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UIUENDÚ UM GFIISTIÀNISMU
VIVENDO GHISTIÊNISMU ÚUERENTE
UUERENTE
UHIII. SDGIEDÀIJE
EM UMÀ SDBIEIJÀDE EM
MUDÀNÇÀ FIÃPIDÀ
MUDANÇA
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1“ Edição - Dcacmbro
1” Dezembro dc
de 2005
1” Rcimprcssão
Reimpressão - Abril dc
de 2013

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Regina Aranha
D|D|.=\‹}1¿z\J\-1.›\ÇÃO
.z*~.‹; 1‹i.-.r~.-1.~*~.‹:_¬..5.+;¬:› - Edmilson A. da Silva
Cz\|*r~. - Edmilson Frazão Biacrril
Cs.|='r~. Bizerra
À minha csposa,
esposa, ivíaria
Mar1'a Ccicstc,
Ceiesre,
com gratidao
gratidão
,_-

por 25 .anos
anos cfc
de vida cm
em comum,
iii I'

“Grandes
Grancics coisas fifa:
fez o Scniror
Senhor por nos
e, por isso, c.-rtamos
c, estamos aicgrcs”,
alegres”,
Sêiirnos
Salmos 126.3.
Sumário

Introdução ..................................................................... _...


Capítulo 1
1. Honrar o Deus que nos SaIva._......
SaIva____._._
Abordagens históricas ............................................
abordagens .............................................___.
Perspectivas bíblicas ............................................... _.
*dc-uses' na bíbIia..._.._.
Deus e 'deuses' bíblia ........................................._
Casamentos mistos
Conclusoes ............................................................... .__.
Conclusões
Notas ______________________________________________________________________________
............................................................................. ._
Capitulo 2
*deusesi
2. Não ser fabricantes de 'deuses'
historicas ............................................
Abordagens históricas ____________________________________________ .___
A imagem no mundo dos
*meios de comunicação de massa
Imagens e adivinhação ...........................................__
............................................_
As imagens no ensino bíblico (antigo (Antigo Testamento)
às
As imagens no ensino bíblico (Novo Testamento) _
imagens que não têm forma visível
A arte cristã: idolatria? .........................................._.
P. ..........................................__
Notas _____________________________________________________________________________
............................................................................. __._
Capítulo 3
............................................
3. Dar valor ao nome de Deus ________________________________ __ _._63
63
Abordagens históricas __________________________________________ __
...................................................... ._.63
63
Tomar o nome de Deus em vão no ensino bíblico
(Antigo Testamento) _6B
.G8
Tomar o nome de Deus em vão váo no ensino bíblico
(Novo Testamento) ................................................. _.
............................................................ ._ .TD
.T0
Notas _____________________________________________________________________________________
......................................................................................._._.T5
75
Capítulo 4
4. Trabalhar e descansar TT
77
Abordagens históricas T9
Q
O ensino do Antigo Testamento________
Testamento.......... 88
Novo Testamento ................................................... ._
..............................................................__ _.90
90
I I I I I I I I Í II

Ds
Os outros “Sábados” ............................................. ._
.........................................................._ _ 9?
I I I I I I I I I II

Ds
Os *Sábados
'Sábados' da sociedade moderna _ 98
Notas
NOÍEIS ____________________________________________________________________________________._
.................................................................................... _. 104

Capítulo 5
5. Pais e filhos 1U5
105
Abordagens históricas ....................................................__
....................................................._ 106
Pais e filhos no ensino do Antigo Tesamento 116
Pais e filhos no ensino do Novo Tesamento 119
O cuidado dos idosos 122
Patróes
Patrões e empregados 123
Conclusão ________________________________________________________________________
................................................... .. __ 125
Notas ............................................................................. __ _. 126
....................................................................................
Capítulo 6
6. Questoes
Questões de vida e morte 127
12?
lei} na história
Questões de morte (requerida pela lei) 128
Questões de morte (requerida pela lei)
lei] na Bíblia 136
Questões de morte (eutanásia e aborto) 141
_____________________________________________________._
A eutanásia na Bíblia .....................................................__ 146
_______________________________________________ __
O aborto na história ......................................................... _. 147
14?
D
0 aborto na Bíblia 151
Conclusões sobre o aborto 153
Questões de vida 155
Uma perspectiva bíblica 158
Notas _...........................................................................
__________________________________________________________________________ __._ 165

Capítulo T7
7. Questões de ótica
T. ética sexual 167
0
O casamento na Bíblia e na história 168
O sexo pró-matrimonial
Q pré-matrimonial _________________________________________________
................................................. ___. 17 5
............................................... ._
Homossexualidade _________________________________________________________ 1? 7T
17
A poligamia 181
................................................... _.
Divórcio __________________________________________________________________._ 184
Celibato e vida solitária 190
........................................................................... __
Notas ___________________________________________________________________________ 195

Capítulo 8
8. Questões de propriedade e trabalhos 19?
O furto no Antigo Testamento
0 198
Penalidades no Antigo Testamento 202
Q
O furto no Novo Testamento 205
A propriedade na Bíblia 205
A propriedade na história
do cristianismo e na atualidade 211
............................................ ........._
Salários .................................................................. ._ 216
A posição social do cristão 220
A relação entre a Igreja e o Estado 225
0 furto dos recursos naturais
O 231
___________________________________________________________________________ ._
Notas ........................................................................... 235

Capitulo 9
Questoes de verdade e mentira
9. Questões
lu-

23?
237
A verdade e a mentira no Antigo Testamento 238
A verdade e a mentira no Novo Testamento 243
A verdade e a mentira na história do cristianismo 245
“piedosas' ........................................................._.
Mentiras *piedosas' ___________________________________________________________ 249
Dizer a verdade ao doente terminla? 251
Publicidade e marketing 252
Notas ____________________________________________________________________________________
.................................................................................... __ 25?
257
Capítulo 10
10. Questões de desejo e ambição 259
A cobiça que visa objetos materiais III IIIIIIII 260
A cobiça que visa bens materiais ÍÍIÚÍÚIIIIIIIII 262
A cobiça que visa pessoas (Antigo Testamento) IIIIIIIIIIIIII 265
A cobiça que visa pessoas (Novo Testamento) IIÍIIIIIIII 26?
267
Perspectivas históricas sobre a cobiça III IIIIIHII 269
Quando a cobiça visa outros *bens* 'bens' 272
2?2
Conclusão ___________________________________________________________
............................................. _. __I Ú l I Q Ú ! ! I I I II 277
2??
_______________________________________________________________________________ __ ..
Notas .................................................................................... 2?8
278
Introdução

Um dos problemas mais intrigantes do pensamento atual


que se costuma chamar “pós-moderno'
“pós-mocletno` óé a questão de como
alguém que pensa assim pode ser ótico
alguem ético em sua conduta e exigir
que outros o sejam. De acordo com esse tipo de mentalidade, a
religião efé considerada uma questão de opção particular. Quem
pensa assim não põe em causa a existência do sobrenatural e do
milagre. Contudo, diz que pode haver tantas “real *real idades sobrena-
rurais'
turais' diversas quanto bã ha pessoas. O único crime em um mundo
assim Éé dizer que a verdade que eu sigo e tento praticar eÍé a
verdade. A `tolerãncia”
“tolerância” exige que sejamos extremamente compre-
ensivos em relação ãs às diferentes hipóteses existentes: considera-
se que um hindífl
hindú ou confucionista pode ter uma visão religiosa
do mundo tão vãlida,
válida, ou mais, do que a de um judeu ou de um
cristão. Um espiritismo que pretende fazer a síntese de valores
espirituais” ou um satanismo que llagrantemente
iespirituaisl flagrantemente os inverte, em
principio,
princípio, devem tambemtambém ser hipóteses a considerar.
O pensamento ótico ético das pessoas normalmente tem ligações
fortes com suas convicções religiosas - ou, no caso dos `apóstatas`
que rejeitaram a fe' fé de seus pais,
pais. com as convicções religiosas da
geração anterior. Contudo, por muito que alguem alguém pretenda ser
'pós-moderno' em sua abordagem religiosa, coerentemente não
'pós-moderno*
consegue ser assim tão `pluralista*
`pluralista' na ótica.
ética. A ótica
ética prãtica
prática que
_.l
al
ainda se preserva precisa de uma infra-estrutura teológica ou
religiosa mais definida do que aquela que a maioria das pessoas
têm.
O pluralismo religioso gera o relativismo ótico.ético. Mas óé exata-
mente na ótica
ética que ninguóm
ninguém consegue ser coerentemente relativistal
Em alguns aspectos da ótica
ética sexual, por exemplo, o homem ¡pós- 'pós-
moderno” talvez consiga. Enquanto um diz que óé heterossexual e
prefere uma relação monogãmica, outro diz que óé homossexual e
prefere ter vãrios
vários paroeiros_
parceiros. Todos eles dizem que óé preciso haver
tolerãncia
tolerância nessas questões. E eles próprios conseguem ser tolerantes,
pelo menos na aparência, vivendo em coerência com suas dife-
renças.
Mas em alguns outros aspectos óticos éticos torna-se mais difícil.
dificil.
Pensemos, por exemplo, em questões de verdade e mentira. Para
plural istas seria preciso admitir como legítimo
ser coerentemente pluralistas
uma pessoa optar, por norma, por dizer a verdade e outra pessoa
seguir a opção da mentira; ou uma pessoa alternar, ao sabor de
sua vontade, dizendo a verdade em algumas situações e mentindo
em outras. Ao seguir essa linha de relativismo ótico, ético, quando
recebo o extrato da minha conta do banco, o funcionãrio
fiincionário respon-
sãvel
sável pode ter optado por alterar os dados no sistema informãtico
informático
e declarar apenas 10% daquilo que realmente tenho na conta!
Posso receber alguns extratos perfeitamente corretos, outros que
deciaram 10% do valor que tenho, ou outros ainda que falsificam
declaram
a situação de alguma outra formal Qual óé a base que um *pós-
moderno` tem para exigir uma ótica ética coerente e rigorosa nessa
situação?
Em um mundo assim, por exemplo, o que impede um
médico de receitar um tratamento propositadamente inade-
módico
quado em uma situação em que tem uma contenda pessoal? O
que impede um policial de perdoar multas no caso de trans-
gressores com quem simpatiza e de as agravar no caso de infração
alguém com quem antipatizai*
cometida por alguóm antipatiza? Mesmo um juiz
pode ter e aplicar seus critórios
critérios pessoais.
l13
|13

Todos sabemos que as mais diversas profissões podem


oferecer opções desse tipo: algumas bem mais sutis do que as
mencionadas aqui. Contudo, o problema óé que, diante dessas
possibilidades, todos nós tendemos a declarar que hã há normas
de conduta que governam as relações sociais e que todas as
pessoas sabem o que deve ser feito em situações como essas.
Usando a linguagem tócnica técnica da ótica,
ética, somos deontológicos_
deontológicos.
Contudo, em um mundo sem absolutos, o que óe' possível que
'todas as pessoas*
pessoas' saibam acerca da ótica? ética? De onde vem a
deontologia? O que impede o funcionãrio funcionário no banco de ter
seus critórios
critérios ipessoaisl
°pessoais' sobre a maneira como os extractos devem
ser elaborados? O que impede o módico, médico, o policial ou o juiz de
introduzir critórios
critérios de ordem puramente pessoal no desem-
penho de suas funções?
Quase todas as culturas, por exemplo, reprovam a traição.
missionária, em um país distante com
Mas se em uma situação missionãria,
cultura distinta, lemos os textos bíblicos sobre judas, Judas, e os
ouvintes aplaudem sua ação como corajosa e admirável, quem
somos nós para dizer que nosso critório critério de avaliação óé mais
válido do que o deles? (isto ó, é, se funcionamos
fimcionamos a partir de concei-
tos pós-modernos e relativistas)_
relativistas).
Neste livro, alóm
além de considerarmos a relevãnciarelevância da Lei de
Deus e, em particular, dos Dez ll/landamentos,
Mandamentos, para uma ótica ética
coerente, tambóm
também levaremos em conta e avaliaremos algumas
outras abordagens óticaséticas históricas. A “deontologial
"deontologia' ótica
ética não óé
de modo nenhum monopólio dos adeptos das religiões do
“Livro”
'Livro' (judeus, muçulmanos e cristãos); its às vezes, detectamos
algo parecido com um legalismo fechado (em certas ãreasl áreas) em
pessoas que não seguem nenhuma dessas religiões.
No entanto, teremos que considerar se essas abordagens,
fruto muitas vezes de uma sociedade aparentemente estãvel, estável,
como a grega ou a da Europa iluminista, ainda podem ser
mantidas em um mundo pluralista e pós-moderno. Teremos
que considerar se, ao ser ótico,
ético, o homem secular da nossa ópoca época
14-j
14j

não está introduzindo, inconscientemente ou por u1¬n um tipo de


'contrabando ideológicoi,
ideológico', valores que ele diz ter rejeitado.
Teremos que considerar se disputas perenes, devidas ãà afirmação
dos meus “direitos” e dos “deveres”
ideveresi dos outros, têm base tão firme
na deontologia
deontoiogia ótica
ética como em geral, na prática, as pessoas
querem afirmar.
Este livro, cujo objetivo óé filndamentar
fundamentar os princípios óticos
éticos
nos Dez Mandamentos, não se concentrará
concentrarzí em argumentos e
contra-argumentos de ordem racional ou filosófico. Considera-
mos, no entanto, que uma ótica
ética fundamentada na Lei de Deus
e no ensino de Cristo óé manifestamente uma opção melhor e
mais racional, do que uma ótica
ética que pretende se fundamentar
no iluminismo ou em filosofias mais recentes.
A partir dessa perspectiva bíblica não só afirmamos por que
o cristão deve ser ótico,
ético, mas tambóm
também qual óé a verdadeira origem
da 'estranha vontade de ser ótico`
ético' que muitas vezes surge, pelo
menos em algumas áreas, mesmo em relação ao homem descren-
te. Podemos explicar ao homem secular, nesse princípio do novo
milênio, por que ele óé e deve ser ótico,
ético, dando-lhe melhores razões
para isso, do que ele mesmo possui _ ou as sume.
Em vez de argumentarmos as razões para essa tomada de
posição, tomamo-la -- - e, depois, pedimos para o leitor avaliar
por si mesmo a coerência e a justiça daquilo que defendemos.
Consideramos que o leitor descrente ou agnóstico, pelo menos,
respeitará e apreciará positivamente esse fundamento que assu-
mimos.
Ao falar em “amor que obedece”,
obedece`, muitas vezes, queremos
ética o mais fundamental óé a motivação. Todos
garantir que na ótica
sabemos que um ato tecnicamente correto, realizado sem amor,
pode se tornar ofensivo. Mas tambóm
também sabemos que aquele que
diz que ama _, -, poróm,
porém, sem normas orientadoras universais
_ pode agir de uma forma que envolve tudo, menos amor.
_-
Por exemplo, no caso do médico
módico que ao fazer um aborto, age
“amor” em relação a uma mãe em situação material precária,
com 'amora
l..jr
no entanto, na verdade, pode haver sórias sérias dúvidas quanto ao
`amor!
'amor' que manifestou em relação ii.à criança ainda indefesa_ indefesa.
Nossa intenção óé considerar princípios e formas do agir
ótico,
ético, não só para o leitor secular que tem dificuldade em
justificar com coerência suas normas óticas, éticas, mas tambóm
também para
o leitor cristão que, neste início do novo milênio, esteja um
tanto confuso quanto as às normas de conduta que deve aplicar.
E que o discurso de “amor 'amor e tolerãncial
tolerância' penetrou e permeou
permeo u
os meios cristãos! Não éó apenas no mundo secular que existem
pessoas que afirmam que não julgam seu próximo, que toleram
*estilos de vida alternativos',
'estilos alternativosi, que não vêem a necessidade do
casamento legal, que, em certos casos, admitem aborto ou
eutanásia, que acham que o mais importante éó aceitar as idéias idóias
uns dos outros! Elas andam nas igrejas: oram ce participam da
ceia do Senhor conosco, tratam-nos por 'irmãos' °irmãos` e insistem em
ser tratados da mesma forma. Esses 'cristãos' “cristãos` afirmam que o
iinico absoluto éó o amor. Sejam eles dispensacionalistas (no
único
entanto, de uma escola ultrapassadai) ou liberais,
bastante ultrapassadal)
neo-ortodoxos ou eticistas de situação, seu discurso tende a ser
o mesmo. 'Não *Não estamos sob a lei mas sob a graça', dizem eles,
adaptando ao seu jeito o ensino da Epístola de Paulo, aos
Gálatas. Dizem que Moisés Moisós deu
deii a lei para outra época:
ópoca: hoje a
lei! éó a de Cristo.
'única lei'
Assim, posso justificar minha mentira como proveniente do
`amor!. Posso relacionar-me sexualmente, fo
`amor'. fora
ra do casamento, com
flguóm do mesmo sexo ou do sexo oposto. Se houver 'amor',
alguém iamorl,
não estou em falta com nada. Assim, Pissiiii, ainda tenho a vantagem de
*cristão`_ Não foi jesus que disse que o amor éó o
me chamar °eristão'.
primeiro dos mandamentos, o que aparentemente implica que
quem ama está desculpado por não obedecer a outras ordens
que eventualmente possam entrar em choque com o °amor'? °amor`?
incõmoda mensagem deste livro
Para esse tipo de cristão a incômoda
éó que onde não há obediência a Deus, também tambóm não pode haver
amor a Deus. Se não trato meu próximo de acordo com aquilo
al
1,1,
que a Lei de Deus exige, não posso afirmar que estou agindo
por amor. Jesus não veio para revogar a lei, mas para a cumprir
_ e Ele não pretende remover “nem 'nem uma letra!
letra' da lei ató
até que
tudo seja cumprido.
lsso não significa que a tarefa do cristão de ensinar e praticar
Isso
a ótica
ética seja simples! O princípio de *interpretar
'interpretar a Bíblia pela
Bíblia!
Bíblia' nem sempre leva às mesmas conclusões. Por exemplo,
nem todos concordam que a ótica ética de Cristo implica em abolir
a pena da morte. Ou, se, em casos extremos, uma `mentira 'mentira de
emergência”
emergência' pride
pode ser usada para salvar a vida de um amigo.
1-Iistoricamente,
Historicamente, mesmo no cristianismo ortodoxo, surgi-
ram algumas escolas diferentes. Vejamos, por exemplo, a questão
que vem dos primeiros tempos do pacifismo e da “guerra 'guerra justa”.
justa'.
Parte do objetivo deste livro óé considerar essas opções históricas,
tentando chegar a conclusões sobre sua fundamentação bíblica.
Em algumas áreas encontramos, na Igreja Católica, uma forte
éticas _ embora haja tambóm
aliada em questões óticas também algumas
divergências. O fato de essa Igreja se pronunciar oficialmente
_ e tomar posições firmes na óticaética sexual e na social _, algumas
vezes, llie
lhe confere vantagens óbvias quando comparada com as
igrejas evangélicas. Entre os evaiigólicos
evangélicos a abordagem normal
óé apelar ãà autoridade da Bíblia, mas, ãs às vezes, não conseguimos
chegar a um consenso sobre o que a Bíblia diz. Neste livro
argumentamos que na maior parte das grandes questões óticas éticas
a Bíblia, de fato, tem uma posição clara e inequívoca _ e não
representamos, com fidelidade, a Bíblia quando dizemos que
cada cristão óé livre para seguir a postura ótica
ética que entende ser
a melhor.
éticos em concordãncia
O estudo dos temas óticos concordância com os Dez
Mandamentos não óé de modo algum original. Por exemplo,
um mótodo
método semelhante óé seguido por um estudo, que aprecio
muito, de Hans Ulrich Reifler, missionário suiço que ?ià ópoca época
residia no Brasil CA ("A Etica dos Dez Mandamentos”,
Mandamentos", ed. Vida
Nova, 1992). Divirjo muito pouco da posição deste autor,
embora o fato de nos dirigirmos a duas culturas relacionadas,
l..y..
poróm distintas, naturalmente afete bastante nossas aplicações
porém
práticas.
Esse mótodo
método tem o inconveniente de dificultar que o autor
ou professor consiga agrupar os assuntos óticos éticos atuais sob os
respectivos mandamentos. Por exemplo, as tecnologias reprodu-
tivas não tinham que ser tratadas necessariamente no capítulo
sobre o sexto mandamento _, mas achamos que era defensãvel defensável
agrupar questões de vida com as que têm a ver com a morte. A
justiça social e a relação entre a igreja e o Estado não tinham
necessariamente que ser tratadas no capítulo sobre o nono
mandamento _, mas esperamos que as razões que levaram a
essa opção não sejam totalmente obscuras! Não encontramos
nenhuma solução perfeita para esse problema de organização:
sob esse aspecto óé mais fácil
facil fmer
fazer “teologia
'teologia sistemática”,
sistemática', do que,
“ótica
'ética sistemática”!
sistemática'l
Quero expressar minha gratidão de modo especial a Elvira
Alves, amiga de longa data, residente em Londres, por seu
trabalho de revisão do texto. Devo ressaltar que, em áreas
especializadas (que ela pode não dominar e nas quais tento
estar informado), pode haver erros que não são de sua responsa-
bilidade. E pode ter havido alterações posteriores ao seu
trabalho: por estas ela tambóm
também não óé responsável.
responsavel.
Em algumas áreas consultei pessoas envolvidas profissional-
mente nos assuntos. Uma delas, que merece uma menção es-
pecial, óé a Sónia jorge
Jorge Valente, nossa sobrinha, que trabalha na
área de tecnologias reprodutivas e luta para aplicar sua fó fé nessa
área tão importante e complexa. E óbvio, que ela não óé respon-
sável pelas minhas conclusões e teria muito mais informação a
dar em relação a essas áreas.
areas. Mas me ajudou a não cometer alguns
erros tócnicos
técnicos na apresentação dos assuntos.
A nível de exemplo prático,
pratico, óé natural que este livro daqui
dez anos venha a parecer bastante desatualizado. Livros de
teologia perduram mais e dependem menos de exemplos da
18j
1-.Bj

atualidade. Contudo, duvido que dez anos façam muita


diferença naquilo que pretendo dizer sobre os princípios ou a
maneira de entender os Dez Mandamentos. Pode ser que Deus
me conceda vida e saúde para escrever um novo livro, ou uma
versão actualizada deste, por exemplo, quando estivermos para
entrar na segunda dócada
década deste milênio. Mas ficaria mais coii-
con-
tente se o autor desse novo livro não fosse eu _, mas alguóm
alguém
que eu tivesse conseguido ajudar, quer a nível do Seminário
Baptista (onde meus alunos já conhecem e já comentaram uma
boa parte daquilo que escrevil) quer a nível do Centro Cristão
'O Canto da Rola”,
“CI Rola', na Mouraria, Chão da Parada, Portugal
(que,
(que. neste momento, temos o privilógio
privilégio de organizar), ou um
simples leitor deste livro.
Afinal, como cristãos, devemos estar entre os primeiros a
optar pela interdependência de todos e pela dedicação de nossos
respectivos dons a um fim comum. Aqui, vai o desafio para
alguns de meus leitores começarem já com este novo trabalho!
Clu para se especializar em alguma área ética
Ou ótica específica e
publicar um livro sobre o assunto escolhido. E que possam ter
tanta satisfação em fazê-lo como eu tive, apesar da quase
impossível carência de tempo que fêz com que o livro demorasse
tanto tempo para sair!
eAPíTuLo 1
capitulo

Honrar o Deus
que nos salva

ter.-.ís outros deuses diante de mim (Ex. 20.3; Dt. 5.7).


Não terás 5.?)_

Questões: Qual éó a relação entre aquilo que cremos e nossas


ações? A fé fó de um politeísta fornece fundamento para uma
ótica coerente?
ética coereiite? Um ateísta pode encontrar, com coerência, base
para formular princípios elevados de ação? Um cristianismo,
despido de seu fundamento sobrenatural, fruto do iluminismo
e do racionalismo, fornece base adequada para uma vida ótica? ética?
ética surge de ordens divinas ou de uma reação espontânea
A ótica
de amor ditada pelas situações? O novo pluralismo religioso,
pós-modernismo. providencia alguma base
característico do pós-inodernismo,
ética e para a ação?
firme, de validade universal, para a reflexão ótica

Abordagens históricas
ética pode ser definida como ““um
A ótica “um conjunto de normas que
sociedade”. Desde os
orientam o comportamento e vivência em sociedade””.
tempos pró-filosóficos
pré-filosóficos existe o discurso ótico
ético que, por exemplo, faz
Hamurabi (Babilóiiia),
parte dos códigos de leis de I-lamurabi (Babilônia), do Egito, da
Mesopotãmia
Mesopotâmia e da lei de Moisós.
Moisés. Esse discurso não analisava atos,
mas sim pessoas. Os atos eram avaliados de acordo com o efeito
que tii1h:.u'ri
tinham em Deus ou nos deuses: um ato “impróprio”
'impróprio' chocava
análise da aplicação
a divindade da cultura em questão. A casuística, smálise
de princípios a casos concretos, não existia nessa fase.
20j

Quinhentos anos depois, os filósofos gregos começaram a


Quiiihentos
analisar o que constituía uma pessoa boa ou um ato bom e a
base sobre a qual fazemos esses julgamentos. Platão (c. 426-
347
547 a. C.) ainda se preocupava em refletir sobre as pessoas,
mais do que sobre suas ações. Comparava o que entendia por
uma boa pessoa, que orientava bem sua vida, corn com um artista
que aplica suas capacidades para a preparação de urna uma obra de
arte. A justiça era um estado de bem-estar na alma humana. A
alma humana tinha três componentes: a vegetativa (desejo e
apetites), a passional (ira, vergonha, amor etc.) e a racional (de
onde vem o conhecimento e o pensamento). O funcionamento
harmonioso desses componentes óé que cria o bem-estar da
alma. A reflexão não óé sobre atos isolados, mas sobre a harmo-
nia interior no agente dos atos.
O bem não óé uma realidade existente na terra: e sim, no
mundo ideal. A justiça óé a melhor aproximação desse bem, e
esta, sim, pode ser definida com rigor.
Ató
Até aqui a ótica
ética se encontra quase completamente absorvida
pela fó
fé do homem: óé transcendente, (procede de uni um mundo
superior ãà terra em que o homem vive e age) e deontológiea
deontológica
(surge de uma noção daquilo que óé iiierenteinente
inerentemente correto,
não da reflexão humana sobre as consequências das ações, como
éó o caso com a ética
ótica teleoiógica).
teleológica). Em Aristóteles ( 384-522
584-522 a.
C.) surge a ótica
ética imanente
irnanente (procede do mundo dos homens e
do interior de cada ser humano) e teleológica ou utilitária
(avaliada, pelo menos em parte, pelos resultados práticos que
produz). E bem conhecido o conceito de Aristóteles da virtude
como o 'meio
“meio dourado”
dourado' (meio termo). Se queremos saber o
que óé a coragem, por exemplo, devemos pensar primeiro em
duas atitudes opostas _ o atrevimento e a covardia. Entre esses
dois extremos, a coragem óé o “meio
'meio dourado”.
dourado'. A temperança óé
o meio dourado entre o abuso e a abnegação excessiva.
Aristóteles, como Platão, distingue três componentes na
alma: vegetativo (apetite), passional (emoções) e racional. O
j21

componente emocional pode sujeitar-se ãà razão, produzindo


assim a virtude humana. O vegetativo não se submete ãà razão
nem a obedece, mas pode ser domado_
domado. A felicidade óé o resultado
de uma adaptação harmoniosa do componente passional ãà razão,
mas tambóm
também de um funcionamento harmonioso do ser humano
na sociedade. A ótica
ética não pode ser vivida por cada pessoa
isoladamente, pois, em essência, diz respeito :àÍ-1 vida em sociedade.
Em Aristóteles vemos o desenvolvimento de princípios
éticos sem uma base transcendente. Tanto no epicurismo
óticos
(fundado por Epícuro, 541-270 a. C.) como no estoicismo
(fundado por Zeno, 556-264 a. C.) a vida ótica ética diz respeito a
um Deus transcendente e pessoal. Esses conceitos óticos
éticos podem
ser seguidos independentemente da pessoa ser teísta, politeísta
ou ateísta.
A reafirmação do fundamento transcendente da ótica ética
surgiu no cristianismo. Só na relação com Deus, e com a
revelação por ele transmitida aos homens, óé que o ser humano
pode encontrar uma base adequada para suas decisões óticas. éticas.
Agostinho (354-430),
(554-450), figura que predominou no pensamento
ético cristão durante sóculos,
ótico séculos, deve ser entendido como um
homem apaixonado pelo Deus que o salvou do mundo de
desleixo e de hedonismo em que antes estava imerso. Por isso,
não podia acreditar que a educação, a razão ou a contemplação,
tão estimadas pelos gregos, alguma vez levassem o homem a
ética. Viu por experiência própria que era
agir de forma ótica.
imprescindível a graça de Deus para transformar o coração
humano.
Agostinho ocupou-se com a óticaética social, não só a pessoal,
mas viu uma separação radical entre dois mundos _ a cidade
dos homens e a cidade de Deus. Ele dizia que na cidade dos
homens não se pode esperar que haja um comportamento ótico ético
digno. O Estado não providencia justiça, positivamente, serve
apenas como freio para impedir o aumento da injustiça. Provi-
dencia “paz
'paz entre os ladrões”.
ladrões'. A depravação do coração humano
Qzl
-l
faz com que as pessoas sejam incapazes de produzir aquilo que
os gregos chamavam virtude pública. Na realidade, mesmo
quando parece que há virtude, o egoísmo e o engano estão
presentes, mal disfarçados e prontos para se manifestar.
A cidade de Deus tem seus valores, radicalmente distintos
dos pobres valores da cidade humana, mas tem pouca possibili-
dade de influenciar esta. Convóm
Convém frisar aqui que o cristianismo
bíblico não óé necessariamente tão pessimista sobre a possibili-
dade de influenciar a sociedade. Agostinho maiiteve manteve alguma
influência do maniqueísmo de sua juventude. O místico persa
Mani, condenado pelos cristãos como herege, deixou no
subconsciente de Agostinho a idóia idéia de um dualismo eterno do
bem e do mal. Embora, Agostinho, como cristão bíblico, possa
ter rejeitado conscientemente esse dualismo, talvez ele o tenha
marcado a nível do subconsciente, de maneira a tornar dificil difícil
que cultivasse qualquer tipo de esperança, mesmo relativa, para
a implantação de valores humanos em uma sociedade sem Deus.
A ética
ótica agostiniana é, ó, pois, claramente transcendente e
deontológica:
dcontológica: mais tarde, marcará, de uma forma inconfun-
dível, a ótica
ética da Reforma Protestante.
Tambóm
Também óé significativo o fato de Agostinho ter vivido na época
ópoca
ein
em que o lmpório
Império Romano estava ruiiido.
ruindo. Na ópoca
época medieval o
ambiente social e económico,
econômico, embora ein em transformação, esteve
bastante mais estável durante muito tempo. Tomás de Aquino
agostiniana. Tinha
(1224-1274) não aceitou a pessimista visão agostiniaiia.
uma visão positiva da lei, que para ele servia não só para restringir
o mal, mas tambóm
também para moldar pessoas boas. Adequou os
éticos de Aristóteles aos padrões cristãos. Sua teologia
princípios óticos
afirmou a possibilidade do homem conhecer Deus por meio da
natureza e da graça: sua ótica
ética propunha que o bem tambóm
também po-
dia ser atingido por esses dois meios. Essa ótica
ética não deixa de ser
transcendente e deontológica.
deontológica, embora não einem um sentido radi-
cal, uma vez que absorve parte do imanentismo e consequen-
cialismo aprendidas
aprendidos de Aristóteles.
l23
j23

A Reforma Protestante representou uma redescoberta da


ótica
ética transcendente da Bíblia e de Agostinho. joão Calvino
(1509-64) partilhou a visão paulina e agostiniana
agostiniaiia da deprava-
ção total do homem, a impossibilidade de ele pensar ou agir
bem sem a transformação interior efetuada pelo Espírito de
Deus. Mas teve uma visão óticaética que llie
lhe permitiu se direcionar
para os problemas sociais de sua ópoca.
época. Falou sobre questões
económicas,
econômicas, comerciais e fiscais: argumentou, com base bíblica,
sobre a pena capital e a guerra justa: definiu o papel dos magis-
trados como servos de Deus, a quem terão que prestar contas.
Eni
Em casos de governos extremamente corruptos ou tirãnicos, tirânicos,
admitiu a possibilidade da resistência ou desobediência civil
dirigidas por tribunos do povo ou magistrados inferiores,'
inferiores]
posição esta que era muito “avançada”
`avançada` na ópoca
época ein
em que Calvino
viveu.
Não significa que Calvino, ãà maneira de Aquino, tenha
procurado inspiração para a éticaótica nas duas fontes: da natureza
e da revelação. Defendeu a revelação bíblica como única fbnte fonte
de autoridade, mas não pretendeu, como Agostinho, aplicar
as normas óticas
éticas bíblicas só ãà comunidade da fó.fé. Compreendeu
que a lei de Deus óé para todos os homens que, em parte, a
conhecem pela revelação geral e que, perante essa lei, algum
dia todos terão que prestar contas a Deus. A ótica ética protestante
óé transcendente e deontológica _, -, inas,
mas, sobretudo em Calvino,
estende a deontologia a todos os homens, afirmando que
mesmo o0 incródulo
incrédulo recebe a tevelaçãti
revelação geral, escrita em seu
coração, e que será julgado
iulgado ãà luz deste conhecimento de Deus,
que óé parcial, mas real.
Depois da Reforma houve um movimento significativo que
tentou desvincular a ótica
ética da sua base transcendente e bíblica.
(1588-1679), a análise da natureza
Para Thomas Hobbes (1538-1.679).
humana em si estabelece uma base para o bem-estar geral. Sua
ótica
ética egoísta não significa, como pode parecer ãà primeira vista, o
desmazelo ou o hedonismo. Significa que, com profundeza, cada
...I
24j

um deve procurar seus verdadeiros interesses _ - e que estes


ética
coincidirão com os verdadeiros interesses da sociedade. Essa ótica
óé imanente e teleológica.
telcológica. A razão humana descobre os princípios
de que a ação deve ser fundamentada nas leis existentes na
natureza. David Hume (1711-17.76)
(1711-1776) considerou que não era a
razão humana que descobria as regras da moralidade. Estas têm
a ver com os sentimentos. O agir virtuoso produz sentimentos
agradáveis enquanto o vício produz sentimentos desagradáveis,
e a aprovação ou desaprovação que registramos dessa maneira óé
suficiente para nos nortear em questões óticas.
éticas.
Para Imanuel Kant (1724-1804), por outro lado, a razão
(prática) era muito importante na definição de princípios óticos
éticos
e devia governar nossas paixões. Pela razão descobrimos o
imperativo categórico _ que em si mesmo, óé um princípio
deoiitológico,
deontológico, mas não transcendente, que significa agir de acordo
com aquela niáxinia
máxima que podemos desejar, ao mesmo tempo,
que se torna uma lei universal. O extremo rigor óticoético de Kant
pode ser apreciado, por exemplo, no fato de ele ter dito que se
um assassino procura nosso melhor amigo e nos pergunta onde
ele está, nós não devemos mentir: temos a obrigação de dizer
toda a verdade, mesmo ao assassino. A máxima
mmtima de sempre dizer
a verdade se impõe a nossa consciência, pois, ao mesmo tempo,
desejamos que se torne uma lei universal.
A ótica,
ética, todavia, fica desvinculada da noção da revelação e
esse tipo de deontologia não depende dos mandamentos
divinos. Para Kant a boa ação nunca pode derivar sua lei de
alguma coisa externa a si mesma. De acordo com seu pensa-
mento, ““a
“a liiiguagem
linguagem acerca da lei divina, a graça, etc. corrompe
nosso senso de que somos agentes morais, cuja liberdade de
determinação exterior óé essencial para a atribuição da tespoiisa-
responsa-
bilidade”. '
bilidade””.'
Outros pensadores óticos
éticos da ópoca
época afirmaram uma base
utilitária (teleológica) para a moralidade. Para Jeremy Bentham
(1748-1852) e john Stuart Mill (1806-75)
(1748-1352) (1806-73) a ntoralidade
moralidade óé
l..
j25

determinada pela procura do maior bem para o maior número


possível de pessoas. Assim, as ações podem ser determinadas,
em vista de suas consequências e não de algum princípio que
nos seja ditado, por tim
um Deus transcendente ou pela natureza.
A teologia cristã, no sóculo
século xlx,
XIX, sofreu forte influência do
iluminismo e do ceticismo no que diz respeito iià revelação
ilumiiiismo
divina. Albrecht Ritsehl
Ritschl (1322-S9),
(1822-89), por exemplo, deu impor-
tãncia
tância ao conceito do reino de Deus, identificando-o
identificando-0 não como
uma realidade transcendente, mas sim como uma sociedade
humana, unida pelo amor, objeto de nossos esforços aqui na
terra. Ele providenciou uma base para o movimento do
'Evangelho Social”
“Evangelho Social' defendido, entre outros, por Walter
Rauschenbusch (1361-1913).
Rauscllenbusch (1861-1918). Essas teologias
reologias liberais tinham
uma visão deficiente do pecado do homem e, por isso, tendiam
a manifestar um otimismo desmedido em relação ãà possibili-
dade de se estabelecer o0 reino de Deus na terra. Na ópoca época da
Primeira Guerra Mundial, sofreram um rude golpe com o0
surgimento de atrocidades, cometidas pelas sociedades
consideradas as mais avançadas da óptica.época.
éticos não-cristãos, do período iluminista,
Os pensadores óticos
e os teólogos liberais, que eles influenciaram, tiveram em
comum o fato de tentar desvincular a ótica ética da fonte transcen-
dente da revelação bíblica. Para alguns, era a razão humana
afirmando o imperativo categórico:
categórico; para outros, eram as conse-
quências de nossos actos. Aqui cabe a pergunta se essas outras
fontes em si realmente podem ser consideradas suficientes para
descobrir e definir princípios óticos.
éticos. O problema óé que quem
pensa assim pode derivar seus princípios a nível consciente das
fontes que reconhece e a nível subconsciente de outras fontes.
um utilitário poderá ser só utilitário: óé natural
Dificilmente, uni
éticas adotadas derivem tainbóni
que algumas posições óticas também de algo
em seu subconsciente, o que óé muito parecido com aquilo que
Kant chama de categórico imperativo. E, um egoísta ótico ético pode
se enganar ao afirmar que óé só o0 egoísmo esclarecido que o
26l
26j _

também, por exemplo, por algo


norteia: pode ser influenciado tambóm,
muito parecido com aquilo que I-lume Hume chama de sentimentos.
Um cristão que reconhece a Bíblia como a fonte suprema dos
valores óticos
éticos não ignora a existência de outras fontes. Poderá
admitir, por exemplo, os sentimentos (esclarecendo que esses são
o produto do que ele chama de consciência) ou o critório
critério utilitário
(o
(0 livro de Provórbios
Provérbios justifica alguns atos em termos de suas
consequências: 12.11:
12.11; 15.18,
13.18, etc.). Mas em relação ãsàs tradições
óticas
éticas do iluminismo e do liberalismo, o cristão bíblico vai querer
afirmar que essas, embora muitas vezes defendarri
defendam valores com os
quais ele concorda, na verdade, derivam esses valores de outras fontes,
sem ser aquelas que eles mesmos reconliecem. Pois não acreditam na
revelação geral, mas, de fato, foram iluminados pela revelação geral
(_Io 1.9): não se submetem àii autoridade da Bíblia, mas receberam
(Jo
indireta-mente os ensinos bíblicos por meio de uma sociedade
ainda muito influenciada por ela. São, de certa forma, transcen-
dentalistas óticos,
éticos, mas não assumem essa posição. Na prática, esses
pensadores óticos
éticos não se distanciaram mais ainda da ótica
ética bíblica
devido ao fato de terem recebido muito mais influência da “cultura
cristã” do que admitem. Assim, em termos óticos
éticos globais, podemos
compreender por que, muitas vezes, sua prática óé melhor do que
sua teoria.
O sóculo
século xx,XX, bastante influenciado pelas correntes do
iluminismo e do liberalisnio,
liberalismo, manteve.
manteve, em geral, uma postura
cética em relação a qualquer fonte sobrenatural que
bastante cótica
pudesse ditar valores óticos.
éticos. As posições óticas
éticas centradas nos
homens têm sido as mais influentes. A “ótica “ética da situação” foi
popularizada por Joseph Fletcher (1905-91), professor estado-
unidense, e pelo bispo inglês John Robinson (1919-S3)
iinidense, (1919-85) de
quem fui aliino
aluno na Universidade de Cambridge.
De acordo com Fletcher e Robinson, toda moralidade óé
relativa ãà situação einem que a pessoa se encontra, sendo o único
absoluto deontológico a exigência do amor (_““Não(“Não devam nada
ninguém, a não ser o amor de uns pelos outros.””;
a ninguóm, outros.”; Rin
Rm 15.8).
_ 127
j2?

A fornicação, por exemplo, pode estar errada em 99% das


situações, mas não está errada por definição. Por exemplo, cita- cira-
se o caso de uma mulher em um campo de concentração que
pede para um guarda a engravidar para ela poder ser libertada
e voltar para sua família. O que a move óé o amor pela sua família;
esse amor ultrapassa qualquer possível objeção moral ao sexo
ilícito. A situação e as consequências (teleológicas) dos atos, e
não uma norma abstracta, óé que ditam a ótica. ética.
Perto do fim do último sóculo,
século, o homem ocidental deu mais
passos ainda no sentido de se desvincular de padrões deonto-
ética. O próprio iluminismo e a mentalidade
lógicos fixos de ótica.
racionalista que prevaleceram ató até cerca de 1980, são tidos agora
como esquemas ultrapassados. Fazem parte de uma ópoca época
“modernista”
'modernista` que agora deu lugar ao pós-modernismo. No campo
religioso desapareceu o preconceito contra o sobrenatural e o
milagre: agora o mundo dos espíritos e dos anjos óé considerado
um campo aberto para a investigação. Esquemas racionalistas
de “alta crítica”
crítica' que antes reduziain
reduziam o valor da revelação bíblica
ãquilo
àquilo que o homem podia conceber por meio da razão, são
agora postos de lado. Em princípio, onde a Bíblia óé aceita, ela
poderia ser aceita de forma mais integral.
Mas, por outro lado, ein em questão de fó fé o mundo “pós-
iiiodernisra”
modernista' óé pluralista e pragmático. No cimipocampo religioso, aquilo
'funciona' óe o que óé aceito. Não há
que “funciona” ha apenas um mundo
sobrenatural, mas uma multidão de cosmovisões em concorrên-
cia. Esse tipo de mentalidade não se admira, por exemplo, com o
relato bíblico da passagem do mar Vermelho _, além alóm de, com
toda naturalidade, tambémtam bóm admitir os milagres do dri hinduísmo
hiiiduísmo ou
as pretensas revelações espíritas. impõe-se
lmpõe-se o pluralismo: 'meu' “meu”
mundo sobrenatural será aquele que me ine satisfaz, mas não tenho
qualquer cri terio
tório para condenar ou criticar o mundo sobrenatural
do meu próximo,
próxii¬no, por mais que este possa se distanciar
distanciiu dos valores
cristãos. O que há mais para se dizer se ele se encontra satisfeito
sobrenatural? O supremo valor será a tolerância,
com seu mundo sobrenatulal? tolerãncia,
0o grande pecado, dizer que alguém alguóm está errado.
28j

A tolerãncia
tolerância se estende ao campo da ótica.
ética. E
É verdade, a Bíblia
poderá ser aceita por aquele que se intitula cristão evangólico_
evangélico.
Mas há muitas “leituras”
'leituras' da Bíblia: a hermenêutica óé feita em
função do indivíduo e seu mundo. A Bíblia óé uma autoridade
na medida em que fala para cada um, em sua situação indivi-
dual. Contudo, como a situação de cada um óé diferente, se a
Bíblia traz mensagens diferentes para um e outro, cada uma
dessas interpretações terá que ser respeitada, mesmo que sejam
contraditórias. Antes, todos os cristãos evangólicos,
evangélicos, por exemplo,
entendiam que Romanos 1 assume posição contra a homosse-
xualidade. No entanto, agora, nos movimentos gays há “cristãos 'cristãos
evangélicos” que defendem outra interpretação da mesma passa-
gem, dizendo que, na verdade, ela não se opõe ao estilo de vida
que eles praticam. Reclamam, acima de tudo, a compreensão e
o “respeito”
`respeito' _ que fazem com que tanto uma como outra
interpretação sejam válidas. Dentro desse pluralismo, o único
pecado óé dizer que uma das leituras óé a certa e a outra a errada.
A redescoberta do mundo sobrenatural, que poderia ter levado
ãà redescoberta do fundamento transcendental e deontológico
da ótica,
ética, de fato, leva a uma ótica
ética quase totalmente imaiiente,
imanente,
subjectiva e teleológica.
Esse artifício para evitar o mundo dos absolutos e'ó muito
diferente daquele usado na ópoca epoca do liberalismo. Mas a nível
ético, representa um perigo ainda muito maior. Em um mundo
ótico,
em que não há pontos de referência fixos, não há um legislador
divino e a Bíblia óé uma revelação teoricamente divina, mas na
prática sujeita a mil interpretações pessoais e contraditórias,
ninguóm
ninguem tem autoridade para se pronunciar categoricamente a
favor de um tipo de ação e contra outro. Imanuellmanuel Kant julgava
que era possível, independente de qualquer revelação, ter certezas
contundentes no ciunpocampo ótico.
ético. Mas agora podemos ver que ele
contribuiu para que, mais de 150 anos depois, a ótica ética se tornasse
permitinclo que cada um se centrasse em si mesmo.
subjetivista, permitindo
A longo prazo, esse subjetivismo contribuiu para a ótica ética pós-
j29
|29

moderna, da
maderna, do pluralisma
pluralismo e da do pragmatisma,
pragmatismo, a ética em que ao
única
único `pecada*
'pecado' eÍé a intalerância.
intolerância. Cam
Com certeza, teria sida
sido difícil
para Kant se situar eticamente em nassanosso munda
mundo pas-maderna
pós-moderno
_,
--, apesar de, em certo sentido,
certa sentida, há muito tempo,
muita tempa, ele mesmo
mesma ter
contribuído para que este mesma
cantribuída mesmo murida
mundo viesse a eitistir.
existir.

