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CONJUNTOS INFINITOS: CARDINALIDADE, NÚMEROS

TRANSFINITOS E SUA ARITMÉTICA

Matheus Pires Cardoso1


Universidade Federal do Tocantins
matheuspcard1997@uft.edu.br

Matheus Pereira Lobo2


Universidade Federal do Tocantins
mplobo@uft.edu.br

Resumo:
A contagem é uma das relações de grande importância na matemática, quando o homem nas eras remotas
descobriu que com pedras e riscos no chão poderia ter controle sobre o seu rebanho ele não reconhecia
naquele ato a relação biunívoca que fazia, não se tinha ali apenas a matemática primitiva, as primeiras
percepções do homem com o mundo dos números, mas também o uso de uma propriedade que na teoria
dos conjuntos é necessária para se trabalhar com o infinito. A teoria dos conjuntos é uma das partes mais
elementares da matemática, proposta por Georg Cantor. Neste trabalho iremos abordar a definição de
conjuntos finitos e infinitos, enumerabilidade de conjuntos infinitos, cardinalidade, , números transfinitos
e sua aritmética.
Palavras-chave: teoria dos conjuntos. enumerabilidade de conjuntos. números transfinitos. relação
bijetiva. Georg Cantor.

Conjuntos infinitos e sua cardinalidade


Um conjunto 𝐴 é infinito quando não é vazio e não existe uma correspondência
bijetiva entre 𝐴 e um conjunto índice 𝐼# com 𝑘 ∈ ℕ [1]. Há uma definição dada por
Dedekind em 1888, onde ele afirma que um conjunto é infinito se este conjunto for
equipotente a uma parte própria [2], ou seja, é possível determinar uma relação bijetora
entre o conjunto e uma de suas partes. A cardinalidade de um conjunto é dada por meio
de uma relação bijetora que fazemos entre o conjunto que se quer definir a cardinalidade
e os números naturais. Este conceito pode ser sintetizado na ideia de querermos definir
o “tamanho” do conjunto, dando a ele um número cardinal que definirá este “tamanho”.
Este conceito de cardinalidade não é apenas restrito a conjuntos finitos, podemos
estendê-lo para os infinitos, o que é possível por meio da relação bijetora com os
naturais, e para definir a cardinalidade de conjuntos infinitos utilizou-se números
transfinitos.

1
Discente no curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Tocantins.
2
Docente no curso de Licenciatura em Física da Universidade Federal do Tocantins
2

A cardinalidade dos racionais


É quase intuitivo relacionar a ideia de que os Racionais “é maior” que os
Naturais, chega-se a essa conclusão quando raciocinamos que há tantos números
positivos, negativos e fracionários neste conjunto, logo há uma quantidade maior de
números. Vamos nos ater a apenas um subconjunto de ℚ, pegaremos apenas os
positivos. Com estes vamos construir uma tabela como a mostrada a seguir.

Tabela II: A primeira coluna definirá o numerador e a segunda o denominador.

Fonte: Dos Autores.

Dessa forma poderíamos, hipoteticamente, escrever todos os racionais positivos


nesta tabela infinita. Para que este conjunto tenha a mesma cardinalidade dos Naturais, a
relação bijetora entre os dois conjuntos tem que ser possível. Se conseguirmos montar
uma lista infinita, que possa abranger todos os racionais positivos, estaríamos aplicando
a relação bijetora. Faremos da forma como está ilustrado na Tabela III.

Tabela III: Dispondo os números em uma lista seguindo a ordem dada nas setas
podemos ter uma relação bijetora entre ℕ e ℚ(

Fonte: Dos Autores.

) ) *
Sendo assim, o primeiro item de nossa lista será ), o segundo *, depois ). Desta
forma ziguezagueando, cobriríamos toda a tabela e assim teríamos uma relação bijetora
entre Naturais e Racionais positivos. É possível fazer o mesmo com todos os Racionais,
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logo este tem a mesma cardinalidade que ℕ, tais conjuntos são chamados de
enumeraveís por apresentar a relação bijetiva com os Naturais. A cardinalidade destes
conjuntos é representada por um número transfinito, ℵ, (Aleph-zero). Poderíamos,
erroneamente, fazer o mesmo com os Irracionais e depois com os Reais, no entanto não
é possível. Por meio de um método, conseguiu-se concluir que os Reais e Naturais são
dois conjuntos infinitos distintos, e que o primeiro é “maior” que o segundo, no sentido
da bijeção.

