
apreender suas principais características — o que fazem, o que esperam, o que pensam — e seus
determinantes. Como nos referimos antes, a concepção escolanovista, de um lado, resgatou a importância do
sujeito da aprendizagem, mas, de outro, acabou dando margem para se chegar a uma visão intimista,
individualista do tipo ‘cada um é cada um’. Isto é verdade, mas não é toda a verdade, pois ao mesmo tempo
em que cada um é cada um, cada e também um pouco do outro, do grupo ao qual pertence. Devemos con-
siderar que o universo cultural, social, político, econômico dos alunos não é tão diferenciado assim; é certo
que existem diferenças, que existe a apropriação pessoal, etc., todavia participam também de um referencial
social muito-comum Daí vai a capacidade do professor perceber o aluno concreto (resultado de múltiplas
relações), pois desta forma encontra um espectro muito amplo de elementos comuns, visto que os educandos
têm situações de vida muito semelhantes, marcadas pela condição social, pelos meios de comunicação, pelo
gênero, pelos objetos colocados no consumo, etc. Estes condicionantes, em sendo dominados, ajudam o
educador a conhecer melhor um ou outro aluno particularmente, no caso de haver esta necessidade (cf.
Vasconcellos, 1999: 57).

b)Conhecimento do Objeto de Conhecimento

Além dos sujeitos, é preciso conhecer o objeto que estará em pauta, tendo em vista sua apropriação.
Este conhecimento se desdobra em dois níveis: o objeto de conhecimento em si, e as representações que os
educandos têm dele.
O primeiro nível trata do necessário domínio pelo professor do conteúdo: sua gênese e
desenvolvimento, articulação interdisciplinar, o que é efetivamente relevante.
O segundo nível diz respeito, já no processo pedagógico, à relação sujeito- objeto, qual seja, ao
conhecimento prévio do aluno relativo ao objeto em estudo. Considerando que o conhecimento novo se

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constrói a partir do prévio, é preciso estar sempre levando isto em conta na prática pedagógica, para propiciar
a elaboração de um conhecimento mais sistematizado e crítico. Segundo Ausubel (1980: 311), de todos
fatores que influenciam na aprendizagem, o mais decisivo seria justamente aquilo que o aluno já sabe sobre o
objeto de estudo. Tal exigência implica, entre outras coisas, uma nova postura por parte do professor em
relação à sua programação, qual seja, deve partir de onde a turma está, de onde os alunos pararam no ano
anterior, e não de onde acha que deveriam estar.

c) Conhecimento do Contexto

Devemos atentar para o fato de que a aprendizagem não ocorre no vazio, no abstrato, num mundo à
parte, mas, pelo contrário, num determinado contexto, numa determinada realidade, quer se contemple a
própria sala de aula, a escola, bem como a comunidade próxima, ou ainda a sociedade como um todo.
Aparentemente, o que importa na sala é o professor e os alunos. Todavia, há uma relação da educação
escolar com o sistema sócio-político-econômico- cultural. O professor pode querer não ponderar sobre isto,
afinal, 'no aconchego da sala de aula’, o que valeria seria 'ele e os seus alunos...’. Quanto tempo ‘o sistema’ ali
interferiria diretamente? Talvez o tempo da ‘chamada’ (é cobrado o registro burocrático); mas se pensa que é
só essa a influência do sistema, está muito enganado; tem a ilusão de liberdade, de autonomia plena, de
independência enquanto que, na verdade, tanto ele como seus alunos, os conteúdos, a forma de trabalho, etc.
estão condicionados socialmente (embora não mecanicamente). Ignorar isto é estar se submetendo passivamente a
esta realidade. É preferível 'perder’ um pouco de tempo para pensar sobre o conjunto da realidade, do que
perder todo o tempo em sala de aula, já que o trabalho, por não abarcar a concretude dos determinantes, acaba
se revelando ineficaz.
Em termos de contexto, o professor precisa ter clareza das pressões a que está sujeito, pois não ter
clareza não é, como pensam alguns ingenuamente, ficar livres delas; muito pelo contrário, quanto menos
consciência se tem, maior é a probabilidade de por elas ser dominado, ainda que ‘sem intenção’!
É importante o professor conhecer o próprio grupo de trabalho, os colegas, a equipe diretiva, os
funcionários da escola; abrir-se para a comunidade, ter contato com os pais, saber seus anseios, suas
expectativas, suas necessidades, superando a superficialidade, a aparência e buscando os condicionantes
objetivos e culturais que afetam a vida dos mesmos. Da mesma forma, é inconcebível hoje um educador que
não esteja minimamente 'plugado’, acompanhando os problemas nacionais e mundiais.
Objetivamente, o professor poderia se perguntar: qual é o projeto educativo da escola? Que posturas
assumem os colegas? Que expectativas têm os pais em relação ao trabalho da escola? Qual a postura da
equipe diretiva frente a uma linha progressista de educação e frente às eventuais pressões equivocadas dos
pais? Qual a expectativa da comunidade escolar em relação ao vestibular? E ao cumprimento do programa?
Qual o espaço para se fazer propostas alternativas? E possível um trabalho inter/transdisciplinar? E possível
trabalhar com projetos? Dá para trabalhar sem livro didático? Que condições (materiais e políticas) há para
trabalhar com os alunos fora da sala de aula? Enfim, uma série de questões que precisa se fazer a fim de
conhecer a realidade onde atua, para depois poder estabelecer objetivos e planos de ação consistentes,
efetivamente transformadores (e não apenas belas declarações de boas intenções...).

2- PROJEÇÃO DE FINALIDADES

2.1 .Fundamentos

Uma vez compreendida, há o risco da realidade transformar-se numa espécie de paradigma a ser
seguido, levando a educação para um caráter meramente reprodutor: “poderíamos ficar tentados a propagar a
harmonia que descobrimos perscrutando o mundo que nos rodeia, a realidade já configurada ante nós como
padrão universal” (Gimeno Sacristàn, 1983: 33). Não podemos tirar as referências para a prática pedagógica

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apenas dos conteúdos explicativos da realidade educacional, pois isto significaria tomar a realidade atual o
modelo a construir e não a ser superado.
A Projeção de Finalidades é a dimensão relativa aos fins da educação, aos objetivos do ensino, aos
valores, à visão de homem e de mundo. Expressa a intencionalidade, o desejo do grupo, “as finalidades que
se projetam num futuro que se procura construir no presente” (Carvalho, 1988: 120); ajuda a explicitar as
finalidades presentes na ação, mas nem sempre conscientes, bem como a alargar os horizontes de
compreensão daquilo que queremos. Busca-se a superação da situação atual, naquilo que ela tem de
negativo, de contraditório. Por outro lado, expressa a 'consciência possível’ do grupo naquele momento
histórico. Influencia todo processo educacional, dando a direção, como 'ponto futuro’.
As finalidades são gestadas num complexo processo que envolve necessidades, afetos, desejos,
significações, etc. O fato é que a finalidade funciona como um imã a atrair a pessoa; ora, se o sujeito não tem
objetivo claro, não tem esta força de ‘polarização’.
Não há educação neutra; ou está a favor da manutenção do status quo (Conservadora), ou a favor da
mudança social com vistas à justiça e à solidariedade (Transformadora). Não pode haver omissão; a omissão
é também uma tomada de posição, só que a favor do que está aí. A educação, portanto, além de desenvolver
raciocínios e conteúdos, que são necessários, tem a ver com a postura diante do mundo.
No sistema tradicional de educação, os objetivos da escola são dados pelo governo, pela
mantenedora, pelo diretor, etc. Na perspectiva libertadora, as finalidades da escola não devem ser apenas
ponto de partida, mas também ponto de chegada de uma caminhada com a comunidade educativa. Assim, os
fins da educação são o produto de um determinado momento, mas um produto que expressa todo um
processo, e que tem validade não só como produto (que poderia se dar por satisfeito e ser arquivado), mas
sobretudo como elemento dinâmico que sustenta e desafia a caminhada da escola.
Freqüentemente, quando falamos em finalidades para o trabalho, muitos julgam que vamos entrar
nos ‘devaneios filosóficos’, nas mais lindas — e ineficazes — declarações de boas intenções. Consideramos,
então, necessária uma distinção: o homem age conscientemente por ideais, por objetivos, e agir visando
ideais não é idealismo, é característica do homem. O idealismo, como vimos, é uma distorção desta
realidade, na medida em que valoriza um aspecto — o ideal, a teoria — em detrimento de outro — o real, a
prática.
O estabelecimento de finalidades tem a ver com processo de desalienação, pois abre a possibilidade
de recuperarmos, ainda que em parte, a dignidade e o sentido do trabalho, sendo sujeitos e não meros
cumpridores de determinações ou repetidores de rotinas vindas de fora.

2.2.Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem

A determinação de finalidades é um momento muito importante no planejamento, pois sem elas não
se sabe bem que ramo tomar. A medida que o educador tem mais claros os objetivos, pode ir buscando
conteúdos e metodologias melhores e mais adequados; a lucidez de objetivos abre caminhos, possibilidades
criativas. Os objetivos, principalmente os ‘de fundo’, gerais, dão a direção, revelam valores e motivações.
Uma finalidade bem formulada organiza o pensamento e ajuda o desencadeamento do processo para atingi-
la. Não estamos nos referindo aqui à formulação mecânica de objetivos — ao estilo tecnicista; trata- se da
dimensão teleológica da educação, da sua intencionalidade: “Para ensinar o latim a João, todos sabem hoje
que é indispensável conhecer o latim e o João. Mas mais ainda: é preciso saber porque é que se deseja que
João aprenda latim, como é que a aprendizagem do latim irá ajudar a situar-se no mundo de hoje — numa
palavra, quais são os fins visados pela educação” (Snyders, 1974: 220).
No cotidiano, a falta de transparência da finalidade do próprio trabalho constitui-se um seríssimo
problema a ser enfrentado pelos professores, A rigor, mais do que buscar que os objetivos estejam claros,
devemos nos empenhar para que os objetivos sejam assumidos por cada um e todos; muitas vezes pode até
haver clareza (razão), mas faltar compromisso (emoção).
Até que ponto sabemos realmente o que queremos, ou estamos repetindo aquilo que se Incorporou

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no novo senso comum pedagógico? Levantamos esta suspeita baseados no fato de que as práticas concretas
não têm coincidido com o discurso. Como apontamos anteriormente, o que se observa é uma alienação do
educador em relação àquilo que faz, de tal forma que, muitas vezes, não domina nem mesmo o sentido do
que ensina, justificando-o a partir de fatores extrínsecos — ‘faz parte do programa’, ‘é exigência da direção’,
‘é matéria de vestibular’, etc. (cf. Vasconcellos, 1999: 60). Isto ocorre não por culpa, mas como decorrência
da própria formação do professor, onde este sentido também lhe foi negado. E uma situação Insustentável
que precisa ser superada pela pesquisa, pela troca, pelo trabalho coletivo, pela coragem de mudar.
Não podemos partir do pressuposto de que há um objetivo comum pelo simples fato de todos
estarem na escola. A maioria dos alunos está lá sem saber bem o porquê. Também não podemos nos Iludir
achando que os objetivos estão claros só porque constam no regimento ou nos planos. Precisamos de
objetivos reais, vivos, concretos e não aqueles formais, estereotipados. A função social da escola entrou em
crise. Há que se resgatar seu papel, ter clareza de suas finalidades.
Cabe, pois, a projeção de finalidades sobre as dimensões básicas do trabalho educativo (articuladas
entre si):

□Educação/Escola (Projeto Político-Pedagógico)


□ Matéria/Disciplina (Proposta Curricular e Projeto de Ensino-Aprendizagem)
□ Conteúdo/Atividade (Projeto de Ensino-Aprendizagem e Plano de Aula).

— Observações sobre os Objetivos

Existem vários níveis de objetivos que vão desde os da Escola como um todo, até de um determinado
conteúdo, passando pelos da unidade de trabalho, do curso, área ou disciplina.
Não é possível educar a não ser partindo de certos valores, de uma visão de homem, sociedade e
conhecimento. Assim, os objetivos das disciplinas e das aulas devem ter estreita ligação com o Projeto
Político-Pedagógico da Escola.
A formulação dos objetivos ajuda na elaboração da estratégia de ação, além de servir de critério para
se saber em que medida foram alcançados (avaliação). Em educação o estabelecimento de objetivos é
essencial para permitir uma postura ativa do sujeito.

— Objetivos Declarados x Práticas Realizadas

Muitos professores acham que, por não terem se colocado objetivos reprodutivistas, suas práticas
estão automaticamente isentas deste caráter. E ingenuidade. Não percebem que a prática é mais do que
consciência, vontade. Estamos envolvidos numa engrenagem social que num primeiro momento tem um
dinamismo independente da nossa vontade, sendo determinante; isto significa dizer que a possibilidade de
uma contradeterminação só se abre a partir do momento em que tomamos certo grau de consciência, e
passamos a lutar contra esta determinação mais geral. O problema, portanto, não é tanto o que pensamos ou
desejamos, mas o que de fato fazemos»
O professor deverá enfrentar, pela reflexão pessoal e grupai, a freqüente dicotomia entre os objetivos
expressos na planificação e os objetivos que realmente tem no concreto da sala de aula (simplesmente
'manter a disciplina5, 'cumprir o programa5, 'garantir seu emprego5, etc.).

— Qualquer Objetivo?

'Ora, posso colocar o que quiser como objetivo...5, poderia dizer alguém. Se formos coerentes com o
método dialético, na verdade isto não pode ocorrer. Por quê? Porque os objetivos são resultado de um
profundo perscrutar da realidade, de perceber, localizar, identificar seus limites e suas possibilidades, tendo
em vista desenvolver, explorar, fazer avançar estas últimas. Se pudéssemos escrever 'qualquer objetivo5, não

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haveria sentido começar pela análise da realidade. Justamente, analisando a realidade vamos captar suas
necessidades e suas possibilidades, saber inclusive os recursos disponíveis ou passíveis de serem
conseguidos.

Estabelecer objetivos é ter a habilidade de dialogar, de perscrutar o mundo, descobrir-lhe


o sentido, e devolver à comunidade de forma orgânica, como um convite, um desafio.

3 -ELABORAÇÃO DAS FORMAS DE MEDIAÇÃO

3.1 .Fundamentos

E a dimensão relativa ao processo de elaboração do encaminhamento da intervenção na realidade, ou


seja, ao como viabilizar as finalidades, a partir das condições existentes; consiste em orientar a reflexão para
a ação, para a prática, sendo um instrumental que ajuda a superar a postura meramente intuitiva ou o risco da
fragmentação da ação em função dos elementos da ideologia dominante presentes no senso comum. Vai dar
as diretrizes que orientarão a prática pedagógica.
A mediação tem que ser coerente com o posicionamento educacional. Não há mediação boa 'em si5
(ex.: metodologia meramente expositiva — é uma solução ótima para determinada concepção de educação;
no entanto é uma aberração para outra...).

3,2. Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem

O Projeto de Ensino deverá dar conta do trabalho pedagógico em toda sua abrangência,
qual seja, tanto do trabalho com o conhecimento, como da organização da coletividade e
do relacionamento interpessoal.

a) Relacionamento Interpessoal

A educação escolar pressupõe o encontro, homens em relação; sem este relacionamento podemos ter
outra coisa (instrução, informação, etc.), já que esta é uma das instâncias do processo de humanização, vale
dizer, onde o homem se torna homem, constrói sua identidade, a partir da convivência com outros homens.
Apontamos para a importância da relação interpessoal na formação do novo dirigente. 60 Sabemos que a falta
de relações humanas entre professor e aluno é um dos grandes entraves do trabalho educativo. Por ser
humana, a educação escolar envolve todas as dimensões do sujeito, seja em termos mais individuais
(intelectual, física, afetiva, ética, estética, lúdica, religiosa) ou mais sociais (sócio-político-econômico-
cultural).
O relacionamento interpessoal é algo que pouco dá para se planejar em termos de ações concretas; é
claro que podemos prever algumas atividades, como a apresentação pessoal nos primeiros dias de aula,
encontros de convivência, idas ao pátio para aproximação não formal, etc., todavia trata-se muito mais de
uma postura a ser desenvolvida pelo professor. Coloca-se aqui, por exemplo, o desafio ao professor de saber
acolher e respeitar o aluno, na sua forma de ser e de se expressar, sendo capaz de interagir de maneira a
ajudá-lo a crescer na consciência, caráter e cidadania.
Muitas vezes, a nossa relação com os alunos entra pelo circuito da reação ao invés das interação;
estamos feridos, magoados, fechados por algum motivo e não conseguimos reverter este estado antes ou
durante o contato com eles; vai ser um estrago, pois o educador está ali para dinamizar o processo e se

60 Isto vai implicar, por exemplo, na necessidade de diminuir o número de alunos a cargo de cada professor, a fim de qne
esta relação possa se dar de modo mais satisfatório.

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encontra sem condições para isto; por sua vez também não reconhece este fato, nem solicita um tempo para
auto-análise; vai então tentar suprir o problema do distanciamento usando o poder que sua posição lhe
confere; já sabemos o lamentável resultado desta falta de interação...
Algumas práticas podem ajudar na construção do relacionamento interpessoal: iniciar as
crianças desde cedo no trabalho em grupo; colocar as carteiras em dupla; realizar
encontro de convivência logo no começo do ano, para favorecer o entrosamento dos
alunos entre si e, principalmente, com os professores, no caso de 5a série em diante (já
que a partir de então têm bem menos tempo de contato com alunos).

b) Organização da Coletividade

A organização da coletividade diz respeito à estruturação do trabalho em sala de aula (organização


do tempo e do espaço, normas, autoridade, formas de participação, disciplina, cooperação, etc.). Trata-se de
conseguir estruturar a coletividade (num primeiro momento a de sala de aula) para o trabalho de formação e
com o conhecimento, sendo um elemento fundamental na tarefa educativa, pois senão, vejamos bem: que
adianta a um professor ter uma bela finalidade para a metamorfose do real, ter uma proposta metodológica
muito boa, mas não conseguir organizar a classe a fim de desenvolver as atividades?
Há que se atentar também aqui para o papel do coletivo da classe enquanto elemento facilitador do
processo de conhecimento: à proporção que o educador não monopoliza a palavra, mas, ao contrário,
possibilita sua circulação entre alunos, abre-se uma rede de construção de significados, de tal forma que não
se depende exclusivamente do referencial do mestre, mas há possibilidade de toda classe colaborar na
elaboração do conhecimento dos companheiros.

A escola tradicional centrava toda sua atenção nos indivíduos, chegando inclusive a crer
que seu papel era dissociar as crianças entre si e não admitir, no interior da classe, outra
relação que a que unia o professor a cada aluno em particular. (Palacios, 1984: 142)

Na sala de aula temos um conjunto de sujeitos buscando estabelecer relações entre o objeto de
conhecimento-realidade e a estrutura representativo-conceitual. Sabemos que, muitas vezes, um colega
consegue explicar melhor a um outro do que o professor, em função da proximidade de experiências e de lin-
guagem. A coletividade de sala de aula multiplica o efeito educativo do processo, visto que este não fica
restrito ao professor.
A educação verdadeira se dá pelo grupo; a formação do caráter estará em jogo na amizade, nas
relações que se estabelecem na coletividade. No processo de constituição das pessoas (valores, percepção,
memória, afetos, etc.), a convivência, o grupo de trabalho desempenha função muito importante.

Um bom planejamento com certeza terá repercussão na disciplina (organização da


coletividade), já que diminui a insegurança do professor, resgata a sua convicção naquilo
que está propondo, tendo em vista que as necessidades dos alunos estão sendo levadas
em conta e há clareza dos passos a serem dados.

c) Trabalho com o Conhecimento

O homem é o único animal cultural; por suas características próprias, desenvolve modos de resolver
problemas, visões do mundo, artes, que vão sendo assimiladas pelas novas gerações, seja para facilitar a
sobrevivência, para encontrar o sentido das coisas ou mesmo por necessidades menos imediatas, como e o

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caso do desenvolvimento artístico. Cabe, portanto, a apropriação da herança cultural. O acesso à cultura pode
se dar de várias formas, sendo a escola uma forma peculiar, visto o envolvimento com o saber sistematizado.
O trabalho com o conhecimento tem sua base no processo de apropriação e construção do conhecimento por
parte do(s) sujeito(s). Esta é uma das especificidades da contribuição da escola na formação da cidadania.

Quais seriam, então, os elementos fundamentais que organizam a ação didática do


professor, sobre os quais deveria se debruçar na elaboração das formas de mediação?
Basicamente:

• O que ensinar (conteúdos);


• Como ensinar (forma, quando, com que, onde);
• Como acompanhar (como vai o processo, como saber se estamos chegando onde
desejamos);
• Como integrar o seu trabalho com o dos demais e da escola;
• Como organizar a coletividade de sala de aula (regras, normas);
• Como registrar (memória).

CONCLUSÃO
É indispensável garantir aquela dialética entre as dimensões a que nos referimos na 2- Parte,
qual seja, uma autêntica articulação entre Análise da Realidade, Projeção de Finalidades e
Elaboração de Formas de Mediação. Estas três dimensões da reflexão não devem ser encaradas como
‘etapas’, momentos estanques. Pelo contrário, estão intimamente relacionadas, havendo uma
triangulação, um movimento constante de ir e vir entre elas.
Assim, por exemplo, a tomada de posição do educador é exigida já na Análise da Realidade;
dependendo da posição que tem em relação à educação, fará uma determinada leitura dos
problemas; analogamente, o mesmo ocorre em relação à solução proposta. De outra forma, às vezes
existe uma proposta, em termos de escola, do o que fazer (ex.: Diálogo Problematizador), mas será
preciso o professor resgatar o porquê e o para quê, pois pode estar se confrontando com resposta
para pergunta que não está se fazendo.
Nos encontros com os professores, chegamos a ouvir algumas vezes: Talar de construção do
conhecimento de novo? Já sabemos como deve ser (ativa, significativa, crítica, etc.)’. Ora, falta
articular esta Projeção de Finalidade com a Análise da Realidade e com propostas de práticas
concretas coerentes (.Formas de Mediação). Uma nova concepção de conhecimento é apenas uma
parte da teoria do educador.
Seria importante alertar para a desejável paciência metodológica, qual seja, o não se cair na
tentação de passar muito rapidamente nas primeiras dimensões ou ir direto para as Formas de
Mediação, pois daí se perde a oportunidade de refletir sobre os determinantes, sobre o que está por
detrás do problema pedagógico, correndo o risco de ficar na mera busca de sugestões de técnicas.
Embora considerando que as técnicas não são neutras (refletem visões de mundo incorporadas), as
concepções subjacentes ao não serem explicitadas, dificultam a tomada de consciência por parte do
professor, favorecendo o trabalho mecânico, só que agora eventualmente com uma linha
‘progressista’; continua alienado, pois não foi à raiz. Se ficar só na técnica, na receita, logo em
seguida vai carecer voltar ao ‘guru’ para pedir outra que dê conta de uma nova situação.

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Por falta de análise mais profunda, temos visto soluções encontradas pelas escolas serem
ainda mais problemáticas. Portanto, mesmo sabendo que estamos retardando a passagem à ação
(Perrenoud, 1993: 173) consideramos fundamental passar por este processo de reflexão mais amplo e
radical.

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II
Desafios Pedagógicos do Projeto de
Ensino-Aprendizagem
Antes de adentrarmos mais especificamente na elaboração do Projeto de Ensino-
Aprendizagem, consideramos relevante refletir sobre alguns desafios pedagógicos que
configuram o campo de trabalho e alertam para uma maior significação desta prática.

1-SUPERAÇÃO DO DOGMA “CUMPRIR O PROGRAMA”

Em pedagogia, tal como em arquitetura, o programa corre o risco de matar o projeto. (Boutinet, 1996:
204)

O compromisso com a democratização efetiva da escola, acaba trazendo para o professor o desafio
de realizar um trabalho que esteja pautado em conteúdos significativos e metodologia participativa. Num
certo sentido, podemos dizer que praticamente ninguém discorda desta perspectiva de trabalho. Entretanto,
como já destacamos, quando analisamos o cotidiano da sala de aula, encontramos os professores marcados
muito fortemente por uma outra preocupação: ‘passar’, ‘desenvolver’, ‘dar’ certos conteúdos, enfim,
‘cumprir o programa’. Temos aí uma contradição que, ao que nos parece, os educadores não se
conscientizaram suficientemente, até porque ocorrem em dois níveis: um explícito — o discurso das aulas
significativas e participativas —, outro subjacente — a pressão e a internalização da exigência de dar conta
do programa. É preciso uma atenção crítica, visto que este discurso não é novo, como ilustra o texto abaixo
de um manual de didática de 1930...

Os programas não são como trilhos de via-férrea, sobre os quaes deva correr inva-
riavelmente a máchina da escola; são direcções, com etapas venciveis em determinado
espaço de tempo, indicadas, a viajores livres e intelligentes, pela experiencia dos que já as
seguiram mais de uma vez. 61

Este é o problema: estamos todos de acordo com estas déias que circulam, mas não nos apercebemos
que paira uma outra determinação, que, por não ser explicitada e discutida, acaba tendo uma força ainda
maior, conforme análise precedente. Algo análogo ocorre em termos de Vestibular e Projeto Educativo: é
muito freqüente o Projeto da escola não fazer uma menção sequer aos exames e concursos; no entanto, no
dia-a-dia é o que tem mais força em termos de estruturação da prática pedagógica...
Instala-se o dilema no professor: está de acordo que deve fazer um trabalho significativo e
participativo, mas, se dedicar-se efetivamente a isto, Vai levar mais tempo e o programa vai atrasar5. Diante
deste Impasse, o professor tem que optar; neste momento acaba pesando mais a exigência em cumprir o
programa, até porque tem raízes multo fortes e históricas.
Quando analisamos as fontes de pressão para o cumprimento do programa, nos surpreendemos com
os resultados: a cobrança sobre o professor pode vir da equipe escolar (coordenação, supervisão, direção),
dos colegas da mesma série (que querem ‘caminhar juntos5) ou da série seguinte (querem pegar os alunos

61 Toledo, João. Didáctica (nas escolas primárias). São Paulo, Livraria Liberdade, 1930. Como sabemos, poderíamos nos
referir a textos bem mais antigos, como a própria Didática Magna (1638), de Comênius, que já trazia clara sinalização da necessidade
de uma nova prática pedagógica.

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exatamente em determinado ponto), dos pais (por terem uma visão meramente quantitativa do ensino), de
outras escolas (consideras ‘fortes5 por despejarem um mundo de informações sobre os alunos), do livro
didático (que acaba se impondo como um roteiro obrigatório), dos próprios alunos (que se deixam
Influenciar pelos pais, livros ou por comparação de colegas de outras escolas), dos programas de vestibulares
ou concursos, dos ‘programas oficiais5, ou ainda do próprio professor por ter assimilado a cobrança (já
Incorporou sem que se desse conta). Mais recentemente, acrescentam-se as avaliações de sistema (ex.: SAEB
— Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Básico, do Ministério da Educação).
Ora, esta opção, é claro, tem conseqüências práticas. Se o que importa — de fato, para além dos
discursos — é cumprir o programa, o professor adotará o melhor caminho para isto: a repetição, a
reprodução dos conteúdos previstos e a metodologia meramente expositiva (o aluno quieto e o professor
falando, falando), onde a aula ‘rende5 mais. Neste contexto, obviamente, não há necessidade de
planejamento!
Colocamos em questão esta opção tão freqüente nas escolas, uma vez que constatamos que, desta
forma, os alunos efetivamente não aprendem. Além disto, nesta linha reprodutora, a própria escola passa a
carecer de sentido, visto que cada vez vai ficando mais fácil obter-se Informações em livros didáticos,
revistas, bibliotecas, vídeos, banco de dados, Internet, etc.

1.1.Questão do Tempo

— Tomada de Posição

Diante desta realidade, o professor não pode fugir do questionamento sobre sua função: dar o
conteúdo previsto ou propiciar a construção do conhecimento? Enquanto não perceber que sua real tarefa não
é simplesmente cumprir um programa, mas por em prática um projeto educativo, uma proposta de educação,
ficará muito limitado em sua ação pedagógica.. Se, ao contrário, tiver uma proposta de trabalho a
desenvolver, se sua preocupação não estiver na mera transmissão, mas na relação ensino-aprendizagem, seu
empenho estará centrado na assimilação crítica e participativa dos educandos. O que se vislumbra é, pois. a
superação do ‘dogma’ do educador ter um programa a cumprir, ‘custe o que custar’, com os alunos ou ‘apesar
dos alunos’.
Poder-se-á dizer, uma vez mais, que tudo isto requer tempo. Que não há tempo n perder,
visto que existe um programa que deve ser cumprido. E, uma vez mais, em nome do tempo
que não se deve perder, o que se faz é perder tempo, alienando-se a juventude com um tipo
de pensamento formalista, com narrações quase sempre exclusivamente verbalistas.
Narrações cujo conteúdo ‘dado’ deve ser passivamente recebido e memorizado para depois
ser repetido. (Freire, 1986: 53)

E preciso um posicionamento firme e lúcido dos educadores e da escola: se forem se submeter a todas
as exigências do sistema educacional, que via de regra é reflexo do sistema social dominante, não se poderá
alterar nada, pois a estrutura está organizada para a reiteração do mesmo, para a reprodução da ordem
dominante; neste caso, melhor seria nem se cogitar a mudança da prática, pois faltaria o elemento
fundamental, que é o compromisso político com a transformação. Se, por outro lado, se deseja realmente
transformar a prática, devera haver disposição para se enfrentar certos conflitos, e para isto, além de coragem,
precisar-se-á estar capacitado teórica e metodologicamente.

