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PERSPECTIVAS INVESTIGATIVAS1
Joana Peixoto
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
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Texto ainda no prelo - um dos capítulos do livro que será publicado pela ANPEdCO – 2012. Logo, uso
exclusivamente didático na disciplina “Educação, comunicação e mídia” nos cursos de graduação da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
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Descartes analisa o corpo humano como um modelo baseado na máquina. “A única diferença entre o
corpo e a máquina se deve ao fato que Deus cria máquinas infinitamente mais perfeitas que os artesãos. O
corpo é uma (...) máquina que, tendo sido feita pelas mãos de Deus, é incomparavelmente melhor
ordenada e contém movimentos mais admiráveis do que qualquer das que possam se inventadas pelo
homem.” (DESCARTES, 1987, p. 60).
ALMEIDA, 2009; VALENTE, 2009), mas de tomar como fundamento nossa herança
intelectual em busca de respostas novas para este mundo moderno, rápido, internacional
e globalizado. Trata-se, então, de conhecer o terreno no qual se trabalha, colocando em
causa a nossa herança intelectual.
No domínio da pedagogia, trata-se de se apoiar nos debates feitos nas ciências da
educação e nos campos que lhe dão suporte. Proponho, então, afirmar a espessura sócio-
histórica da área da pedagogia em relação à tecnologia. Nesse campo, meus estudos se
propõem a elencar as categorias emergentes da abordagem histórico-cultural que podem
servir como indicadores ou categorias de análise que possam apoiar as pesquisas e os
estudos sobre as concepções, as práticas e os discursos sobre os temas relacionados à
área da tecnologia aplicada à educação3 (PEIXOTO, 2011).
Outro caminho é contribuir para a elaboração e o aprofundamento de uma
abordagem sociotécnica (ALBERO, 2011; VEDEL, 1994; PEIXOTO, 2009a, 2009b;
SANTOS, 2005), que não antagonize o artefato e a atividade, o ambiente e o contexto, o
técnico e o simbólico. Trata-se de considerar a densidade e a força do contexto sócio-
político que configura os dispositivos educacionais mediados pelas TIC.
Assim, o presente artigo apresenta a síntese de um dos caminhos adotados em
minha trajetória de pesquisa que, a partir de estudos com base antropológica e
sociológica, faz a crítica das concepções instrumental e do determinismo tecnológico,
apontando a abordagem sociotécnica como possibilidade para a compreensão crítica e
contextualizada das relações entre as tecnologias e a sociedade.
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Nesta vertente, minha pesquisa parte dos conceitos de artefato, instrumentos, atividade mediada, ato
instrumental e mediação. Os estudos indicam a necessidade de apreender, em um movimento dialético, os
artefatos em sua natureza material ou simbólica, interna ou externa ao indivíduo, individual ou coletiva.
Quanto aos instrumentos, é preciso considerar que estes podem ser engendrados a partir de um mesmo
tipo de artefato, em função do tipo de relação mediadora que prevalece.
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considerada como um sistema autônomo que se desenvolve segundo uma lógica própria
que influencia seu contexto. Segundo o determinismo tecnológico,
Objetos Sujeitos
técnicos sociais
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Sujeito social, com base no materialismo histórico-dialético é aquele que se constitui historicamente na
relação com o seu meio social. Não apenas condicionado pelas determinações sociais objetivas, o sujeito
social é o ponto de convergência das relações entre o individual e o social, entre as condições materiais
objetivas e as subjetivas.
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Conforme expressão de Simondon (1989), os objetos técnicos são pensados e construídos pelo homem.
Tomados em seu contexto sócio-histórico são considerados como artefatos materiais e simbólicos, em sua
dimensão individual e coletiva, simultaneamente.
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A visão da tecnologia como facilitadora do trabalho didático-pedagógico se
fundamenta [...] em uma concepção instrumental que, ao dicotomizar meios e
fins, tem alimentado uma certa ilusão quanto ao seu potencial pedagógico.
Quando se fala em meios, faz-se referência a um efeito que se pretende causar:
meios utilizados para atingir determinados fins. Um meio ou instrumento é
indiferente aos fins para os quais é utilizado e, neste sentido, é neutro. Ao
afirmar a neutralidade da técnica, esta visão a esvazia de uma essência ou de
qualquer autonomia (PEIXOTO, 2009a, p. 222).
Objetos Sujeitos
técnicos sociais
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inteiramente os usos, que sofrem os efeitos do contexto e, igualmente, das
intencionalidades dos sujeitos.
Assim, quando utilizam as tecnologias, alunos e professores possuem uma
autonomia relativa, já que são condicionados pelas condições sociais e culturais nas
quais se encontram.