Perspectivas bíblicas

Antigo Testamenta
Antiga Testamento
Com certeza, aaa
Cam não té-É benéfica a tendência de alguns cristãas
cristãos
evangélicos, aa
evangélicas, ao caracterizar ao Deus bíblica,
bíblico, de salientar, cam
com
exclusividade, ao canceita
conceito de legisladar.
legislador. ÀA deantalagia
deontologia de um
legalista se reduz a afirmar friamente nassa nossa abrigaçãa
obrigação funda-
mentada na ardemordem divina: "Ele“Ele disse _ nas nós devemas
devemos Fazer".
fazer”.
Seguir a lógica
ltigica dessa posição,
pasiçãa, equivale a dizer que quem cumpre
melhor Éé quem merece mais apravaçãa
melhar aprovação divina - _ e quem tem
mais direita
direito de julgar seu prditima.
próximo. CamCom 'baa
'boa cansciënciaí,
consciênciai, ao
congratula e agradece a Deus porque
legalista se cangratula não É cama
parque naa como asos
autras
outros (“[...] nem mesma
mesmo camacomo este publicana",
publicano”, Lc 18.11).
Cantuda,
Contudo, a genuína etica ética bíblica, na verdade, nunca as-
sume essa Farma.
forma. Os Dez Mandamentas,
Mandamentos, par por eitempla,
exemplo, nãanão
cameçam
começam cam com uma ardem
ordem friamente entregue aa ao hamem.
homem. As
primeiras palavras, narmalmente
normalmente cansideradas
consideradas ao preämbula
preâmbulo (Ê:-t
(Êx
20.2), saa
são de fundamental impartííncia.
importância. Nelas, Deus afirma sua
identidade e seus atas,
atos, cam
com. a intençãa
intenção de sensibilizar ao pava
povo e
de evacar
evocar nele uma respasta
resposta de gratidãa.
gratidão. Da mesma maneira
que a graça divina antecede as eitigëncias,
exigências, quanda
quando J'-'tbraãa
Abraão É
chamada
chamado para sair de sua terra, lhe Éé Feita
feita a pramessa
promessa de ser uma
bênção para tadas
bënçãa todas as famílias da terra (Gn 12.15; 12.1-5; 15.1-6), a
graça também antecede as exigências da épaca época em que a lei e'éÍ
dada a Maises.
Moisés. A revelaçãa
revelação divina deiita
deixa clara
claro que a lei sasó pade
pode
ser campreendida
compreendida carretamcnte
corretamente na medida em que ao pava povo se
aproxima dela cam
aprazima com ao caraçãa
coração cheia
cheio de gratidãa.
gratidão.
Pta
Ao dizer: “Eu sausou ao Senhar,
Senhor, teu Deus",
Deus”, ao Senhar
Senhor simulta-
neamente se manifesta cama como Deus eitclusiva
exclusivo (contra
(cantra ao paliteís-
politeís-
30j
3U|

ma) e cama
mo) como Deus pessaalpessoal (cantra
(contra ao panteísma).
panreísmo). Seu name, nome, ljavel,
']avé',
evaca sua revelaçãa
evoca revelação a Maisës
Moisés na no deserta,
deserto, na sarça ardente (Êa (Ex
5.1-22),
3.1-22), e eé significativa
significativo ao fara
fato de que a: o: *Eu
'Eu sau”,
sou', também pade pode
ter ao valar
valor de: 'Eu estau'
estou' (senda
(sendo que nãa não ei-tistem
existem em hebraica
hebraico
dais
dois verbas
verbos diferentes, carrespandentes
correspondentes aa ao “ser”
'ser' e aaao lestar',
'estar', em
partuguês).
português). Dessa maneira, ele afirma simultaneamente sua
existência e sua presença. Em Salmos, Salinas, oa valor
valar dessa presença éÉ
evocado
evacada em termostermas bem comoventes:
camaventes: “Deus ée oa nosso nassa refúgio
refúgia e
nassa fortaleza,
a nossa fartaleza, auxílio
auitília sempre presente na adversidade” (Sl
46.1). E É uma presença prometida
prametida para todo tada tipo
tipa de situação,
situaçãa,
garantindo
gatantinda vitória
vittiria contra
cantra os as inimigos:
inimigas: “Ninguém
“1\linguem conseguirá
canseguirsi
resistir a você
vacë todos
tadas os as dias da sua vida. Assim como cama estive com cam
Maisés, estarei com
Moisés, cam você;
vacêg nunca oa deixarei, nunca oa abandonarei”
abandanarei”
Us 1.5). A imutabilidade de Deus éÉ a garantia de sua presença,
(_1s
seu amor
amar e sua protecção
pratecçãa ao aa lado
lada de seu povo,
pava, seja qual for far sua
necessidade (“De fato, fara, eu, oa SENHOR, não nãa mudo”,
muda”, Ml 3.6).
fara do
O fato da povo
pava nãonãa se encontrar
encantrar ainda na escravidão
escravidi-ia do
da
Egita se deve única e exclusivamente 51ii ação
Egito açãa libertadora
libertadara de Deus.
Apesar, do da povo
pava algumas vezes ter tido tida saudades do da Egito,
Egita,
louvando de farma
lauvanda forma eaagerada
exagerada a alimentaçãa
alimentação que aí desfrutara
(Nm 1 1.4-7), na realidade, sua situaçãa situação nesse país tinha sida sido de
tatal
total escravidãa.
escravidão. D O futura
futuro de independência e liberdade nacia- nacio-
nais, que Deus prametera,
prometera, na terra que ele prepararia, sti só se
tarnau
tornou realidade par por que Deus interveia
interveio saberana
soberana e milagre-
milagro-
samente a favarfavor de seu filha
filho amada.
amado. Oseias
Oséias 1 1.1 evacaevoca a ternura
ato: “Quanda
desse ata: “Quando Israel era menina, menino, eu ao amei, e da do Egita
Egito
chamei ao meu filha".filho”. A linguagem da graça divina permeia tadas todos
as
os livras
livros da Antiga Testamento,
do Antigo Testamenta, e a atuação
atuaçãa de Deus, pela sua
graça nas grandes obras abras da salvação,
salvaçãa, anula toda tada contribuição
cantribuiçãa
humana (Sl 115.1). Contudo, Cantuda, como cama oa Antigo
Antiga Testamento
Testamenta não nãa
demanstrar, a obediência
hesita em demonstrar, abediëncia também
tambem tem suas conse- canse-
quíincias positivas:
quências pasitivas: Provérbios
Praverhias 19.4;
19.4, 20.7, etc.
Por
Par todas
tadas essas razões, oa povo pava nãonãa deve ter qualquer outro autra
deus, alémalem doda Senhor!
Senharl Um coraçãocaraçãa que arde corn cam gratidão
gratidãa
não reclama a passibilidade
nãa possibilidade de dividir sua atençãa
atenção entre seu
1..1,
Deus e autras
outras divindades. A deantalagia
deontologia da gratidãa
gratidão eé bem
diferente da deantalagia
deontologia fria da
do legalisma.
legalismo.
Nave
Novo Testamento
Desde ao princípio,
princípia, a respasta
resposta de gratidãa
gratidão perante as os atas
atos
saberanas
soberanos de Deus e
é uma nata predaminante.
nota predominante. Maria, cam
com
gratidãa pela privilegia
gratidão pelo privilégio de ser mãe do da Salvador,
Salvadar, disse: “Minha
alma engrandece ao aa Senhor
Senhar e oa meu espírito
espírita se alegra em Deus,
Salvadar, pois
meu Salvador, pais atentou
atentau para a humildade da sua serva“ serva” (Lc
1.46-4S)._la:-'ia
1.46-48)._Ioão Baptista, gratagrato pela
pelo privilegia
privilégio de anunciar a missãamissão
messiânica de Jesus, falou:falau: “Todos
“Tadas recebemos
recebemas da sua plenitude,
graça sabre
sobre graça“
graça” (Ja
(Jo 1.16). Jesus, camcom gratidãa
gratidão parpor tuda
tudo aquila
aquilo
que Deus fazia par por intermedia
intermédio dele, disse: “Eu te lauvti, louvo, Pai,
Senhor dos
Senhar das ceus céus e da terra, porque escondeste
parque escandeste estas coisas
caisas dos
das
sábias
sábios e cultas,
cultos, e as revelaste aasaos pequeninas"
pequeninos" (lvlt(Mt 11.25).
O apeistala
apóstolo Paula
Paulo anuncia a mensagem da salvaçäa salvação pela
graça de Deus, recebida mediante a fé fe (Ef2.8-10), sendosenda nossa
nassa
respasta a entrega de nós
resposta nes mesmos
mesmas em oferta aferta de gratidão
gratidiia (Rm
12.1). Na perspectiva de Paulo, Paula, existem
eitistem questões éticas eticas que
envalvem oa fato
envolvem fara de que nem todos tadas osas cristãos
cristíias terão
terãa a mesma
pasiçãa (Rm
posição (Rin 14.1-12). Nesse tipo tipa de questão,
questizia, todavia,
tadavia, a pessoa
pessaa
deve se encarar, em primeiroprimeira lugar, como cama vivendo
vivenda em relaçãorelaçãa
vital com
cain oa Senhor,
Senhar, para quem vive e para quem morrerá. marrersi.
O
D resultado
resultada dessa entrega de gratidãogratidãa ée uma opçãoapçãa decidi-
favar do
da a favor da Senhor
Senhar Javé
Jave e contra
cantra qualquer outro autra 'deus'
ldeusl rival:
“Vaces nãa
“Vocês não podempadem servir a Deus e aa Dinheira“
ao Dinheiro” (Mt 6.24). Da
mesma maneira que uma pessoa pessaa encontra
encantra uma pérolaperala de grande
valar e alegremente vende todas
valor tadas suas possessões
passessties para a comprar,
cainptar,
pessaa que encontra
a pessoa encantra a salvação
salvaçãa em jesus alegremente se coloca calaca
a sua disposição
dispasiçäa para lhe obedecer
abedecer em ein tudo
tuda (Mt 13.45.46).
13.45,-46). A
etica neofgestamentãria
ética iieafgestanieiiteria ée uma resposta
respasta de agradecimento
agradecimenta àii obra abra
anterior
anteriar do da Salvador.
Salvadar. Se, por par um lado,
lada, ée extremamente
eittremamente exigente,
eitigente,
por
par outro,
autra, aquele que a pratica sente que está esta apenas cumprindo
cumpriiida
uma dívida de gratidão.
gratidíiia. A ética
etica ée firmemente transcendente e
rzl
flzl
deantalõgica,
deontológica, embara
embora esse fata
fato nãa
não eitclua
exclua criterias
critérios imanentes
(a hamem
(o homem natural tem a lei escrita em seu caraçãa
coração _ Rm 2.15)
e telealõgicas
teleológicos (a
(o hamem
homem ganha benefícias
benefícios tangíveis em
cansequencia
consequência das
dos padrões eticas
éticos que assume (Ef 62,5).

*deuses' na Bíblia
Deus e *deuse-s'
A afirmaçãa
afirmação deantalõgica
deontológica de que Deus eé sõ só um e requer
abediencia tatal
obediência total deve, assim, ser entendida sempre iià luz desse
princípio de respasta
princípia resposta agradecida iia abraobra salvadara
salvadora divina. Os
mandamentas,
mandamentos, aparentemente severas, severos, que determinam a des-
truiçäa
truição de lugares de culta
culto a autras
outros ldeusesl
'deuses' sõ
só pedem
podem ser campre-
compre-
endidos, de maneira carreta,
endidas, correta, nesse canteitta
contexto (Dt 12.1-7). A
praibiçãa
proibição categõrica
categórica de tada
todo tipa
tipo de adivinhaçãa,
adivinhação, cansulta
consulta aas
aos
martas
mortos e feitiçaria (Dt 13.9-14)
18.9-14) tambem
também parte desse tipa tipo de
motivação. Na epaca
mativaçãa. época das
dos reis de Israel, Deus reage cantra contra ao
culto pagãa
culta pagão camcom a indignaçãa
indignação de uni um pai, cuja
cujo filhp mal-¡agrade-
mal-_agrade-
cido ao repudia (IRS
cida (1Rs 16.29-34). \
Na
No Nava
Novo Testamenta
Testamento ao leque de `deuses'
'deuses' rivais eé ampliada
ampliado
para incluir, par
por eiiempla,
exemplo, ao dinheira
dinheiro _ chamada
chamado lMai¬nõnl
'Mamón'
em algumas versões bíblicas de Mateus 6.24. Paula Paulo cansiderava
considerava
a avareza uma farma
forma de idalatria
idolatria (Cl 3.5). Na õricaótica de Paula,
Paulo,
para algumas pessaas
pessoas ao ldeusl
'deus' eé a caiiiida
comida e a bebida (Fp (Ep 3.19).
Em alguns teittas
textos he
há sugestãa
sugestão de narcisismo,
narcisisma, tão
täa característico
característica
nassa época,
da nossa epaca, em que oa homem
liamem se contempla
cantempla a si mesmo
mesma e

ve um 'deus'.
ldeusl. Depois,
Depais, passa a honrar
hanrar e servir mais a esse 'deus'
ldeusl
da que ao
do aa Senhor
Senhar (Rm(Rai 1.24).
Pertencer a Deus e cultivar relações com cam deuses ée comparável
campartivel
com
cam oa envolvimento
envalvimenta com cam prostitutas.
pras titutas. Aei partir de Êxodo
Ei-tada 54.15-
34.15-
17, Deus desenvolve
desenvalve essa comparação
camparaçãa que passa a ser uma das
principais ilustrações usadas para oa tema da apostasia.
apastasia.

Casamentos mistos
mistas
Existem
Eiiistem várias
varias passagens da lei que avisam oa povo
pava do
da grave
risco
risca envolvido
eiivalvida no
na relacionamento
relacianamenta conjugal
canjugal com
cam pessoas
pessaas que
têm autras
tem outros ldeusesl.
'deuses'. Em Eitada
Êxodo 34.1116,
3415,16, par
1..
por eitempla,
exemplo, fica
clara
claro que a prastituiçãa
prostituição espiritual cameça
começa na no nível afetiva:
afétivo: as
os
laças
laços caiijugais
conjugais criam campramissas
compromissos que tarnamtornam quase inevitti-
inevita-
vel a taleríincia
tolerância de autras
outras divindades e ao envalvimenta
envolvimento cam com
eles (cf. Dt 2.1-4).
7.1-4). NaNo relata
relato de Númeras
Números 25 vemas vemos que a
desabediencia
desobediência nessa tirea área praduziu
produziu imediatamente ao efeita efeito
prevista
previsto _ a relaçãa
relação cam
com as filhas das
dos maabitas
moabitas levau
levou aa
ao culta
culto
idõlatra
idólatra cam
com as os ldeusesl
'deuses' das
dos . . O primeiro
primeira casamenta
casamento
lmistal
'misto' d Salamãa
Salomão (1 Rs 3.1) caincidiu
coincidiu cam
com um afrauitarnenta
afrouxamento
d ' a devaçãa
devoção aa ao Senhar.
Senhor. DO teitta
texto afirma: “Salaiiiiia
“Salomão amava ao
Siiivfi-Lia,
SENHOR, ao que demanstrava
demonstrava andanda
andando de acarda
acordo camcom asos decre-
tas
tos da
do seu pai Davi; mas aferecia
oferecia sactifícias
sacrifícios e queimava incensa
incenso
nos lugares sagradas“
nas sagrados” (v. 3). Embara,
Embora, nessa fase, passa possa nãa
não ter
havida
havido influencia
influência direta da mulher egípcia na prtitica prática religiasa
religiosa
de Salamãa,
Salomão, em 1Reis 11 fica patente a relaçãa relação entre seu
casamenta
casamento cam com mulheres estrangeiras e ao envalvimenta
envolvimento cam com
autras
outros deuses. Esse capítula
capítulo descreve ao pracessa
processo e seus resultadas
resultados
de maneira bastante parmenarizada.
pormenorizada.
sdras, aa ao descabrir
descobrir que ao pava
povo tinha pecada
pecado cantra
contra ao
enhar
enhor dessa maneira, rasgau rasgou suas vestes e arraiicau
arrancou as os cabelps
cabelos
e a barba (Ed 9.3). Depais,Depois, quanda
quando ao pava
povo se arrepqi,1de'u,“as
arrepgldeu, as
mulheres estrangeiras faram foram despachadas. Neemiašfque
Neemiafque natu-
ralmente terii
terá sida
sido um haniein
homem de temperamenta
temperamento mais farte, forte,
aa
ao receber natícia
notícia semelliante,
semelhante, espancau
espancou as pessaas
pessoas e ai-tancau
arrancou _/
cabelas (Ne l3.25)! Muitos
seus cabelos Muitas anos
anas depois,
depais, ao prafeta
profeta Malf-“
Malaf
quias ainda teve acasiãa
ocasião de denunciar a infidelidade da do pava
povo
de judti
Judá nessa área: “Jude“Judá desanrau
desonrou ao santuária
santuário que ao SEMI--Iria
SENHOR
homens casararn-se
ama; hamens casaram-se camcom mulheres que adaram adoram deuses
estrangeiros" (Ml 2.11).
estrangeiras“
Em cada uma dessas passagens fica clara claro que a questãa
questão
näa
não eé essencialmente
essencialmente _r_z¿_çi¿a1, mas sim¿gLgiqs_a_.
sim¿ç_l_igios_a_. As tearias
teorias de
*pureza
'pureza de sangue' enc.antram
encontram pauca
pouco apaiciiina
apoio"no teitta
texto bíblica.
bíblico. A
questäa
questão eé ao fara
fato da
do laça
laço afetiva
afetivo criar campramissa
compromisso cam com autra
outro
deus.
34j
34|

Depois de tanta instruçãa


Depais instrução dada na no Antiga
Antigo Testamenta,
Testamento, nãa não
torna necessária
se tarna necessário que ao Nava Novo Testamenta,
Testamento, que se fundamenta
na ética
etica doda Antigo,
Antiga, se debruce muitas vezes sabre sobre ao mesma
mesmo
prablema.
problema. Em 2Caríntias
2Coríntios 6.14, Paula Paulo adverte cantra
contra a o fata
fato
da
do cristãa
cristão se prender “em 'em jugajugo desigual cam com descrentesl.
descrentes'.
Tambem,
Também, aqui, ao prablema
problema eé essencialmente religiasa, religioso, cama,
como,
a seguir, sua argumentaçãa
argumentação deiita deixa clara:
claro: “Que harmania
harmonia entre
Cristo e Belial?“
Crista Belia1?" (v. 15). E verdade, ao teiita texto nãa
não menciana
menciona especi-
ficamente ao casamenta
casamento e ao 'juga'jugo desigual“
desigual' pade
pode se referir tambem
também
a autras
outros tipas
tipos de relacianamenta
relacionamento (saciedade
(sociedade em uma empresa
au
ou envalvimenta
envolvimento ei-tagerada
exagerado em amizades, quanda quando esses
relacianamentas
relacionamentos criam ca mp ramissas que envalvem
compromissos envolvem princípias).
princípios).
Mas entre todos
tadas osas 'jugos'
ugaslque que existem
eitistem para unir duas pessoas,
pessaas, a
Bíblia não
näa reconhece
recanhece nenhum mais intimo íntima doda que oa casamento.
casamenta.
Por
Par isso,
issa, ée óbvio,
õbvia, que devemos
devemas entender que aqui se refere à
relação
relaçãa conjugal,
canjugal, não nãa a outros
autras tipos
tipas de relação.
relaçãa. Em 1Corín-
1Carín-
tias 7.39,
tios 2.39, Paulo
Paula adverte que se uma senhora senhara viúva voltar
valtar a casar,
faze-la sempre com
deve fazê-lo cam um crente.
1-laje, as igrejas evangélicas
Hoje, evangelicas se debruçam sobre sabre a questão
questõa de
que posição
pasiçãa adotar
adatar em relação
relaçãa aosaas casamentos
casamentas mistos.
mistas. Argumenta-
pasiçíía intransigente nessa matéria
se que uma posição materia não
nãa sósõ afasta as
famílias que tanto
tanta se empenham para ver seus filhos filhas casados
casadas na
igreja, mesmo
mesma quando
quan.da oa cônjuge
cõnjuge ée descrente, mas também tambem priva
a igreja de uma boa baa oportunidade
apartunidade para evangelizar, já que oa
cônjuge
cõnjuge descrente
descreiite convidará
canvidará muitos muitas familiares e amigosamigas que
assim terão
terãa oportunidade
apartunidade de ouvir auvir a mensagem da salvação.
salvaçãa.
E curioso
curiasa observar
abservar em que medida esses argumentosargumentas partem
da base consequencialista
cansequencialista (teleológica),
(telealõgica), e nãonãa da deontologia
deantalagia
bíblica! O fatofata do
da Senhor,
Senhar, em sua Palavra, de maneira clara,
ter se pronunciado
pranunciada sobresabre essa questão
questãa não
nãa deveria serset argumento
argumenta
suficiente para não nãa ser realizados,
realizadas, na igreja, casamentos
casamentas entre
argumentas pragmáticos
crentes e descrentes? Os argumentos pragmáticas construídos
canstruídas
com
cam base nos nas resultados
resultadas poderão
paderãa ser usados
usadas em qualquer um
das dois
dos dais sentidos;
sentidas; contudo,
caiituda, ée indiscutível que, apesar de suas
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boa intenções?
baa intenções, muitas
rriuitos crentes sãa são depais
depois pragressivamente
progressivamente
afasta asos de sua camunháa
comunhão caiu com ao Senhar
Senhor e camcom a igreja, pela
influencia
influência que exercem sabre sobre eles seus cõnjuges
cônjuges descrenres
descrentes e
pelas pasições
posições divergentes que tem têm sabre
sobre tada
todo tipa
tipo de questáa.
questão.
Nas
Nos casas
casos em que a parte descrente depais depois se canverte,
converte, muitas
vezes, acantece
acontece que primeira
primeiro ao casal safre
sofre uma langa
longa experien-
experiên-
cia de canflita,
conflito, angústia e quase ruptura, antes da do Senhar
Senhor gra-
ciasamente
ciosamente ao canduzir
conduzir a esse fim.
Aa
Ao cansiderar
considerar essa prablemática
problemática fica evidente que náa não se
trata de tentar impedir ao casamenta
casamento de crentes da nassa nossa igreja
au
ou denaminaçáa
denominação cam com crentes de autras outras igrejas evangelicas!
evangélicas!
Alem
Além dissa,
disso, a questáa
questão que se calaca coloca náa
não eé tanta
tanto de filiaçáa
filiação
eclesiástica, mas de fe fé na
no Senhar.
Senhor. Se, parpor exempla,
exemplo, eé prapasta
proposto
ao casamenta
casamento de um membra membro de nassa nossa igreja cam
com um catõlica
católico
extremamente camprametida,
comprometido, eé evidente que temas temos a abriga-
obriga-
çáa
ção de avisar sabre
sobre as
os muitas
muitos incanvenieii
inconvenientestes passíveis
possíveis inerentes
a essa situaçãa.
situação. Nesse casa,caso, tarnar-se-á
tornar-se-á difícil a arientaçáa
orientação dasdos
filhas,
filhos, pela
pelo fara
fato de cada um das dos pais asos querer educar na no seia
seio de
uma igreja distinta. A criança, desde a infáncia, infância, será expasta
exposta a
pasições
posições dautrinárias
doutrinárias divergentes e em muitas muitos aspecras
aspectos incam-
incom-
patíveis, antes de chegar ii51 idade em que paderá poderá taniar
tomar uma
decisáa
decisão respansável.
responsável.
O Catecisma
Catecismo da lgrejaigreja Catõlica
Católica encara ao casamenta
casamento de seus
fieis cam
fiéis com batizadas
batizados iiáa-catõlicas
iião-católicos da seguinte farma:
forma: náa não praíbe
proíbe
ao casamenta
casamento _ que cansidera considera mista
misto par
por ser entre cristáas
cristãos de
distintas canfissões
confissões (a(o evangelica,
evangélico, em ein geral, nãa
não usa a expressiia
expressão
nesse sentida)
sentido) _, mas avisa sabre sobre asos cuidadas
cuidados pastarais
pastorais especiais
que seráa
serão necessárias
necessários nesse casa.
caso. Cagita
Cogita sabre
sobre a passibilidade
possibilidade de
realizar uma pastaral
pastoral camum,
comum, envalvenda
envolvendo ministras
ministros de ambas
confissões. Cantada,
as canfissões. Contudo, põe as seguintes reservas que qualquer
catõlica
católico camprametida
comprometido terá que enciuar encarar cam
com tada
toda seriedade:
,.
ai -_ -_ -. -. -. -. ,,,
De acarda
acordo cam
com ao direita
direito ein
em vigar
vigor na lgreja
Igreja Latina, um matrinia-
matrimo-
nia
nio mista
misto precisa da permissáa
permissão expressa da autaridade
autoridade eclesiástica
para ganhar a respectiva licitude. Ein casacaso de dispgridade
dis?ridade de
/ _.
. ,rir-_
;zI`¿"- J
?_.-_.-' `r'
36

culto, eé requerida uma dispensa expressa da


culta, do impedimento para a
validade do matrimõnia.
matrimônio. Tanto a permissão camacomo a dispensa
supõem que as duas partes conhecem e não rejeitam as os fins e
compromissos essenciais da do matrimenio,
matrimônio, bem cama
como as obrigações
coiitraídas
contraídas pela parte catõlica
católica em relação aa
ao batismo e educação
zz 1
dos filhos na lgreja Católica ” . 2
Igreja Catõííca
Na grande maioria das
dos casas,
casos, quando a parte não-evangélica
não-evangelica
se apresenta como lcatõlical,
'católica', isso significa
sigiiifica apenas uma adesão
superficial ("não-praticante`)
('não-praticante') ãà fe
fé dessa igreja. Na realidade se
trata de um descrente e ao casamento proposto- constitui um “jugo
'jugo
desigual“.
desigual'. Quando a o pastor evangelica
evangélico entrevista asos candidatas
candidatos
para o casamento tem que dar prioridade àã questão do da novo
nascimento e da fe
fé genuína de cada um. Pode encontrar um
_,,Ícatólico
/'católico praticantel,
praticante', escravo das tradições de sua igreja e que,
apesar da seriedade de seu compromisso com a igreja, não dá
sinal de ter nascido de novo. Ou pode encontrar um `catelico'católico
/praticante' que, em palavras e em atos, manifesta profunda
_,,.praticante1 profundo
““` .--'
amor pelo Senhor jesusJesus Cristo e profunda convicçao sobre sua
TT f-'

salvação. Nesse caso, o pastor evangelico,


evangélico, apesar de algumas
divergências doutrinárias, pode considerar que não há impedi-
divergencias
mento para o casamento. A entrevista com a parte levangelical
'evangélica'
deve ser conduzida com a mesma seriedade, uma vez que nosso
meio não está de modo nenhum livre de incluir elementos 'não-
praticantesl
praticantes' (especialmente jovens que se consideram crentes
por ser filhos de crentes e por ter sido batizados). Nos iiossos
nossos
dias não eé impossível surgir uma parte lcatõlical
'católica' que poderá ser
aceita por nes nós coiiio
como candidato ao casamento e uma parte
'evangélica' que, por o ser apenas nominalmente, não deve ser
levangelica'
aceita! Nesse caso, o casamento não deve ser realizado sob a
'misto', mas deverá ser dada uma explicação
alegação de ser `misto`,
clara ãà igreja acerca da verdadeira natureza do problema. Deve-
mos lembrar que o culto de casamento envolve compromissos
com um Deus que ainbosambos afirmam ser seu Pai e dos quais devem
estar extremamente conscientes. Apenas, nos casos em que
j3?

ambos, avaliados por criterios


critérios bíblicos, manifestam frutos
genuínos de fe fé no Senhor, consideramos que há condição para
o casamento ser realizado na comunhão de uma igreja evange- evangé-
lica. Tanto um descrente, que afirma seus votos diante de Deus,
como um 'crentel,
'crente', que o faz, mas sõ só mecanicamente, tambem
também
poderão ser considerados culpados de infringir o terceiro
mandamento.
Em
Eni virtude da Igreja
lgreja Católica
Catõlica considerar o casamento um
sacramento
sacraiiieiiro que só sei ée compreendido corretamente quando se
integra no esquema dos sete sacramentos _ que envolve distin-
tos conceitos de graça e de salvação do das igrejas evangélicas
evangelicas
-_
_ consideramos inaceitável a co-celebração ecumênica ecumenica de um
evangelico com um sacerdote católico.
pastor evangélico catõlico. ÉE inevitável que
um ato desses seja entendido pelo público como afirmação de
grande harmonia de pensamento entre as respectivas comuni-
dades _ harmonia esta que, na verdade, não existe quando
consideramos as abordagens divergentes em relação às grandes
doutrinas da fé. fe.
evangelicos que rejeitam o conselho de não iniciar
Para os evangélicos
namoro com descrentes, recomendamos que, den dentro
tro das possibi-
lidades que a situação oferece, haja urna
[idades uma tentativa de ganhar a
parte descrente para Cristo (independente de se tornar membro
da igreja ou não), o que permitirá a realização do casamento na
comunhão da igreja. Quando aii época epoca das núpcias uma Lima parte
ainda continua descrente,
descreiite, recomendamos que a família acom-
panhe o par, dando
darido todo apoio possível, em um casamento
casamen to civil,
apõs o casamento, faça tudo o que puder para ajudar o
e que , após
casal a crescer em ein sua união e não aceitar que o divórcio
divõrcio possa
ser a solução adequada ao problema que se criou. Algumas igrejas
podem optar pela exclusão do crente de sua membresia, ineinbresia, pelo
menos,
inenos, até
ate o momento em que assumir assuinir o fato do jugo desigual
ter sido um erro. Pessoalmente,
Pessoalinente, considero que, na maioria dos
casos, não será preciso ir tão longe e que as tensões e sofrimentos
constituein em si mesmas um disciplina-
causados pela situação constituem
38j
38|

mento suficiente. No devido tempo, a parte crente assumirá ao


fato de seu casamento não ter sido realizado de acordo coin
com os
preceitos divinos e pedirá perdão. A partir desse momento, o
Deus de misericõrdia
misericórdia poderá realizar grandes obras na vida da
parte descreiite
descrente e de toda sua fainília.
familia.

Conclusoes

Conclusaes
Qualquer análise seria
séria do cristianismo leva ãà conclusão de
que há uma profunda ligação entre aquilo que cremos e nossas
ações. Separar a lagendal
`agenda` (ações resultantes) da fe fé de sua
credenda (princípios que a nutrem) eé o mesmo que inutilizar
ambas. Jesus compara “quem ouve estas minhas palavras e as
pratica eé como um homem prudente que construiu a sua casa
sobre a rocha” (Mt 7.24; grifo do autor). Aquele que separa as
palavras que ouve de seus atos eé um insensato.
Paulo, em sua epísrola
epístola aos Romanos, expõe a doutrina da
fé e, a seguir, apresenta o desafio de uma vida consagrada:
fe
“Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericõrdias
misericórdias de Deus que
se ofereçam em sacrifício vivo, [...]“
[...]” (Rm 12.1). Essa pequena
palavra “portanto”
'portantoi eé ao mesmo tempo uma referencia
referência a tudo
aquilo que foi exposto dos capítulos 1 a 1 1, a credenda da fe, fé, e
uma introdução a sua agenda”,
'agenda`, capítulos 12 a I6. l6.
Tiago combate os que tentam separar fe fé e obras (Tg 2.14-
26), mostrando sua inseparabilidade (v. 26). Da mesma maneira
que eé impossível o corpo subsistir sem a alma, eé impossível
impossivel haver
fé no Senhor sem obras.
fe
Ao mesmo tempo, nosso resumo do ensino bíblico deixa
claro que não devemos conceber nosso compromisso etico ético como
o0 de uma deontologia fria e legalista. Se, nas palavras de Tiago,
fé sem obras está morta, as obras sem fe
a fe fé tambem
também não podem
ter vida. Paulo, em Efésios, repudia o caminho de obras legalistas
sem fe fé e assinala o caininho
caminho de obras de obediencia
obediência que são o
fruto da fe fé (Ef 2.8-10). As obras que agradam a Deus são o
fruto de corações calorosos e entusiastas. A consciencia
consciência daquilo
que ele primeiro fez por nõs
1..ls
nós eé a fonte de nossa motivação para
viver uma vida que corresponda a isso. Por isso, frisamos que,
desde o princípio, os dez mandamentos ensinam que devemos
reconhecer a obra libertadora da graça de Deus e que devemos
viver de uma forma que expresse gratidão por essa obra.
E
É dificil
difícil que um politeísta tenha fundamentos firmes para
uma vida etica.
ética. Embora não duvidemos que alguns politeístas
tenham sido coerentes em defender e praticar princípios eticas, éticos,
não podemos evitar a impressão de que uma fe fé politeísta, se for
coerente, levará necessariamente a contradições no campo etico. ético.
'impróprio` outra pode não achar:
O que uma divindade acha 'imprõprio`
aquilo que oferecemos a um ldeus“ ‹deus° e eé aceito com
corn agrado pode
ser repudiado por outro `deus'.'deus”. O homem se torna vítima de
exigências contraditõrias
exigencias contraditórias e sõ só consegue se libertar desse dilema
ao procurar em otitra
outra fonte, que não a dos `deuses“
`deuses, _, por exem-
plo, em normas sociais ou em sua consciencia
consciência _ - a inspiração
para seus padrões morais.
Muitos eticistas foram ateístas e muitos que não o foram
tentaram desenvolver
desenvolver' princípios
principios eticas
éticos sem relação com a
divindade. Temos a impressão de que o “imperativo categõricol categórico'
`verdadeiros interesses próprios*
de Kant ou os “verdadeiros próprios' da etica
ética legoístal
iegoísta'
aparência de ser fundamentos eticos
de Hobbes podem ter tido aparencia éticos
objetivos para quem os defendia, mas, na realidade, levam neces-
sariamente iià abertura de intermináveis interpretações particu-
lares e subjetivas. O grande rigor com que Kant defendia algumas
de suas convicções era fruto inconsciente de sua herança cristã.
E
É ein
em grande parte frustrante, toda tentativa de extrair, sem
referência a mandamentos divinos, aquilo que devemos .fazer
referencia Erzer
daquilo que e. é. A aparente objetividade de um Hobbes ou de
um Kant desaparece no espaço de uma geração, e a subjetividade
ilimitada toma seu lugar.
'racionalista” ou “liberal”
Da mesma maneira, o cristianismo 'racionalistal °liberal”
tende a se perder em subjetivismos. Em relação à filosofia secu-
lar, parece que esta tem a vantagem de ainda guardar padrões
.sl
..l
éticos objetivos. Ela conserva imenso respeito pela vida de Jesus,
eticas
por seu ensino ético e seu exemplo. Ela deduz do fato de jesus Jesus se
ter dado em amor aos outros, que nõs nós tambem
também devemos fazer o
mesmo. Chega ao ponto de considerar que o homem etico, ético, inspi-
rado pelo exemplo de jesus, ]esus, inaugurará o reino de Deus na terra.
Todavia, sua postura relativizante em relação ao texto bíblico
torna problemática a definição do que eé exatainente
exatamente esse exemplo
Corno padrão etica,
de jesus. Como ético, o Jesus que expulsou os vendilhões
do templo terá o mesmo valor que aquele Jesus que chamou a si
as crianças? Como padrão etico, ético, o Jesus que chamou os fariseus
'sepulcros caiadosl
lsepulcros caiados' terá o mesmo valor que aquele Jesus que nos
mandou amm' amar aos inimigos? Se tem têm o mesmo valor, qual qua] eé a
aplicação atual de seus atos severos, por um lado, e carinhosos,
por outro? Como podemos evitar a impressão de que, se Jesus
foi apenas homem, algumas de suas afirmações são insustentáveis
do ponto de vista etico ético (a afirmação de poder perdoar pecados,
de que ele eé o único caminho para a salvação, o fato de chamar
'Pai”, ao assumir a posição de juíz de todos os homens)?
Deus de *Pai”,
liberalismo teolõgico
O liberalisino teológico eé seletivo quando toma algumas
passagens bíblicas como genuínas e não aceita outras. Rejeita o
Jesus divino e sua vinda futura e eé a favor do Jesus ]esus humano e da
transformação gradual da sociedade humana. Mas cada estudio-
so acaba por dar peso àquilo que corresponde a sua imagem de
virtude e bondade e encontra razões “de `de ordem crítica“
crítica” para não
aceitar outras passagens que podem coritrabalançar
contrabalançar essa iinagein.
imagem.
teológico age como Narciso (o mito) quando ve
O liberalismo teolõgico vê
'lagoa das Escrituras e erroiieamente
sua face refletida no llagol erroneamente a toina
toma
por umaurna auteiitica
autêntica imagem de jesus.Jesus.
`ética de situação*
A `etica situação' encontra eco em algumas afirmações
do apõstolo
apóstolo Paulo. Ele afirma diante de questões referentes iià
alimentação, bebida, dias de descanso e de festividades a
possibilidade de se optar por diferentes formas de agir, cada
um
uni agindo como se o fizesse para o Senhor (Rm 14.1-12).
critério eé o ainor:
Muitas vezes, o criterio amor: o que conta não eé o ato ein em si,
mas sim o efeito que o ato pode provocar ein em um irmão mais
já-1
jfill

fraco. Se este não for firme e seguir seguir- nosso exemplo, pode cair
_ e isso como resultado de uma ação que não nos traz qualquer
prejuízo. Se for um alcoõlico
alcoólico recem
recém convertido, por exemplo,
pode seguir nosso exemplo de beber uma pequena quantidade
de vinho e essa quantidade pode ser suficiente para o levar a
mergulhar novamente no vício.
Contudo, a eticaética de situação defendida no séculoseculo XXxx não se
limita a exemplos desse tipo. Na verdade, tenta reduzir toda ética etica
neo-testameiitária àii ética
bíblica ou neo-testamentária etica de situação. Poderia-mos, por
iinaginar o apóstolo
exemplo, imaginar apõstolo Paulo afirmar: “Uma pessoa pratica
casamento", ou:
o ato sexual antes de casar, mas outra aguarda o casamento”,
“Um marido se julga livre para interromper a gravidez de sua
esposa e outro não o faz“? faz"? E evidente que Paulo não se refere a
essas questões quarido
quando afirma que cada um eé livre e dará contas
apenas a Deus. Qual ée a fronteira entre princípios éticos eticas absolutos,
que não admitem diversidade de interpretações, e questões de
costumes, relativas iià cultura, que normalmente será decidida por
meio de criterios
critérios tais como o efeito que terá no irmão mais fraco?
Se a própria
prepria Bíblia não nos ensinar, ée difícil que encontremos
eiiconrremos
algum criterio
critério de consenso para definir essa fronteira. Os exem-
plos apreseiitados
apresentados mostram que eé extremamente desonesto da
parte da etica
ética de situação ensinar que o único absoluto eé a lei do
*amor“.
“amor'. E muito fácil que o *amorl “amor` entendido subjetivamente
nos conduza iià pratica do sexo pre-matrimoiiial
pré-matrimonial ou do aborto,
no entanto, existem outros princípios bíblicos para iios nos orientar
nessas questões. A etica ética do mandamento divino não contraria a
*lei
'lei do amor”, mas tem seus criterios
critérios que, muitas vezes, a ultra-
passa. Se nos empenharmos
empenha rmos ein em cumprir os mandamentos divinos,
forçosamente agiremos em amor, mas se agirmos apenas de
acordo com aquilo que nos parece ainor, amor, eé difícil que obedeçamos
todos os mandamentos divinos.
O pús-modernisino
pós-modernismo recente aproxiina-se
aproxima-se do velho politeísmo.
O relativismo etico
ético se torna uma norma, ãà medida que o homem
põs-moderno
pós-moderno afirma que há imii¬neráveis
inumeráveis caininhos
caminhos que levani
levam iià
42l
-filííšj
,_-

salvação e que o mundo sobrenatural de uma pessoa nao eé menos


válido ou real do que o de outra. O cristão corre o risco de se
fechar em seu mundo particular, esforçando-se por cumprir a
vontade de Deus em suas opções pessoais, mas perdendo a visão
profetica
profética ou deontolõgica
deontológica da vontade de Deus para o homein homem
na sociedade em geral. Se, com base em minha consciencia,
consciência, evito
o adulterio,
adultério, posso ganhar o respeito dos outros, no entanto, se
meu prõximo
próximo julga que encontrou um amor mais genuíno na
companhia de outra pessoa que não eé sua esposa, quem sou eu
para levantar qualquer objeção a sua opção?
No mundo põs-moderno
pós-moderno nem sequer existe um criterio critério
uniforme de etica
ética utilitária. Nada garante que um único curso
de ação necessariamente trará maior felicidade para o maior
número possível de pessoas. Neste mundo, desapareceu o0
conceito de *leis
'leis da natureza*
natureza` que permite a avaliação objetiva
de opções eticas,
éticas, mesmo para o eticista *egoísta`.
`egoísta`. E, neste mundo
novo, não será preciso acrescentar que o único *imperativo'imperativo
categõricol
categórico° eé o de deixar cada um livre para seguir a opção que
lhe pareça melhor. A *tolerãncia*
`tolerância` acaba sendo a *virtude*
ivirtudei de
não transformar nenhuma opção em princípio absoluto. E toda
convicção ou princípio etica
ético que existe eé uma relíquia, mais ou
menos inconsciente, de uma epoca época em que, com ou sem Deus,
ainda se acreditava em valores absolutos.

Notas
l. lnsritutas
1. l\-*' _ HK
lflstilutiis llvl XX _ 12 12,i de __]oãn Calvino,i~ tratltizlda
tiiiri Éialvlriii traduzida da vcrsáti
versão es espanlmla,
anhiila,
“Instituciõn
“lnsLi1ución de la Religiõn
Religión Crisiiaiia”,
Cristiarla”, ed. Funtlaciún
Fundación F.tliro1-ia!
F.tlirorial tle
de lireramra
Í.ireramra
Refonnada, l-ltilaiitla,
1i.eft'ii'ii'iatla, Holanda. 11263.
1968.
2._|.B.1.ll-"`ebster,
2.ç|. B. Webster, em ein “Gutl",
“iÍzotl", artigo
ariigzi nu
rio "l\le\f.'
“l\lc¬~.v Dicliunarfç
Dictionariç of (Íl1risti:m
Christian lflrliics
!¬`.thics and
TlieiiIi.igi"`, l.\-".l{
Pastoral Tlreolngr”, 1.1.-'Íl*". 1995).
19515).
Ífiatecislnii da
3. (Âatecismu tla Igreja
lgreja Católica,
IÍÍiiti'ilica. ed.
ctl. Gráfica
(ii*iilicii de
tlc (Í:›imb1~.1,
{*Íiiii1'|lJi*a, l9fJ.°›,pa1':igraf|;›
lflllfl, priivigriifo l635.
1635.
caeiiuto
CAPÍTULO 22

Não ser fabricantes de


“deuses”

Não fãrãs
Íaraš' para ri nenlium
nenhum idolo,
Ídolo, nenhuma
nenliuma imagem de qualquer coisa
no ceu.
iio céu, na terra. ou nas .águas
aguas debaixo da terra. Não rete prosrraréís
prostrarãs
iieiii lhes
diante deles nem llies presraraís
prestarás culto, porque eu.
eu, o S`ENHoR.
SEivHtiit, o teu Deus,
sou Deus zeloso, que castigo os filhospelos
Hihos pelos pecados de seuspais area
atea
terceira e quarta geração daqueles que me nie desprezam, mas rraro
trato com
bondade are rnƒlgcraçõcs
milgerações aos que me nie :unam
amam e obedecem
obedeceiii aos meus
mandamentos
iiiaiidariientos (Êx(Ex 20.4-6
2.0.4-6 e Dt 5.8-10).
5.3-10).

Questões: O que significa a proibição de imagens? Quais serão


iinplicações dessa proibição nos tempos mais antigos,
as implicações aiitigos, na Igreja
lgreja
Como ée que se pode dar espaço àii capacidade
Cristã e na atualidade? Corno
criativa e artística do homem no campo religioso sem cair no erro
do culto àsãs imagens? O que significa Deus ser um ser zeloso? xeioso?
consequencias históricas
Quais são as consequências histõricas da desobediência
desobediencia a esse
mandamento? Quais são os outros otitros ídolos que o homem cria e
aos quais presta culto? Na época epoca bíblica e moderna, quais são
ctilto superricioso
as formas de culto superticioso que se assemelham ao culto de
imagens e que devem ser repudiados com a mesma veemência veemencia
que este? Há 1-lá também
tambem imagens mentais que bloqueiam sua
compreensão da natureza do verdadeiro Deus? De que maneira
*imagem* que cada um possui diante
a preocupação atual com a 'imagem°
de seus contemporâneos se relaciona com esse assunto?
44
4-'ll jI

Abordagens históricas
Os símbolos da fe fé cristã, mesmo quando são visuais, não nao
são necessariamente *imagensl
“imagens” no sentido entendido pelo texto
do Decálogo. Desde tempos imemoriais a cruz, a Bíblia e os
elementos da ceia do Senhor tem têm servido para despertar a fe fé e
a devoção dos cristãos. E É evidente que esses objetos são obra de
mãos humanas e que tem têm a intenção de despertar nas pessoas a
reverência a um Deus imaterial. Mas existe uma tradição muito
reverencia
antiga
an cristianismo qtie
tiga no cristiaiiisnio que reprova qualquer uso de objetos alemaiém
desses. Existe, por exemplo, uma carta de Eusebio
Eusébio de Cesareia
Cesaréia (c.
263-339
263-539 A. D.) para a imperatriz Constança em que, apoiando-
se em C__)__rígenes,
Qrígenes, ele questiona a validade teoltigica
teológica de qualquer
imagem visual de Cristo.
imƒageifii
O cristianismo, ao sofrer influencia
influência cada vez maior do
platonismo, permitiu que fosse aberto campo para a criação de
todo tipo de imagem visual, uma vez. vez que, de acordo com Platão,
na verdade, tudo aquilo que sentimos e vemos no mundo eé uma
imitação da forma eterna original que sõ só pode ser conhecida
pela alma no mundo não-material. Assim, joão João Damasceno,
`monge
monge do seculo
século viii,
\/111, argumentou que uma imagem nunca e
substância que seu original e serve apenas para o imitar.
da mesma substãncia
Se, por exemplo, negarmos que qualquer ícone verdadeiro pode
retratar Jesus, estamos iiegando
negando a possibilidade da encarnação.
Embora seja errado adorar um ícone, icone, a presença da imagem
pode instruir e ajudar o crente em sua adoração do verdadeiro
Cristo. Como resultado, inuitos muitos adotaram imagens de Maria,
apóstolos, de santos e mesmo de anjos.
dos apõstolos,
O argumento de muitos defensores das imagens era que,
para o cristão comum, podiam servir como *sermões 'sermões si1enciosos`,
silenciosos,
*livros
“livros para os incultosl
incultos” (frase de Gregõrio)
Gregório) e *memõrias
“memórias dos
misterios
mistérios de Deus`. Hoje, nas grandes catedrais, ainda podemos
contemplar antigos retábtilos
rerábulos que narram a vida de Cristo (em
alguns casos, incluein
incluem elementos de tradição como, por exemplo,
a Assunção da Virgem Maria e, em outros casos, mantem mantêm um
quase absoluto rigor bíblico). Contudo, convem
|..y..
convém frisar que joão
João
Damasceno não usou apenas esse tipa tipo de argu-mento para
justificar o uso de imagens: para ele as imagens eram sinais
santificação da materia,
visíveis da saiitificação matéria, possibilitada pela Encar-
nação.
No seculo
século viii,
VIII, a lgreja
Igreja Oriental sofreu uma forte crise com
a eclosão do movimento iconoclasta (movimento dedicado à
destruição das imagens). No ano 726, o imperador Leão 111 III
declarou oposição ãà veneração de imagens e ordenou a destrui-
ção de um ícone muito venerado de Cristo. Ein Em 731),
730, ele transfor-
mou esse movimento em lei por meio de um Edito que proibia
as imagens e que mandava destruí-las. Os ícones foram retirados
das igrejas e as pinturas murais apagadas. Foram queimadas
muitas relíquias de santos. Muitos dos que reverenciavam imagens
forain
foram perseguidos e mortos. Em 754, um Concílio, considerado
*acefalo“
`acéfalo` (por ter sido realizado sem a presença de qualquer
patriarca), deu todo seu apoio a esse movimento e, ate até mesmo,
excomungou João Damasceno. Mas o herdeiro de Leãoal-11 Leão~I-II não
seguiu a mesma linha radical e sua esposa, Irene, era fervorosa
veneradora de imagens. Reuniu-se um Concílio em Niceia Nicéia
(Sétimo Concílio Ecumênico),
(Setimo Ecumenico), com a presença de tim um patriarca,
que declarou lieretieo
herético o movimento iconoclasta e restaurou na
íntegra o pensamento de joão João Damasceno. O Concílio argumen-
tou: “Quarito
“Quanto maior a frequencia
frequência com que olhem para essas
representações e imagens, os que as contemplam mais se lembra-
rão dos modelos originais“.
originais”. Contudo, ao mesmo teinpo,
tempo, fez uma
urna
distinção entre veneração e adoração, a qual conveiii
convém ser prestada
apenas a Deus. Contudo, o movimento iconoclasta não desapare-
ceu e, ate
até meados do seculo
século seguinte, novas ondas menos radicais
persistirain.
persistiram. A lgreja
Igreja Oriental, alem
além de promover a veneração
de pinturas, permitiu a proliferação da veneração de relíquias
sagradas. Constantinopla, por exemplo, dizia possuir *o “o corpo
do protomártir São Estevão,Estêvão, a cabeça de São João Batista e a
imagem de Cristo não feita por mão humana (!)1. (!)°. As pessoas
46j
-'ílõj

simples acreditavam que tais objetos garantiam a proteção divina


iià cidade e ao Imperio.
Império. Em consequencia,
consequência, a cidade de Constanti-
nopla praticamente foi considerada uma *nova “nova ]erusalem*.
Jerusalerni.
Na epoca
época da Reforma, como resultado do protesto vee-
mente contra abusos, tais como as indulgencias,
indulgências, verificou-se
uma reação contra a veneração de imagens. Tomás Carlstadt,
Surgiram
colega de Martinho Lutero, era fervoroso iconoclasta. Surgirain
movimentos populares contra toda uma tradição religiosa me-
dieval. Lutero, durante um ano ein em que ficou ausente de sua
paróquia, verificou que havia se desencadeado um niovimeiito
parõquia, movimento
de reação iis às práticas medievais, incluindo a destruição de
imagens. De início, Lutero aprovou essa tomada de posição,
mas depois de potico pouco tempo, começou a detectar nesse
movimento um espírito legalista de grande apego a valores
puramente exteriores. Carlstadt continuou em sua posição
iconoclasta radical, mas separou-se de Lutero, passando a fazer
parte de tim um movimento espiritualista que não se só rejeitava
imagens, mas tambemtambém o uso da prtipria=
própria Bíblia, pois já que o
Espírito se revelava diretamente aos detentores do dom profetico,
profético,
`Palavra) não era
a *Palavral era_/necessária. em virtude de seu conflito
necessária. Lutero, ein
contra os radicais““ter
radicais ter se tornado tão feroz quanto seu conflito
contra o catolicismo, assumiu uma posição mais moderada ein em
relação ãs às imagens. AtéAte hoje eé possível encontrar pinturas de
cenas bíblicas em paredes de igrejas luteranas, embora, em geral,
prevaleça um espírito muito menos apegado iià imagem exterior
nessas igrejas do que nas catõlicas.
católicas.
Calvino foi mais intransigente em sua posição em relação
a isso. Citou a afirmação de Gregõrio
Gregório de que as imagens são
livros para os inculros,
incuitos, mas manteve que tudo o que os homens
aprendem acerca de Deus por meio de imagens e esculturas eé
mentiraf Menciona os cultos de persas,
vaidade' e mentira!
nf.
r
persas. egípcios e
fgiegos, mas para condenar todos: “Deus não avalia nem compara
as imagens entre si para ver qual lhe conveniconvém mais, mas, sem
exceção, coiidena
condena todas as imagens, estátuas, pinturas e qualquer
j4T
j-4?

outro tipo de figuras com as quais os idólatras pensavam que


teriam Deus mais perto deles“. deles”.
Embora a igreja Católica, em alguns pormenores tenha
diferido da posição da Igreja Ortodoxa, em essencia, essência, mantem
mantém
o mesmo tipo de argumento. Tomás de Aquino, muito tempo
antes da Reforma, defendeu a veneração respeitosa ãs às imagens
da seguinte forma: “O culto da religião não se dirige its às imagens
como realidades em si mesmas, mas as ve vê sob seu próprio aspecto
de imagens que nos conduzem ao Verbo Encarnado. Ora, o
movimento que se dirige ãà imagem enquanto tal não fica nela,
mas passa ãà realidade de que eé imagem“.'l
imagem”.¿ O Novo Catecismo
da lgreja
Igreja Católica vevê Maria e os santos como a *nuvem “nuvem de teste-
munhas' (1-lb
munhas* (Hb 12.1) que continuam a participar na salvação
do mundo e ãs às quais estamos unidos, sobretudo, na celebração
sacramental. É por meio de suas imagens que Cristo, os santos
e os anjos se revelam ãà iiossa
nossa fe.fé.
persistência do culto ãs
A persistencia às imagens na religião popular portu-
estã amplamente documenrada
guesa está documentada na literatura. Em “A
Rel íquia“, de Eça de Queirós, por exemplo, ée relatado com deli-
Relíquia”,
cioso huinor,
humor, como o jovem lieodorico teiita corresponder ãs
Teodorico tenta às
exigências da religião de sua tia beata: “Sobre a cómoda
exigencias cômoda ardia
uma lamparina perene, diante da litografia colorida de Nossa
Senhora do Patrocíiiio.
Patrocínio. Punha todos os dias rosas dentro de um
copo para perfumar o ar a sua volta; e a titi, quando vinha remexer
nas minhas gavetas, ficava a olhar sua padroeira, desvanecida,
sem saber se era iia Virgem ou se iià ela, indiretamente, que eu
dedicava aquele preito de luz e o louvor dos aromas. Nas paredes
dependurei as imagens dos santos mais excelsos, como galeria
de antepassados espirituais de quem tirava o constante exemplo
difíceis virtudes; mas não houve, de resto, saiito
nas dificeis santo no Ceu,
Céu, por
mais obscuro, a quem eu não ofertasse um cheiroso ramalhete
de padre-nossos em flor“.*l
fior”.-` O professor Moises
Moisés Espírito Santo,
Portuguesa”,'¡ documenta
em seu livro “A Religião Popular PorttigLiesa“,"¡
amplamente que a tendencia
ainplamente tendência do culto ãs às imagens ultrapassa todos
4-Bj
4Bj ._

os limites da ortodoxia católica. No norte de Portugal, em alguns


lugares, existem ate
até imagens do diabo nas igrejas: “No santuário
de São Bento de Barcelos, a imagem do Diabo' Diabo fumando um
cigarro, posta diante da porta da igreja, reclama uma esmola
para comprar tabaco, ou seja, para o São Bento estabelecido no
interior“.5
interior”.5 Dentro dessa linha de raciocínio o papel do diabo
nem sempre eé mau, às vezes, aparece como *conselheiro “conselheiro das
mulheres oprimidas oti ou abandonadas pelos maridosl.
maridos”. São Cipriano,
autor do velho *Livro
`Livro de São Cipri:.u“io',
Cipriano', eé padroeiro em vários
varios
povoados do norte, apesar de seu livro estar cheio de receitas sádicas
sãdicas
e magia negra e de ter sido proibido durante o regime de Salazar.
Nessas aberrações no mundo da religião popular, que
evidentemente, nem de longe, não se enquadram na posição oficial
da Igreja Católica, tambem
também se nota outra forma de idolatria. Da
mesma maneira que BarnabeBarnabé e Paulo foram idolatrados pelo povo
(At 14.11-13),
14.11-18), o pregador, muitas vezes, costuma ser idolatrado:
“O padre eé um concorrente do pai e do homem, e m as mulheres,
mesmo não-praticantes, sempre o respeitam, opondo-se a que os
maridos ou filhos desfiem os rosários de anedotas anticlericais com
que eles gostam de preencher os serões“.“
serões".'“
Em alguns lugares, as árvores são objetos de culto, devido
imadeira' ter uma raiz comum com as palavras
ao fato da palavra *madeira*
*mãel
'mãei e *material
(matéria: (inater).
(mater). O culto de Maria está ligado ãà simbo-
logia da árvore: Senhora da Oliveira, da Azinheira etc., com a
virgem aparecendo entre os ramos e os troncos ocos. Essa forma
comparação com os *postes-ídolos:
de idolatria permite coinparação `postes-ídolos' e
Zírvoresi denunciadas
*árvoresl deiniiiciadas em Deuteronômio 16.2I,22.¡"
Deuteronõmio 16.21,22."“
Esses exemplos demonstram claramente a facilidade com
`cristão', que admite o uso de representações
que esse tipo de culto *cristão*,
visuais, distorce a compreensão do Ser DiviiioDivino a quein,
quem, em teoria,
esse culto eé dirigido. EÉ evidente que um retábulo que representa
com bastante fidelidade os textos narrativas
narrativos da Bíblia se distancia
muito desses abusos da religião popular que acabainos acabamos de citar.
Deiçálogo proíbe todo tipo de repre-
Mas, na verdade, o texto do Deçálogo
.-'-
___.
I.,
I..
sentação visual de seres divinas
divinos e, quando estudatmos
estudarmos o ensino
bíblico a esse respeito, veremos que as transigências,
transigencias, aparente-
mente inofensivas, podem abrir as portas para distorções e heresias
muito mais flagrantes. A Igreja Católica pode não autorizar ou
justificar os cultos idólatras da religião popular, mas de modo
nenhum consegue eliminá-los e, como resultado disso, se ve vê na
obrigação de tentar absorve-los
absorvê-los ou *cristianizá-losl.
icristianizá-los`.