— Algumas Alternativas

Não temos dúvidas que a questão do tempo é desafiadora, sobretudo se estimarmos toda a pressão e
cobrança existentes. Todavia, o professor que realmente deseja construir um trabalho alternativo, mais
libertador, pode utilizar algumas estratégias de gestão que facilitam o equacionamento desta questão,

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Citamos as seguintes perspectivas:


□ Aumento da Produtividade

Pesquisas pedagógicas demonstram que grande parte do tempo de aula tem sido usado pelo professor
para outras coisas que não para propriamente interação com alunos e objeto de conhecimento (estratégias de
sobrevivência). Devemos considerar que trabalhando com uma metodologia mais adequada, aumenta-se a
produtividade em sala de aula, o tempo passa a ser melhor aproveitado pelo coletivo dos alunos. Só um
exemplo desse aumento de produtividade, é o tempo que se ‘ganha’, em relação ao ensino tradicional, com a
melhoria da disciplina da classe, em função do maior envolvimento dos alunos nas atividades pedagógicas.
No decorrer do processo, com o desenvolvimento do raciocínio e a solidificação e disponibilidade dos
conhecimentos anteriores, aumenta a produção dos alunos (que acabam exigindo ainda mais conteúdos). A
prática de muitos educadores tem demonstrado que não só se cumpre o programa, como se vai além; só que,
obviamente, por um outro caminho.

□ Dialética Qualidade-Quantidade

Cabe-nos examinar o dinamismo da aprendizagem humana, onde há uma transferência da qualidade


para a quantidade (e vice-versa), ou seja, o ritmo inicial pode ser mais lento em função de uma prática mais
participativa e significativa, o que dá segurança, prazer, e gosto pelo conhecimento para o aluno; depois essa
base permite um deslanchar mais rápido nos conteúdos seguintes. Uni dos sérios problemas da educação
tradicional é justamente que ela trata o aluno e o conhecimento mais ou menos num ritmo só, não
percebendo a necessidade de uma fase inicial de estruturação conceituai, representativa. E multo comum a
tendência de se fazer uma divisão dos conteúdos em partes Iguais pelo tempo; por exemplo: se há oito
unidades a serem trabalhadas, é claro que deve- se dar duas por bimestre, Nem sempre esta é a melhor forma
de se organizar o trabalho, pois é preciso considerar que, a princípio, além do entrosamento afetivo, e do
estabelecimento das formas de trabalho da classe, há necessidade de se construir uma estrutura de
pensamento relativa àquele estágio do desenvolvimento e àquela área do conhecimento. Assim, pode haver
Inicialmente uma ênfase maior na qualidade da aprendizagem, construindo estruturas,- categorias, conceitos,
de tal forma que, mais tarde, essa qualidade se transfere para quantidade, sem perder o seu nível.
O educador precisa levar em conta essa dialética qualidade-quantidade; é certo que não existe
qualidade sem quantidade, mas sabemos que essa ênfase dada pela escola tradicional à quantidade é
meramente formal, uma vez que não é acompanhada da devida qualidade. Podemos explicitar melhor como
se dá esta dialética na situação pedagógica: há um movimento interno pertinente à própria quantidade: num
primeiro momento, é mais relevante uma maior quantidade de experiências em tomo de uma menor
quantidade de assuntos, sendo que em seguida é possível uma menor quantidade de experiências relativas a
uma maior quantidade de assuntos, mantendo-se um elevado nível de qualidade. Ao investir na qualidade, o
professor colhe qualidade e quantidade. A recíproca, no entanto, não é verdadeira.

□ Racionalização do Tempo

Nem sempre o tempo que se tem é bem utilizado pela escola e pelo professor. Perde-se tempo com
uma série de coisas que não são tão relevantes, e acaba faltando tempo para o essencial: o processo de
construção do conhecimento. Diante disto, apresentamos algumas práticas:

• Priorizar: tirar elementos do programa que não são fundamentais;


• Integração de matérias: evitar repetições desnecessárias de conteúdo. Integração série a série: ensinar o
conteúdo certo no momento certo. Normalmente, há um enorme desperdício de tempo por se trabalhar
determinados conteúdos no momento errado e de forma errada. O que ocorre é que o aluno não aprende
naquele ano, nem no outro quando é repetido o conteúdo, e quando chega a hora que poderia aprender,

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já perdeu todo interesse, quando não, ocorre o fenômeno do ‘eu já sei’ (já ouviu falar);
• Planejamento das aulas: saber onde está, o que se quer, o que se vai fazer propicia o uso mais racional
do tempo;
• Conservar o mesmo coletivo de alunos de sala de aula. Propiciar convivência maior do professor com
alunos, para acelerar conhecimento (ex.; 'manhã de convivência5, excursões culturais, etc.);
• Conservar os mesmos professores com as mesmas classes, nos anos subseqüentes, para possibilitar
maior conhecimento e interação (se isto não for possível, ao menos se passar o conhecimento
acumulado pelo professor em relação ao grupo, não em termos de 'alunos bons e ruins5, de
preconceitos, mas em termos de necessidades, interesses, dinâmica do grupo);
• Diminuir número de professores para mesma classe: concentrar para ter maior número de aulas com
mesma turma (ex.: dar aula de Matemática e de Ciências);
• Aulas duplas de forma a poder desenvolver um trabalho mais profundo (quando houver proposta
apropriada, senão podem ser muito improdutivas);
• Lições de Casa mais significativas e produtivas;
• Avaliação contínua, não demandando dias especiais para provas;
• Equilibrar número de aulas por matéria (ex.: no mínimo 3 aulas semanais);
• Outras práticas: evitar 'desperdiçadores5 (ex.: interrupções da aula, avisos na classe, perda excessiva de
tempo com 'administração5 — tipo verificação de quem fez ou não exercício —, tempo para aluno
copiar ponto da lousa x providenciar cópias, tempo utilizado com exercícios repetitivos — de 'fixação5
—, etc.); fazer recuperação no processo e aproveitar aqueles dias para aula; aumentar tempo de
permanência do aluno na escola (número de dias letivos ou carga horária); nova organização dos
tempos e espaços de aprendizagem (ex.: ciclos).

□Capacitação para a Pesquisa

Fundamentalmente, o compromisso do educador é ajudar os educandos a aprenderem a pensar, a


refletir, adquirir estruturas mentais e dominar os conceitos básicos daquela área de conhecimento, até porque,
como sabemos, os conhecimentos se desenvolvem cada dia, sendo impossível a apreensão de todo saber na
escola, o que reforça a perspectiva de capacitação em estruturas de pensamento que permitirá a
aprendizagem autônoma, a pesquisa. E claro que não se aprende pensar no vazio. O educador precisa ter
claro para si e deixar claro para os alunos que o fundamental do programa está sendo trabalhado, ou seja, que
está garantida a estrutura básica de conhecimento daquela área. Os educandos, fazendo um trabalho
significativo em sala de aula, estão preparados para o enfrentamento de novos problemas, para a aplicação e
o desenvolvimento do conhecimento em outras situações. Estão, portanto, capacitados a desenvolverem
pesquisa, na eventual necessidade de complementação dos conhecimentos fora da sala de aula (oferecer
roteiro de estudo ou avisar no caso de algum conteúdo que não será dado, mas é socialmente esperado).

Numa metodologia participativa e significativa, o aluno está mais envolvido, portanto


mobilizado a buscar respostas para seus questionamentos, complementando o trabalho
de sala de aula. O conteúdo a ser trabalhado na escola está em função dos desafios da rea-
lidade, do conhecimento acumulado da humanidade e da realidade dos educandos.

1.2. Questão do Conhecimento Mediato

A complexidade do mundo atual coloca a necessidade de que os sujeitos, no processo de formação,


sejam capacitados para dominá-lo e desenvolvê-lo. Ora, como fazer Isto de maneira significativa, nos cerca
de quinze anos que o sujeito freqüenta a escola e a universidade? Mesmo ponderando que a escola não se

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coloque como objetivo dar todo o conhecimento acumulado da humanidade, mas as estruturas fundamentais
nas principais áreas de conhecimento, delegando ao sujeito a tarefa de se aprofundar na área específica que
optar como campo de trabalho, ainda assim, muito dos conhecimentos a serem trabalhados em sala de aula
não estarão em contigüidade com a experiência cotidiana do educando, não tendo, portanto, a princípio,
articulação com suas necessidades imediatas.
Esse fato é um desafio pedagógico, sem dúvida, mas é algo fundamental no desenvolvimento mental
do sujeito, uma vez que se sua aprendizagem ficasse restrita aos conceitos do cotidiano, seu desenvolvimento
ficaria comprometido em termos do avanço em direção às estruturas mentais superiores, particularmente
aquelas relativas ao pensamento abstrato. Vygotsky (1896-1934) faz uma diferenciação clara entre os
conceitos adquiridos no cotidiano e os conceitos científicos trabalhados na escola:

Sabemos que os conceitos se formam e se desenvolvem sob condições internas e externas


totalmente diferentes, dependendo do fato de se originarem do aprendizado em sala de aula
ou da experiência pessoal da criança. Mesmo os motivos que induzem a criança a formar os
dois tipos de conceitos não são os mesmos. A mente se defronta com problemas diferentes
quando assimila os conceitos da escola e quando é entregue aos seus próprios recursos.
Quando transmitimos à criança um conhecimento sistemático, ensinamos-lhe muitas coisas
que ela não pode ver ou vivenciar diretamente. (Vygotsky, 1987: 74)

Os conceitos científicos trabalhados pela escola colaboram para a tomada de consciência e o controle
das funções mentais superiores, visto que

O aprendizado escolar induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando assim um


papel decisivo na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais. Os
conceitos científicos, com o seu sistema hierárquico de inter-relações, parecem constituir o
meio no qual a consciência e o domínio se desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a
outros conceitos e a outras áreas do pensamento. A consciência reflexiva chega à criança
através dos portais dos conhecimentos científicos. (Vygotsky, 1987: 79)

É importante observar, no entanto, que a construção dos conceitos científicos não dispensa a
significação dos mesmos, mas, ao contrário, coloca exigências específicas, em função do seu distanciamento
da realidade imediata do educando» Uma vez que na escola a significação não será dada 'espontaneamente’ a
partir da situação vivencial cotidiana, há uma exigência ainda maior de que o significado das atividades
pedagógicas seja trabalhado com os educandos, já que essas atividades devem ser desenvolvidas, tanto
quanto possível, de forma consciente. “Ao operar com conceitos espontâneos, a criança não está consciente
deles, pois sua atenção está sempre centrada no objeto ao qual o conceito se refere, nunca no próprio ato de
pensamento” (Vygotsky, 1987: 79).
Nesta fase do desenvolvimento, o significado passa a ter um papel decisivo, à medida que começa a
funcionar como elemento orientador, mobilizador tanto da atenção, quanto da memória:

É precisamente durante o início da idade escolar que as funções intelectuais superiores,


cujas características principais são a consciência reflexiva e o controle deliberado,
adquirem um papel de destaque no processo de desenvolvimento. A atenção, que antes era
involuntária, passa a ser voluntária e depende cada vez mais do próprio pensamento da
criança; a memória mecânica se transforma em memória lógica orientada pelo significado,
podendo agora ser usada deliberadamente pela criança. Poder-se-ia dizer que tanto a
atenção como a memória tomam-se 1lógicas’ e voluntárias (Vygotsky, 1987: 77-78)

1.3.Questão do Programa

Quais as questões fundamentais da vida? Em que medida a escola está atenta a elas? Não estaríamos

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apenas 'passando’ uma série enorme de conteúdos sem sentido político-existencial? Até que ponto estamos
trabalhando questões fundamentais da vida de nossos educandos?

A esperança de interessar, e atingir os alunos, sem os confrontar com as interrogações


essenciais, parece-nos quimérica. Uma vez esgotados o efeito da surpresa, o prazer do
anedótico, a alegria das relações interpessoais, volta-se a cair na rotina ... (Snyders, 1978:
311)

Devemos reconhecer que o que ocorre nas escolas, e com muita incidência, é se trabalhar com
conteúdos absolutamente irrelevantes, desprovidos de sentido em termos de uma formação humana
emancipatória; se ainda fossem dados a título de mera informação, não seria tão cruel; mas não: são dados e
exigidos nas provas (nas quais os alunos devem reproduzi-los fielmente...).
Entendemos que conteúdo significativo não é obrigatoriamente aquele que é útil, que tenha alguma
aplicação palpável (visão pragmática), e sim aquele que corresponde a alguma necessidade do sujeito no seu
processo de desenvolvimento, e que também o ajuda a compreender a realidade, com vistas à sua
transformação.
Em muitas escolas, o que se tem, na verdade, é um programa 'muito bem definido e que deve ser
cumprido’. Isto exige um posicionamento crítico e uma competência muito grande do educador que se
propõe fazer um trabalho transformador, na medida em que precisa fazer essa articulação entre o conteúdo a
ser dado (socialmente esperado) e as necessidades dos educandos. Considerando que normalmente há um rol
de conteúdos que 'devem ser dados', como pode o professor trabalhar de acordo com essa necessidade de
significação? Mesmo na situação mais formal, onde a escola exige que, independentemente da realidade dos
alunos,'se cumpra um certo rol de conteúdos, o professor pode introduzir um processo de significação
progressiva, à medida que se opõe a essa exigência formal e altera a proposta de trabalho (relação
conteúdo/metodologia). Pode tomar o conteúdo proposto pela escola e procurar significá-lo para os alunos;
certamente algum significado aquele conteúdo tem, nem que, no limite, seja o de ocupar a cabeça dos alunos
com falsos problemas, típicos da ideologia dominante, para que não desabrochem como seres críticos e
ativos, ou seja, para que efetivamente não compreendam o movimento do real. De qualquer forma, aquele
conteúdo se refere a algum dado da realidade, insistimos, nem que seja para passar uma visão distorcida; o
professor, então, ao Invés de simplesmente ‘cumprir ordem’, ‘cumprir o programa’ e ‘dar o ponto’, pode
começar a levantar relações que os educandos estabelecem com o objeto de conhecimento em questão, e,
simultaneamente, ir introduzindo novas informações que ajudem a revelar as relações desse objeto com a
realidade. Dessa maneira, o que seria um mero ‘ponto’ a ser dado, passa a ter significado para os sujeitos.
Evidentemente esta é uma situação limite, onde o trabalho possível do educador é de resistência.
A postura essencial do professor deve passar pela necessária recusa em fazer um trabalho sem
sentido, pelo se negar a prostituir sua palavra. Se não vê sentido, o professor deve, antes de mais nada,
procurar estudar, pesquisar, trocar experiências, etc. Se mesmo assim não encontrar, espera-se a coragem e a
ousadia de não trabalhar aquilo em sala. 62 Queremos enfatizar que não se trata de desvalorizar os conteúdos
escolares; muito pelo contrário: justamente por estarmos trabalhando com elementos que julgamos
fundamentais no processo de formação, desejamos que o aluno aprenda mesmo e não apenas ‘passe’ por eles
e pouco tempo depois se esqueça de tudo. O que se espera, com o processo de democratização da escola, é
que a postura de se fazer um trabalho crítico, significativo, participativo, transformador seja assumida pelo
conjunto da comunidade educativa: companheiros educadores, alunos, pais, direção, etc.
Conhecendo a realidade que vai trabalhar e pautado nos objetivos, o educador deve rever a proposta
de programa (tanto a relação de conteúdos, quanto sua organização), de modo a tomá-lo mais próximo à
realidade do aluno, tentando chegar a uma melhor relação conteúdo-necessidade.
Concluímos, dessa forma, que não há conteúdo significativo ‘em si’; os conteúdos tendem a ser
significativos à medida que estão de alguma forma relacionados às necessidades do sujeito, da coletividade

62 Se é um conteúdo cobrado, por exemplo, por algum vestibular arcaico, o professor pode oferecer roteiro
de estudo e se colocar à disposição para tirar dúvidas.

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de sala de aula. Devemos, no entanto, lembrar que essa relação não é garantia de que venha a ser
significativo para o educando, pois este pode estar alienado de suas reais necessidades. Além disso, esses
conteúdos potencialmente significativos dependem, como veremos, da forma como serão trabalhados para
que possam vir a ser significativos para aqueles sujeitos de conhecimento.

2- PROJETO DE ENSINO DO PROFESSOR O PROJETO DE APRENDIZAGEM DO


ALUNO

A educação, no autêntico sentido, qual seja, enquanto processo de humanização e personalização, de


construção de identidade e cidadania, implica sempre práticas (Realização) que estão permeadas por algum
nível de referenciação reflexiva (Elaboração), tanto no que diz respeito à orientação da atividade (plano de
ação) e à intencionalidade (finalidade), quanto de interpretação de um dado contexto (realidade).

Seres históricos, inseridos no tempo e não imersos nele, os seres humanos se movem no
mundo, capazes de optar, de decidir, de valorar. Têm o sentido do projeto. (Freire, 1981a:
43)

O caráter ativo do sujeito que se educa (curiosidade, espírito investigador, criatividade) pode ser
observado no interesse de compreensão que a criança tem em relação ao mundo que a cerca: por que isto?,
por que aquilo?, como?, onde?, etc. Essas perguntas surgem sem que os adultos — principalmente os pais, na
situação familiar — tenham provocado. Analogamente, já tem sido bastante trabalhada, por exemplo, a idéia
de que a criança não vai Vazia’ para uma nova aprendizagem; pelo contrário, como ser ativo, estabelece
hipóteses, tentativas de compreender, de atribuir sentido ao mundo que a rodeia e/ou aos objetos que lhes são
propostos para conhecer. Portanto, podemos identificar neste processo traços de planejamento.

Planejar, projetar, pré-corrigir erros, deduzir algo ainda não ocorrido, mas sobre o qual se
pode concluir (por exclusão ou qualquer outro argumento), são ações fundamentais à
aprendizagem escolar da criança. (Macedo, 1994: 112)

Uma das raízes latinas da palavra educar (educeré) já traz a idéia de projeto: conduzir para fora de,
levar a um determinado fim. Educação remete a abertura, possibilidade, vir-a-ser; desta forma, educação tem
um nexo profundo com a idéia de transformação, visto que o homem se faz transformando o mundo e, a
partir daí, cria a cultura, sendo a escola um espaço privilegiado de apropriação cultural. Daí o projeto ser
“elemento motor e significante das condutas humanas” (Fonseca, 1994: 61).
Assim sendo, a educação em geral, e a escolar em particular, está intrinsecamente relacionada à
concepção de projeto, tal como estamos neste trabalho nos pautando; neste sentido, e radicalizando a
abordagem, podemos dizer que educação é projeto!

— Projeto do Professor x Projeto do Aluno

Conforme já vínhamos anunciando anteriormente, o planejamento educacional e, em especial, o


planejamento de sala de aula tem uma característica que lhe confere tremenda importância e complexidade.
Explicamos: diferentemente do planejamento em outras áreas (na arquitetura, p. ex.), na educação o ‘objeto’
ou o campo sobre o qual incidirá a ação planejada não é passivo. Muito ao contrário, para que se concretize o
projetado pelo professor, qual seja, para que ocorra, de fato, desenvolvimento e aprendizagem na perspectiva
emancipatória, baseada na construção da autonomia e da solidariedade (grande finalidade da ação do
professor), o educando deve ter uma participação ativa, sob pena de não se modificar significativamente.
Como sabemos hoje, a aprendizagem depende sobremaneira da atividade do aluno, não de qualquer
atividade, mas daquela marcada por um desígnio de desvelar o objeto na sua trama de relações. “A

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aprendizagem deve ser concebida também como um processo intencional, dirigido e organizado, e não algo
casual e espontâneo” (Veiga, 1997: 139). Portanto, para que aconteça a construção do conhecimento no
sujeito, este deve ter uma ação intencional. “A capacidade de conhecer supõe a de agir conscientemente, de
acordo com finalidades, pois não há outra forma de adquirir novos conhecimentos” (Pinto, 1979: 220).
Ação intencional é aquela que corresponde a um plano de ação do sujeito. Para que ocorra um
autêntico processo educativo — e não manipulação, adestramento, condicionamento —, este deve
corresponder a um projeto. Nesta medida, é fundamental que o aluno tenha o seu ‘projetinho educativo’. Se
considerarmos que a educação se dá na relação, deve haver encontro de projetos: o professor e o aluno com
seus projetos de atividades (dois ofícios imbricados, cf. Perrenoud, 1995: 220), permeados, naturalmente por
seus respectivos projetos de vida. Reiterando, é preciso que ao Projeto de Ensino do professor corresponda
— ainda que não de forma linear e no mesmo nível de elaboração — o Projeto de Aprendizagem do aluno!
A elaboração do projeto de aprendizagem por parte do aluno é uma importante estratégia formativa,
visto que, como analisamos, uma das funções básicas da escola é ajudar o aluno a constituir seu projeto
existencial, que implicará, entre outros, o projeto profissional

Não se trata mais de ensinar um mero corpo de conhecimentos técnicos, mesmo que
irrepreensivelmente atualizado. Trata-se antes, sobretudo, de preparar cada um (e todos)
para ser protagonista do seu itinerário individual e social a desenvolver, bem, entendido, de
acordo com os conhecimentos disponíveis, mas igualmente no âmbito de uma ótica
prefigurativa do tempo em que a antecipação operatória do futuro, delineada pelo(s) projeto
(s), procura assegurar a construção de um devir humanamente conseqüente. (Carvalho,
1993: 14)

Queremos deixar claro, desde logo, que estamos assumindo aqui projeto de aprendizagem do aluno
não como algo sofisticado ou sistematizado formalmente, mas muito mais naquele sentido antropológico a
que nos referimos antes.

E óbvio que quanto mais imaturo for o aprendiz tanto mais simples têm de ser os objetivos
em vista e mais rudimentares os meios empregados, mas o princípio de organização da
atividade, em termos de alguma percepção da relação entre conseqüência e meios, aplica-se
mesmo com os mais jovens. (Dewey, 1979: 89)

No entanto, também não podemos subestimar as potencialidades dos educandos, até porque, como
constatou Piaget, uma certa capacidade de antecipação se manifesta muito precocemente no bebê (Piaget,
1996: 223-225).
Há uma espécie de duplo rebatimento da atividade de planejar do professor: faz todo o seu
planejamento para chegar a uma ação em sala de aula; ocorre que esta ação precisa interagir e/ou provocar a
ação consciente e voluntária do educando, condição para a aprendizagem. 63
Trata-se, em certa medida, da dialética do reconhecimento (cf. Hegel, 1992), vista pelo pólo do aluno,
qual seja, o reconhecimento do professor por parte do educando está em função do projeto que o educador é
portador, o que significa dizer que a legitimidade de sua intervenção vincula-se à existência e consistência de
sua proposta de trabalho.

Em última análise, o que se deve procurar [para introduzir conhecimentos no espírito do


aluno] é refazer em miniatura, rapidamente e em função dos dados do conhecimento
existente, o processo natural pelo qual o homem se hominiza e se constitui em animal capaz
de conhecer a realidade. (Pinto, 1979: 362)

63 Poderíamos fazer, com os devidos cuidados, uma analogia com um fenômeno físico-químico, o efeito cristalizador: o
contato de uma massa amorfa de partículas com um simples cristal pode levar a todo um processo de cristalização (é claro que não
se trata de qualquer massa, mas de uma cristalizável). Assim, a estrutura do professor ajuda a estruturar o aluno.

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Objetivamente, isto implica que, no limite, o aluno deve ter para si a articulação — mais ou menos
elaborada ou consciente — entre necessidade, finalidade e plano de ação.
A capacidade de elaboração e realização de projetos pode ter um importante papel no sentido de
superação de constrangimentos a que o aluno está submetido (como por exemplo o de classe social). Através
do projeto, o sujeito coloca-se numa atitude de construção, de intervenção no real, como tão bem afirma
Sartre (1905-1980): “Para nós, o homem caracteriza-se, antes de tudo pela superação de uma situação, pelo
que ele chega a fazer daquilo que se fez dele” (1978: 151); cabe enfatizar que isto vale tanto para o aluno
quanto para o professor!

— Papel do Professor

O educador pode colaborar para a ação significativa do educando, procurando interagir com ele tanto
na criação da necessidade, na geração da finalidade, como na elaboração do plano de ação. Em cada
realidade, o professor poderá avaliar quais são as suas possibilidades específicas de interação com cada uma
dessas dimensões, lembrando que necessidade, finalidade e plano de ação não são estanques, nem de
seqüenciação linear. Devemos destacar ainda que na relação necessidade-finalidade-plano de ação, a
necessidade é o fator que tende a ser determinante (detonador das energias e referenciação na realidade),
estando todos esses elementos marcados pelas condições de existência.
Esta é uma forma muito concreta de ajudar o aluno na tomada de consciência do que está
acontecendo com ele (metacognição; domínio do processo); às vezes, o educando permanece anos na escola
e nunca entende direito o que ali se passa e, sobretudo, o que se passa nele.
Não queremos um aluno conformista, passivo, sem questionamento. Desejamos que ele possa não só
adquirir conhecimento, mas ser capaz de produzi-lo.

A nova pedagogia não pode limitar-se a estruturar, a regular metodologicamente a penas a


fase aquisitiva, apropriativa, dos conhecimentos disponíveis, pois esta corresponde
unicamente à metade do ciclo gnosiológico, e sim tem de completar-se pela construção
teórica da outra metade, a fase investigadora de conhecimentos originais, a fase da
descoberta, (...) aquela que corresponde à mais elevada das funções do pensamento, a
atividade heurística da consciência. (Pinto, 1979: 363)

Neste processo de produção de conhecimento e de interação com a realidade, o sujeito vai se


autoproduzindo, criando sua existência (cf. Marx, 1989: 203).
Não podemos perder de vista que, enquanto horizonte, estamos formando o novo dirigente, que se
compromete com a efetiva igualdade entre todos os homens: “Formar o jovem como pessoa capaz de pensar,
de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige” (Gramsci, 1982: 136).
A constituição de um projeto por parte do educando demandará certas condições: espaço de
liberdade, de tomada de decisão, disponibilidade para o diálogo, para a negociação, espaço para o erro, para
o sonho, para a expressão, para o novo, respeito aos medos e anseios que o processo de desenvolvimento e
aprendizagem geram. Pede, pois, um novo contrato pedagógico, onde o aluno possa exercer sua iniciativa,
sua capacidade de reflexão, tomar consciência dos valores implicados nas decisões, e assim ir construindo
sua autonomia intelectual e moral.
O projeto do professor, como educador democrático, deve ser transitivo, no sentido de não se fechar
sobre si (procurar provocar a atitude de projeto no outro), e inclusivo, no sentido de ter um projeto para o
aluno (cada um e todos): acreditar nele, nas suas potencialidades, investir naquilo que o aluno ainda não
domina. Uma das maiores violências que se pode fazer a um ser humano é negar-lhe um horizonte de futuro,
uma perspectiva de vida, um projeto onde ele possa se incluir! 64
Impõe-se, portanto, a atuação do educador como elemento provocador, desequilibrador,
estimulador do grupo, no sentido que este rompa seu estágio cognitivo em vista de um nível mais complexo

64 É preciso tornar a vida tão interessante e bela a ponto dos homens a desejarem eterna (cf. Comênius).

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e abrangente, tornando-o aberto e sensível aos fatos da realidade que precisa compreender (e intervir). O que
se busca é que o sujeito domine tanto o ‘porquê’, quanto o ‘para quê’ e o ‘como’. No processo de
desenvolvimento, todo sujeito deve chegar a ser capaz dessa abertura e busca do conhecimento por si mesmo
(autonomia).

2.1 .Provocar a Necessidade

A necessidade de conhecer um objeto pode estar presente no educando, mas, de um modo geral, isto
é difícil de ocorrer, em função das influências do meio: de um lado, os adultos, e a própria família, inibem a
necessidade de conhecimento das crianças, à medida que não Incentivam o conhecimento do mundo, esqui-
vando-se e até reprimindo estes questionamentos; por outro lado, temos os impérios dos meios de
comunicação de massa, que teriam condições privilegiadas de provocar a necessidade de conhecimento, mas
que estão à serviço do capital, provocando necessidades alienadas de consumo.

