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Ana Tereza Pinto de Oliveira

1a Edição
Expediente

Editor Italo Amadio


Editora Assistente Katia F. Amadio
Assistente Editorial Edna Emiko Nomura
Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira
e Ivani Martins Cazarim
Projeto Gráfico e Diagramação Exata Editoração
Elaboração do Encarte Benedicta Aparecida Costa dos Reis
Colaboração na Contextualização Silvia Sampaio
Capa Antonio Carlos Ventura

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Oliveira, Ana Tereza Pinto de
Literatura brasileira: teoria e prática / Ana Tereza Pinto de
Oliveira. – 1. ed. – São Paulo : Rideel, 2006.

ISBN 85-339-0812-1

1. Literatura brasileira I. Título.

06-0011 CDD-869.9

Índice para catálogo sistemático:


1. Literatura brasileira 869.9

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BARROCO
(1601-1768)
Reprodução

Detalhe da vista do Itamaracá, de Franz Post.

Franz Post, pintor trazido para Pernambuco pelo holandês Maurício de Nassau,
registrou cenas do cotidiano da Colônia à época do Barroco.

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BARROCO: séculos XVII e XVIII

CONTEXTO HISTÓRICO: a) na Europa


• estados absolutistas
• Contra-Reforma – Companhia de Jesus e
Concílio de Trento
• desaparecimento de D. Sebastião em
Alcácer-Quibir
• domínio espanhol sobre Portugal (1580-1640)

b) no Brasil
• ciclo da cana-de-açúcar
• Bahia e Pernambuco: centros econômicos e
culturais
• bandeiras
• invasões

CARACTERÍSTICAS: rebuscamento da forma (gongorismo)


rebuscamento do conteúdo (conceptismo)
tentativa de conciliação de opostos

AUTORES: Bento Teixeira


Gregório de Matos Guerra
Padre Antônio Vieira
Manuel Botelho de Oliveira

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Barroco
(1601-1768)
As manifestações literárias do Barroco no Brasil iniciaram-se com a
publicação do poema épico Prosopopéia, de Bento Teixeira, em 1601, e
encerraram-se, teórica e oficialmente, em 1768, com a fundação da Arcádia
Ultramarina e a publicação de Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa.
No entanto, em 1724, com a fundação da Academia Brasílica dos Esqueci-
dos, registra-se o início de uma consciência grupal com a socialização do
fenômeno literário, assinalando, pois, a decadência dos valores defendidos
pelo Barroco e a ascensão do movimento árcade. Vale lembrar que o poe-
ma Prosopopéia é uma imitação de Os Lusíadas, cujo objetivo é louvar Jor-
ge Albuquerque Coelho, donatário da capitania de Pernambuco.

Contexto Histórico
O final do século XVI assistiu ao término do ciclo das Grandes Navega-
ções e à derrocada política e econômica de Portugal que, em 1580, depois
da morte de D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, cai sob o domínio
espanhol. A dominação, que durou 60 anos, terminou em 1640.
A unificação da Península Ibérica deu força à Contra-Reforma, que
procurava não só recuperar os fiéis perdidos para a Reforma Protestante,
mas também conquistar novos seguidores. O vigilante Tribunal do Santo
Ofício da Inquisição não deixou que os avanços científicos e culturais do
resto da Europa chegassem à Península, impondo severa censura a toda
produção. Judeus e muçulmanos foram convertidos pela força ao catoli-
cismo. Com a fundação da Companhia de Jesus, em 1534, por Santo
Inácio de Loyola, os jesuítas dominaram o ensino tanto em Portugal quan-
to no Brasil.
O domínio espanhol, no entanto, não exerceu muita influência no
plano político brasileiro, uma vez que a Colônia continuou a ser adminis-
trada por portugueses. Durante esse período, começou o processo de
expansão territorial com as bandeiras, que, penetrando o sertão, procu-
ravam escravos, ouro e pedras preciosas. Com a conquista do litoral do
Norte e do Nordeste, os franceses foram expulsos. Os holandeses, de-

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pois de uma tentativa frustrada de se estabelecerem na Bahia entre 1624
e 1625 (o episódio foi objeto de um dos mais importantes sermões de
Vieira), ocuparam a capitania de Pernambuco. Aí permaneceram de 1630
a 1654, explorando a cana-de-açúcar. Expulsos, os holandeses come-
çaram a produzir açúcar nas Antilhas e forçaram a queda dos preços
internacionais do produto, por isso o ciclo da cana-de-açúcar entrou em
declínio no Brasil.

