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Michele Rodrigues

Desafios da educação
a distância
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a desigualdade de acesso às tecnologias digitais como


um limitador da EaD.
 Identificar o preconceito existente em relação à EaD.
 Analisar os impactos da inteligência artificial sobre a EaD.

Introdução
Cada vez mais pessoas optam pela educação a distância, especialmente
pela flexibilidade de horários e de distribuição geográfica. Como você
sabe, essa modalidade de ensino é muito recente, então ainda está em
processo de adequação e normatização. Por isso, mesmo com seu ex-
ponencial crescimento, há quem duvide de que a EaD seja tão eficaz
quanto a educação presencial.
Neste capítulo, você vai conhecer os principais desafios da educação
a distância. Entre eles, está o de utilizar a inteligência artificial (IA) sem
afetar ou comprometer o ensino e sem prejudicar o papel do professor
em sala de aula, seja ela virtual ou tradicional.

Tecnologias digitais e EaD


A internet ajudou a educação a quebrar barreiras. No Brasil, os cursos a
distância surgiram na década de 1920, com a transmissão via rádio, a nova
tecnologia da época. Na década de 1940, começaram os estudos por corres-
pondência. Assim, o Instituto Universal Brasileiro passou a oferecer cursos
profissionalizantes e de extensão. Em 1978, surgiu o Telecurso, também uti-
lizando os meios de comunicação como ferramenta. Ambos existem até hoje.
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Segundo Santos, Ribas e Oliveira (2017, p.42):

As gerações da EaD avançaram muito dado o potencial de interação que


as tecnologias proporcionaram em todas as áreas dos conhecimentos. Hoje
essas tecnologias são utilizadas para ampliar as possibilidades de ensino e
aprendizagem presencial e virtual, discutindo-se, contudo, muito sobre os
modelos educacionais para ambas as modalidades.

Em contrapartida, o acesso à internet em muitos locais ainda é um problema.


Naturalmente, isso acaba gerando exclusão social também na EaD.

As lacunas do mundo digital


As barreiras existem, mas onde estão? Com o aumento da utilização dos
smartphones, você pode ter a impressão de que todos atualmente têm acesso
à internet, porém não é bem assim. A Pesquisa Nacional por Amostra de Do-
micílios (PNAD) realizada em 2016 mostra que 94,6% das pessoas acessam a
internet pelo celular, 63,7% pelo computador e 16,4% via tablet (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2018). No entanto, apenas
45,3% das residências possuem computador (Figura 1).
microcomputadores (%)

54,2 53,5
45,3 47,4
Domicílios com

28,1 29,9

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Figura 1. Domicílios com computador.


Fonte: Adaptada de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018).

Outro fator que chama a atenção é a presença da internet nas residências:


apenas 69,3% delas têm acesso. Esse é um número pequeno comparado aos
83,8% dos países desenvolvidos. Além da renda, o grau de escolaridade do
responsável pela casa também influencia diretamente a conectividade, dei-
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xando as regiões Norte e Nordeste na lanterna (INSTITUTO BRASILEIRO


DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2018).
Nessas grandes áreas, há locais onde não se tem energia elétrica ou água
encanada e onde algumas pessoas não possuem televisão. Veja, na Figura 2,
os motivos que levam à não utilização da internet.

7%
Serviço de acesso à internet não
1% estava disponível nos locais que
Outro motivo costumava frequentar

38%
Não sabiam usar
a internet
38%
Falta de interesse
em acessar a
internet

3%
14% Equipamento eletrônico
Serviço de acesso necessário era caro
à internet era caro
Figura 2. Por que as pessoas não utilizam a internet.
Fonte: Adaptada de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018).

Adaptação das plataformas virtuais


Você já fez algum curso a distância? Caso tenha feito, deve ter percebido que
as plataformas educacionais, em sua maioria, são feitas para computadores
de mesa. Portanto, esqueça o acesso pelo seu smartphone. A velocidade na
invenção de tecnologias digitais é um dos motivos de a educação não acom-
panhar essa evolução.
Se quase 95% da população utiliza seu aparelho celular para acessar a
internet, por que os ambientes virtuais ainda permanecem no passado? A
seguir, você pode ver algumas das razões.
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 Custo de desenvolvimento: para a adaptação, muitas vezes é necessário


“começar do zero”.
 Materiais específicos: ainda estão sendo desenvolvidos os materiais
para a EaD. As pesquisas nesse campo ainda são escassas.
 Falta de formação: os autores de conteúdos para a educação a distância
vêm da educação tradicional, ou seja, não tiveram aulas sobre educação
digital no ensino superior.
 Tempo quase nulo: quando você acha que já é especialista em desen-
volver materiais para computadores de mesa, eis que surge o mobile
learning. Consequentemente, é necessário repensar tudo o que foi feito
anteriormente. Esse ciclo de mudanças é cada vez mais curto.