A imagem no mundo das


dos *meios
'meios
de comunicaçao de massa'
Não queremos terminar essa visão panorãmica
panorâmica da questão
das imagens sem fazer uma breve análise sobre o conceito
completamente novo de *imageml “imagem` que surgiu no mundo da
televisão e outras formas de comunicação atuais. Hoje, como
em nenhuma outra epoca, época, o homem, em vez de fazer imagens
com suas mãos, transforma-se a si mesmo em imagem. Para ter
sucesso no mundo das comunicações, a pessoa não tenta comu-
nicar aquilo que e,é, sente e pensa, mas faz um tipo de reconstru-
ção estilizada da sua pessoa com o intuito de conquistar a
simpatia dos outros.
A cantora pop Madonna, eé um exemplo bem conhecido dessa
obsessão com a imagem. Madonna Ciccone, nascida em uma
fainília
família de emigrantes italiaii_as,'em
italianos,'em Michigan, em 1958,
1953, reagiu
cedo coiitra
contra sua educação cãtólica e se transformou em íoone ícone da
pós-modernidade. UinUm colunista do New liirlt
Iíirk Posta descreve desta
maneira: “Ela fará qualquer coisa, dirá qualquer coisa, vesrirá vestirá
qualquer coisa, gozará com tudo, denegrirá qiialquer
qualquer coisa para
atrair a atenção sobre ela e fazer dinheiro. Ela e o símbolo perfeito
da sua epoca:
época: auto-iiidulgente,
auto-indulgente, sacrílega, sem vergonha, oca".
oca”. Ela,
entre outras *imagens1,.cultiva
°imagens),.cultiva com entusiasmo a de *iconodmta'
'iconodasta'
(traz para o vocabulário atual esse termo aplicado a um antigo
inovimenro
movimento religioso). Cultiva a imagem de ser destruidora de
imagens. As imagens da atualidade que ela destrói são as da
autoridade, das estruturas, dos dogmas e dos valores absolutos.
al
sl É
E muito frustrante para o admirador ou crítioo que quiser
atingir a *verdadeira
'verdadeira Madonna*
Madonna' por trás das imagens, pois não
consegue, devido ao fato de que ela trabalhou oom toda sua energia
para ser apenas uma imagem e não revelar sua verdadeira identi-
dade. Madonna alcança seu objetivo de ser *cultuada*
'cultuada` sem que o
adorador sequer saiba quem ela e. é. Mas, no fundo, a idolatria do
nosso tempo, sob esse aspecto, não ee' muito diferente da idolatria
de tempos antigos, em que as deusas da fertilidade ou a *Rainha
'Rainha
do ceu*
ce'u` eram cultuadas com a mesma devoção cega.
Esse esforço desmedida
desmedido para cultivar a *imagem*
“imagem” eé conside-
rado tambem
também iniperioso
imperioso por aqueles que desejam usar os meios
de comunicação para a transmissão da mensagem cristã. Quando
a primeira preocupação da pessoa eé essa, dificilmente ela cultiva
a sinceridade e integridade na comunicação da mensagem. Se
river
tiver meios para pagar as despesas necessárias, ela pode conseguir
cultivar uma imagem fascinante e brilhante, com capacidade
de cativação muito superior do que alcançaria caso se limitasse a
falar com naturalidade e sinceridade. Nas palavras de Warren
Wiersbe:3
W`iersbe:S “As empresas (firmas) de relações públicas declaram
que podem transformar um joão-ninguem
joão-ninguém em uma pessoa
importante em pouco tempo, se houver suficiente cobertura
financeira e da imprensa**.
imprensa”.
' Wiersbe comenta com ironia o fato de Neemias ter orientado
o trabalho do povo de israel,
Israel, na reconstrução das inuralhas,
muralhas, a
fim de o terminarem em cinquenta e dois dias: **Se “Se Neemias
tivesse adotado a maneira de agir de algumas organizações religio-
“construindo
sas atuais, primeiro, ele teria gasto alguns meses, *construindo
uma imagem*
imagem' para que o público o conhecesse e aceitasse a sua
liderança”.°
liderança**.l
O tele-evangelista, devido ãà necessidade de *construir
“construir uma
imagem*,
imagem', se transforma, para o público, em um vendedor, perito
nas tecnicas
técnicas de *marl‹;eting*
“marketing” e, por isso, passa a distorcer a mensa-
gem do Evangelho. Não eé favorável para sua *imagem*
'imagem` falar, em
termos bíblicos, do pecado, do arrependimento ou do inferno.
Não eé possível se manter a dimensão profetica
4..1.
profética do ministerio
ministério e,
ao mesmo tempo, cultivar a imagem televisiva que hoje eé tão
apreciada: “A maioria das pessoas não quer tim um profeta por perto,
porque ele faz com que se sintam desconfortáveis. O profeta
chora quando outros riem, usa um jugo que atrapalha o caminho
dos outros e derruba enfeites caros das prateleiras. Ao passo que
os que estão satisfeitos com a situação controlam o conformismo
religioso, o profeta arrasa para poder construir, desarraiga para
poder plantar. Ao passo que os líderes populares se dobram com
o vento, o profeta permanece firme como um muro, de modo
que possa levar a nação para frente**.“'
frente”.“' EÉ difícil que o tele-
evangelista evite criar uma imagem mais parecida com a do falso
profeta do que com a do verdadeiro: “O falso profeta trabalha
com uma liga de metal inferior, mas o verdadeiro profeta eé um
acrisolador que liga o calor para apurar o metal e retirar a escória.
Ele eé um medico
médico que expõe as chagas repulsivas antes de aplicar
remédio. Em suma, eé uma pessoa que cria problemas ao revelar
o remedio.
os problemas com a finalidade de resolver problemas**.“
problemas”.“
Nosso mundo em transformação tende cada vez mais a dar
tendência eé haver menos
valor a essa nova forma de idolatria. A tendencia
imagens literalmente gravadas, inseridas em práticas religiosas
tradicionais e mais imagens *virtuais*,
`virtuais°, fabricadas no mundo da
publicidade. Mas tanto
Mastaiito uma imagem como a outra são feitas
pela mão do homem. Tanto uma quanto outra desviam a aten-
ção do homem de seu Criador. Tanto uma quanto outra tem têm a
tendencia
tendência verdadeirainente
verdadeiramente assustadora de diminuir a humani-
dade e a criatividade daquele que a cultua.
~
Imagens e atlivinhaçãa
adivinhaçao
Desde tempos imemoriais, o uso de objetos no ambiente
do culto religioso está associado com a tentativa de adivinhar
segredos que não podem ser descobertos por meios naturais.
Sem dúvida, eé por essa razão que o fato, aparentemente inofen-
sivo.
sivo, de plantar um bosque perto do altar do Senhor ée condenado
coiidenado
52j

em Deuteronõmio
Deuteronômio 16.21. Associada a essa proibição há tambem também
a de levaiitar
levantar estátua tendencia
estatua (v. 22). Parece ter havido uma tendência
qume automática de transformar em um deus a imagem que,
quase
em teoria, podia ser um 'apoio *apoio visual'
visual* para focar algum aspecto
Oseias denuncia o fato do povo, influenciado pela
de Deus. Oséias
religião de Baal, em Canaã, queimar incenso para esculturas
(11.2). Na épocaepoca de Gênesis,
Genesis, Labão, sogro de Jacó, teve seus
ídolos em casa, e Raquel, sua filha, os furtou (5 (3l.1":)).
l . 19). Mais tarde,
esse mesmo tipo de ídolo foi usado pelo rei de Babilônia Babilenia como
forma de adivinhação, usada paralelamente com flechas (atiradas
para o ar, a fim de se poder ler mensagens conforme a posição
em que caíam _ rabdomancia) e com o estudo das entranhas
de animais (hepatoscopia) (veja Ez 21.21). A necromancia
(consulta aos mortos por meio de médiuns,inediuns, Dt 18.11) e a astrolo-
gia (previsão do futuro a partir do estudo da posição dos astros,
ls 47.13) também
tambem foram amplamente utilizados e, clarzunente claramente
proibidos. A hidromancia (adivinhação por meio da água) está
relacionada com a prática mais conhecida de adivinhar o futuro
por meio de um copo de cristal (prática atribuída, com ou sem
razão, a José,
Jose, no Egito, Gn Cn 445,15). Os sonhos também tambem eram
reconhecidos como co nio formas
hirmas de prever o futuro, mas o povo nunca
a__glepositar sua confiança neles; Jeremias fundamen-
era exortado a/depositar
sii_a_coflÍ1enação
tou sua condenação a essa prática ao dizer que os sonhos seriam
um`*e1emento usado por falsos profetas, pois os profetas genuínos
umielemento genuíiios
guiar-se-iafm muito mais pela Palavra do Senhor (Ir
guiar-se-iam (Jr 25.25-28).
23.25-28).
/Essfi
_ práticas mencionadas no texto bíblico também tambem estão
registradas na cultura universal dos povos e, por exemplo, são
-registradas
Dicionário da Adivinhação,
reconhecidas pelo Dicionario Adivinhaçã'o, disponível ein
internet. Para dar uma idéia
páginas da Internet. ideia do persistente fascínio
tecnicas, basta citar as palavras desse dicionário a respeito
dessas técnicas,
de sonhos: “Desde há muito tempo que se considera que os
sonhos contêm
contem fragmentos de nosso futuro. Milhares de livros e
anos
aiios de estudo têm teni sido dedicados E1ã tentativa de compreender
coinpreender
ce desenvolver um dicionário universalmente coerente de simbo-
j53
l53

logia para os sonhos. É minha opinião que somos os melhores


intérpretes de nossos sonhos _ - porque é em nosso inconsciente
que se encontra a chave para abrir os significados escondidos
nos sonhos. Depender em demasia de interpretações
inte1'pretações mecãnicas
mecânicas
poderia nos mandar em direções sem significado ou ao acaso e,
assim, prosseguiríarnos
prosseguiríamos pouco adiante na senda da compreensão.
Há, no entanto, simbologias comuns -_
l-lã, _ por er-templo,
exemplo, a ãgua
água
que representa as emoçães.
emoções. Os intérpretes de sonhos recomen-
dam que se guarde um diariodiário dos sonhos para conhecer intima-
mente as correntes subterrâneas de sua psique, conduzindo a
uma maior compreensão do eu e, assim, ao resultado das situaçoes
situações
em que o procurador se encontra”.'f
encontra”.'2
Dicionzírio da Adivinhação também registra que, ao
O Dícíonrírío
longo dos séculos, foram praticas
práticas comuns a rabdomancia, a
haruspicação (termo abrangente que se refere ãà adivinhação
pelo estudo das entranhas dos animais _ e, portanto, inclui o
estudo de seu fígado -- _ hepatoscopia),
hepatoscopia). a necromancia, a astro-
prdprio fato de valorizar
logia e a hidromancia. Muitas vezes, o próprio
objetos envolve o sincretismo, relacionando os símbolos de uma
religião de tipo animista ou fetichista com algum aspecto que
se pretende evocar da fe fé cristã. As consequências que a Bíblia
prevê para os hãbitos
hábitos sincretistm
sincretistas estão amplamente confirmadas
pela prãtica,
prática, podendo ser verificados por meio das dezenas de
exemplos fornecidos por Moises
ezemplos Moisés do Espírito Santo, em A Religião
Popular Portuguesa. Embora o professor Espírito Santo faça
apenas uma descrição fenomenológica e não pretenda fazer
qualquer avaliação ã:`1 luz da Bíblia, os fatos que cita falam por si.

As imagens no ensino bíblico


as

Antigo Testamento
O termo usado em Ezodo
Êxodo 20.4 e'é peseí
pesei Úimagem
('imagem gravadrf)
gravada)
e ezistem
existem mais quatro termos de uso comum no Antigo Testa-
mento com significados quase idênticos (gíííuí,
(gilíul, `cavacoi
'cavacol ou
5.1
al
°bloco'; masselta, *imagem
iblocoig. rnasseíta, `imagem fundidai;
fundida'; rnasseba,
masseba, “imagem
`imagem erguida
em pedra*
pedraf e asab, “objeto
'objeto lamenttíveli).
lament-ável°). Depois de pouco tempo
após a proibição de imagens no Decãlogo,
apos Decálogo, e enquanto Moisés
ainda estava no monte Sinai, o povo se envolveu no tipo e:-tato exato
de idolatria que tinha sido proibida. O povo se impacientou
com a demora de Moisés na montanha e entendeu esse fato
como ausência de Deus. Eles. Eles quiseram que o Deus atísente
aiisente
fosse substituído por deuses presentes (Êz (Ex 52.1).
32.1). Ao fazer um
bezerro fundido, eles seguiam prãticaspráticas religiosas antigas, que
depois também se manifestaram em culturas tão distantes como
Canaã, com seu baalismo, e Índia, com sua veneração ãà vaca.
`força`; queriam ideusesi
Queriam obter a idéia de iforçai: 'deuses' visíveis para
unir e entusiasmar o povo em sua difícil peregrinação.
No princípio, Éé possível que Aarão tenha desejado conter
esse alarmante impulso paganizante. Sua reação de fazer um al-
tar e apregoar uma festa ao Senhor, pode ter se derivado da
intenção de não entrar em choque direto com o povo e de dar
um cunho iteologicarnente
`teologicamente respeitável*
respeitável' ao ato de fabricar uma
imagem. A imagem podia representar força, vigor e beleza - _
atributos.-do
atributos,zd'o verdadeiro Deus. No entanto, depois, quando
Moisés voltou e reagiu horrorizado diante da idolatria do povo,
Aarão não se sentiu capaz de manter esse tipo de defesa sofisticada
e admitiu que, pura e simplesmente, tinha sido pressionado pelo
povo: "Eles
“Eles me disseram: “Faça para nos nós deuses que nos
conduzam, pois não sabemos o que aconteceu com esse Moises, Moisés,
o homem que nos tirou do Egito'. Então eu lhes disse: Quem
tiver enfeites de ouro, traga-os para mim. O povo trouze-me
trouxe-me o
ouro, eu o joguei no fogo e surgiu esse bezerrol” (Ez (Êx 3225,24).
32.255,24).
O segundo mandamento, ao proibir as imagens, apela para
izeloso' que não tolera esse tipo de
o fato de Deus ser um Deus °zeloso'
“zelosoi em português não faz justiça
atitude religiosa. O termo Ízeloso'
àã palavra hebraica, que tem sido traduzida para o inglês, com corn
alguma propriedade, pelo termo °jealous` ('ciumento”).
ficiumentoil. Confor-
me R. Alan Cole,“ a palavra se refere a uma atividade mais do
1..
intolerância como
que a uma emoção e não se trata tanto de intolerãncia
de
çile ezclusividade:
exclusividade: “lvlarido
“Marido algum que tenha realmente amado
iua
sua esposa toleraria reparti-la com outro homem. Da mesma
forma, Deus jamais repartiria Israel com um rival”. O fato do
pecado ter efeitos durante várias geraçoes gerações também é um
fenomeno,
fenômeno, observado mesmo por pessoas que limitam sua
compreensão das situaçoes
situações aos chamados `resultados naturais'
naturais”
dos atos. “Escravidão, ezploração,
exploração, imperialismo, poluição e
imoralidade são todos exemplos
ezemplos desse princípio”.'*l
princípio".'4
O rnandamento
mandamento de Deus não visa apenas o fazer ídolos,
deuses estranhos copiados de outras religioes,
religiões, mas tambérn
também a
tentativa, aparentemente mais aceitável, de dar ezpressão
expressão visível
e tangível a elementos ou atributos que fazem parte do carácter
do verdadeiro Deus. Esse segundo tipo de tentativa tem uma
tendência irresistível de se desvirtuar e degenerar, levando as
pessoas a se envolver em pura idolatria. J. I.1. Packet, em seu livro
O Corrhecínrento
Conhecimento de Deus, ezplica explica por que isso acontece: as
imagens desonrarn
desonram Deus, obscurecendo sua gloria. glória. Deus é tão
grande e majestoso que é inevitável que as imagens ocul tem muita,
ocultem
se não toda, verdade acerca de seu caráter. As imagens também
enga-nam os homens, porque, além de focar qualidades como
força e beleza, também podem fazer surgir outros conceitos
completa-mente errados como, por ezemplo, exemplo, o conceito de que
Deus é alguém a quem se pode honrar medirmte mediante um deboche
desenfreado. As pressoespressões sociais e a tentação maligna são
demasiado fortes, a pessoa não se mantém na atitude de adoração
'\
-._

'À genuína a Deus quando se dirige a ele por meio de imagens. Pts As
[ff]
Jrfi

imagens acabam por adulterar seu conceito de Deus.”


Os profetas não optaram por uma urna linha iprudente'
“prudente ao
denunciar a idolatria. Ezequiel, repetidas vezes, se referiu ao
termo gíííuí
gilluí (grilírríínr,
(giííuiinr, no plural), que significa °cavacos”`
lcavacosi ou
`blocos` (os ídolos não tinham mais vida do que isso) e associou
`blocosi
corn
com esse termo a palavra Jelílírn,Jeiilim, que pode ser traduzida por
`deusinhosl
`deusinhos' (ldeusesl
('deuses' no diminutivo). O profeta Isaías, com iro-
56l
Eiíãl

nia mordaz, descreveu o processo de fabricar imagens, por meio


do qual o fabricante de ídolos se torna pequeno e ridículo,
como o objeto que faz e ao qual dá tanto valor: “Metade da
madeira ele queima no fogo; sobre ela ele prepara sua refeição,
assa a carne e come sua porção. Ele também se aquece e diz:
'Ahl Estou aquecido,
'Abi aquecido; estou vendo o fogoi.
fogo'. Do restante ele faz
um deus, seu ídolo:
ídolo; inclina-se diante dele e o adora. Ora a ele
e diz: *Salva-me;
'Salva-me; tu és o meu deus",
deus”, (Is
(ls 4-”-l.16,17).
4416,17). A idolatria
tem uma dimensão claramente perversa e maligna. O contato
com o falso deus cega o coração e a mente da pessoa (v. 13) 18) e a
prende em escravidão espiritual: “Ele se alimenta de cinzas,
um coração iludido o desvia; ele é incapaz de salvar a si mesmo
ou de dizer: 'Esta coisa na minha mão direita não é uma
mentira?°” (v. 20).
mentirail”
O livro do profeta Daniel fornece o exemplo de um homem
que se transforma a si mesmo em imagem _ um tema muito
oportuno para a atualidade. O rei Nabucodonosor teve um
sonho no qual viu sua aparente grandeza e sua verdadeira fragi-
lidade: uma estátua que tem a cabeça de ouro fino, o peito e os
braços de prata, o ventre e as co:-tas
coxas de cobre, as pernas de ferro
e os pés parte de ferro e parte de barro (Dn 2.552,35).
232,35). Embora o
profeta Daniel, que interpretou o sonho, tenha deizadodeixado bastan-
te claro que o sonho era um aviso que apontava a fragilidade e
futura queda do rei, Nabucodonosor conseguiu furar fixar a parte
gratificante dessa interpretação e se inspirou nisso para depois
fazer uma estátua, toda em ouro, de si mesmo. E ezigiu exigiu a adora-
exilados, a essa esplondida
ção do povo, inclusive dos judeus ezilados, esplêndida
imagem que representava sua pessoa. Não é preciso acrescentar
que a tentativa de encontrar o *verdadeiro
'verdadeiro Nabucodonosor`
Nabucodonosof
na imagem que esse iludido rei fabricou de si mesmo não teria
sido menos frustrante do que a tentativa atual de encontrar a
“verdadeira Madonnai
Madonna por trás da imagem que ela faz de si
mesma. Nabucodonosor so só foi obrigado a ter contato corn com a
realidade quando, no meio da fornalha onde lançou tros três judeus
que se recusaram a adotar
adorar o ídolo, viu a “semelhança” (uma
J..y..
imagem não de fabrico humano) de um “filho dos deuses' a
andar ao lado deles.
Os profetas também denunciam o `profeta', que fabrica
para si uma imagem atrativa e, por meio de palavras sedutoras
de amor e paz, seduz as multidoes.
multidões. Jeremias, em sua época,
confrontou `ptofetas°,
`profetas', que diziam que o povo do Senhor não
teria que se submeter ao jugo de Babilonia
Babilônia (Jr 27.8-10). Estes
eram os mensageiros que sabiam agradar ao povo: sua mensa-
gem, em esséncia,
essência, era afirmar que Deus é misericordioso e um
Deus de paz. Nesse contezto,
contexto, Jeremias era visto como um
elemento fanático e perturbador. Seu compromisso principal
era dizer a verdade, tal como Deus a revelava, e não falar para
agradar às ãs pessoas. O falso profeta bem podia trabalhar sua
'imagem'
*imagem* para que esta condissesse com sua mensagem otimista.
Seria muito sensível em relação ao número de adeptos que
conseguia convencer e esse seria seu critério para avaliar seu
`sucesso*.
lsucessoi. Contudo, Jeremias, mesmo que ficasse sem nenhum
adepto, tinha um compromisso com Deus de transmitir com
ttansparéncia sua verdadeira mensagem, a qual anunciava
total transparência
que o povo passaria setenta anos no cativeiro. Não sabemos se
um profeta comprometido dessa forma com corn a verdade também
`imagemi. Mas uma
teria que se esforçar para cultivar uma `imagem`.
coisa é evidente: a preocupação com a imagem ocupa um lugar
muito mais importante na escala de prioridades dos falsos pro-
muito
`imagem:` seria retirar tudo que
fetas. Pois, no caso deles, tirar a `imagem'
tinham.

As imagens no ensino bíblico

Novo Testamento
Para os aapostolos,
P óstolos, converter-se
_ a Cristo, P
por
or defini
definição,
Ç ão, era
eta
abandonar os ídolos (1 (lifs
fs 1.9). Jesus é entendido como uma
imagem perfeita de de. Deus. Deus se reserva o direito de fazer
581
al
imagens _ não compete a nenhum homem usurpat usurpar esse privi-
légio (I-lb
(Hb 1.3).
1.5). O termo usado pelo autor da carta aos Hebreus
é ccaráteti,
°caráter', este termo se refere ao trabalho de gravar em relevo,
em pedra, madeira ou metal. A palavra mais comum é eííton eikon
que se refere em Mateus 22.20, por ezemplo, exemplo, ãà imagem do
imperador gravada nas moedas em circulação, algo comum
no Império Romano. Os judeus detestavam esse símbolo do
poder estrangeiro e se dissociavam por completo da idolatria
envolvida no fato de retratar um imperador dessa forma.
Romanos 1 fornece uma profunda ezplicação explicação psicologica
psicológica
fenômeno da idolatria. Mostra a maneira como o
em relação ao fenomeno
homem, que por natureza tem um conhecimento parcial de
Deus, de seu poder e divindade, se recusa a prestar a devida
honra ãquilo
àquilo que conhece sobre essa divindade (L13-23).
(1.18-23). Como
resultado disso, sua mente se torna mais obcecada consigo mesma
e menos capaz de discernir a verdade sobre Deus. Como o
homem não é capaz de viver sem ter uma divindade, faz uma
para si, representando bem alguns atributos do verdadeiro Deus,
mas obscurecendo e falseando outros. Retrata Deus como se
fosse um homem cottuptível
corruptível _ ou como urna uma ave, quadrúpede
ou téptil.
réptil. Naturalmente, estas Liltimas
últimas representaçoes
representações nunca são
espúrias. Deus como Criador inculcou em todas
inteiramente esptitias.
suas criaturas algumas marcas de sua divindade, no entanto, ao
representarem-no fielmente em alguns aspectos, falsificam-no
completamente em outros _ como o bezerro de ouro. Não é
de forma arbitrária que o apostolo
apóstolo Paulo segue com seu argumen-
to, relacionando a idolatria com o lesbianismo e a homosse-
zualidade
xualidade masculina. A obsessão com a criatura e o desrespeito
pelas normas estabelecidas pela divindade, fazem com que o
homem se ocupe de uma forma doentia com aspectos da criação
e, em especial, com o corpo daqueles que são mais parecidos
consigo mesmo. Paulo relaciona- os pecados sezuais sexuais e o materia-
lismo
lisrno com a..idolatria
a,-idolatria (Ef 5.5, Cl 5.5).
3-5). Para ele, uma conversão
genuína é uma transformação mediante a qual a pessoa retira
sua atenção de todo o tipo de imagem ou ídolo e, ao mesmo
J..i..
tempo, se torna semelhante ãà imagem de Cristo (2Co 5.18).
3.18).

Imagens que não têm forma visível


visivel
Foi o dr. I.
l. Packet, em seu livro O Conhecínrerr
Conhecimento to de Derrs,1'5
Deus,1f'
que chamou a atenção para o fato de que as imagens nem
serrrpre
sempre são visíveis e que as imagens mentais podem ser tão
prejudiciais para o processo do nosso conhecimento de Deus
como aquelas que são visíveis. Algumas pessoas dizem que
”gostam
'gostam de pensar”
pensar` em Deus como um grande Arquiteto, outras
que ”gostam
'gostam de pensar” nele como Pai. Em outros tempos,
talvez, tenham abundado mais imagens mentais de Deus como
um grande General, como o Reitor da escola ou como um
Juíz.
Juiz. Mesmo que cada imagem aqui mencionada nos possa
ensinar algo acerca do verdadeiro Deus, o problema evidente
que cada uma tem é sua natureza parcial. A Bíblia ensina que
Deus é Juiz e Pai, ela usa o nome do Senhor dos Ei-tércitos
Exércitos e o
chama Deus da paz. Dizer que 'gostamos de pensar” pensar' em Deus
de uma certa forma não ezpressa
expressa nada acerca daquilo que ele
realmente é. Ele é anterior a nos,
nós, superior a nos
nós e, quando assim
quer, nos reduz a po.pó. Quem somos nos nós para tentar fabricá-lo de
acordo com nossos gostos pessoais?
E significativo o0 fato de muitas pessoas transformarem a
figura tradicional de São Nicolau (Papai Noel) em um tipo de
deus _ e Deus em um tipo de Papai Noel! O Papai Noel é um
”deus”
'deus' que é mais avoavô do que pai. Ele se ocupa apenas em dar,
nunca julga nem disciplina ninguém. Na lenda tradicional, tirava
das famílias ricas para dar às famílias pobres. Hoje, dá muito
mais aos filhos daqueles que tém
têm muito e, dmsa
dessa maneira, consegue
deturpar até sua imagem tradicional. Acreditar nessa figura
bonachona e inofensiva é uma ”crendice”
'crendice` que é abandonada,
por qualquer pessoa racional, a partir dos cinco ou seis anos.
Infelizmente, em muitas famílias o conhecimento teologico teológico é
tão escasso e tão distorcido que o proprio
próprio ”Deus”
'Deus' é retratado,
I'

eo jl ,f,.-f'
j/

Qzfesulta-
mais ou menos, nos mesmos termos que São Nicolau. O/fesulta
do disso, é que todos que saíram da infância abandonam a fé
em ”Deus”.
'Deus'.
E obvio
óbvio que as imagens mentais precisam de ser identifica-
dgzcféjeitadas com a mesma energia e vigor que os iconoclastas
rdedicavam a destruir imagens materiais.
/dedicavam

A arte cristã: idolatria?


ezisténcia da arte cristã, ao longo dos séculos,
A existência século_s,«:'”r*':/u.ma
'é/uma
realidade que precisa ser avaliada àâ luz dessa reflexão
reflgxão sobre a
professor da Escola
proibição bíblica de imagens. E natural, que o profeãfor
ei-:posição de materiais
Dominical para crianças questiona se a exposição
em que um artista representou a pessoa de Jesus ou suas obras
Queru possui uma reprodução da “Última
envolve idolatria. Quem
Ceia”, de Leonardo da Vinci, pode considerar que, conforme o
segundo mandamento, mesmo essa obra conhecida univer-
salmente está condenada. Na tradição evangélica, um grupo de
artistas cristãos, coordenados por Kathleen D. Nicholls,1'“
Nicholls,1'” se
debruçou sobre essa questão e, em geral, chegou a conclusões conclusoes
ezistir arte cristã sem cair no
positivas sobre a possibilidade de existir
frrtidjtia
/ei>rõ'da idolatria. Nessa obra, Esther K. Augsburger se debruça
,/1
sobre a natureza do símbolo; A filosofia e a teologia usam símbo-
los verbais. O batismo, a ceia do Senhor e a lavagem de pés são
símbolos. Jesus usou símbolos como o do pão e o da videira
para ensinar verdades importantes acerca de si mesmo. O sím-
bolo é essencialmente umaurna forma de comunicação horizontal.
/Quando
Álttando o artista o usa é para ensinar verdades, não para induzir
a pessoa a ver Deus no objeto que criou. Se, como resultado, a
pessoa começa a adorar, por causa do objeto de arte, é a Deus
que adora, não ao símbolo.
O livro Voices at the \%te-ring
Wfateríng Places lJ Vozes ao pé das águas]
multicultural, referi ndo-se a expe-
tem o mérito de ser uma obra multiculturzu, ezpe-
riéncias vividas, sobretudo, no contexto
riências conteitto asiático. Soa estranho o
idolatras as obras de arte
missionário ocidental denunciar como idólatras
//
pe” j ea
61
_r
_.-

quando ele mesmo traz a imagem de um


de cristãos orientais, quaqdtii
Jesus ocidental. Um hiniilu,
hinflu, educado em Oxford, se dirigiu a
um grupo de eruditos britânicos nos seguintes termos: "Os “Os
senhores nos trouzerarn
trouxeram um Cristo vestido de chapéu e calças;
nos
nós o queremos vestindo turbante e dl1orr””.
dhoti”.
Sem dúvida, o debate gerado por esse ti stão sempre
será delicado. Acreditamos que ertistem
existem bons artistas cristãos que
fazem representaçoes
representações visuais de temas bíblicos e não tém têm qualquer
intenção de criar imagens da divindade. Mas quem adquire essas
obras ou as contempla em lugares públicos pode não estar tão
isento como o artista. Deve-se salientar que a melhor arte cristã
serve para transmitir uma mensagem: faz parte de um processo/
Í- I 3 I
de ensino que utiliza ”métodos
metodos audiovisuais.
audiovisuais”. E dificil
difícil acreditar-
que o Jesus que se serviu tanto de ilustrações
ilustraçoes da vida comum
para ensinar verdades espirituais, condene uni um artista cristão que
ensinar o mesmo
sinceramente deseje usar sua criatividade para eiisinar
tipo de verdade às âs pessoas. Mas o artista tem que pensar não só so
no aluno que é sensível para verdades espirituais, mas também
em muitos que não o são. Jesus falou com Nicodemos sobre o
novo nascimento e este entendeu literalmente a mensagem; falou
samaritrma sobre a água viva e ela só
com a mulher saniaritana so conseguiu
pensar em água material; falou em 'pão ”pão do céu'
céu” e também f '”
compreendido sob o aspecto literal (Jo 6.34). 6.54). Não hav rá o
mesmo risco para o artista cristão cuja obra pode ser interpretada
de maneiras que estão muito distantes de sua intenção?
Talvez, a melhor resposta a esse tipo de objeção seja dizer
que como Jesus, que correu riscos e se expôs eitpos a mal-entendidos,
também nós,nos, ao seguir seu exemplo,
ezemplo, estamos sujeitos a isso. Se
nossos dons espirituais são de caráter criativo ou artístico
devemos entregar essa capacidade ao Seiilior,
Senhor, pedindo que ele
gloria, sem cair no erro da idolatria
nos ensine a usá-las para sua glória,
ou da autopromoção. Apenas no contexto contezto de uni um discipulado
diário, com total abertura para o ensino da Palavra e os liiniteslimites
que esta impõe,
impoe, é que poderemos descobrir a resposta sobre
como nossa arte servirá os interesses do reino. O apóstolo
apostolo Paulo,
621
Ei2j

exemplo de fugir de respostas


em Romanos 14.14,15, nos dá o ezemplo
legalistas que abordam apenas atos, e não também as atitudes,
quando nos avisa que as coisas não são necessariamente limpas
ou imundas em si, mas se tornam limpas ou imundas quando
prejudicam nosso irmão. Embora o assunto da passagem seja
distinto do que tratamos aqui, esse aviso pode servir como uma
boa pista para aqueles que desejam usar a arte cristã para o
serviço de seu Mestre.

Notas
to .ar.1_ai_s.
1. ()p.cir.
P 1- XI - 5.
A-:.|uino, .S`fm,wzz.f
2. Tomás de Aquino, .Yrrrrrrrrrr ”lilira:”rír§rra. B1, 3, ad 3, citado em “Catecismo da
'1 iflifo/rigƒra. 2-2, 81,
Catolica””, par. 2132.
Igreja Católica”,
R-::Iíquia””, Eça de
3. “A Relíquía", dc Queirós.
Queiros, ed. Livros do Brasil, Lisboa.
“A Religião Popular Porniguesa”,
4. “.‹'\ Portuguesa”, Moises Moisés do Espírito Santo, ed. Regra do
Jogo, Lisboa ,. p. 124.
5. Op. cit. p. 124.
cit.,p. 42.
6. Op. eir.,p.
T. Citado em “Madonna
7. “llvladonna _ Ícone da Pfâs-Modernidade”,
Pos-llvlotlernidatle””, dt-:jockde_joc1~: McGregor,
lvícíšregrir, ed.
GBU,1.isboa 1999.
GBU,1.i:4boa
8.
3. “r\
“A Crise da Integridade”, Warren 'Warren Wiersbe,
`\.`1i-íiersbc, ed.
cd. Vida,
”'¬.-lida, 1989.
9. Op.
Cip. cir.,p.61.
cit.,p.o'1.
líl. Op. cit. p.51.
10.
11. Op. cit., p.51.
12. “Dicionário de iüdivinliação”, Adivinhação””, disponível orrfƒfrrf arrrírrrr no fire:
rita: http://
littpzƒg'
21lbuscar.hpg.cpm.br,f'dicionario.htm
2l1buscar.l¬.pg.cpm.br/djcionariohrm
13.
lo. "lLxm1o
””E”a~:ot1o _1nrrodução
_1r|trodi_1çáo e Comenrzirio”,Cofl¬renttirio””, R. Alan Cole, ed. Vida Vitla Nova, 1963,
19153, p.
150.
151.).
Op. cit. 11.150.
14. ()p. p.15l_l.
“Conhecendo Deus",
15. “(Íonheccmlo Deus””, _|. I. 1. Packer,
Packet, ed. Núcleo, 1981, pp. 43-49 (ver O U
(.”arrlerr`rrrr'rrra de
(.`n›¡z"Jú›r:'m‹'::!¿› rr”r: Dffmr,
l2rrr.r, ed. Mundo
ívlundo Cristão).
1o.IÉ)p.cit.pr-iginas 43-49.
1(1.()p.eir.paginas
17'. “Voices
1?. “`v'oiccs at the Watering `\.`*§-*atering Places",
Places”, ed. Kathleen
lúittlileen Nicholls, New Delhi, 1991.
cAP|'TuLo 3
caviruto

»9 “Dat
“Dar valor ao
nome de Deus”

Não romanís em vão o0 nome do Servrroa,


.S`ENu0R, o0 teu Deus, pois o SEM rort
SENu()R
deizrmíirnpune quem tomar o seu nome em vão (Ez
não deršrarzíirnpune (Ex 20.2).
20.7).

Questões: Como podemos falar diretamente em ”Deus” 'Deus


sem de algum modo rebaizar
rebaixar o valor desse nome, tomando-o
tornando-o
”em
“em vão”?
vãoi? Em que espírito podemos e devemos pronunciar seu
nome? Quais são as diferentes maneiras de usar de forma
inadequada a linguagem em relação a Deus? Qual é a relação
entre esse mandamento e a questão historica
histórica de prestar jura-
mento? Estão certos aqueles cristãos que se recusam a jurar,
mesmo quando são chamados a fazé-lo
faze-lo perante um tribunal?

Abordagens históricas
Um assunto bem mais complicado do parece â51 primeira
vista, é o fato de nos referirmos ãà divindade, usando seu nome.
Por exemplo, o estoicismo aplicava muitos nomes âà divindade,
mas tinha relutância em abranger todas com um nome, ezata- exata-
mente por que não pode haver nenhum nome que envolva a
plenitude da divindade. Outro problema é o uso mágico do
nome. Conforme 1-I. H. Bietenhard: ””Virtualmer1te,
“\/irtualmente, na féfe e no
nações, o nome está ineittricavelmente
pensamento de todas as naçoes, inextricavelmente
vinculado âà pessoa, seja homem, deus, ou demonio.
demônio. Qualquer
pessoa que conhece o nome de um ser pode ezercer exercer poder
al
64j

sobre ele. Na magia, a energia potencial que reside em um


nome pode ser traduzida em poder eficaz se o nome é mencio-
nado ou empregado em um jutamento””.l
juramento”.l
Para os judeus o nome de Deus era um dado de fundamen-
tal importância. Em contraste com o estoicismo, Deus tinha
nome, e o revelou a Moisés, Javé (“Eu Sou”), Sou"), na sarça ardente
(Ez
(Ex 3.14);
5.14); e, em contraste com as religioes
religiões de natureza mágica,
Deus tinha um nome que devia ser reverenciado e nunca devia
ser usado ou manipulado de forma nenhuma. E como se o nome
de Deus assumisse um tipo de ezisténcia propria ou indepen-
existência própria
dente, cumprindo
ctnnprindo por nos
nós muitas das mesmas funçoes
funções que Deus
cumpre. Seu nome, por e:-templo,
exemplo, é uma torre forte para a qual
o justo pode correr e saber que está protegido (Pv 18.10). Para
Filon
Filón de Alezandria
Alexandria o nome não podia ser pronunciado, pois
existe, todavia, sua ezisténcia
embora Deus seja aquele que eziste, existência não
pode ser ezpressa
expressa em palavras humanas. Seu nome verdadeiro
nunca chega aos homens. Deus tem nomes ”relativos” 'relativos' (como
“Deus de Abraão, Isaque
[saque e Jaco)
Jacó) que devem ser reverenciados e,
mesmo quando usamos estes, corremos o risco de abusar ou de
blasfemar, pois seu nome ”absoluto”
`absoluto' nunca pode ser conhecido
nem mencionado. Para Josefo, o “Nome” de Deus fica quase tão
distante como o próprio
proprio Deus e nem sequer pode habitar no
templo. Não é lícito ao homem falar coisa alguma sobre o Nome.
Essa atitude, aparentemente tão radical, se deve ao receio de
infringir o terceiro mandamento. _
Que essa atitude era típica do judaismo
judaísmo dos últimos anos
antes de Cristo pode ser visto pelo fato de, depois da morte de
Simão, o Justo (c. 200 a. C.), os sacerdotes terem deixado deizado de
pronunciar o nome de javé Javé em ações
açoes de graças. No culto do
templo, o nome era usado apenas pelo sumo sacerdote no dia
anual de Expia'ção.
E:-tpidção. Nas citações
citaçoes das Escrituras, a palavra ”Javé”
“lave”
era substituída pela palavra ”sem”
eta `sem` (nome). O tetragrama YI-Will-1
Yi-Ni/H
deizou
deixou de ser empregado e sua pronuncia foi esquecida.
Infelizmente, como, muitas vezes, acontece com as práticas
excessivamente rigorosas, essa proibição conduziu a abusos de
ezcessivamente
outro tipo. O nome se tornou secreto e usado como meio de
y..J..
e:-tercer poder mágico, em especial, na religião popular das
exercer
camadas mais baixas baizas da sociedade. Em Atos 19.13, vemos um
ezemplo claro desse tipo de mentalidade: “Alguns judeus que
exemplo
ezpulsando espíritos malignos tentaram invocar o
andavam expulsando
nome do Senhor [Kurƒos, [Kuríos, tradução grega de um dos nomes de
Jesus sobre os endemoninhados, dizendo: 'Em
Deus] jesus ”Em nome de
Jesus, a quem Paulo prega, eu lhes ordeno que saiamim. saiam.,sl .
Para Jesus, a reverência diante do nome de Deus tinha valor
eztremamente positivo;
extremamente positivo: ensinou-a como parte da oração mode-
lo a ser usada pelos discípulos: “santificado seja o Teu nome” nome””
(Mt 6.9). Mas o “nome” ”nome” devia ser usado, não mantido fora do
alcance dos homens. Efcriticou Ercriticou a tentativa dos fariseus em evitar
nome;-a=rt'ã”éus juramentos, quando, em vez de se refe-
o uso do nomgemíeus
- r. .--"'”””””'l' E .r 1 L 1 Ii zr Il
r eus Jerusalem ou
' É f/`) É I 1 Í 'J Í I 1

tirem a eus , falavam no ceu, na terra, em jerusalem


J
ee, sua cabeça (Mt 5.33-36). 5.53-36).
" .-f I.F .- .P
A questao erica etica levantada por Jesus nao e a de pronunciar
Z' r' P' Í
_'I

ou não o nome de Deus, mas sim o de usar o nome, ou qualquer


outra expressão
ezpressão semelhante, de forma leviana ou inadequada.
Para ele, como para os autores do Antigo Testamento, o proble-
ma são as promessas não cumpridas, a blasfêmia e os juramentos,
sobretudo, aqueles usados na conversa diária.
Devido àâ insistência de Jesus no uso do nome de Deus (Jo
17.6, Mt 28.18), não vingou na vida das comunidades cristãs
dos primeiros séculos a noção judaica de que a melhor maneira
de obedecer ao Terceiro Mandamento eta era não pronunciar
sequer o nome de Deus. O problema ético naquela época e
depois, e que existe eziste até hoje, é essencialmente o da atitude que
se tem quando se usa o nome. É E o problema para 0o qual Agosti-
nho, por exemplo,
ezemplo, chama nossa atenção, quando diz: “O nome
de Deus é grande, quando é pronunciado com o respeito
devido àâ sua grandeza e majestade. O nome de Deus Éé santo,
quando se pronuncia com corn veneração e temor de o ofender”.3
ofender””.ê
E, convém frisar que a advertência de não tomar seu nome em
õõj
Eiãj

vão tem a ver essencialmente com a atitude que se tem ao usar


o nome e não com o proprio
próprio fato de o usar.
A principal questão que se levantou na historia história do cristianis-
mo foi a do uso do nome de Deus nos juramentos em tribunal.
Em 1560, Claus Felbinger, que elaborou a Confissão de Fé,
afirmou a importância da obediência ao Governo, mas acrescen-
tou que o Coverno não podia forçar o cristão a agir contra sua
consciência _ por exemplo,
eitemplo, jurando, pagando o salário dos
carrascos ou pagando impostos para a guerra. Para ele, o cristão
nunca podia pegar na espada. O juramento era reprovado
devido âà proibição de Jesus,
jesus, em Mateus 5.55-57, 5.35-37, e também por
causa da impossibilidade prática de o cumprir, já que nenhum
homem tem poder sobre todas as circunstâncias de sua vida. A
Confissão (Anabatista) de Schleitheim ezpressou expressou da seguinte
forma esta dificuldade: “Não podemos cumprir aquilo que
prometemos quando jutamos,
juramos, porque não podemos mudar a
coisa mais pequena em nos””.
nós”.
Na mesma época, Calvino defendeu uma posição mais
moderada sobre esse assunto. Já já que a propria
própria Bíblia manda
jurar solenemente em certas situaçoes situações (Ez
(Êx 22.11; Dt 6.15),
6.13), não
podemos interpretar esse mandamento nem as palavras de Jesus
no sermão da montanha, como proibindo todo tipo de juramen-
to. Para Calvino, Deus O-.l!"'i -. CrO fendido pelos nossos juramentos: (i)
quando se comete perjúrio em seu nome, (ii) quando se jura
sem necessidade, e (iii) quando se jura por outros que não ele.
Calvino considera mais justificável o juramento público e solene
do que o juramento particular. Chega ãà seguinte conclusão:
“Parece-me que a melhor norma é que sejamos moderados em
nossos juramentos, não o fazendo temerariamente nem de forma
leviana, nem por capricho ou por frivolidade, senão que proce-
dam
datn de necessidade, isto é, quando é para a glória gloria de Deus ou
para conservar a caridade para com os homens”.-i' homens”.-Í*
A lgreja
Igreja Catolica,
Católica, em relação a esse mandamento, mantém
essencialmente a mesma posição de Calvino. Condena o não
lõ?
jo?

cumprimento de promessas feitas a outrem em nome de Deus,


as blmfêmias
blasfêmias (palavras de odio,
ódio, censura ou desafio contra Deus)
e as juras (falta de respeito com o Senhor em conversas particu-
lares). Reconhece o dever do juramento em tribunal, quando
ezigido
exigido por urna
uma autoridade legítimafl
legírimaf*
Como é sabido, a linguagern
linguagem popular abunda em provérbios
e frases feitas que apelam ao nome de Deus. Em alguns casos,
elas encerram uma sabedoria que se apro:s.ima
aproxima âà do proprio
próprio tezto
texto
bíblico: “Deus o dá, Deus o leva””
leva” (ef.
(cf. Jo
jó 1.21); “Deus não dorme””
dorme”
(que, por ei-templo,
exemplo, podia ser o lerna
lema da historia
história da rebelião de
Absalão contra Davi); “Deus escreve direito por linhas tortas”” tortas”
(que podia ser o lema da vida de josé).
José). Em outros casos, encerra
uma sabedoria mais banal, mas mesmo assim válida: “Deus ajuda
a quem ttabalha””,
trabalha”, ou: “Deus diz: faz tu que eu ajudarei””
ajudarei" (frase
esta que o autor deste livro já ouviu ser citada, muitas vezes, por
crentes evangélicos, como se se tratasse de teitto
texto bíblicol). Mesmo
quando seu tom ée humorístico, podem ezpressar expressar verdades
perfeitamente válidas: “Deus é pai, não é padrasto””,
padrasto", ou: “Deus
me defenda do amigo, que do inimigo me defendo eu”.? eu”.5
Em todos esses casos corremos um risco sério de usar os
provérbios sem o devido respeito pelo nome de Deus: Deus; tomamos
seu nome em vão pela forma impensada de falar. Mas corremos
esse risco mesmo no uso do proprio
próprio teitto
texto bíblico, quando apela-
mos a ele sem pensar, sem o devido respeito ou em torn tom de
brincadeira. E É evidente, que o uso desses provérbios não envol-
ve necessariamente tornar
tomar o nome de Deus em vão. O autor
deste livro, que vive em Portugal há 2? 27 anos, raras vezes ouviu
provérbios populares que englobassem conceitos errados a nível
de doutrina _ - com algumas ezceçoes
exceções evidentes, como é o caso
de “Deus é bom e o Diabo não é mau”l mau”!
Ao mesmo tempo, o nome de Deus tornou-se rornou‹se de uso eztre-
extre-
mamente comum em ez ex ssoes
ssões populares não-refletidas
não-refleridas que,
sem dúvida nenhum constituem a forma mais comum de
infringir esse ma amento. A pessoa repete as palavras: “Se
68j
Eäj

Deus quiset””,
quiser”, sem qualquer apelo consciente ao fato do futuro
estar nas mãos do Senhor soberano. As frases: “Meu Deus””,
Deus”, e:
“Deus me livre””
livre” são repetidas
re etidas com tanta frequência
fre q uência flque
ue nor-
malmente não provocam qualquer tipo de reação, mesmo no
crente que deseja guardar o terceiro mandamento.