Entregue ao seu próprio impulso, a criança (e não somente ela, aliás) deixa-se conduzir
pelos clichês da linguagem,, pelas idéias correntes e banais, pelas fórmulas estereotipadas e
em moda que lhe insuflam os ‘mass media’ (Snyders, 1974: 20)

Devemos ponderar ainda, como já tivemos oportunidade de refletir, que há com freqüência um clima
de non-sens nas propostas de estudos a que os alunos são submetidos no decorrer dos vários anos de
experiência escolar. Podemos observar uma grande indignação dos alunos diante de conteúdos que têm de
estudar e não vêem sentido. Sentem falta de um porquê. A prática de um ensino desprovido de sentido pode
induzi-los a desenvolver estratégias de sobrevivência (dissimulações, jogo de cena, hipocrisia, ceticismo), o
que é um caminho aberto para a indiferença ou o fanatismo.

Num sistema tão limitativo como é o da educação obrigatória, os alunos estão condenados a
utilizar estratégias de atores dominados, face a um sistema que lhes deixa reduzidíssimas
possibilidades de escolha, que lhes impõe um impressionante número de coisas absurdas,
incompreensíveis ou penosas que não correspondem, de uma maneira geral, aos seus
desejos do momento, (Perrenoud, 1995: 190)

O educador deve aproveitar essa disposição epistêmica do educando, desenvolvendo sua capacidade
de perguntar pelo sentido das coisas, procurando estabelecer o estado de necessidade no sujeito pelo objeto
de conhecimento em questão.

Decroly soube apreender a relação dialética entre o ser e o seu meio. Mostra de maneira
absolutamente lúcida que as exigências culturais (ler, escrever, contar, exprimir-se,
aprender um ofício) e, portanto, também a curiosidade cultural não podem de modo algum
ser representadas sob a forma de respostas-apetites, preformados na natureza da criança. Na
realidade elas só são sentidas como necessidades num meio social em que essas
capacidades são exigidas e utilizadas\ A partir daí o professor não tem apenas que
interpretar ou mesmo favorecer. Se não intervém, é a própria necessidade que corre o risco
de nunca aparecer. Daqui uma responsabilidade ativa a que deve corresponder um poder de
decisão. (Snyders, 1974: 116)

Muitas vezes, o sujeito não tem interesse por determinado objeto porque não teve oportunidade de
tomar contato mais significativo com o mesmo. Dessa forma, o professor não pode supor que o aluno já traz
a necessidade de conhecer aquele conteúdo do programa; ao invés, deverá oportunizar o contato do
educando com o objeto de conhecimento, criando condições, assim, para o surgimento da necessidade no
sujeito.

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Não basta, no entanto, o contato; esta é uma condição necessária, mas não suficiente. O professor
deve também mediar a relação entre o educando e o objeto de estudo; deverá propiciar oportunidades de ação
analítica, estabelecendo a contradição entre a representação que o sujeito traz e uma mais elaborada.
Além disto, devemos considerar que “Num esquema educativo, a ocorrência de um desejo e impulso
não é objetivo final. E oportunidade e demanda para a formação de um plano e método de ação” (Dewey,
1979: 70); logo, a necessidade não pode ficar fechada sobre si mesma, mas abrir-se para formas de
superação, pela mediação da intencionalidade, como veremos a seguir.

2.2. Favorecer a construção da Finalidade

O aluno precisa ter uma clareza quanto à finalidade daquilo que vai aprender e daquilo que vai fazer.
Este é um direito fundamental. A finalidade tem um papel teleológico, de apontar a direção que se deseja
caminhar, mobilizando o sujeito à medida que tem consciência para onde está indo, qual o sentido de seu
esforço. A elaboração da finalidade corresponde à projeção de um sentido para a ação, ou seja, é uma forma,
uma manifestação da capacidade e da necessidade do homem de atribuir sentido à sua prática — e à sua
existência, numa perspectiva mais ampla. “Quer o saibam ou não, as pedagogias ativas, cooperativas,
diferenciadas apenas têm força se permitirem, no espírito do aluno e talvez mesmo dos professores, uma
outra construção de sentido” (Perrenoud, 1995: 191). Cabe ao educador, pois, provocar a construção da
finalidade do trabalho.
Na escola, geralmente o educando não é solicitado a refletir sobre a própria atividade, o que o torna
alienado do trabalho que vai executar: se não tem oportunidade para pensar, para fazer uma elaboração
pessoal, não chega a projetar em sua mente, não sendo sujeito, limitando-se a executar, reproduzir a tarefa
imposta pelo professor. E comum o aluno simplesmente fazer o que foi determinado, de maneira mecânica,
desprovida de sentido. 65 Não sabe o porquê dos conteúdos e nem da própria escola. E claro que o aluno quer
saber para quê aprender, por exemplo, raiz quadrada, mas antes precisa saber para quê está na escola... Se os
objetivos estão claros, o educando pode buscar suas formas de resolver os problemas, pode desenvolver
critérios de julgamento e caminhar por si; caso contrário, ficará numa relação de dependência com o
professor, precisando a cada pouco a ele recorrer para ver o que fazer em seguida. Se não sabe para onde
caminha, como pode ter uma participação ativa? “Ninguém se esforça para um ramo desconhecido” (Lima,
1976: 198).

Assim, enquanto para a educação como tarefa dominadora, nas relações consciência-
mundo, aquela aparece como se fosse e devesse ser um simples recipiente vazio a se
‘enchido \ para a educação como tarefa libertadora e humanista a consciência é
‘intencionalidade’ até o mundo. (Freire, 1981a: 99)

À finalidade não surge do nada, ou da mera elucubração do sujeito (neste caso estaríamos no
Idealismo metafísico); ao contrário, a finalidade surge a partir de contexto, do confronto do sujeito com essa
realidade. O educador deve explicitar a finalidade que vê naquilo que esta sendo proposto como objeto de
estudo, como forma de propiciar a apropriação e a reelaboração dessa finalidade pelo aluno. Além disto, na
medida do possível, pode ir solicitando a contribuição dos alunos para a elaboração das finalidades (ex.:
através de sondagem de expectativas, de discussão do projeto de curso, etc.).

2.3. Propiciar a elaboração do Plano de Ação

O homem é essencialmente um ser ativo, mas, como foi apontado anteriormente, sua atividade
característica é a práxis: a atividade carregada de sentido. Antes de executar a ação consciente, ele a planeja,
pensa nos passos necessários para atingir o fim almejado. Da mesma forma, para a atividade proposta a ser

65 Assim como o operário executa de maneira mecânica o que lhe é determinado...

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desenvolvida em sala de aula, o educando deverá ser chamado a participar não só na execução, mas também
no planejamento dessa ação, de forma que a realização posterior não lhe seja estranha.

Se o aluno só tem que trazer no momento justo a pedra de que o professor precisa para
construir o seu edifício, sem ter participado na elaboração do plano de conjunto nem
mesmo conhecer esse plano, isso não é atividade na acepção plena da palavra. (Snyders,
1974: 73)

A medida que participa da elaboração da proposta, terá consciência do significado de cada atividade
a ser desenvolvida; precisa entender tanto o que vai estudar, como o caminho que está se propondo fazer.
O educador tem de procurar desencadear no educando um processo de elaboração do seu plano, que
passe pela construção do conhecimento do objeto em questão (tarefa). Para isto, pode envolver o aluno na
elaboração do plano de ação a ser desenvolvido em sala de aula; é certo que este plano não precisa partir do
nada: o educador — como membro do grupo — pode também trazer propostas de trabalho, que através de
um processo de discussão serão re-significadas pelos educandos, ganhando condições de serem
desenvolvidas de forma produtiva.
Evidentemente, a forma de participação na elaboração do plano de ação depende do grau de
desenvolvimento em que se encontram os alunos, variando desde a educação infantil até a universidade. O
importante é o educador ter clareza que, em qualquer nível, sempre há a viabilidade da participação dos
educandos no plano de ação pedagógica. Veja-se, por exemplo, a prática na educação infantil de se
estabelecer a ‘agenda de atividades do dia’ junto com as crianças, refletindo, inclusive, com elas quando
começa haver muita ênfase ou ausência de alguma atividade.
Na educação tradicional, o professor não tem a menor preocupação com a significação do trabalho
para o aluno e

... não vê qualquer problema em impor suas idéias, e ser o único a saber para que objetivo
se dirigem e por que itinerário, pois foi ele a fixá-los: co professor decide soberanamente
tudo \ Na medida em que o professor previu e decidiu minuciosamente todas as fases que os
alunos devem transpor, as respostas destes encontram- se encerradas em limites tão restritos
que já não fazem apelo a uma verdadeira atividade, mas somente a uma série de reações.
(Snyders, 1978: 123)

— Caráter Ativo do Sujeito

Quando fazemos estas observações a respeito da intervenção do professor, não estamos tomando o
aluno como um ser passivo, que necessita que um outro faça por ele; ao contrário, justamente por
compreendê-lo como um ser ativo, insistimos na sua participação consciente no processo de construção da
significação de sua ação e de seu conhecimento. “Estudar é uma forma de reinventar, de recriar, de
reescrever — tarefa de sujeito e não de objeto” (Freire, 1981a: 10). Se o educando fosse passivo, não haveria
porque se preocupar com seu envolvimento no processo de conhecimento, pois bastaria transmitir as
informações a serem adquiridas (‘depositadas’). A questão é que estamos tratando de sujeitos reais, que,
como vimos, estão marcados pela alienação. Existe, portanto, essa contradição no sujeito: de um lado, seu
caráter ativo e de outro a estrutura das relações sociais alienadas e alienantes. Já que os dois aspectos fazem
parte da realidade, o educador deverá levá-los em consideração, na perspectiva de superação.

CONCLUSÃO

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Nos referindo aqui mais a projeto-processo que a projeto-produto, qual seja: não estão
prontos, e sim se constituindo, inclusive a partir da própria interação propiciada pelo
encontro. A educação é, pois, projeto, e, mais do que isto, encontro de projetos; encontro
muitas vezes difícil, conflitante, angustiante mesmo, todavia altamente provocativo,
desafiador, e, porque não dizer, prazeroso.

III
Roteiro de Elaboração do Projeto de
Ensino-Aprendizagem
NÃO AO PROJETO!

O professor não deve se dedicar intensa e sinceramente à elaboração do projeto:

— Se o projeto de curso for basear-se total e exclusivamente no livro didático, Neste caso, a melhor
alternativa é copiar o plano que o livro do professor” traz...
— Se o projeto de ensino não mudar de um ano para o outro. Neste caso a melhor alternativa é copiar o do
ano anterior...
— Se for fazer em sala o que sempre fez, reproduzir o que está dado. Nesse caso, deve seguir direitinho as
instruções a fim de não chamar atenção sobre si e não correr o risco de ter o trabalho posto em questão...
— Se o projeto for feito apenas para cumprir uma função burocrática, par: coordenação, direção, secretaria
escolar ou supervisão de ensino. Nesse caso, ele pode ser feito de qualquer jeito, pois não vai ser lido
mesmo, sendo só um papel a mais...
— Se perceber que sua proposta de curso tem pouco a ver com a proposta - outros companheiros da área —
que se fecham ao diálogo — e que a escola se omite diante destas diferenças, não definindo, nem
assumindo um Projeto Político-Pedagógico. Neste caso, terá que avaliar suas forças p ver se consegue
continuar na luta e se ela vale a pena...
— Se o projeto for imposto pela escola, cabendo ao professor apenas copiá-lo e, quando muito, fazer
algumas modificações periféricas. Neste caso, o melhor é elogiar o projeto da escola, seguir outro na sala
de aula, enquanto vai procurando outro emprego...
— Se a função do professor for reduzida à repetição de conteúdos preestabelecidos, a “tomar conta5’ dos
alunos, não havendo mesmo necessidade de planejar. Neste caso, o professor pode simular um plano com
mil detalhes, para satisfazer a fantasia da equipe diretiva de achar que pode saber a cada instante onde
está cada professor, enquanto vai preparando suas malas...
— Se tem uma bola de cristal que diz exatamente o que deve fazer em cada situação. Neste caso, só é
preciso montar um esquema para nunca esquecer de levá-la para a sala de aula...
— Se o professor julgar que já sabe tudo, que já chegou à fórmula perfeita de seu curso. Neste caso, o
melhor é nem escrever o projeto, para que tal preciosidade não corra o risco de ser roubada...

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DIALÉTICA DA TRAVESSIA

As considerações que faremos a seguir sobre o planejamento didático situam-se, ou querem situar-se,
na tensão da travessia do Ensino Tradicional à Educação Dialética-Libertadora, ou seja, na caminhada
daqueles educadores que estão se empenhando para construir uma nova prática educativa, superando os equí-
vocos e limites do ensino tradicional que tanta influência teve, e tem, nas nossas escolas e,
conseqüentemente, na nossa própria formação. Trata-se, com efeito, de uma travessia, de um caminho que
não está pronto, que tem que ser construído na concretude do cotidiano escolar.
Isto é muito difícil, seja em função das determinações estruturais ou dos conseqüentes limites
institucionais (seriação, conteúdos preestabelecidos, avaliação classificatória e excludente, controle
burocrático, tempo, formação, salário), Estamos nos dirigindo, portanto, não àqueles educadores que
desistiram da luta, nem àqueles que ‘já chegaram lá' — ou pensam que chegaram —, mas àqueles que estão,
no seu dia-a-dia, concretizando as reais, mesmo que limitadas, possibilidades históricas, preparando, na
interação com seus companheiros, um tipo fértil, base para um salto qualitativo.
O objetivo principal do planejamento é possibilitar um trabalho mais significativo e transformador,
conseqüentemente, mais realizador, na sala de aula, na escola e na sociedade. O plano, enquanto registro é o
produto deste processo de reflexão e decisão. Não deve ser feito por uma exigência burocrática; ao contrário,
deve corresponder a um projeto-compromisso do professor, tendo, pois, suas marcas. A finalidade do projeto
é criar e organizar o trabalho. Para tanto, deve ser objetivo, verdadeiro, crítico e comprometido.
O grande desafio que se coloca em termos do Projeto de Ensino-Aprendizagem é, portanto:

Mudar a mentalidade de que fazer planejamento é preencher formulários (mais ou menos


sofisticados). Antes de mais nada, fazer planejamento é refletir sobre os desafios da
realidade da escola e da sala de aula, perceber as necessidades, re-significar o trabalho,,
buscar formas de enfrentamento e comprometer-se com a transformação da prática. Se isto
vai para um registro escrito depois, é um detalhe!

O Projeto de Ensino-Aprendizagem pode ser subdividido basicamente, quanto ao nível de


abrangência, em Projeto de Curso e Plano de Aula. Faremos a seguir algumas considerações sobre o aspecto
mais operacional, o ‘como5 fazer, como organizar isto no cotidiano da escola. Gostaríamos, no entanto, de
deixar claro mais uma vez que não se trata, obviamente, de modelo, ‘receita’, mas de possibilidades, gestadas
e desenvolvidas em nossa prática e na de outros tantos colegas, que têm o objetivo de provocar a reflexão
dos educadores na busca de suas próprias alternativas, tendo em vista sua realidade e a caminhada de cada
grupo.

ESTRUTURA BÁSICA

A rigor, como melhor roteiro, poderíamos indicar apenas as três dimensões essenciais do processo de
elaboração do projeto didático: Análise da Realidade, Projeção de Finalidades e Elaboração de Formas de
Mediação. O detalhamento, o como o professor vai realizar cada uma delas, não é fundamental, podendo, in-
clusive, não aparecer nesta ordem ou ainda uma mesma dimensão estar presente em diferentes momentos. 66
O que conta é a consideração das três dimensões, nas suas necessárias relações dialéticas.

66 Um exemplo bem simples: num plano de aula, a dimensão realidade pode aparecer nas Necessidades e também na
Metodologia (se o professor parte da realidade dos alunos para levantar suas concepções prévias).

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A representação circular é Interessante pois relativiza a possível Interpretação seqüencial rígida que
se pode ter quando da representação linear. Acompanhando o processo de elaboração do projeto por parte do
educador, fica claro que não se trata mesmo de uma seqüência linear, e sim de aproximações sucessivas: o
professor tem uma idéia, lembra alguma coisa, registra; mais tarde, vem outra idéia, anota, e assim
sucessivamente. Devagar, vai montando um mosaico. Depois de uma certa caminhada, pode fazer uma
elaboração mais refinada, eliminando, acrescentando etc., mas sobretudo amarrando uma proposta coerente,
daí sim devidamente seqüenciada (início, meio, fim), recursos, etc.
Analogamente, na prática do planejar, nem sempre se parte da análise da realidade (para localizar as
necessidades, etc.). E comum o professor entrar numa escola e já existirem uma série de mediações
incorporadas. Como dissemos, o essencial é o movimento entre estas dimensões. No caso, então, caberia ao
professor novato questionar o sentido daquelas práticas já consagradas, identificar a que necessidades e
finalidades estariam ligadas, e verificar se estas ainda se sustentam na realidade presente ou pedem
reformulações.

POSICIONAMENTO EPISTEMOLÓGICO

Talvez algum leitor fique frustrado por encontrar a indicação de possibilidades de trabalho e não a
prescrição do roteiro (no sentido de padrão, verdadeiro, único). Ora, este nosso posicionamento não é ao
acaso; deve-se a duas crenças:

• Á própria característica do campo a ser planejado: sua enorme complexidade;


• A capacidade de reflexão e de tomada de decisão do leitor.

Com isto, visamos superar aquela obsessão planificadora, a que nos referimos na 1- Parte. Existem
coisas que não desejamos que seja por demais planejadas mesmo. Para ficar mais claro, tomemos um
exemplo fora da educação escolar: um encontro com um amigo ou com a namorada: pede um certo
planejamento (onde, quando, etc.); mas se, antecipadamente, estiver tudo predeterminado, preestabelecido,
‘perde a graça’, deixa de ser um encontro original, autenticamente humano. Mutatis mutandis, vale o mesmo
para o trabalho em sala: é preciso prever (reconhecer, supor, suportar) a imprevisibilidade, o inédito
(advindo, em grande parte, da espontaneidade e audácia do aluno), pois é isto que faz da aula um
acontecimento (cf. Penin, 1994); se o script está totalmente prefigurado, deixa de ser uma obra, tornando-se
um simulacro (cf. Lefebvre, 1983). Ou seja, um certo estado de incompletude, uma certa ausência de
definição pari-passu, não é defeito, mas constituinte do projeto na perspectiva dialética (cf. Bachelard, 1978:
171). Por outro lado, devemos considerar que “nenhum fazer humano é não consciente; mas nenhum poderia
continuar nem por um segundo, se estabelecêssemos a exigência de um saber exaustivo prévio, de uma total
elucidação de seu objeto e de seu modo de operar” (Castoriadis, 1995: 91).

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Estes limites do planejamento não representam, pois, acidentes, e sim parte da essência: não significa
que não abarcamos todos os pontos, mas que ainda vamos abarcar. Não! Significa que não abarcamos e
sabemos que não podemos abarcar, ou seja, reconhecemos o limite de sua contribuição: não abrimos mão
desta contribuição (para não cair no laisser-faire), mas também não a pretendemos totalitária, dogmática,
determinista. Portanto, cabe sim planejar, mas sem a compulsão de querer amarrar tintim por tintim.
Mais do que ser uma ‘solução’, a perspectiva de Projeto de Ensino que assumimos coloca-se como
um convite-desafio, como uma proposta de roteiro de trabalho para uma longa jornada...

Desta forma, uma linha de ação interativa, libertadora, não pode deixar de levar em conta
a realidade em sua constituição e dinamismo; por isso é necessário que a postura do
professor diante do projeto também seja sensível e aberta.

1- PROJETO DE CURSO

O Projeto de Curso é a sistematização da proposta geral de trabalho do professor naquela


determinada disciplina ou área de estudo, numa dada realidade. Pode ser anual ou semestral, dependendo da
modalidade em que a disciplina é oferecida.
O trabalho educacional transformador é muito exigente. Há necessidade de que o curso e as aulas
sejam bem planejadas. A elaboração de um bom projeto requer um trabalho maior do educador, num
primeiro momento (fazer mais pesquisa, integrar, replanejar, etc.). No entanto, a médio e longo prazo, torna-
se compensador, pois facilita todo o trabalho no decorrer do ano, levando a um menor desgaste, tanto pela
organização, como pela melhor qualidade do trabalho. A escola deverá dar apoio a esta atividade.
Apenas observando um projeto pronto, não temos condições de julgá-lo. Devemos remontar ao seu
processo de produção: pode ter origem num amplo e radical processo de reflexão sobre a ação ou pode
simplesmente ter sido copiado de um livro ou de um colega.
O planejamento é um processo contínuo, porém momentos mais intensos, como os de final e início
de ano, são importantes, visto que alterações mais substanciais podem ser elaboradas. De uma forma ou de
outra o professor estara tomando decisões, fazendo escolhas, já que é absolutamente impossível dar conta,
por exemplo, de todo o conteúdo disponível ou utilizar todas as metodologias existentes; ocorre que as
decisões que toma logo no começo do ano vão ter unia séria repercussão durante todo o trabalho; daí a
importância desse processo ser bem consciente e refletido.

— Questão do Todo e da Parte

Embora não seja possível definir, a priori, todos os mínimos detalhes de uni Projeto de Curso,
entendemos que o fato de se esboçar o Projeto de Curso como um todo, numa concepção geral, pode ajudar
bastante, por dar uma referência de conjunto. Define-se uma espinha dorsal que será detalhada, complementada
ou modificada no decorrer do processo. A prática de replanejar periodicamente (p. ex. bimestralmente) é
interessante, desde que haja esse fio condutor, pois, do contrário, corre-se o risco de fragmentar o trabalho,
ao invés de dar-lhe maior unidade. 67

— Questão da Acessibilidade ao Projeto

Se o projeto, como estamos desejando, deve ter uma articulação viva com a prática pedagógica, é
fundamental que o professor tenha acesso fácil à ele. Sabemos de escolas onde o projeto é entregue e sequer

67 Naturalmente não estamos nos referindo aqui à pedagogia de projetos, onde, como vimos, o método de trabalho permite a
construção de cada etapa de acordo com as necessidades do grupo, em função de não haver a vinculação prévia a um rol de conteúdos,
como é o caso, ainda, de muitas escolas.

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o professor fica com uma cópia... Algumas escolas, por outro lado, já conseguiram incorporar o Projeto de
Ensino ao Diário de Classe, estando sempre à mão do professor para consulta, análise e registro.
O uso do computador pode ser de grande valia na elaboração do projeto, à medida que facilita a
sistematização, a comunicação, as mudanças necessárias, evitando o trabalho burocrático e repetitivo.

1.1. Possíveis Elementos do Projeto de Curso

Desejamos reiterar que não existe um ‘caminho único’ para a elaboração do projeto, da mesma
forma que existem diferentes níveis de complexidade e abrangência; o que vamos apresentar é apenas um
jeito de fazer. O importante é que o professor — pessoal e coletivamente — busque o seu caminho.
O quadro a seguir dá uma visão geral das várias dimensões e elementos possíveis de um Projeto de
Curso.
A explicitação de alguns destes aspectos, que às vezes até podem ser considerados menores e —
insistimos — não devem ser tomados como ‘padrão’, tem a ver com o sentido do projeto que é concretizar,
fazer acontecer, o que implicará “precisar os registros de tempo, os métodos e técnicas pedagógicos
utilizados, os constrangimentos com os quais se deverá deparar e os meios a empregar para ultrapassá-los”
(Boutinet, 1996: 207).

Dimensão Elementos
Análise da Realidade Identificação
Caracterização da Realidade
• Sujeitos
• Objeto
• Contexto
Necessidades

Projeção de Finalidades da Escola


Finalidades Fundamentos da Disciplina

Formas de Mediação Quadro Geral de Conteúdos


Proposta Geral Metodológica
Proposta de Avaliação
Fontes de Pesquisa
Interação com Outras Disciplinas
Integração com Atividades
Extraclasse
Normas Estabelecidas

— Quadro: Dimensões e Elementos do Projeto de Ensino—

□Identificação
Registro do nome da Escola, da Disciplina/Área de Estudo a ser ministrada. do(s) Professor(es), da
série/nível, do número de turmas, do(s) turno(s) (manhã, tarde, noite), da duração (anual, semestral), carga
horária prevista. A identificação remete a toda a vinculação institucional.

□Caracterização da Realidade

• Sujeitos (professor, alunos)


Registro de elementos relevantes e características gerais percebidas. Em relação ao professor, no início
pode haver dificuldade para o registro; não tem problema: o importante é insistir no processo de reflexão crítica.

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• Objeto
Registro do número de aulas semanais, número de dias letivos, aulas p invistas por bimestre e no total.
Indicação de articulação da disciplina com série anterior e posterior (quando houver).

• Contexto (Escola, Comunidade)


Registro de elementos relevantes e características gerais percebidas. Parte dos registros aqui indicados
podem ser feitos antes do início das aulas, em função da experiência do educador; outra parte, apenas depois
do conhecimento das turmas.

□ Necessidades

Tendo em vista os levantamentos feitos, e contando com sua experiência anterior, cabe a reflexão do
professor a fim de procurar identificar e explicitar as necessidades educacionais (porquê), cujo trabalho
posterior visará superá-las. E preciso esclarecer que existem necessidades que são bastante específicas de de-
terminado contexto (jamais irá existir uma 5ª série A como a daquele ano), mas outras são mais gerais (não é
a primeira vez que existe uma quinta série, aquela escola, aquele bairro, etc.), podendo o professor se basear
em sua prática acumulada; estas necessidades presumidas, no entanto, devem ser verificadas empiricamente.

□ Finalidades da Escola

Explicitação das finalidades gerais da escola (para quê — amplo). Buscar estas finalidades no
Projeto Político-Pedagógico, quando a escola tiver.

□ Fundamentos da Disciplina

Trata-se de explicitar os fundamentos da disciplina a ser oferecida, e que revelam o sentido e força
do ensino daqueles conteúdos.

Sobre os Fundamentos

O pano de fundo aqui é a pergunta que os alunos sempre têm em mente, mas nem sempre expressam:
Tara que estudar esta matéria?5 E a justificativa do ensino da disciplina: como o professor defende a
existência da matéria no currículo? Qual é seu papel no desenvolvimento dos alunos, na formação da cida-
dania? Qual sua origem? Como chegou ao que é hoje? (resgate da história da disciplina). Que relação
mantém com a vivência do aluno, com a sociedade, com nutras disciplinas? Que mudanças tem havido no
ensino da disciplina nos últimos anos? Quais são as tendências atuais do seu ensino?
Uma estratégia que tem se relevado bem fecunda é o confronto da disciplina/área com as grandes
finalidades da escola. Digamos que assumimos que o papel fundamental da escola passa pelo trabalho com o
conhecimento para compreender, usufruir e transformar a realidade. Poderíamos, então, a fim de orientar a
elaboração dos fundamentos, fazer perguntas do tipo: Como este ensino pode ajudar o aluno a:

1) Compreender o mundo que o cerca, atribuindo sentido às coisas e à própria existência?


2) Usufruir o patrimônio acumulado pela humanidade, inclusive em termos de inserção social pelo
trabalho?
3) E, sobretudo, transformar a si, o contexto que o cerca e, no limite, *3 realidade mais ampla?

Implica, pois, a explicitação dos objetivos gerais da disciplina/área para aquela série/nível (para
quê). Ocorre que, quando se solicita simplesmente que o professor expresse os objetivos, há uma tendência

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de reproduzir os já colocados nos anos anteriores ou mesmo de copiar aqueles que vêm no livro didático, Ao
serem solicitados os fundamentos, como é algo que não está pronto, vai ter que elaborar. Isto vai exigir muita
pesquisa e reflexão do professor, e também o trabalho coletivo, dada a necessidade de partilhar com seus
pares suas carências, buscas e descobertas.
Esta é uma tarefa da maior importância, pois está em questão, antes de mais nada, a re-significação
do trabalho pedagógico para o próprio professor, ganhando clareza da relevância e alcance do ensino da sua
disciplina, coisa que, como já indicamos, muitas vezes lhe foi negada na sua formação.

□ Quadro Geral de Conteúdos

Proposta geral de conteúdos do curso (0 quê), o programa que se pretende desenvolver. Entendemos
os Conteúdos como sendo o conjunto de conhecimentos, hábitos e atitudes, organizados pedagógica e
didaticamente; são o meio para a concretização das finalidades que o educador tem ao preparar o seu curso, a
partir da realidade. Estão implicadas aqui as tarefas de seleção, organização e seqüenciação dos conteúdos.
Os conteúdos geralmente são agrupados em unidades temáticas e vêm com uma primeira previsão de
divisão por bimestres.

