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Economia Monetária Recife, 20 de Novembro de 2003.

Prof. Tiago Cavalcanti, gabinete 209, email: cavalcan@fe.unl.pt

Modelo Keynesiano: IS-LM

1 Introdução
Como coloca Mankiw,1 nos anos 70 era mais fácil ser estudante de macroecono-
mia. As questões estudadas eram: 1) O que causa flutuações no produto e no
emprego? e 2) como as polı́ticas devem responder a essas flutuações? Mais
ainda, havia um consenso que o modelo IS-LM, juntamente com a curva de
Phillips representavam de forma eficaz a realidade. Nos dias de hoje, contudo,
não há mais este consenso. Na academia, os modelos Keynesianos não são mais
utilizados. Pelo contrário, há um consenso de que a falta de fundamentos mi-
cro do modelo IS-LM é uma importante falha do modelo, levando a resultados
diferentes do que é observado na realidade. Contudo, dada a sua simplicidade,
instituições governamentais (e. g., Banco Central) e instituições internacionais
(FMI, Banco Mundial), ainda utilizam o modelo IS-LM para analisar os efeitos
de polı́ticas na economia.
Como nós vamos ver, e certamente vocês já sabem de Macro I, os modelos
Keynesianos têm algumas vantagens:

1. É relativamente fácil estudar os efeitos de polı́ticas governamentais em


cenários econômicos diferentes. Por exemplo, não é preciso resolver prob-
lemas de maximização (e.g., problema das firmas e dos consumidores), que
são essenciais nos modelos com micro-fundamentos.

2. Muito dos resultados do modelo Keynesiano podem ser encontrados com


modelos mais complicados e com micro-fundamentos.

Contudo, a simplicidade do modelo Keynesiano tem claras desvantagens,


entre elas:

1. Sem os fundamentos micro não é possı́vel fazer avaliações de bem-estar.


Só é possı́vel inferir se o produto e o emprego vão subir dada a mudança
na polı́tica do governo, mas não é possı́vel fazer inferências de bem-estar.
2. Observar as variáveis apenas no agregado pode gerar omissões de impor-
tantes relações na economia (e.g., a questão do rendimento permanente e
a equivalência Barro-Ricardo).
1 Mankiw, Gregory (1990). “A Quick Refresher Course in Macroeconomics,” Journal of

Economic Literature, XXVIII: 1645-1660.

1
2 Modelo IS-LM: Economia Fechada
Primeiro vamos revisar a economia fechada. O modelo Keynesiano é tradi-
cionalmente sumarizado por duas curvas: Procura agregada (curva AD) e oferta
agregada (curva AS).

P
AS

AD

Figure 1: Procura e Oferta Agregada

A curva AD, que sumariza o lado da procura agregada, é derivada através


do modelo IS-LM.

2.1 A Curva IS
A curva IS mostra as combinações de taxa de juros e rendimento que equilibram
o mercado de bens e serviços. Esta curva é derivada através da indentidade
nacional de que o rendimento é igual aos gastos.
Gastos: E = C + G + I, onde C é consumo agregado, G corresponde aos gasto
governamentais e I é investimento agregado.
Rendimento: Y . Em geral, Y = F (K, N ), onde K é capital e N é o número
de empregados. Como o foco de análise é o curto prazo, nós assumimos que o
capital é fixo e portanto, Y = F (K̄, N ) = F (N ). Onde F 0 (N ) > 0 e F 00 (N ) < 0.
O produto marginal do trabalho é positivo, mas cresce a taxas decrescentes.
Em equilı́brio:

Y = C(Y − T ) + I(i − π e ) + G, 0 < C 0 (Y − T ) < 1, I 0 (i − π e ) < 0, (1)

onde T corresponde aos impostos,2 i é a taxa de juros nominal, e π e é a in-


flação esperada. Note que a propensão marginal a consumir,3 C 0 (Y − T ), é um
número entre zero e um, e investimento é uma função negativa da taxa de juros.
Quanto menor for a taxa de juros, maior o incentivo das pessoas e firmas para
tomar dinheiro emprestado afim de financiar a compra de uma casa ou a de
2 Portanto, consumo é uma função do rendimento disponı́vel, Y d = Y − T .
3 Um exemplo dessa função consumo é C = c̄ + c(Y − T ), onde c̄ > 0 e c ∈ (0, 1).