Manifestações Artísticas
O Barroco europeu — expressão artística da crise espiritual vivida
pelo homem do século XVII, dividido entre a racionalidade e o antropo-
centrismo do Renascimento e a volta ao teocentrismo e à espiritualidade
medievais — caracterizou-se pela ostentação, cujo objetivo era impres-
sionar e influenciar o receptor: a fé deveria ser atingida mais pelos senti-
dos e pela emoção do que pelo raciocínio. A arquitetura, a escultura e a
pintura, freqüentemente misturadas, perseguem esse fim usando de re-
cursos como:

Reprodução
a) assimetria – o estilo é retorci-
do, opondo-se à simetria e ao
equilíbrio do Renascimento;

Colunas negras do
Vaticano.

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Reprodução

b) impressão de movimento – opondo-se


à estaticidade clássica, são escolhidas
as cenas de maior intensidade dramá-
tica (rostos contraídos pelo sofrimento
ou pelo êxtase) para serem represen-
tadas na escultura e na pintura;

Êxtase da
Santa Teresa de Bernini.

c) a técnica do claro-escuro, na pintura, dá a sensação de profundidade.


Reprodução

Descida da cruz,
Pieter Paul Rubens.

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No Brasil, embora o Barroco englobe as primeiras manifestações de
arquitetura jesuítica do século XVI, sua forma mais exuberante, tanto nas
artes plásticas como na arquitetura, só ocorreu no século XVIII, com as
igrejas baianas e mineiras, as esculturas de Aleijadinho, pinturas de Ataíde,
e a música de Lobo Mesquita e José Maurício Nunes Garcia.
O Barroco literário não coincidiu, portanto, com as outras manifesta-
ções culturais.

As igrejas barrocas eram construídas de


taipa de pilão, uma técnica que consiste
em socar blocos de barro em uma fôrma de
madeira, depois desmontada.
Foi no século XVII que se popularizou a ópera, espetá-
culo tipicamente barroco. Na ópera, o teatro, a músi-
ca, os cenários, os figurinos, a iluminação e a dança,
juntos, atingem um clímax emocional.

Produção Literária
O Barroco brasileiro foi fruto de manifestações isoladas, visto que a
Colônia ainda não dispunha de um grupo intercomunicante de escrito-
res, nem de um público leitor influente, nem de vida cultural intensa,
situação agravada pela proibição da imprensa e pela falta de liberdade
de expressão.
Reflexo da literatura escrita na Península Ibérica, a produção dessa época
também revela a crise do homem do século XVII, dividido entre os valores
antropocêntricos do Renascimento e as amarras do pensamento medieval
reabilitado pela Contra-Reforma. Essa tensão manifesta-se no confronto
pecado/perdão, terreno/celestial, vida/morte, amor platônico/amor carnal,
fé/razão, céu/inferno.

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Observe essa dualidade neste último terceto do soneto A Jesus Cristo
crucificado estando o poeta para morrer, de Gregório de Matos:

Esta razão me obriga a confiar,


que, por mais que pequei, neste conflito
espero em vosso amor de me salvar.

Como as outras artes, a literatura empregou uma linguagem adequada


à monumentalidade e à ostentação, exagerando no rebuscamento formal
ao abusar de:
a) antíteses, que refletem a contradição do homem barroco, seu
dualismo. Dessa vez o exemplo é do soneto A instabilidade das
cousas do mundo, do mesmo Gregório:

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,


Depois da luz, se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas, a alegria.

b) metáforas, que revelam as semelhanças subjetivas que o poeta des-


cobre na realidade e a tentativa de apreendê-la pelos sentidos. O
último terceto do soneto A Jesus Cristo Nosso Senhor de Gregório
de Matos nos fornece o exemplo:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,


Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

c) hipérboles, que traduzem a pompa, a grandiosidade do Barroco.


Também de Gregório é o exemplo que vem do soneto Aos afetos e
lágrimas derramadas na ausência da dama a quem queria bem, refe-
rindo-se o poeta ao pranto:

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Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido.

d) utilização freqüente de interrogações, que revelam incerteza e


inconstância. Outra vez Gregório em A instabilidade das cousas do
mundo:

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?


