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História Contemporânea de

Portugal

“Ouvem-se já os
tambores...”
Portugal entre a guerra e a
Revolução
Manuel Loff
IHC da FCSH da UNL
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
História Contemporânea de
Portugal
Esta é uma apresentação para efeitos
pedagógicos. Para usar o texto de minha
autoria, a sequência de argumentos e a
seleção de textos aqui contida deve ser
usada uma citação correta, mencionando a
natureza da apresentação.
Manuel Loff, maio 2022
Zeca Afonso, “Coro da Primavera”,
in Cantigas do Maio (1971)
https://www.youtube.com/watch?v=fSyg_dETC-Q

Cobre-te canalha Ergue-te ó Sol de Verão


Na mortalha / Hoje o rei vai nu Somos nós os teus cantores
Os velhos tiranos / De há mil anos
Da matinal canção
Morrem como tu
Ouvem-se já os rumores
Abre uma trincheira / Companheira
Deita-te no chao / Sempre à tua frente Ouvem-se já os clamores
Viste gente / Doutra condição Ouvem-se já os tambores

Ergue-te ó Sol de Verão Venha a maré cheia / Duma ideia


Somos nós os teus cantores
P'ra nos empurrar / Só um pensamento
Da matinal canção
No momento / P'ra nos despertar
Ouvem-se já os rumores
Ouvem-se já os clamores Eia mais um braço / E outro braço
Ouvem-se já os tambores Nos conduz, irmão
Sempre a nossa fome / Nos consome
Livra-te do medo Dá-me a tua mão
Que bem cedo / Há-de o Sol queimar
Ergue-te ó Sol de Verão
E tu, camarada, / Põe-te em guarda / Que te vão matar
Somos nós os teus cantores
Venham lavradeiras
Mondadeiras / Deste campo em flor
Da matinal canção
Venham enlaçadas Ouvem-se já os rumores
De mãos dadas Ouvem-se já os clamores
Semear o amor Ouvem-se já os tambores
“Ouvem-se já os tambores...”
Portugal entre a guerra e a Revolução

Uma sociedade em transição para a modernidade


socioeconómica (arranque industrial no pós-guerra,
urbanização, êxodo rural, emigração massiva),
Submetida à mais antiga ditadura da Era do Fascismo
(desde 1926), na sua fase desenvolvimentista: Planos de
Fomento, estratégias convergentes de Estado autoritário e
grandes grupos económicos (os 7 magníficos).
Guerra Colonial (1961-74) em Angola, Guiné-Bissau e
Moçambique: o maior trauma português contemporâneo,
um forte acelerador da mudança.
“Ouvem-se já os tambores...”
Portugal entre a guerra e a Revolução

Uma sociedade em rápida mudança


estrutural:
Emigração e desagregação da sociedade rural tradicional,
despovoamento das regiões do Interior, fronteiriças com
Espanha.
(Sub)Urbanização, industrialização, terciarização,
litoralização demográfica.
A litoralização demográfica

1940: duas cidades (Lisboa


e Porto) de média
dimensão, uma
pluralidade de pequenos
centros urbanos, um país
rural; pequena e média
propiedade no Norte,
Centro e ilhas, grande
propiedade latifundista no
Sul despovoado.
A litoralização demográfica

2001: Uma
sociedade/território
totalmente
desequilibrada/o: dois
pólos metropolitanos
de atração
demográfica, litoral
economicamente
desenvolvido, o
Interior despovoado...
Setores de atividade económica
Fontes: SANTOS, A.R. (1989), «Abertura e bloqueamento da economia portuguesa», in REIS, A. (dir.), Portugal Contemporâneo, vol. V [1958-1974]. Lisboa:
Publicações Alfa, 109-50; SANTOS, M.C., «Estrutura da população activa em Portugal», in
http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224165197C1mAP9iz4Ld29PZ7.pdf; Censos da População, 2001

60

54
51,7
50 49,3

43,6

40 38,4
36,5 36,7 37,3 36,1
34

30,3 Setor Primário


30 28,7
27,7 Setor Secundário
26
25,1 Setor Terciário

20,4
20

12,2 12
10

0
1940: % activos 1960: % activos 1960: % PIB 1973: % activos 1973: % PIB 2001: % activos
A guerra colonial portuguesa (1961-74) e as
descolonizações africanas
“Ouvem-se já os tambores...”
Portugal entre a guerra e a Revolução

A ditadura num impasse: os


fatores de rutura
Ciclo histórico da Guerra
Colonial (1961-74):
* exaustão militar: fracasso da estratégia
militar dos generais Spínola (governador da
Guiné) e Kaúlza de Arriaga (comandante
em chefe em Moçambique) em 1968-73;
«aparência de coesão e de pressão», «jogo
de enganos» (Medeiros Ferreira) na relação
do regime com as Forças Armadas;