Tomar o nome de Deus em vão no ensino bíblico

Antigo Testamento
eitpressão hebraica Iashshaw,
A expressão laslisliavif, usada nesse mandamento,
significa “em vão”,vão””, “para nada”
nada”” ou “sem nenhum propósito”;
proposito”; a
Í I ' ' ' T)

palavra sliaw,
sliavv”, na qual esta
está baseada, significa “nada”
“nada”” ou “o vazio
vazio””..
Várias vezes, o livro de Jeremias eremias usa a mesma Ppalavra alavra e, em
Jeremias 46.1 1, encontramos a palavra usada da forma mais clara
e compreensível: “Suba a Gileade em busca de bálsamo, Óo virgem,
filha do Egito! Você multiplica remédios em vão; não há cura
para você”” ((grifo
ara você” rifo do autor). O mandamento poderia oderia ser traduzi-
g I I

do de maneira mais literal por: “Não levantarás o nome do


Senhor, o teu Deus, em vão”.
Pode-se ver a ligação estreita desse mandamento com o
segundo no fato da palavra shaw shaiv também poder ser aplicada a
ídolos -_ objetos que não têm valor, são “nada“. “nada”. Em Salmos 24.4,
o homem justo éo descrito, entre outras coisas, como aquele que
“tem as mãos liinpas
lirnpas e o coração puro, que não recorre aos ídolos
nem jura por deuses fialsos”
falsos” ('nada'
(”nada” ou `ídolos°).
”ídolos”). Também são `nada'
”nada”
as palavras lisonjeiras e vazias dos falsos profetas (Lm 2.14).
Quando alguéin
alguém jura em tribunal, se não cometer perjúrio,
devera
deverá fazer isso de forma extremamente
eztremamente séria, diante de um
Deus que respeita. Como já vimos, há versículos nos livros da
ezpressamente que se faça juramentos
lei que mandam expressamente jtrramentos em
certas situações:
situaçoes: Exodo
Ezodo 22.11, Deuteronômio
Deuteronomio 6.13; 6.15: 10.20. E
óbvio,
obvio, que não se trata aqui do uso do nome divino 'em ”em vão'
vão” ou
'para nada).
nada”. No Antigo Testamento, também vemos pessoas
jurarem,
juratem, sem que haja qualquer julgamento implícito nesse
la
I 69
fato: Abraão e Isaque (Gn 21.24; 26.52), Jacó Jaco e Labão (Gn
51.55),
31.53), Boaz (Rt 5.15)
3.13) e Obadias (1Rs 18.10). No primeiro
caso, o juramento parece ter sido público e nos outros três
trata-se de um juramento privado. Pelo menos, com base no
Antigo Testamento, é difícil justificar a rígida posição anabatista
de não prestar juramento ein em tribunal (embora, como é eviden-
te, de maneira semelhante àã oposição que fazem àâ guerra,
saibamos que eles pretendem defender sua posição fundamen-
tados no Novo Testamento, não no Antigo).
eitemplos extrema-
O Antigo Testamento contém ensinos e exemplos eittrema-
eitemplo,
mente significativos sobre a questão de promessas. Por exemplo,
podemos citar Eclesiastes que, sem usar as mesmas palavras que
Êxodo
Eitodo 20.7, descreve claramente uma forma 'vã' ”vã” de falar: “Não
seja precipitado de lábios, nem apressado de coração para fazer
promessas diante de Deus. Deus está nos céus, e você está na
terra, por isso, fale pouco. Da's muitas ocupaçoes
ocupações brotam
sonhos; do muito falar nasce a prosa vã do tolo. Quando você
fizer um voto, cumpra-o sem demora, pois os tolos desagradam
a Deus; cumpra o seu voto. É E melhor não fazer voto do que
fazer e não cumprir””
cumprir” (5.4,5). Aqui, vemos que uma promessa
pode ser feita ”diante
'diante de Deus”
Deus' sem haver necessariamente uma
evocação direta de seu nome (isso se contrapoe
contrapõe ãa tendência
legalista que Jesus observou entre alguns grupos judaicos de
considerar que a questão essencial era o uso literal do Nome).
Quem promete e não cumpre é claramente descrito como um
..-"'
/tolo”.
/“tolo”. Essa ética e:-tigente
exigente não encararia de maneira positiva a
A
tendencia
tendência moderna de, ao não conseguir cumprir uma promessa,
pedir desculpas e dizer: “Afinal não posso””
posso" (ou, pior ainda, “afinal
pude”)!
não pude””)!
Um ei-teinple
exemplo historico
histórico das páginas do Antigo Testamento
que ilustra de forma bem dramática esse princípio é o caso de
Jefté.
jefté. Ele fez uma promessa totalmente desnecessária de sacri-
ficar ao Senhor aquilo que primeiro saísse da sua porta, no
caso de ter vitoria
vitória sobre os arnonitas
amonitas (Jz
(]z 11.51).
11.31). Quem saiu
ml
.DI
primeiro, a dançar cheia de alegria, foi sua única filha. Nem
Jefté nem sua filha encararam a possibilidade de ele se arrepen-
der de sua promessa: uma vez dada, a palavra era sagrada. O
pai assumiu a absoluta obrigação de sacrificar sua filha, e esta
assumiu a necessidade de o pai ser coerente com sua palavra.
Hoje, qualquer adepto da ética ”hierárquica”
1-loje, `hierárquica' (a que afirma que
podemos quebrar uma regra menos importante a favor de uma
regra mais importante) diria que, entre dois males, o de sacrificar
a filha e o de retratar uma promessa, devemos optar pelo mal
menor. E, dessa maneira, a vida da filha de Jefté teria sido preser-
vada. Contudo, a Bíblia nem sempre reconhece a ética hierár-
quica. Um valor considerado sempre de importância funda-
mental é o da palavra: não se vê nas páginas da Bíblia qualquer
tentativa de afirmar que algum valor, mesmo a vida, possa ser
superior a esse. Quando um juramento é feito em uma situação
oficial _ em um tribunal _ - e não é cumprido, ou deliberada-
mente ou por descuido, a ofensa é considerada perjúrio que é
uma ofensa da maior gravidade (Lv 19.12).

Tomar o nome de Deus em vao

Novo Testamento
O Novo Testamento não ensina que não se deve usar o
nome de Deus, mas sim que esse nome deve ser usado com
todo o respeito e santidade (Mt 6.9). E verdade, algumas vezes
vemos que Jesus evita pronunciar o nome divino por respeito
exemplo, em Mt. 26.64,
aos seus ouvintes judaicos (como, por eitemplo, 26.64.
onde diz: “Mas eu digo a todos vos: vós: Chegará o dia em que
vereis o Filho do homem assentado âà direita do Poderoso e vindo
sobre as nuvens do céu””
céu” [grifo do autor]). E natural, que aqui
o evangelista
evaiigelista Mateus tenha redigido as palavras de Jesus dessa
maneira, usando uma citcunlocução
circunlocução para não pronunciar
diretamente o nome de Deus. No Evangelho de Lucas, em
uma passagem paralela, a frase é “o poder de Deus” (Lc 22.69),
J..
la
uma vez que esse Evangelho não foi escrito para leitores
judaicos. Disso deduzimos claramente que Jesus não dava a
mesma importância que seus contemporâneos âà questão do
uso direto do nome, sentindo-se livre para, de acordo com a
situação, o usar ou não.
Depois, vemos um dos nomes de Deus, ”o “o Senhor”, aplicado
não so
só a Deus Pai, mas também âquele àquele que foi declarado
”Senhor”
`Senhor° mediante sua ressurreição dos mortos, Jesus. A salvação
vem pela invocação desse nome e pela convicção real de sua
ressurreição (Rm 10.9). Esse nome não so só não precisa ser
evitado, mas deve ser mesmo pronunciado _ para que aquele
que crê em Jesus seja salvo!
Quando Jesus afirma que “no dia do juízo, os homens
haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado”” falado”
12.36), é evidente que palavras impensadas, invocando o
(Mt 12.56),
nome de Deus estarão incluídas. O termo traduzido por ”ocioso” `ocioso'
é argon, que é uma contração de ”a 'a + ergon”
ergon, e significa ”sem *sem
Áividade”
fifividacle' ou ”sem proveito”
“sem proveito' (o equivalente a falar ”em
`em vão, na
vão”
linguagem do Antigo Testamento). Quantas vezes, em conver-
sas diárias, o nome de Deus e de Jesus é citado dessa forma
ociosa?
Jesus, no sermão da montanha faz referência a esse manda-
mento e âà aplicação específica que Levítico 19.12 faz dele, ao
proibir todo juramento (Mt 5.55-56).
5.33-36). Parece que seus opositores
tinham o costume de argumentar que o não-cumprimento de
um juramento ou promessa feitos ao Senhor Seiilior era mais grave do
que o não-cumprimento de um juramento ou promessa feitos
em outros termos (pela terra, por Jerusalém ou pela cabeça da
propria
própria pessoa). Torna-se ridículo uma pessoa ter tanto cuidado
com as palavras que usa para depois cair no pecado de dar sua
palavra e não a cumprir. E um caso claro de ”coar `coar o mosquito”
mosquito' e
`engolir o camelo”. Parece que se refere a um contezto
”engolir contexto muito
mais amplo que o dos tribunais: “Seja o seu ”sim”, 'sim`, ”sim”,
`sim`, e o seu
'não', ”não””
”não”, 'não'” (v. 57).
37). O hábito de seu tempo era parecido com o
mlhábito de nosso tempo. Quem não costumava respeitar muito
a palavra dada tentava dar-lhe mais força em certas situaçoes,
situações,
acrescentando um juramento (como quem dia diz hoje, por
fiíëinplo: "Juro
,eiíéfnploz “Juro pela alma do meu pai e da minha mãefll. mãe”). Se
nossa palavra eé seria,
séria, não Éé necessario
necessário ll1e
lhe dar esse tipo de
`não° tera
reforço: o `não` terá o valor de `nãoi
`não' e o *sim`,
`sim', o valor de "sim`.
`sim`. O
Fato
fato de sentirmos a necessidade de acrescentar juramentos
reflete a seriedade de nosso carater.
caráter.
Nesse caso, se estivermos em uma situação em que a necessi-
dade de acrescentar o nome de Deus às nossas palavras não for
imposta por nos nós mesmos, mas sim pela autoridade de uma
instituição, não haverá inconveniente em respeitar essa exigên-
cia e jurar. Concordamos com Calvino, quando ele afirma que
os juramentos públicos são os mais seguros, porque encontrarn
encontram
maior aprovação em numerosos testemunhos das Escrituras.” Escrituras?
Cita como evidência Hebreus 6.16,1Í",6.16,17, onde eé dito que os
homens juram por alguem
alguém superior a eles e que o proprio
próprio Deus
jura; dessa maneira, fica provado que, pelo menos, os juramentos
públicos não são condenados. Mas Calvino argumenta também tambeím
que pode haver juramentos privados que não são condenados
(como, conforme vimos, houve no Antigo Testamento). Por
exemplo, podemos invocar Deus por testemunha quando
alguem
alguém poe
põe em causa nossa integridade e não se da dá por satisfeito
com os argumentos que invocamos. Aqui, éÉ difícil encontrar
apoio específico no Novo Testamento. Se seguirmos o metodo método
de Calvino de apoiar suas posições indistintamente em ambos
testamentos, poderemos chegar a essa mesma conclusão. Se
método dos Purabatistas,
seguirmos o metodo Anabatistas, dando mais peso ao teste-
munho do Novo Testamento e admitindo a possibilidade de
mudanças de perspectiva de um testamento para outro, será
mais difícil aceitar essa posiçao.
posição. Contudo, parece que os
públicos. em
juramentos públicos, ein algumas situaçoes,
situações, são admitidos
mesmo pelo Novo Testamento, assim, não poderemos aceitar a
posição anabatista de proibir que o cristão osígçaos faça em tribunal.
/'
_,--""
//
.ff
Tiago 5.12 repete a advertência de Jesus contra os juramen-
liz
la
tos em termos quase idênticos aos do sermão da montanha. Nossa
conclusão sobre o alcance dessa recomendação, portanto, será a
mesma: Deus se opõe ao juramento a nível de conversa diária diaria
- não necessariamente a nível de tribunal e, possivelmente,
_
também não a nível do tipo de juramento particular que Calvino
admite.
O Novo Testamento reforça a idéia ideia do Antigo Testamento
de que a palavra que damos deve ser cumprida. O apóstolo apostolo
Paulo, em certo momento, raspou a cabeça “devido "devido a um voto
que havia feito” (At 18.18); aqui parece claro que se trata da
conclusão do voto de nazireu, de acordo com as estipulações
de Números 6. O costume claramente ée' um dos que fazem
parte da antiga aliança e não há evidência de qualquer manifes-
tação desse tipo de voto nas igrejas cristãs. Mas a questão éÉ que
se trata de uma promessa: o fato da vida de Paulo se ter modifi-
cado profundamente devido àã aceitação do Evangelho, de
acordo com os costumes judaicos, não anula uma promessa
que ele fizera anteriormente.
O mesmo Paulo tem o cuidado de mostrar àii igreja em
Corinto
Çorinto que a mudança de plano que levou ao adiamento da
sua visita àã igreja não teve naclanada a ver com a 'leviandadel
`leviandadei de
quem dá da sua palavra e depois não a cumpre: “Todavia, como
Deus éei fiel, nossa mensagem a vocês não éef “sim” e `não”`
“não” (2Co
{2Co
1.13). Mudou por que não queria fazer a visita 'em
1.18). :em tristeza”,
tristezai,
causando àã igreja também
tambem mais tristeza do que era necessário.
necessario.
Para poder beneficia-los julgou que devia mudar o plano que
tinha feito: se fosse sóso questão de conveniência própria
propria não se
sentiria livre para o fazer.
Fazer. E, se baseou na fidelidade de Deus
para afirmar a importância
importãncia da palavra dada.
dei:-tai' aberta a questão da maneira como Paulo
Aqui, cabe deixar
teria avaliado o caso dramático da promessa de Jefté. Se Paulo,
para beneficiar alguém,
alguem, se sentiu livre para mudar um plano
com o qual se tinha comprometido, não poderia admitir a
741
`."'-'ij

hipotese
hipótese de alguom,
alguém, posto na situação de jefto,
Jefté, obrigado a matar
a propria
própria filha, mudasse de plano ao ver as consequências trãgicas
trágicas
que adviriam da fidelidade ãà palavra dada? Ou Paulo terá consi-
derado que jefto
jefté agiu corretamente em seu conteitto
contexto historico,
histórico,
mas que o Evangelho confere mais liberdade as às pessoas? Aqui so só
podemos especular; Paulo não se pronuncia diretamente sobre
a questão. lvlas,
Mas, pelo menos, podemos concluir que não temos
que tomar necessariamente o ei-tem
exemploplo de jefto,
]efte', ao tornar absoluta
a importãncia
importância da palavra dada, como um ei-templo
exemplo a ser seguido
ao popé da letra em qualquer situação comparãvel
comparável que possa surgir
hoje.
Sobre a questão do uso magico
mágico do nome de Deus ou de
Jesus, um espírito m maligno
aligno nos ajuda a esclarecer nossa posição!
Quando os eirorcistas
exorcistas judeus, citados em AtosAros 19.13, tentaram
ezpulsar
expulsar demonios
demônios *em'em nome de jesus,
Jesus, a quem Paulo prega” prega`
(isto o,é, sem ser preciso que eles se relacionareiii
relacionarem diretamente
com jesus) o espírito respondeu: “]esus, eu conheço, Paulo, eu
sei quem o; é; mas vocês, quem sãoi”
são?” O nome não pode ser usado
de uma forma mágica, pois, dessa maneira, não tem qualquer
efgieiív
efgieiílr
“T
/ Conclusão: Em resumo, podemos concluir que tomar o
nome de Deus em vão equivale a usar de uma forma leviana
oii
ou impensada seu nome, ou qualquer outro nome equivalente,
ou tentar reforçar nossa palavra (que ein em si pode não merecer
muita confiança) por meio do apelo a uma Autoridade supe-
rior com a qual não estamos devidamente relacionados. Nor-
malmente, não serã
'If
í
será necessario
necessário recusarmo-nos a jurar quando
um ilfiial'rbfital o ei-tigir
exigir e, na opinião de alguns, pode haver
ituaçoes
ltuações sorias,
sérias, mesmo na vida particular, quando podemos
invocar o nome de Deus para confirmar nossas palavras. lsso Isso
só sera
so será possível se não for uma palavra `ociosa' proferida *em 'em
vão°, mas, ao contrario,
vãoi, contrário, envolver um apelo sorio sério e consciente
, , , . __ _
àquele
aquele que conhece nosso coração.
coraçao. A Bíblia
Biblia não
nao admite o uso
magico de um nome e repudia a blasfêmia. Ela afirma a grande
j 75
?5

importância de cumprir nossa palavra, não a transformando


importãncia
em palavra proferida :em“em vão'. Mas, nesse caso, oé possível
considerar que hã
há “casos-limite'
'casos-limite' que nos obrigam a quebrar a
palavra por causa de algum valor superior: quando, por ei-templo,
exemplo,
mantê-la eiivolveria
envolveria um atentado grave contra o bem-estar do
nosso prozimo
próximo ou, em especial, de algum ente querido. Neste
último tipo de situação eé evidente que serã será preciso muita
atenção aos motivos que nos levain
levam a não cumprir nossa palavra:
apenas quando estamos bem certos de que não oé nenhum in-
teresse pessoal que nos move e que nossa mudança de plano
representarã real benefício para nosso próximo,
representará prozimo, éo que podemos
encarar a possibilidade dcde não cumprir uma promessa feita
diante de Deus.

Notas
1. IÍI11
17.111 “Diciririário
“Diciriniitio lntetnaciolml
lnteriiacirinal de
tlc Te‹_›1ogi:1
Te-:_ilngi:i do Novo 'l`estar11ento”,
Testaniento", ed. Vida
1.-litlii
l\1ova,
l`-lriva, 1985.
1935.
2.
Ê. Àgtistinhu,
Figtistinliii, Serrn.
Serm. Dom. 2,45. 19, em
cni “CatcCÍ:‹n1n
“Catccisinii da 1greja(Íat‹':lica",
Igreja íiatolica", par.
.El-1ll"l.
2148.
Íi. {'Ír|¬i. cit., 11 - \-llll
3.()p.Cir.,l1- É-ílll - ÊT.
ET.
“fiatecisiiiri da lgreja Catolicâl",
4. “C!Lt::Cisn1o Í Íatti:-lic:i"¬ par. 2142
É l4Ê a 2167.
21 oil.
Priivorliiris citatlorë
5. l)ro\'érl1ios citados em “l°ro\'erbios
“Prrr-:orlii‹:is lJurL1.lgLIc5cS",
11‹_irtiigticscs", de
tlc :'\ntó|1io
Fuitiiiiiiti 1\-'{oreir:1,
l`¬.-'lrii'eir:i¬ lidi-
litli-
tori:1l1\I‹›ríciz1s,
t=:_iI'Í:il l'\lr_itícias, 1996.
19516.
6.
Ú. (Í]p.cit.,
l1Í1p.cit., 11-
ll- fãil - 27'.
ET.
carítutoa
cAP|'TuL0 4

Trabalhar e descansar

tifica'-io. Íli"al:›aiíiara“s
Lembra-te do dia de sabado, para san rifict-í-in. Yiabalilarás seis dias e
neles Eiras todos os teus trabaiiios,
trabalhos, nias
mas o se“timo
sétimo dia e“é o stííiado
sábado dedicado
ao SEM-fria,
SENHOR, o teu Deus. Nesse dia não raras fàrzís trabalho
rrabaiho algurn,
algum, nem tn tu,
1'

fiihos ou ƒiihas,
nem teus filhos fiihas, nem tens
teus servos ou servas, nem teus anim.ais
animais,
Í

nem os estrangeiros que mnrarem


morarem em tuas cidades. Pois em seis dias o
SENI-icir:
5`ENi-non fm
fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles eitisre,
existe, nias
mas no
sétimo
seítimo dia descansou. Portanto, o SENHOR abençoou
SEivHtiR aben osérimo dia
çoou osotimo dia eeoo
(Êx. 20.8-1 1).
santificou (Ez. I).
Na versão do mandamento que nos éo dada em D Deutero-
eutero-
iiomio
nornio 5.12-15, ha
há essencialmente quatro diferenças em
r-l " com a versao
relação
e açao ' de Ezodo:
versão A
Exodo:
exortados a “trazer ãà memoria“
1) Em vez de sermos e:-tortados memória, oo
st-íbado,
sábado, somos ezortados
exortados a “guardtí-lo“.
“guarda-lo`. Aqui oé evidente
que a primeira atitude leva ãà segunda e que as duas
versoes
versões se complementam.

2) O
Ú teitto
texto de De “
Deuteronômio
uteronomio menciona mais especifi-
camente os animais que também precisam se beneficiar
proprie-
do dia de descanso e que estão presentes na pro P rie-
dade hebraica _ os bois e os juiiieiitos.
jumentos.

texto de Deuteron“
3) O tezto Deuteronômio
` ddatl mais ênfase ao fato dos
omio
servos precisarem de descanso, sendo este o objetivo
ml
vl do descanso que abrange toda a propriedade. Aqui, é
interessante notar que os servos não são encarados como
meras ferramentas, eles têm o privilégio de serem tratados
como pessoas visadas pela lei do __descanso,
descanso, não menos do
que seus patroes.
patrões. _
.z"“
.
_."

4) Em vez de evocar a razãdida


razão'da criação para a prãtica
prática do
descanso, a versão de Deuteronomio
Deuteronômio evoca o fato do
povo ter sido escravo no Egito e de Deus o ter libertado.
Ú
O sabado
sábado devia ser guardado
É uardado como forma de ter sempre
sem re
presente essa libertação, sem a qual o povo não teria o
privilégio
rivilé E io de herdar uma terra, de trabalhar, nem de
descansar do trabalho.
Como deve ser evidente, não precisamos atribuir essas
diferenças ao trabalho de distintos redatores da Bíblia que
possam ter tido interesse em ein acrescentar algo àii versão que
redigiram. É mais natural concluirmos que todos esses elemen-
tos tenham feito parte das palavras que Deus deu a Moisés e
Deuteroiiomio, ao relembrar os mandamentos anos
que em Deuteronômio,
depois, Moisés tenha lembrado e transmitido alguns porme-
tiiiliaiii sido omitidos na primeira versão que deu ao
nores que tinham
povo à“a época de Êxodo
Êi-todo 20.
Questões: O trabalho que Deus determinou ao homem
Questoes: Ú
fazer, de cultivar a terra e de, por outras formas, administrar a
criação, em essência, deve ser considerado um castigo ou um
privilégio? O homem profissional ou o trabalhador manual
podera considerar sua função uma 'vocação'
poderá “vocação““ do Senhor, ou
este termo deve ser reservado apenas àqueles que têm uma
função religiosa? Qual é a razão de fundo para Deus ter
obsenrãiicia do
mandado trabalhar seis dias e descansar um? A obse1'vâ11cia
Senhor“, termo que a tradição cristã aplica ao domingo,
“dia do Senhor',
pode ser considerada uma forma válida vãlida de obedecer a esse
mandamento ou terão razão aqueles que consideram que o
sabado deve ser o sétimo dia da semana e que qualquer outra
sábado
1...
Í..
alternativa constitui um pecado grave? Como é que a Bíblia
nos situa em relação as diferentes convicçoes
convicções a esse respeito
que separam uns cristãos de outros?

Abordagens historicas
históricas
Ao dar ao homem o mandato para trabalhar (Gn 1.28) é
natural que Deus tenha querido abranger todo tipo de
atividade humana legítima. Embora o conteittocontexto do mandato
seja o da agricultura, não hã há nenhuma razão para ezcluir excluir
atividades tecnologicas,
tecnológicas, científicas, sociais, artísticas e pedago-
pedagó-
gicas. Por eitemplo,
exemplo, em Gênesis ¿i.21,22
4.21,22 a música e o fabrico
de ferramentas também são trabalhos encarados como legítimos
e a atividade intelectual de dar nomes aos animais e aves é uma
ordem eitplícita
explícita de Deus, em Gênesis 2.19. A queda do homem `*-,

em consequência de seu pecado dificulta os processos envolvi-


dos no trabalho: surgem cardos e espinhos (Gn 3.18), e, para
nos
nós tão normal, o suor (519)
(3.19) é mencionado pela primeira vez.
No livro de Eclesiastes vemos a obsessão eitcessiva
excessiva com o
trabalho, tanto manual como intelectual, como uma aflição
de espírito, mas o trabalho em si, dentro dos devidos limites, é
encarado como uma bênção: ““Assim, “Assim, descobri que, para o
homem, o melhor e o que mais vale a pena é comer, beber, e
desfrutar o resultado de todo o esforço que se faz debaizodebaixo do
sol durante os poucos dias de vida que Deus lhe dá, pois essa é
a sua recompensa” (5.18). l\/lesmo
Mesmo nas profecias que antecipam
um futuro glorioso, o trabalho tem uni um lugar privilegiado:
“Construirão casas e nelas habitarão:
““Construirão habitarão; plantarão vinhas e comerão
do seu fruto. já não construirão casas para outros ocuparem,
nem plantarão para outros comerem. Pois o meu povo terti terá vida
longa como as árvores;
arvores; os meus escolhidos esbanjarão o fruto do
seu trabalho” (ls 6521,22).
No Novo Testamento o trabalho é considerado um privilégio
e uma obrigação: quem não quer trabalhar também não deve
oomer (2Ts
{2Ts 3.10). Tanto o trabalho de fazer tendas, com o qual o
801
Eüj

apostolo
apóstolo Paulo, algumas vezes, ganhava seu sustento (At 18.1-3;
1Co 4.12), como o trabalho apostolico
apostólico de anunciar o Evangelho
(1Co
(ICQ 15.10) são atividades validasválidas que Deus lhe conferiu.
A lei do sabado
sábado é ensinada com insistência em toda a Bíblia, Bíblia.
com a finalidade de manter o trabalho em seu devido lugar,
sem o tornar motivo de escravidão ou de afastamento É
de Deus.
O saiba,
sabâí, dia de descanso obrigatorio,
obrigatório, tem uma dupla função:
providenciar descanso e ser uma maneira das fainílias famílias se concen-
trareni
trarem na adoração ao Senhor. O sabado sábado era considerado uma
das festas do Senhor (Lv 23.1-3),23.1-5), nas quais o0 povo refletia sobre
diferentes aspectos de sua boa mão sobre a nação. Os períodos
mais arduos,
árduos, da aradura ec da sega (Ea (Êx 34.21), não eram conside-
rados eitceçoes
exceções e a desobediência aà lei do sabadosábado era considerada
uma ofensa que devia ser punida com a morte (Ê:-t (Êx 31.14:
51.14; Nm
15.32-56).
15.32-36).
Posteriormente, se observou uma tendência de diversos
grupos no judaísmo de darem diferente ênfase a distintos
.tr .rr in
A .If
I
aspectos da pratica do sabado. Os judeus de tendencia helenista
ensinavam a importancia
importância de não desperdiçar o dia na ociosi-
aproveitá-lo para o estudo das coisas de Deus.'
dade, mas em aproveita-lo
Os judeus palestinos retiraram
tentaram controlar e estabelecer limites
ao trabalho que se podia desenvolver, deiitando-nos
deixando-nos a impressão
que, para eles, era mais importante o elemeiito elemento de proibição
do que a orientação para o boni bom aproveitamento do dia. Por
eitemplo,
exemplo, o Documento de Damasco niostra mostra que era proibido
livrar um animal da morte no sabado. sábado. Shabbath 7.2 proíbe
no sabado
sábado o desempenho de "quarenta
“quarenta nienos
menos uma” dos princi-
trabalho. No sabado,
pais tipos de traballio. sábado, as atividades permitidas eram
especialmente os serviços dos sacerdotes no tem templo,
plo, o salvamento
de uma vida humana em uma emergência e a circuncisão, se
este fosse o oitavo dia. jesus
Jesus reagiu fortemente contra o rigor
que grupos, como os fariseus, tentavam impor a todo o povo,
ensinando que o sabado tinha sido feito para o homem e não o
homem para o sabado sábado (Mc 2.27). Sobre sua postura debruçar-
j81

nos-emos de maneira mais pormenorizada na seção que trata


da posição do Novo Testamento sobre o assunto.
Em oposição aà perspectiva equilibrada e positiva que a Bí-
blia mantinha sobre o trabalho, muitas vezes, surgiu no mundo
grego e romano uma visão hierarquica
hierárquica do trabalho, em que
alguns tipos de trabalho eram considerados mais dignos do
que outros. O trabalho manual era considerado um mal neces-
sario,
sário, mas humilhante, tinha que ser feito por alguns para que
as atividades genuinamente humanas, intelectuais ou políticas,
pudessem ser desenvolvidas por outros (da mesma maneira que,
na sociedade moderna, uma empregada doméstica realiza seu
“humilde” para que seus patroes
trabalho “humi1de“ patrões possam desempenhar
suas profissoes).
profissões). No período pos-apostolico
pós-apostólico essa influência
começou a se fazer sentir no cristianismo:
cristianismo; Eusébio de Cesaréia
(c. 265-539
265-339 d. C.) distinguiu uma vida humana perfeita em
uma considerada menos elevada que incluía a “agticultuta,
agricultura, o
comércio e outros interesses mais seculares”. Na perspectiva de
Agostinho,-' as atividades não contemplativas eram inferiores as às
contemplativas:
contemplativasz “Urnas
'Umas são amadas, as outras são suportadas“.
suportadas`.
Séculos depois, Tomas de Aquino ainda considerava que a vida
de contemplação era melhor do que a vida de ação.
l-la
Há certa evidência, tiono Novo Testamento, de que os cristãos
começaram a observar o0 “dia do 5enhor“ Senhor' no primeiro dia da
semana, o dia em que Jesus ressuscitou (Jo 20.153,26). 20.19,26). Em
1lCoríntio
Coríntio 16.1-4, vemos claramente que eles se reuniam e davam
suas contribuiçoes
contribuições no primeiro dia da semana:
semana; em Atos 20.6,7.
20.6,7,
vemos Paulo, ein em um domingo iià noite, se dirigir aos crentes da
Macedônia em uma sessão prolongada; em Apocalipse 1.10
lvlacedonia
apóstolo João esteve no Espírito “no dia do Senhor”
lemos que o apostolo
_ dia este que pode ter sido sabado sábado ou domingo, mas que foi
vários escritos patrísticos como domingo (cf. Inacio,
entendido em varios Inácio,
Mag. 9. 1 Também encontramos evidência de que grupos mais
9.1).
conservadores, ligados ao judaísmo, mantinham sua pratica prática de
observar o sétimo dia. E possível, que alguns tenham mantido as
al
82l

duas praticas
práticas lado a lado, mas sem aplicar a nenhuma delas o
rigor eitcessivo
excessivo recomendado pelos fariseus.
Em Justino (c. 167 d. C.), ei-tiste
existe evidéiicia
evidência substancial de
que no século 11 o costume dos cristãos eta era se reunir tio
no primeiro
dia da semana: ““No“No dia chamado domingo, todos os que vivem. vivem
em cidades ou no campo se reúnem em um lugar, e as memorias memórias
dos apostolos
apóstolos ou os escritos dos profetas são lidos durante todo
o tempo possível”.i
possível”.2 Em 521 321 A. D., o imperador Constantino
oficializou o domingo como dia de descanso em todo o Império
Romano, proibindo ei-tpressamente
expressamente a pratica
prática dominical da
maioria dos trabalhos que ei-tistiam
existiam na época.
Pesquisas realizadas por Adventistas do Sétimo Dia tendem
a sugerir“que,
sugeririque, nos primeiros séculos, eitistiam
existiam grandes grupos de
cristãos que guardavatn
guardavam o sétimo dia da semana. O falecido ]ames
Arrabito, em um teittotexto intitulado Our Sabbath Heritage [Nossa
herança do sabado]
sábado] ,il
,3 apela para a evidência de eruditos britanicos
britânicos
que provaram a eitistência
existência de comunidades celtas que, na Grã-
Bretanha, no tempo da ocupação romana, guardavani guardavam o sétimo
dia. Arrabito também afirma que Patrício (c. 389-461), famoso
missionario
missionário irlandês, guardava o sétimo dia. Cita também uma
inscrição, escrita em chinês, na Pedra iiestoriana
nestoriana de Changan,
Changán,
que data de 781 d. C., e que foi descoberta mais de oitocentos
anos mais tarde. Na pedra esta está escrito: ““No
“No Sétimo Dia oferece-
mos sacrifícios depois de ter piirificado
purificado nossos coraçoes,
corações, e de ter
recebido absolvição de nossos pecados. Essa religião, tão perfeita
e ei-tcelente,
excelente, é difícil de nomear, mm mas ilumina as trevas por meio
de seus preceitos brilhantes”. Arrabito afirma que os jesuítas
arqueológica da pratica
destruíram muita evidência arqueologica prática do sétimo
dia, devido aos dogmas de sua lgreja: Igreja: o quanto isso é verdade,
naturalmente, é muito discutívell Mais tarde refletiremos sobre
a relevãncia
relevância de dados dessa natureza para a resolução da questão
do dia do Senhor ser o primeiro ou o sétimo da semana.
Quando o protestantismo surgiu no século XVI, represen-
tou uma redescoberta do valor positivo de todo tipo de trabalho.
j83
|83

Martinho Lutero descreveu toda atividade diaria diária como um


“beruf“
`beruf, (vocação). Antes, apenas o clero e os monges eram
encarados como vocacionados. Calvino desenvolveu mais esse
tema, ensinando que a parabola
parábola dos talentos (Mt 5.14-30) se
referia a todo esforço e atividades humanas. E bem conhecido o
argumento de Mais Max Weber (1864-1920) de que essa visão do
trabalho humano deu lugar ao surgimento do capitalismo
moderno. Aqui deve ser dada atenção ao argumento mais recen-
te de R. 1-1. Tavvnezv(1880-1962;
Tawney (1 880-1962; autor de Religiao
Religião e o Surgimen to
do Capitalismo) de que o capitalismo surge não da doutrina refor-
mada do trabalho, mas da deturpação dessa doutrina.
Para Calvino o dia de descanso era considerado uma necessi-
dade para o cristão, devendo ser observado ao domingo por ja já
não ser vigente o aspecto cerimonial da lei sabatica
sabática judaica.
Reconheceu como validaválida a mudança do sétimo dia para o pri-
meiro da semana, por ser o dia em que Cristo ressuscitou. Para
ele a lei do sabado
sábado ensinava essencialmente três verdades: 1)
I) que
devemos descansar de nossos trabalhos (obras para tentar ganhar
o favor de Deus) todos os dias, deiitando
deixando que Deus trabalhe em
nos;
nós; 2) devemos separar para a adoração a Deus, para ouvir a
Palavra e para receber os sacramentos, o dia que as igrejas
legitimamente separam para esse fim -_ _ que é o domingo; e 5) a
terceira, e não menos importante, é que observando o dia de
inumanamente aqueles que
descanso podemos evitar oprimir inumaiiamente
estão ao nosso serviço. Calvino, no entanto, não foi tão longe
como alguns sucessores seus, na medida em que não tratava o
domingo como o “sabado“sábado do Senhor“,
Senhor`, mantendo, na pratica,
uma perspectiva bastante livre sobre o tipo de atividade que podia
ou não ser desenvolvido nesse dia.
Pouco tempo depois da Reforma surgiu um movimento
que quis restaurar o sétimo dia como dia do Senhor: o movimen-
to das igrejas Batistas do Sétimo Dia. Entre os muitos elementos
Inglaterra houve aqueles
que saíram da igreja estabelecida na lnglaterra
que, por convicção, defendiam que o dia de descanso devia ser
84l
Bill

sábado. Entre outros nomes podeiiios


o sabado. podeiínos citar o de Theophilus
Brabourne e James Úclcford.
Ockford. A___igreja
Ajigreja que se fundou em Mill
Yard eitiste
existe até hoje. John
]ohn Jaines,
]a'mes, seu primeiro pastor, foi
arrancado pelas autoridades do púlpito em que ministrava o
culto sabatico,
sabático, foi preso, decapitado, arrastado pela cidade e
cortado em quatro, e a sua cabeça colocada em um poste em
frente àa capela. Em 1664, o movimento também emigrou para
os Estados Unidos, sendo formada, em 1671, a lgreja Igreja Batista
do Sétimo Dia, em Nesvport,
Newport, Nova lnglaterra.
Inglaterra. A intenção
declarada dos sabatistas batistas era se manter em comunhão
com outras igrejas batistas, mas isso nem sempre foi possível,
devido ao entusiasmo de seus adeptos e a rejeição daqueles
que observavam o domingo como dia do Senhor. Essas igrejas,
como muitas outras igrejas batistas, eram adeptas do princípio
de não formular suas convicçoes
convicções como credo e respeitavam
diferenças a nível de estilo e de pratica.
prática. Esse movimento não
deve ser confundido com o movimento dos Adventistas do
Sétimo Dia que surgiu uns 200 anos mais tarde, com outras
características doutriiiarias
doutrinárias e muito maior dogmatismo sobre a
questão do sabado.
sábado.
No século ÍXÍVII,
XVII, um Ato do Parlamento britãnico
britânico impos
impôs a
obrigatoriedade de comparecimento aos cultos dominicais e a
abstinência de “trabalhos
'trabalhos mundanos“
mundanos` e, no mesmo período nos
Estados Unidos, as chamadas “Leis Azuis“ limitavam o negocio
'Leis Azuis' negócio
Westmirister (1648), reproduzida
no domingo. A Confissão de Westmiiister
quase na íntegra na Confissão de Fé Batista de Londres, de
1689.““
1689,* ensina que o domingo deve ser observado como o
equivalente do sabado
sábado judaico, apesar da insistência de Lutero
e Calvino de que o aspecto cerimonial da lei mosaica fora
abolida na nova aliança. Sob esse aspecto, a influência puritaiia
puritana
na sociedade deve ser bem medida; em sua época os puritanos
reagiram contra uma situação estabelecida em que as pessoas
mal saíam do culto dominical e já estavam comprando e
vendendo no mercado, assistindo peças de teatro imorais e
1..
jaz
esse tipo de convicção com -a idéia do “juízo 'juízo de investigação“,
investigaçãd,
iniciado em 1844, em que nossas obras desempenham papel
decisivo na tia questão de entrarmos ou não na presença do
Senhor. De fato essa igreja tem uma longa historia história de tensão
interna devido ãà maneira como tenta reconciliar essas duas
perspectivas, alguns dirigentes saíram ou fundaram grupos
alternativos devido ao fato de não conseguirem suportar a
contradição.” Além disso, os evangélicos, em geral, reprovam
como antibíblicos os ensinos adventistas sobre o “sono 'sono da alma'
(entre a morte e o juízo final) e a aniqiiilação
aniquilação dos ímpios.
Hoje, continua difícil sustentar a posição de que o trabalho
(na fabrica,
fábrica, tio
no comércio, na escola, no tribunal etc.) pode ser
Lima
uma vocação de Deus. Em nosso livro O Sabor do Sai, Sal, "J'U publicado
em 1985,
1983, argumentavamos
argumentavárnos que os cristãos não conseguem se
libertar da dicotomia grega, o resultado disso é se achar que o
“trabalho
'trabalho do Senhor“,
Senhor”, evangelização, pregação ou missoes,
missões, requer
uma vocação de Deus, mas os outros trabalhos são apenas opçoes opções
pessoais e oportunidades de ganhar dinheiro. Não vimos grande
evolução na mentalidade das pessoas desde que publicamos O
Sabor do Sal, mas continuamos a insistir que a Bíblia encara a
questão do trabalho e da vocação de uma “forma 'forma mais sã e
abrangente que a maioria dos cristãos atuais.
Hoje,
I-Ioje, outro resultado da secularização da nossa sociedade é
a pequena minoria constituída por aqueles que vivem com rigor
as posiçoes
posições ensinadas pela Lei de Deus sobre o Dia de Adoração
e Descanso, seja este o Domingo ou o Sabado.
Sábado. O grande entusi-
manifestados tanto pelos adeptos do sabado
asmo e convicção maiiifestados sábado
como pelos do domingo parece sugerir que tanto um dia como
outro, se for observado com amor e convicção diante de Deus,
sera
será do agrado de Deus. Contudo, aii tes de concluir definitiva-
antes
mente se podemos chegar a esse tipo de conclusão ou iião, não, é
necessario
necessário refletir mais profundamente sobre o ensino que o testo texto
bíblico, como um todo, nos transmite.
88
B8 j

0 ensino do Antigo Testamento


O
O “saba“
'sabá' hebraico tem o claro significado de um dia que
representa uma pausa total tiana atividade humana: esta está relacio-
nado ao verbo que significa ““cessar”
“cessar” ou ““por
“pôr fim a alguma
coisa”. Desde o início podemos notar que um dia de pausa,
depois de seis de trabalho, em princípio, tanto podia ser o
sétimo dia da semana como o primeiro. Embora o versículo
seguinte fale especificamente tiono sétimo dia, e isso tenha sido
estabelecido por Deus em toda a sociedade judaica, em que
não ha
há espaço para costumes distintos, isso não significa neces-
sariamente que, por razoes
razões posteriores, o Novo Testamento
não pudesseapontar outro dia da semana, com as mesmas
características que o sétimo dia tinha no Antigo Testamento.
Tanto para o Senhor, como para a fiimília família de cada pessoa,
para seus servos e animais, era de fundamental
fundainental importancia
importância
que entre os sete dias da semana houvesse um dia de adoração
e descanso. Na situação particular da sociedade teocratica
teocrática do
Antigo Testamento, esse dia só so podia ser umtim _ a situação
contrária
contraria levaria ao caos _ daí a obrigatoriedade de ser o
sétimo dia. Deus, em sua criação, declarou que tudo era boni, bom,
mas ele santificou apenas o sabadosábado _ mais importante do
que a criação do homem no sei-tto sexto dia é seu convite para
descansar tiono sétimo, regozijando-nos por toda sua criação e
reconhecendo sua soberania sobre o nosso tempo.
A segunda justificativa pelo sabado,sábado, apresentada, em
Deuteronomio
Deuteronômio 5.15, na versão do decalogo, lembra o fato de
Deus ser o grande Libertador. Assim, não é despropositada a
ligação que os apostolos
apóstolos e a igreja primitiva estabeleceram com
a suprema libertação que Jesus operou - _ sua vitória
vitoria sobre a
condenação e a morte _ e que pode justificar a posterior
mudança para o domingo.
O quarto mandamento manda trabalhar seis dias: o traba-
CI
lho em si não é uma maldição, ele foi dado ao homem (Gn
2.15) como um grande privilégio. Depois, a dor e a dureza
que passaram a acompanhar o trabalho são resultado da queda
1..
j 89

do homem, mas da mesma maneira que não consideramos o


dar ãà luz filhos em si como uma maldição de Deus, apesar da
dor que acompanha esse ato, não podemos considerar o
trabalho em si uma maldição, apesar da dor que muitas vezes o
acompanha. Por isso, é possível redescobrir o valor positivo do
trabalho, mesmo no mundo caído: ““Deu-lhe
“Deu-lhe o nome de Noé e
'Ele nos aliviara
disse: “Ele aliviará do nosso trabalho e do sofrimento de
Si-LNHOR amaldiçoou”“
nossas mãos, causados pela terra que o S|¿t¬1Ht?ia amaldiçoou”
(Gn 5.29). Na sociedade judaica mesmo o trabalho de um
(Cn
escravo não era necessariamente tão desumano e alienante
como pensamos algumas vezes: a lei do sabado,sábado, a lei da liber-
após seis anos e outras diversas leis que puniani
tação facultativa apos
o senhor em caso de não respeitar os direitos de seu escravo,
tornavam a escravidão bastante suportavel.
suportável. E, ela não era em
nada comparavel
comparável com a escravidão que o povo veio a sofrer,
por eitemplo,
exemplo, no Egito.
Em consequência do pecado, o trabalho se torna potencial-
mente uma fonte de dor e sofrimento. As armas fabricadas
pela faiigília
fanlília de Lameque podiam
podiain ser (e foram) usadas para
afirmar' o poder sobre outros e matar (Gn 4.22-24). A torre
de Babel representa uni tipo de idolatria ao trabalho humano:
o homem tenta ultrapassar todas suas limitaçoes
limitações e competir
com Deus (Gn (Cn 11.1-9). Ei-tiste
Existe a possibilidade do homem se
escravizar a si mesmo em uma rotina de trabalho arduo; árduo; essa
situação surge, em paralelo, com a falta de confiança no Deus
de cuja mão vem tudo o que precisamos. Nessa conjuntura, o
descanso é uma situação melhor para o homem, porém ele
nunca a atinge: ““por
"por isso jurei na minha ira: Jamais
jamais entrarão
ganancioso, aflito com
no meu descanso” (Sl 95.1 1). O homem ganaiicioso,
esse tipo de ansiedade, tenta reduzir ao iiiínimo
mínimo o descanso
sabatico
sabático para se multiplicar em atividades comerciais e ganliar
ganhar
cada vez mais: ““Ouçam,
"Ouçam, vocês que pisam os pobres e arrtiínam
arruínam
os necessitados da terra, dizendo: “Quando
'Quando acabara
acabará a lua nova
90j
'šlüj

para que vendamos o0 cereal? E quando terminara


terminará o sabado
sábado para
que comercializemos o trigo, diminuindo a medida, aumentando
o preço, enganando com balanças desonestas e comprando o
pobre com prata e o necessitado por um par de sandalias,sandálias,
vendendo até palha com o trigo?“”
trigo?'” (Am 8.4-6). Para corrigir
essa tendência insaciavel
insaciável do coração humano, apenas a entrega
de coração e alma ao Senhor, e a observancia
observância equilibrada do
mandamento do trabalho e do descanso, cada um em seu devido
lugar.
O eitagero
exagero em relação ao trabalho, no fundo, surge de uni um
erro muito fundamental do coração humano: a noção de que
o homem tem que salvar a si mesmo. Tanto aquele que julga
que todo seu bem-estar material neste mundo depende eitclusi-
exclusi-
vamente daquilo que pode fazer com suas mãos (cf. Ec
2.10,1 1), como aquele que julga que sua salvação eterna é
2.10,11),
ganha por méritos próprios
proprios (cf. Sl 143.2) cometem o erro
supremo que impossibilita qualquer relação com Deus. Tanto
a lei do “saba“
'sabá' quanto o ensino que o Antigo Testamento da dá a
respeito dela fornecem ao homem o modelo de vivência em
que esta
está genuinamente aberto para a obra de Deus em sua
vida e em que vive na dependência da graça e provisão de
Deus.