2
novos equipamentos e máquinas. Através da equação (1) é possı́vel mostrar as
combinações de i − Y que equilibram o mercado de bens e serviços. Note que,

Y − C(Y − T ) − I(i − π e ) − G = 0.

Assim,
dY − C 0 (Y − T )dY − I(i − π e )di = 0,
ou
(1 − C 0 (Y − T ))dY = I 0 (i − π e )di.
Portanto,
dY I 0 (i − π e )
|IS = <0 (2)
di 1 − C 0 (Y − T )
Ou seja, no espaço i − Y a curva IS é negativamente inclinada (lembre-se que
I 0 (i − π e ) < 0).

i S S E E=Y
2 1

E
1
i
2
E2
i1

I(i−πe)

I I1 I, S Y
2
i

i
2

i
1

IS

Y2 Y1
Y

Figure 2: A CURVA IS.

A intuição é a seguinte: um aumento na taxa de juros implica numa redução


nos gastos via uma queda nos investimentos (I ↓), reduzindo assim o rendimento
que equilibra o mercado de bens e serviços (ver figura 2 acima). Portanto, a
declividade negativa da curva IS, se explica pela relação negativa entre a taxa
de juros e o investimento. Note que estamos implicitamente assumindo que o
consumo não é uma função da taxa de juros. A razão é que o foco da análise é
o curto prazo.

2.2 A Curva LM
A curva LM mostra as combinações de taxa de juros e rendimento que equilibram
o mercado monetário. A procura da moeda é dada por:

3
∂L(i,Y ) ∂L(i,Y ) maior renda , maior a
Procura da moeda: L(i, Y ), onde ∂Y = LY > 0 e ∂i = Li < 0.
procura por moeda
Portanto, quanto maior for o rendimento maior é a procura por moeda (os
agentes vão gastar mais). E quanto maior for a taxa de juros menor é a procura
por moeda (os agentes vão comprar ativos financeiros que rendam juros). Ver maior taxa de juros ,
as anotações da procura de moeda de Baumol e Tobin para entender os micro- menor é a procura por
fundametos LY > 0 e Li < 0. moeda

Oferta da Moeda: M P , onde P é o nı́vel dos preços. A oferta de moeda é


determinada pelo Banco Central. Como vimos na aula, o principal instrumento
de polı́tica monetária do Banco Central é a compra e venda de tı́tulos (open
market operations). Por exemplo, para aumentar a oferta de moeda, o Banco
Central compra tı́tulos das empresas e paga os tı́tulos com a emissão da moeda.
Para diminuir a oferta de moeda o Banco Central vende tı́tulos. Ver o capı́tulo 4
do livro “A Polı́tica Monetária do BCE ” para maior detalhes dos instrumentos
e metas das polı́tica monetária do Banco Central Europeu.
Em equilı́brio:
M
L(i, Y ) = . (3)
P
Através de (3) é possı́el mostrar as combinações de i − Y que equilibram o
mercado monetário.
M
L(i, Y ) − = 0,
P
portanto,
LY dY + Li di = 0.
Ou seja,
dY −Li
|LM = > 0. (4)
di LY
A curva LM é positivamente inclinada no espaço i − Y (lembre-se que Li < 0).
Quanto maior for o rendimento, maior é a procura agregada para uma mesma
taxa de juros. Mas como a oferta da moeda é inelástica, maior será a taxa de
juros que equilibra o mercado monetário.

i i
LM

i2

i
1

L(i, Y2)

L(i, Y1)

Y1 Y2 Y M/P L(i, Y)

Figure 3: A CURVA LM.