O método da diagonal de Cantor

O conjunto dos Reais ℝ é não enumerável. A verificação desta afirmação pode


ser feita por meio de um método desenvolvido por Cantor.
Conhecido como o método da diagonal de Cantor, este propõe a impossibilidade
da relação bijetiva entre ℝ e ℕ. Portanto, o primeiro teria cardinalidade diferente do
segundo, logo ℝ seria um conjunto infinito maior que o de ℕ. Para compreender o
método vamos simplificar os objetos que iremos trabalhar. Por meio de uma
demonstração geométrica, podemos chegar à conclusão que o intervalo aberto (0,1) tem
cardinalidade igual a ℝ. Para isso basta traçarmos a reta real, e um segmento que
indicaria o intervalo (0,1), curvando-o em um semicírculo podemos chegar à conclusão
de que há uma relação bijetiva entre os dois conjuntos. Veja Figura 1.

Figura 1: Relação bijetora entre ℝ e (0,1).

Fonte: STILLWELL, John. Roads to Infinity the mathematics of truth and


proof, 2010.

Nota-se que as retas que partem do ponto interceptam um único ponto em (0,1) e
em ℝ, assim poderíamos concluir que as cardinalidade de ℝ e (0,1) são iguais. Logo se
provarmos que o intervalo é não enumerável estaríamos provando que ℝ também o é.
O método da diagonal leva a um absurdo. Primeiramente se supõe que um
determinado conjunto é enumerável, e com o argumento proposto pelo método
chegaremos em um erro, e que este é consequência da suposição inicial que fizemos.
Para utilização deste método vamos fazer a seguinte lista infinita, com todos os números
presentes no intervalo (0,1):

1. 0,121212121212 …
2. 0,222222222222 …
3. 0,123456788765 …
4. 0,314253647849 …

𝑛. 0, 𝛼)A 𝛼*A 𝛼 BA 𝛼CA 𝛼DA 𝛼EA 𝛼FA …

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Escrito na nossa lista, vamos criar um número a partir dos algarismos daqueles
que já estão na lista. Para isso, vamos considerar que cada algarismo ocupa uma posição
depois da vírgula. O numero terá o seguinte formato 𝛼#A onde 𝑘 indica a posição na
lista. E 𝑛 indica a posição que o algarismo ocupa em relação ao número, ou seja, depois
da vírgula. Para o nosso número vamos utilizar somente os algarismo na forma 𝛼AA .

1. 0, 𝟏21212121212 …
2. 0,2𝟐2222222222 …
3. 0,12𝟑456788765 …
4. 0,314𝟐53647849 …

𝑛. 0, 𝛼)A 𝛼*A 𝛼 BA 𝛼CA 𝛼DA 𝛼EA 𝛼FA …

Com estes algarismos iremos formar um novo número, que não estará na lista,
pois seus algarismos se diferenciariam de qualquer número já escrito. Se incluirmos este
número na lista, ainda sim poderíamos criar outro que também não estará nela.
Sendo assim, não podemos enumerar os números reais que estão no intervalo
(0,1). Então, o conjunto deste intervalo tem cardinalidade maior do que a dos Naturais,
o mesmo vale para os Reais. São dois conjuntos infinitos, mas um infinito é “maior” do
que o outro. Para Cantor, o número cardinal que representa o tamanho de ℝ é ℵ) (lê-se
aleph um). Outra forma de trabalharmos o argumento da diagonal, ou método da
diagonal, é quando queremos definir a cardinalidade do conjunto formado pelos
conjuntos das partes de ℕ. Neste exemplo iremos construir uma tabela que representa o
conjunto que queremos obter a cardinalidade. Para os elementos dos conjuntos iremos
decodificá-los de forma binária. Indicaremos por 0 𝑥 ∈ 𝑆A , e 1 para 𝑥 ∉ 𝑆A .
Tabela IV: Tabela com todos os subconjuntos de ℕ.

Fonte: Dos Autores.

Feito isso, vamos construir um subconjunto de ℕ, utilizando a sequência binária


que está na diagonal da nossa tabela, veja Tabela V.

Tabela V: Selecionada a sequência da diagonal, poderemos ter a informação


para mais um subconjunto de ℕ.
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Fonte: Dos Autores.