Novo Testamento
jesus designa seu Pai como um trabalhador, da mesma
Jesus
maneira que o Filho também o oé (Jo (jo 5.17). Mas trabalhar não
é apenas se ocupar incessantemente no esforço de ganhar o
pão espiritual ou inaterial.
material. Em questoes
questões materiais é tão impor-
“Obseivem as aves
tante aprender a confiar como trabalhar: ““Observem
do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em celeitos;celeiros;
contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais
valor do que elas?” (Mt 6.26). Em relação a nossa salvação eterna
temos que fazer a obra que Deus requer, que é ““crer
"crer naquele
que ele enviou” (Jo
(jo 6.29).
j91
jišll

O Novo Testamento não restringe o conceito de vocação


aqueles
àqueles que serão pastores ou missionatios.
missionários. Primeira Corín-
tios 7.20 admite que as pessoas, nas mais diversas situaçoes,
situações, se
dedicam ao que têm vocação para fazer, onde Paulo, no conteitto contexto
de uma consideração sobre circuncidados e iiicircuncidados
incircuncidados e
servos e livres, recomenda que as pessoas não tentem logo mudar
“Cada um deve permanecer na condição em que
sua situação: ““Cada
foi chamado por Deus” (grifo do autor).
Nos Evangelhos, um dos principais objetivos de Jesus jesus foi
convencer os fariseus e os mestres da lei que tinham transfor-
“sabá” em um trabalho ainda mais arduo
mado o ““saba” árduo e alienante
do que o dos outros dias! Para “descansar“
'descansar' como eles o faziam
no sabado
sábado era preciso trabalhar, multiplicar-se em preparaçoes
preparações
e cuidados que equivaliam
eqiiivaliam a Lim arduo
árduo traballio.
trabalho. Por eitemplo,
exemplo,
especificavam a quantidade de grão que uma pessoa podia
apanhar ao sabado
sábado _ ~ a mesma que coubesse na boca de tim um
cordeiro (Shabbath 7.4); o que acarretava um trabalho cuida-
doso na vospera
véspera para que o esforço sabatico
sabático ficasse nesse limite.
Em caso de doença, so só era permitido procurar assistência
médica se houvesse perigo de niorte,
morte, mas aquilo que podia ou
não ser feito era descrito, pelos escribas, em uma lista eiiaustiva
exaustiva
de regulamentos. Apeiias
Apenas aprender as normas e os limites ja já
representava um esforço de estudo que acrescentava muito ao
trabalho dos outros seis dias!
O Evangelho se refere ao fato de que, em seis en
Ci enfrentamentos
frentamen tos
sábado, Jesus
com os judeus a respeito do sabado, jesus confronta seus opositores
não sobre a validade do sabado
sábado em si, mas sobre o0 excessivo legalismo
que tinha crescido a sua volta. No caso da acusação dos fariseus ein
relação aos discípulos de Jesus
]esus estarem a apanhar espigas no sabado,
sábado,
ele argumenta que em alguns casos a necessidade humana se sobrepoe
sobrepõe
aà lei (Mc 2.23-26). Essa justifiqação
justificação oé semelhante aà que apresenta
no caso da cura do homem com coim a nião
mão ressequida: fazer bem e
salvar uma vida é melhor, mesmo que seja sabado,
sábado, do que fazer
fuer mal
e destmí-la
destruí-la (Mc 5.1-6). Destruir uma obra de Satanas,
Satanás, como vemos
92j
'5I'2j

no caso da cura da mulher encuivada


encurvada (Lc 13.10-17),
15.10-17), é inn
um trabalho
perfeitamente admissível no Dia de Descanso. E, quando Jesus
jesus curou
um
run homem inchado (Lc 14.1-6), desafiou seus ouvintes a considerar
se não salvariam um animal caído em um poço, mesmo que fosse
sabado.
sábado. Em João 5.1-9, lemos acerca da cura de um homem doente
ha
há 58
38 anos: a resposta de Jesus apela ao tipo de trabalho que o Pai
sempre faz, mesmo no sabado,
sábado, e do qual se considera o continuador.
Também einem João
joão 9, Jesus declara que curou o cego de nascença no
sabado
sábado ““para
“para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele” (v. 3).
O proprio
Cl próprio Jesus respeitava e cumpria a lei do sabado
sábado (sétimo
dia): Lucas 4.16 declara que, nesse dia, ““segundo
“segundo o seu cos-
tume” ele entrou na sinagoga. Mas ele era o ““Senhor
"Senhor do sabado”
sábado”
não para o anular, mas para mostrar e dar eitemplo
exemplo da maneira
como legitimamente o sabadosábado devia e podia ser observado. A
chave de seu ensino a esse respeito é a afirmação: ““O “O sabado
sábado
foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do
sabado”
sábado” (Mc 2.27). A intenção não é abolir o sabado, sábado, mas sim
restaurar o equilíbrio e a preocupação humanitaria
humanitária que as tradi-
çoes
ções judaicas recentes distorceram e perderam na pratica
prática do
sábado.
sabado.
Apóstolos é mostrada a situação curiosa do
Em Atos dos Apostolos
sabado
sábado ainda ser respeitado, de acordo com as praticas práticas do
Antigo Testamento e de Jesus,
jesus, ao mesmo tempo que se inicia a
pratica
prática tipicamente cristã de se reunir no primeiro dia da
semana (At 20.7). Não eaiste
existe nenhum ensino dos apostolos
apóstolos no
sentido de que o Dia devesse passar a ser este _ o fato é
registrado sem nenhuma ezplicação
explicação clara. Mas é significativo
o fato de que o primeiro dia da semana ter sido escolhido para
celebrar a ceia do Senhor.
Primeira Coríntios 16.2 indica o primeiro dia da semana
óbvia por essa indicação é o fato de
como dia de ofertas: a razão obvia
que esse dia estava separado para o culto. Em Apocalipse 1.10,
provável que a ei-ipressão
como vimos, é provavel expressão “dia
'dia do Senhor“
Senhor' refira-
se ao Domingo.
j93

E correto o argumento adventista de que nenhuma dessas


passagens ensina que o “saba“
'sabá` deve ser o domingo. Por outro
lado, elas todas dão evidência de uma nova pratica,
prática, a da observan-
observân-
cia do priineiro
primeiro dia que se fosse tão reprovável
reprovavel oomo
como os adventistas
consideram, com certeza, seria reprovada, com veemência, pelos
apostolos
apóstolos logo que surgiu! Se é verdade que no Novo Testamento
o sábado judaico nunca foi definitivamente abolido, isso explica
que, mesmo séculos mais tarde, alguns grupos cristãos ainda
conseivem esse dia como o dia do Senhor. Não temos evidência
conservem
de que algum desses grupos tenha tornado vital a questão do
sétimo dia, o que seria motivo para julgar negativamente os
cristãos que tinham outros costumes.
O apostolo
apóstolo Paulo, em três passagens de suas epístolas, faz
sábado, sugerindo que se deve ter um critério
referência ao sabado,
tolerante diante das diferentes convicçoes
convicções existentes a respeito
desse costume. Em Romanos 1-4.5.6,145,6, ele diz: ““1-la
"I-lá quem consi-
dere um dia mais sagrado que outro; ha há quem considere iguais
todos os dias. Cada um deve estar plenamente convicto em
sita
sua propria
própria mente. Aquele que considera um dia como espe-
cial, para o Senhor assim o faz”. Aqui, parece que as opçoes opções
não são a de observar o sabadosábado ou o domingo, mas sim de
observar todos os dias ou um como especial. lsto Isto é, os cristãos
podem transformar cada dia de sua vida tio no “dia
'dia do Senhor”
Senhor' e
podem organizar cultos em qualquer dia da semana. Mas alguns
ainda vão privilegiar um dia especial. O apostolo
apóstolo Paulo não
diz, no caso de haver um dia especial, qual dia da semana deve
ser escolhido. Deixa esse assunto ao critério de cada um, e, é
iiatural,
natural, que para alguns isso pareça um tanto perigoso!
Gálatas 4.9-1 1, Paulo se dirige aos seus leitores, muito
Em Calatas
influenciados pelos judaizaiites,
judaizantes, nos seguintes termos: ““Mas “Mas
agora, conhecendo a Deus, ou melhor, sendo por ele conhecidos,
como é que estão voltando aqueles àqueles mesmos princípios
elementares, fracos e sem poder? Querem ser escravizados por
eles outra vez? Vocês estão observando dias especiais, meses,
9-'lj
EI-flj

ocasiões específicas e anos! Temo que os meus esforços por vocês


ocasioes
tenham sido inúteis”. Em uma carta, em que toda sua preocu-
pação é com a questão da lei, em especial, a circuncisão, e a
questão dos cristãos precisarem ou não se sujeitar a essa lei, não é
nada natural que se refira aqui, como dizem alguns, ao sincre-
tismo e aos cultos helênicos. Paulo não se referiria a essas praticas,
práticas,
ligando-as de alguma maneira ãà lei. Elas estavam muito distantes
merecessem esse tipo
de sua perspectiva e preocupação para que nierecessem
de mialise.
análise. E muito mais natural que a referência seja iià obser-
vancia
vância legalista de sabados,
sábados, festas, anos sabaticos
sabáticos ou do jubileii,
não por ele ser, como bom judeu, contra essas praticas práticas em si,
mas por elas constituírem, para as mentalidades mais legalistas,
um esquema de auto-salvação que tornava desnecessário o
Evangelho de Cristo. E evidente, que se o sábado for guardado
com esse espírito, isso deve ser repudiado. O que fica claro nessa
passagem é que, no espírito de Paulo, não existe o desejo de
ensinar que há um dia específico que deve ser observado. Mais
uma vez, a posição adventista perde muita força ã luz dessa
passagem.
De modo semelhante, Paulo, em Colossenses 2.16,17,
combate o legalisino
legalisrno na área da alimentação e dos dias especiais:
"Portarito, não permitarn
““Portanto, permitam que ninguém os julgue pelo que vocês
comem ou bebem, ou com relação a alguma festividade religiosa
ou ãà celebração das luas novas ou dos dias de sábado. Estas coisas
são sombras do que haveria de vir; a realidade, porém, encontra-
se em Cristo”. E É evidente que se um grupo cristão observa uma
festa judaica, ou qualquer outra, e considera o dia muito espe-
cial, com facilidade, julgará outros, que não observam esse dia,
como não fiéis iià mesma doutrina. Para Paulo, no entanto, a
doutrina essencial não depende da definição de épocas ou dias!
Essa é uma área em que a melhor regra é a da tolerância.
Como é, portanto, que avaliaremos, ã51 luz da Bíblia, a
convicção compartilhada por puritanos ingleses e estado-
unidenses e pela “Lord“s
'Lords Dav
Day Observance Society“
Society' (“Sociedade
('Sociedade
lr,
la
praticando todo o tipo de lazer (inclusive os mais sádicos como
a luta de galos e o “urso-isca“
'urso-isca' _ um esporte em que se atiçavam
cães contra um urso acorrentado). Os puritanos tiveram que
lutar pelo direito de se ocupar no culto ao Senhor sem serem
perturbados. A intenção deles não era, como se costuma pensar,
impor um legalismo atrofiante. De acordo com Thomas Brooks
(Works [Íliabaibos],
[ÍlÍrabalíios], VI): ““E
“E o dever e a gloria
glória do cristão regozijar-
se no Senhor todos os dias, mas, em especial, no dia do Senhor...
Jejuar no dia do Senhor, diz Inácio, não é matar Cristo; mas
regozijar-se no Senhor nesse dia e em todos os deveres do dia...
isso é coroar e exaltar a Cristo”.?
Cristo”.5 A experiência positiva de um
domingo vivido em comunhão com o Senhor é bem evocada
Svvinnock: ““Salve-
pelas palavras de Svvinnoc-lc: “Salve tu que és altamente
favorecido por Deus, o ponto dourado da semana, o dia de
mercado dasalmas,
das almas, o amanhecer da luz eterna, a Rainha dos
dias, o Senhor está contigo, abençoado és tu entre os dias...
Oh! Como os homens e as mulheres se azafamam nos dias da
semana, como a pomba nas aguas, águas, e não encontram descanso
para suas almas até se chegarem a ti que és sua arca, até agarrarem
a tua mão para os receber! Oh! Como se sentam debaixo da tua
sombra com grande encanto, e encontrameiicon tram teus frutos doces para
seu paladar. Oh! A elevação da mente, a felicidade arrebatadora
do coração, a consolação da alma, que em ti desfrutam no Sal-
bendito!”° Jonathan
vador bendito!”ê jonathan Edvvards,i“
Edwardsf grande pregador e filosofo
filósofo
da Nova lnglaterra
Inglaterra (1703-58), em três sermoes, sermões, sem data,
fundamentado na exegese do Novo Testamento e de maneira
fundameiitado
especial em 1Coríntios 16.1,2 e Hebreus I-Iebreus 4.9-11, argumenta
que o domingo é o dia do Senhor e o equivalente ao sabado sábado da
lei de Moisés. Em 1831, foi fundada a Sociedade para a
Obseivância do dia do Senhor [Lord!s
Observãiicia [Lord°s Day Observance Socie-
ty], na lnglaterra,
iyl, Inglaterra, para defender essa mesma convicção.
Mesmo assim não era comum, antes do século xlx, XIX, surgirem
movimentos para defender a posição de que a escolha do dia
(isto é, sábado ou domingo) para o descarisodescanso e o culto ao Senhor
861
Bol

é urna
uma questão de iinportãncia
importância tão fundamental que seraserá decisiva
na questão do julgamento do fim dos tempos. Essa é a posição
que a lgreja
Igreja Adventista do Sétimo Dia defende acerca do
sábado. Esse movimento, devido iia sua expansão missionária,
ao rigor de suas posiçoes
posições sabaticas
sabáticas e aà natureza exemplar de
seu serviço ãà humanidade, merece uma consideração especial
ein um capítulo como este que trata do Quarto Mandamento.
Todo adventista instruído sabe que sua igreja data de um
período, meados do século XIX, xix, em que o pregador “profético“
'profético'
William
Williani Miller tinha anunciado que a Segunda Vinda do
Senhor seria durante o ano de 1844. Quando essa previsão
não se concretizou, alguns de seus seguidores, e de maiieira maneira
especial a jovem Ellen White, argumentaram que o Espírito
de profecia tinha de fato inspirado o moviiiieiito
movimento de Miller,
mas que este se tinha enganado sobre o tipo de vinda em
questão: ““Acompanhado
“Acompanhado pelos santos anjos o Sumo Sacerdote
penetrou no santo dos santos, para comparecer ante a presença
de Deus e empreender sua última obra sacerdotal a favor do
homem, isto é, para proceder ao juízo de investigação e fazer
expiação para todos os que houvessem feito jus a esse beneficio”.“
benefício".“
Tanto Miller como White eram rigorosamente sabatistas em
sua convicção e pratica,
prática, argumentando que o Novo Testamento
não tinha mudado a Lei do Sábado, mas sim o imperador
Constantino (cumprindo a profecia de Dri Dn 7.25), e que a
obediência aà lei moral de Deus, em sua totalidade, requeria a
abolição total da observãncia
observância do domingo. Em 1844, Jesus
não voltou, mas entrou no santuário celeste para iniciar o juízo
de investigação. Quem não observa obseiva o sábado no sétimo dia
será reprovado no “juízo
sera 'juízo de investigação“
investigação' de uma forma tão
contundente como quem adultera ou mata.
A lgreja
Igreja Adventista, ao mesmo tempo que sustenta essa
posição, se considera herdeira da Reforma, chamada para
anunciar profeticamente no nosso tempo os princípios de “so 'só
Cristo, so
só fé e so
só escritura“.
escritura'. Teologicamente,
Teologicarnente, é difícil reconciliar
j95

para a Observãncia
Observância do Dia do Senhor“)
Senhor') de que o domingo
deve ser seguido com o mesmo rigor com que era, o sábado?
Em primeiro lugar, eles têm ein comum com os adventistas a
convicção de que não se trata de uma continuação da lei
cerimonial judaica, mas sim de uma questão de lei moral. Tanto
para os adventistas como para eles é evidente que esse fato, em
si, introduz algumas inodificaçoes
modificações em relação ãà lei tal como era
seguida no Antigo Testamento (neni (nem uns nem outros ensinam
que o culto é no templo ou que, na nossa dispensação, devemos
oferecer sacrifícios de animais).
segundo lugar, tanto uns como outros ficam insatisfeitos
Em seguiido
com a posição de Calvino de que a lei do sábado tem uma
aplicação essencialmente
essencialniente típica ou tipológica.
tipologica. Os outros nove
mandarnen tos são claramente morais e de aplicação permanente:
por que é que uma lei que não tem esse peso deve aparecer no
meio de uma lista de outras leis que claramente o têm? Por isso,
os puritanos não hesitavam em proibir as atividades laborais e
recreativas no domingo. O Parlamento Longo, na Inglaterra,
durante o período em que teve poder, conseguiu impor leis em
concordancia com essas convicções.
concordância coiivicçoes. E óbvio
obvio que o deleite que
eles, pessoalmente e em família, tinham no dia do Senhor dificil-
mente podia ser transmitido a elementos não-puritanos da
sociedade inglesa por meio de legislação! Aqui, consideramos
que, sendo o contexto atual tão diferente, poucas medidas a fa-
vor da observãncia
observância do domingo podem ser implementadas a
nível de legislação. Não obstante, simpatizamos
simpatizainos com medidas
tais como a obrigatoriedade de fechar os centros comerciais aos
mínimo, pelo motivo humanitário de dar
domingos _ no míniino, dat
Êscanso
descanso semanal aos empregados.
ff
'“ Consideramos que os cristãos devem assumir por completo
a cessação de seu trabalho diário no dia do Senhor. As atividades
recreativas também devem ser limitadas de maneira a não
interferir com horários de culto (profissionais da área de espor-
tes convertidos têm que considerar cuidadosamente sua situação
Qõj
Éloj

diante de Deus e, se consideram que devem continuar em sua


atividade, devem adeqiiat
adequar seu horário para que, com
regularidade, possam participar, com seus irmãos, dos cultos ao
Senhor). Hoje, os cristãos devem cultivar a observãncia
observância do dia
do Senhor com o mesmo gosto e entusiasmo que os puritanos
evidenciavam, mas recomendando esse estilo de vida aos seus
contemporâneos não pela tentativa de “converter“
coiitemporãneos 'converter' toda a
sociedade, mas sim pelo exemplo de algo que lhes faz muito bem
e de que gostariam que os outros desfrutassem. Se, por exemplo,
seguem por vocação uma profissão que envolve salvar vidas,
mesmo aos domingos, é obvioóbvio que não podemos recomendar
que não estejam disponíveis nesse dia.
Jonatlian Edwards
Jonathan Edvvards e Walter
“Walter J. Chantry,“
Chatitrj,r,“ autor mais recente,
sugerem, a partir da exegese cuidadosa de Hebreus 4.1-13,4.1-15, que
o repouso sabático deve ser praticado ao domingo. O versículo 9,
“ainda resta um descanso
desse capítulo da Bíblia, afirma que ““ainda
sabático para o povo de Deus” e que ““todo
sabatico “todo aquele que éntra
e`ntra no
descanso de Deus” (v. 10) o fez no domingo, devendo, portanto,
ser esse o dia em que o cristão desfruta o repouso sabatico.
sabático. Se
essa interpretação está correta, é o único mandamento que o
Novo Testamento nos dá acerca do dia que devemos escolher _
e ordena que esse dia seja o domingo!
No entanto, muitos não se sentem convencidos por esse tipo
de exegese. Se por convicção alguns sentem que a observãncia
observância
do dia do Senhor deve ser praticada ao sábado, não vemos razoes
razões
suficientes no Novo Testamento para reprovar essa opção. Vemos
incômodo para o seguimento de sua prática em uma
apenas o incomodo
sociedade que ainda tem vestígios da prática dominical e não
permite que, sem bastante dificuldade em relação a algumas
atividades, eles possam estar livres para seguir sua opção sem
ou'tras áreas. No entanto, achamos lamentável.
prejuízo de ouiras lamentável a
intensa reprovação dos Adventistas do Sétimo Dia a todo tipo
observância dominical; em última analise,
de observãncia análise, sua doutrina do
'juízo de investigação“
“juízo investigação' não deixa aberta a possibilidade de salvação
para ninguém quoque não soja
seja rigorosamonto
rigorosamente sabatista (sora
(será quo
que
1..4.,
eles admitom
olos admitem a possibilidado
possibilidade dode salvacäo
salvação para os Batistas do
Sétimo Dia? Não sabomos).
sabemos). O apostolo
apóstolo Paulo, do
de modo claro,
nos orionta
orienta no sontido
sentido do
de uma maior tolorância
tolerância nossa
nessa qnostão.
questão.

Os outros 'Sábados'

O Ano Sabátioo
Sabático
em quo
O ano om que a torta
terra doscansa,
descansa, apos
após sois
seis anos do
de ot-tploração
exploração
(Lv
[Lv 25.1-7), é roconhocidamonto
reconhecidamente fnndamontado
fundamentado om em saudavois
saudáveis
princípios dode oconomia,
economia, ooologia
ecologia oe hnmanitarismo.
humanitarismo. Quando
Levítico 26.2 Fala
Lovítico fala om
em `sabados*,
`sábados', não so se roforo
refere aponas
apenas ao dosoanso
descanso
somanal,
semanal, mas também a osso esse ano sabatico
sabático ooncoclido
concedido aà torta
terra oe
jubileu quo
ao ano do jubilon que é um tipo do de “sabatico
'sabático dos sabaticos'
sabáticos' (Lv
25.8-55). O ano sabatico,
25.3-55). sabático, além do de sor
ser bonéfico
benéfico para a torra,
terra.
quo
que dopois
depois do doscanso
descanso prodnairti
produzirá molbot,
melhor, sorvo
serve ao proposito
propósito
de, na monto
do, mente dos propriotarios,
proprietários, rolativizar
relativizar souseu sontido
sentido do
de posso
posse
da torta.
terra. Duranto
Durante um ano, cics eles ficam limitados a procurar sou seu
alimonto
alimento nas mosmas
mesmas cor1diçños
condições quo que os sorvos,
servos, os omprcgados
empregados
contratados. os ostrangoiros
contratados, estrangeiros o, e, mosmo,
mesmo, os animais. Esso Esse ano
oferece a oportunidado
oforoco oportunidade do de roflottão
reflexão sobro
sobre a travossia
travessia do dosorto
deserto oe
da total dopondéncia
dependência do de Dons
Deus para tudo. Além disso, não têm tém
oportunidado
oportunidade dode so
se son tirom superiores
sentirem suporioros àqueles
aqnolos que,
quo, por qualquer
qnalquor
motivo, não têm
tém direito
diroito às
as terras
tortas durante
dnranto o restorosto do tempo.
tompo.
Jnbilon
O Ano do Jubileu
O ano do jubileu
jnbilou deve
dovo ser
sor celebrado
colobrado dedo 50 emom 50SU anos,
sendo
sondo também um ano em om que
quo não se so pode
podo semear
somoar nem
nom ceifar.
coifar.
Do fato, nessa
De nossa altura, há dois anos seguidos
sognidos emom que
quo o povo é
obrigado a viver
vivor assim _ o sábado da sétima 'semana
“st-:mana de
do anos'
anos* e,
o,
imediatamente
irnodiatamon to a seguir,
soguir, o quinquagésimo
qninqnagésimo ano. Durante
Duran to esse
osso ano
aqnolos que,
aqueles quo, por qualquer
qnalquor motivo, foram obrigados a hipotecar
hipotocar
suas terras
tortas voltam àa posse
posso delas
dolas sem
som encargos
oncargos ou penalidades.
ponalidados.
Aqueles que
Aqnolos quo foram obrigados a se vender
so vondor como escravos,
oscravos, por ter
tor
snporioros àquelas
dívidas superiores aqnolas que
quo podiam amortizar
amortiaar por meio
moio da
al
hipoteca dmdas tortas,
terras, som
sem ponalidado
penalidade alguma, tém têm do de volta sua
libordado oe sua torta.
liberdade terra. Dossa
Dessa manoira,
maneira, roptosonta
representa um novo começo
para as famílias _ oe rolativiza
relativiza o concoito
conceito do de posso,
posse, já quoque o quoque
se compra é o usufruto da torta
so terra até o proximo
próximo ano -do de jubilou.
jubileu.
Também não so se lcomptal
“com ra' um oscravo,
escravo, mas souseu serviço
servi o obrigatorio
obri atório
1 1 n gn

duranto seis
durante sois anos eo a possibilidado
ossibilidade de do seu
sou servi
serviço
Ê o voluntário du-
ranto o período em
rante om que
quo não podepodo voltar àsas suas terras
tortas _ isto é,
proximo jubileu.
até o próximo jubilou.
Ronald . Siderll
Sidorlo comenta:
comonta: “Chama ateu atonçãoÇ ão o fato dessa
dossa
passagom sobre
passagem sobro o jubileu
jubilou desafiar
dosafiar fundamentalmente
fundamontalmonto tanto o
capitalismo quanto o comunismo. Apenas Àponas Deus
Dons é o proprietário
proprietario
absoluto. Além disso, o direito diroito de do cada pessoa
possoa ter tor meios
moios para
ganhar sua vida tem tom prioridade
prioridado sobre
sobro os “direitos
'diroitos de do proprie-
ptoprio~
dade'
dadol dedo um comprador ou de do uma economia
oconomia de do mercado
morcado
totalmcnto livre.
totalmente livro. Ao mesmo
mosmo tempo,
tompo, esse
osso texto
tottto afirma claramente
claramonto
não só
so o direito,
diroito, mas também a importância, da propriedade propriodado
privada administrada por famílias que quo compreendem
comproondom que quo são
mordomos responsáveis
rosponsavois perante
potanto Deus.
Dons. DeusDons quer que quo cada
tonha recursos
família tenha tocursos para ganhar seu sou sustento
sustonto _ para fortale- fortalo-
cor a família, dar ao povo a liberdade de ser
cer sor co-criadores
oo-criadores da
história
historia eo im edit a centraliza
impodir contraliaação ão do podor
oder eo o totalitarismo
P. 1

quo quase
que quaso sempre
sompro acompanha a propriedade propriodado centralizada
contraliaada da
terra
torta ou do capital nas mãos do Estado ou de do pequenas
poquonas elites”.
olitos".
lnfolizmonto, não temos
infelizmente, tomos informa
informação ão nos re rogistos historicos
istos históricos
1 gn

para saber
sabor seso essa
ossa legislação alguma vez voa teve
tovo aplicação prática.
pratica.
mandamonto divino foi dado por Deus
Contudo, o mandamento Dons _ o povo
quo obedecer
que obodooor só so se
so beneficiará.
bonoíiciata. Fica aberto
aborto o desafio,
dosafio, nesta
nosta
era,
ora, para que
quo os cristãos descubram como implementar implomontar esses ossos
padrões
padtoos dedo justiça ec de do misericórdia
misoricordia nos sistemas
sistomas econômicos.
economicos.

*Sahados' da sociedade moderna


Os 'Sábados'

A Reforma na Terceira
Totcoita Idade
últimoséculo, surgiram novos conceitos
No últirnoséculo, concoitos eo práticas,
praticas, que
quo
nem
nom a Bíblia nem
nom a história
historia humana em
om geral
goral os reconhecem:
roconhocom:
lg.,
Ia
a idéia dode que a partir do
de certa idade as pessoas devem deixar o
trabalho e, por meio dode um sistema, estatal ou particular, para
.oo .qual contribuíram durante sua vida ativa, devem receber
uma quantia regular que permite seu sustento durante o resto
de sua vida. Em muitos casos, quando se trata de um l1omem homem
casado, a esposa continua se beneficiando de sua aposentadoria
apos
após sua morte. Em geral, a idade convencionada para a
aposentadoria do homem é 65 anos _ mas em algumas profis-
sões existe a possibilidade (ou mesmo a obrigatoriedade) de
soes
aposentadoria a partir dos 55 ou oii (SU
60 anos.
Para pessoas que precisam se afastar da responsabilidade
profissões ou que, para ganhar
de suas profissoes ganliar seu sustento, tém têm
profissoes
profissões em que não se sentem realizadas, a oportunidade de
receber o0 necessário para viver, sem a obrigatoriedade de seguir
sua profissão, pode ser extremamente feliz e libertadora.
obrigatória,
Mas, na verdade, o fato da aposentadoria -ser obrigatoria,
pataalgumas
paraalgumas pessoas isso traz angústia e medo, gerando uma
grave crise, como a perda de um ente querido. Muitos passam
a receber um valor mensal muito inferior ao que recebiam antes.
Alguns tém têm que mudar de casa. QLiii`se~.todos
QLii.'.i`s`e~,todos sofrem crise de
auto-estima ao reduzir seu círculo de influéncia. influência. Em muitos
casos, os desentendimentos conjugais aumentam devido ãii
proximidade prolongada, imposta pela situação, com que nem
um nem outro sabe lidar. Em algumas alguinas sociedades, como a
portuguesa, a aflição maior deve-se ao valor extremamente
baixo da aposentadoria. Os aposentados querem ser indepen-
dentes dos filhos, mas não podem, pois é necessãrio necessário que contri-
buam regularmente para que possam viver.
O fato da Bíblia não trazer o conceito de aposentadoria,
não quer necessariamente dizer que ela não deva existir. As
sociedades modernas desenvolvertun
desenvolveram outros sistemas de apoio
que não são inspirados diretamente pelo ensino bíblico, mas que
mesmo assim todos aceitamos como benéficos, por exemplo, o
internamento e cirurgia gratuitos em hospitais do Estado!
100
lüü

Ao mesmo tempo, em pelo menos um sentido, o siléncio silêncio da


Bíblia sobre esse assunto deve servir como alerta. O homem foi
criado para trabalhar e o descanso ordenado deve ser um dia
em cada sete; nada nos diz que ele, a partir de determinada idade,
deve deixar de trabalhar. “Trabalhar`
`Trabalhar` não equivale necessaria~
necessaria-
mente a “ter profissão remuneradal.
remunerada. Conforme a Encíclica
Laborem Exercens, de João Paulo ll, II, de 1981, qualquer atividade
humana, intelectual ou manual, significa trabalho que é uma
dimensão fundamental da existéncia
existência humana. E obvioóbvio que esse
trabalho pode ser remunerado ou não; mas a pessoa deve
continuar a trabalhar, de alguma maneira, até morrer ou ser
impedido por uma doença grave. Não é salutar, para a propria própria
pessoa, encarar os 65 anos (ou outra idade equivalente) como
uma oportunidade para deixar de trabalhar (mesmo que se
dedique a outra atividade que não seja sua profissão). Também
não é justo que os mais novos tenham essa expectativa em relação
aos colegas de trabalho e patroes
patrões ou membros de sua família.
Obviamente, o fato de uma pessoa ter a possibilidade de fazer
outro tipo de trabalho (por exemplo, se dedicar a uma actividade
que antes eta
era um passatempo), independente de ser remunerado
ou não, é um benifício. Contudo, as pessoas serem compulsoria-
compulsória-
inente postas em um tipo de lprateleiral
mente 'prateleira é uma crueldade-que
nenhuma recompensa financeira pode amenizar.
Portanto, concluímos que, como sistema, a aposentadoria
pode ser benéfica. Contudo, o valor da aposentadoria deve ser
suficiente para que se rnantenha
mantenha um nível iiível de vida digno. ÚsOs
idosos devem ter oportunidade de trabalho ou estudo, não
remunerado, que lhes llies traga satisfação e os tornem úteis ã51
sociedade. A Bíblia não diminui o valor da pessoa em conse-
quência da idade avançada, ao contrario, ensina que “o cabelo
quéncia
grisalho é uma coroa de esplendor, e se obtém mediante uma
vida justa"
justa” (Pv 16.31).
16.51). A tendéncia
tendência moderna de desprezar e
descartar aqueles que ultrapassaram certa idade esta está em
ein nítido
contraste corn
com essa sabedoria bíblica.
1U1
101

Férias e Feriados
Tal como em nossas observações sobre a aposentadoria na
terceira idade, temos que reconhecer que o conceito moderno
mês sem trabalhar e um subsídio equivalente ao
de férias, um més
sala'.rio
salário de um més,
mês, não tem registro na Bíblia. No entanto,
consideração o seguinte:
devemos levar em consideraçao
,Fr

a) Na festa dos pães sem fermento não era permitido o


seivil durante sete dias (Ex 25.15; Lv 23.4-B).
trabalho servil 23.4-8).

b) A festa das cabanas durava uma semana (Lv 23.34).

c) Festas que duravam apenas um dia _ a festa da colheita


rrombetas (Nm 29.1), o dia da
(Êx 23.16), a festa das trombetas
expiação (Lv 23.2651)
23.26-31) e a festa do Purim (Et 9.18-32)
9.18-52)
ocasiões, as pessoas se afastavam totalmente de seu
nessas ocasioes,
trabalho e, diante de Deus e com suas famílias, faniílias,
celebravam acontecimentos importantes.

d) Os casamentos eram ocasioes


ocasiões de festa prolongada. Por
exemplo, Juízes 14. 12 menciona
14.12 mencioiia urna
uma festa de casamento
que durou sete dias. Quantas vezes nas famílias estendidas
não tera
terá sido preciso interromper todo trabalho por causa
de casamentos?
encarará com es-
E evidente que o cristão evangélico não oncararri
existência de feriados portugueses relacionados
pecial simpatia a existéncia
com o culto a Maria (Assunção e Imaculada Conceição), com
corn
costumes pagãos (Carnaval) ou com a veneração dos mortos
(Todos os Santos). Entretanto, festejarã
festejará com entusiasmo feriados
Páscoa _ apesar das datas serem conven-
como o Natal e a Pascoa
cionadas e não corresponder aquelas em que se deram os acon-
celebrados. Em todas as ocasioes,
tecimentos celebtados. ocasiões, sente-se livre para
não trabalhar e desfrutar os feriados, como o faz a sociedade
apenas o dever de garantir que seus funcionários
em geral. Tem aper1as
também possam desfrutar o feriado, além de não pressionar
102
1D2

para que os estabelecimentos comerciais estejam abertos,


obrigando outros a trabalhar nesses dias.
aproximadamente ao
As férias, da era moderna, equivalem aproximadmnente
tendência
total de dias festivos observados nos tempos bíblicos. A tendéncia
atual de aglomerar esses períodos ernem um único período do ano
pode ter vantagens práticas. Mas o cristão deve lembrar que as
férias não existem apenas para ele descansar ou “fazer
'fazer o que lhe
llie
apetece”,
apetecei, pois descobrirá em pouco tempo que sua vontade colide
com a vontade de outros membros de sua família! E a experiência
experioiioia
mostra que, muitas vezes, esse período de descanso é um tempo
precioso para reavaliar a vida e as prioridades, individuais e
concordãncia com Deus, torna-se
familiares; quando vivido em concordância torna«se
lproveitosol do que aqueles em que cada
um período muito mais “proveitoso`
um está imerso em suas ocupações
ocupaçoes diárias.
Desemprego
Trata-se de um tipo de °descanso` indesejado e, ein ern geral,
muito prejudicial. E comum ouvir o argumento de que sempre
há trabalho para quem quer. Mas, nesse caso, muitas vezes, vozes,
trabalhar significa se ocupar em empregos temporários sem
garantias e sem receber o salário mínimo estipulado por lei.
Significa jovens com cursos universitários se envolverem em ern
atividades para as quais não precisariam ter cursado além do
ensino fundamental. Significa mães que optaram por deixar
de trabalhar enquanto seus filhos eram pequenos, terem de
continuar a ser 'domésticas' (em casa sempre hzí
há trabalho, nunca,
remuneraçãol), pois depois não têm tom oportunidade para
reingressar no mercado de trabalho.
Os
Qs problemas decorrentes do desemprego são notórios:
notorios: o
seíso
sefioo de fracasso pessoal, isolamento e falta de valorização.
Muitas vezes, o cristão que se encontra nessa situação sofre com
esses problemas tanto quanto o não-cristão. Não nos compete
fenomeno do desemprego
aqui analisar os fatos relacionados ao fenômeno
rio
no âmbito
ãmbito da ecoiiomia.
economia. Maslvlas em relação àã dimensão humana

-Íi¿¢,i..ri,_›,
'K .,r.ĉ1rr..*.
:1
"
9¿›¿_
S3'fl:›
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› “.
r
103
1D3

do problema consideramos que a Bíblia providencia orientação,


pelo menos, das seguintes formas:
1) Na Bíblia, urna pessoa não vale apenas pelo trabalho
remunerado que faz. O homem foi criado ãà imagem e
semelhança de Deus antes de receber a ordem para
trabalhar. Seu valor deve ser medido em termos daquilo
que é, e não apenas em termos daquilo que faz.

2) Como já vimos ao falar sobre a aposentadoria, o trabalho


(que obedece ao ma.ndamento
mandamento de Cn 1.23)
1.28) é muito mais
do que a ocupação remunerada. Uma pessoa pode criar
seu proprio
próprio trabalho,
traballio, passando a receber não um salário,
salario,
mas sim o lucro ou pagamentos ocasionais por aquilo que
faz. Se isso não for possível, ela pode se envolver em
atividade voluntária em uma área area em que se sente voca-
cionada, e, caso a família concorde e colabore financeira-
men te, seu sentido de inutilidade desaparecerá, apesar das
mente,
dificuldades financeiras persistirem.
persistirein.

3) O princípio do `jubileul
`jubileu' no Antigo Testamento sugere
que periodicrunente
periodiczunente deve haver uma nova oportun idade
oportunidade
para todos que foram privados de seu meio desustento
normal. As igrëjas devem advogar abertamente a criação
de oportunidades e fomentar os grupos de apoio mútuo
paragdesempregados.
para /desempregados. Podem providenciar trabalhos
temporários, voluntários ou com pequenos subsídios
ãmbito de seus projetos específicos, para
financeiros, no âmbito
pessoas que estão com dificuldade em conseguir emprego
rio
no mercado de trabalho. Devem cultivar um ambiente
de apoio mútuo e de sensibilidade para que os desem-
pregados tenham um sentido de seu valor diante de Deus,
como também saberem que sua vida é 'útil°fútil* de várias
maneiras.
104
1-U4

Notas
1. Filon
liilón de Alexiintlria,
olexanrlria, “Decálr¬.›gr';+”`,
“Decál0g0”, '1[lÚ. 100.
2. rf'1pologia,_Iustino,
Apologia,]ustino, 1, ol 67.
3. “Our Sabbath Heritage”,
Heritage”,jan1es _]ames firrábito.
Arrábito.
4. “l"é
“1"é para Hoje”, £Íonliss:z`io
Confissão de l*`é lfé Batista rle
de 1-15-89,
1689, ed. Fiel, 1991.
5. “Among Got:l*sGod's Giants”,
(šiants”,_]. _]. 1.
I. Packet, Kingsvsav,
Kirigsway, 1991.
o.
6. Up.
Op. cit.,pp. 311'-318.
31?-318.
T.
7. “The Wlorlts
\\Q"orks of jonathan Lid¬¬.vards”,
lidxvards”, em dois volumes, erl. ed. Banner of Truth a
1994.
1974.
fl.
8. “U
“() Conflito
(Ionflito dos Séculos”, Ellen G-.1r`f¿«"hite,
G. White, etl.
cd. Casa Publicarlora
Publicadora Brasileira, cp
EH.
28.
9. “U .«"rbalo
Abalo do rladveotismo”,
Adventismo”, Geriffrevj.
Geoffreyj. Paxton,
Paxtori, ed._ILlERP,
ed._IUERP, 1953.
1983.
ll). “U
líl. “() Ealtrot
Sabor do Bal”,
Sal”, .="'tlan
Alan Pallister, erl.I\1úeleo,19B3.
ed. Núcleo, 1983.
11. “Call the Sabbath a Delight”, `s'{«'alter \Valter Clirrritrv,
(lliaotry, ed. Banner of Truth, 1991.
12. “Rich Christiaos
Christians in aoan Page
Age of Hunger”, Ronalrlj.Ronaldj. Sider, ed. ÍVP,
IVP, 1984.
caPíTuLo 5
casíturo

Pais e filhos

teu pai e trra


Honra ten rua mãe,
mãe. a finr
fim de que tenhas vr`da
vida longa na terra que
o Snvntaa. 0 teu Dons.
5ENHrJrr, o Deus. re dá
da' (Ex
(Êx 20. 12).
Honra ten
teu pai e tna
rua mãe, como te ordenou o .5`rz1'vH-GR,
SENHOR, o teu Deus, para
que tenhas longa vida ec tudo te váva' bem na terra
rena que o Siërvl
SENJ ƒrla,
IUR, o ten
teu
/ñens,
/ñetis, te dá daí (Dt 5.16).
A versão do mandamento em DeuteronomioDeuteronômio acrescenta
urna
uma nota de énfase
ênfase ã:Í-1 versão do Êxodo, lembrando o povo de
que recebeu essa ordem anteriormente quando a lei foi dada.
Acrescenta também a promessa de que a recompensa para
quem obedecer
obedecer' será não apenas quantitativa (viver mais tempo),
mas também qualitativa (a vida lhes irá bem). Efésios 6.2,Í›,
62,5, ao
comentar esse mandamento aponta o fato de, pela primei
vez, ser incluída uma promessa.
promessa- /
Questoes:
Questões: Em uma epoca em que a familia nuclear, pai e
mãe casados que se ocupam juntos da educação dos filhos,
decadência, urge questionar se esse
parece estar em manifesta decadéncia,
modelo realmente corresponde as às intençoes
intenções de Deus. A família
encontramos no livro de Gênesis, por exemplo,
que encrmtrarnos exemplo. é uma
família nuclear parecida com a nossa tradicional ou existe
alguma diferença significativa? Quais foram os padroes padrões e os
desvios desse modelo que existiram na época do Antigo Testa-
mento? O que está englobado na palavra “honrar” usada nesse
mandamento? Haverá alternativas válidas para a educação dos
106
lüo

filhos em uma sociedade que, por princípio, parece rejeitar


aquilo que é tradicional? Quais serão os lirnites
limites dessas alterna-
tivas? Como é que os idosos devem ser tratados ern
em famílias que
desejam seguir os padroes
padrões bíblicos? Como lidarnos
lidamos com a
estranha combinação de distanciamento e respeito com que
Jesus encarava as famílias na sua época, em especial, com a
condição que ele impoe
impõe aos seus discípulos de aborrecerem
seus pais, mães, mulher e filhos (Lc 1426)?

históricas
Abordagens historicas
Encontramos no Antigo Testamento uma estrutura chamada
'famílial
'família' que era bastante mais ampla do que aquela que hoje se
costuma chamar 'família nuclearl.
nucleaf. Christopher H. Wright'
diz: “A família *normal`
`normal' era um lar alargado (ou lestendido').
`estendido'). Esse
amálgama de famílias de duas geraçoes
gerações inter-relacionadas podia
abranger até quatro geraçoes
gerações com apenas um líder, além de seus
servos e outros dependentes. Grande parte delas era economica-
mente autonoma
autônoma e ligada na segurança coletiva do clã e da tribo”.
Havia um sentido arraigado de que, para formar uma nova
I-lavia
família, um homem devia deixar seu pai e sua mãe (Cn (Gn 2.24),
mas, na nossa sociedade, costumamos pensar que isso significa
distância física. Na Bíblia, o casal que tinha “deixado” de lado sua
distãncia
antiga relação com pais e mães, na maior parte dos casos ainda
vivia na mesma unidade familiar que eles e mantinha uma atitude
de submissão e respeito para com eles. Ao longo deste capítulo,
teremos oportunidade de ponderar algumas irnplicaçoes implicações
decorrentes do fato das famílias terem sido alargadas (ou
lestendidas`)
“estendidas`) e também alguns erros que, sernsem a conscioncia
consciência dessa
fímdamental, podem advir da aplicação muito rígida
diferença fundamental,
dos ensinamentos bíblicos.
No grego clássico a palavra lpail
`pai` pode se referir ao patriarca
de uma família ou, no plural, aos ancestrais em geral. Pode ser
título de honra para um ancião ou para um venerado filosofo
um tíj:ulo filósofo
ou professor. No mundo hebraico, o `pai° `pai' pode também ser o
10?
lüi'

avô que é cabeça da família estendida ou pode ser um ancestral


avo
já falecido. Enquanto vivo, ele tem a responsabilidade de
alimentar, proteger e educar sua família e funciona como o
sacerdote dela (Ex
(Êx 12.5). O envelhecimento dos pais não diminui
o grau de submissão e respeito que os filhos lhes devem; estes se
mantêrn
mantêm em todas as circunstãncias:
circunstâncias: “Ouça o seu pai, que o gerou;
não desprezo
despreze sua mãe quando ela envelhecer”
envelhecer" (Pv 23.22).
25.22).
Embora o sentido mais natural da palavra lgerarl “gerar” seja ser pai
biológico direto, o fato é que a palavra é usada em várias genealo-
biologico
gias para designar a relação que um avo avô tem com o neto, ou um
bisavô corn
bisavo com o hisneto
bisneto (cf., por exemplo, a condensação da
Mt 1.1-17). Por essa razão, o autor de Hebreus
genealogia entre lvít
lombos' de Abraão, seu pai (na verdade,
disse que Levi estava *nos lombosl
seu bisavo),
bisavô), quando lvlelquisedeque
Melquisedeque saiu ao encontro de Abraão.
Hoje consideramos uma interferência o fato de urn um avo
avô
tentar alterar ou corrigir a atitude que seu filho toma com os
netos. Em Gênesis 48.11-22, Jaco Jacó abençoa seus netos, os dois
Jose (de que o mais velho
filhos de José, interfere no critério de José
deve ser abençoado primeiro), os dois discutem o assunto, e
José
josé (_que
(que hoje teria a última palavra) so se submete ao seu pailpai!
O Antigo Testamento tem relatos significativos de pessoas
que mantinham uma relação indevida, idólatra, idolatra, com suas
famílias. O princípio de amar a Deus acima de todas as outras
pessoas significa que mesmo a família imediata fica em segundo
lugar. O sacerdote Eli, cujo principal defeito foi não disciplinar
devidamente seus filhos, ée' seriamente repreendido por Deus,
por meio de um profeta: "Por “Por que vocês zombarn
zombam de meu
sacrifício e da oferta que determinei para a minha habitação?
Por que você honra seus filhos mais do que a mim, m im, deixando-os
engordar com as melhores partes de todas as ofertas feitas por
Israel, o meu povo?” (1Sm 2.29; grifo do autor). Abraão é o
supremo exemplo de um pai que não amou mais seu filho do
obediência a51 ordem divina se dispos
que a Deus, pois em obediéncia dispôs a
Isaque (Cn
sacrificar seu filho lsaque (Gn 22).
_:-| .