Sobre os Tipos de Conteúdos

Quando da elaboração do projeto, o professor deve ter a lucidez de que os conteúdos a serem
trabalhados em sala de aula não devem ficar limitados aos conceitos, informações, etc. Para que tenhamos
uma formação integral da pessoa, necessário se faz articular este trabalho com o conhecimento — que é
fulcral e até definidor da especificidade da contribuição da escola neste processo educativo — com outras
dimensões, a saber, o desenvolvimento de habilidades e a criação de atitudes favoráveis. Esquematicamente,68
podemos assim apresentar os três tipos de conteúdos:

Tipo Dimensão Significado Abrangência


Conceitual “Saber” Representações Conhecimento de fatos, fenômenos,
ou conteúdos de conceitos, princípios, leis, saberes, idéias,
consciência imagens, esquemas, informações

Procedimental' “Saber Fazer” Mecanismos Domínio de habilidades (savoir-faire),


competências, aptidões, procedimentos,
destrezas, capacidades, método de
pesquisa, desenvolvimento de operações
mentais, hábitos de estudo

Atitudinal “Ser/Saber- Disposições do Envolvimento, interesses, atitude,


Ser" sujeito; modos postura, valores, posicionamento,
de agir, sentir e convicções, preocupações, normas,
se posicionar regras, vontades.

— Quadro: Tipos de Conteúdos—

A rigor isto não é novidade, seja porque não é possível, por exemplo, a efetiva construção do
conhecimento por parte do sujeito se não tiver uma atitude de abertura para tal (envolvimento, mobilização),
seja porque, como já apontava Vygotsky, numa aprendizagem significativa o ganho do sujeito é duplo:

68 Baseado em Vilar, 1996: 34, Barbier, 1996: 149, e Libâneo, 1991: 131.

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conceitos e habilidades, estruturas mentais, já que no mesmo ato que adquire um conceito, adquire a
capacidade de utilizá-lo como instrumento para adquirir outros. Todavia, nos últimos anos, com as reformas
do ensino no mundo e no Brasil, esta questão volta com muita ênfase, o que a nosso ver é muito positivo
— na medida em que abre caminho para uma melhor formação —, desde que não seja encarada como mais
um modismo neotecnicista. 69
Num trabalho sistematizado, o educando deve ter oportunidade de apropriar-se não só dos conceitos,
mas também do método. O conhecimento não é algo pronto e acabado, daí a importância de formarmos
produtores culturais, o que implica desenvolver procedimentos que levem também à crítica e à criatividade
(cf. Vasconcellos, 1999: 12). Temos visto, no entanto, defesas ardorosas de que o importante hoje não é tanto
dominar um conhecimento, mas aprender a aprender, portanto uma grande ênfase à habilidade; ora, não
temos dúvidas que aprender a aprender é decisivo num mundo em mudança vertiginosa, todavia,
entendemos que o sujeito aprende a aprender aprendendo conteúdos concretos

69 Já temos relatos de coordenadores pedagógicos ou diretores devolvendo o plano do professor porque ‘não dividiu direito
os conteúdos5.

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qual seja, não podemos menosprezar os conhecimentos sistematizados, visto serem o caminho para o
desenvolvimento de habilidades (e mesmo atitudes).

□ Proposta Geral Metodológica

Explicitação do caminho geral (como) que o professor pretende seguir no desenvolvimento da


disciplina/área.
Aqui o professor pode fazer uma apresentação dos princípios metodológicos que sustentam sua
prática, ou ainda indicar a metodologia que normalmente utiliza em sala de aula; não significa que seja a
única, mas corresponde um pouco ao ‘jeitão5 do professor dar suas aulas.
Pode também incluir uma Orientação de Estudo para os alunos em relação à sua disciplina, tendo em
vista o melhor aproveitamento.

□ Proposta de Avaliação

Apresentação do processo de avaliação a ser utilizado no decorrer do curso (como identificar


necessidades). Pode-se explicitar 0 quê, como, para quê avaliar. Definir bem as regras do jogo da avaliação
com os alunos, para evitar criar ansiedade e desconfiança na relação pedagógica. No caso de se trabalhar
com notas ou conceitos, é importante deixar claro como vai se chegar a eles.

Sobre a Avaliação

A avaliação, como sabemos, é um dos grandes desafios na prática pedagógica: de elemento de


referência do andamento do processo para a cooperação com o educando no seu desenvolvimento, tornou-se
elemento de controle e dominação. O professor, com dificuldade de mobilizar os alunos, passa a usar a nota
como instrumento de pressão. Desta forma, mantém-se a alienação da necessidade, pois o aluno não se
relaciona com o conhecimento enquanto tal, mas como meio de atingir um fim exterior à aprendizagem
(garantir sua nota...).
Há uma relação fundamental, porém rompida, entre avaliação e (re)planejamento. Deve ser
resgatada, pois é isto que dá o sentido transformador da avaliação (e não de mera verificação).
A avaliação que buscamos tem aquele caráter de acompanhamento do processo, que faz parte da
Realização Interativa. Quanto aos objetivos podemos dizer que a avaliação visa:

• Informar alunos, professores e comunidade em que direção o desenvolvimento do aluno e do processo


de ensino-aprendizagem está se realizando;
• Captar as necessidades a fim de serem trabalhadas e superadas, garantindo a aprendizagem e
desenvolvimento por parte de todos os alunos.
• Favorecer que, em especial, aluno e professor possam refletir conjuntamente sobre esta realidade e
selecionar as formas apropriadas de dar continuidade aos trabalhos.

Deve ter, portanto, por objetivo uma tomada de decisão. Freqüentemente a avaliação fica
incompleta, pois levantam-se os dados, faz-se a classificação e pára-se por aí, registrando nos diários de
classe e arquivos...
A avaliação precisa abranger os três aspectos básicos da tarefa educativa: trabalho com 0
conhecimento, relacionamento interpessoal e organização da coletividade. Muitas vezes, apenas o primeiro
aspecto é avaliado de forma mais sistemática e ainda assim apenas o aluno... Devemos ter bem claro, pois,
que a avaliação é do processo de ensino-aprendizagem, o que significa dizer que podem ser previstas práticas
de avaliação dos alunos (produção conceituai, habilidades e atitudes), do trabalho do professor, da dinâmica

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da sala de aula e também da instituição (condições de trabalho, relacionamento com a comunidade, etc.). E
fundamental a reflexão crítica do professor sobre seu trabalho; quem não se avalia e não se deixa avaliar, não
tem legitimidade para avaliar!
O professor pode recorrer ainda a várias estratégias para avaliação do ensino: assembléias de classe
periódicas (onde a pauta é analisar o conjunto do trabalho em sala); 'Recado para o Mestre5 (bilhete recolhido
no final da aula onde os alunos, sem se identificarem, podem expressar sua opinião sobre as aulas e a turma).
Um outro espaço importante de avaliação é a reunião pedagógica semanal, onde o professor pode inclusive
partilhar com os colegas suas práticas e dificuldades. Todas estas práticas estão pressupondo, no entanto, a
atenção do professor para os resultados das avaliações da aprendizagem dos alunos, entendendo estes
resultados também como reflexo do seu trabalho.
Em grandes linhas, a Avaliação do Processo de Ensino-Aprendizagem está para o Projeto Didático
assim como o Diagnóstico está para o Projeto Político- Pedagógico. 70

□ Fontes de Pesquisa

Relação de livros, textos, vídeos, CD s, sites da Internet, revistas, secções de jornais ou programas de
televisão correlatos aos assuntos a serem trabalhados, que serão utilizados ou que podem ser consultados. No
caso de livros, pode-se detalhar o que é didático, o que é paradidático, o que é leitura sugerida e ainda o que
é fundamento para o trabalho do professor.

Sobre o Livro Didático

O livro didático deve ser assumido como um recurso (e não curso) que o professor utiliza como
complemento de seu trabalho. Como vimos na 1ª Parte, não é isto que vem acontecendo. Os livros ou
materiais didáticos acabam exercendo grande influência na planificação. Chegou-se a um ponto em que
qualquer professor pode dar aula de qualquer matéria, não porque entenda de tudo mas, ao contrário, porque
não precisa entender de nada: basta seguir o livro didático (fala comum de professores: ‘Se não fosse esse
livro, eu estaria perdido’). Em certas escolas, entende-se que planejar é escolher o livro didático, e depois
segui-lo».. E lastimável, mas em muitas situações o professor não é sujeito de seu planejamento, à medida
que acaba se limitando ao livro, que por sua vez se impõe muito mais em função do forte esquema de
divulgação das editoras, do que por sua qualidade pedagógica ou proposta de educação. A sensação de certos
professores é de que, em verdade, ‘foram escolhidos’ pelo livro, mais do que o escolheram» Em
determinados contextos, os livros são adotados sem critérios claros, em função de serem ‘atrativos’,
coloridos, ‘bonitinhos’, com ‘textos muito fáceis’, sem contar as vezes em que se adere ao novo pelo novo,
ao modismo,
Há uma cobrança equivocada por parte de país — especialmente de escolas particulares — no
sentido de que o livro ‘seja esgotado’, que o professor ‘dê tudo’; chega haver até pressão para que o
professor sequer altere a seqüência dos capítulos. Isto é um absurdo, pois nega ao professor a liberdade de
cátedra, tão fundamental para um ensino de qualidade.
A partir da crítica mais radical ao livro didático — no Brasil, no final dos anos setenta —, alguns
professores foram para o outro extremo, abominando o uso de qualquer livro. Acontece que, amiúde, não se
adotava livro, todavia a escola também não tinha condições de favorecer a elaboração, pelo próprio grupo de
professores, de outro material de apoio. O resultado eram as famosas folhas soltas dos alunos — que se
perdiam em pouco tempo — ou as ‘apostilas tipo colcha de retalhos’ de vários livros didáticos. E certo que
estas apostilas tinham o mérito de pelo menos serem uma organização dada pelo professor a partir da
pesquisa em vários materiais, mas há de se convir que não é a solução ideal. Portanto, se a escola quer

70 Para um aprofundamento da questão da avaliação ver: C.S. Vasconcellos, Avaliação: Concepção Dialética-Libertadora do
Processo de Avaliação Escolar, C.S. Vasconcellos, Superação da Lógica Classificatória e Excludente da Avaliação; C.S.
Vasconcellos, Avaliação da Aprendizagem: Práticas de Mudança.

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trabalhar sem livros didáticos industriais, deve ter condições mínimas — tempo de pesquisa, pessoal para
digitação, gráfica, etc. - para confecção do próprio material.
Nas escolas onde se adotam apostilas padronizadas de grandes redes de ensino, a tendência é a
inserção ainda maior do professor na alienação do trabalho pedagógico, já que há toda uma programação
seqüencial do uso das mesmas, ficando ainda mais difícil para o professor o ‘jogo de cintura’.
Há que se considerar ainda que, depois de quase duas décadas de crítica, já existem hoje no mercado
alguns livros com melhor qualidade.
No caso de se utilizar o livro texto, este deverá passar por uma crítica da escola e dos alunos (análise
de questões de gênero, etnia, classe social, multiculturalismo, culturas locais, etc.), procurando desmistificar
seu caráter de verdade acabada. O professor que se limita à utilização do livro texto no seu conjunto
(seqüência, conteúdo, exercícios) deveria ser substituído por uma máquina de ensinar, que seria mais
eficiente... Ao contrário, deverá procurar fazer o percurso de significação do conteúdo a ser trabalhado, e não
simplesmente reproduzir o que está no livro didático; procurará recuperar as relações, o histórico, o vínculo
com a realidade, portanto as relações de constituição do objeto e deste com a realidade do educando.

Questões para auto-avaliação do professor:

‘Será que tenho convicção de que estou trabalhando algo importante para meus alunos,
ou considero a matéria que ensino chata ou de pouca importância para a vida deles?
Tenho me preparado para as aulas ou vou apenas pelas experiências dos anos anteriores?
Tenho procurado conhecer a turma para saber suas reais necessidades? Tenho procurado
formas adequadas de trabalhar o conteúdo? Que tipo de relacionamento, em termos
predominantes, tenho tido com os alunos? Tenho transferido a responsabilidade para os
outros?’.

□ Integração com outras Disciplinas

Explicitação do trabalho interdisciplinar previsto. Aqui também podem ser colocadas as propostas de
trabalho com os temas transversais. Pode-se registrar desde simples ‘ganchos' para possíveis integrações, até
pequenos projetos já definidos.

□ Integração com Atividades Extraclasse

Indicação da forma de integração da disciplina/área com atividades extraclasse previstas pela escola
(ex.: Mostra Cultural, Feira de Ciências, Olimpíada, Comemorações, etc.).

□ Normas Estabelecidas

Registro do contrato pedagógico, das normas de convivência em sala de aula que foram estabelecidas
com a classe. Lembrar que as normas devem ser elaboradas visando as necessidades do trabalho pedagógico
em todas as suas dimensões, E recomendável que não se tenha 'pressa’ na sua construção, nem que sejam
feitas ‘só para entregar para a coordenação’.

□ Observações

Espaço para registros do professor sobre o desenvolvimento do processo na sua globalidade. O


trabalho de ensino-aprendizagem é muito complexo e dinâmico; recorrer ao registro escrito é uma forma de
fazer memória e possibilitar o aperfeiçoamento do projeto.

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1.2 .Detalhamento Periódico

Como foi apontado logo atrás, o projeto pode ser feito no seu conjunto, enquanto linha geral, e
depois a proposta de trabalho pode ser melhor definida através do detalhamento periódico (mensal ou
bimestral).

Dimensão Elementos
Análise da Realidade □ Análise da Realidade do Período

Projeção de Finalidades □ Objetivos Específicos

Formas de Mediação □ Proposta de Conteúdos para o


Período
□ Metodologia
R Periódico do Projeto de Ensino—
— Quadro: Dimensões e Elementos do Detalhamento

□ Análise da Realidade do Período

Balanço dos de elementos relevantes da realidade observados no período, tendo em vista a


continuidade do processo. Aqui o professor pode ir registrando suas reflexões a partir da avaliação do
processo, identificando também as necessidades do grupo.

□ Objetivos Específicos

Explicitação dos objetivos para aquele período de trabalho. Os objetivos serão estabelecidos tendo
como referência as necessidades localizadas e a proposta geral do curso. Pode caber aqui também a
colocação dos objetivos nas três dimensões correlatas aos três tipos de conteúdos (conhecimentos,
habilidades, atitudes), de acordo com as necessidades apontadas.

Sobre os Objetivos Específicos

A apresentação dos objetivos específicos é o momento de tornar mais conscientes e aperfeiçoar as


finalidades que estavam presentes, mas não tão claras, desde o princípio da elaboração do projeto. Aqui se
revela a diferença entre o professor formalista e o educador crítico: o primeiro, ‘pega’ o conteúdo do projeto
anterior ou do livro didático, e 'inventa’ os objetivos correlatos; o segundo, seleciona o conteúdo de acordo
com necessidades, preocupações, objetivos, ainda que não conscientes de início.
Como analisamos, expressar o objetivo tem como função, sobretudo, possibilitar a re-significação da
prática. Portanto, comportamentos mecânicos, estereotipados devem ser superados. E comum, por exemplo,
no ensino da Matemática o professor colocar para um conteúdo qualquer o objetivo de 'desenvolver o
raciocínio’. Cabe indagar: o que exatamente está querendo dizer com isto? Até que ponto esta não é uma
'saída pela tangente’? Se é para desenvolver raciocínio genericamente, poderíamos usar jogos, videogame
que é muito mais gostoso; por que sofrer com Equação do 2- grau, Limites e Matrizes? E claro o ensino da
Matemática desenvolve o raciocínio, mas por quê? Que tipo exatamente de raciocínio desenvolve a
aprendizagem de Fração? Isto é que precisamos saber, para poder passar este sentido para o aluno.
Evidentemente, deve-se procurar a maior precisão possível na explicitação de onde se quer chegar;
no entanto, as finalidades vão ficando mais claras com o desenvolvimento da caminhada, no confronto com a

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realidade, sendo necessária, então, sua reformulação. Dessa forma, compreendemos que a elaboração das
finalidades é um processo dinâmico, exigindo muita atenção ao desenrolar histórico.
Assim, podem existir objetivos implícitos que só se tornarão conscientes frente a dificuldades
encontradas no percurso. Podemos citar o exemplo de uma professora de 3â série: ao perceber que seus
alunos não estavam aprendendo a contento, sentiu necessidade de mudar os objetivos e alterar o ritmo de
trabalho. Ficou incomodada com o fato de diferenciar a proposta em relação a sua colega; só então se deu
conta que tinha um objetivo, implícito até então, de caminhar junto com a outra 3â série.

□ Proposta de Conteúdos para o Período

E a proposição de conteúdos a serem trabalhados no período, tendo em vista a caminhada do grupo


até então. Pode-se prever o número de aulas para cada unidade temática.

□ Metodologia

Explicitação das estratégias previstas para trabalhar aquela unidade ou conteúdo. Este registro é
importante para não se perder idéias que o professor tem ao elaborar o projeto. No detalhamento da aula é
que as estratégias serão efetivamente definidas.

Sobre a Metodologia

A Metodologia" refere-se à condução do processo didático, às experiências de ensino-aprendizagem,


a como será trabalhado cada item do programa. O aspecto metodológico é muito importante, pois é a criação
das condições adequadas para o trabalho educativo, superando a improvisação empírica.
De acordo com a teoria do conhecimento que fundamenta o trabalho do professor, alguns elementos
metodológicos podem constituir uma espécie de roteiro de aula. Assim, por exemplo, consideremos que
nossa referência seja a concepção dialética de conhecimento; poderíamos destacar a Problematização como
um elemento nuclear na metodologia de trabalho em sala de aula, já que, se forem adequadamente captadas,
as perguntas poderão provocar e direcionar, de forma significativa e participativa, o processo de construção
do conhecimento por parte do aluno, sendo também um elemento mobilizador para esta construção. Neste
sentido, ao preparar a aula, o professor já poderia destacar possíveis perguntas ou problemas
desencadeadores da reflexão dos alunos. Uma tarefa importante que se colocaria para o professor, portanto,
seria extrair do conteúdo a ser trabalhado suas perguntas básicas, geradoras, qual seja, resgatar as situações-
problema que deram origem ao conceito: ‘Quais os problemas que estavam colocados?7, ‘Quais as perguntas
que estão por detrás destes conteúdos?’. Isto deve fazer parte do plano (cf. Vasconcellos, 1999: 87).
O questionamento que deve acompanhar o professor na elaboração da proposta metodológica é o
seguinte: “O que é preciso fazer para que estes alunos aprendam efetivamente este conteúdo? Com esta ação
que estou tendo, que ação estou propiciando ao aluno (tipo/grau de atividade e de significação)?’,

□ Recursos Didáticos

Recursos são os meios materiais 71 que utilizamos para orientar a aprendizagem dos alunos, que vão
construir o conhecimento a partir do contato, da interação com a realidade. Aponta-se aqui a relação dos
meios materiais para orientar a aprendizagem dos alunos (com quê), que poderão ser utilizados para o
desenvolvimento do trabalho. Vale a mesma observação anterior quanto à definição e detalhamento.

Sobre os Recursos

71 Embora, em certos casos, possam ser também logísticos ou humanos.

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O aluno não aprende só na escola; todavia, ao contrário da aprendizagem informal, na escola as


atividades são programadas, planejadas, intencionais. O professor, de forma proposital, dispõe certas
condições da realidade para que o aluno interaja e construa seu conhecimento. Ocorre que poucas são as
oportunidades na escola do educando se confrontar com o objeto mesmo, de maneira direta. Reiteradamente,
o objeto de conhecimento é apresentado ao aluno através de alguma mediação. A mediação da realidade a ser
conhecida pode ser “objetai, ilustrada, verbal e simbólica” (Petrovski, 1979: 232); exemplo: o livro didático,
um filme, a exposição do professor, uma foto, um documento, uma gravação, um texto, um modelo, um
vídeo, etc. As mediações que 'trazem5 o objeto para o aluno podem ser de diferentes qualidades, no sentido
do grau de apreensão das relações que compõem/constituem o objeto.
Se o professor leva para a sala de aula uma mediação fraca, mistificada, que não revela bem a
estrutura do real, fica mais difícil para o aluno chegar ao concreto. O professor tem, pois, uma tarefa muito
importante: selecionar e organizar a mediação da realidade com a qual o aluno vai ter contato.

2-PLANO DE AULA

É a proposta de trabalho do professor para uma determinada aula ou conjunto de aulas (por isto
chamado também de Plano de Unidade). Corresponde ao nível de maior detalhamento e objetividade do
processo de planejamento didático. E a orientação para o que fazer cotidiano. Muitos professores consideram
que ‘este é o planejamento que importa mesmo5, o que não deixa de revelar uma dose de bom senso. Apenas
lembramos que o plano poderá ter muito mais consistência e organicidade se estiver articulado ao Projeto de
Curso e ao Projeto Político-Pedagógico da Escola. Por outro lado, a elaboração do Projeto de Curso não
elimina o preparo de cada aula, pelo contrário, o pressupõe como complemento de realização.
Em princípio, a aula pode ser encaminhada de inúmeras maneiras. Planejar significa antever uma
forma possível e desejável. Se não há planejamento, corre- se o risco de se desperdiçarem oportunidades
muito interessantes. Não dá para dar aula improvisando, em off e se não ficar boa, ‘regravar’ (como nos
programas de televisão). Não planejar pode implicar perder possibilidades de melhores caminhos, perder
pontos de entrada significativos.
Devemos destacar a necessidade de uma visão geral em relação ao que vai ser trabalhado na aula: se
uma parte não está bem planejada, corre-se o risco de se ocupar muito tempo com outra, até como estratégia
inconsciente do professor, mas prejudicando naturalmente os alunos.
Da mesma forma que os outros projetos, o Plano de Aula deve ser feito, antes de mais nada, como
uma necessidade do professor e não por exigência formal da coordenação ou direção.

Dimensão Elementos
Análise da Realidade □ Assunto
□ Necessidade

Projeção de Finalidades □ Objetivo

Formas de Mediação □ Metodologia


□ Tempo
□ Recursos
□ Avaliação
□ Tarefa
□ Observações

— Quadro: Dimensões e Elementos do Plano de Aula—

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Uma única aula (ou conjunto de aulas) pode ter este conjunto de elementos repetidos diversas vezes,
de acordo com a estimativa de tempo disponível.
□ Assunto

Indicação da temática a ser trabalhada em sala de aula.

□ Necessidade

Explicitação das necessidades percebidas no grupo e que justificam a proposta de ensino. Numa
primeira elaboração, o professor pode entender que o Objetivo já ‘incorpora5 a necessidade; no entanto, o
esforço para sua elucidação é salutar em nome da clareza que se vai ganhando (aproximações sucessivas).

□ Objetivo

Trata-se aqui da explicitação do Objetivo Específico do ensino daquele assunto. Tem a ver com o
sentido do ensino deste determinado conteúdo, para este grupo, neste momento (o que eu quero mesmo com
este trabalho?).

□ Conteúdo

Explicitação do conteúdo a ser trabalhado. Pode ser mais ou menos detalhado, de acordo com o
conhecimento do professor: quando o assunto é muito conhecido e já trabalhou várias vezes sobre ele, basta
uma referência para a memória. Quando o assunto está em pesquisa, em processo de elaboração, quando a
síntese não está suficientemente construída, é importante que o conteúdo seja mais detalhado (até como uma
forma de ajudar a configurar esta síntese).

□ Metodologia

Explicitação dos procedimentos de ensino, técnicas, estratégias, a serem utilizadas no


desenvolvimento deste assunto; é o caminho concreto a ser trilhado. Pode indicar tanto as atividades
previstas para o professor, quanto as esperadas dos alunos.
Deve-se considerar a especificidade do objeto de conhecimento em questão; dependendo do objeto,
pode-se demandar um tipo de ação, que seja mais apropriada para o estabelecimento de relações entre o
sujeito e ele. Os tipos de atividades que podem ser desenvolvidas dependem, por exemplo, se a aula é de
Física, Português, Matemática ou História; mesmo na própria disciplina, em função do tema específico, pode
caber melhor uma ou outra atividade (uma ida ao laboratório, uma pesquisa teórica, um debate, uma
observação direta da realidade, a projeção de um filme, etc.).

□ Tempo

Previsão do tempo a ser empregado com este assunto (quando — no sentido de duração; em relação
ao sentido de ordem, já se manifestou antes pela seqüenciação dos conteúdos). E claro que trata-se sempre de
uma estimativa, mas é importante para a viabilização da proposta. A previsão do tempo revela também a
prioridade dada a cada parte.

□ Recursos

Cabe aqui a indicação dos recursos que serão utilizados. E importante não desperdiçar oportunidades

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de inclusão de recursos. Se professor não planeja e só se lembra quando a aula está em andamento, não dará
para aproveitar mais a idéia, pois não preparou o material (ex.: texto, recurso audiovisual, material ou
condição para aplicação de uma técnica, etc.).

□ Avaliação

Explicitação de como este trabalho estará sendo avaliado (que necessidades — como vai indo): que
estratégias o professor pode estar utilizando em sala para acompanhar o processo de desenvolvimento e de
construção do conhecimento do aluno. Aqui explicita-se mais uma ligação entre forma de trabalho e de
avaliação: se a metodologia em sala é passiva, naturalmente fica mais difícil avaliar, já que aluno não está se
expressando...
A partir da avaliação feita tem-se elementos para replanejar o trabalho. Se houver a participação dos
alunos neste processo, todos podem ser tornar designers, analisando a situação, estabelecendo objetivos e
propostas de ação (cf. Moreira, 1995: 17).

□ Tarefa

Indicação das atividades que serão propostas para serem feitas fora da sala de aula. Deve estar
relacionada aos objetivos trabalhados ou aos que serão trabalhados logo na seqüência. Numa perspectiva
interacionista, a tarefa tem como funções básicas:

• O aprofundamento e síntese do que está sendo visto em classe;


• Ajudar o aluno a ter representações mentais prévias disponíveis correlatas ao assunto a ser tratado nas
aulas seguintes.

Desta forma, através da tarefa, o aluno planeja sua participação na aula.

□ Observações

Registro do professor sobre o andamento cotidiano do trabalho: o que fez, como fez, o
que estava prevista e deixou de fazer, comportamento de aluno ou da classe que chamou
atenção, etc. Pode anotar aqui sua reflexão e avaliação sobre a caminhada, tomando o
projeto um instrumento de pesquisa sobre sua prática: o que deu certo, o que não deu, as
dúvidas e certezas que surgiram, suas hipóteses. E preciso resgatar este hábito de escrever
sobre a prática (Diário de Bordo), tendo em vista a possibilidade de uma reflexão mais
sistemática.

3- TRABALHO DE PROJETO

Existem várias formas de se compreender e realizar o trabalho de projeto. Na sua forma mais radical,
é construído pelos alunos, com a supervisão do professor: “Usa as matérias, mas não consiste em matérias,
ou disciplinas feitas e acabadas” (Kilpatrick, 1974: 85). O plano de trabalho, portanto, é feito pelos próprios
alunos, a partir do roteiro geral apresentado pelo professor: ‘O plano será resultado de um esforço de
cooperação e não algo imposto” (Dewey, 1979: 71). Este é o núcleo da pedagogia de projeto: a elaboração e
realização por parte do aluno do seu projeto. O grande ganho aqui em termos de aprendizagem está
justamente no fato do projeto nascer da participação ativa dos alunos, o que implicará em alto grau de

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mobilização, aumentando em muito a probabilidade de uma aprendizagem significativa: “o prazer da


pesquisa e da responsabilidade de escolha é necessário, se se quiser obter melhor resultado no ensino”
(Kilpatrick, 1974: 86). Além disto, há um ganho em termos de a construção da autonomia (decorrente do
processo de tomada de decisão) e da solidariedade (em função do trabalho ser grupal). Este também é um
caminho propício para a prática interdisciplinar, uma vez que é o problema localizado na realidade (na sua
complexidade) que passa a ser o guia do trabalho, e não uma estrutura de conhecimento disciplinar
previamente definida.
E claro que este tipo de trabalho traz consigo uma série de exigências, que inclui desde o grau de
liberdade curricular (ex.: não ter marcação rígida de tempo), a disposição de materiais para pesquisa, até a
formação do professor, ou mesmo o descondicionamento do aluno (quando de séries mais adiantadas), por
estar acostumado a receber tudo pronto e se sentir desorientado diante na nova proposta. Traz também alguns
riscos: gerar insegurança no professor (por não ter tudo predefinido e por poderem emergir conteúdos que
não domina), não se conseguir fazer a ligação entre as necessidades e interesses dos alunos e a experiência
acumulada pela humanidade, privar o aluno de uma sistematização do conhecimento. Se não se revê, por
exemplo, a forma de organizar os espaços e os tempos na escola, pode ocorrer do aluno simplesmente sugerir
um assunto e este ser absorvido pela estrutura tradicional, tomando-se uma farsa, já que a relação entre o
professor e os alunos continuará se dando “através da grade (curricular)” (cf. Arroyo, 1999),
Por uma questão de coerência e autenticidade, é preciso que se defina bem a metodologia a ser
utilizada para não se produzir equívocos didáticos: deve ficar claro o tipo de projeto a ser desenvolvido, qual
seja, se nascerá de fato dos alunos, se o professor já vai levar estruturado, ou se será fruto de uma
negociação.
Existem alguns ‘projetos5 (algumas vezes chamados de ‘permanentes’) que já estão implantados na
escola, fazendo, portanto, parte de sua programação (ex.: projeto sobre o Rio Tietê, nas 6- séries). Não
questionamos o valor de tal prática, mas apontamos a necessidade de clareza quanto à sua especificidade: a
rigor, não é um projeto, visto que já está definido, não nasceu naquele momento, com aqueles alunos
(embora possa ter nascido de colegas de anos anteriores); tornou-se um conteúdo ou uma atividade já
incorporada ao currículo escolar. Esta prática pode ser utilizada até mesmo como estratégia de reformulação
curricular: a escola passa por um período de maior plasticidade, de busca de novas temáticas e formas de
organização dos conteúdos; mais tarde, uma vez vivenciadas e analisadas, estas novas formas passam a fazer
parte do currículo. Mais algum tempo e investe-se novamente na inovação, que é seguida por nova
estruturação e assim por diante.