* exasperação social: 920 mil portugueses


mobilizados, 250 mil refratários; 30 mil
feridos; 10 mil mortos; 40-120 mil
portadores de stress pós-traumático;
Guerra Colonial (1961-74):
o preço da guerra (milhões de contos)
FONTE: E. ROSA, cit. in H. de la TORRE; J. SÁNCHEZ, Portugal en la Edad Contemporánea (1807-2000). Historia y documentos, Madrid: UNED: 2000, p. 499

A ditadura num impasse: os 18

fatores de rutura 16 15,3


15,9

Iminência de rutura económica: 14 13,7 13,9

keynesianismo militar (política 11,8


12
económica e financeira que prioriza 10,2
11,2

o gasto militar como forma de 10

8,4 Defesa e Segurança


potenciar o crescimento do conjunto 8 7,7 7,9 Investimento
Económico
7
da economia): 43% do Orçamento 6,1 6,3
5,8
6 5,5
de Estado (média dos anos 1961- 5,2
4,4
4,7
4,4 4,3
5
4,6
3,9 4,1
73) dedicado ao esforço de guerra 4 3,3
3,7
Despesa pública
Estado Português em
engole crescimento da economia 2 milhões de contos
nos anos 60; choque petrolífero de (1 conto = 1 milhão
de Escudos)
1973 abre ciclo inflacionista. 0
1962 1964 1966 1968 1970 1972
1961 1963 1965 1967 1969 1971 1973
“Ouvem-se já os tambores...”
Portugal entre a guerra e a Revolução

A ditadura num impasse:


os fatores de rutura
Substituição de Salazar por
Marcelo Caetano (1968-74) não
resolve problema de perda de
margem de manobra política da
ditadura: limites evidentes da
chamada Primavera marcelista
(1969-70), incapacidade de
consolidar processo de
ampliação da base apoio político
(Ala Liberal, tecnocratas, ...).
“Ouvem-se já os tambores...”
Portugal entre a guerra e a Revolução

A ditadura num impasse: os


fatores de rutura
4 anos de crise permanente:
campanha de Humberto Delgado
(5-6.1958), greves e protestos de
contra fraude eleitoral, revoltas
militares (da Sé, em 3.1959, Beja,
em 12.1961), o sequestro do navio
Santa Maria (1.1961), o início da
Guerra Colonial (2-3.1961), invasão
de Goa (12.1961), crise académica
e greves de 1962.
“Ouvem-se já os tambores...”

A ditadura num impasse: os


fatores de rutura
Intensificação, diversificação,
ampliação e radicalização da
mobilização política oposicionista:
PCP e católicos progressistas
(vigília na Capela do Rato, Lisboa, Comunicado da CDE/Lisboa, eleições 1973
Dia Mundial da Paz, 30-31.12.1972)
criam a Intersindical (1970) e as
Comissões Democráticas Eleitorais
(CDEs, 1969-73); a Ação Socialista
Portuguesa transforma-se em
Partido Socialista (1973);
multiplicam-se vários grupos
maoístas (que se autodefinem como
marxistas-leninistas).
“Ouvem-se já os tambores...”
Portugal entre a guerra e a Revolução

A ditadura num impasse: os


fatores de rutura
Luta armada (Liga de Unidade e Ação
Revolucionária, Ação Revolucionária
Armada, Brigadas Revolucionárias)
contra a guerra e as estruturas
repressivas em 1967-73.
Convergência das oposições na Frente
Patriótica de Libertação Nacional,
dirigida por Humberto Delgado,
assassinado pela PIDE em 1965.
Oposições divididas (CDE: PCP+
católicos progressistas+socialistas
independentes vs. Comissão Eleitoral de
Unidade Democrática: ASP+
republicanos) vão até às urnas nas
eleições legislativas (1969).
Emigração massiva: o país do fado...

1,4 milhões de emigrantes


em 1960-73 – com a RDA,
Portugal é o único país da
Europa que perde população
nos anos 1960.
Modernização autoritária
numa conjuntura de
regressão/estagnação
demográfica.
Emigração efetiva por países de destino (1960-73)
(milhares; %)
FONTE: E. FREITAS, “O fenómeno emigratório: a diáspora europeia”, in A. REIS (dir.), Portugal Contemporâneo, vol. 5, s.l.: Alfa, 1989, p. 193

61,4 5 %

101 8 %

78,1 6 % Venezuela
EUA
Canadá
78,2 6 %
Brasil
Outros
51,6 4 % RFA
França
110 8 %

847,2 64 %

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900


Movimento migratório para o Ultramar e emigratório
para o estrangeiro (milhares; %)
Elaboração própria a partir de dados de C. CASTELO, Passagens para África. O povoamento de Angola e Moçambique com naturais da Metrópole (1920-1974), Porto:
Afrontamento, 2007, p. 180.