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fig' :Ê os-1 Íw'1='r|‹_"`i5*
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.- -_
¡-

103
108

No relato de Absalão, o filho rebelde de Davi, vemos o caso


típico do jovem que julga que seu pai já não tem capacidade
para executar suas responsabilidades e que pretende substitui-lo
substitui'-lo
(2Sm 15.1-6). Hoje, uma analiseanálise típica da situação naturalmente
salientaria todas as falhas que o pai cometeu na educação desse
filho (que, sem dúvida, existeml), mas aqui tanto a avaliação do
próprio
proprio texto (“Assim
(”Assim ele foi conquistando a lealdade dos homens
de Israel",
Israel”, v. Gb) como os acontecimentos posteriores que levam
àa morte do filho rebelde, sugerem que para Deus o principal
culpado não é Davi, mas sim Absalão. Seu comportamento é
um flagrante atentado contra o quinto mandamento.
Não há evidência significativa de que as estruturas familiares
tenham sido muito diferentes entre os judeus da época do Novo e
do Antigo Testamentos. O quinto mandamento é repetido
substancialmente em Mateus 15,4, Marcos 7.10, Lucas 18.20 e
Efésios 6.2. A impressão geral que colhemos de uma leitura do
Novo Testamento é que as estruturas familiares na sociedade
judaica eram bastante fortes,fortü, e que Jesus teve muitas vezes que
insistir para não pusessem esses relacionamentos àã frente dos
imperativos do reino de Deus. Quando, mais tarde, o cristianismo
penetrou na sociedade greco-romana a situação era bem diferente,
as estruturas familiares estavam minadas e as pessoas precisavam
proprio significado do que era a união do homem e
reaprender o próprio
da mulher e, juntos, terem filhos. Mateus lvlateus 1034,35
10.314,35 retrata corno
como
as famílias
familias criaram pressões
pressoes que não davam espaço para os valores
do reino de Deus: “Não ”Não pensem que vim trazer paz àã terra; não
vim trazer paz, mas espada. Pois eu vim para fazer que o homem
fique contra seu pai, a filha contra sua mãe, a nora contra sua
sogra”. Jesus foi obrigado a afirmar que para o seguir era preciso
possoa “aborrecesse”
que a pessoa ”aborrecesse” seu pai, sua mãe e outros familiares (Lc
14.26); aqui, a palavra “abor/Ãrecer”
”ab0r:çecer” tem o sentido de “amar menos"
”amarmenos”
ou “pôr
"por em segundo lugar”.
luga_r”i
Mas, na sociedade grega os valores eram
sociedade-'grega erarn distintos. Em
Corinto, por exemplo, o culto prevalente era dedicado a Afrodite,
cm rt
se rg on-
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a deusa grega do amor e o verbo ltorinrl1ia.zer'n


koririthiazein (que poderíamos
traduzir por lcorintianizarl)
'corintianizar”) signifiealia
significafia viver uma vida de licen-
ciosidade sexual. A religião oficial envolvia a prostituição, as mil
sacerdotisas do templo desciam para a rua todas as noites onde
desempenhavam sua atividade. O ldeus” 'deus' Apolo também tinha
estátuas espalhadas por toda cidade, onde os adoradores de sexo
masculino erarn
eram incentivados ãà prática
pratica da homossexualidade.
Esse ambiente de licenciosidade explica a indiferença que
os crentes em Corinto mostraram em relação ao fato de um
homem viver com a mulher de seu pai, o que, em outra época
e contexto, seria motivo de escãndalo
escândalo (lCo(1Co 5.l,2). Explica
também por que o apostolo
apóstolo Paulo justifica casamento mono- monó-
gamo alegando que a prostituição é uma grande tentação (1Co
7.1,2).
7.I,2). Não imaginamos alguém escrevendo uma recomen-
dação desse tipo em um contexto judaico!
Toda essa desintegração familiar é típica de uma civilização
em--profunda crise. E Lima
uma sociedade, como a atual, em que os
filhos pagam um alto preço pela abertura excessiva e desleixo
dos pais. EÉ uma sociedade
Sociedade em que muitos filhos não conhecem
o pai, muitas vezes, nem a mãe, poucos conhecem um relaciona-
mento conjugal harmonioso que os ensine como se relacionar.
Posteriormente, na época de Agostinho (554-450), (554-430), tam-
bém encontramos urn um ambiente de bastante *liberdade
'liberdade sexual”.
O jovem Agostinho, antes de sua conversão, teve seu primeiro
filho com uma concubina. Esta, como`era típico na fase de
decadência do Império Romano, era uma dona de casa e mãe
de um filho, mas não era objeto do amor romãntico romântico nem de
classe social tão alta como seu companheiro. O jovem Agos-
tinho, por ambição material, a abandonou para procurar uma
herdeira-rica.
herdeira rica. Essa con cubina já tinha um filho, depois teve outro
concubina
com Agostinho, a quem parece que este aqjou amou bastante. Mas
Igreja Catolica
esse tipo de situação era tão normal que a lgreja Católica passou
a tolerar o concubinato, contanto que er--paro.--par permanecesse fiel
um ao outro. O proprio
próprio Agostinhodepois assumiu uma posição
110

mais coerente com os princípios bíblicos, apesar de ele mesmo,


em sua juventude, ter vivido uma relação desse tipo.
Nos tempos bíblicos já aparecem alguns sinais de ascetismo,
a noção de que há uma vida superior de devoção a Deus em que
urna
uma pessoa não tem conjugecônjuge nem filhos. Os essênios, entre os
quais alguns pensam que João Baptista pode ter passado alguns
anos de sua vida, eram um grupo separatista e celibatário. O
apóstolo Paulo tinha vocação para a vida celibatária
apostolo celibatzíria (é provável,
que ã_épfoca
à_é[íoca de sua conversão fosse viúvo ou separado, uma vez
que sua mulher se mantém afastada) que recomendou como um
dos dons que o Senhor concede (a uns, não a todos; cf. 11Co Co 7.7,8.
7.7,B.
Devido àã crise moral que havia àã época, ele achava que era melhor
se as pessoas conseguissem seguir essa opção (1Co 7.26-31).
17.26-31).
O surgimento do ascetismo monástico, nos séculos Ill nl e tv,
rv,
pode ser explicado de diversas maneiras. Aqui, é possível ver a
influência
influéncia do apóstolo
apostolo Paulo _ ou mesmo do solteiro Jesus.
Contudo, Jesus nunca ensina a superioridade do celibato e o
apostolo só
apóstolo so a ensina de forma moderada, conforme já observamos.
Talvez, mais significativo tenha sido o fato da igreja sugerir que
trmismitido pelo ato sexual, posição esta
o pecado original era transmitido
que teve forte apoio de Agostinho, e que a procriação era uma
vocação válida, mas inferior em relação ao celibato. Até àã época
Catolica, não se perdera essa noção
do Novo Catecismo, da Igreja Católica,
de vocações
vocaçoes superiores (celibatãrias)
(celibatárias) e inferiores (que podem
incluir casamento e geração de filhos): “Os"Os conselhos evangélicos,
em sua multiplicidade, são propostos a todos os discípulos de
Cristo. A perfeição da caridade, a que todos os fiéis são chamados,
comporta, para aqueles que livremente assumem a vocação da
vida consagrada, a obrigação de praticar a castidade no celibato
lliíeinol, a pobreza e a obediência. E a profissão
por amor do 'Reino',
desses conselhos, em um estado de vida estável reconhecido pela
Igreja,
lgreja, que caracteriza a vida consagrada a Deus”.¿
Deus”.?
Mas, também é verdade que a idéia do celibato floresceu de
modo especial como
corno reação, em um período em que o Império lmpério
111

Romano desvalorizava o modelo judaico e cristão da Bíblia de


uma forma que so só pode ser comparada com a situação que se
vive na sociedade do princípio do século xxl.XXI. A reação pode ser
profética: as comunidades monásticas muitas vezes são descritas
por elementos que estão imersos no tipo de vida oposto. Por isso,
não devemos exagerar na apreciação que fazemos dos votos
celibatários,
celibatãrios, não significam necessariamente uma mentalidade
doentia, nem a idéia de que os cristãos que se casam, em decorrén-
decorrên-
cia disso, se.-poe
sepõe em uma posição menos digna diante de Deus.
O período da Reforma, entre outros valores redescobertos,
Martinho Lutero
permitiu uma nova ênfase no valor da família. lvlartinho
escreveu corn
com bastante realismo sobre o valor de ter uma esposa
e filhos. Quando um de seus filhos, ainda bebê, chorou durante
situações que os pais
uma hora, ele comentou: “Devido a essas situaçoes
da Igreja deram tão pouco valor ao casamentol”. Chegou a admi-
tir a possibilidade de que o pai, chefe de família, estendesse as
fraldas para secar. Admitiu que os vizinhos podiam rir, mas disse
só podiam
que perante essa situação Deus e os anjos so podiarn sorri r!?
r!5 Vemos
a extrema ternura de um pai pela filha quando Magdalena, com corn
catorze anos, esteve gravemente doente e depois faleceu. O pai
não conseguiu se alegrar, apesar de saber que ela estava born bem na
presença do Senhor, por sentir tanta tristeza por sua perdafl
perda*
Calvino também frisou o valor positivo davida familiar,
atribuindo grrmde
grande responsabilidade aos pais na orientação dos
filhos e aos filhos em seu dever de honrar os pais: “Que os pais
cuidem de alimentar, guiar e ensinar seus filhos, pois assim Deus
recomendou: não os tratem com excessivo rigor, senão com a
doçura e mansidão convenientes; e os filhos, como ternos temos dito,
que lhes dêem a reverência e submissão que lhes devem”.?devem”.5
A noção de que tratar'
tratar da educação e orientação de filhos é
uma vocação menos digna do que a vida religiosa, e a idéia de
que o religioso ou pastor devem ser celibatários, foi posta de
lado na visão dos principais reformadores.
puritanos cultivaram com grande entusiasmo os valores
Os puritapos
da farníliagefistã.
famíliiayefistã. Ao contrário da imagem urn um tanto severa e
1-
ascética que se costuma projetar nesse grupo, em muitas obras
que ainda hoje podem ser lidas e apreciadas, há abundante
evidência de uma visão positiva e alegre em relação ao casamento
e ãà paternidade. J. l. Packet cita Gaius Davies:“
Davieszf* “Os pregadores
frisavam que o amor é a fonte de todos os deveres dos pais. h/las Mas
os filhos não devem ser mimados; os pais não devem, como os
síprios,
síplios, matar seus filhos com abraços. O exemplo dos pais ée o
maior estímulo ã:`1 santidade, especialmente o da mãe, cuja
influéncia
influência durante os primeiros anos dos filhos é maior... A
educação deve começar tão cedo quanto possível, embora deva
ser cuidadosa, a religiosidade é mais importante do que a
erudição, e os professores devem ser escolhidos com essa perspec-
tiva em mente... A primeira instrução da criança na religião deve
ser adaptada ãà sua idade. Assim, as sementes da piedade são
semeadas cedo. A atitude puritana perante as crianças difere da
de alguns modernos que esperam que a conversão de uma criança
seja uma experiência dramática... Para esses homens, a piedade
devia ser mostrada na rotina diária e na tarefa comum, muito
mais do que em qualquer outro loga lugar.r. A santidade não devia ser
procurada fora dos deveres diários, fosse isso para um ascetismo
espúrio ou na procura de experiências dramáticas. “Religião
'Religião pura
soprando as leis domésticas*
domésticas' não era para eles a visão de um poeta,
mas um programa prático e, em muitos casos, um ideal bem
realizado”.
A religião popular portuguesa tem algumas particularidades
relativas ãa questão da Eunília
família e nomeadamente dos filhos que se
distanciam muito dessa perspectiva evangélica e bíblica que
acaba mos de citar. Consideremos as seguintes citaçoes
citações de Moisés
do Espírito Santo, em A Religião .Popular
Popular ,Porruguesazf
Portuguesa?? “Para os
homens, a religião catolica
católica é *um
'um assunto de mulheres*,
mulheres”, não por
que sejam elas quem mais frequentam os cultos religiosos (o que
só é verdade quanto aos atos não obrigatorios,
so obrigatórios, já que o culto de
domingo éÉ: tão respeitado pelos homens como pelas mulheres)_,
mulheres),
E1135
ZTIZIS pill'
POY QLIIÍÍ
QUÊ Sl-”lÚ
S1-IO Élllfi,
€l;1S. I`I`lflL`!~¡,
|`l`l¡i(.`S, CHPIÍIHLIS
CSPUSLIS ULI
OU Ililllvíilfš,
I`IOl\'£lS. qltlfi
qllll F11`lÍ'SSlÚl`lE11`l1
pI'€SSiOl`l3l`fl IÍÍI5OS
113

homens para frequentar a igreja. Em uma fmnília família em que a mãe


não vai aà missa, ninguém vai. Se perguntar a um homem por
que frequenta a igreja, a resposta varia apenas na forma: *Não “Não é
que eu acredite em tudo o que lá se diz, mas se não for minha
mulher protestarzf, 'É para fazer a vontade de minha mulher
protestará*, ou: *E
ou noiva*,
noiva', ou: *lsso
'Isso so
só interessa as
às mulheres*.
mulheres'. Se, por outro lado,
a mão
mãe é a única a frequentar a igreja é por que existe na família
um problema de autoridade, e ela deixou de controlá-la, como
acontece nas famílias operárias. O *maior'maior desgostq*
desgosto' de algumas
mulheres é que o marido ou filhos não mais pratiquem a religião;
elas, então, acusam outras mulheres, como a amante ou a nora
(concorrentes da mãe) de lhos roubarem. Nas zonas onde o poder
do pai é mais forte, nos meios operários ze citadinos, os homens
que frequentam demasiado as igrejas são vistos como efeminados
qtre
ou como machos frustrados”.
“O pároco da freguesia desfruta de uma posição privile-
giada que não se deve apenas ao seu cargo eclesiástico. Ele devo deve
prirqeiro é de pai”. Fica assim
desempenhar diversos papéis, e o prim_eiro
minado o princípio do pai como o *coordenadorcoordenador e principal
responsável diante de Deus pela sua família e nomeadamente
pelos seus filhos.
Por outro lado, o conceito vitoriano de família também
distorções que a sociedade moderna teve que
envolve sérias distorçoes
rejeitar. A idéia do lar como uma ilha, em que o homem cansado
se refugia apos
após sua lida diária no duro mundo dos negocios
negócios _-
onde governa sua mulher, a *Rainha
`Rainha do lar*,
lar', protegida de todas
as realidades mais duras e entregue aà tarefa de supervisar
supewisar a
educação dos filhos _ envolve uma separação de papéis muito
rígida. Essa é outra versão do conceito matriarcal que, com
reieitada em nosso tempo.
correção, tem sido rejeitada
Tanto a tradição popular portuguesa como a tradição
vitoriana dão um lugar de destaque aà família, mas tendem a
estereotipar os papéis do pai e da mãe, sem produzir um envol-
saudzível e sacrificial de ambos. O homem se transfor-
vimento saudável
114

isenhor' e tem um papel distante; sua *dignidadel


ma em um *senhor* “dignidade é
um valor imposto para toda a família, mas não o adquire medi-
ante um genuíno espírito de serviço.
Na cultura estado-unidense durante décadas prevaleceu um
conceito de família, agora considerado tradicional, fortemente
influenciado pela tradição puritana e pelos valores bíblicos. Nesse
coiitieito, embora a mulher seja exclusivamente dedicada as
conooito, às
tarefas domésticas, o homem tende a ser uma figura mais humana
e mais diretamente envolvida no lar e na educação dos filhos.
James Dobson, famoso conselheiro familiar, deixa transparecer
em muitos de seus escritos uma influência absolutamente decisiva
de seu pai, um modelo que parece estar presente em sua mente
muito mais do que o de sua mãe. Dobson dá testemunho do
falhado com sua família, em uma época em que se
fato de ter fflhado
dividia entre o trabalho de professor em uma escola de medicina
e de também ser uma figura popular e muito procurada para
em jornais e televisão. Seu pai lhe escreveu para dar
entrevistas ern
os parabéns, mas também para dizer que todo o sucesso do
mundo não compensaria se ele falhasse no lar: “Lembrou-me
que o bem-estar espiritual de nossos filhos era minha responsa-
bilidade mais importante e que a única maneira de consolidar
sua fé era ser um modelo para eles e depois permanecer de joelhos
em oração. lsso
Isso não podia ser feito se eu investisse todos meus
recursos na minha profissão. Nunca me esqueci desse conselho
profunclo”.“
profunclo”.8 E É evidente que esse conceito de família está se
desmoronando em muitos meios. Hillary Clinton, esposa do ex-
dosmoronando
presidente Bill Clinton, frisou esse fa*to
fato em um discurso feito na
Universidade de George Washington, em maio de 199-'-Í: 1994: “Se
alguma vez consistiu nisso, a família estado-unidense já não
consiste em dois pais, dois filhos, um cão, uma casa com cerca
branca e um carro na entrada. Em lugar de famílias parecidas
com os Cleavers (da série televisiva) temos famílias que incluem
bebês-proveta e mães de aluguel. Em lugar de jantares familiares
nos domingos aà noite, temos agora chamadas telefonicas
telefônicas através
115

do país. Em lugar de tios e tias e avos


avós e avos,
avôs, temos amas secas e
centros de recreação”.“
recreação”.') A sra.
sta. Clinton não parece lamentar este
fato, mas apenas exorta que todos os concidadãos se considerem
como membros de uma família estendida. Não há dúvida que
em muitos setores esse conceito tradicional está sendo substituído
_ e não há dúvida de que os atuais conceitos estado-unidenses
são divulgados com uma eficiência extraordinária em todo o
mundo moderno. Contudo, Dobson deixa bem claro que a
mudança em seu país não tem sido tão radical como a sra. sta. Clinton
e outros querem dar a entender. Milhoes Milhões de casamentos
monogarnos
monógamos ainda existem, com laços de afeição inquebrãveis,
inquebráveis, e
75% dos filhos ainda vivem com os dois pais.
Mas, em um sentido, Dobson admite a existência de
mudanças profundas. Como o conceito tradicional de família Éé
contestado em muitos setores, os pais de hoje sentem mais do
que nunca uma profunda insegurança em relação ao seu papel
como educadores dos filhos. Dobson, em uma pesquisa que
realizou, obteve respostas como as seguintes: “Não sei lidar com
os problemas dos merrs
meus filhos**;
filhos”; “Não consigo fazer corncom que eles
se sintam seguros e amados**;
amados”; “Perdi a confiança na minha capaci-
dade de os educar”.l“
educar”.1° Em outras épocas, nunca aconteceu dos
pais serem tão abertamente culpados pelos problemas dos filhos
por ser mais possessivos ou por não os apoiarem o suficiente. A
educação religiosa dada pelos pais nunca foi tão contestada. Um
psiquiatra escreveu um livro sobre os perigos da formação
religiosa, acusando os pais de asstrstarern
assustarem seus filhos com sua
conversa sobre o outro mundo. Em parte, essa insegurança se
justifica devido aà quantidade de *rninas*
'minas' postas no caminho dos
filhos hoje: droga, sexo pré-matrimonial, rebelião e estilos de
vida desviados. Acredito que ninguém tem dúvida de que essa
insegurança tem invadido o contexto europeu, ainda mais do que
nos Estados Unidos, e está
esta minando o papel da fiunília
família tradicional.
Em outros contextos culturais, as estruturas familiares ainda
podem estar bem delineadas, não tendo sofrido as mudanças
116
ilo _,
IJ'
.I

estado/:unidense e
estruturais que assolaram as sociedades esta_do/-'unidense
européia. O autor Chua Wee I-lian“, por exemplo, foca situa-
çoes em que a obediência a Cristo causará ao jovem convertido
ções
sérios dilemas com a cultura e exigências dos pais. O que deve
fazer um estudante, convertido ao cristianismo, que vive em um
chinos, no dia em que os pais exigem que queime
contexto religioso chinês,
incenso na sepultura ancestral? Ou um estudante africano, na
mesma situação, que sabe que deve casar com uma crente, mas
ao chegar em casa, descobre que os pais já combinaram um trm
casamento com uma menina de sua tribo? Nessas circunstâncias
circunstancias
as tradições
tradiçoes familiares têm um peso enorme e podem entrar em
choque com as exigências do discipulado cristão. E, naturalmente
a resposta mais correta seria a atitude de maior compreensão
possível e tentar não ferir as suscetibilidades dos pais além do
que é estritamente indispensável. Se não, como poderemos alegar
que recomendamos a obediência ao qujntoquƒinto mandamento?

doantigo Testamento
Pais e filhos no ensino do"Antigo
O Antigo Testamento ensina claramente que o pai é 0o chefe
da família e o portador da bênção divina. As artimanhas de
Rebeca (Gn (Cn 27),
22'), determinada a garantir a bênção
bénção divina para
Jaco, são um
seu filho mais novo, Jacó, rrm bom
born exemplo do peso pratico
prático
que a influência de uma mãe pode ter, mas servem para ilustrar
o fato de que a bênção divina só so pode ser transmitida por meio
do pai. Em Josué 24.15, um chefe de família se põe poe diante do
Senhor e assume um compromisso em seu nome e de toda a
família. Contudo, no quinto mandamento, não se atribui ao
pai uma autoridade ou valor sem levar em consideração sua
mulher. Como ensina Gênesis Gonesis 2.24, o pai e a mãe,
rnãe, profunda-
mente unidos, devem ser honrados.
'izionrarí
*lf__lonrat* é um verbo que vem da raiz que significa 'peso,.
*peso*.
Quando honramos alguém, lhe atribuimos o peso ou prestígio
que sua posição merece. Isso lsso não nos autoriza a honrar aos
nossos pais só so até nossa maioridade ou até eles se aposentarem.
Como já vimos, o pai josé, José, já na meia idade, tem que qrre se
117
11?

submeter aos critérios de seu pai, Jaco, Jacó, em relação aà bénção


bênção
dada aos serrs
seus dois filhos, mesmo que entenda que isso é rrm um
erro. Em Provérbios 23.22, lemos: **Ouça "Ouça o seu pai, que o
gerou; não desprezo
despreze sua mãe quando ela envelhecer”.
O pai tem as funçoes
funções não apenas de sustentador, protetor
e educador dos filhos, mas também desempenha uma função
claramente religiosa em sua família. Êxodo 12.5 12.3 relata sobre
os pais que ofereceram sacrifícios por seus filhos. Em muitas
passagens vemos o pai ensinando seus filhos sobre as questoes questões
da fé, explicando o significado dos símbolos (Ex 1226,27),
transmitindo os preceitos (Dt 620,21;6.20,21; Is 38.19), explicando
o sentido da historia
história (Dt 32.7) e aconselhando para que possam
seguir o melhor caminho (Dt 32.46). Ele assumia essa responsa-
bilidade não apenas com seus filhos biológicos,
biologicos, mas também
com os servos
sewos que estavam sob sua responsabilidade (2Rs 5.13).
No livro de Provérbios o tema de pais (e mães) e filhos é rrm um
dos mais importantes. Parte-se do princípio de que o castigo fisicofísico
faz parte do processo de orientação dos filhos (Pv 15.24;
2313,14). Como a *insensatez*
'insensatez' está
esta ligada ao coração do menino
(conceito bem pessimista da natureza humana _ quando con-
frontado com a mentalidade atual!),
atuall), convém aplicar a vara para
a afugentar (22.15)!
(22.15)l Quando o filho é deixado so só (*entregne
('entregue a si
rnesmo*
mesmo' _ 29.15), torna-se motivo de vergonha para os pais.
Mas não devemos pensar que se trata de uma pedagogia de ter-
ror! A relação afetiva é o contexto em qrre que mais se aprende sobre
os caminhos de Deus (4.1-5), o jovem ensinado com a combina-
ção certa de firmeza e carinho ganha segurança e firmeza nas
decisões que toma na vida (5.23;
decisoes (3.23; 4.12).
Embora o autor dos Provérbios saliente mais o papel do
pai na educação dos filhos, coloca o pai lado a lado com a mãe
e não faz uma distinção significativa entre o papel de um e de
outro (6.20; 10.1).
Provérbios assegura aos educadores cuidadosos que seus filhos
se beneficiarão durante toda sua vida da formação que lhes foi
dada desde a infancia:
infàticia: **lnstrua
"lnstrua a criança segundo os objetivos
118

que você tem para ela, e mesmo corn com o passar -dos anos não se
desviará deles” (22.6). Mas como diz John Whitelf,
White'3, psiquiatra
cristão: **Esse
“Esse versículo não pode garantir que literalmente todos
os filhos educados nos carninhos
caminhos de Deus, seguirão esses caminhos
durante toda sua vida. O versículo ensina aquilo que é mais
provavel, o fa.to
provável, fato de alguns filhos se desviarem do ensino que
receberam não significa necessariamente que os pais tenham
falhado. Um filho pode ter urna uma natureza preguiçosa (10.5);
outro pode se envolver com prostitutas (5 5).3) ou ser extremamente
pressionado por companheiros que desejam sua participação em
uma vida de crime (1.10-14); pode gmtar gastar todo o dinheiro de
(28.24) ou mesmo expulsar de casa sua mãe viúva
seus pais (28.2-4)
próprios filhos
(19.26). Provérbios claramente responsabiliza os proprios
(29.3; 2.2),
pela rebelião e o desrespeito em relação aos seus pais (29.5;
como oé obvio,
embora, corno óbvio, afirrne
afirme também que se o filho fica
entregue a si mesmo, o mais provável é que tenha esse tipo de
(2915).
atitude e comportamento (29.15).
mandamento, que fala sobre a idolatria, verifica-
No segundo mandarnento,
mos que os vícios de uma geração podem ser transmitidos aos
gerações (Ex 20.5). Contudo, não
filhos até a terceira e quarta geraçoes
devemos pensar que os filhos podem desculpar seus erros devido
aà orientação que receberam. Além do fato de Provérbios tantas
vezes responsabilizar os filhos por aquilo que fazem com a orien-
tação que lhes é dada, o profeta Jeremias toma posição contra
um certo espírito de fatalismo que levava as pessoas de sua época
a considerar inevitável que os filhos seguissern
seguissem o exemplo dos
sofressem as consequências: “Naqueles dias não se dirá
pais e sofresscm
mais: *Os
'Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se
embotaram*.
etiibotararrf. Ao contrário, cada um rnorrerá
morrerá por causa do seu
proprio
próprio pecado. Os dentes de todo aquele que comer uvas verdes
se embotarão” (Jr(jr 3129,50).
3129,30).
Até o fim, a familia
família e, em especial, a relação entre pais e
filhos ocupam um lugar central na preocupação de Deus em
relação ao seu povo. O Antigo Testamento termina com a
119
121.9

profecia de Malaquias de que, antes do dia final da vinda do


Senhor, Deus fará com que *os 'os coraçoes
corações dos pais se voltem para
coraçoes dos filhos para seus pais' (Ml 4.6). Em
seus filhos, e os corações
todo o Antigo Testamento, o lar era essencialmente a escola da
comunidade, o lugar onde a autoridade e a submissão, o amor
e a lealdade, a obediência e a confiança podiam ser aprendidos
para o bem da comunidade como um todo.

Pais e filhos no ensino do Novo Testamento


Ao chegarmos às as páginas do Novo T amento temos a
irnpressão de que pouca coisa mudou e relação àa questão das
impressão
relações
relaçoes familiares. No relato sobre Zacarias e Isabel é salientada
a importância
importancia de ter filhos, eles, como tantos casais no Antigo
Testamento, não tiveram filhos até àa velhice quando, por fim,
Testarnento,
tornaram-se pais de João Batista (Lc. 1.5-25). O papel de João
Batista era cumprir a profecia de Malaquias 4.6. Em paralelo, àa
*muitos den tre o povo de Israel ao Senhor,
sua função de converter 'muitos
o seu Deus*
Deus' (Lc 1.16), tam bém converteria *o
também 'o coração dos pais a
seus filhos e os desobedientes aà sabedoria dos justos*
justos' (v. 17).
Nota-se em Jesus, desde o princípio, o cuidado para não
N__ota-se
perfiir que a relação com seus pais se torne muito absorvente.
__pemiitir
,//
.-c“*** Em uma sociedade em que as relaçoes relações entre pais e filhos são
bastante estreitas e onde prevalece certo autoritarismo, há a
tendência dos pais desenvolverem uma relação de donos dos
filhos. época em que Jesus, com doze anos, ficou no templo
discutindo com os doutores da lei, ele sentiu necessidade de
repreender a ansiedade que sua mãe manifestava (Lc 2.49). E
óbvio que nesse relato existe uma possível fonte de tensão en-
obvio
tre os *negocios
'negócios do Pai*
Pai' e a preocupação rrmum pouco sufocante
que os pais humanos podem manifestar por seus filhos.
Como ad lto, vemos Jesus mais de uma vez manter uma
distânciaihde sua mãe (provavelmente, seu pai adotivo já
certa distãncia%e
tinha falecido). Qujnido
Quando Maria
Mari percebeu que faltava vinho nas
bodas, em Caná,Cana, se\' proximou e Jesus aà procura de alguma
solução (Jo 2.3). Jesuäão
Jesušuprespon
respon com descortesia (no origi-
origi
\
\*\,
120

`mulher, não implica desrespeito, como parece


nal, a palavra *mulher*
implicar na tradução portuguesa), mas sim com uma atitude
distante em relação ao desejo de Maria de determinar seus
atos. Quando, em outra ocasião, a multidão avisou que a mãe
de Jesus
jesus e seus irmãos estavam a sua procura, Jesus reagiu de
maneira ainda mais enérgica. Olhou ao redor e anunciou que
aqueles que fizessem a vontade de Deus eram sua mãe e seus
irmãos (Mc 3.31-55).
irrnãos 5.31-35). /“ii
Por outro lado, o retrzffode
retrrffo de Jesus nos evangelhos, mostra
extraordinárias ternura e compreensão com a relação de pais e
mães com seus filhos. Vemo-lo ressuscitar o filho da viúva de
Naim (Lc 7.11-17) e a filha de jairo Jairo (Mc 5.21-43).
5.21-45). Com sua
mãe teve uma atitude extremamente cuidadosa, no momento
de sua morte na cruz, entregando-a aos cuidados de seu amado
discípulo, João (Jo 19.6).
Não existe nos Evangelhos qualquer sugestão de que a opção
ascçt-fofa* é superior 51a de constituir família. Mas a questão de
asqítifa
pfioridades, perante a chamada para o discipulado, é estabelcida
prioridades,
com toda clareza: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a
mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais
do que a mim não e'é digno de mim” rnim” (Mt 10.57).
10.37). Se alguém
precisa enterrar o pai antes de poder seguir Jesus, não reúne as
condiçoes para ser discípulo. Por isso, Jesus diz uma palavra
condições
aparentemente muito dura a uma pessoa que pretende segui-lo:
“Deixe que os mortos sepultem os seus próprios proprios mortos; você,
porém, vá e proclame o Reino de Deus” (Lc 9.60).
apostolo Paulo, cita esse mandamento
O apóstolo manclamento de Deuteronômio,
Derrteronomio,
em sua4ersão
sua4orsão mais extensa, e o usa como fundamento para
250%
jfirr os filhos a obedecerem seus pais e aos pais para não
provocar ira aos filhos e os criar na doutrina e no conselho do
Senhor (Ef 6.1-4). O termo 'obedecer'*obedecer* implica em mais coisas
do que “sujeitar-se`,
*sujeitar-se*, o qual é usado em Efésios 5.22 para comentar
sobre a relação das mulheres com corn seus maridos. Uma pessoa pode
se submeter, sem sern obedecer _ ao explicar as razõesrazoes pelas quais
/

,/
fp
_.-"'
.-/ 121
121

não acata as ordens do ouj;ro***


outrtf e aceitando as consequências de
seu ato. Mas um filhoípãio
filho›pa"f) tem abertura para agir assim com
seus pais: o texto afirma que deve obedecer.
Surge a questão a respeito dessa obediência ser requerida
durante toda a vida ou se cessa quando o filho atinge a maiorida-
de. Aqui, as :distintas
'distintas culturas diferem em sua postura, algumas
culturas asiáticas, por exemplo, exigem a obediência aos pais
duranteƒtoda
duranteytoda a vida. Sabemos que, na época ern em que Paulo
esc!_r;-oviã,
escreviã, a lei romana dava total poder aos pais sobre os filhos,
/,..-':íi:*é a morte, e os filhos nunca atingiam a maioridade. Não se
/íé
encontra no Novo Testamento o conceito de maioridade, o que
sugere que o padrão do Antigo Testamento Testarnento ainda s'e\Q1ntinha
se antinha
_ e aqui lembramo-nos do adulto José que submeteräse submet -se E1a
vontade do pai idoso no momento mornento de abençoar seus dois fi s
Por outro lado, a separação que há entre um urn novo casal e seus
pais (Gn 2.24), a qual na maioria dos casos não é física, fisica, deve ter
significado alguma redução na autoridade paternal direta. O
mandamento de *honrar' “honrar” se mantém em todos os casos, não
lravendoiienh
havendoiienh um momento em que um filho adulto possa deixar
/de de se iie ocupar das necessidades dos pais.
O fato do Novo Testamento claramente se fundamentar
nos princípios*sexuais
princípios'sexuais ensinados no Antigo (ef. (cf. sétimo manda-
mento),_opoíi*do-se
mento),,_opoÍdo-se ao sexo pré-matrimonial e aà homossexuali-
dgclecfiii com que não haja qualquer sugestão da possibilidade
wefaz
“dee que uma mãe (ou pai) solteira com seus filhos sejam uma
-"'
família legítima, o mesmo valendo para um casal heterossexual.
Nada na Bíblia justifica a idéia de que um par de homossexuais
possa Ífidotar
Íidotar filhos. Atualmente, essas situaçoes
situações são muito
comuns e admitimos que em determinados casos possa ser
impossível encontrar outra solução válida. E É obvio _.t:|.______rj;r__ã›:¿;'_
óbvio qpsgaíinãg
solteira merece o apoio da Previdência Social para aliviar aliviaroo pesr.
pesr
de sua ingrata situação _, pois na maioria dos casos ela não
`i
ficou
frcou `*
sozinha por vontade própria
propria . O cristão terá
- dificuldade
ern
em recomendar o apoio, a nível soci , a *união “união de fato*
fato' de

/.
r'
.lis
um homem e uma mulher qtre que deseja criar seus filhos em um
lar em que os pais não se comprometem a_p*ermanec.er
alpiermanecer juntos.
Mesmo para descrentes a opção do casameii to civil é claramente
melhor do que um acordo informal desse tipo. Também deverá
tomar essa mesma posição, mesmo que a sociedade em geral
considere essa situação respeitável, no caso de um par de
homossexuais que deseja adotar filhos.

O cuidado dos idosos


Em Portugal, as rápidas mudanças sociais das últimas
décadas têm alterado radicalmente a forma de encarar os
problemas da velhice. Cada vez menos é considerado viável
próprios idosos se
cuidar de pais idosos no seio da família. Os proprios
retraem com receio de ser trm um peso para os filhos _ e os filhos
dizem que gostariam de ter condiçoes
condições para cuidar de seus pais,
mas que o ritmo da vida moderna (ambos os conjuges trabalhan-
cônjugesgtrabalhan-
do casa) não lhes deixa qualquer possibilidade
do fora de possibilidadopa- pa- fazer
passarä-Q
isso. Por exemplo, em vez de um pai ou mãe idosos passariräun
mês com cada filho alternadamente, muitos dizem que é prefe-
filbogçontribua para que o pai ou mãe passem o
rível que cada filho7çontribua
resto de se1E,dias"em
seq_s¿,dias”*om um
rrm lar de terceira idade, com melhores
condiçoeímateriais
condições/materiais e cuidados médicos do que teriam em casa.
“Nesse
/Nesse assunto, não devemos adotar uma posição radical e
ignorar as mudanças sociais que influenciam a posição das
pessoas em relação ao problema da velhice. NTão__h_z¶r@a
N:ão_h:í_¿:l_5'1@a de
" 'W
que, em algumas conjunturas familiares, a melhor solução soluçao para `
um idoso seja ir para um lar para a terceira idade. Mas, por
conceitorbíblico
outro lado, se tentarmos redescobrir e aplicar o conceito bíblico
de família, encontraremos um grupo estendido, algo p`zh'e‹¿ido p
com a família portuguesa de há duas ou três tr-ês gerações
geraçoes atrás, ã'n\
e
que se encontra lugar para todos os elementos. Até uma idade
bastante avançada os avósavos se ocupam dos netos, ou mesmo de
bisnetos, quando não podem mais fazer isso, os mais novos,
devido àa dívida de gratidão, suportam as dificuldades inerentes
H 123
123

ao cuidar deles. A casa da família pode não ter a z elhor situação


avos viverem _ sobretudo, devido ao ' possíveis choques
para os avós
notas ou genros. Contudo, uma
com noras urna casa própria,
propria, perto da _ ,,', ,.¬,,
casa dos filhos, é uma solução que qrre possibilita, ao mesmo tempo, ,__. 'Ji il*
distancia necessária. Dessa maneira, não se
algum contato e a distância
trata o problema apenas sob o aspecto material e de maneira
simplista. Ogvimos
Oyimos muitos filhos afirmarem que “não *não falta nada'
nada*
aos pai)s,z-qiiando,
paj.§,,.fqiiiando, na verdade, se referem apenas ao aspecto
material.
mçatetial. Na realidade, a nível humano, falta quase tudo: seu
Irespaço, suas amizades de anos, a presença dos filhos e netos, a
oportunidade de desenvolver atividades úteis para toda roda a famí-
lia. A companhia de outros idosos, incluindo alguns em estado -.3 -fl
de extrema demência, provoca depressão e, muitas vezes, a ÚE
tendéncia de seguir mais rápido pelo i¿e¿
tendência mçs_ o. ___/"\._/. ‹f"“-¬._.‹l
Atualmente, na Inglaterra
lnglaterra e nos Estados Unidos, aatondên- rdên-
espaç“o,?r~-.._,___`
cia é reconhecer que o idoso, para ser feliz, precisa de seu espaç`ti¡;`~~~¬,x__
mesmo que qrre esteja sozinho e, na medida do possível, não deve
ir para uma instituição. Para tornar isso possível, a Previdência
Social cria serviços de apoio, atenção médica regular em casa e
enfermeiras que os visitam com corn regularidade, além do serviço
de refeições
refeiçoes ao domicílio. Além disso, criaram os Centros de Dia
(já bem comuns também em Portugal) em que convivem com
outros com prazer e sem obrigatoriedade .Ó Do
_ p_onto de v'_ta
obrigatoriedade._J_ÍIoponto is da
vista
|_.--- ética cristã, essas soluçoes
soluções não são ideais, pois a família estendida
deveria ter a possibilidade de cuidar de todos de maneira direta.
>
/
~
)
'ls
Mas como muitas vezes nosso papel é aconselhar aqueles cujas
\.
****“***"¬- 1-' 1-' .z-I .Í .-
.-"
__:_fl-
famílias naonão saosão cristas,
cristãs, ou sosó o sao
são parcialmente, podemos
considerar corno
como dignas de louvor essas tentativas de respeitar

l a
necessidades profundamente humanas que todos sentem até ao
fim de sua vida.
.¬_

Patroes
Patrões e empregados
No Cl
quarto
uarto mandamento, vimos Clque
ue os empregados
em re ados faziam
parte do conjunto familiar e que tinham direito a um dia dedo
.H
124
124 \~\
`-,'-1.

descanso tanto quanto os šrgbros Bibrqbros diretos da família. Depois


de seis anos, um escravo que amava seu senhor podia se oferecer
para ficar permanentemente em sua casa, servindo por amor e
lealdade, não por obrigação (Ex 21.1-6). Isso significa que o
*pai*
`pai' da família desempenhava essa fiinção função em um sentido mais
lato, em alguns casos, seus empregados desfrutavam de uma
relação quasçffilial.
quaseffilial.
Essa___.s-it*iiação
Essasifuação é bastante distinta da que encontramos no
l§_pé}f_io_
Império §rego__onde,
Qrego onde, nas palavras d_e_¿Êtristéme_@,
de Aristóteles, um escravo
/dovia
/
/z devia ser consideradoíuma ferramenta vivaj Calcula-se que no

Imperio Romano havia uns 60 milhoes de escravos, e essa classe


não incluía apenas trabalhadores manuais, mas também médi-
cos, professores e administradores. Não existia ambiente fa-
miliar para os escravos. Alguns moralistas expressavam apenas
a preocupação, fundamentada em motivos utilitários, de que
os escravos fossem bem tratados _ o estoico estóico Senecaçdizia que
tratar bem os escravos era um bom investimento.
Ao mesmo tempo, há evidência de que no lmpério Império Rrima-
Roma- _'
no, dos séculos imediatamente anteriores e posteriores ao
nascimento de Jesus, a situação melhorara para muitos escravos.
De acordo com .I.I11I1_lJi&ti;1riadoi;,
iador 5Q_0.00_0__es_c_m1¿o§
5Q[_}_,Q_00__esg_:Q\_{o§ romanos
foram libertos entre 61 e 49-a. 49a. C. Alguns imperadores introdu-
zirwcfifna
zirwrfna tendência humanitária na legislação. O cristianismo,
um grupo insignificante e sem poder político no lmpério, Império, por
/razões obvias
f/razoes óbvias não se envolveu em revoluçoes
revoluções oii manifestaçoes
manifestações
contra o escravagismo. Contudo, quando File om e seri seu escravo
cristianisinofläló),
Onésimo se converteram ao cristianismol 6), eles mostra-
ram de que maneira a conversão das pessoas pefssoas podia transformar
a vida tanto de senhores como de escravos, pois eram exortados
a se tratar como irmãos, uma forma de relacionamento total-
mente diferente daquela que possuíam.
O apóstolo
apostolo Paulo exorrtou
exqrttou senhores e escravos crentes a se
comportarem de uma forma distinta da que, eiii ein geral.
geral, era prati-
cada (Ef6.5-9;
(Ef 6.5-9; Co 3.22-4.1).
3122-4.1). Esse respeito e zelo pelos interesses
125

do orirro
outro criaria relaçoes
relações de trabalho totalmente diferentes.
Quanto mais cristãos houvesse em todos os níveis sociais, mais
o sistema escravagista seria *minado
“minado em seu interior*.
interior`. Em outras
épocas da historia,
história, cristãos proeminentes contribuíram para a
abolição do escravagismo. /.f
/.z-'
Nos nossos dias, em que não há escravos no mesmo sentido,
os mesmos princípios podem e de.v;;n*i***ser
deyrfiiser aplicados as às relaçoes
relações
trabalhistas. Nas palavras de John
]ohn Stort'?:
Stott'3: “Hoje,
“I-Ioje, nas relaçoes
relações
de trabalho é válido o mesmo princípio básico de justiça baseada
em direitos recíprocos. Os patroes
patrões e os empregados de igual
modo têm deveres _ o empregado tem o dever de trabalhar
bem e o patrão de pagar um salário justo. Portanto, o dever de
cada um torna-se o direito do outro. Se é dever do empregado
fazer um bom trabalho, é direito do patrão esperar que seja
feito. Se é dever do patrão pagar um bom salário, é direito do
empregado esperar recebê-lo. O principal problema humano
patroes é que cada parte se
nas disputas entre trabalhadores e patrões
concentra nos seus direitos e em induzir a outra parte a cumprir
seus deveres. Paulo troca essa ênfase. Exorta cada parte a se
concentrar nas suas responsabilidades, não nos seus direitos”.

Conclusão
O desmoronamento
desmoronainento da estrutura que a Bíblia cliama chama 'família'
*farnília*
desmoronainento de toda uma
poderá muito bem ser sinal do desmoronamento rima
sociedade e cultura. Salvar a família, a nível de nossas nossm igrejas, é
obviamente uma tarefa prioritária. Nenhuma pressão social deve
fazei'
fazer com que baixemos os padrões, padroes, justificando
justificruido a constituição
*fi'u"nílias* que,
voluntária de 'famílias' qrie, avaliadas pelos padrões
padroes bíblicos, não o
são na realidade. Ao mesmo tempo, devemos refletir sobre o fato
de que nossa noção cultural de família farnília pode não coincidir, ein
todos os aspectos, com a noção bíblica. Devemos evitar dar a
imprmsão de ser saudosistas,
impressão saudosistm, desejosos a todo custo de recuperar
modelos que a sociedade perdeu há duas oii ou três gerações.
geraçoes. No
futuro, poderemos considerar a relevânciarelevãiicia da noção bíblica da
família estendida - _ criando, assim, condições para não haver
tantos individuos
indivíduos isolados que requerem a atenção oficial, uma
vez que não a encontram na família. No futuro, poderemos valorizar
a ezortação
exortação bíblica de `l1onrar”
“honrar” pai e mãe, rejeitando a noção
arbitrária de que ha
há uma idade a partir da qual o jovem fica livre
corn tudo isso, poderemos transmitir
dessa responsabilidade. Mais, com
iiã sociedade a mensagem de que nossa opção não éei voltar ao
vãlidos para o
passado, mas sim procurar valores melhores e mais válidos
futuro
filturo _ valores estes que alguns movimentos cristãos expe- espe-
rimentaram no passado, os quais os cristãos genuínos
genuinos sempre têm
defendido, e que a sociedade latina, em parte, tem prezado.
O quinto mandamento mostra claramente que não há ha muito
futuro para uma sociedade que não prioriza a procura e o fortale-
fortale~
cimento de relações salutares entre as gerações.

Notas
1. “Living as 'die the People of
of' Grid”,
God”_, Chris \ll"right, Wrirrht, ed. IVP,I"'~fF', 1983.
2. “Catecismo
“íiatecismo da 1greja(Iatt'ilica",
lgreja íflatdlica", para. 915. E115.
3. “Here Í Stand”, iia lift' Life of Martin
lvlartin Luther, Ronald Bttintoii, Bainton, ed. Mentor,
Metrtor, l95Ú,
I FJSÍÇI, p.
235.
4. Gp.
Op. cit.,
cil., p.23T.
p.237.
liistitutas, ll
5. lnstitutas, Il - 'v'lll
Vlll - 415.
46.
Ú.
6. “s"~.rr1t'Jr1g
“Among God`s God's Giants”_._].
Ciants”,_]. Í.1. Packet, ed. Kingsxvay,Kingssvav, Ilastbourne,
Iiastbourne, 1991, p. 55o.356.
T.
7. Úp.
Op. cit., cp. 8.
H.
8. “Solid z`&nssvers",jan1es
Ai1s\vers”,jaiiies Dobson, ed. Tvntlale, '1`yni.Iale, lÉ1*¡J`.f',
1997, pp. T5 75 e Wi.
76.
9. Op. cit., pp. 43?-33.
*.€1'.II_ÍIp.cit., 437-38.
IU. Up.
lll. Op. cit. pag.
pág. TT.
77.
1ll.
1. “Dear Mum Mam and Dad” Dad" , Chua
Cliua Wee \`f(-"ee H lan, ed. Í*-J'l¡"§
IVP, 1984. l984.
'12.
12. “Parents in F'ain",jolu1
Paín",john `~."-1-'l1ite,
\\'.-íliiie, cd.
ed. I"¡v“P,
IVP, `|':ÃlTÊJ.
1979.
13. “God"s
“God's NesvNew 5ociety”,_|ol1n
Society",jolin R. X11-Í \\1-*Í Stott,
Sioit, Londres, lElTÉ1' 1979 [ver
(ver (Íomennirio
Comentzirio de
Efésios de John
Fƒtisitrs john Stott da Etlilom
Editora HBU). ABU).
CAPITULO sõ
casiruto

Questões de
vida e morte

mararás (Êx
Não matar;-:is (És 20.13 e Dt 5.17).
5.1T).

Questões: A aparente simplicidade desse mandamento


óbvio que quando um homicida
engana o leitor pouco atento. É obvio
usurpa o lugar de Deus, dando Fim fim ãà vida de uma pessoa por
razões
razoes puramente pessoais, está infringindo esse mandamento.
obvio
óbvio também que se um cientista usurpasse o lugar de Deus,
ifabricando”
`fabricando' a vida humana em uma proveta, estaria tomando
uma Função que so
para si urna só compete ao Criador. No entanto,
muitas mortes tem
têm lugar em um conteztto
contexto legal, em que a lei
humana, ou a lei divina ou ambas as requerem. Essas mortes
são homicídios? São contrárias ao sesto
sexto mandamento? Aqui,
Outras
deve-se considerar a questão da pena capital e da guerra. Úutras
mortes tem
têm lugar em um contexto legal, em que a lei humana
as permite. O que dirá a lei divina nesses casos? Estas mortes
são ho micídios? Aqui, deve-se considerar a questão da eutanásia
homicídios?
e do aborto.
fabrica a vida humana (possivelf
Quando o cientista não Êrbrica (possivel-
mente, nunca o poderá fazer), mas de certo modo a facrilira,
1Ê1cii'r`ta,
criando condições para o aparecimento de vidas sem que estas
passem por todas as Esses
fases biologicas
biológicas normais de concepção e
gestação, está usurpando o lugar do Criador? Ou está colabo-
rando com um processo natural, da mesma maneira que um
cirurgião que coloca um aparelho para corrigir e facilitar o
crescimento normal de um braço ou uma perna? Aqui, deve-
se considerar várias tecnologias reprodutivas. E quando o
cientista tem o propdsito
propósito de facilitar o aparecimento de um
homem com determinadas características genéticas, manipu-
lando para produzir “melhores
'melhores resultados” do que aqueles que
Esta usurpando o lugar do Criador?
a natureza produziria? Está
Aqui, deve-se considerar a chamada “engenharia genéticai.
genética. Se
o homem foi constituído 'mordomoi,
'mordomo', não so só da criação em geral,
próximo, em que ponto
mas também da sua vida e da do seu proximo,
começa a ultrapassar os limites que essa função impoe impõe e a se
atribuir um papel que e'é ertclusivo
exclusivo do seu Criador?
questões levantadas neste capítulo em duas
Dividimos as questoes
'questões de morte' e depois
partes. Primeiro consideramos as “questoes
'questões de vidai.
as iquestües vida°.