□ Tema-Problema

O problema ou a temática a ser Investigada pode ser sugerido pelos alunos ou pelo professor. Nesta
indicação podem estar influenciando um estudo que está sendo feito e que traz alguma indagação, algum fato
que está se colocando na comunidade local ou na mídia, alguma situação vivida pelo aluno que é socializada
e desperta interesse, pesquisa feita na realidade, alguma necessidade pedagógica advinda do período anterior
(ex.: desenvolveu-se bastante a produção de texto, mas pouco se trabalhou com operações matemáticas), etc.
Não se deve descartar, pois, a contribuição do professor, já que “é Impossível compreender porque a
sugestão de alguém com maior experiência e mais larga visão (o mestre) não seja, pelo, tão válida quanto a
sugestão provinda de fonte mais ou menos acidental” (Dewey, 1979: 71). O importante é que a definição
possa se pautar por dois critérios básicos: grau de relevância do problema (em termos de potencial de
aprendizagem e desenvolvimento) e nível de significação para os alunos (vinculação com necessidades e
representações prévias). Uma vez identificado o problema central, podem ser elencados outros correlates. 72

□ Objetivos

72 Às vezes, o caminho é ao contrário: a partir da reflexão sobre o tema vão surgindo questões, até se ganhar clareza de
qual é, com efeito, o problema desencadeador.

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Seria, naturalmente, um lamentável equívoco considerar-se que o trabalho com projeto não tem
objetivos. O que acontece é que os objetivos do trabalho não estão dados previamente (não há uma
precedência temporal): vão se constituindo e explicitando a partir da escolha do tema-problema, evoluindo
na programação que o grupo faz. O professor, como parceiro mais experiente, tem condições de fazer
articulações do tema escolhido com outros temas já estudados ou a serem estudados, com outros dados da
realidade, etc.

□ Conteúdos

Cabe observar que o conteúdo do trabalho não é definido de antemão, mas vai ser construído pela
pesquisa e teorização, ganhando forma na produção de registros.
Quanto à preocupação de não se trabalhar ‘certos conteúdos’, o que a prática tem demonstrado é o
seguinte: se bem conduzido, não só são tratados conteúdos previstos para aquela faixa etária, como outros
são Introduzidos, por conta do interesse dos alunos no enfrentamento do problema.
Deve-se evitar ‘forçar a barra’ em termos de integração curricular: relações muito artificiais, só para
dizer que aquele componente curricular foi Incluído, tratou do tema.

□ Metodologia

A metodologia de trabalho aqui é a própria metodologia que caracteriza o trabalho com projeto. Ela é
apresentada aos alunos, que logo devem se apropriar, aprendendo pelo fazer, qual seja, já programando e
seguindo os passos estabelecidos. Deve ficar claro, mais uma vez, que não há um ‘modelo universal’.
Possível roteiro:

• Constituição dos Grupos de Trabalho: embora o projeto possa ser individual, quando em grupo propicia
o máximo aproveitamento pela oportunidade de interação mais próxima com o outro, Uma das formas
de se constituir o grupo pode ser por inscrição espontânea nos temas ou subtemas do projeto.
• Planejamento do Trabalho pelo Grupo: esta é uma etapa fundamental e que, de certa forma, dá a
especificidade deste tipo de trabalho, qual seja, o próprio grupo vai assumir o planejamento do
trabalho a ser desenvolvido. Isto vai implicar desde a definição do problema a ser estudado,
explicitação de finalidades, levantamento de hipóteses, previsão de tempo, recursos, formas de coleta,
registro e tratamento dos dados, distribuição das tarefas no grupo, até a montagem de um roteiro de
atividades.
• Trabalho de Campo: é o momento em que o grupo parte para a ação a fim de ter contato com a
realidade, com o problema. Normalmente os projetos privilegiam também atividades outras que não só
as intelectuais, como forma de desenvolver novas habilidades nos alunos.
• Pesquisa e Teorização: este é, digamos assim, o núcleo do trabalho de projeto; trata-se do investimento
do grupo no levantamento de hipóteses explicativas e de busca de fundamentação para confirmar ou
refutá-las.
• Produção de Registros: o registro também tem um destaque nesta metodologia de trabalho, visto que
não se parte de um livro didático, onde o conhecimento já tem uma base de organização. Caberá o
registro do trabalho no grupo com vistas à apresentação.
• Apresentação: a apresentação do ‘produto5 final tem importante papel na sistematização preliminar do
conhecimento, bem como elemento de motivação para o grupo. As formas podem ser as mais variadas,
de acordo com a opção do grupo (relatório, dramatização, esquema, desenho, etc.). Quanto mais a

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culminância do trabalho de grupo estiver ligada a uma realização efetiva (ex.: construção de um jardim
ou horta na escola; campanha de limpeza do córrego da vila; montagem da rádio-escola; construção de
material didático de apoio para séries anteriores, etc.), mais se estará ajudando a romper a histórica
prioridade no verbal e no discurso, bem como a tão famigerada separação entre a escola e a prática
social.
• Globalização: busca de uma síntese geral sobre o tema-problema trabalhado. Este momento é da maior
importância tendo em vista ajudar os alunos a generalizarem o conhecimento adquirido através do
projeto, que sem isto poderia ficar muito restrito, particularizado, preso à singularidade da experiência,
dificultando a transferência para outros contextos, não se abrindo à renovação e expansão. De qualquer
forma, a sistematização só vem depois que o educando teve a experiência do objeto.

□ Avaliação

A avaliação aqui também vai se dar em patamares distintos e complementares, a saber: reflexão
sobre o trabalho no interior do grupo (visando reorientá-lo), análise crítica das apresentações dos grupos
(visando localizar avanços e lacunas a serem retomadas na síntese) e avaliação geral do trabalho de projeto
(visando tomada de consciência por parte de todos e definição de elementos para continuidade do trabalho).
Existem, por exemplo, certos projetos que não ‘decolam5; caberá uma análise e redirecionamento do trabalho.

□ Recursos

A disponibilidade de recursos para a pesquisa ganha aqui uma enorme importância, visto que não há
um conteúdo previamente definido. Para enfrentar a complexidade do real, os alunos deverão exercer a
investigação e para isto necessitam de condições, Assim, a biblioteca (ou midiateca) passa a ser um lugar
privilegiado de atividades dos educandos e do professor. Deve-se ter em conta também os recursos da
comunidade e dos próprios alunos.

□ Registro

Além do registro do trabalho de grupo, deve haver o de globalização do tema, que pode ser feito
individualmente ou através de uma produção coletiva de texto.
O professor, da mesma forma que os alunos, precisa do registro para poder acompanhar o
desenvolvimento da turma, e ter elementos para ajudar na síntese do trabalho, bem como para ter clareza das
ênfases e dos vazios curriculares.
A análise dos registros pode ser um caminho interessante de retomada ou recapitulação dos assuntos
trabalhados.

CONCLUSÃO
Pelas reflexões precedentes, cremos ter ficado claro que não existe um caminho que
seja em si o melhor, o mais correto ou coisa do tipo. A grande questão é sempre a do
Méthodos de trabalho, qual seja, a articulação entre intencionalidade, realidade e mediação.
Desta forma, se tivermos clareza do que queremos com nosso trabalho na escola,
poderemos ter diferentes caminhos para lá chegar, de acordo com a realidade que partimos.

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Esta reflexão é importante para nos Vacinar’ diante do fascínio exacerbado que as
novas propostas podem trazer e da nossa tendência de colocar toda nossa esperança nisto,
desprezando, inclusive, a experiência do passado. Podemos ficar sendo disputados por
diferentes propostas metodológicas e nos perder neste âmbito relevante, sem dúvida, mas
restrito!
Assim, o trabalho de projeto é, com freqüência, apreciado — pelo menos
conceitualmente — pelo fato de apresentar algumas superações da distorção a que chegou
historicamente a pedagogia por temas (ou mesmo a pedagogia por objetivos). Mas, da
mesma maneira que pode sofrer distorções, virando uma caricatura de projeto, há, como
apontamos, a possibilidade de se fazer do trabalho com temas um caminho de construção
de conhecimento e de desenvolvimento dos alunos, desde que se supere também as
distorções e condicionamentos históricos a que nós professores fomos submetidos.

O altíssimo grau de complexidade da prática pedagógica em sala de aula tem algumas


implicações:

• Não é possível (nem desejável) prever tudo nos mínimos detalhes;


• A necessária competência do .professor (saber, saber fazer, saber ser) para lidar
com estas situações singulares;
• A necessidade de o professor estar ‘inteiro’ na relação pedagógica (práxis). Ao
fim e ao cabo, o que está em questão é a formação da consciência, do caráter e
da cidadania das novas gerações na perspectiva da emancipação humana; tendo
esta clareza, cabe-nos estar abertos e procurar — pessoal e coletivamente — os
melhores caminhos, historicamente situados.

IV
Questões do Processo de
Planejamento Didático
1- OBSERVAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE MUDANÇA DO PLANEJAMENTO

1.1. Dialética do Lógico-Histórico

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Visando superar certas posturas formais no processo de planejamento, gostaríamos


refletir sobre a dialeticidade que há entre a elaboração lógica e o desenvolvimento
histórico. A partir de uma visão metafísica, idealista, encontramos defensores da primazia
do lógico (formal, estático) sobre o histórico; ao contrário, numa visão materialista
mecanicista, há a primazia absoluta das 'condições objetivas sobre o lógico» Numa
perspectiva dialética, vislumbra-se o reconhecimento da primazia do histórico sobre o
lógico, mas não de forma mecanicista, nem cabal. Tentemos compreender essa dialética
no processo de planejamento, a partir de duas situações: etapas do planejamento e partes
do projeto.

a)Etapas do Planejamento

Analisando os manuais pedagógicos, como já dissemos, verificamos que, em se tratando de


planejamento, apontam aquelas três etapas: planejar, executar e avaliar. Analogamente, na prática de muitas
instituições, vemos também essas etapas serem propostas para o (re)planejamento: avaliação-planejamento-
desenvolvimento. Num certo sentido, essa orientação reflete a lógica da racionalidade humana e como tal
tem seu valor como instrumento teórico de apoio à ação. No entanto, quando se faz uma separação multo
formal entre essas dimensões, introduz-se uma quebra de fertilidade na reflexão, em função da fragmentação
na abordagem da totalidade do real, de maneira que são seguidos os passos logicamente previstos, mas
perde-se a riqueza da reflexão mais viva.
Levando Isto em consideração, às vezes, é mais produtivo Iniciar a elaboração do planejamento a
partir daquilo que emergiu como perspectiva de ação (que é a síntese que no momento o sujeito está tendo,
expressão mais ou menos consciente de sua avaliação da realidade e de seus objetivos), do que ficar preso a
uma avaliação formal da prática. De maneira alguma Isto significa desprezar a avaliação, mas apenas
recolocá-la (ou explicitá-la) no momento historicamente mais adequado, no qual terá mais significado e
profundidade. Dessa forma, pode haver uma primeira produção (expressão concreta) da proposta de trabalho
aproveitando-se a síntese que o sujeito até então elaborou a partir de sua reflexão sobre a prática (que não
deixa de ser uma avaliação), mesmo que ela não tenha seguido formalmente a seqüência dos passos.
Num segundo momento, quando da avaliação mais sistematizada, essa primeira elaboração será
criticada e reelaborada se houver necessidade. Insistimos que não se trata de abolir a avaliação, como fazem
muitos professores — que na realidade se descomprometeram com uma prática transformadora —, mas ape-
nas não deixar uma postura formal quebrar a fertilidade da reflexão que desenvolvem os educadores que
estão empenhados na mudança da prática.

b) Partes do Projeto

Algo análogo pode ser observado em relação às partes do Projeto de Ensino- Aprendizagem
(necessidade, objetivo, conteúdo, metodologia, avaliação). Vamos nos deter especialmente na relação
objetivo-conteúdo. Há um consenso entre os educadores: para fazer uma educação crítica, que não seja mera
reprodução do que está aí, é necessário que os conteúdos sejam definidos a partir dos objetivos e não ao
contrário.
Entretanto, novamente temos que estar atentos para não esterilizarmos a reflexão em função de um
esquema muito formal de pensamento, ou seja, nem sempre a antecedência temporal do objetivo explícito é o
melhor caminho para a elaboração de um projeto numa linha libertadora. Dizendo de outra forma: pode
haver uma anterioridade lógica, mas que não corresponde necessariamente à ordem do tempo. Observamos
que, na prática dos educadores que estão comprometidos com seu trabalho, com freqüência, vêm à mente
propostas de conteúdos (ou de metodologia, ou ainda de formas de avaliação) para o seu curso, mesmo que
algum objetivo em relação a tal conteúdo não tenha sido explicitado. Precisamos compreender este fato, o

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que nos obriga a superar os esquemas formais de abordar a realidade. Podemos lembrar, por exemplo, da
diferença entre o método de investigação e de exposição: quando expomos, tudo aparece na seqüência,
articulado, etc.; no entanto, sabemos que até chegar lá fomos e voltamos inúmeras vezes (a ordem da
exposição não coincide necessariamente com a da investigação — cf. Marx, 1980b: 16). Assim, passamos a
entender o conteúdo como sendo a materialização das preocupações, das finalidades, dos objetivos do
educador, mesmo que esses objetivos não estejam ainda tão claros para o próprio sujeito, no momento da
emergência da síntese provisória, que é essa proposta de conteúdo.
Essa dinâmica, no entanto, não permite a dispensa do momento próprio da explicitação dos
objetivos, pois essa é uma exigência para um adequado planejar. Além disso, aquelas propostas surgidas
como síntese de preocupações precisam ser confrontadas com a explicitação dos objetivos que estavam
presentes, mas não tão conscientes, quando elas surgiram. A partir da sistematização dos objetivos, as
propostas de conteúdo podem ser reformuladas ou mesmo substituídas, se ficar claro que não correspondem
às necessidades do curso.
Mais uma vez gostaríamos de afirmar que não estamos de forma alguma colocando de lado a
importância dos objetivos. Pelo contrário, sabemos que a determinação de objetivos é certamente um dos
momentos mais importantes dentre os implicados no planejamento. Trata-se apenas de procurar resgatar uma
outra forma de manifestação desse objetivo quando incorporado à proposta de conteúdo, que emerge no
educador que está seriamente debruçado sobre a realidade, procurando transformá-la.

1.2 - A "Flexibilidade” em Questão

Praticamente todo livro que trata de planejamento, traz como critério orientador da sua elaboração a
flexibilidade. Entendemos que é preciso uma reflexão mais cuidadosa sobre Isto, porque, em nome do tal
critério, o que temos observado, não poucas vezes, é uma autêntica descaracterização do planejamento, já
que ‘qualquer coisa5 é colocada no projeto, pois não há o compromisso com sua realização, dado que é
‘flexível’.
Estamos aqui correndo o risco de duas tentações extremas: de um lado, o planejamento se tomar um
tirano da ação, ou, de outro, se tornar um simples registro, um jogo de palavras, desligado da prática efetiva
do professor.
Precisamos distinguir flexibilidade de frouxidão: é certo que o projeto não pode se tomar uma camisa
de força, obrigando o professor a realizá-lo mesmo que as circunstâncias tenham mudado radicalmente; mas
Isto também não pode significar que por qualquer coisa o professor estará desprezando o que foi planejado.
Partimos do seguinte princípio — que é ético e estratégico —: se vai para o projeto é para acontecer!
Esta exigência estamos nos colocando como forma de resgatar a credibilidade do processo de
planejamento, que como vimos na Ia Parte, está bastante arranhada. Com certeza, teremos propostas não
concretizadas; mas que isto fique por conta realmente de fatores difíceis de serem previstos ou ponderados.
Em outras palavras: devemos ter uma boa explicação para sua não realização. E precisamos nos cobrar
mutuamente neste sentido, para evitar qualquer tipo de acomodação.

1.3.Papel da Equipe de Coordenação/Direção

Um dos grandes problemas apontado pelos coordenadores e orientadores é a resistência dos


professores ao planejamento. Já procuramos analisar as causas disto. Por outro lado, os professores levantam
uma incoerência da equipe: ao mesmo tempo em que os cobra tanto, não se percebe idêntico empenho na
construção do Projeto Político-Pedagógico da escola, nem ainda na elaboração dos planos dos próprios
serviços (supervisão, orientação, direção). Somado a Isto, sentem que são denunciados em sua alienação,
mas não vêem semelhante denúncia da estrutura alienante da escola.73 No Início desta cobrança, o controle

73 Ex.: formalismo, falta de espaço para reuniões, falta de competência para enfrentar pressões equivocadas dos pais, falta
de condições para produzir o próprio material didático, etc.

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por parte da equipe era justificado como sendo para garantir o processo; com o passar do tempo, o processo
acaba ficando em função do controle. A título de ilustração podemos citar a exigência feita pela equipe para
que todas séries ‘andem juntas’ tendo em vista facilitar o acompanhamento...
A equipe de coordenação escolar tem por função articular todo o trabalho em tomo da proposta geral
da escola e não ser elemento de fiscalização, de controle formal e burocrático. Seria Interessante refletir
sobre a diferença entre acompanhar (que é uma necessidade) e fiscalizar (que é colocar-se fora e acima do
processo), A equipe deve funcionar como o coração, onde a riqueza não vem dele próprio, vem do sangue,
do pulmão, do fígado; a equipe ‘anima5 e media o processo.
A postura da equipe deve ser inicialmente a de aceitar a realidade como é; não entrar no discurso
moralizador (ficar acusando os professores de resistentes, relapsos, etc.). Da mesma maneira, não adianta
querer ‘convencer’ de todo jeito o professor (na verdade, Impor suas idéias). O processo de planejamento
pedagógico deve ser fruto de um consenso entre os professores; decididamente, não adianta ‘algum
Iluminado’ ter Idéias brilhantes, se o grupo não as partilhar, Estas ‘idéias brilhantes’ devem entrar como
argumento para o convencimento do grupo. E claro que não se trata de esperar a adesão de todo o grupo, mas
de uma maioria.
Os educadores têm diferentes formas de conceber e fazer o planejamento; estas devem ser colocadas
em comum e discutidas criticamente no coletivo dos educadores. Uma análise mais acurada releva, no
entanto, que alguns elementos costumam aparecer — até com diferentes denominações ou posições relativas
— em quase todas concepções, porque são essenciais: o quê vai ser trabalhado (conteúdo), como vai ser
trabalhado (metodologia), porquê (necessidade) e para quê vai ser trabalhado (objetivos) e como vai se saber
se os alunos estão assimilando ou não e o que fazer diante disto (avaliação). Ocorre que, para alguns
professores, a forma de trabalho, por exemplo, é tão familiar que não sentem necessidade de discutir com os
colegas ou colocar no papei Aí entra a mediação da equipe resgatando a dimensão coletiva do trabalho
educativo e a necessidade da explicitação para comunicação e Interação entre os pares e com o Projeto da
escola. A maneira de se fazer o projeto pode ser fruto de uma aprendizagem coletiva, através da troca de
experiências e de uma reflexão crítica e solidária sobre as diferentes práticas.
E preciso compreender onde é que o grupo está, quais suas necessidades. Ou seja, na busca de
mudança do processo de planejamento, o Ideal é a coordenação construir a proposta do roteiro de elaboração
do projeto junto com os professores; se não for ainda possível, pode propor, justificar, mostrar como aquele
roteiro pode ajudar o professor a fazer um bom trabalho, etc.. Se houver uma boa adesão, adota-se; se houver
resistências, busca-se as possíveis alterações. Pode ser que a escola tenha que passar por uma fase
‘anarquista5 para descondiciona- mento do tipo de planejamento tecnicista, formal que se praticou por tantos
anos, e para resgate da credibilidade ou significação do planejar. Se o grupo quiser realmente algo bastante
simplista, pode-se até adotar (“não resista ao mal”), desde que não se deixe de avaliar durante o processo
(continuidade- ruptura), de tal maneira que provavelmente para o ano seguinte, sentindo que o projeto é para
ajudar a prática, eles mesmos irão propor aperfeiçoamentos.
Alguns elementos a serem considerados no processo de construção dos projetos:

• Valorização da cultura do professor: resgatar um certo bom senso que existe em tomo da preocupação
com o conteúdo a ser ensinado;
• Localizar práticas novas já presentes na realidade dos professores e da escola, para o grupo perceber
que é viável, que funciona. Muitas vezes, estas práticas novas estão misturadas com práticas
equivocadas e o próprio professor não tem consciência da riqueza que tem em mãos;
• O compromisso da equipe com a alteração das condições objetivas de trabalho é fundamental para
resgate da credibilidade no planejar.

O que caracteriza a ação burocrática não é a atividade em si, mas o sentido e o poder de controle que
o sujeito tem sobre ela. Um professor pode estar fazendo o registro de sua prática porque está buscando

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compreendê-la melhor, está em busca de alternativas, enfim está extremamente envolvido com a atividade de
escrever. Um outro, pode estar fazendo a mesma atividade mas como uma exigência da coordenação — que
ele não entende o sentido...
Cabe à equipe discutir com o professor as condições de possibilidade do que está propondo. Mas,
amiúde, deixa-o colocar idéias bonitas e depois vai cobrá-lo: Por que não fez o que planejou?’, colocando-se
‘acima de qualquer suspeita’, como se nada tivesse com isto. Quando, ao contrário, o projeto é discutido
durante a elaboração, é retomado nas reuniões, avaliado, modificado, com certeza vai mostrando sua força de
Méthodos da práxis, resgatando seu sentido.
A equipe escolar pode ser um interlocutor privilegiado para o professor, discutindo sua prática,
sugerindo leituras para aprofundamento, acompanhando e articulando o trabalho, superando a marca
histórica de controle e burocracia.

2- ESPAÇO DE TRABALHO COLETIVO

Dentre as várias condições objetivas para o trabalho do educador, vamos destacar uma, por
considerarmos muito relevante neste momento histórico da escola brasileira e por consistir uma condição
básica para a concretização de uma prática transformadora. Trata-se do espaço freqüente de reunião
pedagógica.
Vivemos numa sociedade que desagrega o homem nas suas várias dimensões: trabalho,
relacionamento afetivo, consciência, religião, etc. Sabemos que a fragmentação da vida e do saber é uma das
estratégias da classe dominante para sua perpetuação.

Trabalhadores que não se comunicam horizontalmente, para a reflexão de sua prática


profissional, tendem a uma visão parcial, truncada, do processo de trabalho, perdendo a
possibilidade de controle sobre este processo. (Muramoto, 1991: 41)

A transformação educacional deverá partir de um processo de reagregação deste homem. Uma nova
estrutura de escola deve permitir o encontro, a reflexão, a ação sobre a realidade, numa práxis libertadora.
Enquanto não houver uma mudança mais radical na forma de organização da sociedade, não
podemos sair totalmente da alienação, mas podemos combatê-la, criar espaços de desalienação, onde as
pessoas possam tomar consciência e ter uma experiência de uma forma alternativa de relacionamento (ainda
que limitada). Os sujeitos vão sendo despertados para uma nova consciência pela convivência reflexiva, e
Isto permite a cada um assumir uma tarefa num nível cada vez mais profundo e crítico. Esta prática vai
minando a corrente da alienação e prepara um movimento maior de mudança.

A escola deve perder o medo burocrático de perder tempo. Parece que estudar é perder
tempo. Qualquer instituição que necessita se inovar, pára e pensa as possíveis mudanças.
Por que a escola não pode parar para pensar as inovações necessárias? 74

Ninguém agüenta lutar por um mundo novo sem viver um pouco este novo. “O conteúdo essencial
da esperança não é a esperança; é exatamente por sua recusa de ver tal esperança frustrada que este conteúdo
é o Estar-Ali não distanciado, o presente” 75. Temos que ter condições de desde logo ensaiar uma convivência
democrática, alicerçada na justiça e na participação. Temos de resgatar o valor do trabalho, já que a
dimensão do trabalho humano vai desde a realização pessoal até a realização do bem comum. Devemos nos
empenhar para conseguir este espaço revolucionário que é o encontro, a reunião, a possibilidade de reflexão
conjunta, pois desta forma há condições para ir se criando uma nova prática e um novo relacionamento.
Um dos fatores que desanima muito o professor, como foi apontado anteriormente, é justamente a
não continuidade do processo de planejamento: faz- se a semana de planejamento e depois vai cada um por

74 M. Menogolla, Revista Mundo Jovem.


75 E. Bloch, O Princípio Esperança, apud Freitag e Rouanet, Habermas, 1993: 56.

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si...
A prática cotidiana acaba impondo a necessidade de tomada de decisão imediata, sem tempo para
uma reflexão mais apurada, ou mesmo nos induzindo a ter práticas reiterativas, repetindo o que está dado. O
espaço de parada para refletir o trabalho é fundamental para nos darmos conta das eventuais contradições
entre estas atitudes tomadas e nossas opções mais radicais.
As reuniões pedagógicas semanais são espaços necessários e privilegiados para a reflexão crítica e
coletiva sobre a prática de sala de aula e da escola, bem como para o replanejamento. A partir dessa reflexão
surge a necessidade do estudo, que é feito, então, tendo um significado, na medida em que corresponde a um
problema colocado pela realidade. “A prática educativa quando refletida coletivamente é a melhor fonte de
ensinamento teórico e sobretudo de práticas mais comprometidas” (Arroyo, 1982: 106).
Neste espaço, é possível favorecer também a circulação do saber, da experiência acumulada pelos
elementos do grupo, que normalmente não são socializadas por falta de oportunidade. Além da partilha das
dificuldades encontradas no trabalho, tem grande relevância a colocação em comum de práticas de sucesso,
pois podem despertar para novas iniciativas e, em especial, mostrar que é possível mudar a prática. O
testemunho dos professores que já vivenciam esta dinâmica de reuniões é claro: ‘A partir do momento que
tivemos o horário coletivo semanal, foi possível desenvolver vários projetos’.
Quando as reuniões não são freqüentes (ex.: mensal ou bimestral), já sabemos o que acontece:
acumulam-se tantos problemas, tantas coisas para serem discutidas e resolvidas, que as pessoas acabam se
arrefecendo... As reuniões bimestrais podem ser mantidas, porém enquanto reunião geral de integração da
escola, a partir do trabalho de base em cada nível.
E preciso considerar que a reunião só tem sentido se os educadores e a escola estiverem em busca de
concretização de uma proposta, ou seja, se houver um compromisso com uma utopia, um projeto. A
estruturação das reuniões deve corresponder a um desejo, a uma necessidade do grupo. Caso contrário, será
algo meramente formal. O embate, portanto, vai em duas direções:

• Conquistar o espaço para reunião;


• Ocupar bem o espaço conquistado.

Se não for bem utilizado, em pouco tempo esvazia-se, torna-se mais uma rotina burocrática. Uma das
coisas que mata as reuniões pedagógicas semanais é o formalismo. A escola consegue o espaço, mas vai se
tomando maçante, muito descolado do cotidiano e das questões que estão a afligir os professores. Resolve-
se estudar Piaget: ficam reuniões intermináveis estudando, estudando, sem se fazer qualquer relação com a
prática. E certo que temos de estudar, mas por que não estudar, antes de mais nada, a própria prática? Por
que não tomar a nossa prática objeto de estudo? 76 Por outro lado, ter a prática como objeto não pode
significar um ‘feira’ de relatos de experiências, sem confronto das práticas entre si e com o referencial da
escola, sem sistematização. Fazer do trabalho coletivo um espaço de práxis não é, portanto, tarefa simples;
por isto deve haver parceria entre equipe e professores na sua construção.
Da análise das práticas escolares, há um elemento que se sobressai: a necessidade de uma liderança
pedagógica (normalmente o coordenador pedagógico ou supervisor), que atua como o intelectual orgânico
do grupo, qual seja, alguém que está atendo à realidade, localiza as necessidades e as coloca como desafio
para o coletivo, ajudando na tomada de consciência e na busca de formas de enfrentamento.
Uma outra exigência para qualificar o trabalho coletivo é o registro: o que foi estudado ou refletido,
que decisões foram tomadas, que questões ficaram para serem retomadas, qual a pauta prevista para a
próxima reunião, etc. Quando não há este registro, perde-se a história do grupo, ficando, com freqüência, a
sensação de que ‘se está sempre patinando’, ‘começando tudo do zero novamente’, o que, deveras, pode não
ser só uma impressão, mas um fato.
A instituição que não valoriza este espaço é porque, via de regra, não optou ainda efetivamente por

76 Ex.: depois de uma certa caminhada, onde o grupo já adquiriu confiança, os professores podem ter suas aulas assistidas
ou filmadas e discutidas no coletivo»

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um planejamento participativo. 77
Num certo sentido, podemos dizer que o trabalho coletivo é parte constituinte do método de trabalho
na perspectiva dialética-libertadora.