Educação a distância e preconceito


A EaD é um fenômeno na expansão da educação no Brasil. Para diversas
instituições, ela representa grande parte da receita. Você deve notar que, a
partir do surgimento da educação a distância, houve relativa diminuição na
defasagem do ensino superior e tecnológico. Porém, há quem diga que essa
modalidade tem menor valor do que a presencial.

A torcida adversária
No início da implantação dos cursos superiores a distância, algumas categorias
se posicionaram contra essa modalidade, como o Conselho Federal de Serviço
Social (CFESS), que, em 2005, fez uma campanha com ampla divulgação nas
mídias sociais contra a EaD.
Essa visão é baseada na argumentação de que a EaD tem baixa qualidade
e visa apenas à expansão e ao lucro das instituições responsáveis. Contudo,
a discriminação parte também dos próprios atores envolvidos: professores,
alunos e mantenedores de instituições acadêmicas.
A Convibra (MARCHISOTTI, [2016]), plataforma de conferência on-line,
constatou em uma pesquisa que 78% dos entrevistados têm algum tipo de
preconceito em relação à educação a distância. Entre esses preconceitos, estão:

 material de baixa qualidade com conteúdos superficiais — o material


é resumido e falta conteúdo, pois não há “interferência” do professor;
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 ensino–aprendizagem pouco eficaz — não há pesquisas que comprovem


a sua efetividade;
 avaliações fraudulentas — há dúvidas relativas ao real aprendizado do
aluno, já que ele poderia “colar” durante a realização da prova;
 maior facilidade na aprovação — há a crença de que o curso é mais
fácil do que o presencial, já que não existe cobrança;
 falta de interação — há a ideia de que os alunos se sentem “largados”
e de que os cursos se tornam impessoais.

A Carta Aberta aos Estudantes e Trabalhadores dos Cursos de Graduação a Distância em


Serviço Social no Brasil (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2009) foi publicada
para apaziguar os ânimos entre os profissionais e estudantes da EaD e os membros do
CFESS. No link a seguir, você pode ver quais foram as justificativas para tal campanha.

https://goo.gl/wTHGq3

O outro lado da moeda


Atualmente, o preconceito já é bem menor, devido ao vasto número de estudos
comprovando a eficácia do blending learning (ensino híbrido) para o aluno.
Por isso, não se assuste: os pontos positivos da EaD são inúmeros. Entre
eles, você pode considerar: adaptabilidade de estudo, tempo e localização
geográfica; menor custo-benefício; diversidade de temas; suporte on-line;
materiais adaptados, etc.
Na EaD, você estuda em qualquer lugar, pelo seu celular ou computador.
A obrigatoriedade de estar todos os dias às 19h em sala de aula é coisa do
passado. Contudo, tenha em mente que nem todos se adaptaram à modalidade
e que algumas empresas ainda fazem cara feia para esse tipo de formação.
Cabe a você mostrar que sua formação em EaD contribui para o desen-
volvimento de habilidades como dedicação, comprometimento, organização
e autonomia, que são características fundamentais para qualquer empresa.
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No link a seguir, entenda o que o mercado de trabalho pensa a respeito da EaD e saiba
como escolher um bom curso.

https://goo.gl/ZH64AA

Regulamentação
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) diz que, inde-
pendentemente do tipo de modalidade, presencial ou a distância, a validade do
diploma é a mesma em todo o território nacional (BRASIL, 1996). O Ministério
da Educação (MEC) ampliou as ofertas de cursos EaD por meio do Decreto
nº. 9.057, de 25 de maio de 2017. Uma das maiores mudanças refere-se à não
obrigatoriedade de curso presencial para a existência da instituição de ensino
superior (IES), por meio de autorização prévia:

O Decreto nº. 9.057, de 25 de maio de 2017 possibilita o credenciamento de insti-


tuições de ensino superior (IES) para cursos de educação a distância (EaD) sem
o credenciamento para cursos presenciais. Com isso, as instituições poderão
oferecer exclusivamente cursos EaD, na graduação e na pós-graduação lato sensu,
ou atuar também na modalidade presencial (BRASIL, 2017, documento on-line).