Questões de morte (requerida pela lei) na história


Um homicídio desmembrou a primeira família que existiu ertistiu
na face da terra. Deus responsabilizou Caim pelo ato bárbaro
de assassinar seu irmão Abel (Gn 4.8-16). Mas quando o homi-
cida assumiu sua falta, percebendo a gravidade do ato, Deus
protegeu sua vida, anunciando que quem matasse Caim sete
vezes seria castigado (415). Moisés,
Moises, o grande legislador, que
deu a lei a Israel, antes de comunicar a vontade de Deus ao
povo sobre esse e muitos outros assuntos, tomou sobre si uma
função que não lhe competia _ vingar-se por meio do homicí-
dio dos maus tratos que um egípcio deu a um homem do seu
povo (Êx
(Ês. 2.12).
rasalr usada em Êxodo
A palavra hebraica rasah Êrtodo 20.15 e Deute-
ronômio
ronomio 5.17.,
5.1Í",. traduzida por 'matar,,
'matari, éÉ de uso relativamente
raro e em geral significa assassinato violento de um inimigo
pessoal. Outros termos mais comuns, como harage mur, podem
ter esse mesmo significado (como em Gn 4.8) 4.3) ou podem se
referir àã execução
esecução de uma pena (Ex (Ês 32.27) ou à?t matança em
129

massa que ocorre em uma guerra (Nm fil.7,3). 31.7,8). Mas nesses
dois últimos casos, pouco tempo depois de a lei “não mataráslmatarás°
ser dada, o proprio
próprio Deus manda matar (Ea (Ex 32.27). Os escritores
bíblicos não escolhem necessariamente um termo diferente
quando se referem a um crime ou a um aro ato ordenado por
Deus. Contudo, em Êaodo Êxodo e Deuteronomio
Deuteronômio a escolha do termo
rasah, em seu sentido específico, dentre esses todos, define os
atos que são proibidos pelo Senhor. O fato de Deus mandar
derramar o sangue de quem derrama o sangue dos outros (Gn
9.6) eé uma consequência logicalógica do homem ter sido criado por
Deus e de Deus lhe ter dado sua aliança. Esse conceito não
esiste
existe na lei de lvlesopotãmia
Mesopotâmia que conhecemos em que, por
eaemplo,
exemplo, um homicida podia ser penalizado com uma multa,
mas devemos compreender que a aplicação de uma pena mais
severa, contrariamente do que eitistia existia em outras culturas,
corresponde a uma maior valorização da vida da vítima.
No Antigo Testamento, em várias ocasioes
ocasiões a morte violenta
éo claramente justificada. Quando Dina, filha de Jaco, Jacó, foi
deflorada pelo heveu Siquom,
deflorada Siquém, seus irmãos se vingaram, matando
34.1-31). Esse ato em que mostram o valor que
o culpado (Gn 34.1-51).
dava ãà irmã não oé reprovado, mas sim o fato de primeiro terem
feito um acordo com os heveus e depois trairem o acordo. joabe Joabe
vingou a morte violenta de seu irmão, Asael, matando seu
assassino, Abner (2Sm 3.30). 5.30). Algumas vezes, o proprio
próprio Deus
intervom,
intervém, matando de forma direta aqueles que pretende julgar,
como eÉ o caso dos primogonitos
primogênitos do Egito (Es (Êx 13.15). Outras
vezes, manda seus servos esercerem
exercerem seu julgamento, matando
os mal fei tores e ato
malfeitores até mesmo todos seus animais, e reprova como
fraqueza e desobediência o fato de que, algumas vezes, estes
não cumprissem totalmente suas ordens (ver o caso de Saul e
os amalequitas; 1Sm 15.5,2Ú-22).
153,20-22).
A famosa lei que manda castigar de acordo com a gravidade
da ofensa, a les: lex ralíonís,
taíƒonís, oé registada em Êzodo
Êxodo 21.25-25.
21.23-25.
Condenar ãà morte quem matou oé uma maneira de valorizar a
130
1311*

vida. A lei também serve para que esse tipo de problema seja
tratado em um contertto
contexto jurídico oficial, evitando assim que
haja vinganças particulares, uma vez que essas tendem a ultra-
passar os limites, tirando dois dentes ou olhos de quem tirou
apenas um. Quando há morte acidental, sem a total responsa-
bilidade do acusado, não se aplica a sentença de morte (Ea (Ex
2128,29). Quando a morte é perpetrada em uma situação de
legítima defesa _ como, por eitemplo,
exemplo, quando um assaltante
entra em sua casa --a
_a pena de morte também não será aplicada.
existe em outras civilizaçoes
Esse mesmo princípio eaiste civilizações como, por
ertemplo,
exemplo, em Babilonia,
Babilônia, no Codigo
Código de Hamurabi
1-lamurabi e, posterior-
mente, na lei islâmica.
islãmica.
O mesmo princípio legal que aplica a pena de morte em
casos de ofensas graves é aplicável também, em certas situaçoes
situações
bem definidas, ãà guerra. O Senhor, ao falar para o povo que ia
conquistar a terra de Canaã, assegurou-lhe que estaria presente
em suas guerras, lutando por ele (Dt 205,4). Ele admite a não
participação daqueles que tém têm razoes
razões válidas _ como, por
ei-templo,
exemplo, aqueles que estão construindo uma casa nova, que
acabam de plantar uma vinha nova, que estão para casar ou
mesmo aqueles que tém têm rnedo
medo (vv. 5-3).
5-8). Também convém
salientar que sosó em casos bem definidos a ação militar é a
pri mei ra atitude deve ser tentar
primeira opção, nos outros casos a primeira
fazer a paz _ apenas depois, se a paz não é aceita, as medidas
violentas são uma opção. Também é normal normai que seja respeitado
o princípio da imunidade dos não-combatentes _ sendo
poupada a vida das mulheres e crianças. Medidas mais drásticas,
rnilitar imediata e o eittermínio
que envolvem a ação militar extermínio total da
população, apenas são recomendadas no caso específico dos
habitantes da terra prometida no momento em que estão sob o
julgamento final e total de Deus (vv. 16-18).
No época do Novo Testamento ainda nos encontramos em
um mundo em que a aplicação da pena de morte e o envolvi-
mento na vida militar são considerados normais. Ao magistrado
131

(isto é, iià autoridade civil) está confiada a iespadai,


espada”, isto é, o direito
de tirar a vida àqueles que ofendem (Rm 13.1-4). Não se ensina
que, na verdade, essa ordem seja, em essência, ímpia, nem que
o poder da espada que lhe é confiado deva ser considerado
diabólico, mas sim que o cristão deve se submeter e orar a fa-
diabolico,
vor daqueles que estão no poder (1Tm 2.l,2). 2.1,2). ]oão
João Batista,
quando foi confrontado por grupos de pessoas arrependidas
que buscavam orientação para suas vidas, não recomendou aos
soldados que deixassem a vida militar (Lc 5.14). Seu conselho
foi apenas no sentido de não tratar mal nem defraudar ninguém
e que estivessem satisfeitos com seu salário. Se a mensagem do
Cristo, de quem João era arauto e precursor, fosse essencial-
mente pacifista, era de se esperar que ]oão desse uma orientação
bastante diferente dessa a militares que estavam a serviço dos
romanos! Também era de se esperar que o0 apostolo
romanosl apóstolo Paulo, que
levou a mensagem de Cristo a diversas naçoes nações subjugadas pelo
lmpério
Império Romano, não tivesse uma posição tão conformista e
respeitadosa em relação a essa ditadura e aos seus muitos abusos
de poder.
Jesus, ao mesmo tempo, recomenda aos seus discípulos um
comportamento perdoador e pacífico que não retribui com
violência aqueles
àqueles que nos provocam. A quem nos bate na face
direita devemos oferecer a outra face (Mt 5.59), uma vez que
nossa atitude com nossos inimigos deve ser de amor (SÁ4). (5.44).
jesus,
Jesus, no momento em que Pedro cortou a orelha do servo do
sumo sacerdote que o prendera, o tepreendeu repreendeu de maneira
contundente: “Guarde a espada! Pois todos os que empunham
morrerão” (Mt 26.52). Aqui, suas palavras
a espada, pela espada morrerão"
têm sido interpretadas como uma declaração apaixonada a fa-
vor do pacifismo. Convém lembrar, iembrar, no entanto, que a situação
ãà qual jesus se refere é semelhante ãà situação a que Paulo Etz faz
menção em Romanos 15 (trata-se apenas de uma autoridade
divinamente constituída diferente _ a .autoridade autoridade religiosa
judaica, não a autoridade política romana). Da mesma maneira
132

que Paulo condena a resistência violenta ãà autoridade legítima,


Jesus também a condena. E adverte sobre as consequências
para quem desobedecer. Aqui, sua posiçao nao poe põe em questao
questão
o direito do poder legitimamente constituído de tirar a vida
aqueles que ofendem _ sejam eles autores de crimes nacionais
ou não. -z
Nos primeiros séculos do cristianismo a evidência sugere
que os crentes não se envolveram em serviço militar. Os cristãos
paeifistas
pacifistas tendem a deduzir desse fato que o cristianismo, em
essência, era considerado pacifista. No entanto, o não envolvi-
mento no exército romano tem outras explicaçoes.
explicações. Os romanos,
em geral, não aceitavam judeus no seu exército e consideravam
o cristianismo apenas uma seita dentro do judaísmo. Os cristãos
rejeitavam o culto idolatra
idólatra ao imperador e, por isso, sua consci-
ência não permitiria que participassem do exército.
Nesse período, alguns cristãos manifestaram forte tendência
para o pacifismo, mas não se pode provar, fundamentados nesse
fato, que o cristianismo era essencialmente pacifista. Conforme
Kenneth Latourette, historiador do cristianismo, Hipólito,Hipolito,
responsável pela igreja em Roma, recomendava
recomenclava a exclusão de
qualquer cristão que participasse do exército. Se alguém
participasse do exército era-era obrigado a recusar matar, mesmo
quando seus superiores dessem essa ordem. Nas palavras de
Tertuliano (c. 160-230 d. C.):
“Se somos exortados a amar nossos inimigos, a quem é que podemos
odiar? Se somos injuriados, é-nos proibido vingar-nos, a não ser
que nos tornemos tão maus como eles. Na nossa religião é
considerado melhor ser morto do que matar".l
Lactãncio,
Lactâncio, no século Iv, que depois, sob a influência de
Constantino, mudou de posição, declarou que um cristão não
podia participar em guerras nem denunciar alguém que fosse
culpado de uma ofensa capital.?
capital?
No entanto, a profunda mudança do pensamento cristão
que veio a segui
seguir,r, no mesmo século, precisa ser considerada com
133

bastante atenção e profundidade, não se tratando necessaria-


mente de uma capitulação diante do poder do lmpério, Império, já que
fora a este mesmo lmpério
império (em uma fase anterior) que o apostolo
apóstolo
Paulo tinha recomendado a submissão! Antes da mudança, não
podemos saber com certeza absoluta se a objeção dos cristãos
era ãà vida militar e ãà guerra em si, ou apenas ao fato de terem
que se envolver em atos idolatras
idólatras relacionados com o culto ao
imperador. Em 514 d. C., o Sínodo de Arles autorizou os cristãos
a servirem no exército _ em um momento em que já não se
praticava o culto ao imperador. O bispo de Milão, Ambrosio Ambrósio
(340-397 d. C.), esclareceu que a participação dos cristãos na
(340-597
guerra dependia dessas guerras serem justas ou não. Agostinho
definiu da seguinte forma a 'guerra justa“,justa”, definição que, em
essência, se manteve em Tomás de Aquino, Calvino, john John Locke
e até o momento: “As guerras justas podem ser definidas como
guerras para vingar o mal, quando um Estado tem que ser
atacado devido a sua negligência em reparar males cometidos
pelos seus cidadãos ou em restaurar aquilo que, por maldade,
lhes foi retirado. Uma paz justa sempre deve ser desejada; a guerra
pode ser legítima para alcançar esse fim e para reduzir a injustiça.
A guerra deve ser declarada so só quando é necessário e para que,
por-meio
pormeio dela, Deus possa livrar os homens da necessidade e
preservá-los em paz. Mesmo na guerra, o espírito do pacificador
deve ser estimado. As guerras justas podem incluir guerras por
motivos de segurança, para vingar o mal, ou a países que recusam
passagem a outros. Para ser “justa`
“justa a guerra deve ser declarada
apenas pela autoridade estatal legítima, e sua conduta deve ser
justa _ manter a fé com o inimigo, cumprir promessas, evitar a
violência desnecessária, o espolio,
espólio, o massacre, a vingança, as
atrocidades e as represálias. As tentaçoes
tentações da vida militar _ em
especial, para o espírito vingativo e o odio
ódio _ devem ser encaradas
com uma profunda devoção pessoal“.?
pessoal?
No século X] XI (1095), o Papa Urbano 11 apelou aos cristãos
do ocidente para ajudar os cristãos orientais a se defenderem
134

contra os turcos. Estes tinham conquistado Jerusalém e ameaça-


propria Constantinopla, sede da Igreja
vam a própria lgreja Oriental. Quatro
anos mais tarde, Jerusalém foi reconquistada e se iniciou uma
expediçoes militares
série de cruzadas que, em essência, foram expedições
contra o islamismo. A motivação era essencialmente religiosa _,
mas incluía aspectos que repugnam a consciência do cristão
evangélico, tais como promessas da redução do tempo no Purga-
tório
torio para quem participasse. As cruzadas foram usadas também
contra a heresia, como o movimento albigense, por exemplo, e
católicos como o imperador Frederico 11. A
mesmo contra reis catolicos
partir dessa mentalidade, as guerras podiam não so só ser justas,
islâmica da jihad
mas também santas. E fácil ver que a tradição islãmica jíhao'
(usualmente, traduzido por “guerra
`guerra santa“)
santa') não se distancia muito
da tradição 'cristã' da Cruzada, havendo de ambas as partes a
Jerusalém, seus territo-
pretensão de estarem apenas defendendo jerusalém, territó-
rios e os sagrados princípios das respectivas fés. Por essa razão,
surgiram movimentos minoritários de protesto como o de
Raimundo Lúlio, por exemplo, que advogava meios pacíficos
para converter os muçulmanos, e não a guerra.
Nesse mesmo período, Tomás de Aquino (1225-1274)
desenvolveu mais a teoria agostiniana da guerra justa. Para ser
justa uma guerra deve ser declarada pela autoridade legítima
de um soberano, sua causa deve ser justa e sua intenção deve
ser a restauração da paz e punição dos malfeitores. Francisco
teólogos espanhois
de Vitoria e Francisco Suarez, teologos espanhóis do século
xvl, também defenderam esses princípios.
Xvl,
A principal ala da Reforma Protestante não trouxe grande
novidade em teorias sobre a guerra justa em relação as às anteriores.
Martinho Lutero comparou o trabalho do governo e da polícia
com o trabalho de um médico que combate a doença, ampu-
tando membros. Calvino, com grande ênfase, frisou a impor-
tância da moderação e da humanidade na guerra. Mas em suas
tãncia
lnsríturasƒ* defende a ação do magistrado nestes termos: “Se
l'nsrírnras,“
alguém objetar que no Novo Testamento não existe realmente
135

nenhum testemunho ou exemplo que ensine que a guerra é


uma coisa lícita para os cristãos, eu respondo primeiro que a
razão para a guerra que antes existia ainda existe hoje; e que,
por outro lado, não há nenhuma razão que impeça os magistra-
dos de defender seus súditos... Mas é dever de todos os magistra-
dos se absterem de modo especial contra a manifestação de
suas paixoes,
paixões, mesmo no menor grau. Antes, se têm que punir,
não sejam arrebatados pela ira, nem pelo odio, ódio, nem devem
arder com severidade implacável. Que tenham piedade (como
diz Agostinho) da natureza comum daquele cuja culpa espe-
cial punem“.
punem”.
Foi no período da Reforma que uma alternativa radical radiczd a
essa posição da Guerra justa Justa foi defendida por significativo
número de cristãos, a qual deixou marcas até hoje. Menno
Simons (1496-1561), famoso anabatista, defendeu posiçoes posições
teologicas
teológicas e soteriologicas
soteriológie-as (sobre a doutrina da salvação) muito
parecidas com as dos reformadores Lutero e Calvino. Contudo,
em relação ao posicionamento do cristão na sociedade, sua
posição foi muito diferente. Baseou-se no fato de o cristão ser
seguidor do Príncipe da Paz, tendo recebido a ordem expressa
de amar seus inimigos e fazer bem aos seus perseguidores,
dando a outra face, para rejeitar totalmente a possibilidade do
u p, n -u

cristão PHITICIPFII'
C1"15[¡zÍ-IU participar I`1í1
na gl.1Ê1'1'E1I
guerra:
“Diga-me, como é que um cristão pode defender biblicamente a
retaliação, a rebelião, a guerra, o golpear, o matar, o torturar,
torturar. o
roubar, o espoliar e o queimar cidades e vencer países?... Toda a
rebelião é da carne e do diabo...

Oh! abençoado leitor, nossas armas não são espadas nem lanças,
mas a paciência, o silêncio, a esperança e a Palavra de Deus“.?
Deus”Í`

Grupos historicos,
históricos, como os Qualters,
Quakers, seguiram essa posição.
Os menonitas mantiveram essas convicçoes
convicções e ainda mantêm
_ tiveram um ressurgimento significativo na nossa geração
em escritos de autores tão conhecidos como john John Howard
136
135

Yoder e Ronald Sider. Na época nuclear, sua posição posiçao ganhou


muitos adeptos no mundo evangélico em geral, devido ao fato
de, por definição, uma guerra nuclear não se limitar its às formas
exigidas para uma guerra justa. Na guerra nuclear não há possi-
bilidade de imunidade aos civis; o meio ambiente não é respei-
tado; a escala de devastação, com todas as limitaçoeslimitações que se
possam impor, excede de longe aquela que qualquer critério
de justiça ou de humanidade requer.
Nessa época pos-guerra
pós-guerra fria em que vivemos, no entanto,
têm surgido guerras mais restritas que não apresentam nenhuma
ameaça imediata de envolver armas nucleares, como a dos Balcãs,
da irlanda,
Irlanda, da Chechênia e de vários países da Africa. África. Nessas
situaçoes,
situações, poe-se,
põe-se, de novo, todas m as questoes
questões antigas: um cristão
que é pacifista nuclear não será necessariamente pacifista quando
confrontado por essas situaçoes
situações tão atuais e problemáticas.
No ano de 1998,
1993, a revista “Gente“
°Gente` publicou um artigo sobre
a pena de morte, mostrando que ainda há 94 países que a
praticam. Se, por um lado, Portugal foi um dos primeiros países
a abolir a pena de morte (aboliu em 1867), 1367), hoje há estados
nos Estados Unidos que voltaram a institui-la.
instituí-la. A Igreja
lgreja Católica
Catolica
ainda dá algum apoio ità pena de morte quando diz:“ diz:f` “A medida
e a qualidade da pena não deverão chegar' chegar .iià medida extrema
que é a supressão do réu, senão em casos de extrema necessi-
dade, isto é, quando a defesa da sociedade não for possível de
outra forma“.
forma”. Julgamos que essa posição não difere muito da
dos Reformadores. Nos paísespaises islãmicos,
islâmicos, no entanto, encontra-
mos
inos uma posição mais severa _, -, por exemplo, o apedrejarnento
apedrejamento
de adúlteras, prostitutas e homossexuais no lrã. Irã.

Questoes
Questões de morte (requerida pela lei) na Bíblia
Se as questoes
questões da guerra e da pena de morte forem conside-
radas com base no Antigo Testamento, os textos já citados, de
maneira clara,
ciara, mostram sua legitimidade. O assassínio violento
de um inimigo pessoal é explicitamente proibido pelo texto de
137
13?

Exodo
Êxodo 20.13.
20.15. Quem julgar a lex talionís
talíonis e a prática da guerra
na época do Antigo Testamento como evidências do caráter
bárbaro dos povos desses tempos, comete um erro de perspec-
tiva flagrante: os limites rigorosos que são aplicados ãà prática
da guerra e da pena capital, de fato, serviram para conter a
tendência que o homem pecador tem de se vingar e cometer
atos arrozes
atrozes quando os freios normais que a sociedade impoe impõe
não estão presentes.
A única questão crucial, a nível de interpretação bíblica, é
se o Novo Testamento traz alteraçoes,
alterações, em relação ãquilo
àquilo que o
Antigo Testamento ensina. Será que a guerra e a pena de morte
eram aceitáveis em uma dispensação e deixaram de ser em outra?
Nossa conclusão sobre essa problemática, primeiro, não deve ser
determinada por sentimentos humanitários _ que podem ser
evocados nos dois sentidos _, mas sim pelo ensino bíblico.
Em certo sentido, o Novo Testamento traz uma modificação
importante. No Antigo Testamento, de fato, ofensas como a
homossexualidade, o adultério, o incesto, etc. (ofensas que até
islãmicos)
hoje são punidas com a pena de morte em alguns países islâmicos)
morre. O Estado que impunha essa pena
eram punidas com a morte.
era teocrático, sem distinção entre o poder civil e o religioso. O
Tesrainento foi escrito para igrejas em sociedades não-
Novo Testamento
teocráticas: as igrejas obviamente não têm poder para aplicar
teocrziticas:
penas como prisão e execução. Romanos 13.1-7 define o poder
da autoridade civil e exorta a igreja não a aplicar as penalidades
que competem ao magistrado, mas sim a se sujeitar àii autoridade
do poder civil nesse aspecto. Naturalmente, a fim de apontar
?.55_8.1 1 está incluído
para essa nova situação, o texto de João 7.53-8.1
mariuscritos do Evangelho de João. Não precisamos
em alguns manuscritos
defender a autenticidade desse texto contra a abundante evidên-
cia, a nível de manuscritos, de que foi introduzido posteriormen-
te, mas podemos concordar com Leon Morris? de que deve ser
um texto bastante antigo que traz um toque de autenticidade
Lim
em seu testemunho ao espírito com que Jesus agia.
138

Jesus não exigiu o apedrejamento da mulher surpreendida


em adultério. Além disso, existe o fato de que seria injusto a
pena de morte ser aplicada apenas aE1 mulher _ onde estava o
homem que foi pego com ela? _ o texto mostra que Jesus se
sentiu livre para alterar a lei no que diz respeito as às sançoes,
sanções,
mesmo sem alterar nada em relação aquilo àquilo que expressa a
atitude de Deus contra o pecado (“Agora ("Agora vá e abandone sua
vida de pecado“
pecado” foi sua advertência final aE1 mulher; Jo jo 8.11).
Em outra passagem, Jesus ensinou que olhar para uma mulher
e a cobiçar é cometer adultério com ela no coração (Mt 5.28).
Aqui, sua posição pode ser entendida como tirar esse tipo de
sanção para a vida de sua igreja. Depois de ler as palavras: “Se
algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar
pedra nela“
nela” (Jo 8.7), quem se sentirá capaz de aplicar ou execu-
tar a pena de inorte
morte a uma situação desse tipo?
Sem ser dogmático gostaria de sugerir que, em ein geral, a
sanção que o Novo “litstainento
Testamento prevê pa parara ofensas graves na vida
dos seres humanos, corresponderite
correspondente aE1 de pena de morte no Antigo
Testamento, é a exclusão da conuinidade.
comunidade. Em 1Coríntios 5, por
exemplo, a exclusão é recoinendada
recomendada no caso de uma pessoa que
cometera incesto corn
coinetera com a mulher de seu pai. E evidente que, nesses
casos, poderá haver complacência quando há arrependimento
(no Antigo Testamento não sabemos se a pena aplicada era mais
leve no caso de haver arrependimento _, mas sabemos que o
pecado cometido “it`;`1 mão levantada“,
levantada, isto é, sem arrependimento
[Nm 1530,31]
1550,51] era considerado dos mais graves). As recomen-
daçoes
dações de Mateus 18.15-22 sugerem que, se houver arrependi-
mento, não haverá exclusão. Mas no caso de uma pessoa persistir
em ofensa, será 'entregue a Satanás' não para morrer no seu
ein
pecado, mas sim para ser posta ein em uma situação que a pressione
arrependimento {_“para
a fim de chegar ao arrepentliincnto ("para que o corpo seja
destruído,
destruído. e seu espírito seja salvo no dia do Senhor“, Senhor", 1Co 5.5).
em pauta não al¬ii'a|¬ige
O tipo de ofensa ein alnaiige apenas casos de imora-
homicídio, mas
lidade sexual e hoinicídio. nias ta|nl¬iiErn
tainbém avareza.
a\-'a|'eza, toulio,
roubo, idolatria,
álcool ce |nalct1icii'|ici:1
abuso do iilciiol |naletlice|1ci;1 llfiii
(1(Ío “xl
5.1 1).
I).
139

Fora da igreja cristã, as autoridades oficiais constituídas tinham


o poder para executar (Rm 13.1-7). O cristão não podia, nem
queria, interferir com essa autoridade quando era legitimamente
exercida. Como é evidente, em relação aos três primeiros séculos
do cristianismo, não temos exemplos conhecidos de cristãos que
exerceram cargos de magistratura que os obrigariam a decidir
pessoalmente se deviam implementar esse tipo de sanção _ não
como sanção eclesiástica, mas em decorrência da função profissio-
nal. Esse problema so só surgiu na época de Constanti
Constantino. ]oão
no. Mas João
Batista recomenda aos soldados que se contentem com seu soldo
_ o que, é natural, implica a continuação em sua profissão militar
-
(Lc 3.14). Estes não poderão se recusar a matar quando lhes for
ordenado, pois faz parte de sua lírnção.
função. Se bem que não queiramos
queirarnos
levar muito longe a teoria agostiniana e luterana
luteraria das duas cidades
_ a cidade de Deus e a cidade secular, em que em alguns casos as
admitiinos que pode haver
exigências são distintas _, no entanto, admitimos
prtifissão de juiz, carrasco ou militar, tenham
crentes que, tendo a profissão
que matar como parte de sua obrigação perante o Estado. Eles
podem tentar refrear sua reação e atitude, no i¬io espírito que a Bíblia
recomenda, mesmo no Antigo Testamento,Testainento, e que Agostinho e
recomendain.
Calvino também recomendam.
Em relação aos argumentos habituais, fundamentados no
Novo Testamento, contra a pena de inorte, morte, não os achamos
convincentes. A posição citada, mas não apoiada por Norman
Geisler,“
Geislerf* é típica disso: “Deus não deseja castigar os homens,
muito menos corricorn a pena capital:
capital; ao contrário, Deus quer
perdoar os homens por meio de Cristo. Todos nossos crimes
foram pregados em sua cruz (Ef 2.15,16). 2.15,I6). A lei foi cumprida
por Cristo, no preceito e na penalidade (Mt 5.17; G1 Gl 5.15).
3.15).
Visto que a justiça de Deus foi satisfeita pelo sacrifício de Cristo,
não há necessidade dos homens pagarem a penalidade por seus
pecados. Deus oferece o perdão a todos e por tudo".
Teologicamente, não é correto argumentar que, devido aà
morte de Jesus na cruz, todos os homens possuem de fato a
140

salvação e serão libertos do inferno. Esse argumento cai no


erro do universalismo. Jesus morreu por todos na cruz, mas
alguns são condenados com justiça pelos seus pecados. Na
dimensão temporal, uma pessoa por quem Jesus jesus morreu ainda
pode ser condenada aà morte. Na verdade, alguns condenados
aà morte aceitam Jesus e são perdoados de seus pecados _ e,
mesmo assim, por uma questão de justiça humana, têm que ser
executados. Outros não se arrependem _ e são condenados. O
fato de Jesus ter aberto o caminho da salvação, por meio de sua
expiatoria na cruz, providencia um lugar seguro no céu
morte expiatória
para aqueles que crêem nele. Não remove qualquer penalidade
que a sociedade humana se veja na obrigação de aplicar. E, no
caso daqueles que não acreditam nele, não remove a penalidade
justa que é a condenação eterna.
A problemática da aplicação da pena de morte em socieda-
des modernas é complexa. E provável que a maioria dos cristãos
evangélicos sintam um certo horror a essa penalidade e, na
medida do possível, queirain
queiram que o governo opte por outros
tipos de castigo. No entanto, não creio que possam afirmar
biblicamente que a pena de morte está errada _ o que torna
difícil aceitar na íntegra as posiçoes
posições de um movimento corrro como a
Anistia Internacional,
lnternacional, embora em outros aspectos elas sejam
louvaveis. lsso nos obriga a respeitar estados e
extremamente louváveis.
naçoes
nações que ainda praticam a pena de morte. Se fizermos cam-
panhas a respeito disso, ela deve ter a finalidade de que a pena
apenas seja aplicada como último recurso, corn com a maior preocu-
pação possível pela justiça da sentença e corncom o mínimo possível
de crueldade no método empregado.
No que diz respeito aà guerra, a aparente preferência da Bíblia
pela posição da guerra justa, relativamente
relativarnente àa do pacifismo, obriga-
nos a ter posição semelhante. Um adepto da guerra justa pode
situações de guerra em que
se ver obrigado a se opor a todas as situaçoes
seu país se envolve, porque essas guerras não são justas. Se for o
caso, será obrigado a se recusar tantas vezes quanto um pacifista
141

se recusa! A diferença é que o adepto da guerra justa admite


aquilo que o pacifista não admite: que pode haver algum caso
excepcional, em que, na verdade, a causa pode ser tão justa como
urna
uma causa humana pode ser e, nesse caso, embora com relutancia,
relutância,
acha não so
só que, mas também que deve se envolver na guerra.

Questões de morte (eutanásia e aborto)


Cabe aqui considerar formas de matar seres indefesos que
“Eutanasia“ significa “matar
têm, ou podem ter, a sanção da lei. 'Eutanásia` 'matar
por misericordia“
misericórdia' _ isto é, facilitar uma “boa
'boa morte'
morte` a alguém
cuja vida já se tornou um tormento, pois não vale a pena
prolongar a situação. O aborto, por sua vez, é provocar a morte
de um feto quando, por qualquer razão, o nascimento de uma
criança não é desejado.
O Juramento de 1-lipocrates,
Hipócrates, do século vV a. C., que influen-
ciou toda a historia
história da medicina
mediciria ocidental, inclui um voto
específico em que o médico se comprometia a não realizar nem
a eutanásia nem o aborto. Em 1949, apos após os abusos de Nurem-
berg, a Declaração de Genebra procurou reafirmar estes mesmos
valores, mas não em forma de juramento. Na década de 1960,
essa declaração foi reformulada pela Associação Médica Mun-
dial de forma a, em algumas situaçoes,
situações, deixar abertura para o
aborto.
A lei de Moisés não trata especificamente das questoes
questões da
eutanásia ou do aborto. Todavia, sua posição sobre todo tipo
de morte provocada, a não ser em uma situação penal com a
sanção da lei, é clara: “Nem condene a morte o inocente e o
25.7).
justo” (Ex 23.7).
A eutanásia na historia
história
episódio curioso na historia
Um episodio história do Antigo Testamento
revela corn
com bastante clareza a desaprovação divina em relação
aà eutanásia. O rei Saul morreu em uma situação clara de
suicídio (1Sm
(ISm 51.-4,5;
31.-4,5; 1Cr 10.4,5).
10.45). Seu pajem se recusou a
142

tomar parte do ato. Mas um amalequita reclamou o “mérito“ 'mérito' de


ter morto Saul, aparentemente julgando que o rei Davi ficaria
muito satisfeito. O relato em 2Samuel 1.1-16 deve ser considera-
do como uma simples mentira, em contradição ao verdadeiro
acontecimento relatado em 1Samuel 31.5 51.5 e 1Cronicas
1Crônicas 10.4,5,
10.45,
além de tratar o acontecimento como “eutant-isia“.
'eutanásia'. A reação de
Davi que não tem nenhuma razão para desconfiar da verdade
da versão que lhe é apresentada, fala por si: “Você é responsável
por sua propria
própria morte. Sua boca testemtrnhou
testemunhou contra você,
quando disse: “Matei
'Matei o ungido do SErsHtIiR.“““.
SENHOR"'.
Por outro lado, a possibilidade da “eutanásia
'eutanásia indireta“
indireta' não
parece estar totalmente fora da perspectiva do Antigo Testamento.
analgésico para os moribundos
O conhecido uso do vinho como analgosico
é recomendado em Provérbios 31.6,7:5I.6,7: ““Dê
“Dê bebida fermentada
aos que estão prestes a morrer, vinho aos que estão angustiados;
zmgustiados;
para que bebam e se esqueçam da sua pobreza, e não mais se
lembrem da sua infelicidade”. E bastante obvio óbvio que o resultado
indireto dessa forma de tratamento pode ser precipitar a morte
do doente.
No Juramento
juramento de Hipocrates,
Hipócrates, a condenação explícita da
eutanásia, durante séculos, deve ter marcado profundamente
profunclamente
a conduta médica. E É obvio
óbvio que em todas as civilizaçoes
civilizações a prática
da eutanásia pride
pode ter existido, mas antes do século XX, não
conhecemos qualquer justificação teorica teórica ou legal para o0 ato.
Nem o Novo Testamento nem os autores cristãos primitivos
fazem qualquer referência a essa prática.
Mas, como a vida real é mais complexa do que os princípios
ou as leis podein
podem sugerir, convéni
convém fazer alguinas
algumas distiriçoes
distinções en-
tre diferentes tipos de situação _ _ já que em algumas delas pode
ser praticamente inevitável permitir atos que alguns consideram
eutanásia. A possibilidade, já mencionada, fundamentada em
Provérbios 3151 .6,7, da “eutanásia
'eutanásia inditeta“
indireta' é claramente um desses
atos. A pessoa que administra ou recomenda a administração
do vinho não o faz para provocar a morte do doente _, mas
143

sabe que o resultado secundário do seu ato pode ser a anteci-


pação da morte. Os rnoralistas
moralistas catolicos
católicos descrevem essa situação
como um exemplo do “efeito 'efeito dup1o“.
duplo'. Outro exemplo comparável
é o de um piloto na Segunda Guerra Mundial que bombardeia
fábricas de armameritos.
armamentos. Não o faz com a intenção de matar
nenhum cidadão _, mas sabe que o resultado indireto de seu
ato pode ser a morte de alguns. Não é considerado culpado pela
morte desses cidadãos.
E costume também distinguir entre eutanásia “ativa“ 'ativa' e
“passiva“.
'passiva'. A ativa refere-se a um ato (injeção letal, por exemplo)
que provoca a morte de um doente terminal. A passiva é retirar
apoios artificiais que prolongam a vida do doente. Nas palavras
do Catecismo da lgrejaIgreja Catolica:
Católica: ““Pode
Pode ser legítima a cessação
de tratamentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários
ou desproporcionados aos resultados esperados. É E a rejeição
“excesso terapêutico'.
do 'excesso terapêutico“. Não que assim se pretenda a morte
do paciente; simplesmente se aceita o fato de não poder impedi-
la. A decisão deve ser do paciente, se estiver com competência e
capacidade para isso; do contrário, por quem tenha direitos legais
para isso, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses
legítimos do paciente".'}
paciente“.“ O Catecismo não usa o termo 'eutanásia
“eutanásia
passiva',
passiva“, e também preferimos não o usar. Aquilo que se costuma
chamar de 'eutanásia
“eutanásia passiva',
passiva“, embora possa envolver uma decisão
cristosa, não é uma forma de provocar a morte do doente. 'Deixar
custosa, “Deixar
morret“ não é o mesmo que 'matar'.
morrer' Fin “matar“. Se, ao passar perto de umuni
lago, vejo duas pessoas se afogando e opto por tentar salvar uma,
pela impossibilidade de salvar as duas, não estou 'matando'“matando“ a
segunda pessoa, embora em um uni sentido minha decisão seja a
causa de sua morte. Se um doente é mantido vivo por um tim
respirador artificial, o médico que retira o respirador, pois ele é
necessário para outro doente com melhores condições condiçoes de cura,
ele não 'mata'
“mata“ o primeiro paciente. Achamos preferível não aplicar
“eutanásia“ a uma situação que é inevitável e não envolve
o termo 'eutanásia'
nenhum desejo de provocar a morte.
144

Nos anos imediatamente anteriores àa Segunda Guerra


Mundial, o nazismo alemão legalizou um programa de eutanásia
involuntária. Centenas de milhares de cidadãos, crianças defici-
entes, inválidos da Primeira Guerra e doentes mentais morreram
como resultado disso. Mais recentemente, a 1-Iolanda
Holanda começou
a tolerar a eutanásia voluntária em alguns casos, embora sem a
legalização formal desse ato.
Associada àa questão da eutanásia está a do suicídio assistido.
própria morte com ajuda do
Nesse caso, o paciente provoca a propria
médico que providencia os iiieios.
meios. O problema ético é muito
semelhante: devido aà oscilação depressiva de doentes terminais,
é impossível garantir que uma decisão foi tomada em estado de
lucidez total. Um dia o doente pode sentir que so só quer morrer e,
no dia seguinte, estar tão aliviado que, com toda sua energia,
deseja retornar a batalha para viver.
'testamento
Nos Estados Unidos existe um sis tema chamado “testamento
em vida“.
vida'. A pessoa registra sua vontade por escrito enquanto
ainda tem competência para decidir sobre o tipo de tratamento
que estaria disposta a aceitar quando não tiver mais competên-
cia para se manifestar a respeito. O doente, ao ser admitido no
hospital, deve ser irifiormado
informado sobre essa possibilidade. Pode
nomear um procurador que tornará decisoes decisões em seu nome.
Pode pedir que, em certas circunstancias,
circunstâncias, não lhe seja dada ali-
mentação e água ou para não ser posto em rim um respirador arti-
ficial. Um pedido comum, por exemplo, é para não receber a
ressuscitação artificial depois de um ataque cardíaco. De modo
geral, o problema ético é muito seinelhante
semelhante ao da eutanásia.
Como é que uriiauma pessoa pode prever'
prever as circuristãricias
circunstâncias em que
sua vontade será aplicada? E o que dizer de situaçoes
situações em que
os familiares podem abusar do poder que têm como procura-
dores?
Joseph Fletcher, frunoso
famoso “eticista
'eticista de situação“, poe uma possível
situação', põe
situação dramática, cuja intenção é salientar a dificuldade de
resolver questoes
questões como a da eutanásia de forma fria e objetiva e
145
1115

a necessidade de as resolver em uma determinada situação. Ele


conta sobre um casal, com filhos pequenos, em que um conjugecônjuge
incurável, mas que não afetava o fígado. O
tinha um cancro incurãvel,
outro conjuge
cônjuge tinha uma doença grave de fígado e precisava de
transplante para poder viver. O cônjuge com cancro ofereceu
doar seu fígado para o outro -- _ para que tivesse condição de
órfãos. Sugere que essa atitude
criar os filhos, em vez de ficarem tirfãos.
Éé um exemplo da posição que a Bíblia recomenda: “Ninguem“Ninguém
tem maior amor do que esse, dar sua vida pelo amigo”. Embora
reconheçamos o altruísmo e o amor envolvidos nessa atitude,
achamos que um caso desses dificilmente se chega ao ponto em
que literalmente não há nenhuma outra saída possível, a não ser
esse gesto de 'suicídio altruísta'. Em se tratando de cristãos,
achamos que seu desejo será entregar tudo nas mãos de um Deus
soberano, em cujas mãos podemos deixar as questões do dia da
nossa morte e do futuro
fitturo dos nossos filhos.
Tem sido discutida também a questão da definição de morte.
Até o início do século
seculo xtx,
xrx, a morte era definida como a cessação
respiratória. Depois, até a decada
da função respiratoria. década de 1950, a morte
era definida como a cessação da função cardíaca. Mais tarde, a
ideia prevalente e'é que a pessoa morre com a cessação do córtex
cerebral (morte cerebral). A lei portuguesa não define a morte
nesses termos. Contudo, em 1985, a Procuradoria Geral da
República deu um parecer sobre o preãmbulopreâmbulo do Decreto-
555í76, atribuindo~lhe
Lei SSSÍTG, atribuindo-lhe esse sentido. Hoje, o consenso aqui,
e em outros contextos, eé a favor da definição da morte como
morte cerebral.
No entanto, permanece complexa como sempre a questão
de encontrar uma solução para casos de doenças terminais que
envolvem tanto sofrimento. Consideramos que apenas a perspec-
fé em Deus como Senhor soberano sobre a vida e
tiva bíblica da fe
a morte poderá dar a coragem para, em algumas situações, não
se pedir ou não se permitir a eutanásia. Passamos a considerar
alguns princípios bíblicos que nos norteiam sobre essa questão.
146
145

A eutanásia na Bíblia
Os únicos textos bíblicos que fazem referência iià eutanásia,
em algum sentido da palavra, já foram referidos. Êxodo 25.7
proíbe o povo de matar os inocentes e 2Samuel 1.1-16 ilustra
esse princípio por meio da posição tomada diante de uma urna pessoa
que quer reclamar como mérito um ato de eutanásia que dia diz
ter efetuado.
Praticar a eutanásia eé usurpar o lugar do Deus soberano.
Este dá o espírito que torna o homem uma alma vivente (Gn
2.7) e, quando Deus entende, o espírito volta para ele (Ec 12.7).
O salmo 90 destaca tanto os aspectos negativos como os
positivos em relação ao fato de que Deus determina os dias
que viveremos.
A morte na Bíblia não tié boa por definição. É E a consequência
do pecado humano (Gn 2.11: 2.17; Rm 3.25), e o apostolo
apóstolo Paulo a
chama de seu “último
'último inimigo”
inimigo' (ICo 15.26). Como podemos
estar cumprindo a vontade de Deus ao praticar um ato que
precipita a morte física de uma pessoa? Levando em consideração
o ensino da Bíblia sobre o tormento eterno que Éé tudo o que o
futuro promete aqueles
àqueles que morrem sem conhecer a salvação
em Jesus, como podemos precipitar a morte e possível tormento
eterno -de alguem
alguém motivados pela imisericordia?
'misericórdia'?
Se a pessoa em sofrimento Éé crente e confiou todos os dias
nas mãos de Deus, como poderá desejar que um familiar ou
médico decida precipitar o fim da sua vida aqui, como se não
medico
confiasse
confrasse que Deus sabe exatamente quantos dias que lhe dará?
Faz parte dos propositos
Fax propósitos de Deus permitir que a maioria de seus
filhos atravessem períodos de grande sofrimento _ os quais
contribuem para seu amadurecimento e santificação (Rm 5.5-
5; 2Co -4.115,17;
4.l6,17; Tg 1.2-4). A partir dessa perspectiva, quem
solicita ou pratica eutanásia opta por um atalho - _ como se fosse
vantajoso para a pessoa em sofrimento não se expor a tudo aquilo
que Deus previu para seu amadurecimento e aperfeiçoamento.
14?

Temos que concluir que, embora não se debruce explicita-


mente sobre a questão da eutanásia, a Bíblia fornece princípios
de fundo que nos permitem ver o erro dessa prática. Podemos
admitir que, em alguns casos, a chamada *eutanásia
“eutanásia indireta*
indireta'
ou a 'passival
'passiva' sejam lícitas. Mas achamos que para esses casos o
proprio
próprio termo `eutanásia`
"eutanásia não Éé bem aplicado _
- já que não se
trata de agir deliberadamente para provocar a morte de alguóni.
alguém.

O aborto na história
já nos referimos àã posição contra o aborto provocado
tomada no Juramento de Hipócrates. Embora esse juramento
envolvesse a invocação de deuses pagãos foi facilmente adaptado
por judeus, muçulmanos e cristãos e, durante sóculos,
séculos, serviu como
base fundamental da ótica ética médica. Apesar disso, no mundo
greco-romano era comum a prática do aborto, e foi preciso que
os pais da igreja cristã entrassem em cena para condenar essa
prática. Veja, por exemplo, o Dídaquë
Dƒdaqtiê (seculo
(século II):
ll): “Não matarás
o embrião por meio do aborto, nem farás farãs que morra o recém-
nascido”. Essa questão contribuiu para complicar o debate,
primeiro entre gregos e depois entre cristãos, sobre o momento
em que o bebê, ainda em formação, recebia a `almal, `alma', tornando-
se um ser humano. Por influííncia
influência de Aristóteles, o pensamento
cristão aderiu ã51 ideia
idéia de que o feto era animado pela alma hummia
humana
apenas em uma fase tardia de sua gestação (aos 40 dias no caso
do feto masculino e aos 80 no caso do feto femininol). Tomás
de Aquino afirmou depois que na primeira fase o feto tinha
uma alma vegetal, na segunda tinha uma alma animal e só na
terceira recebia uma alma que podia ser considerada humana.
Em 1538, o Papa Xisto V eliminou esse princípio aristotelico.aristotélico.
No entanto, não devemos imaginar que Aquino ou a Igreja
Católica usaram esse tipo de argumento para justificar o aborto.
O aborto continuou a ser uma ofensa mesmo nas fases em que
a alma que morria ainda não era considerada humana, só que
era considerado uma ofensa menos grave. Mesmo assim, nas
148
143

palavras do Novo Catecismo: “À “A Igreja pune com a pena


canônica da excomunhão esse delito contra a vida humana”.“l
canónica humana”.'“
As igrejas da Reforma tiveram pouco a dizer sobre o assunto,
não por não o considerarem importante, mas por que a atitude
em relação a essa prática era um ponto definido: nada havia
para dizer contra a posição tomada pela Igreja Católica.
Não eé difícil recolher elementos que provam que, ao longo
de séculos de história e nos mais diversos contextos culturais e
religiosos, a prática do aborto era conhecida. lvlas
Mas apenas na
última geração do seculo
Liltima século XX encontramos o aborto como uma
prática legal. E preciso chegar, por exemplo, ao estado do Texas,
1973. No processo Roe_Wade,
em I9?3. Roe-Wade, Jane Wade afirmou que
sua gravidez tinha sua origem em um ato de violação e que a
lei do Estado a obrigava a levar adiante sua gravidez. Ela alegou
seu direito a privacidade, com base na Constituição, e afirmou
que essa privacidade se estendia ateaté seu ótero.
útero. A sentença dada
pelo Tribunal defendeu o direito de Jane Wade ãà privacidade
e dividiu o período da gravidez em três períodos de três meses
cada, afirmando que no primeiro trimestre a mãe devia ter o
direito de abortar se desejasse. Depois vários processos legais
históricos confirmaram essa tendencia,
tendência, levando a uma situação
de permissividade extrema nessa questão. Em 1993, o presidente
Clinton assinou ordens executivas a favor do aborto em tres três
aspectos. Em primeiro lugar, aboliu a lei que proibia os funcioná-
rios em hospitais oficiais de mencionar o aborto como alternativa
a uma gravidez não-desejada. Em segundo lugar, aboliu a
proibição federal de realizar abortos em bases e hospitais militares.
E, por fim, aboliu a proibição do uso de fundos oficiais para
pesquisar a utilização de material de fetos abortados.
A história do processo Roe_Wade tem uma sequela menos
conhecida. jane
]ane Wade, depois de ter ganho o processo, admitiu
que tinha mentido, ela não tinha sido violada e a gravidez fora
consequência de falha nos métodos
metodos contraceptivos que usara.
Em 1995, se converteu àã fé fe cristã, deixou seu trabalho em
149

uma clínica de aborto e integrou-se a uma igreja cujo pastor eé


um dos dirigentes do movimento "Operation
`Operation Rescuel
Rescue` (Movi-
mento Militante Pró-Vida).
A legislação portuguesa que permite o aborto apenas em casos
em que a vida da mãe está em risco (aborto terapêutico), em que
há risco de grave deficiência do feto (aborto eugenêsico)
eugenésico) ou em
que a mãe foi violada (aborto de honra), por tuna
uma escassa maioria,
no referendo de 1998, se manteve da mesma maneira. Isso
significa que, em comparação com muitos outros países europeus,
signiflca
Portugal ainda tem uma lei bastante conservadora nesse campo,
“pró-escolha' eé bastante forte e
mas a influência do pensamento “pró-escolha`
receamos que a situação venha a mudar nos próximos anos.
Os movimentos militantes *pró-escolha*
Ús 'pró-escolha' costumam salientar
os seguintes argumentos a favor da sua posição:
((1) Roe-
1) O direito da mulher sobre seu corpo (no processo Roe--
Wade chamado o direito da privacidade).

(2) O fato de não se autorizar o aborto faz com que haja


muitos abortos clandestinos que envolvem riscos graves
para a saúde.

(3)
(5) As mães pobres, que são forçadas a dar ãà luz aos seus fi-
lhos, têm muitos problemas financeiros.

(4) As mulheres não devem ser forçadas a trazer filhos inde-


sejados ao mundo.

(5) As mulheres não devem ser obrigadas a trazer filhos


gravemente deficientes ao mundo.

(6) As vítimas de violação ou de incesto não devem ser for-


çadas a seguir com a gravidez.

(T)
(7) A dissuasão, se for usada, deve ser verbal e pessoal, e
não legal.
150
15€]

(8) O apoio oficial a mães que tiveram filhos sem terem


condições materiais para isso Éé muito dispendioso.
Na verdade, todos esses argumentos partem da base de
que um feto não Éé uma vida humana. Esse pressuposto subja-
cente constitui o que filósofos e juristas chamam de *petição `petição de
princípio”.
princípio'. Se o pressuposto básico Éé válido, isso constitui o
argumento mais forte a favor dos abortos; se Ée falso, todos eles
caem sem precisar de mais refutação.
Ú
O professor Diogo Leite de Campos” Campos“ diz o seguinte sobre o
pressuposto de base: “Os católicos, os protestantes, os judeus, os
muçulmanos, os liberais, os socialistas, etc. que consideram que
há vida humana desde a concepção, an tes de mais nada, pensam
antes
isso como seres humanos. Não se trata de um problema de
consciência condicionado por pressupostos religiosos ou políticos,
mas de um dado lobjetivolz `objetivo': há uma vida humana que deve ser
respeitada. Não Éé uma questão de opinião. Não podem consi-
derar o aborto um mal para si mesmos e um bem para os outros;
para
P ara si Éé ilícito, Ppara
ara os outros, lícito. Do mesmo modo, Cl que
ue não
podem considerar que oprimir miniorias religiosas, matar quem
mudar de religião ou deixar morrer de fome o vizinho Ée' um mal
que não devem praticar, mas que Éé aceitável para os outros".
Tenta-se definir em que momento, no período de gestação, o
feto se transforma em pessoa. A posição mais defendida Éé a que
afirma que a viabilidade, isto É, é, a possibilidade do feto viver fora
do útero, situa Ç ão Clque
situação ue ocorre na 24:* ou 26* semanas, É o momento
em que o feto se transforma em pessoa. Mas a dependência da
mãe para a sobrevivência não abrange a definição de pessoa. E,
como argumenta Leite de Campos: "“ Um recÉm-nascido recém-nascido com uma
gestação de vinte e cinco semanm semanas Éé menos autónomo
autônomo do que um
nascituro, no útero materno, com trinta e sete semarias”.lísemanas”.l2
Outra posição, Éé aquela que afirma que o feto cujo cÉrebro cérebro
já funciona Éé considerado uma "pessoa` `pessoa` -_
_ isto É,
é, a partir dos
45 dias de gestação. Compara-se o feto antes disso com a pessoa
clinicamente morta, cujo cÉrebro cérebro deixou de funcionar.
151

Contudo, É óbvio que existe uma diferença muito grande eii- en-
tre um cÉrebro
cérebro que nunca voltará a fiincionar
funcionar e um cÉrebro,
cérebro,
parcialmente formado, que possui a capacidade latente de
funcionar. Uma terceira posição, ainda, afirma que o feto que
experimenta sensações, em especial, de dor, Éé uma lpessoal.
*pessoa°. No
entanto, existem outras situaçóes
situações em que há ausência de sensibi-
lidade como, por exemplo, a paralisia ou o coma. (Não argii- argu-
mentamos que uma pessoa paralisada ou em coma deixou de ser
pessoa.) Ainda outras posiçóes
posições afirmam que o feto já Ée' “pessoal
“pessoa”
quando começa a se movimentar ou ter aparência humana. Mas
que bases objetivas nos levam a afirmar que o movimento coiistitui
constitui
personalidade _ ou que só Éé humano aquele que parece ser?
Por fim, há quem defenda que só Éé “pessoa” o bebê que
nasce. Essa talvez seja a posição menos defensável,
defensavel, já que um
bebê um dia antes de nascer éÉ praticamente idêntico em tudo
ao bebê que nasceu há um tim dia, sendo a única diferença o local
em que se encontra.
É
E evidente que todas essas posições
posiçóes são subjetivas e não
podem ser provadas cientificamente. Assim, nosso dever éÉ
proceder com muita prudência. Se, no presente momento,
ternos dúvidas se um feto éÉ pessoa ou não, não será mais correto
dúvida* e evitar cometer um ato de
'lhe dar o benefício da dúvida'
violência contra ele? O argumento que afirma que o embrião
éÉ (pessoa`
“pessoal a partir da implantação no útero, pelo menos, possui
tantos argumentos científicos favoráveis quanto qualquer outra
posiçóes. Leite de Campos diz: “Todos os momentos de
dessas posições.
transição apontados são arbitrários: a fase de desenvolvimento
anterior não apresenta diferenças que permitam concluir que
antes não havia um tim ser humano e que um tim segundo, um minuto
ou uma hora depois, já há”.15há“.15

O aborto na Bíblia
Tal como a eutanásia, o aborto não éÉ objeto de nenhum
estudo específico nos livros da Bíblia. Contudo, mais ainda do
que em relação ãà eutanásia, o texto de Êxodo 25.? 23.7 (““nem
(“nem
condene àii morte o inocente e o justo“)
justo”) deve ser entendido
como pondo de lado qualquer possibilidade de concretizar esse
ato. A Bíblia mostra claramente que, no entender de Deus, o
feto Éé uma pessoa. Jó 3.3 se refere as às palavras da personagem
principal de sua revolta: ““Pereça
“Pereça 0o dia do meu nascimento e a
noite em que se disse: “Nasceu um meninol“““
menino!'” O texto pressupóe
pressupõe
a continuidade entre o ser que Éé concebido e o ser que nasce.
Outros textos, como Jeremias 1.5 e Isaías 49.1 descrevem a
Dutros
forma como Deus se relaciona com a pessoa quando esta ainda
está no ventre de sua mãe. Salmos 159.15-16
139.15-16 descreve esse
conhecimento de forma comovedora: ““Tu “Tu ctiaste
criaste o íntimo do
meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo
porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras
são maravilhosas! Digo isso com convicção. Meus ossos não
estavam escondidos de ti quando em secreto fui formado e
entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos viram
o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram
escritos no teu livro antes de qualquer deles existir”. Salmo 51.5
afi tina que a pessoa, com a tendência inata de pecar existe desde
afirma
o ato da concepção (ver tambóm
também Lc 1.15).
O Novo Testamento, em Lucas 1.41, descreve o salto de
alegria que uma cri“anci“nlia
crianciníia dá no ventre de sua mãe. Em
Lucas 2.16, a mesma palavra, brephos, Éé usada para designar o
bebê ]esus
Jesus já nascido.
Os defensores da posição pró-escolha teiidem
tendem a apelar ao
texto de Êxodo 21 .22-25. Na versão de joão João Ferreira de Almei-
princípio de “vida por vida, olho por
da, essa lei estipula que o priiicípio
olho, dente por dente, mão por mão, pÉ pé por pÉ“
pé* (a chamada
talionis) deve ser aplicado no caso ein
lex talíoiiis) em que homens estão
lutando e ferem uma mulher grávida, causando um aborto
acidental. “Se
`Se não houver morte“,
morte”, a penalidade será apenas uma
multa. Essa tradução implica que um aborto acidental não Éé
morte. O problema desse argumento está no fato do verbo
aqui traduzido por “abortar“,
`abortar`, não ser o verbo hebraico que
normalmente tem esse sentido _ -- slialtal.
sllalraí. 'D
O verbo yasa Éé que
normalmente se refere ao nascimento de uma criança viva.
Parece mais natural, então, supor que o resultado do acidente
previsto por essa lei Éé um nascimento prematuro. A mulher,
ria
na situação da briga, pode dar ãà luz prematuramente. Se ela
morrer, a pessoa que causou sua morte deve morrer tambem.
iuorter, também.
Se não morrer a pessoa terátera apenas que pagar uma multa.
Assim, o uso desse texto para afirmar que um feto não Éé
considerado pessoa não Ée um argumento válido.