600

497,2 99 %
500

400

302,7 92 %
300 Passageiros para Ultramar (saldo)
Emigração estrangeiro
245,2 98 %
223,3 88 %
200

116,8 84 %
100

22,7 16 % 30,7 12 % 26,8 8 %


4,6 1 % 5,4 2 %
0
1960-62 1963-65 1966-68 1969-71 1972-73
População branca em Angola e Moçambique
(milhares)
FONTE: C. CASTELO, Passagens para África. O povoamento de Angola e Moçambique com naturais da Metrópole (1920-1974), Porto: Afrontamento, 2007, p. 180.

350
324

300
280,1

250

200 190
172,5
163 Angola
Moçambique
150

97,2
100
78,8
65,8
48,2
50

0
1950 1955 1960 1970 1973
Guerra Colonial (1961-74):
Mancebos recenseados/apurados/faltosos (refratários) (milhares)
FONTE: “Guerra Colonial, 1961-1974”, in
http://www.guerracolonial.org/specific/guerra_colonial/uploaded/graficos/estatiscas/recrutamento.swf (acesso 2017)

120

100
95,6
91,4 92,6
90,8
87,5 88,7
87 86,1
85,4
79,4
80
75,4
70,5
65,7 66,7
64,8 63,3 64
61,2 62
59,7 Recenseados
60 57,1
Apurados
Faltosos
48,8

40

20 17,8 18,5 18,8


17 16 16,5 15,6
13,3 14,4
8,7 10,2

0
1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972
Guerra Colonial (1961-74):
Mobilizados (apurados exceto faltosos) vs. refratários (=faltosos) (milhares, %)
Elaboração própria a partir de “Guerra Colonial, 1961-1974”, in
http://www.guerracolonial.org/specific/guerra_colonial/uploaded/graficos/estatiscas/recrutamento.swf (acesso 2017)

100%

8,7 10,2
90% 17 % 18 % 13,3 14,4 15,6
17 16 16,5 17,8
22 % 24 % 18,5 24 % 18,8
26 % 25 % 27 % 25 %
29 % 28 %
80%

70%

60%

50% Faltosos
Mobilizados
41,1 46,9
40% 83 % 82 % 46,4 46,8 50,1
47,8 47,3 45,5 52,7
78 % 76 % 45,5 76 % 47,9
74 % 75 % 73 % 75 %
71 % 72 %
30%

20%

10%

0%
1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1970 1971 1972
Guerra Colonial (1961-74)
Formação de oficiais do Exército (Academia Militar)
FONTE: Expresso, 17.8.1974, cit. in H. de la TORRE; J. SÁNCHEZ, Portugal en la Edad Contemporánea (1807-2000). Historia y documentos, Madrid: UNED: 2000, p.
490

600
559
550

495
500
460
444
430
410
400
400 392
381 377
350

307 Vagas
300 283
266 266
Candidatos
265 262
257 Admitidos

200 199
200 180
174 175 169
149 151 154 155
137
129
112
103
100 90 90 88
72
58 62
33

0
1960/61 1961/62 1962/63 1963/64 1964/65 1965/66 1966/67 1967/68 1968/69 1969/70 1970/71 1971/72 1972/73 1973/74
Guerra Colonial (1961-74)

A contestação estudantil:
A guerra e a radicalização das
oposições à ditadura
produzem um contexto social
de emergência dos
Crise académica de Coimbra (1969):
estudantes manifestam-se perante movimentos estudantis
desfile do Exército
como atores centrais da
Serviço Militar Obrigatório (2 contestação social → nas
anos no Exército, 3 anos na sucessivas crises
Marinha) e Guerra Colonial académicas (Lisboa e
propicia uma forte politização Coimbra, 1962; Lisboa, Porto
dos jovens em idade militar e Coimbra, 1965; Coimbra,
desde 1961. 1969; todas as universidades
Uma sociedade em rápida mudança
estrutural

A mulher ocupa o espaço


público deixado pelos homens
jovens que partiram (guerra,
emigração): feminização da
escola e do trabalho.
Massificação cultural e política
abrange a metade feminina
dominada de uma sociedade
(até então) tradicional.
Taxa de atividade feminina (%)
50

45 43,6
40,2
40

35
33,1

30

26
25

20

15

10

0
1960 1974 1990 1998
Marcelismo (1968-74): um
salazarismo sem Salazar
Um modelo autoritário e
oligárquico de
modernização:
Guerra Colonial (1961-74) e
keynesianismo militar
Aliança Estado
corporativo/grandes grupos
económicos (os 7
magníficos: CUF, Espírito Santo,
Champalimaud, BPA, Borges, BNU, Burnay).
“Ouvem-se já os tambores...”
Portugal entre a guerra e a Revolução

A Revolução dos Cravos


(24-25 de abril de 1974): o
movimento dos capitães
(Movimento das Forças
Armadas) derruba a ditadura
em 19 horas sem derramar
sangue. A polícia política
(PIDE/DGS), isolada, resiste
pela força (tarde do dia 25) e
mata 4 civis.

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