Assim, teremos a sequência 00010000 … , iremos apenas fazer duas


modificações nesta sequência, onde se indica 0 troca-se por 1, e onde houver 1 troca-se
por 0. Desta forma nossa sequência será 1110111 … e ela será uma informação sobre
um conjunto 𝑆A que é subconjunto de ℕ, mas que não está na tabela, pois quando
fizemos as modificações o conjunto irá se diferenciar de todos os outros conjuntos que
estão na lista. Mesmo que este seja incluído, o processo das modificações pode ser
refeito, assim o conjunto das partes de ℕ é não enumerável, ou seja, tem cardinalidade
igual a ℵ) .

Aritmética dos números transfinitos e o Hotel de Hilbert


Os números transfinitos, como qualquer outro número, possuem uma aritmética,
mas não comum como a que conhecemos no cotidiano acadêmico. Seus resultados não
são intuitivos, uma vez que se trata de um número que representa algo que cresce
constantemente. Por exemplo:

ℵ, + 𝑘 = ℵ, ∀𝑘 ∈ 𝑁 (1)

Podemos interpretar a expressão da seguinte forma: A união de um conjunto


infinito com um conjunto finito resulta em um conjunto infinito [2]. Podemos também
compreender a expressão em uma ilustração feita por David Hilbert [3]. Nela há um
hotel com infinitos quartos e que em cada quarto encontra-se um único hospede, logo o
hotel está lotado.

Figura 1: Hotel de Hilbert com infinitos quartos sendo que cada quarto há um
único hóspede, ou seja, o Hotel está lotado.

Fonte: Dos Autores.


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Mas chega mais um hóspede. Para que ele possa se alojar no hotel, teríamos que
realocar os que já estão acomodados. Então cada hospede deverá ir para quarto que seja
resultado da soma 𝑛 + 1, sendo 𝑛 o número do quarto em que hospede está. Desta
forma o quarto de Nº 1 estará livre. O Hotel permanecerá lotado, mas ainda caberá mais
hóspede, bastando apenas relocar os que nele estão.

Figura 2: Após a relocação o quarto de Nº 1 fica disponível.

Fonte: Dos Autores.

Outra expressão da aritmética dos números transfinitos seria:


ℵ, + ℵ, = ℵ, , (2)
Onde a união de dois conjuntos infinitos enumeráveis resultaria em um conjunto
infinito também enumerável. Na interpretação do Hotel de Hilbert seria como se uma
quantidade infinita de pessoas quisesse se hospedar no hotel. E para que fosse possível
os hóspedes já acomodados teriam que ser realocados. Para essa nova relocação os
hóspedes teriam que obedecer a expressão 2𝑛, onde 𝑛 é o número do quarto atual, desta
forma somente os quartos pares estarão ocupados e os ímpares serão desocupados, e os
infinitos recém-chegados poderão se acomodar.
Outra expressão da aritmética dos transfinitos é:

ℵ, × ℵ, = ℵ, , (3)

Nessa expressão teríamos a união de um conjunto enumerável com enumeráveis


conjuntos enumeráveis, que resultaria em um conjunto enumerável. As expressões são
válidas para todos os números transfinitos cardinais. Outra expressão envolve dois
conjuntos infinitos, um enumerável e outro não:
ℵ, + ℵ) = ℵ) (4)

Estas equações podem ser generalizadas para qualquer numero transfinito ℵR ,


assim teríamos as equações:

ℵR + 𝑘 = ℵR ∀𝑘 ∈𝑁 (5)
ℵR + ℵR = ℵR (6)
ℵR × ℵR = ℵR 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝛽 > 𝛼 (7)
ℵR + ℵX = ℵX 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝛽 > 𝛼 (8)
ℵR × ℵX = ℵX 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝛽 > 𝛼 (9)
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Referências
[1] LIMA, Elon Larges. Análise real Vol. 1. Funções de uma variável. 12.ed. Rio de
Janeiro : IMPA, 2016. (Coleção matemática universitária).

[2] EVES, Howard. Introdução à história da Matemática. Campinas, São Paulo, Brasil:
Editora da Unicamp, 2011.
[3] FIGUEIREDO, D. G. Números Irracionais e Transcedentes (3ª ed.). Rio de Janeiro: SBM,
2011.
[4] STILLWELL, John. Roads to Infinity the mathematics of truth and proof, 2010

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