4
2.3 A Procura Agregada: Curva AD
A interseção da curva IS e da curva LM mostra o valor da taxa de juros e do
rendimento que equilibra o mercado monetário e de bens e serviços. O sistema
que sumariza o modelo IS-LM é:

Y − C(Y − T ) − I(i − π e ) − G = 0 (5)


M
L(i, Y ) − =0 (6)
P
As variáveis endógenas são: Y e i.
As variáveis exógenas (dadas) são: T , π e , G M e P .
Portanto, as equações (5) e (6) definem implicitamente o rendimento e a
taxa de juros como funções das variáveis exógenas:

Y = Y (T, π e , G, M, P ) e i = i(T, π e , G, M, P )

É trivial mostrar que o modelo IS-LM implica numa procura agregada nega-
tivamente inclinada no espaço P −Y . Para perceber isso tire a derivada total do
sistema IS-LM, (5) e (6), em relação ao nı́vel de preço, P , mantendo as outras
variáveis exógenas nos seus valores originais.
dY dY di
− C 0 (Y − T ) − I 0 (i − π e ) =0 (7)
dP dP dP
dY di M
LY + Li + 2 =0 (8)
dP dP P
Usando (7) e (8), nós temos que

di 1 − C 0 (Y − T ) dY
= (9)
dP I 0 (i − π e ) dP
di M 1 LY dY
=− 2 − (10)
dP P Li Li dP

Igualando (9) e (10) implica que

dY − PM2 L1i
|AD = 1−C 0 (Y −T )
<0 (11)
dP + LY
I 0 (i−π e ) Li

A intuição é a seguinte: um aumento em P não afeta a curva IS ((5) é inde-


pendente de P ). Contudo, quando os preços aumentam, a oferta real de moeda
diminui, aumentando a taxa de juros que equilibra o mercado monetário. Isto
implica que, para um mesmo nı́vel de rendimento a taxa de juros vai ser maior,
portanto a curva LM desloca-se para a esquerda, aumentando a taxa de juros,
diminuindo o investimento e portanto a procura agregada (ver figura 4).

5
LM
2
i
i

LM1
i2

i
1

L(i, Y)
IS

M/P M/P
2 1
P Y

P
2

P
1

AD
Y
Y2 Y1

Figure 4: Procura Agregada

2.4 Polı́tica Fiscal Expansiva


Para ilustrar a facilidade de se analisar os efeitos na procura agregada de mu-
danças nas polı́ticas do governo, considere um aumento nos gastos do governo,
G. Por exemplo, considere um ano de eleição em que o governo tem a intenção
de aumentar o produto (emprego) para garantir a reeleição. Quando G au-
menta, os gasto agregados e assim a procura agregada aumentam por conta de
dois efeitos: o primeiro é o efeito direto, já que Y = C + I + G. O segundo
é um efeito indireto através de um aumento no consumo, já que C(Y − T ) e
C 0 (Y − T ) > 0. Assim, a curva IS desloca-se para a direita. Como a curva LM
é independente de G, isso implica que um aumento em G aumenta a procura
agregada e a taxa de juros nominal. Algebricamente, é só derivarmos (5) e (6)
em relação a G:
dY dY di
− C 0 (Y − T ) − I 0 (i − π e ) − 1 = 0, (12)
dG dG dG
dY di
LY + Li = 0. (13)
dG dG
(13) implica que
di −LY dY
= .
dG Li dG
Usando este resultado em (12)

dY 1
= > 0,
dG 1 − C 0 (Y − T ) + I 0 (i − π e ) LLYi

6
e
di −LY 1
= > 0.
dG Li 1 − C (Y − T ) + I 0 (i − π e ) LLY
0
i

O mesmo resultado pode ser visualizado graficamente (ver figura 5).