Ao mesmo tempo, esse decreto destaca que os cursos de pós-graduação


stricto sensu somente poderão ser oferecidos em modalidade EaD, desde que
tenham a aprovação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Capes. Sendo assim, de acordo com o Art. 18 º:

A oferta de programas de pós-graduação stricto sensu na modalidade a distân-


cia ficará condicionada à recomendação da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior Capes, observadas as diretrizes e os pareceres
do Conselho Nacional de Educação. (BRASIL, 2017, documento on-line).

Esse crescimento cria grande demanda em diversas profissões, como de


professores autores, tutores, designers instrucionais e conteudistas, cujos
cursos terão maior número de vagas nos próximos anos. Portanto, a partir da
regulamentação do MEC, há maior respaldo para a EaD. Consequentemente,
a tendência é que o preconceito vá se extinguindo aos poucos, uma vez que
uma maior fatia da comunidade acadêmica estará inserida no processo.
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Inteligência artificial e EaD


A inteligência artificial é um assunto recorrente nos últimos tempos. Você já
deve ter cogitado a possibilidade de ser substituído por um robô em seu emprego,
não é? Alguns temem essa perspectiva, pois creem que serão substituídos por
uma máquina em breve. Quem assistia aos Jetsons (Figura 3) talvez não tenha
imaginado que Rosie, a empregada doméstica robô, um dia existiria na vida real.

Figura 3. Rosie, a empregada doméstica robô.


Fonte: Adaptada de Pontes (2016).

De maneira geral, a inteligência artificial consiste em computadores que


pensam de forma humana, ou seja, tomam suas próprias decisões baseados no
estudo do comportamento do homem. Eles também precisam de treinamento
até se tornarem “confiáveis”. Assim, sofrem uma espécie de alfabetização,
em que suas ações são monitoradas e corrigidas.

Aplicações na educação
Os testes em IA estão crescendo. Na internet, você pode encontrar diversas
pesquisas acadêmicas a respeito. O ensino adaptativo torna o professor uma
espécie de analista de dados, posição muito similar à que ele assume ao analisar
os alunos em aulas de reforço.
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A IA faz a correção automática de trabalhos e atividades on-line. Ao


longo do tempo, você vai aperfeiçoar seus métodos, encontrando as melhores
maneiras de disponibilizar seus materiais nos ambientes on-line. Se surgirem
taxas significativas de erros, o sistema vai lhe enviar notificações.

A seguir, você pode conhecer algumas inteligências artificiais aplicadas na educação.


 Khan Academy — os alunos são os moderadores de IA, por meio do ensino adapta-
tivo. O sistema libera novos materiais didáticos de acordo com o desempenho do
aluno, dando mais atenção às dificuldades de cada um, de maneira personalizada.
 AltSchool — plataforma adaptativa que possui bibliotecas de vídeos, textos e testes
que são liberadas de acordo com as necessidades do aluno.
 Third Space Learning — tutoria para o aprendizado de matemática baseada em
análises de aulas dadas anteriormente.