3- DESMISTIFICANDO O PLANEJAMENTO

Diante de uma dificuldade, o sujeito pode se sentir desafiado, se ela estiver um pouco além de suas
possibilidades; todavia, pode se desestimular, se estiver muito acima. Isto pode acontecer com os professores
diante do planejamento. Ao educador que eventualmente estiver muito angustiado com as reflexões
precedentes sobre planejamento, tendo em vista toda sua complexidade e exigência, podemos dizer o
seguinte: tenha coragem de pôr em suspensão tudo o que foi dito aqui; pense por você (exerça a autonomia
intelectual); pense em sua realidade; pense com seu grupo: quais são suas necessidades fundamentais? Como
o planejamento pode ajudar a enfrentá-las? Não adianta ficar Investindo na construção de ‘ferramentas
sofisticadas’ quando não se tem ‘matéria prima’ e ‘energia’... Onde se encontram? Na proposta pedagógica,
na relação professor-aluno, no compromisso, no desejo, na competência. E claro que o planejamento pode
ajudar até a apontar onde a ‘matéria prima5 e a ‘energia’ precisam ser melhoradas...

—Perspectiva; Aproximações Sucessivas

A observação do cotidiano escolar revela que é maior a Incidência da prática de planejamentos mais
estruturados nas séries mais adiantadas (quinta série em diante). Confrontando com o trabalho das séries
Iniciais, podemos levantar algumas hipóteses para entender tal fato nas séries maiores:

• Mudança na forma de organização das aulas (vários professores, horário determinado para aula, etc.);
fragmentação das disciplinas;
• Professor acaba assumindo muitas turmas para completar sua carga horária; assume aulas em outras
escolas, freqüentemente com propostas diferentes, diminuindo seu tempo de permanência na escola
para aprofundamento do projeto;
• Menor tempo de contato do professor com os alunos, em função do menor número de aulas;
• Exigência de mais trabalho por parte do professor para poder renovar sua prática;
• Falta de trabalho coletivo que favoreça a postura interdisciplinar entre os professores;
• Necessidade de abordagem dos objetos de conhecimento em maior grau de complexidade (para
favorecer o avanço das operações mentais superiores);
• Falta de material didático numa nova linha metodológica;
• Maior cobrança social em cima dos conteúdos clássicos (pressão dos concursos);
• Eventual resistência à mudança da prática pedagógica por parte dos próprios alunos (já condicionados
a uma prática passiva);
• Eventual fechamento do professor à renovação pedagógica, pelo fato de ter formação em curso
superior e considerar-se um ‘especialista5;
• Menor avanço da própria teoria pedagógica neste segmento.

Diante dos desafios da realidade educacional e da necessidade de planejamento, ponderamos o

77 Outras reflexões sobre as reuniões pedagógicas podem ser obtidas em C.S. Vasconcellos, Para Onde Vai o Professor?
Resgate do Professor como Sujeito de Transformação, p. 68-72.

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seguinte:

• Dê o passo que você — coletivo — pode dar. Á mudança de horizonte pode ser radical, qual seja, pode
mudar substancialmente já. No entanto, a mudança da prática, vem aos poucos, não porque assim
desejemos, mas por não conseguirmos mudar de uma vez. Numa fase de mudança é normal existirem
práticas novas mescladas com arcaicas. Ter clareza de que não se trata de ecletismo (‘colcha de
retalhos3): a questão é saber para onde se quer ir e manter a tensão superadora;
• Vá com calma (mas não muita...). As idéias se enraízam a partir da tentativa de colocá-las em prática.
Vai-se ganhando transparência à medida que se vai tentando mudar e refletindo sobre Isto, coletiva e
criticamente;
• Não se culpe, não se torture se não conseguir de Imediato explicitar um projeto mais elaborado. “O
plano, a nosso ver, é um detalhe Importante, mas é um detalhe” (Fusari, 1984: 34);
• Faça um projeto mais realista, 'pé no chão5, tendo em vista as efetivas condições objetivas que se tem
na escola; é uma forma de denúncia, de não compactuar com o planejamento de mentirinha só para
‘agradar’;
• Procure incorporar as três dimensões básicas do processo da ação humana consciente — Realidade,
Finalidade, Mediação — no seu planejamento mental.

Muita coisa, com o tempo, vai se tomar um hábito para o professor, de tal forma que não precisará
ficar pensando: ‘Tenho que partir da realidade dos alunos, tenho que ter clareza dos objetivos, etc.’ Ocorre
que na fase de mudança, esta tomada de consciência é Importante, até que se incorpore como um novo
hábito 78 (Vasconcellos, 1998c).
E preciso desmontar um certo mito criado em tomo do projeto de ensino que diz que nada pode ser
planejado enquanto não se conhecer a turma. Convenhamos: embora, como já apontamos, aquela classe seja
inédita (nunca houve outra igual), não é a primeira vez que o professor vai dar seu curso, aquela não é a
primeira turma a estudar aquela matéria, e assim por diante; o que queremos dizer é que o professor não
parte do nada: já conhece sua matéria, a escola, alunos daquela faixa etária, etc., o que pode perfeitamente
servir como ponto de partida para a elaboração de uma primeira proposta de curso. E claro que, após o
melhor conhecimento da realidade dos alunos, o projeto poderá ser devidamente concluído.
Um outro mito corrente é o de que o professor deve ser ‘criativo’ e assim ‘todo ano o projeto tem de
mudar, ser totalmente diferente’. Ora, fazer Isto é jogar fora toda experiência acumulada, toda cultura
pedagógica e educacional adquirida.79 Parafraseando Heráclito, podemos dizer que ‘nenhum professor dá
duas vezes a mesma aula'; Isto ocorre não tanto porque ele assim deseje, mas em função do movimento do
real Por outro lado, temos que levar em conta que há uma série muito grande de fatores que permanecem.
Entendemos que o que está em questão, o que realmente é preciso, é a abertura à mudanças, a atualização
constante do professor, de maneira que naturalmente Irá introduzindo Inovações no seu projeto, até como
resultado de aprendizagens que teve, em função da pesquisa e reflexão sobre a prática do curso, e
principalmente das necessidades que percebeu. Mas isto não significa ‘mudar tudo5. Portanto, precisamos
superar esta exigência formal de mudança pela mudança.

CONCLUSÃO
Do percurso feito até aqui podemos fazer algumas Inferências mais gerais.
Concretamente, gostaríamos de explicitar a relação existente entre as dimensões básicas do

78 O hábito é econômico, é uma espécie de automatismo, só que não biológico, mas cultural.
79 Pensar no caso da NASA: se a cada lançamento ela tivesse que ‘ser criativa’, começar do zero...

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planejamento [Elaboração (Realidade, Finalidade, Plano de Mediação) e Realização


Interativa] e as dimensões do sujeito (professor, aluno) que planeja (saber, saber fazer,
saber ser).

Representações Operações Afetividade

Realidade •Cognoscitiva •Capacidade de ler e •Desejo de mudança


interpretar a realidade (ponto de partida de todo
processo de planejamento)
•Necessidade
(falta que impulsiona a
procura)
Finalidade •Teleológica •Sensibilidade (em relação •Crença no futuro como
às demandas/ necessidades possibilidade
do real) (Imaginação •Desejo de atingir o objetivo
(busca do alvo)
Plano de •Projetivo-Mediadora •Imaginação •Capacidade •Crença em si; auto-estima
Mediação de elaborar hipóteses •Desejo de comprovação das
•Observação da realidade hipóteses levantadas
(em termos de recursos
disponíveis)
•Capacidade de decisão

Ação •Práxico-Pragmática
•Capacidade de articular •Emoção
•Diagnostica Reflexão-Ação (Teoria- (satisfação frus+ação)
Prática) decorrente do resultado
•Capacidade de Julgamento (confirma ou leva ao
•Habilidades específicas aperfeiçoamento da ação)
(de acordo com ações
desencadeadas)
— Quadro; Dimensões do Sujeito x Dimensões do Planejamento—

Deve ficar muito claro que não se tratam de dimensões estanques; pelo contrário, há
um amplo processo de interação tanto horizontal, quanto vertical.
O trabalho de reflexão que estamos fazendo no decorrer do livro está pautado mais
diretamente na dimensão do saber, procurando, todavia, a todo momento se articular com
o saber-fazer e saber-ser. Deve ficar claro, no entanto, que o saber-fazer pede, como fator
educativo fundamental, a tentativa de colocação em prática da perspectiva de projeto aqui
apresentada (sair da esfera meramente subjetiva), qual seja, o contato com novas Idéias
sobre o planejamento é algo multo limitado em termos de formação de uma nova
concepção do sujeito. Pela mediação simbólica chegamos até ao saber-método, que não
esgota absolutamente o saber-fazer. Podemos, pois, subsidiar, mas não desenvolver a
habilidade; para isto, exige-se a ação correlata, certamente acompanhada da devida reflexão
(práxis).
Concluindo e fazendo a passagem para a 4a Parte, entendemos que de nada adianta se
ocupar seriamente com o Projeto de Ensino, se o professor (e a escola) não se preocupar
também com algo fundamental:

1. O compromisso, a proposta pedagógica, a relação professor-aluno (este é o


núcleo essencial);

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2. Quando começar a se preocupar com o Projeto Didático, não deve esquecer o


da escola no seu conjunto — Projeto Político-Pedagógico —, pois ali é que
podem ser travadas lutas que vão dar condições para o melhor trabalho do
professor em sala de aula.

Ficar insistindo no Projeto de Ensino-Aprendizagem, sem cuidar destes aspectos


essenciais, pode ser um engodo!

Atividades de Síntese

1) O que é o Projeto Ensino-aprendizagem? Qual o papel deste projeto na escola? Em que ele se diferencia
do Projeto Político Pedagógico?
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2) O que significa o dogma “cumprir o programa” que encontramos na planejamento educacional? Como
podemos superá-lo?
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3) Quando da elaboração do projeto, o professor deve ter a lucidez de que os conteúdos a serem trabalhados
em sala de aula não devem ficar limitados aos conceitos, informações. Quais os tipos de conteúdos
existentes? Dê um exemplo de cada.
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4ª Parte

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Conceito e Metodologia de Elaboração

1-CONCEITUAÇÃO DE PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

O Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto Educativo) é o plano global da instituição 80. Pode ser
entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de Planejamento Participativo, que se
aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar.
E um instrumento teórico-metodológico para a intervenção e mudança da realidade. E um elemento de
organização e Integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação.

O Projeto Educativo é, claramente, um documento de planificação escolar que poderíamos


caracterizar do seguinte modo: de longo prazo quanto à sua duração; integral quanto à sua

80 Outras denominações (embora nem sempre com o mesmo sentido que aqui assumimos): proposta pedagógica, projeto
educacional, projeto de estabelecimento, plano diretor, projeto de escola.

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amplitude, na medida em que abarco todos os aspectos da realidade escolar; flexível e


aberto; democrático porque elaborado de forma participada e resultado de consensos.
(Diogo, 1998: 17)

Tem, portanto, este valor de articulação da prática, de memória do significado da ação, de elemento
de referência para a caminhada. O Projeto Político- Pedagógico envolve também uma construção coletiva de
conhecimento.
Construído participativamente, é uma tentativa, no âmbito da educação, de resgatar o sentido
humano, científico e libertador do planejamento.
Em relação a outras nomenclaturas correlatas, temos a dizer que preferimos Projeto Político-
Pedagógico a Proposta Pedagógica por entender que a primeira é mais abrangente, qual seja, contempla
desde as dimensões mais específicas da escola (comunitárias e administrativas, além da pedagógica), até as
mais gerais (políticas, culturais, econômicas, etc.). 81
— Partes do Projeto Político-Pedagógico

A seguir apresentamos, sinteticamente, a estrutura de Projeto Educativo da Equipe Latino-Americana


de Planejamento (ELAP) com sede no Chile, na vertente brasileira do Prof. Danilo Gandin.
O Projeto Político-Pedagógico é composto, basicamente, de três grandes partes, articuladas entre si:
Marco Referencial 82, Diagnóstico e Programação.

Marco Referencial Diagnóstico Programação


O que queremos alcançar? O que nos falta para ser o que O que faremos concretamente para
desejamos? suprir tal falta?
É a busca de um posicionamento É a busca das necessidades, a partir da É a proposta de ação. 0 que é
•Político: visão do ideal de sociedade análise da realidade e/ou do juízo necessário e possível para diminuir
e de homem; •Pedagógico; definição sobre a realidade da instituição a distância entre o que vem sendo a
sobre a ação educativa e sobre as (comparação com aquilo que instituição e o que deveria ser.
características que deve ter a desejamos que seja).
instituição que planeja.

— Quadro: Partes Constituintes do Projeto Político-Pedagógico—

Como se depreende do exposto, o Projeto Político-Pedagógico não é apenas o Marco Referencial.


Em multas escolas, nas primeiras elaborações, houve uma certa confusão neste sentido83. Tratava-se de uma
deformação Idealista que valorizava apenas as idéias, os postulados filosóficos da escola, as boas Intenções,
mas não se comprometia com a efetiva alteração da realidade. Portanto, o Projeto não deve ficar só no nível
filosófico de uma espécie de Ideário (ainda que contemplando princípios pedagógicos), e nem no nível
sociológico de constatações de um diagnóstico. Nesta medida, também é uma forma de enfrentar a descrença
e resgatar nos educadores o valor do planejamento, tendo em vista a carga pragmática decorrente da sua
própria constituição, qual seja, só se conclui enquanto elaboração quando chega a propor ações concretas na
escola.
O quadro a seguir situa o Projeto Político-Pedagógico no conjunto do processo de planejamento.

81 Embora familiarizado com a denominação Projeto Educativo desde 1982, quando participei da elaboração do Projeto
Educativo do Instituto de Ensino Imaculada Conceição, optei pelo uso de Projeto Político-Pedagógico tendo em vista seu uso mais
corrente na nossa literatura (cf. Severino, Freire, Gadotti, Pimenta, Veiga, Rios, Pinto, Marques, Gandin, Rossa, etc.) e na prática
das instituições de ensino brasileiras.
82 Que por sua vez é constituído dos marcos Situacional, Filosófico (ou Doutrinai) e Operativo, como veremos com
detalhes no próximo capítulo.
83 Sobretudo em função da cobrança da tal ‘proposta pedagógica5 por parte da nova LDB.

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Processo Elaboração
Elaboração Projeto Político-Pedagógico:
• Marco Referencial
• Diagnóstico
• Programação

Realização Interativa □ Ação.

Avaliação de Conjunto □ Indicadores de Mudança para o


Projeto

— Quadro: Localização do Projeto Político-Pedagógico no Processo de Planejamento—

Observando a estrutura do Projeto, podemos identificar as três dimensões fundamentais da ação


humana consciente apontadas na 2a Parte. Grosso modo, o Marco Referencial corresponde à dimensão da
Finalidade; o Diagnóstico, à Realidade e a Programação, à Mediação. Acontece que em cada uma das partes
do Projeto, temos uma nova articulação Interna entre as três dimensões. No caso do Marco Referencial, é
clara a correspondência respectivamente entre Marco Situacional e Realidade, Marco Filosófico e
Finalidade, e Marco Operativo e Mediação. No Diagnóstico, apesar de não tão imediata, esta relação está
presente também: o ponto de partida é a Realidade, confrontada com a Finalidade, tendo em vista a
Mediação. Na Programação, a referência Inicial é a Realidade do Diagnóstico e a proposta de ação é sempre
acompanhada de um o que — Mediação — e um para que — Finalidade.
Sua estrutura básica releva que a ação a ser desencadeada também é fruto da tensão entre a realidade
e a finalidade, num processo dinâmico de Interação:

Os projetos educativos, sempre que apostados na realização das utopias e na transformação


do real, vão dialetizar as aspirações do desejável e as fronteiras do possível num jogo em
que aquelas procuram explorar e, se necessário, destruir estas, que, por seu turno, colocam
entraves e obrigam à reelaboração das primeiras. (Carvalho, 1992: 206)

2- RELEVÂNCIA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Muitas vezes, no dia-a-dia, a preocupação da direção acaba sendo ‘que a escola funcione’,
e a dos professores acaba girando em torno do ‘manter a disciplina e cumprir o
programa’. “O nosso risco porém é este: somos devorados pelo urgente e não temos
tempo para posicionarmo-nos diante do importante”.1 Frente a tantas dificuldades1, por
que a escola deve se interessar pelo Projeto? Ora, a função do projeto é justamente ajudar
a resolver problemas, transformar a prática e, no limite, tomar menor o sofrimento.
O Projeto Educativo não é algo que se coloca como um ‘a mais’ para a escola, como um rol de
preocupações que remete para fora dela, para questões íestxatosféricasJ. Pelo contrário, é uma metodologia
de trabalho que possibilita re-significar a ação de todos os agentes da escola.

C. Wright Mills comparou a situação dos educadores à de remadores, no porão de uma


galera. Todos estão suados de tanto remar e se congratulam uns com os outros pela
velocidade que conseguem imprimir ao barco. Há apenas um problema: ninguém sabe para
onde vai o barco, e muitos evitam a pergunta alegandoque este problema está fora da
alçada de sua competência. (Alves, 1981: 86)

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Houve um tempo em que parecia óbvia a necessidade e a finalidade da escola. No entanto,


especialmente a partir da década de setenta, com toda a crítica da sociologia francesa, a escola descobre-se
como palco de conflitos e contradições sociais. Desde então, a explicitação de seu projeto, do dizer a que
veio, vai se tornando cada vez mais importante.

a) Rigor e Participação

A grande contribuição do Projeto Político-Pedagógico na perspectiva do Planejamento Participativo


está no seguinte:

□ Rigor (qualidade formal)

E uma maneira de se enfrentar o processo de alienação, exigindo que as ações sejam intencionais
(desligar o 'piloto automático’). Há atualmente um apelo muito forte pela ‘prática’; este apelo pode nos levar
ao imediatismo, ao ativismo. E preciso considerar que a prática é fundamental, é a finalidade mesma da
instituição, mas, por outro lado, a realidade é complexa, e como tal deve ser enfrentada. O que queremos
dizer é que atuar de qualquer forma, sendo condicionado pelas pressões do ambiente (rotinas, ideologias) é
fácil; difícil é realizarmos uma ação consciente, que de fato corresponda às reais necessidades (práxis). Para
isto precisamos de um referencial teórico-metodológico. O Projeto é justamente o Méthodos que visa ajudar
a enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, sistematizada, orgânica,
científica, e, o que é essencial, participativa.

□ Participação (qualidade política)

Que valor pode ter um pedaço de papel escrito? A teoria quando assumida por um grupo, transforma-
se em “força material”. Na elaboração participativa do Projeto, todos têm oportunidade de se expressar,
Inclusive aqueles que geralmente não falam, mas que estão acreditando, estão querendo. Multas vezes, não
falam por Insegurança, por pressão do grupo ou por acomodação em função daqueles que ‘sempre falam5» O
processo de planejamento participativo abre possibilidade de um maior fluxo de desejos, de esperanças e,
portanto, de forças para a tão difícil tarefa de construção de uma nova prática. Almeja-se também a partilha
de todos os bens, sejam espirituais (decisão, planejamento), sejam materiais (recursos, lucros, perdas).

b) A Ética do Projeto

Dado o nível de senso comum que existe hoje, em termos de novas concepções pedagógicas,
dificilmente um Projeto expressará uma proposta reacionária, conservadora. Nestes casos, a estratégia dos
dirigentes que, com efeito, não querem a mudança parece ser a seguinte: ‘deixa o povo falar o que quiser;
nós escrevemos em termos bem genéricos (‘belas palavras’), de forma que não tenha força de cobrança das
transformações’.

Ao Invés, o Projeto Político-Pedagógico, quando feito baseado numa autêntica ética, é um


Méthodos de transformação, tendo em vista expressar o compromisso do grupo com uma
caminhada. Dessa forma, tanto o dirigente pode cobrar coerência do dirigido, como o
dirigido cobrar do dirigente, bem como dos companheiros entre si. Havendo um Projeto,
existe maior facilidade em não se tomar as críticas como pessoais (as críticas devem fazer
parte do cotidiano, se queremos superar as contradições).

c) A Autonomia em Questão

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Temos afirmado, no decorrer deste trabalho, que o Projeto Político-Pedagógico é um caminho de


consolidação da autonomia da escola. Precisamos, no entanto, refletir um pouco melhor sobre isto, sob pena
de ficarmos numa visão Ingênua.
O questionamento que muitos educadores se fazem é bastante claro: até que ponto a proposta das
mantenedoras (sobretudo públicas) de que as escolas agora devem fazer seu projeto político-pedagógico não
estaria, na verdade, representando uma estratégia de descompromisso e de transferência de responsabilidade?
Seria autonomia ou descaso do Estado? O discurso da autonomia poderia ter uma forte carga Ideológica, no
sentido de deixar a entender que as escolas, na medida em que têm seus projetos, são responsáveis pelo
sucesso ou fracasso de suas práticas...
E certo que este é um risco concreto. Todavia, vai depender muito da maneira como a comunidade
escolar vai se posicionar. Quando vemos escolas fazendo projeto ‘porque o MEC está a exigir’, é claro que
não podemos esperar multo diante deste risco de manipulação. Por outro lado, quando a escola despertou
para a necessidade de se definir, de construir coletivamente sua identidade e de se organizar para concretizá-
la, então o projeto pode ser um Importante Instrumento de luta e, inclusive, de denúncia, no caso de omissão
da mantenedora.
Aquela mesma linha de reflexão que fizemos em relação à condição de sujeito por parte do educador,
pode ser aqui retomada quanto à instituição: a autonomia não pode ser outorgada; cabe ser conquistada!

d)Projeto x Regimento

É preciso que fique clara a distinção entre o Projeto Político-Pedagógico da escola, com o sentido
que apontamos acima, e o Regimento Escolar, que é uma exigência legal para o funcionamento da escola
(duração dos níveis de ensino, critérios de organização — séries anuais, períodos semestrais, ciclos, grupos
não- seriados, etc. —, classificação e reclassificação de alunos, verificação do rendimento escolar,
freqüência, currículos, etc.). De acordo com a legislação em vigor, a elaboração de ambos é de competência
da escola» O que se espera é que o regimento possa ser feito a partir do Projeto, qual seja, ter os parâmetros e
princípios do Projeto como referência para o detalhamento administrativo e jurídico (o que nem sempre é
possível, pelo menos no todo, em função de diretrizes e normas exteriores à escola).
O que se recomenda é que o regimento seja o mais abrangente possível, delegando a tarefa de definir
detalhes para segmentos específicos da instituição (ex.: ao Invés de ficar especificando como deverá ser o
processo de avaliação de aprendizagem, poderá apresentar os critérios gerais e remeter a definição para o
Conselho de Escola ou para o Conselho Técnico-Administrativo). Isto dá mais flexibilidade em termos de
reestruturação da prática, sem precisar reelaborar o regimento, pedir nova aprovação, etc. 84

3- VISÃO GERAL DO PROCESSO

Apresentamos, sinteticamente, os possíveis passos para o processo de elaboração e aplicação do


Projeto Político-Pedagógico:

□Surgimento da Necessidade de Projeto


□Decisão Inicial de se fazer
□Trabalho de Sensibilização e Preparação
□Decisão Coletiva
□Elaboração
•Marco Referencial
•Diagnóstico
•Programação

84 As eventuais alterações poderão fazer parte da Programação (ou do Plano Escolar anual).

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□Publicação
□Realização Interativa
□Avaliação; atualização do Diagnóstico
□ Reprogramação Anual
□ Avaliação de Conjunto
□ Reelaboração (parcial ou total)

Na seqüência, faremos observações sobre alguns destes passos» Os outros serão abordados
detalhadamente mais à frente.

a) Surgimento da Necessidade e Decisão Inicial

Como vimos, o Projeto deve corresponder a um desejo, a uma necessidade. Uma primeira questão
que se coloca é: de onde nasce este desejo? Temos constatado as mais variadas situações: pode surgir na
equipe de coordenação, entre os professores, na direção, na mantenedora, nos pais ou até mesmo de alunos,
etc.
Uma vez amadurecido esta necessidade, cabe outra questão: quem decide fazer o Projeto Educativo?
Normalmente há uma decisão inicial da direção, havendo, no entanto, a necessidade de passar pelo coletivo
(ver abaixo). E importante também que se tenha um aval da mantenedora, para não frustrar todo trabalho
posteriormente, ou no limite, para se saber que a mantenedora não está aceitando, e que o próprio projeto
poderá ser um Instrumento de organização e resistência.

b) Trabalho de Sensibilização e Preparação

Antes de se Iniciar a elaboração do Projeto Político-Pedagógico, é preciso uma etapa de


sensibilização, de motivação, de mobilização para com a proposta de trabalho, a fim de que esta tarefa seja
assumida, tenha significado para a comunidade. Se os sujeitos não perceberem o sentido, se não acreditarem,
de nada adiantará os passos seguintes.
A questão do sentido do projeto é muito importante; é comum vermos escolas que passam
rapidamente por esta etapa, considerando-a quase desnecessária, já que £o que vem a seguir é uma coisa boa
e temos que chegar logo lá’. Deve-se estar atento a este momento para não se cair num ritual vazio, seme-
lhante à distorção que ocorreu com o Plano de Ensino-Aprendizagem. Vale a pena relembrar que não basta o
Indivíduo estar fazendo; há que se analisar como está fazendo. O professor pode estar preenchendo — como
veremos — os papéis, respondendo às perguntas, mas sem estar envolvido.
Na sensibilização, cabe apresentar a visão geral da proposta de trabalho, fundamentando-a. 85 Mas é
preciso enfrentar os possíveis obstáculos epistemológicos: o Projeto Político-Pedagógico entra no campo do
planejamento, que, como analisamos, é um campo minado para os professores, em função de experiências
negativas do passado.
Talvez o critério maior na etapa de sensibilização seja a verdade: é fundamental que as pessoas
joguem claro, coloquem suas dúvidas, suas desconfianças, etc. para que as questões do grupo possam
aparecer, serem discutidas, e assim se chegar a uma decisão baseada numa realidade não falseada. Para que a
verdade possa emergir, é preciso garantir um clima de respeito e liberdade.

c) Decisão Coletiva

Feita a sensibilização, cabe a decisão. Deve ficar claro que se trata de decisão mesmo e não de ‘jogo
de cena’ para ratificar uma decisão já tomada. Concreta- mente: a possibilidade de não iniciar a elaboração

85 Esta preparação prévia pode ser feita, por exemplo, refletindo com o grupo os aspectos apontados nesta introdução (o
que é, finalidade, o que se pode e o que não se pode esperar dele, estrutura, etc.).

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do projeto deve ser real: se o grupo não percebeu ainda a Importância, de nada adianta desencadear o proces-
so de construção.
Uma vez decidida coletivamente a realização, deve-se definir outros aspectos quanto ao grau de
elaboração do Projeto Político-Pedagógico: nível de abrangência (sistema, plano global da escola, planos
setoriais dos serviços, departamentos); nível de participação dos sujeitos da comunidade educativa
(professores, funcionários, alunos, pais, comunidade local, mantenedora, equipe de coordenação e direção),
bem como a forma (participação direta ou através de representação); nível de complexidade da elaboração
(plano de médio prazo, curto prazo; objetivo geral-específico x programa-projeto; política-estratégia x linha
de ação).
Além disto, é importante se fazer uma previsão primeira dos passos e do tempo (Início e término), e
se constituir uma equipe de coordenação da elaboração do Projeto. Esta equipe deve se capacitar para tal.
Dos participantes não é necessário o domínio de toda metodologia; para a equipe Isto é imprescindível.

d) Quando começar?

Quando a instituição deve desencadear a elaboração do Projeto? Entendemos que o Projeto deve ser
Iniciado quando houver por parte da Instituição o desejo, a vontade política, de aumentar o nível de
participação da comunidade educativa, o real compromisso com uma educação democrática (decisão política
da direção/mantenedora e da comunidade — momento em que decide assumir efetivamente uma nova
prática).
Parece-nos que o Projeto só não tem condições de ser Iniciado quando há um clima de hostilidade
entre os educadores e a mantenedora. Neste caso, há necessidade de primeiro se superar este Impasse. Isto
não significa que o Projeto só deva ser Iniciado quando não haja mais conflitos na Instituição; conflitos
provavelmente teremos sempre e, pelo contrário, o Projeto é até uma forma de ajudar a enfrentá-los.
A comunidade educativa vai aprender fazer Projeto Político-Pedagógico fazendo. Não devemos,
portanto, cair no erro de ficar esperando o ‘momento ideal’, que, evidentemente, nunca chegará.