Em uma perspectiva dialética, de forma a incorporar e a superar tanto a
abordagem instrumental quanto o determinismo tecnológico, a abordagem sociotécnica
considera que os objetos técnicos são construtos sociais. Dessa forma, as relações entre
as tecnologias e os sujeitos sociais se dão em uma perspectiva de reciprocidade,
conforme esquema a seguir:
Objetos Sujeitos
técnicos sociais
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conhecimento que pode nos ajudar a compreender as relações entre as tecnologias e a
educação não se reduz a procedimentos técnicos a serem seguidos. E mais, mesmo
considerando do ponto de vista pedagógico, não basta adotar um conjunto de estratégias
didáticas visando “facilitar” o processo de ensino e aprendizagem. Ou seja, as
proposições didáticas estão ancoradas na teoria, inclusive no que diz respeito à
integração pedagógica das TIC à educação.
Com base em revisão de literatura que embasou pesquisas anteriores
(PEIXOTO, 2005, 2007; PEIXOTO; CARVALHO, 2009) e na demanda advinda do
processo de orientação de pesquisas de mestrado e de doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Educação da PUC Goiás, além dos estudos antropológicos clássicos
sobre a técnica e o humano minhas pesquisas se voltam para o aprofundamento das
bases teóricas que permitem uma melhor compreensão das práticas pedagógicas
mediadas pelas tecnologias.
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Os usos que fazemos do celular podem bem ilustrar essa situação. A propriedade
de mais de um aparelho celular, a troca constante de aparelhos, a utilização ostensiva
dos mesmos em lugares públicos sugere que esses objetos constituem a realidade de
referência, mas essa realidade não é mais importante do que os valores simbólicos
atribuídos ao celular (juventude, poder, presença conectada) e nem do que as condições
materiais e objetivas nas quais se insere.
Em outras palavras, levar em conta tanto os conteúdos, como os objetos
técnicos, assim como os processos individuais e coletivos e suas relações, ajudam a
evitar a hierarquização dos usos, estudando-os primeiro em termos de relações com a
técnica e, em seguida, em termos de relações com a apropriação de conteúdos. Assim, o
uso pode ser considerado como a maneira como se encarnam materialmente as relações
com o saber. Essa abordagem parece muito mais profícua no quadro das pesquisas em
educação.
Nessa perspectiva, o contexto não é visto como um ambiente objetivo,
eventualmente filtrado pelas subjetividades, no qual os usos tomam lugar tal como eles
se manifestam por meio de comportamentos e de discursos. O contexto é parte
integrante do uso: tanto ou mais do que as funcionalidades técnicas. O que as pessoas
fazem e também o que elas dizem que fazem, tornam aparentes as estreitas articulações
entre os objetos técnicos, os lugares e as situações. Diversos fatores estão em jogo, e
não apenas as questões de ordem técnica: a mudança do contexto, a natureza dos objetos
e a natureza dos conteúdos. Tudo isto se articula em configurações complexas e não
apenas em relações de causa e efeito. Desta forma, os discursos, os usos e as formas
como os sujeitos pensam que usam não são uma sucessão de causas e efeitos. Todos
esses aspectos articulam os objetos aos contextos, formando um conjunto.
Essa perspectiva de pesquisa implica também em articular o técnico ao
pedagógico. Pouco se avança nas leituras que analisam tais aspectos de maneira
dissociada. De um lado, a análise das funcionalidades técnicas em uma perspectiva
instrumental. De outro, leituras de ordem comunicacional, sociológica, psicológica ou
didática das práticas ou políticas educativas. Vale a pena empreendermos esforços no
sentido de articular, técnica e usos, instrumentos materiais e funções simbólicas,
subjetividades e contexto objetivo, sempre afirmando o caráter múltiplo, complexo e
socialmente construído das tecnologias integradas aos processos educativos.
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Referências
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BUSTAMANTE, S. B. V. (Orgs.). Educação a Distância: prática e formação do
profissional reflexivo. São Paulo: Avercamp, 2009. p. 65-82.
SANTOS, E. O. Educação on-line: a dinâmica sociotécnica para além da educação a
distância. In: PRETTO, N. de L. (Org.). Tecnologia & Novas Educações. Salvador:
EDUFBA, 2005. p. 193-202.
SIMONDON, Gilbert. Du mode d’existence des objets techniques. Paris: Aubier,
1989.
VALENTE, J. A. O estar junto virtual como uma abordagem de educação a distância:
sua gênese e aplicações na formação de educadores reflexivos. In: VALENTE, J. A.;
BUSTAMANTE, S. B. V. (Orgs.). Educação a Distância: prática e formação do
profissional reflexivo. São Paulo: Avercamp. 2009. p. 37-64.
VEDEL, T. Sociologie des innovations technologique et usagers: introduction à une
socio-politique des usages. In: VITALIS, A. (sous la direction de). Médias et nouvelles
tecnologies. Pour une socio-politiqte des usages. Rennes: Apogée. 1994. p. 13-34.
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