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Poesia e sabedoria no Antigo Oriente Médio

Israel herdou uma tradição literária longa e bem desenvolvida no


Antigo Oriente Médio. Apesar de a poesia hebraica remanescente mais
antiga datar dos séculos XIII ou XII a. C., os rudimentos da poesia egípcia
podem ser traçados até um hino de triunfo de um faraó, datado de cerca
de 3200 a.C. Parelhas poéticas aparecem nos famosos textos da pirâmide
da Dinastia V (c. 2350 a. C.) e parelhas correspondentes aparecem já, em
2300 a.c., no hino de vitória de Pepi I:

Este exército retornou em segurança,

Depois de ferir a terra dos Habitantes [da Areia].

Este exército retornou em segurança,

Depois de esmagar a terra dos Habitantes da Areia.

Interação com outros povos

A literatura bíblica de sabedoria, como a poesia hebraica, deve ser


analisada no contexto internacional. A Bíblia elogia a tradição sapiencial de
egípcios (Êx7.22; 1Rs 4.30), edomitas, árabes (Jr 49.7; Ob 8) e dos babilônios
(Is 47.10; Dn 1.4).

Singularidade da revelação do Senhor

Ainda que muitas semelhanças entre a literatura de sabedoria do


Antigo Oriente Médio e a sabedoria hebraica do AT não sejam mera
coincidência, elas são o produto da natureza universal das tentativas de
lidar com os problemas associados à existência humana na mesma
proporção em que resultam de empréstimos culturais ou literários. A busca
pelo sentido e propósito na vida, o mistério da vida e da morte, a realidade
de sofrimento, dor, injustiça e o relacionameto do divino com o problema
do mal são questões comuns na experiência humana - egípcia, babilônica
ou hebraica.

Além disso, a despeito das relações temáticas e literárias especiais


demonstradas entre sabedoria do Antigo Oriente Médio e a hebraica,
permanece uma diferença fundamental. Ao contrário de outros povos
antigos que prestavam culto a diversos deuses, a sabedoria israelita do AT
reconhecia apenas um Deus, Javé (Pv 22.17-19). Portanto, os hebreus
negavam o materialismo (a matéria era criação divina), o panteísmo
(porque Javé, o Criador estava acima da criação) e o dualismo (a criação de
Deus era boa na sua origem). Ideologicamente, isso significava que os
hebreus deviam ser leais apenas a Javé, e não havia espaço nem tempo para
divindades falsas e sistemas religiosos rivais. Mas, na prática, os fatos
históricos indicam que isso nem sempre ocorria.

CARÁTER LITERÁRIO DA POESIA HEBRAICA

As duas características peculiares da poesia hebraica (incluindo os


livros poéticos de sabedoria) são sonoras e estruturas de pensamento. A
estrutura sonora é o padrão regular de sílabas enfatizadas ou não-
enfatizadas; também pode ser a repetição de sons por recursos como
aliteração ou assonância.

Diferença entre aliteração e assonância — o foco da aliteração está


na repetição de consoantes ou sílabas, já a assonância é uma figura de
linguagem, de som ou harmonia, de forma a produzir uma sonoridade
peculiar aos textos poéticos.

Para ajudar a fixar:

Aliteração — é a repetição de fonemas (sons) idênticos ou parecidos


no início de várias palavras na mesma frase ou verso, visando obter efeito
estilístico na prosa poética e na poesia.

Exemplo: rápido, o raio risca o céu e ribomba.

Assonância — semelhança ou igualdade de som em palavras


próximas. Em seu estilo, se utiliza do mesmo timbre vocálico em palavras
distintas, especialmente no final das frases que se sucedem.

Exemplo: o rato roeu a roupa do rei de Roma.

Estrutura de pensamento ou sentido é o equilíbrio de ideias de forma


estruturada ou sistemática. O veículo principal da transmissão da estrutura
de pensamento na poesia bíblica é a característica chamada “paralelismo
de termos constituintes”.