Se é tão formosa a luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Há duas correntes barrocas em literatura:


a) cultismo – estilo marcado pelo rebuscamento formal que abusa de
antíteses, paradoxos, hipérboles, jogos de palavras, ordem inversa.
Essa tendência é também chamada de gongorismo, devido à influên-
cia do poeta espanhol Luís de Gôngora. Outro exemplo de Gregório
de Matos, neste fragmento do soneto Ao braço do mesmo Menino
Jesus quando appareceo:

O todo sem a parte não é todo,


A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

b) conceptismo – estilo desenvolvido sobretudo na prosa, preocupado


em expor idéias e conceitos por meio do raciocínio lógico. O seguin-
te fragmento do Sermão da Sexagésima, de Vieira, exemplifica essa
tendência:

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Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode pro-
ceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da
parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se con-
verter por meio de um sermão, há de haver três concursos:
há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há
de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de
concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver
a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz.
Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se
tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de
luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos.
Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem
dentro em si e ver-se a sim mesmo? Para esta vista são neces-
sários olhos, é necessária luz e é necessário espelho. O prega-
dor concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre
com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que
é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por
meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do
pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que
falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por
parte de Deus?

Bento Teixeira (1560-1618)


No Barroco literário destacam-se Gregório de Matos Guerra e Padre
Antônio Vieira (também estudado no Barroco português) entre outros.

Gregório de Matos Guerra (1633?-1696)


Nascido na Bahia, foi para Coimbra, onde se formou em Direito. Suas
sátiras valeram-lhe o apelido de “Boca do Inferno” e foram responsáveis
por sua expulsão de Portugal. Voltou para o Brasil e a seguir foi degredado
para Angola (pelo mesmo motivo). De lá voltou para morrer no Recife, pois
estava proibido de voltar à Bahia, bem como de apresentar suas sátiras.

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Sua obra não foi publicada na época e só no final do século XIX Gregório foi
redescoberto. Entre 1923 e 1933, a Academia Brasileira de Letras publicou
seis volumes com a compilação de sua poesia.
Seguindo modelos barrocos europeus, o poeta escreveu uma lírica que
engloba poesias amorosas, religiosas, satíricas e filosóficas.
Nas amorosas está presente o dualismo carne/espírito, mulher-anjo/
mulher-demônio. Observe que neste soneto o nome da amada sugere as
duas imagens em torno das quais se organiza toda a expressão poética.

A mesma D. Angela

Anjo no nome, Angélica na cara!


Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:

Quem vira uma tal flor, que a não cortara,


Do verde pé, da rama florescente;
E quem um Anjo vira tão luzente;
Que por seu Deus o não idolatrara?

Se pois como anjo sois dos meus altares,


Fôreis o meu Custódio*, e a minha guarda, * protetor
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda*, * elegante


Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

Nas filosóficas discute-se os temas da transitoriedade da vida, da pas-


sagem do tempo, da instabilidade das coisas e do desconcerto do mundo.
Leia o exemplo:

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Desenganos da vida humana metaforicamente

É a vaidade, Fábio, nesta vida,


Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa* rompe, arrasta presumida*. * elegante * vaidosa

É planta, que de abril favorecida,


Por mares de soberba desatada,
Florida galeota* empavesada*, * barquinho * enfeitada
Sulca ufana*, navega destemida. * vaidosa

É nau* enfim, que em breve ligeireza, * navio


Com presunção de Fênix generosa,
Galhardias* apresta*, alentos preza: * elegâncias
* prepara rápido

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa


De que importa, se aguarda sem defesa
Penha* a nau, ferro* a planta, tarde a rosa? * penhasco, rochedo
* no sentido de machado

Nas sacras manifesta-se o conflito pecado/perdão, vida mundana/bus-


ca da pureza.

A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,


Da vossa alta clemência me despido*; * despeço
Porque quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,


A abrandar-vos sobeja um só gemido:

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Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada* * recuperada


Glória e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História*, * Sagradas Escrituras

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada*, * perdida, pecadora


Cobrai-a: e não queirais, Pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Em suas poesias satíricas, responsáveis por sua expulsão de Portugal e


do Brasil, encontram-se termos indígenas e africanos, gírias, palavrões
e expressões locais. Nelas, Gregório satiriza o clero, os administradores
portugueses, a sociedade baiana da época e até o rei.

A uma freira, que satirizando a delgada


fisionomia do poeta lhe chamou “Pica-Flor”

Décima

“Se Pica-Flor* me chamais, * beija-flor


Pica-Flor aceito ser,
mas resta agora saber,
se no nome que me dais,
meteis a flor, que guardais
no passarinho melhor!
Se me dais este favor,
sendo só de mim o Pica,
e o mais vosso, claro fica,
que fico então Pica-Flor.”