Jill Watson, o robô


Neste exato momento, você pode estar sendo atendido por um robô sem saber.
Segundo a revista Veja (CONHEÇA..., 2016), isso aconteceu com os alunos do Instituto
de Tecnologia da Geórgia. Tudo isso porque o professor Ashok Goel possuía uma nova
assistente, chamada Jill Watson. Ela foi criada para responder às inúmeras mensagens
de seus alunos em fóruns de discussão do curso de ciência da computação. Os alunos
ficaram sem saber da novidade durante um bom tempo.
Watson, originária dos Estados Unidos, analisa dados e soluciona os problemas. Agora
em nova fase, ganhou o pseudônimo de Stacy. Para iniciar o semestre, o professor
informava aos alunos que eles poderiam ou não ser atendidos por computadores. Ele
percebeu, monitorando os fóruns, que os alunos tentavam adivinhar com quem falavam.
Stacy iniciava sua interação em um fórum encorajando os membros da turma a se
apresentarem. Ao longo do semestre, ela respondeu a cerca de metade deles, entrando em
contato com parágrafos curtos e detalhes relevantes sem nenhuma interferência humana.
Ao final do semestre, os alunos foram indagados sobre quem era humano ou não.
Cinquenta por cento dos alunos acertaram, dizendo que Stacy era um robô. Contudo,
cerca de 10% confundiram dois assistentes humanos, dizendo que não eram reais.
Houve um aumento significativo na participação dos alunos em fóruns e Goel
atribuiu o resultado à rapidez de resposta dos computadores. Ele não imaginava esse
resultado, pois seu único intuito era “desafogar” sua equipe.
Alguns de seus alunos criaram seus próprios chatbots, colocando em prática o apren-
dizado das aulas. Os assistentes estão sendo reconhecidos como uma das tecnologias
mais inovadoras dos últimos 50 anos no ensino superior.
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Chatbot é um robô desenvolvido para interagir com humanos onde houver comu-
nicação automatizada. Alguns possuem AI integrada e melhoram suas respostas ao
longo do tempo.

BRASIL. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/
L9394.htm>. Acesso em: 6 ago. 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. MEC atualiza regulamentação de EaD e amplia a oferta
de cursos. 2017. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/busca-geral/212-noticias/
educacao-superior-1690610854/50451-mec-atualiza-regulamentacao-de-ead-e-amplia-
-a-oferta-de-cursos>. Acesso em: 6 ago. 2018.
CONHEÇA Jill Watson, a professora que é, na verdade, um robô. Veja, maio, 2016.
Disponível em: <https://veja.abril.com.br/ciencia/conheca-jill-watson-a-professora-
-que-e-na-verdade-um-robo/>. Acesso em: 6 ago. 2018.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PNAD contínua: acesso à Internet
e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2016. Rio de Janeiro:
IBGE, 2018. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101543.
pdf>. Acesso em: 6 ago. 2018.
MARCHISOTTI, G. G. et al. Preconceitos dos brasileiros contra a educação à distância. [2016].
Disponível em: <http://www.convibra.com.br/upload/paper/2016/31/2016_31_13271.
pdf>. Acesso em: 6 ago. 2018.
PONTES, P. A empregada doméstica do futuro próximo. 2016. Disponível em: <http://
pjpontes.blogspot.com/2016/01/a-empregada-domestica-do-futuro-proximo.html>.
Acesso em: 7 ago. 2018
SANTOS, P.; RIBAS, E.; OLIVEIRA, H. B. Educação e tecnologias. Porto Alegre: SAGAH, 2017.
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Leituras recomendadas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Censo EaD Brasil 2016: relatório
analítico da aprendizagem a distância no Brasil. Curitiba: InterSaberes, 2017. Disponível
em: <http://abed.org.br/censoead2016/Censo_EAD_2016_portugues.pdf>. Acesso
em: 6 ago. 2018.
BERMUDEZ, A. C. O mercado de trabalho tem preconceito com quem faz EaD?
Guia do Estudante. 2017. Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/pos-
-graduacao/o-mercado-de-trabalho-tem-preconceito-com-quem-se-formou-a-
-distancia/>. Acesso em: 6 ago. 2018.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Carta aberta aos estudantes e trabalhadores
dos cursos de graduação a distância em serviço social no Brasil. Campo Grande: [s.n.],
2009. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/03_cartaaberta_estudante-
setrabalhadores_2009.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2018.
INSTITUTO UNIVERSAL BRASILEIRO. Quem somos. [2018]. Disponível em: <https://
www.institutouniversal.com.br/institucional/quem-somos>. Acesso em: 6 ago. 2018.
SANTOS, B. Apesar de expansão, acesso à internet no Brasil ainda é baixo. Revista Exame,
dez. 2016. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/apesar-de-expansao-
-acesso-a-internet-no-brasil-ainda-e-baixo/>. Acesso em: 6 ago. 2018.
TELECURSO: há mais de 30 anos investindo em educação a distância. Globo Educa-
ção, mar. 2013. Disponível em: <http://redeglobo.globo.com/globoeducacao/noti-
cia/2012/09/telecurso-ha-mais-de-30-anos-investindo-em-educacao-distancia.html>.
Acesso em: 6 ago. 2018.

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