Forma difundida de pensamento nos círculos literários do Antigo


Oriente Médio, o paralelismo foi desenvolvido com grande habilidade pelos
poetas hebreus. Embora o paralelismo hebreu esteja além da categorização
absoluta e rígida, ele pode ser compreendido por meio c exemplos bíblicos
de Salmos.
Estrutura de pensamento

1. Paralelismo semântico (com base no uso das palavras)

Uso de sinônimos
24.2 pois foi ele quem fundiu-a sobre os mares
e firmou-a sobre as águas.

Uso de termos semelhantes


1.5Por isso os ímpios não resistirão no julgamento,
nem os pecadores na comunidade dos justos.

Uso de parelhas
9.8 Ele mesmo julga o mundo com justiça;
governa os povos com retidão.

2. Paralelismo progressivo (com base na sequência lógica)

Uso da relação de causa e efeito


37.4 Deleite-se no SENHOR,
e ele atenderá aos desejos do seu coração.

Uso de sequência
37.29 os justos herdarão a terra
e nela habitarão para sempre.
Uso de dedução
16.8 Sempre tenho o SENHOR diante de mim.
Com ele à minha direita, não serei abalado.

Uso de metáforas
18.31 Pois quem é Deus além do SENHOR?
E quem é rocha senão o nosso Deus?

Uso de explicação
5.10b Expulsa-os por causa dos seus muitos crimes,
pois se rebelaram contra ti.

3. Paralelismo gramatical (com base na escolha de formas


gramaticais)

Uso de elementos retóricos paralelos

19.7-8 A lei do SENHOR é perfeita, e revigora a alma.

Os testemunhos do SENHOR são dignos de confiança, e tornam


sábios os inexperientes.

Os preceitos do SENHOR são justos, e dão alegria ao coração.

Os mandamentos do SENHOR são límpidos, e trazem luz aos olhos.

Uso da ordem das palavras

1.2 Ao contrário, sua satisfação está na lei do SENHOR,


e nessa lei medita dia e noite.

Uso de elipse (isto é, o afastamento de um termo que pode ser


facilmente subentendido pelo contexto linguístico ou pela situação.
Por exemplo: “meu livro não está aqui [ele] sumiu”)
18.41 Gritaram por socorro, mas não houve quem os salvasse;

clamaram ao SENHOR, mas ele não respondeu.

O princípio da retribuição

O conceito de retribuição divina por méritos (ou deméritos) da


conduta humana é um tema comum na literatura poética e de
sabedoria do AT. O princípio da retribuição baseia-se nas bênçãos
e maldições da aliança mosaica (Dt 28). As recompensas ou os
castigos anexados à legislação do pacto de Javé com Israel
estipulam que a obediência aos mandamentos de Deus trará a
bênção divina, enquanto a desobediência aos estatutos do Senhor
enviará as maldições de Javé aos hebreus. Esse ensinamento,
fundamental à teologia do AT, será examinado de quatro
perspectivas complementares em análises seguintes (Jó, Salmos,
Provérbios e Eclesiastes).

Instrução
A literatura didática de sabedoria é essencialmente um
comentário social prático estruturado nas exigências éticas da Lei.
Logo, as instruções e advertências dos adágios de Provérbios
dirigidos à regulamentação do cotidiano abrangem uma
variedade de tópicos, entre os quais relacionamentos familiares
(23.22-25), retribuição e disciplina (3.12; 28.10), amizade (17.17),
controle da língua (26.18-28), casamento e adultério (5.1-23),
pobres e necessitados (14.21,31), a comparação entre o sábio e o
insensato (18.1- 16), o diligente e o preguiçoso (26.13-16),
embriaguez (23.29-35), vida e morte (13.14), ira (29.22),
soberania (20.28), etiqueta (25.2-7), dívidas (11.15), sabedoria
(1.7) e o temor do Senhor (2.5,6).

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