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Padre Antônio Vieira (1608-1697)

Reprodução
Padre Antônio Vieira

Vieira nasceu em Portugal e aos seis anos veio para o Brasil. Aqui orde-
nou-se padre jesuíta e, em 1640, quando terminou o período de dominação
espanhola, voltou a Portugal. Atacado pela Inquisição por defender cris-
tãos-novos (judeus convertidos ao catolicismo), voltou ao Brasil em 1652.
Expulso do Maranhão por criticar a escravidão a que os colonos submetiam
os indígenas, foi proibido de pregar e condenado a prisão domiciliar.
Suspensa a pena, Vieira seguiu para Roma para pedir a anulação do pro-
cesso. Voltou ao Brasil, onde morreu.
Missionário, homem de ação, político doutrinador e mestre no uso da
palavra, Vieira talvez tenha vivido na época ideal, pois a Colônia não dis-
punha de imprensa, o público leitor era extremamente reduzido, sendo a
linguagem oral o meio mais adequado para divulgar idéias e persuadir
auditórios.
Sua obra divide-se em:
1) obras de profecia: em que conjuga seu estilo alegórico de interpre-
tação da Bíblia à crença no Sebastianismo, segundo a qual um futu-
ro de glórias estaria reservado a Portugal: História do futuro, Espe-
ranças de Portugal e Clavis Prophetarum.
2) cartas: em que discorre sobre sua atuação, a situação da Colônia e
a política da época — as relações entre Portugal e Holanda, a
Inquisição, os cristãos-novos.

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3) sermões (cerca de 200): longos e elaborados segundo raciocínios
claros. Seus sermões compõem-se de:
• intróito ou exórdio: a parte introdutória, de apresentação;
• desenvolvimento ou argumento: defesa da idéia, com base, qua-
se sempre, na exemplificação bíblica;
• peroração: a conclusão, a parte final do sermão.

Seus principais sermões são:


a) Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de
Holanda (Igreja Nossa Senhora da Ajuda, Salvador, 1640): nele Vieira
conclama o povo a combater os holandeses que cercam a cidade;
b) Sermão do Mandato (Capela Real de Lisboa, 1645): nele o pregador
desenvolve o tema do amor divino em oposição ao humano;
c) Sermão de Santo Antônio aos Peixes (Maranhão, 1654): aqui Vieira
critica os colonos do Maranhão e pede que libertem os índios escra-
vizados;
d) Sermão da Sexagésima (Capela Real de Lisboa, 1655): em que resu-
me a arte de pregar.

Observe, neste fragmento do Sermão da Sexagésima, o uso das metá-


foras para os quatro tipos de corações e sua opinião sobre a efemeridade
das coisas no mundo (tema barroco por excelência):

Sêmen est verbum Dei*


O trigo, que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a pala-
vra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em
que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espi-
nhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas,
com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são
os corações duros e obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus,

* A semente é a palavra de Deus.

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e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos
e pertubados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas
que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam;
e nestes é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a
desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons ou o ho-
mens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina,
com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um:
Et fructum fecit centuplum.

Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711)


Brasileiro, estudou em Coimbra e foi amigo de Gregório de Matos. Pu-
blicou Música do Parnaso, uma coletânea de poemas escritos em portu-
guês, castelhano, italiano e latim. Foi o primeiro poeta brasileiro a editar
seus poemas. Dessa obra consta o poema “Ilha da Maré”, em que se perce-
bem traços de nativismo:

Frutas do Brasil

E, tratando das próprias, os coqueiros


Galhardos e frondosos
Criam cocos gostosos,
E andou tão liberal a natureza
Que lhes deu por grandeza,
Não só para bebida, mas sustento,
O néctar doce, o cândido alimento.
De várias cores são os cajus belos;
Uns são vermelhos, outros amarelos,
E, como são vários nas cores
Também se mostram vários nos sabores,
E criam castanha,
Que é melhor que a de França, Itália, Espanha. (...)

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No período barroco apareceram entre nós as primeiras academias lite-
rárias centralizadas na Bahia: em 1724, é fundada a Academia Brasílica dos
Esquecidos e, em 1759, a Academia Brasílica dos Renascidos. Elas foram
importantes porque, além de intensificarem o sentimento nativista, repre-
sentaram a primeira tentativa de intercomunicabilidade literária (reuniram
intelectuais e escritores e estabeleceram uma aproximação cultural entre os
principais centros urbanos de então) e de contato com o público. As acade-
mias também fizeram um importante trabalho de pesquisa histórica. Sebas-
tião da Rocha Pita, cujo pseudônimo era Vago, pertenceu à Brasílica dos
Esquecidos e escreveu História da América Portuguesa.
Reprodução

Frutas tropicais, de Eckhout.

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