4-METODOLOGIA DE TRABALHO PARA A ELABORAÇÃO DO PROJETO

a) Princípio Metodológico de Elaboração: Pergunta

Para a expressão daquilo que o grupo pensa e quer, usamos o recurso metodológico do
questionamento, da problematização, sintetizada nas perguntas. Por que pergunta? Para provocar um
desequilíbrio no sujeito, para estabelecer um desafio que leve a uma reflexão e produção.
E claro que a pergunta não é neutra. Ela dirige, provoca a atenção da pessoa para determinado
aspecto da realidade. Isto nos remete à importância da elaboração das perguntas: se perguntarmos de forma
equivocada, as respostas dificilmente poderão apontar para o que efetivamente é relevante. Antes de iniciar a
elaboração, a rigor, precisamos checar: 1) Entendemos que a metodologia das perguntas é a mais adequada
para a construção do Projeto Educativo? 2) Que perguntas devem orientar a elaboração do nosso Projeto? (as
perguntas são apropriadas? apontam para o essencial, são relevantes, provocam os sujeitos, propiciam a
expressão?).
A ideologia dominante ocupa nossa atenção com pseudoproblemas, com perguntas que desviam a
nossa atenção do essencial. 86 Devemos, pois, sempre nos questionar se estamos atentos às questões
essenciais.
Observamos que, muitas vezes, as escolas simplesmente repetem as perguntas sugeridas, sem uma

86 Podemos nos dedicar a uma causa falsa, passar a vida lutando por esta Idéia, até agremiar pessoas, montar uma
instituição, etc.

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análise da própria realidade. O grupo deve elaborar suas perguntas, de acordo com suas especificidades e
necessidades.

b)Questão das Contradições Internas ao Projeto

Na elaboração coletiva do Projeto podem ocorrer proposições contraditórias. As contradições podem


ser internas a uma parte (ex.: entre aspectos do Marco Filosófico: concepção de ‘harmonia’ x concepção de
‘conflito’), ou entre uma parte e outra (ex.: Marco Filosófico e Marco Operativo, ou Marco Operativo e
Programação).
Estas contradições não devem ser camufladas ou desprezadas. Devem ser apontadas e trabalhadas. E
importante que a contradição seja discutida pelo grupo, para ser assumida, não deixando pairar
ambigüidades. Se for necessário, que se prolongue a discussão, que se busquem subsídios, assessoria, de
forma a ajudar o discernimento e superação da contradição pelo grupo (e não pelos ‘superiores’). Por outro
lado, quando na elaboração do Projeto algum ponto ficar por demais polêmico, pode ser mais produtivo
prever, como uma ação concreta da Programação, um momento específico para se aprofundar a discussão.
c) Questão das Aproximações Sucessivas

Existem, evidentemente, multas formas de se elaborar o Projeto Político- Pedagógico. No presente


trabalho optamos por uma elaboração que consideramos mais simples, tomando o cuidado de não ser
simplista. Isto porque temos visto escolas perderem muito tempo com os termos mais técnicos e, às vezes,
perderem também até o sentido do Projeto, justamente em função de uma certa sofisticação metodológica.
Preferimos um outro caminho, qual seja, a construção paulatina, o aperfeiçoamento progressivo, à medida
que o grupo vai elaborando, realizando, avaliando e reelaborando seu Projeto.

d) Questão do Tempo

— Tempo de elaboração

Há uma tensão a ser administrada: não fazer Projeto Político-Pedagógico de forma apressada demais,
nem ficar anos e anos elaborando. No processo de elaboração, lembrar do dito popular: ‘O ótimo é inimigo
do bom’. Não se apegar a uma elaboração perfeccionista. Fazer o melhor possível, mas o possível.87

— Periodicidade de revisão/atualização das partes do Projeto

• Marco Referencial: médio prazo (3 a 4 anos)


• Diagnóstico: anual
• Programação: anual

— Previsão de Conclusão

Entendemos que seria importante a escola chegar à Programação no máximo até o final do ano; isto
porque existem muitas coisas que são quase impossíveis de serem mudadas depois que o ano letivo começou.
Se a Programação não for feita antes do final do ano, práticas inovadoras podem ficar comprometidas.

e) Dupla necessidade: Projeto e Competência Pedagógica

E certo que, enquanto educadores, precisamos de um bom referencial para nosso trabalho em sala de

87 Pode-se prever como um tempo limite de 4 a 8 meses, com uma carga de trabalho de aproximadamente 40 a 60 h.

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aula; acontece que o Projeto não é capaz de sozinho responder a isto, já que sua função é dar o horizonte de
caminhada, a partir do qual cada um e todos podem ter uma referência. Por exemplo: o Projeto pode não
dizer o tipo de alfabetização que a escola fará, pois não é um manual pedagógico, mas dará elementos para
que se julgue os tipos hoje em uso. Há, portanto, uma dupla necessidade da comunidade educativa:

1) Projeto Político-Pedagógico — dá a referência geral, expressa o desejo e o compromisso do grupo;


2) Competência Pedagógica — referencial teórico específico de cada dimensão do trabalho
(alfabetização, natureza das disciplinas, metodologia específica de ensino, rol de conteúdos
programáticos, etc.)

Isto precisa ficar muito claro, para não se pedir do Projeto algo que não pode dar e, por outro lado,
não deixar o grupo se acomodar (o Projeto, se bem elaborado, certamente colocará o desafio de uma sólida e
permanente formação dos seus agentes). Assim, a clareza de caminhada em relação a situações específicas
deverá ser conquistada através de uma boa Programação (ações como organização de reuniões pedagógicas,
grupos de estudo, cursos, reciclagem, assessorias, etc.).
O Projeto Político-Pedagógico dá consistência, articulação e sentido de conjunto para os Projetos de
Ensino dos professores. A escola deve estar atenta a esta exigência mútua.

f) Projeto da Mantenedora x Projetos das Escolas

Há uma decisão política a ser tomada, que é de suma importância: que processo de elaboração do
Projeto Político-Pedagógico a mantenedora vai seguir? Multas vezes, com o Intuito de manter a unidade na
caminhada, opta-se por fazer um projeto só para todas as escolas (seja o projeto como um todo ou o Marco
Referencial). Deve-se considerar, no entanto, o problema da identificação da comunidade educativa, o que
aponta para a singularidade de cada Projeto.
Evidentemente, a mantenedora pode — e até deve — ter seu Projeto Educativo. Mas este não deve
ser confundido com o da escola, apesar de estarem relacionados (o da mantenedora serve como referência e
inspiração para o da escola).

g) Projeto “Bem feito” x Identificação

Nossa tentação pode ser a de querer levar para a escola um Projeto com conteúdo muito bem
elaborado, com aquilo que de melhor pode haver hoje em termos das ciências sociológicas, psicológicas,
pedagógicas, etc. O problema é que o Projeto Político-Pedagógico só consegue ser um referencial para a
caminhada se os sujeitos da comunidade o reconhecerem como tal, ou seja, se identificarem-se com ele, fato
muito difícil de acontecer quando não participaram decisivamente da elaboração. A identificação do
professorado com o Projeto Educativo já é, de certa forma, difícil quando este é feito totalmente por eles —
tendo em vista o desgaste histórico do planejamento —, muito mais se feito por um pequeno grupo. Mais do
que um texto ‘bonito’, o que se espera é um processo ‘bonito’. As palavras bonitas podem encher nossos
ouvidos, mas nos deixar de mãos vazias em termos de compromisso e de instrumentos de transformação da
realidade...
O trabalho educativo, do qual a elaboração do Projeto faz parte, é essencialmente uma dialética de
continuidade-ruptura, pois não introduzir o elemento novo, é permanecer no mesmo e, de outra forma, não
caminhar junto, é avançar sozinho. Assim sendo, mais importante do que ter um texto ‘sofisticado’, é cons-
truirmos o envolvimento e o crescimento das pessoas, principalmente dos educadores, através de uma
participação efetiva naquilo que é essencial na instituição.
Em relação à ‘qualidade’ das idéias expressas no Projeto, deve-se perceber que reflete o nível de
consciência que o grupo atingiu até aquele momento. Será que com o Projeto Político-Pedagógico surgirão
idéias ‘mirabolantes’, totalmente novas? Muito provavelmente, não; o ganho está muito mais no assumir

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juntos e conscientemente elementos que já despontavam na prática da instituição, mas que estavam
subjugados. E claro que, com o tempo, a tendência é um aumento progressivo da qualidade da prática e da
reflexão sobre ela.
O processo de elaboração do Projeto pode propiciar a formação dos sujeitos, na medida em que haja
oportunidade para colocar-se em comum práticas que estão sendo realizadas, que possa haver reflexão crítica
e coletiva sobre as idéias ali expressas inicialmente, etc. Isto pode ser feito através do confronto de idéias
contraditórias, da melhor explicitação das concepções manifestadas, de assessorias para assuntos específicos,
etc.

h) Questão dos Conflitos

Nossa formação enquanto educadores, Imersos no caldo cultural maior do país do 'jeitinho’, da
'cordialidade’, toma difícil o enfrentamento de conflitos. Preferimos, freqüentemente, os 'panos quentes’, o
'não é bem assim’, o 'depois a gente se entende’, o 'não era bem isto que queria dizer’, etc. Por outro lado,
ficamos muito susceptíveis à crítica: qualquer crítica feita é tomada como destruidora.
Muitas pessoas consideram que a elaboração de um Projeto Político-Pedagógico, através de um
processo de Planejamento Participativo, será a saída 'mágica’ para os problemas. No entanto, à medida que
as coisas começam a acontecer, assustam-se com os conflitos que emergem, chegando, no pólo oposto, a
atribuir ao Projeto tais conflitos. Na verdade, numa análise mais atenta, percebemos que o que passa a
ocorrer é apenas a manifestação, a explicitação dos conflitos já presentes na comunidade, mas que estavam
'represados’ (ou camuflados) em função da falta de canais apropriados para manifestação. O Projeto pode
ajudar a encará-los de uma maneira refletida, comunitária. Possibilita também a combinação das diferenças:
alguns atinam mais para o sonho, outros para a crítica da situação presente, outros ainda para o fazer.
Estamos, portanto, apontando para uma outra possibilidade de resolver conflitos que não aquela típica do
planejamento normativo: os conchavos, as estratégias de negação de espaço e poder do outro. Pelo contrário,
assumimos a perspectiva da coordenação intersubjetiva, da argumentação discursiva (cf. Habermas, 1989).
De qualquer forma, é no conflito que se explicita o autêntico sentido do projeto: se é 'brincadeirinha’
(havendo recuos, desconversa) ou para valer (enfrentamento, instrumento de organização e de mudança).

i) O que pode dificultar a elaboração do Projeto Político-Pedagógico?

No processo de elaboração do Projeto, muitos fatores podem interferir de forma a comprometê-lo


parcial ou totalmente. Podemos citar, por exemplo:

• Comodismo por parte dos sujeitos: não quererem a desacomodação que poderá vir em decorrência da
concretização das idéias ali colocadas;
• Imediatismo: ter pressa, não querer 'perder tempo’ com as discussões; achar que não há necessidade de
se fazer a elaboração teórica, que se deveria ir direto à ação;
• Perfeccionismo: querer chegar a um texto extremamente preciso e correto;
• Falta de esperança/confiança na instituição: 'Não adianta falar que nada vai acontecer mesmo...’;
• Formalismo: perigo de reduzir o Projeto a uma seqüência de passos, a simplesmente elaborar um
documento, sem vida, sem significado, sem envolvimento com as idéias, com as propostas;
• Mera reprodução do novo senso comum pedagógico; 88
• Nominalismo: achar que definir uma linha de trabalho para a escola é se ‘filiar5 a alguma concepção

88 Chega a assustar quando analisamos projetos das mais diferentes realidades do país e nos deparamos com produtos tio
semelhantes...

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corrente (educação libertadora, construtivismo, etc.); 89


• Falta de experiência de caminhada comum enquanto grupo; a rotatividade das pessoas na instituição;
• Falta de condições objetivas de espaço-tempo para encontro, reflexão, elaboração e acompanhamento;
• Falta de exercício democrático na escola,

Estes eventuais obstáculos, uma vez localizados, deverão ser tematizados, enfrentados, tendo em
vista sua superação.

I
Marco Referencial
1- O QUE É O MARCO REFERENCIAL

O Marco Referencial é a tomada de posição da Instituição que planeja em relação à sua identidade,
visão de mundo, utopia, valores, objetivos, compromissos. Expressa o ‘rumo’, o horizonte, a direção que a
Instituição escolheu, fundamentado em elementos teóricos da filosofia, das ciências, da fé. Implica, portanto,
opção e fundamentação.
O Marco Referencial nasce como busca de resposta a um forte questionamento que nos colocamos:
em que medida enquanto escola democrática, na América Latina podemos efetivamente colaborar para a
construção do homem novo e da nova sociedade? São tantas as contradições da realidade e da própria
escola... O que fundamenta o nosso querer enquanto escola? Constatamos que, diante destes
questionamentos, multas escolas, por não encontrarem sentido para a própria existência, acabaram perdendo
toda força e capacidade de aglutinação, o que não surpreende, visto que ninguém consegue viver sem um
sentido maior que sustente a dura luta... No Marco Referencial procuramos expressar o sentido do nosso
trabalho e as grandes perspectivas para a caminhada.
Tem como função maior tensionar a realidade no sentido da sua superação/ transformação e, em
termos metodológicos, fornecer parâmetros, critérios para a realização do Diagnóstico.

O Marco Referencial é composto de três grandes partes:

• Marco Situacional (onde estamos, como vemos a realidade)


• Marco Filosófico ou Doutrinal (para onde queremos ir)
• Marco Operativo (que horizonte queremos para nossa ação)

2- PARTES DO MARCO REFERENCIAL

2 .1. Marco Situacional

89 A eventual afinidade com uma outra concepção deve aparecer nos valores e compromissos assumidos e não nos rótulos.

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O Marco Situacional é um olhar do grupo que planeja sobre a realidade em geral: como a vê, quais
seus traços mais marcantes, os sinais de vida e de morte. E, portanto, o momento da análise da realidade mais
ampla na qual a instituição está Inserida. E importante por situar, dar todo o pano de fundo, os elementos
estruturais que condicionam a Instituição e seus agentes. Devemos enfatizar aqui que neste Marco o que se
visa é uma visão geral da realidade e não uma análise da instituição (essa análise mais próxima será feita
posteriormente no Diagnóstico).
Multas vezes, quando vamos fazer considerações sobre a realidade, temos a tendência de apontar
apenas os aspectos negativos, pois são os que mais nos incomodam. No entanto, temos de resgatar a
contraditoriedade da realidade; perceber os aspectos positivos é fundamental, pois podem nos apontar
caminhos e fortalecer a esperança.

Sugestão de Questões para a Elaboração do Marco Situacional:

Como compreendemos/vemos/sentimos o mundo atual? Quais são os sinais de vida? e de


morte? Quais são as causas?
2.2. Marco Filosófico

O Marco Filosófico (ou Doutrinai) corresponde à direção, ao horizonte maior, ao ideal geral da
instituição (realidade global desejada). E a proposta de sociedade, pessoa e educação que o grupo assume.
Aqui são expressas as grandes opções do grupo (utopia fim). Contém os critérios gerais de orientação da
instituição.
Como sabemos, toda educação se baseia numa visão de homem e de sociedade. O que ocorre
freqüentemente nas escolas é que estas visões não são explicitadas, nem discutidas, podendo levar a sérias
distorções na formação dos educandos, que estarão sob influências díspares num momento precioso da cons-
tituição de seu caráter e personalidade. Obviamente, não estamos nos referindo aqui a uma massificação,
onde todos professores fossem iguais. O que queremos apontar é um necessário acerto em tomo de um
núcleo axiológico mínimo (ideais, valores). O processo de elaboração do Marco Filosófico dá esta oportu-
nidade tanto de explicitação, quanto de debate e busca de um consenso mínimo.

Sugestão de Questões para Elaboração do Marco Filosófico:

• Que tipo de Sociedade queremos construir?


• Que tipo de Homem/Pessoa Humana queremos colaborar na formação?
• Que finalidade queremos para a Escola? Que papel desejamos para a Escola em
nossa realidade?

2.3. Marco Operativo

O Marco Operativo expressa o ideal específico da instituição. E a proposta dos critérios de ação para
os diversos aspectos relevantes da instituição, tendo em vista aquilo que queremos ou devemos ser (utopia
meio).

Realidade Desejada do campo de ação e (sobretudo) da Instituição em processo de


Planejamento — o Marco Operativo expressa a utopia instrumental do grupo. Expõe as
opções (em termos ideais) em relação ao campo de ação e à instituição e fundamenta essas

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opções em teoria. (Gandin, 1991: 28)

Ao elaborarmos o Marco Operativo, precisamos estar atentos a sua compatibilidade com o Marco
Situacional e, em especial, com o Marco Filosófico, pois, caso contrário, pode ficar desarticulado
relativamente à realidade geral e às grandes finalidades assumidas.

— Observações Metodológicas Marco Operativo x Programação

É importante alertar aqui que o Marco Operativo (MO) — que compreende uma tomada de posição
quanto aos grandes princípios de organização da Instituição — não é a Programação — conjunto de ações
concretas a serem realizadas. A Programação, como veremos, virá depois do Diagnóstico.

Sugestão de Questões para Elaboração do Marco Operativo:

A opção pelas perguntas a serem respondidas é particularmente Importante no Marco Operacional


em função da repercussão metodológica que terá, qual seja, posteriormente o Diagnóstico e a Programação
serão feitos tendo como base os aspectos levantados no MO. Assim, por exemplo, se deixarmos de lado
determinado elemento, não estabeleceremos o ideal do grupo sobre ele e, conseqüentemente, tanto o
Diagnóstico quanto a Programação sobre este aspecto da instituição ficarão prejudicados.
Que perguntas fazer para ajudar a construir o Marco Operativo? Devemos elaborar perguntas tendo
em vista os aspectos fundamentais da vida da escola. A tarefa primeira do grupo neste momento, portanto, é
refletir e Identificar estas dimensões básicas da instituição em relação às quais se estabelecerão utopias,
horizontes, critérios. Quais os focos sobre os quais vamos colocar nossa atenção, sobre o quê é Importante
projetarmos o Ideal, para termos elementos de orientação para a ação? Digamos que a escola em pauta tenha
cursos técnicos e que nestes a questão do estágio é multo Importante; obviamente, caberá uma pergunta
sobre como desejamos que seja o estágio.
Na passagem das colocações do grupo para as categorias, pode-se perder as motivações. Uma forma
de ajudar a' evitar este risco de abstração é registrar ao lado ou colocar entre parênteses as motivações que
deram origem à pergunta.

Entendemos que o Marco Operativo diz respeito a três grandes dimensões do trabalho
escolar, a saber:

1) Dimensão Pedagógica
2) Dimensão Comunitária
3) Dimensão Administrativa

que, apesar de estarem intrinsecamente relacionadas, têm aspectos específicos, que como
tais devem ser tratados.

A seguir apresentamos algumas perguntas a título de exemplificação do jeitão da formulação.


Insistimos que são efetivamente apenas exemplos.

1) Dimensão Pedagógica 2) Dimensão Comunitária 3) Dimensão Administrativa

Como desejamos... Como desejamos... Como desejamos...

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•O Processo de •Os Relacionamentos na •A Estrutura e Organização


Planejamento? Escola? da Escola?
•O Currículo? •0 Professor? •Os Dirigentes (Direção e
•Os Objetivos? •0 Relacionamento com a Equipe Técnica)?
•Os Conteúdos? Família? •Os Serviços (Secretaria,
•A Metodologia? •0 Relacionamento com a Limpeza, Mecanografia,
•A Avaliação? Comunidade? Audiovisuais, etc.)?
•Â Disciplina? Â relação •A Participação e •As Formas de Participação
Professor-Aluno? Organização dos Alunos? dos Trabalhadores?
•Nossa relação com o •As Atividades Esportivas e •As Condições Objetivas de
Vestibular? Como nos Culturais? Trabalho?
posicionamos frente aos •A Orientação Vocacional? •A Obtenção e
exames e concursos? •0 Relacionamento com os Gerenciamento dos Recursos
90
•0 Espaço de Trabalho Meios de Comunicação Financeiros?
Coletivo Constante (reuniões Social?
pedagógicas semanais)?
•0 Ensino Fundamental em
nosso Município?

— Quadro: Possíveis Perguntas para Elaboração do Marco Operativo—

3- COMO FAZER O MARCO REFERENCIAL

A elaboração do Marco Referencial segue uma metodologia que se aplica não só a ele, mas
a todas as partes do Projeto Político-Pedagógico. Envolve essencialmente três dinâmicas:
Individual, grupo e plenário.

1) Elaboração Individual

E o momento do posicionamento pessoal dos participantes; É MUITO IMPORTANTE, pois é a base


de todo o restante do trabalho, devendo existir, portanto, a máxima dedicação e empenho. Trata-se da
contribuição de cada um e de todos para a melhoria da instituição.
Cada participante escreve em um pedaço de papel a resposta a uma pergunta (relação biunívoca),
procurando deixar clara sua resposta, sem ser prolixo. Cada um deve ter oportunidade de responder todas as
questões, mas pode escolher aquelas que mais se Interessa (para não ficar uma tarefa desgastante e
desprovida de significado). Deve-se, no entanto, garantir um número mínimo de respostas para cada item.
Para que alguma área não fique sem um número significativo de respostas, é aconselhável a coordenação
fazer levantamentos intermediários para verificar se está havendo manifestação em relação a todos os
aspectos da Instituição; em caso negativo, pode-se solicitar que mais algumas pessoas, voluntariamente,
respondam, até que se tenha uma quantidade mínima para cada aspecto. 91
Começar pelo Individual e por escrito favorece a participação efetiva de cada um e de todos;
racionaliza o tempo de discussão (normalmente no grupo discute-se muito — alguns membros — e depois o
resultado que aparece é sempre muito Inferior ao conteúdo do debate).

2) Trabalho de Grupo

90 De acordo com o tipo ou característica da instituição podemos ter questões abrangendo os aspectos mais variados:
conselho de escola, cursos de extensão, pós-graduação, ensino a distância, a pastoral na escola, etc.
91 Deve ficar claro para o grupo que a decisão posterior sobre o que ficará ou não na redação do Projeto não será por
‘quantidade’ de respostas, mas sim como conseqüência da reflexão em plenário; portanto não adianta querer influenciar o colega
para que escreva o mesmo...

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E a etapa que corresponde à sistematização das idéias expressas individualmente. O grupo vai fazer
uma primeira redação, que nada mais é do que um agrupamento inteligente das Idéias (não uma mera
colagem); é, portanto, uma tarefa técnica de construção de um texto, não de julgamento; não importa, neste
momento, a opinião do grupo; a discussão do conteúdo se dará no plenário.
O critério fundamental para esta tarefa é a fidelidade às idéias de origem; garantir a Idéia básica.
Cabe também Identificar possíveis contradições entre as respostas; verificar qual a tendência predominante.
Explicitar na redação a contradição encontrada. Apontar Idéias que eventualmente ‘não se encaixaram’. A
redação deve ser feita no grupo: um escreve, mas todos participam.
Deve-se tomar cuidado para não perder a riqueza do que vem e querer sintetizar tudo com chavões
(tentar resumir tudo numa palavra). Estar atento também com a armadilha do ‘trenzinho’ — seqüência de
adjetivos ou seqüência de tópicos. Procurar dar um corpo à redação (dissertação).
Recomenda-se que os grupos sejam formados aleatoriamente, para evitar ‘panelinhas’.
O trabalho de grupo é precedido de uma organização das respostas, juntando-as por pergunta e
dividindo-as pelos grupos. Pode-se deixar dois grupos com a mesma pergunta, mas com conjuntos diferentes
de respostas para se ter opção de redação (com possíveis complementações de uma na outra).
Como é uma tarefa técnica, a rigor, pode ser feita por uma ou várias comissões de redação, não
necessitando que o grupo todo esteja reunido no mesmo horário.

3) Plenário

O plenário é o momento da partilha dos trabalhos, do debate, das decisões e dos encaminhamentos.
Normalmente começa por uma breve explicação de como foi feito o texto pelo grupo (contextualização); faz-
se a leitura (todos devem ter cópias em mãos das diversas redações). Explicitam-se as contradições
encontradas, bem como eventuais pontos tidos como fora de contexto. Inicia-se a análise em cima de três
aspectos básicos:

l°)Fidelidade: cada um se reconhece no texto? Alguma idéia, que considera significativa, foi colocada
no papel, e não foi contemplada? Todos devem reconhecer, de alguma forma, sua resposta na síntese;
isto é fundamental!
2°)Técnico: este é um texto coerente para tal parte do Projeto' (Marco Referencial, Diagnóstico ou
Programação, de acordo com o momento respectivo da elaboração)? 92
3°)Conteúdo: é Isto que desejamos para nossa escola? Estamos de acordo com as idéias expressas no
texto? 93

Quando há um espaço entre o trabalho de redação e o plenário, é interessante pois é possível a leitura
prévia do material, qualificando e racionalizando a discussão (as pessoas já vêm com as dúvidas ou
discordâncias anotadas).

92 Por exemplo, um texto de Marco Referencial não deve ter característica de Diagnóstico —julgamento da realidade—,
nem de Programação —proposta de ação.
93 Lembrar que este é o momento de debate e busca de consenso; não é porque foi um colega que colocou determinada
idéia que não se pode discordar; se alguém não concorda com algo e deixa de colocar, está boicotando o trabalho, deixando de dar
sua contribuição.

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E preciso eleger uma comissão geral de redação, que deve ter, de preferência, uma
representatividade dos vários segmentos da escola, embora não possa ser muito grande
para não dificultar o trabalho posterior. Os membros desta comissão tomam nota das
observações de consenso do plenário. A questão fundamental a ser levada em conta no
plenário é de conteúdo; a questão de estilo de linguagem pode ser apontada para ser
verificada, burilada posteriormente; da mesma forma, os eventuais erros gramaticais.
Deve-se evitar discussões muito longas em plenário (a participação fica restrita a uma pequena
parcela — 10 a 20%); se necessário, aprofundar as discussões nos pequenos grupos.
Observação: a elaboração do Projeto deve ser um momento de debate, de formação, de explicitação
de posições, portanto, de conflitos e contradições. Há o risco de, em nome do pouco tempo e da necessidade
de se chegar a cumprir as etapas, apenas se ‘juntarem’ as respostas para uma redação. Estar atento ao
essencial. Lembrar de explorar o potencial das contradições.
Uma outra alternativa de encaminhamento do trabalho é, depois da simples leitura em plenário, já
voltar ao grupo a fim de refletir sobre as redações, tomando o cuidado de discutir o texto que não fez (para
evitar defesas demasiadamente apaixonadas); se tiver mais de um texto, tomar um como base (opta-se pela
melhor redação, aproveitando-se a contribuição das outras redações). Feito Isto, volta-se a plenário para nova
apresentação. Se ainda for necessário, pode-se retomar o trabalho por grupo e um novo plenário.

A redação final, a cargo da comissão geral, deve manter o compromisso de máxima


fidelidade, tendo liberdade de alterar a forma em função da melhor clareza do texto.

II
Diagnóstico
1- O QUE É O DIAGNÓSTICO

Diagnóstico aqui está sendo entendido não num sentido difundido no senso comum educacional
como levantamento de dificuldades ou de dados da realidade5, mas no sentido mais preciso de localização
das necessidades da Instituição, a partir da análise da realidade e/ou do confronto com um parâmetro aceito
como válido. 94
Diagnóstico tem origem no grego diagnostikós, sendo que foi apropriado pela Medicina na acepção
de conhecimento ou determinação de uma doença pelo (s) sintoma(s) e/ou mediante exames diversos
(laboratoriais, radiológicos, etc.) (cf. Aurélio). Sua raiz, diagnose, é também do grego (diágnosis =
discernimento, exame), podendo ser entendida a partir de seus dois componentes dia + gnosis como através
do conhecimento. Ocorre que o termo diagnose foi incorporado à História Natural ou Botânica com o sentido
de descrição minuciosa do animal e da planta, feita pelo seu classifuador, em geral em latim (cf. Aurélio).
Seu uso está multo marcado por esta perspectiva de descrição ou mera classificação. No Projeto Político-
Pedagógico, todavia, o diagnóstico não pode ser assumido com este significado..

O Diagnóstico é a parte de um plano que profere um juízo sobre a instituição planejada em


todos ou em alguns aspectos tratados no Marco Operativo (que descreveu o modo ideal de
ser, de se organizar, de agir da instituição), juízo este realizado com critérios retirados do
mesmo Marco Operativo e, sobretudo, do Marco Doutrinai (...) 0 Diagnóstico é o resultado
da comparação entre o que se traçou como ponto de chegada (Marco Referencial) e a

94 A rigor, em função das conotações já existentes, poderia até ser interessante construirmos um outro termo para esta
tarefa a que nos referimos no processo de planejamento.