E E=Y

E =C+I+G
2 2

E1=C+I+G1

Y
i
IS IS
1 2
LM

i
2

i Multiplicador
1 Keynesiano=
1/(1−C’(Y−T))

Y
Y Y
1 2

Figure 5: Um Aumento nos Gastos do Governo

Primeiro, note que o aumento na procura agregada é menor do que o mul-


tiplicado Keynesiano (1/(1 − C 0 (Y − T ))). A razão é que quando a taxa de
juros aumenta , o investimento diminui e o efeito na procura agregada é menor
do que o multiplicador Keynesiano (efeito crowding out). O que acontece com
a procura agregada (Curva AD)? O modelo IS-LM descreve o lado da procura
agregada. No exercı́cio acima o nı́vel dos preços não foi mudado. Portanto,
para um mesmo nı́vel de preço a procura agregada vai ser maior, o que implica
no deslocamento da curva AD para a direita (ver figura 4). O efeito final no
produto (emprego) e nos preços de um aumento nos gastos do governo vai de-
pender da curva de oferta agregada. No caso usual, em que a oferta agregada é
positivamente inclinada, um aumento em G implica em um aumento no produto
e no nı́vel dos preços.
O mesmo exercı́cio pode ser feito para as outras variáveis exógenas, T , π e e
M . Exercı́cio: Qual o impacto na procura agregada de um aumento na oferta
monetária? Mostre algebricamente e graficamente. Em que situação a meta
de taxa de juros (interest rate target) é superior a meta da oferta de moeda
(money supply equal to a target)? Explique graficamente. Essas são questões
importantes que podem aparecer no exame.
É possı́ver perceber que no modelo IS-LM com a economia fechada as prin-
cipais fontes de flutuação no produto e no emprego são: mudanças na polı́tica
fiscal, T e G, e monetária, M , choques na função investimento e choques na
função procura por moeda. Com o modelo IS-LM-AS completo, como nós va-
mos ver, choques na oferta (e.g., choques no preço do petróleo, mudanças nas
leis do trabalho) também são importantes para explicar flutuações no produto.

7
Na análise do impacto de um aumento em G na procura agregada, nós
não mencionamos a restrição orçamentária do governo. Mas, como sabemos,
os governos não podem gastar ilimitadamente. Como o governo vai financiar
os novos gastos é sempre uma questão importante. Alemanha e Portugal, por
exemplo, estão sendo pressionados pela comunidade européia pelo aumento nos
gastos no ano passsado, quando o déficit orçamental aproximou-se do limite
pré-estabelecido pela comunidade (3% do PIB). Em geral, nos modelos IS-LM
a restrição do governo não é levada em consideração porque o horizonte destes
modelos é de curto prazo (e.g., 1 trimestre). No curto prazo, o governo pode
financiar os gastos através do aumento na dı́vida! O que explica o limite de
3% do PIB pela comunidade européia. Assim, os governos têm uma margem de
manobra para utilizar a polı́tica fiscal afim de estimular a economia em perı́odos
recessivos. Afinal de contas, na união monetária, a polı́tica fiscal é basicamente
o único instrumento de estabilização da economia, já que a polı́tica monetária é
estabelecida pelo Banco Central da união. No entanto, numa situação na qual
o déficit já está próximo do limite, Portugal e Alemanha no inı́cio de 2002, nós
devemos adicionar a seguinte restrição:

T − G ≥ −aY, a ∈ (0, 1)

Assim, quando G > T , e o governo pretende estimular a economia via a polı́tica


fiscal, nós temos o seguinte: 1) O governo pode aumentar G (o que leva a um
aumento na procura agregada), mas para isso vai ter que em algum momento
aumentar T para financiar os novos gastos (diminuindo a procura agregada).
Ou seja, o impacto pode ser nulo. 2) O governo pode aumentar o limite a, tal
que a restição imposta como meta não seja tão forte. Hipótese esta, sugerida
pela Alemanha e Portugal.
Estas anotações basearam-se nos seguintes textos:

• Mankiw, Gregory (1990). “A Quick Refresher Course in Macroeconomics,”


Journal of Economic Literature, XXVIII: 1645-1660.

• Mankiw, Gregory (1997). “Macroeconomics,” Worth: Third Edition,


chapters 9 and 10.

• Romer, David (1996). “Advanced Macroeconomics,” McGraw-Hill, ch. 5:


195-205.

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