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descrição da realidade da instituição como ela se apresenta, (Gandin, 1983: 29)

O Diagnóstico corresponde às seguintes tarefas:

1) Conhecer a Realidade

O conhecimento da realidade vai se dar pela pesquisa (levantamento de dados da instituição) e


análise (estudo dos dados no sentido de captar os problemas, os desafios, bem como os pontos de apoio para
o processo de mudança da realidade institucional). A análise visa apreender o movimento do real.

2) Julgar a Realidade

O julgamento se dá em função do referencial assumido pelo coletivo. E o confronto entre o ideal e o


real, entre aquilo que desejamos (MO) e aquilo que estamos sendo. Podemos apontar aqui duas esferas: o
quanto nos aproximamos ou distanciamos do desejado (quais os fatores facilitadores/dificultadores para
concretizar o desejado), e uma análise sobre Isto: quais as forças de resistência e de apoio.

3) Localizar as Necessidades

Necessidade é aquilo que falta em cada aspecto relevante analisado para que a escola possa ser o que
deseja. Como vimos, as necessidades da Instituição emergem da Investigação analítica e/ou do julgamento
(avaliação) que se faz da realidade, do confronto entre o real e o Ideal.

Situação Comparação Ideal

Análise Necessidades

— Esquema: Diagnóstico — Identificação das Necessidades—

O que está em questão aqui é o passar da percepção Individual e Intuitiva da necessidade à apreensão
crítica e coletiva da necessidade; esta passagem de nível é da maior importância. A escola, enquanto
Instituição, Implica muitos sujeitos, que têm cada um rol de necessidades: a necessidade de um, de repente, é
passar logo os 15 anos que faltam para se aposentar; a de outro, que não falte merenda; de um outro ainda,
que os alunos não dêem problema de disciplina, etc. E claro que não se podem desconsiderar as necessidades
Individuais; todavia, o que se busca é articulá-las com outras, mais gerais. Então, o projeto de se aposentar
daqui a 15 anos não pode se sobrepor ao projeto construído coletivamente de propiciar a efetiva
aprendizagem por parte de todos, e não apenas ‘fingir que se dá aula’. O grande desafio é, pois, chegar a
necessidades radicais compartilhadas (é isto que vai para o projeto), visto que se o grupo tem necessidades
assumidas em comum, a probabilidade de se chegar a uma ação Integrada é multo maior.
Um outro problema é que se não há uma percepção coletiva das necessidades, faz-se algo por um
tempo e depois simplesmente aquela prática desaparece.
Assim, chegar às necessidades da Instituição que planeja favorece que o sujeito participante assuma
como sua também aquela necessidade; possibilita ainda a interação entre os sujeitos em torno de um ponto de
articulação (a proposta de ação que daí vai nascer).

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A que distância estamos daquilo que buscamos?

O diagnóstico não é, portanto, simplesmente um retrato da realidade ou um mero


levantar dificuldades; antes de tudo, é um olhar atento à realidade para identificar as
necessidades radicais, e/ou o confronto entre a situação que vivemos e a situação que
desejamos viver para chegar a essas necessidades. Embora a descrição seja necessária, não
é suficiente para sua compreensão crítica.

Fica patente, pois, que antes de se fazer o Diagnóstico é fundamental que todo o Marco Referencial
esteja concluído e conhecido pela comunidade. 95
Fazer diagnóstico não é só ‘criticar5 (no sentido vulgar), ver os defeitos. Estamos num embate.
Precisamos conhecer nossas forças e as reais dimensões do problema; temos que identificar tanto os fatores
dificultadores, quanto os facilitadores.
Diagnosticar, portanto, é Identificar os problemas relevantes da realidade, ou seja, aqueles que
efetivamente precisam ser resolvidos para a melhoria da qualidade de vida da comunidade em questão. Um
diagnóstico bem feito, é meio caminho andado para uma boa programação.

2- COMPREENDER A REALIDADE NÃO É FÁCIL, NÃO!

Diagnosticar significa ir além da percepção Imediata, da mera opinião (do grego, doxd) ou descrição,
e problematizar a realidade, procurar apreender suas contradições, seu movimento interno, de tal forma que
se possa superá-la por uma nova prática, fertilizada pela reflexão teórico-crítica.

Isto significa que não se pane daquilo que os homens dizem, imaginam e pensam, nem
daquilo que são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação de outrem
para chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens, da sua atividade real. (Marx,
1980a: 26)

De um modo geral, as pessoas não gostam de lidar com os limites (seus e da realidade), mas a única
possibilidade de avançarmos é a partir deles. Precisamos ter coragem de olhar a nossa realidade como ela é.
“A prática de pensar a prática é a melhor maneira de pensar certo”96. Não é que fazendo Diagnóstico surjam
mais problemas; eles apenas passam a aparecer mais, a serem explicitados.97
Devemos lembrar que a consciência crítica começa pela autocrítica, tanto do ponto de vista pessoal,
quanto Institucional: “o Início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um
‘conhece-te a ti mesmo5 (...)” (Gramsci, 1984: 12).

Apresentamos alguns fatores que podem interferir na construção do Diagnóstico:

• Falta de um Instrumento adequado para levantamento de dados (não se conseguir obter os dados
corretamente);
• Falta de clareza de critérios para analisar os dados;

95 A retomada do Marco Referencial pode ser feita através de um trabalho de grupo, em que cada grupo fica encarregado
de estudar uma parte e apresentá-la ao plenário, dando-se, assim, a oportunidade de uma revisão geral, sem ser cansativa.
96 P. Freire, Revista Educação e Sociedade (1).
97 “Apontar problemas, evidenciar aspectos de morte é comprometer-se na busca de soluções, crer na ressurreição e na
vida”. CNBB, Educação: Exigências Cristãs, n. 15.

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• Insegurança em dizer a verdade; medo de revelar ou trazer à tona certas práticas da escola (ex.:
‘adiantar aula’ quando outro professor falta) e ficar marcado por colegas;
• Assustar-se com as críticas que surgirão. Tomá-las como pessoais;
• Alienação/ideologia (não conseguir ver os problemas);
• Falta de visão de totalidade (só conseguir perceber os problemas mais próximos);
• Falta de tempo para reflexão.

Precisamos estar atentos a esses possíveis problemas, atuando de forma a buscar sua superação.

3- COMO FAZER O DIAGNÓSTICO

Existem, evidentemente, muitas formas de se realizar o Diagnóstico. Apresentaremos a seguir uma


que nos parece ser ao mesmo tempo suficientemente abrangente e relativamente simples.

1) Elaborar o Instrumento de Pesquisa

Duas tarefas iniciais:

□ Resgatar os aspectos relevantes da instituição, já trabalhados no Marco Operativo: Nível Pedagógico


(Planejamento, Objetivo, Conteúdo, etc.), Nível Comunitário (Relacionamentos, Professor,
Relacionamento com a Família, etc.), e Nível Administrativo (Estrutura e Organização da Escola,
Dirigentes, etc.).
□ Decidir que perguntas serão feitas.

Sugestão de Questões para a Elaboração do Diagnóstico:

Tendo em vista o ideal expresso no Marco Operativo, que fatos e situações mostram que
estamos Bem/Mal?, ou quais os pontos de Apoio/ Empecilhos?, ou quais os elementos
Facilitadores/ Dificultadores?. ou quais os pontos de Força/Resistência?, ou quais os
pontos Positivos/Negativos?

Estas perguntas devem ser dirigidas a cada um dos aspectos do Marco Operativo.

Um recurso adicional que pode ser utilizado para facilitar o Diagnóstico, é fazer um levantamento de
Indicadores, qual seja, descrição de situações que poderiam ser observadas se aquele Ideal assumido no
Marco Operativo estivesse sendo vivenciado pela Instituição. Assim, por exemplo, digamos que no MO
tenha se colocado no item Avaliação a perspectiva de 'uma prática avaliativa democrática e processual’; a
partir disto, poderíamos levantar alguns Indicadores: não destaque para provas e notas, resultados da
avaliação sendo utilizados para recuperar a aprendizagem, clima tranqüilo em sala durante atividades de
avaliação, etc. Este rol de Indicadores pode facilitar a leitura da realidade no sentido de apontar no que já
avançamos ou não.

2) Aplicar

Usar a mesma sistemática vista no Marco Referencial: um pedaço de papel para cada resposta, etc.

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Insistimos que não há necessidade de todos responderem todas as perguntas, embora possam, se desejarem.

3) Sintetizar

Agrupar as respostas; evitar as repetições, englobando aspectos semelhantes. Elaborar uma pequena
síntese, em forma de redação, em relação a cada aspecto da instituição que foi considerado.

4) Plenário

Apresentar as sínteses. Desencadear processo de discussão, englobando um consenso sobre a leitura


da realidade.

5) Captação das Necessidades

A partir destas sínteses, procurar Identificar quais as necessidades que estão subjacentes, que estão
por detrás daquilo que vai bem e do que não vai Este talvez seja um dos momentos mais difíceis e, ao mesmo
tempo, importantes do Projeto. Exige atenção, sensibilidade, perspicácia. E um trabalho sutil; trata-se de
perscrutar a realidade, procurar ver o que está nas entrelinhas: quais são as faltas, as carências da instituição.
Deve-se fazer um esforço de reflexão crítica para distinguir necessidades radicais e necessidades alienadas.
Pode-se utilizar a mesma sistemática: Individual, grupo e plenário, ou Iniciar direto no grupo e Ir para
plenário, para se chegar a um consenso em relação às necessidades, que não precisam ser multas (às vezes,
uma necessidade engloba uma série de manifestações problemáticas da realidade).

III
Programação
1- O QUE É A PROGRAMAÇÃO

A Programação é o conjunto de ações concretas assumido pela instituição, naquele espaço de tempo
previsto no plano, que tem por objetivo superar as necessidades identificadas.

A Programação, dentro de um plano, é uma proposta de ação para diminuir a distância entre
a realidade da instituição que planeja e o que estabelece o Marco Operativo. Dito de outra
forma, é a proposta de ação para sanar (satisfazer) as necessidades apresentadas pelo
Diagnóstico. (Gandin, 1991: 45)

O momento da Programação é bastante esperado por multa gente. Muitos acham mesmo que se
‘enrolou5 demais para chegar até aqui, que bastava ter visto logo o que deveria se fazer e pronto. No entanto,
precisamos estar atentos, pois se transformar a realidade fosse fácil, não precisaríamos de todo um
Instrumental metodológico. A ação da instituição é fundamental, pois ela é que dá vida, consistência, o seu
sentido de existir. O problema que se coloca é o tipo e a qualidade de ação que Irá se desenvolver.
Precisamos chegar a uma ação que seja de fato significativa para a Instituição, o que significa dizer uma ação
possível e que atenda suas reais necessidades.

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A Programação pode se concretizar através de quatro formas diferentes de organização da


prática: Ações Concretas, Linhas de Ação, Atividades Permanentes ou Determinações.

2- OBSERVAÇÕES METODOLÓGICAS

a) Critérios Básicos: Necessidade e Possibilidade

Toda a programação da escola deve estar pautada em dois critérios fundamentais: a


necessidade e a possibilidade da ação. Estes dois critérios é que vão dar a consistência do
plano, visto que se colocamos coisas para fazer que são possíveis, mas não relevantes, elas
acontecem, todavia não alteram qualitativamente a realidade; por outro lado, se
colocamos coisas relevantes, mas Impossíveis, estas não irão acontecer e desmoralizarão o
plano. A Idéia é seguinte: o que vai para o plano deve ser relevante e é para acontecer!1

As necessidades estão devidamente explicitadas no Diagnóstico. A partir disto, os sujeitos estarão


fazendo propostas de ação. Cabe refletir agora sobre sua possibilidade: qual a mudança possível de ser feita
na escola? Qual a viabilidade de se executar o que se propõe? Deve-se Identificar para poder fazer avançar o
processo. Muitas vezes, em função dos limites da instituição, será preciso fazer uma hierarquia de
necessidades, vendo aquilo que é mais relevante. Enfatizamos que não adianta propor algo que, em
determinado momento histórico, não se tem condições mínimas de sustentação e concretização; propostas
assim chegam a ser irresponsáveis, pois elevam demasiadamente o nível de expectativa do grupo, levando à
frustração, pela não possibilidade de realização, e à descrença no processo. Nunca teremos a certeza absoluta
de que tal proposta de ação possa ser colocada em prática, mas devemos nos esforçar ao máximo para nos
aproximar desta clareza.
A Programação é fruto da tensão realidade-desejo; surge como forma de superação da realidade
(ainda que parcial, dados os limites) em direção ao desejado (dada a utopia, a força da vontade política). Esta
tensão vai nos dar o horizonte, do histórico-viável. Ao tratarmos dos Conteúdos, por exemplo, poderíamos
propor o fim do uso do livro didático? Do ponto de vista meramente lógico, sim, pois esta é uma
possibilidade, mas a questão é saber até que ponto temos condições históricas para viabilizar tal proposta,
qual seja, no caso, produzir o nosso próprio material didático.
Assim, podemos nos questionar: por que uma coisa planejada não acontece? Diríamos que ou porque
não captamos bem a necessidade (a ação proposta não correspondia de fato a uma carência da instituição), ou
não captamos bem a possibilidade daquilo acontecer (não apreensão do movimento do real: forças de apoio e
de resistência); é claro que isto é sempre limitado: coisas novas podem ocorrer depois de desencadeada uma
ação. Tanto as necessidades quanto as possibilidades são construtos históricos, não estão desde sempre
‘inscritas em algum lugar secreto’ a serem descobertas... A viabilidade envolve questões técnicas, mas
também políticas. Implica, portanto, um processo hermenêutico e de negociação. De qualquer forma, para
chegar a elas é preciso conhecer muito bem a realidade, portanto fazer um bom Diagnóstico, onde além das
resistências aparecem as forças de apoio, que são um dos sustentáculos das possibilidades.

b) Articulação MM — D — P

A Programação deve estar marcada pelo compromisso de se atender as reais necessidades das
pessoas (no sentido coletivo, não individualista) e da instituição. Daí a demanda de que se tenha presente o
Marco Referencial e o Diagnóstico. Corremos o risco de simplesmente justapor as três partes do Projeto
Político- Pedagógico: fazemos uma bela filosofia, colocamos ao lado uma leitura de realidade e ao lado uma

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proposta de ação (M.R., D. e Programação), sem que haja interação entre elas 98. Precisamos de um bom
Marco Referencial que dê o pano de fundo, o horizonte para o qual se caminha, para poder fornecer critérios
para a análise da realidade ou a comparação entre ideal e real, possibilitando fazer um bom Diagnóstico, ou
seja, que nos traga bem presente as necessidades que precisam ser satisfeitas, a fim de guiar a Programação,
resposta prática às necessidades, na perspectiva de se atingir o fim buscado» Enfatizamos que cada passo
depende da consolidação do anterior.

c) Consenso x Hegemonia

Em educação, como em qualquer campo social, existe uma luta sendo travada, onde estão em jogo
diferentes posturas e concepções, que, em última análise, refletem os diferentes compromissos dos sujeitos.
Neste sentido, é praticamente impossível que haja um consenso absoluto do grupo com relação a todos os
aspectos do trabalho. A busca deste tipo de consenso tem sido usada como estratégia daqueles que não
querem mudar, pois sabendo que muito dificilmente se chegará a isso, acabam contribuindo, ainda com uma
fachada de democratas, para deixar as coisas como estão.
O que fazer, então? Entendemos que o consenso é uma meta, mas não sendo possível, deve-se
trabalhar por hegemonia: liderança baseada no consentimento, a partir de concepções que são aceitas por
setores representativos do grupo e que apontam na direção da transformação necessária, na ótica libertadora.

3 COMO FAZER A PROGRAMAÇÃO

A Programação pode ser feita da seguinte forma:

1) Preparação

Antes de Iniciar a elaboração das propostas, o grupo deve ser orientado no seguinte sentido:
• As propostas de ação devem ter como meta a satisfação das necessidades apontadas no
Diagnóstico, tendo em vista o Marco Operativo (e o Filosófico). Por isto, é fundamental que se
tenha em mãos tanto o Marco Referencial, quanto o Diagnóstico.
• Nem todas as necessidades da instituição serão satisfeitas através de 'ações concretas'.

Os participantes devem ser esclarecidos sobre as várias possibilidades de propostas de ação que
visam atender às demandas, que podem ser, basicamente, de quatro tipos:

□ Ação Concreta 99: proposta de uma ação que tem um caráter de terminalidade, ou seja, uma
ação bem determinada que se esgota ao ser executada. A proposta de Ação Concreta deve conter
o quê e para quê, quer dizer, que tipo de ação se propõe e com que finalidade. A inspiração para
a proposta de ação — o quê — vai ser buscada no Diagnóstico (necessidade) e a finalidade —
para quê — no Marco Operativo (ou Filosófico). Esta articulação da proposta com o
Diagnóstico e com o Marco Referencial é importante para se evitar ‘devaneios’, propostas um
tanto descabidas para a realidade da Instituição.

Exemplo de Ação Concreta: ‘Realizar um curso sobre Educação Libertadora para favorecer a
construção de uma postura comum entre os educadores’. Sempre que possível, acrescentar o maior número
de dados para facilitar a concretização (período a ser realizado, horário, responsável, etc.). E formulada com

98 O exemplo acabado, desta distorção é a escola se dividir em três grupos, um fazendo o marco referencial, ao mesmo
tempo em que o outro faz o diagnóstico e o terceiro, a programação. Isto é um absurdo do ponto de vista metodológico. E pura
esquizofrenia!
99 Na linguagem técnica do Planejamento pode ser chamada de “Objetivos Gerais e Objetivos Específicos”.

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verbo no infinitivo.

□Linha de Ação (Orientações Gerais, Princípios, Políticas): indica sempre um comportamento,


uma atitude, um modo de ser ou de agir. Não tem o caráter de terminalidade da ação concreta. E
uma forma específica de satisfazer alguma necessidade captada no Diagnóstico, devendo ser
buscada no Marco Referencial. Considerando que não é possível prever tudo durante a
elaboração do plano, que multas situações novas vão surgir, a Linha de Ação tem também como
função ser uma fonte de subsídios, de orientação para as tomadas de decisão no decorrer do
processo.

Exemplo de Linha de Ação: ‘Que a participação dos pais seja uma constante na vida da escola’. Na
redação, iniciar com ‘Que...’ e usar o verbo no subjuntivo presente; Isto facilita a distinção entre linha de
ação e ação concreta. Não é preciso que a primeira formulação já apareça assim.
A Linha de Ação pode vir acompanhada de um conjunto de Estratégias, que são formas genéricas de
ação; recomenda-se que sejam redigidas com o verbo no gerúndio (ex.: realizando palestras para pais). Cabe
ressaltar que a Estratégia acompanha sempre uma Linha de Ação e é bem diferente de uma Ação Concreta
que é uma ação bem determinada e assumida para acontecer (ex.: palestra para pais sobre ‘Juventude e
Tóxicos’, na primeira semana de março, das 19:00 às 22:00 h., com o profi Fulano de Tal, no auditório),
enquanto a Estratégia é uma possibilidade. O objetivo das Estratégias é abrir um leque de opções para a
realização da Linha de Ação, bem como não perder idéias, contribuições que são pertinentes, mas que
naquele momento do planejamento não se tem condições de definir com clareza sua realização.

□Atividade Permanente (Rotinas, Atividades Periódicas): é a proposta de uma ação que se


repete, que ocorre com determinada freqüência na instituição. A atividade periódica,
obviamente, também deve atender a alguma necessidade da instituição.

Exemplo de Atividade Permanente: ‘Reunião Pedagógica Semanal’.

□ Determinação (Normas, Regras): é uma ação marcada por um caráter de obrigatoriedade, que
atinge a todos ou a alguns sujeitos. Distingue-se das atividades permanentes seja pelo caráter de
obrigatoriedade, seja pelo caráter restritivo. Deve apontar sempre um comportamento passível
de verificação. A norma da mesma forma que as ações anteriores — só tem sentido se for para
satisfazer alguma necessidade identificada no Diagnóstico. De um modo geral, tem uso menor
que as outras modalidades de ação.

Exemplo de Determinação: ‘Na Ia aula do dia e após o Intervalo, os professores deverão esperar os
alunos na sala de aula5. Na redação, deve-se descrever a norma de forma bem objetiva para que possa ser
compreendida, praticada e avaliada.

Observação:

■Princípio geral para a elaboração das propostas:

Garantir as idéias; depois se classifica e se dá redação mais apropriada.

Ao responder as perguntas, pode acontecer que o sujeito pense que está fazendo um tipo de proposta,

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quando, na verdade, é outro; é multo comum se confundir ‘ação concreta’ com linha de ação’ (por aí,
Inclusive, podemos perceber o peso do idealismo em nós). A classificação das respostas deve ser confirmada
posteriormente pela equipe de coordenação. Não vale a pena se perder tempo demais tentando explicar a
diferença precisa entre um e outro tipo de proposta. O importante é que o indivíduo saiba que suas. propostas
podem ser em vários níveis (ação concreta, norma, etc.), e que expresse aquilo que considera relevante para a
instituição, no sentido de suprir suas necessidades. Garantir a proposta; depois se faz a classificação técnica.

Sugestão de Questões para a Elaboração da Programação:

• Que Ações Concretas e com que finalidades devem ser realizadas no próximo (ou
no presente) ano, para atender as necessidades expressas no Diagnóstico?
• Que Linhas de Ação devem orientar nossos trabalhos no próximo ano, para
atender as necessidades expressas no Diagnóstico?
• Que Atividades Permanentes devem existir na instituição, para atender as
necessidades expressas no Diagnóstico?
• Que Determinações/Normas precisam ser adotadas para propiciar o avanço da
transformação da nossa prática, de acordo com as necessidades captadas no
Di ó i ?

2) Aplicação

E a mesma sistemática anterior: cada membro do grupo recebe um determinado número de pedaços
de papel, onde pode registrar as propostas (colocar apenas uma proposta em cada papel). Pode-se dar quantas
propostas quiser, sobre qualquer aspecto da instituição.
As propostas não precisam ser vinculadas, ou seja, para cada necessidade que o sujeito escolher, não
é preciso propor uma Ação Concreta, uma Linha de Ação, uma Atividade Permanente e uma Determinação.
Existem necessidades que podem ser satisfeitas apenas com uma linha de ação ou com um conjunto de
normas, etc.

3) Primeira Sistematização

A equipe coordenadora faz uma primeira organização das propostas (ação concreta, linha de ação,
etc.) e pode elaborar um documento de trabalho com todas as propostas (não entrando no mérito de cada
uma).

4) Análise Inicial

Realiza-se, em grupos pequenos, uma análise Inicial das propostas, levando- se em conta os dois
critérios básicos:

# A correspondência às necessidades da Instituição;


# A viabilidade da realização de tal proposta (especialmente as ações concretas, atividades
periódicas e normas).

5) Processo de Decisão

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No plenário, os grupos expõem suas conclusões. São destacados os pontos de divergência. Estes
podem demandar aprofundamento com dados técnicos; neste caso, deve-se esperar os dados para uma
tomada de decisão. Nos outros casos, volta-se para os pequenos grupos para debate e tomada de posição.
Este esquema pode se repetir enquanto for preciso, até que se chegue às propostas assumidas pela
comunidade para o próximo período de vigência do plano. Enfatizamos: só devem Ir para o plano as
propostas que atendam as necessidades e cuja viabilidade seja assumida pela comunidade.

6) Redação

Existem diferentes formas de se estruturar a Programação. Consideramos que, numa primeira


elaboração, a estrutura pode ser mais simples e objetiva. Sugerimos adotar a mesma estrutura das perguntas
do Marco Operativo e do Diagnóstico,
Quanto às ações concretas, uma vez aprovadas, devem passar por um detalhamento, onde serão
explicitados todos os seus aspectos (o quê, para quê, quando, onde, quem, para quem).
A redação final de cada item da Programação pode ser estruturada da seguinte forma:

□Linhas de Ação
□Ações concretas
□Atividades Permanentes
□Determinações

Pronta a redação, deverá ser dado a conhecer a toda a comunidade educativa.

4-AVALIAÇÃO E REELABORAÇÃO DO PROJETO

A avaliação de conjunto do Projeto é feita ao término de um período previsto e pode começar pela
análise da concretização da Programação feita.

• Ações Concretas: foram executadas todas as ações concretas propostas pelo plano? (o que foi
e o que não foi realizado, o que está em andamento, o que vai ser ainda, o que não foi
programado, mas foi realizado);
• Atividades Permanentes: foram realizadas? estavam de acordo com as necessidades do
grupo?
• Linhas de Ação: ajudaram a caminhada? Até que ponto foram vivenciadas?
• Determinações: foram cumpridas? Ajudaram a construir uma prática transformadora ?

Em seguida, é preciso partir para a análise das Necessidades: em que medida foram supridas? Quais
permanecem? Precisam ser melhor definidas, detalhadas? Que novas necessidades estão colocadas?
Neste trabalho de avaliação, os indicadores anteriormente elaborados têm um papel importante,
servindo como elemento de confronto com o efetivamente realizado e suas conseqüências.
Se o grupo sentir que é preciso, pode-se até fazer uma rápida análise do Marco Referencial: ajudou a
iluminar a prática? Há necessidade de se rever algum ponto?
Feito isto, e tendo como referência as necessidades já revistas e reelaboradas, parte-se então para a
Programação do próximo período.

A metodologia de elaboração do Projeto traz consigo o princípio da autocorreção: primeiro, a

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possibilidade de múltiplas versões na redação (até o grupo chegar a uma satisfatória); depois, o poder do
Diagnóstico: aponta o que não está indo bem, permitindo alterações.

CONCLUINDO
Depois deste longo percurso, podemos ter clareza da complexidade e da importância
do Planejamento no âmbito da educação. Mais do que sistematizar e disponibilizar
ferramentas, esperamos, de alguma forma, poder estar colaborando para superar bloqueios
e apontar caminhos, a fim de fazer do Planejamento um Méthodos de Trabalho do
educador (pessoal e coletivamente), que o ajude na tarefa tão urgente e essencial de
transformar a prática, na direção de um ensino mais significativo, crítico, criativo e
duradouro, como mediação para a construção da cidadania, na perspectiva da autonomia e
da solidariedade. Que efetivamente deixe de ser visto como função burocrática, formalista e
autoritária, e seja assumido como forma de resgate do trabalho, de superação da alienação,
de reapropriação da existência.

Atividades de Síntese
1) Quem deve elaborar o Projeto Político Pedagógico e como deve ser conduzido o processo?
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2) De acordo com tudo o que foi estudado neste módulo sobre o Projeto Político Pedagógico, fale com suas
palavras qual a sua finalidade.
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3) O Marco Referencial é a tomada de posição da Instituição que planeja em relação à sua identidade, visão
de mundo, utopia, valores, objetivos, compromissos. O que deve conter o Marco Referencial?
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Referências Bibliográficas
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WEIL, Simone. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

Atividades Avaliativas

1) As contradições acerca do planejamento, apresentadas no primeiro capítulo estão vinculadas em um


contexto maior que envolve a escola e o educador. Faça uma síntese com os principais aspectos filosóficos,
sociológicos e históricos acerca do problema do planejamento nas escolas.

2) Na educação escolar, podemos realizar planejamentos em diferentes níveis de abrangência. Explicite cada
um dos níveis de planejamento, destacando suas principais características e exemplifique-os.

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3) De nada adianta se ocupar seriamente com o Projeto de Ensino, se o professor (e a escola) não se
preocupar também com algo fundamental. O que seria este “algo fundamental” de que o professor e a escola
precisam se preocupar?

4) Verifique como a LDBEN ressalta a importância Projeto Político Pedagógico em vários de seus artigos:

§ No artigo 12, inciso I, que vem sendo chamado o “artigo da escola” a Lei dá aos estabelecimentos de
ensino a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica.

§ O artigo 12, inciso VII define como incumbência da escola informar os pais e responsáveis sobre a
freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.

§ No artigo 13, chamado o “artigo dos professores”, aparecem como incumbências desse segmento, entre
outras, as de participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino (Inciso I) e
elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino (Inciso
II).

§ No artigo 14, em que são definidos os princípios da gestão democrática, o primeiro deles é a participação
dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola.

Nesse sentido elabores um texto crítico argumentativo sobre como deve ocorrer a elaboração do Projeto
Político Pedagógico na escola e sobre como esta elaboração se torna uma conquista de autonomia da escola.

5) Fale resumidamente sobre o que deve conter e como se dá a elaboração do Marco Referencial, da
Diagnóstico e Programação.

6) A segunda parte deste módulo fala sobre re-significação da prática do Planejamento. O que seria esta re-
significação?

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“Não há bons ventos para quem não sabe para onde ir.” (Sêneca)

Bom desempenho!

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