Conclusos-s
Conclusoes sobre o aborto
Um tratamento exaustivo desse assunto teria que se debru-
çar tambem
também sobre os efeitos provocados pelo aborto na vida
física e psíquica da mulher. A angústia e depressão que muitas
sofrem, dificilmente podem ser atribuídas apenas a preconceitos
e a uma consciência reprovadota.
reprovadora. Uma pessoa não se submete
impunemente a uma situação em que dá da prioridade aos seus
interesses pessoais em detrimento dos de outro ser humano.
Em Portugal, em relação àii atual lei, devemos mostrar nossa
satisfação por não ser permitido o aborto a não ser nos três casos
de excepção mencionados. O caso do aborto tcrapetiríco,
terapêutico, Éé
óbvio que se trata de uma situação em que não deve liaver haver
penalização,
penalização, já que envolve uma opção, muitas vezes angustiante,
entre a tentativa de salvar a vida de uma pessoa (a mãe) e o risco
de sacrificar a vida da mãe e do filho. Uma mãe cristã, confiante
no Senhor e em sua obra miraculosa, pode se recusar a abortar,
mesmo quando o medicomédico aconselha o aborto terapêutico (por
exemplo, em um caso de cancro do útero). ouvimos sobre
situações desse tipo em que Deus interveio, salvando a vida da
situaçóes
mãe e do filho. Mas, Éé claro, não podemos pedir que a legislação,
que eé para crentes e descrentes, tente forçar essa opção.
Em relação ao aborto eiigeiiesicti,
eugene'sic'tJ, consideramos que Éé
preferível não optar pelo aborto, mesmo em casos em que as
154

inúmeros casos
deficiências do feto sejam muito graves. Existem inúnietos
de pais de crianças com Síndrome de Dovvn, Down, ou condiçóes
condições
mais graves ainda, que poderiam ter optado pelo aborto, no
caso de terem sabido antes do seu nascimento qual era sua
condição, mas que agora se alegram com seu filho e se sentem
profundamente realizados em cuidar dele. Devemos ter em
mente que despenalizar um ato não significa necessariamente
aprová-lo. Podemos usar nossa influência como cristãos e como
amigos junto àqueles que descobrem, antes do nascimento de
seu filho, que ele tem um grave defeito, para que não aceitem
solução' do aborto. Mas não precisamos de uma lei que
a “solução“
reforce essa convicção por nós.
O aborto de honra Éé uma situação que pode ser encarada
de modo semelhante. No caso de uma jovem conhecida, crente
ou não, ser violada, podemos recomendar enfaticamnte, que
ela não aborte, e que a criança seja tratada com carinho no
ãmbito
âmbito da família estendida. Reconhecemos e compreendemos
sua relutãncia
relutância em deixar que a gravidez tenha continuidade.
No entanto, aconselliamos
aconselhamos o respeito pelo ser humano que não
tem culpa de ter sido originado dessa maneira. Não parece
tambem
também muito necessário que estejamos respaldados por uma
lei que penalize essa situação.
Nossa oposição, como cristãos, iià prática do aborto deve
ser firme e convicta. Nessa questão damos as mãos aos católicos,
humanistas e quaisquer outras pessoas que se associem ãà luta
'pró-vida' e contra a luta “pró-escolha“.
“pró-vida“ 'pró-escolha”. Em relação iià lei existente,
consideramos mais apropriada a atitude de nos mostrarmos
satisfeitos com ela do que lamentar que não seja mais restritiva.
Essa causa, em muitos outros países, já foi perdida _ o aborto,
situações,
em praticamente todas as situaçóes, despenalizado.
foi despeiializado.
Parafraseando as palavras de Apocalipse 2.25, podemos manter
a luta para que se retenha aquilo que temos!
155

Questoes de vida

Tecnologias reprodutivas
Um casal que durante um ano de relacionamento sexual,
sem contraceptivos, não consegue ter uma criança costuma ser
considerado infertil.
infértil. O problema, como se costumava pensar,
não É necessariamente da inulhet,
mulher, há muitos casos de infertilidade
masculina. Na Bíblia, Ana, mulher de Elcana, era infertil
infÉrtil _ e
por isso era constantemente provocada pela outra mulher de
Elcana (1Sm 1.6). AteAtÉ hoje essa situação É dolorosa. Em algumas
culturas, isso É considerado motivo suficiente para o liomem
homem se
divorciar ou para se unir com uma segunda mulher.
E óbvio que a adoção É uma solução positiva _ nos casos
em que seja possível encontrar uma criança que tenha sido
abandonada ou entregue para adoção pelos pais biológicos.
Contudo, na maioria dos países ocidentais há poucas crianças
que podem ser adotadas. Hoje, I-Ioje, os casais, com naturalidade,
recorrem ii21 medicina que dispóe
dispõe de muitos tipos de tratamento
que podem resolver, ou ultrapassar, o problema da infertilidade.
Algumas dessas formas de tratamento não se preocupam com
qualquer questão Ética, já que são tentativas de corrigir defeitos
físicos por meio de cirurgia oiiou medicamentos. Aqui, podemos
incluir operaçóes
operações para reparar ou desbloquear trompas falopia-
nas e tratamento hormonal para estimular a ovulação.
A inseminação artificial pode ser efetuada com o uso de
espermatozóides do marido, artificialmente introduzidos no
corpo da mulher. Nesse caso, costuma ser designada inseminação
artificial intra-conjugal (IAC) ce poucas pessoas levantarão
qualquer questão Ética a esse respeito. Em Portugal, É muito
comum a ICSI (lrijeção
(Injeção liitracitoplasmática
Intracitoplasmática de Espermato-
zóides), em que são usados espermatozóides do marido. No
entanto, É óbvio que o dilema Éticoético É difícil quando o marido
não pode produzir espermatozóides e os espermatozóides intro-
duzidos no corpo da mulher são de outros homens. Nesse caso,
156
155

o processo É designado inseminação artificial com doador (IAB)


(IAD)
e costuma-se usar espermatozóides de dois ou três doadores.
Outra possibilidade, menos utilizada, É a transferência
intrafalopiana de gâmetas
gãmetas (GIFT). Nesse caso, trata-se de uma
operação em que os óvulos, por cirurgia, são removidos da mulher
e reintroduzidos com espermatozóides nas trompas falopianas,
onde a fertilização pode ocorrer naturalmente. Outro mÉtodo método É
a transferência intrafalopiana de zigotos (ZIFT) que envolve a
fertilização do óvulo fora do corpo e sua reintrodução cirúrgica
nas trompas falopianas. A fertilização in vitro (FIV) só difere da
transferencia
transferência intrafalopiana de zigotos (ZIFT) na medida em
que, neste caso, o óvulo fettilizado
fertilizado É introduzido no Liteto.
útero.
I-loje, a já notória questão das *mães
Hoje, 'mães de aluguel*
aluguel` --
_ termo
popular aplicado a mães 'sub-rogadas', que poem põem aà disposição
seu útero, ou mesmo um de seus óvulos e seu útero, durante
um período de nove meses _ tambÉm também se torna um assunto
polêmico. Nesse caso, uma mulher pode receber, em seu útero,
um óvulo fertilizado de outro casal e se prontificar a dar a
criança logo que nasce: transferência de embrião ãa sub-rogada
(TES). Ou pode receber apenas os espermatozóides de outro
homem, oferecendo um de seus óvulos e seu útero, para que
depois o outro casal possa receber o filho a quem deu à luz,
r¬nÉtodo
método que É conhecido como maternidade sub-rogada (MS).
Ela pode ter motivos altruístas: o desejo de ajudar um casal
que, de outra forma, não pode ter filho; ou comerciais: o desejo
de ganhar urna uma quantia estipulada pelo `alugueli
'aluguel' de seu corpo.
Em 1937,
1987, o Vaticano se pronunciou desta maneira sobre
reprodutivas:'“f “Pi
as tecnologias reprodutivaszlfl “A procriação de uma nova
pessoa, na qual o homem e a mulher colaboram com o poder
do Criador, deve ser o fruto e o sinal da entrega mótua mútua dos
cônjuges, do seu amor e da sua fidelidade... O casamento e
cónjuges,
indissolúvel É o único contei-tto
sua união indissolóvel contexto digno da procriação
responsável... Mas de um ponto de vista moral
verdadeiramente responsãvel...
a procriação É privada dc de sua perfeição própria quando não Éé
15?

desejada como o fruto do ato conjugal, isto É,


é, do ato específico
da união conjugal... A procriação de um ser humano deve ser
realizada como fruto do ato conjugal derivado do amor entre
H
pessoas”.
PÉSSÚHS . '5
E natural que o cristão evangÉlico
evangélico concorde com esse
princípio. Assim, a inseminação artificial com doador (IAD) É
reprovãvel,
reprovável, por envolver uma terceira pessoa, o que pode ser
considerado um tipo de `adultÉrio'.
`adulte'rio'. Da mesma maneira, a GIFT,
a ZÍFT
ZIFT e a FIV não serão admissíveis no caso de se usar os
espermatozóides de outro homem que não seja o marido.
Quando se efetua a fertilização do óvulo fora do corpo, mesmo
que com os espermatozóides do marido, isso significa que um
processo de masturbação foi usado para que os espermatozóides
estivessem disponíveis, o que para o católico constitui um sÉrio sério
problema Ético.
ético. Como mostratemos
mostraremos em outra passagem, o catoli-
cismo considera a masturbação em si um ato pecaminoso; um
cristão evangÉlico
evangélico poderá admitir esse ato com a única finalidade
de produzir espermatozóides para a reprodução artificial. Por
esse motivo, para o católico, portanto, a TIFG, a TIFZ e a FIV,
mesmo quando são realizadas com os espermatozóides do marido,
devem ser rejeitadas. Parece-nos que para o cristão evangÉlico,
evangélico,
esse não serã
será necessariamente o caso.
método que envolve a fertilização
Mesmo assim, qualquer mÉtodo
fora do corpo da mulher implica a e:-tistóncia
existência de cmbrióes
embriões ezce-
exce-
dentãrios,
dentários, jã
já que nunca É possível se fazer apenas um. lsso
Isso significa
que vidas, que em princípio são humanas, são preservadas
artificialmente, fora do seu habitat, e podem ser usadas para
investigação ou, depois de algum tempo, jogadas fora. A
legislação inglesa e francesa defendem que a partir dos cinco
anos esses embriões devem ser descongelados. Parece-nos que
essa objeção Éé muito significativa e tertí
terá que ser bem pesada por
qualquer cristão que se envolva nessa zírea. área.
Os problemas da maternidade sub-rogada são flagrantes,
independente da fÉ fé que sigamos. Uma mulher pode desejar
158
153

sinceramente ajudar outro casal por meio desse tipo de serviço.


No entanto, não sabe com antecedência a ligação afetiva que
desenvolverá com o feto. Em muitos casos, a mãe, ao chegar
perto do fim da gravidez, muda de idÉia
idéia e estã
está disposta a lutar,
mesmo que seja por meio de processo judicial, para ter direito
ãà criança que estã
está se desenvolvendo em seu útero. Contudo,
isso significa a quebra de um contrato _ e, em princípio, a lei
não cederã
cederá ãà sua vontade, apesar de serem compreensíveis
comprecnsíveis as
dificuldades afetivas que eaperimenta.
experimenta.

Uma perspectiva bíblica


É óbvio, a Bíblia não se pronuncia sobre técnicas
tÉcnicas médicas
mÉdicas
ou cirúrgicas para a reprodução artificial. No entanto, não deve-
mos nos esquecer de que o fenómeno
fenômeno da maternidade sub~rogada
sub-rogada
eitiste
existe em duas passagens do Antigo Testamento! Abraão, ao
verificar que sua mulher Sara tinha filhos, teve relaçóes
relações com Agar,
sua escrava, para que esta lhe desse um filho (Gn 16.1-6). Foi
Sara quem fez essa sugestão e parece que o costume era aceitãvel
aceitável
conforme os padroes
padrões Éticos
éticos da Época.
época. A única diferença entre
esta maternidade sub-rogada e a atual, sobre a qual estivemos
tecendo considerações, Éé que Abraão teve relaçóes
relações sexuais com
Agar e a de hoje envolve um processo de concepção artificial.
Em Gênesis 30.1-13, Jacó teve filhos da serva Bila que serviu de
estéril, Raquel, e da serva Zilpa que
sub-rogada para sua mulher estÉril,
serviu de sub-rogada para sua mulher Lia, quando esta deiitou deixou
de poder gerar filhos.
No primeiro caso, o de Abraão, a Bíblia mostra sua desa-
provação em relação ao processo usado para gerar um filho.
Contudo, essa desaprovação pode não significar, em princípio,
rejeição do mÉtodo,
método, mas apenas que Abraão foi reprovado por
não manter sua confiança firme na promessa de que seria Sara,
sua mulher, a mãe direta do filho prometido. O tezto texto de Gêne-
sis 5U.l-I5
50.1-13 não regista qualquer atitude de desaprovação. No
entanto, devemos lembrar que o fato do corpo de uma serva
159

estar ãà disposição do seu senhor, para efeitos de reprodução,


reproduçao,
não condiz com a nova liberdade que os servos (e servasi)
servasl) ganha-
ram na Nova Aliança (cf. Gl 5.28). 3.28). Hoje, um ato desses seria
considerado adultÉrio.
adultério. E, mesmo quando se trata de reprodução
artificial, o envolvimento de uma terceira pessoa que ¡empresta`
`empresta`
seu corpo para que se gere um filho tem muitos pontos em
comum com o adultÉrio
adultério para que fiquemos minimamente des-
cansados em termos de Ética ética cristã.
Contudo, parece-nos que a reprodução tecnológica não
precisa ser rejeitada em sua totalidade, como tambóm
também não precisa-
mos ter tanta reserva em relação a essa matÉria
matéria como a Igreja
Católica. Nosso problema não éÉ se a fertilização do óvulo se processa
fora ou dentro do corpo da mulher. Nosso principal problema Éé
se outra pessoa (ou outras pessoas), alÉmalém do casal, esta
está envolvida
no processo de reprodução, contribuindo com espermatozóides
(no caso da [AD
IAD e, em alguns casos, na GIFT, na TÍFZTIFZ e na FIV)
ou com óvulos (MS) ou só com o útero (TES). Consideramos que
quando eflste
existe o envolvimento de alguóm
alguém ezterno,
externo, corremos o risco
de desobedecer ao sÉtimo
sétimo mandamento (“não adulterarãs”).
adulterarás").
Engenharia genética
Clonagem
Os distintos processos que hoje são abrangidos pelo termo
`clonagem' têm em comum o fato de fazerem uma icópiai
`clonagen¬.í “cópia” de
um ser humano (ou animal), ainda vivo ou morto. Costuma-se
afirmar que nenhum clone humano foi produzido atÉ até hoje,
mas convÉm
convém lembrar que, em 1995,
1993, em um sentido do termo,
a clonagem humana se concretizou. Nesse ano, Hall e Stillman
realizaram uma clonagem de embriões, fazendo cópias de
embriões fertilizados ín in vitro no laboratório. De 17 embriões
conseguiram produzir um total de 48. Esse processo reproduz
artificialmente o processo natural que ocorre quando nascem
gêmeos (ou trigêmeos) idênticos.
160
lõü

O sentido mais habitual da clonagem, no entanto, Éé aquele


que, em 1996, se tornou conhecido com a criação artificial da
ovelha Dolly. Nesse processo o núcleo Éé removido de um óvulo
maduro, mas não fertilizado, e Éé substituído pelo núcleo de uma
cÉlula
célula do corpo de um organismo adulto. Trata-se de urna uma forma
de reprodução asseituada,
assexuacla, que resulta na produção de um novo
indivíduo ou indivíduos de apenas um progenitor. Se for
produzido mais de um clone, todos serão idênticos. O que se
pretende, em casos de esterilidade, Éé um filho. Ou, assim,
*melhorara
`melhorar, os processos biológicos habituais, selecionando
indivíduos para determinadas tarefas ou com determinadas
características. Pode ser uma tentativa de produzir um novo
indivíduo idêntico a outro que morreu. Ou a finalidade pode
ser a obtenção de rÉplicas
réplicas como fontes de órgãos para trans-
plantes. Naturalmente, o fato de um indivíduo, produzido por
clonagem, no início de sua existência ser idêntico a outro não
significa que continuará assim, já que os fatores ambientais têm
grande influência nas características que desenvolverá.
Em termos éticos
Éticos éÉ muito problemática a idéia
ideia de produzir
uma nova pessoa para ser como outra ou para realizar determi-
nadas tarefrrs.
tarefas. A pessoa que opta por fazer isso dá valor ao clone
não como um ser novo, corn com todas as potencialidades que uma
vida nova pode ter, mas como um substituto para outra pessoa
ou como um meio de atingir determinadas finalidades estabe-
lecidas por ela mesma.
E óbvio que a produção de clones para a obtenção de órgãos
também envolve sÉrias
para transplantes tambóm sérias dificuldades, uma vez
que um clone Éé um ser humano, corno como qualquer outro, e não
pode ser morto apenas por que algum órgão vital, como corno o coração,
o fígado ou outro, são necessários para socorrer outro ser humano!
Outro problema Ético ético Éé o mesmo que surge no caso das
tecnologias reprodutivas já mencionadas: o fato de ser preciso
formar vários embriões e, assim, perder a maior parte deles.
Além disso, há o problema delicadíssimo da identidade
AlÉm
pessoal de um clone. Um clone tem um 'outro “outro eu”, quer seja
161

uma pessoa que morreu e que tem a função de `substituiri


'substituir' quer
seja outra pessoa viva que geneticamente Éé idêntica (mesmo
que tenha desenvolvido algumas características distintas). Os pais
(se os houverl), ao optar pela clonagem, se envolveram em um
processo de imposição de identidade pessoal no novo indivíduo,
o que vai muito alÉm
além da influência que, em geral, têm no processo
de educação. Se não houver pais, isto É, é, se o clone surgiu apenas
da decisão de uma pessoa que doou o núcleo e de outra que
doou o óvulo sem núcleo, surge a questão de saber quem Éé real-
mente o progenitor do novo ser. Será que pode haver alguma
vantagem no surgimento de novos indivíduos que são privados
de ter pais no sentido normal do termo? Ou cuja ligação mais
direta Éé com indivíduos que são intermediários e não pais? (Nesse
caso, os pais dos intermediários, que o clone pode encarar como
`avós`, são biologicamente mais pais dele do que esses intermedi-
áriosl). É
E bastante óbvia a possibilidade de problemas psicológicos
graves em situações como essas e não Éé fácil imaginar que tipo de
medidas devem ser adotadas para evitá-los.
evita-los.
Ao permitir a existência de clones, na verdade, estamos
dando origem a seres menos livres do que que nascem pelo
processo de reprodução sexual; seres que são concebidos para
que alcancemos
alcanccmos algum objetivo, e não do seu Criador, e que,
em princípio, julgamos que podemos usar para atingir nossos
objetivos.
Não apenas o clone, mas também tambÉm o clonado pode ter
problemas psicológicos graves. Este ao envelhecer, por exemplo,
exernplo,
pode ter a experiência angustiante de ver uma urna pessoa mais nova
surgir corn
com muitas de suas próprias características e que conse-
gue fazer tudo aquilo que ele (o clonado) fazia antes e agora
não pode. Ou atingir objetivos que ele não conseguiu.
Mesmo em um contexto humanista ateísta creio que alguns
desses fatores parecerão chocantes. Contudo, em um contexto
cristão, em que o papel de Deus como único Criador e Senhor
nos impede de tentar criar vidas por mótodosmétodos de reprodução
162
152

assexuada. O texto do salmo 159139 (13


(15 a 16), citado em relação
ao aborto, atribui apenas a Deus o pró-conhecimento
pré-conhecimento das carac-
terísticas da vida ainda informe. A tentativa por parte do homem
de idealizar uma vida ou vidas humanas ultrapassa os limites
da função de cooperador-
cooperador _ que o ser humano (seja pai, mãe,
rnÉdico, parteira ou educador) sempre tem na formação de
médico,
pessoas para o futuro _-_ e o põe no papel de usurpador,
rrstrrpacíor, tentan-
do tomar decisões que competem apenas a Deus.
Outras formas de engenharia genética
AlÉm da clonagem, as possíveis técnicas
Além tÉcnicas abrangidas pela
expressão 'engenharia genética'
genÉticai são variadíssimas e um tratamento
profundo envolveria um estudo especializado que está comple-
tamente fora do âmbito
ãrnbito deste livro. Aqui, apenas sugiro algumas
linhas gerais de orien tação que poderão servir de base para outros,
orientação
médica específica, que vierem a se debruçar
com preparação mÉdica
sobre essa área que Éé simultaneamente fascinante e assustadora.
Desde o princípio, o que deve ficar claro Éé que a engenharia
genética (termo emotivo em si mesmo) não Éé necessariamente
genótica
uma área vedada. O screenirrg,
screening, por exemplo, envolve a procura
de informação genÉtica
genética que pode ser útil para detectar a susceti-
bilidade das pessoas para doenças tais como a artrite severa ou a
depressão. Mas seria lícito, por exemplo, testar indivíduos
individuos porta-
dores de doenças, mas que ainda não desenvolveram os sin tomas,
_evando
levando em consideração os possíveis riscos para os filhos? Seria
iícito
lícito efetuar esses testes em pacientes sãos, mas que têm a possibi-
lidade de desenvolverem doenças degenerativas mais tarde?
Mesmo nos casos em que se estabelece que o screening pode ser
lícito, surge a questão Ética
Íícito, ética em relação ao uso que muitas vezes Éé
feito com a informação obtida. Será que Éé sempre vantajoso uma
pessoa saber de uma doença que pode vir a contrair muito mais
tarde? Será que há benefício no conhecimento dos defeitos que
podem surgir no seu filho? Se um defeito grave for detectado
em um feto, isso justifica o aborto eugenósico?
eugenésico? Parece-nos, devido
ao fato da informação obtida nem sempre ser tão exata como
163
153

alguns consideram, que deve haver muita cautela na transmissão


dessa informação e no aconselhamento do que se fazer em conse-
quência desse conhecimento. Há muitos casos em que Éé melhor
para o doente, ou provável doente, não saber dos riscos que ele
ou seus filhos correm.
A terapia genética inclui áreas claramente admissíveis, tais
células somáticas. As cÉlulas
como a terapia de cÉlulas células normais do corpo
gené-
do doente são examinadas e, se forem descobertos defeitos genÉ-
ticos, há a possibilidade de correção, de eliminação, de comple-
mentação ou de adição, processos que não envolvem nenhum
ético maior do que está envolvido, por exemplo, no
dilema Ético
transplante de órgãos. Hoje, no entanto, o número de defeitos
genéticos que podem ser tratados dessa forma Éé bastante
genÉticos
limitado.
modalidades de terapia genótica
Outras rnodalidades genética envolvem dificul-
dades Éticas
éticas muito maiores. Qualquer processo que envolve a
inserção de genes em espermatozóides, óvulos ou embriões para,
por antecipação, diminuir o risco da própria pessoa ou filhos
contraírem determinadas doenças Éé muito problemático. As
consequências adversas podem ser maiores do que o benefício e,
nesses casos, se qualquer dano for causado ao DNA, isso pode
ocasionar defeitos nas gerações subseqüentes.
Mais alarmante ainda Éé a perspectiva da engenharia genó-
gené-
tica vir a ser usada para o aperfeiçoamento da raça. Há anos,
muitas pessoas acalentam o sonho de tentar produzir melhores
desportistas ou melhores músicos, por exemplo, por meio da
manipulação dos genes. Aqui, alóm além de haver uma tentativa de
substituir o Deus soberano em sua tarefa de dotar as criaturas
com determinadas capacidades, há tambóm também o enorme risco
prático de produzir seres que são superiores em alguns aspectos
e desequilibrados ou deficientes em outros.
Conclusões
É
E claro que tÉcnicas
técnicas modernas que hoje suscitam *questões
'questões
vida' não são objeto de nenhum estudo explícito nas páginas
de vida*
164

da Bíblia. Em alguns casos, as considerações Éticas éticas tecidas por


um crente podem não ser muito diferentes daquelas que são
tecidas por um descrente sensível e humanitário. Não Éé de
modo algum monopólio dos cristãos, o respeito que existe diante
dos rnistÉrios
mistérios da origem da vida e da personalidade humanas.
Para muitos, o sonho de fabricar uma espÉcie espécie superior faz
lembrar as fantasias nietzschianas do 'super-homeml “super-homem` ou os
horrores do arianismo e do nazismo. A pretensão do homem
de ter um papel decisivo na determinação de qualidades ou
personalidade que um futuro ser humano poderá ter, não Éé
muito atraente nem para o humanista sensível nem para o
cristão. Essa pretensão pode se referir ãà formação de um novo
ser humano com o envolvimento do espermatozóide, do óvulo
ou do 'útero de uma terceira pessoa que não o pai ou a mãe
unidos em seu compromisso de amor ou pode se referir ãà
tentativa de interferir com os genes da pessoa, com o desejo de
icriarl
icriar' um homem melhor por meio da manipulação de genes.
Aqui, sem dúvida, o cristão se lembra dos muitos textos
bíblicos que afirmam categoricamente que Deus Éé o Criador e
Artífice que, de forma exclusiva, trabalha na origem da perso-
nalidade humana:
“Então o S1sr¬›IHt_Í1R
SENHOR Deus formou o homem do pó da terra e
soprou em suas narinas o fôlego fólego de vida, e o homem se tornou
vivente" (Gn 2.7).
um ser vivente” 22').
Disse-lhe o SENHOR:
Servir-rt¬r11r.: “Quem deu boca ao homem? Quem
o fez surdo ou mudo? Quem Queru lhe concede vista ou o torna cego?
Não sou eu, o SENHOR?”
S1¬‹.t¬~II~i‹;I'Jlt?" (Ex 4.1 1)?
“Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de
minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e
admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com
convicção” (Sl 139.14).
“Antes
"Antes de formá-lo no ventre eu o escolhia; antes de você
nascer, eu o separei e o designei profeta às as nações”
nações" (Jr
(]r 1.5).
O problema não éÉ apenas se o homem deve tentar interferir
nessa área, mas também
tambÉm se, na verdade, tem alguma coisa útil
165
155

com que possa contribuir para uma obra que de tal modo o
ultrapassa e deixa maravilhado.
No entanto, o fato do Criador soberano não se opor ãà ciência
rnÉdica,
médica, em muitos casos colaborando ativamente com ela, sugere
que as tecnologias reprodutivas e a engenharia genÉtica,
genética, quando
têm objetivos puramente terapêuticos e não interferem corn com
padrões Éticos
éticos definidos na Bíblia, podem ter seu espaço. já ]á
sugerimos algtunas
algumas pistas para que se possa saber quando realmente
esse Éé o caso: não se trata da tentativa de criar uma personalidade,
mas apenas de permitir a fecundação e o desenvolvimento de um
feto eiou
e/ou minimizar os riscos de um ser humano nmcer nascer deficiente
ou com uma tendência acentuada para doenças hereditárias.
Como já dissemos, essa área não está isenta de possíveis problemas
Étioos.
étioos. Mas não nos parece que, em princijoio,
principio, as dificuldades a
vencer serão maiores
rnaiores do que no caso, por exemplo, de transplante
de órgãos tais como rins, fígado ou coração. í'

Notas
'l`ertI.1iiat¬rr1_, “Aecrcfl
1. ilierrtlliillm, *“Accrca tia
da ltlolat1'ia",
idolatria", Cltfltln
citatlo em “La História tlel (Íristianisn'u›”,
I'fÍristianisn1o",
lsiertnetb Scott Lattulrettu.
Keilnetll Latottrette.
Ê. lactâncio,
2. l.actiirtcio¬ “Asl|¬1stil“urasDivinas",
“As ltistirutas Divinas", citado em l.atourette.
Ê. Laetâncio,
3. l.actãncio, “As lnstiluras
lnstitutas Divinas”.
Agrrstinhrr, em °(Ía1"ra
4. Agostinlio, “Cr-t1¬ta ao (Íonde
Corttie Btlnifticitf.
Bonifriciol.
5. Op. cit., ÍV- XX
KK - ll e 12.
ti. l\'lenno
6. lvlenno Simons, citado em "\"l~"ar
*"\.`l-'Etr and (Ílu'ísti;tt1litl1ics”,
iihrrisiziztrr lithics”, A. l lolmes, Baker, l9'r'8.
llflifl.
lÊvnngelit1r¬r1 Virae,›]oño
T. l¬L\-'nn_geliL|t11 "v'itr1e,Jrr?rrr Paulo
Ptttllrr ll.
fã. “New lrllernational
8. international Commentary
Conunentarj' on the NewTestz1|11et1t",_,ln¿'i:r¬
NewTestan1er1t",`,le¿'rir, ctl.
cd. licrdmans,
licrtllnans,
lãlil.
l9`?l.
9."EticaCrisi:`1,
9. “Éticrt Cristã, .Alternativas
Alternativas c Questões Contemporzineas",
tÍ.r_mt'ernporáncas”, Norman
i\lorman Gcisler,
Geislcr, ed.
É-íitla Nova,
Vida Nrrvtt, São Paulo, 1984.
l9B=l.
Il).
Ill. Op.
Up. cit., par. 22T7.
2.'?.'i"i.
11.
1 I. Op. cit.,
ci t., par. 22`r'2.
EETE.
“Cl llstattltojtlritlico
12. “O l-¬*.statuto_]urítiico do Nascituro",
l`*~lascituro", Diogo Leite de (Í:11npos¬
Campos, conferência
crrrifetêrrcia
proferida na Universitlade
Universidade r\urónmna
Autónoma de Lisboa.
13. Op. cit. p.8.
pl-l.
I4. Op. cit., p.8.
14. p.B.
“lrlsttução sobre U
15. “irlsttução o Respeito pela \-lida
Vida llumnna
l-lutnatfia na
tia sua Origem
í_ÍIrigct¬r'r e sobre a
l?rocrirtçãr'J”, \-laticanr
Dignidade da l?r‹›cn:1çãt›'°, `s-laticano,›, Ii*J$:l'F.
981
CAPÍTULO r1
cavituto

Questões de
ética
Ética sexual

aclrrlteranis (Êx 20.14;


Não adtrírerarás 20.1-4; Dt 5.18).
Questões: O ensino do sétimo
sÉtimo mandamento nos leva neces-
sariamente a ponderar sobre a natureza do casamento na Bíblia.
A partir desse conceito podemos compreender o que significa
adulterar. Ao refletir sobre o casamento também
tarnbÉm somos levados
a considerar qual éÉ a posição bíblica sobre formas alternativas de
prÉ-matrimonial e as relações homos-
relacionamento (o sexo pré-matrimonial
tambÉm considerar a possibilidade de um
sexuais). Devemos também
homem casar com mais de uma mulher ou de haver quebra do
casamento por meio de divórcio. A partir do fato da Bíblia não
recomendar apenas o casamento como a maneira pela qual uma
tambóm o celibato.
pessoa pode se realizar na vida, mas também celibato, devemos
considerar o que significa a sexualidade para o solteiro.
A sociedade adota posições bastante variadas em relação a
essas questões, de tal forma que os cristãos correm sério sÉrio risco
tambóm comprometer a posição que seria característica
de também
deles. Por isso, incluímos neste capítulo uma reflexão sobre a
disciplina da igreja em questões de ética Ética sexual. Ao mesmo
tempo, consideraremos o fato da ética Ética cristã não ser apenas a
defesa de valores tradicionais, mas ser sob muitos aspectos inova-
dota
dora e revolucionária. Nas áreas em que o cristão se vê mais
constrangido por ter que “remar contra a maré`marÉ` pode ser que a
168
158

alternativa que ele propõe venha a ser considerada, mesmo


por algo
or não-cristãos, como al B o extraordinariamente inovador e
libertador. E
É que aquilo que se chama 'nova moralidade', na
verdade, não tem nada de novo. Hoje, seria mais adequado
usar o termo 'velha imoralidade',
imoralidade”, já que Éé o tipo de ambiente
que era mais comum na sociedade greco-romana da Época época de
Jesus. Da rnesrna
mesma maneira que a Ética
ética sexual cristã irrornpeu
irrompeu
em um mundo cansado de todo tipo de desvio erótico, pode
acontecer de hoje haver uma revolução Ética
ética que surja e seja
experimentada como urnauma extraordinária libertação, em vez
de parecer um retrocesso aos valores de outros tempos.

0 casamento na Bíblia e na história


O
O casamento constitui um ato de obediência ao ensino de
Gênesis 2.24: "Por“Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se
unira ità sua mulher, e eles se tornarão uma só carne”.
unirá carne".
É um ato público em que a pessoa deixa a primeira família
E
em que cresceu para se unir, pelo resto de sua vida, com uma
pessoa do sexo oposto com a finalidade de constituir
constituir' uma nova
família. O texto de Gênesis não diz que tem que haver amor no
sentido sexual, antes de haver casamento. Em algumas sociedades
o noivo e a noiva não se conhecem antes do dia do casamento
que Éé urna
uma cerimónia
cerimônia de responsabilidade exclusiva dos pais deles.
lvlas
Mas o 'eros'
`eros' (amor sexual), sem dúvida, Éé um elemento que deve
ser valorizado na relação dos casados. O livro Cantares de Salomão
usa uma linguagem de riqueza extraordinária para descrever o
Provérbios exorta o leitor a
amor físico entre noivos, e o livro de ProvÉrbios
se alegrar com a mulher da sua mocidade, deixando-se, todo o
tempo, saciar por seus seios (Pv 518,19). Helmut Thielicl-;e,]
Thielicl<e,]
teólogo e eticista alemão, mostra como o 'eros', nos tempos do
Antigo Testamento, era mais fruto do casamento do que prÉ- pré-
condição para ele (hoje, na Europa e nos Estados Unidos, ele
costuma ser considerado pró-condição),
pré-condição), mas detecta em algumas
passagens bíblicas a sugestão de ter havido forte atração sexual
169

antes do casamento (ver o amor de Jacó por Raquel, Gn 29.11,18,29.1 1,18,


e o0 amor de Mical por Davi, 1Sm 18.20).
Esse texto inicial, que serve como base para o casamento,
não menciona a reprodução. Isso significa que, embora a pro-
criação seja um resultado óbvio da união sexual, não Éé seu único
objetivo. A união sexual Éé em si uma fonte de satisfação e prazer,
não deriva sua validade apenas do fato de levar ãà procriação.
Não Éé possível extrair da Bíblia um padrão único que define
os passos na união de duas vidas pelo casamento. Da evidência
dispersa que existe em textos bíblicos e outros textos contem-
porãneos
porâneos podemos deduzir mais ou menos a seguinte ordem
de acontecimentos:
Primeiro, as famílias tinham que discutir as questões relacio-
nadas aos dote, contrato e cerimônia.
cerimónia. Sem esse acordo não era
concebível a união de duas vidas. Depois, no momento em que
se acertava a união do par, o noivo e seus acompanhantes davam
o primeiro passo.
passo, indo àa casa da família da noiva para a cumpri-
regressavam ãà
mentar e oferecer prendas e bebidas. A seguir, regressavarn
casa do noivo, onde havia dança e música (Sl 45.15; Mt 25.1-
10,
10. ver tambÉm
também o0 livro apócrifo, llvlacabeus
1l\/lacabeus 9.59).
9.39). Depois o
contrato, que utilizava palavras semelhantes às de Oséas 2.19,2Ú,
219,20,
era lido. Por meio de documentos da Comunidade Elefantina, Elefantina.
do sóculo 'v'
século V a. C., sabemos que na Época
época o contrato incluía a frase:
"Ela
“Ela Éé a minha mulher e eu o seu marido desde este dia e para
sempre”. Depois os convidados davam sua bênção (livro apócri fo,
Tobias 7.15). Havia uma refeição em que os convidados usavam
uma vestimenta especial (Mt 22.7,l 1 , 12) e em que se bebia vinho
22.111,12)
(jo
(Jo 2.1-I
2.1-1 1). Depois disso, o noivo punha uma manta sobre a noiva
(Ez 16.8). Os pais e os amigos da noiva os acom-panhavam atÉ até a
porta do quarto, onde a noiva tirava seu véu vÉu e o casamento era
consumado (Gn 29.23-25). Depois, acontecia uma festa que po-
dia durar uma ou duas semanas (Gn 29.27 e Jz 14.12-18). 14.12-13).
Aqui, convÉm
convém frisar que o casamento não era celebrado
no templo nem na sinagoga; a ênfase em um edifício de carácter
170
1?iÍI

religioso como local próprio para um casamento está completa-


mente ausente da Bíblia. TambÉm Também não há qualquer evidência
de que o costume era o sacerdote 'realizar'“realizar' (ou 'celebrar')
`celebrar') o
casamento. Depois consideraremos as razões que nos levam a
crer que o casamento deve ser realizado na igreja _ isto É, é, na
comunhão da comunidade local de crentes, sob a responsabili-
dade daqueles que estão
es tão indicados para a dirigir _, mas convÉrn
convém
frisar que na Bíblia não se ensina que o sacerdote ou pastor
'case' as pessoas, a não ser que elas casam uma com a outra.
O Antigo Testamento, textos como Eclesiastes 9.9, reco-
menda a alegria conjugal: "Desfrute
“Desfrute a vida com a mulher a quem
você ama, todos os dias desta vida sem sentido”. Provórbios
Provérbios não
“Seja bendita
hesita em se referir ao aspecto sensual dessa relação: "Seja
a sua fontel
fonte! Alegre-se com a esposa da sua juventude. Gazela
amorosa, corça graciosa; que os seios de sua esposa sempre o
fartem de prazer, e sempre o embriaguem os carinhos dela”
(5.I8,19).
(5.18,19). O salmo 45 foi escrito para celebrar um casamento
real e o livro inteiro de Cantares de Salomão descreve em termos
exuberantemente poÉticos
poéticos a beleza masculina como Éé vista pela
mulher e a feminina como Éé vista pelo homem.
No Novo Testamento encontramos um Jesus celibatário que
dá extraordinário valor ao casamento. Seus discípulos não
da
jejttam,
jejuam, porque os filhos das bodas não podem estar tristes na
presença do noivo --¬ - e ele Éé esse noivo (Mt 9.15). João Batista
se compara ao amigo do noivo (Jo 529,50) 529,30) que fica completa-
mente feliz porque o noivo chegou. O apóstolo Paulo, tambÉm também
c.elibatário
celibatário na Época
época de seu ministÉrio,
ministério, se debruça sobre a
relação entre o homem e a mulher e a compara com a relação
entre Cristo e a igreja (Ef 5.21-35).
5.21-55). Tanto podemos dizer que
a primeira relação ajuda a compreender a segunda, como pode-
mos dizer tambÉm
também que a segunda esclarece a primeira. Nos
últimos capítulos de Apocalipse, a consumação final Éé descrita
em termos
tetmos de bodas: a igreja aguarda seu noivo celestial e se
alegra quando ele chega.
171
1?'1

A principal diferença que encontramos entre os dois


testamentos, no que diz respeito ao casamento, Éé o0 fato do
Antigo Testamento aparentemente ignorar qualquer possibili-
dade de felicidade humana sem ser no casamento. A língua
hebraica não tern
tem nenhuma palavra para 'solteiro'
“solteiro` e nenhuma
passagem aponta para a possibilidade da realização humana
sem ser por meio do casamento. Mas ao chegar ao Novo Testa-
mento, com surpresa, verificamos que algumas pessoas se fazem
'eunucos'
`eunucos` ('celibatários')
(`celibatários') por amor ao reino (Mt 19.12). O
apóstolo Paulo, tambem
também celibatário à Época
época de seu ministerio,
ministério,
recomenda que aqueles crentes que puderem se abstenham
de casar, por causa da presente crise (1Co 7.26,27).
726,27). lmpor
impor o
celibato Éé considerado uma marca da heresia (ITm (1Tm 4.3), mas
assttmi-lo
assumi-lo por amor ao Reino Éé considerado uma atitude
extremamente louvável.
Na história do cristianismo, a visão grega da inferioridade
do mundo da matÉria
matéria trouxe, por meio do gnosticismo e outros
tipos de ascetismo, uma tendência de menosprezar a sexualidade
e o casamento. Agostinho de I-iipona,
Hipona, por exemplo, viu no
relato da queda de Adão e Eva, em Gênesis, um reconhecimento
da natureza pecaminosa do sexo, pelo fato de eles terem coberto
seus órgãos genitais: "Ecce
“Ecce unde. E esse o lugarl
lugar! E esse o lugar
de onde se transmitiu o primeiro pecado".ó
pecado”.3 Como vimos (cf.
pp. 111-112), Agostinho, antes de se converter, tinha vivido
algum tempo com uma concubina, de quem teve um filho,
Adeodato. Essa situação era comum no período do 1mpÉrio Império
Romano em que viveu e a própria igreja tendia a tolerar a situa-
ção, quando havia um compromisso firme de parte a parte. lvlas Mas
quando se converteu, o resultado foi Agostinho, no que se refere
ao aspecto sexual, desconfiar muito de si mesmo. Mesmo assim,
há evidência de que sabia ser positivo ao falar do lugar do sexo
no casamento. Conforme BrovvnBrown há um escrito, da Épocaépoca em
que escreveu 'Confissões',
“Conf1ssões°, em que sugeriu que a qualidade do
relacionamento sexual podia ser modificada e transformada
172
122

pela amizade permanente do par no casamentof'


casamento? lvlas
Mas suas frases
cÉlebres,
célebres, identificando o pecado com o ato sexual, encontraram
eco em sua Época
época e contribuíram para que a igreja desse cada
vez mais valor ao celibato e menos ao casamento.
Tomás de Aquino, no seu tempo, contribuiu para essa
tendência, tendo atitudes muito mais extremas do que Agos-
tinho. Para ele, o nascimento de uma menina era o resultado
do desenvolvimento errado de um embrião masculino. Um
homem casado podia ter a vantagem de conseguir evitar a
promiscuidade e de poder procriar, mas era evidente que outro
homem teria muito mais a oferecer em relação àã ajuda e ao
companheirismo. Considerava as mulheres mais fracas do que
físico.l Curiosa-
os homens, tanto no aspecto mental quanto no fisicoƒ*
Época que a Igreja
mente, foi nessa mesma época lgreja Católica transformou
o casamento em sacramento. Um sacramento éÉ `um 'um sinal exte-
rior da graça interior, ordenado pelo Senhor Jesus Cristo, pelo
qual a graça éÉ dada às
ãs nossas almas'.5
almas'.i Da mesma maneira que 0o
batismo transmite a graça de Deus, regenerando a pessoapmsoa mesmo
infãncia, o sacramento transmite essa mesma graça. O
em sua infância,
sacramento éÉ indissolúvel, mesmo na situação de imoralidade
sexual que Jesus admite como possível justificação para o
divórcio (Mt 5.52). Seu efeito éÉ ex opere operaro,
operato, isto é,
É, o ato
transmite sua graça independente da pessoa que o realiza. Antes
desse período, o Estado tinha se ocupado da legislação do
Época a Igreja
casamento, nessa época lgreja passou a se ocupar inteiramente
dessa instituição.
A área do casamento foi um dos pontos em que Martinho
Lutero reagiu com mais veemência contra o status quo estabe-
lecido. Seu próprio casamento, foi realizado, em 15 de junho
de 1525, em casa, e não nas instalações da igreja. Para ele, o
casamento não continha nenhum sinal e nenhuma passagem
das Escrituras que sugeria que o casamento com uma mulher
transmitia a graça de Deus ao homem. O casamento existia
não só entre os cristãos, mas também
tambÉrn antes de Cristo e entre os
173
1?3

pagãos. Dizer que o casamento Éé um sacramento cristão equivale


a declarar que a união de pessoas não-cristãs não éÉ um casamento.
tambÉm fez ver que a palavra (sacramento,
Lutero também 'sacramento', aplicada ao
casamento, vem de uma má tradução de Efésios EfÉsios 5.52.
5.32. Nesse
'mistÉrio' (como o éÉ na
versículo a palavra deve ser traduzida por lmistério'
mistÉrio éÉ uma verdade antes oculta
tradução de Almeida). Um mistério
que depois éÉ revelada abertamente: não tem nada a ver com um
sinal exterior de uma graça interior transmitida por Deus. O
casamento, portanto, éÉ uma instituição “mundana'.
'mundana'.
Os reformadores entenderam que o casamento éÉ uma urna
aliança _ -- não um sacramento. E contribuíram bastante para
que a questão legal do casamento fosse devolvida ao Estado.
Mesmo assim, foi apenas àã época
Época da Revolução Francesa que _a
Constituição da França (1791) admitiu, pela primeira vez, o
casamento civil como o conhecemos.
Para os puritanos, o casamento era de um valor extrema-
mente positivo, de modo nenhum inferior ao celibato. John
Cotton,'5 1694, disse o seguinte sobre as mulheres: “As
Cottonf "As mulheres
são criaturas sem as quais não há nenhuma vida con confortável
fortável para
espÉcie de blasfemos aqueles que
os homens... Portanto, são uma espécie
as desprezam e lhes dão pouco valor, chamando-as um `mal 'mal
necessário', porque elas são um “bem
necessário”, 'bem necessário”.
necessário"'. E Richard
Baxter? disse: ”E
"E uma misericórdia ter uma amiga fiel que nos
ama inteiramente... a quem possamos abrir nossa mente e comu-
nicar nossos assuntos... E éÉ uma misericórdia ter uma amiga tão
próxima que pode ser auxiliadora para nossa alma... e que pode
Deus". Os puritanos, ao contrário
estimular em nós a graça de Deus”.
idÉia popular, do púlpito ensinavam o valor e a prática correta
da idéia
do ato sexual e davam mais valor ao sexo feminino que, para a
maioria das outras tradições religiosas, era considerado inferior.
Hoje os países de tradição cristã ainda possuem um conceito
de casamento religioso. No entanto, verifica-se que a preocupação
éÉ mais com a forma do que com o conteúdo. Quem ainda
defende casamento realizado 'pela igreja`,igreja', na maior parte dos
174
1T"4

casos, pensa em um edifício que providencia um certo ambiente


religioso para a celebração. Pensa tambÉm
também no padre ou pastor
que 'celebra'
“celebra” o ato. (Em que passagem da Bíblia vemos um
indivíduo sozinho celebrar um ato importante? A própria
noção de celebração implica o envolvimento de uma comuni-
dade mais do que de um indivíduo.) Uma figura que possui
uma aurora quase 'sacramental'
`sacramental` Éé o fotógrafo que garante a
possibilidade de perpetuar o momento, para amigos e familiares
ter uma recordação.
Nossa sociedade, apesar de sua secularização cada vez mais
acentuada, não parece favorecer muito o casamento civil, um
ato que Éé considerado burocrático e sem romantismo (o que
interessa um mero papel?).
papeli). Por isso, a preferência de muitos
hoje vai para a 'união livre' _ a possibilidade de dois indivíduos
poderem se unir por um acordo verbal, baseado naturalmente
no seu amor mútuo, mas sem garantia de permanência. Como
o sacramento católico do casamento não admite o divórcio _,
mas todas as pessoas sabem que uma percentagem alta de casa-
mentos, na verdade, termina em divórcio _ a pessoa acha que
éÉ melhor não fazer nenhum tipo de escritura formal ou legal
nem realizar um ato religioso. Casar “pela
'pela igreja
igreja' e se divorciar
depois só acrescentará problemas de culpa que complicarão
mais a vida.
O casamento como instituição está em crise. Contudo, se
for encarado apenas como um ato formal, com associações
mágicas ou sacramentais, não podemos lamentar muito esse
fato. E preciso que os crentes que nutrem suas convicções e
práticas na Palavra do Senhor, e não nas ondas de opinião
pública prevalentes, dêem cada vez mais valor ao casamento
não apenas como ato formal, mas como uma aliança, assumida
diante de Deus, de natureza permanente e fonte de conforto e
alegria ao longo de toda a vida.
1?5

O sexo pré-matrimonial
No relato de Gênesis 34, torna-se óbvio o fato de que uma
fisica, sexual, não éÉ suficiente em si para constituir um
união física,
casamento. Aqui, são relatados os acontecimentos que se seguiram
SiquÉm, o heveu, que deflorou Dina,
ao ato de Siquém, Diná, a filha de Jacó.
De acordo com o versículo 2, “viu-a,"viu-a, agarrou-a e a violentou”.
violentou".
Apenas depois disso éÉ que começou a nascer nele o amor e o
desejo de casar com ela. Os irmãos de Diná 'ficaram profunda-
irados' porque aquilo que SiquÉm
mente entristecidos e irados` Siquém cometeu
foi um 'ato
“ato vergonhoso em 1srael',
Israel', 'coisa que não se faz'. A ofensa
Éé dupla: por um lado, Éé uma união entre uma israelita e um
homem estrangeiro, incircuncidado
incircuncidaclo e, por outro lado, Éé um
relacionarnen
relacionamento to que se inicia sem o mínimo respeito pelos passos
normais envolvidos em uma união conjugal.
Os livros da lei definem claramente quais são os atos de índole
sexual que devem ser considerados pecados. Está claramente
incluída a relação prÉ-matrirnonial.
pré-matrimonial. Conforme Exodo Êxodo 22.16,17:
22.16,I7:
“Se um homem seduzir uma virgem que ainda não tenha
'Se
compromisso de casamento e deitar-sedei tar-se com ela, terá que pagar o
preço do seu dote, e ela será sua mulher. Mas se o pai recttsar-se
recusar-se
a entregá-la,
entrega-la, ainda assim o homem terá tera que pagar o equivalente
ao dote das virgens". Como o desposório constituía um compro-
misso firme para casar, uma menina que fosse virgem e solteira,
caso se envolvesse voluntariamente em uma relação sexual com
outro homem que não fosse seu noivo, se punha em uma situação
22.23-27). Era apedrejada juntamente
muito mais grave (Dt 22.23-2.7).
com o homem com quem se relacionava sexualmente. Só ficava
livre dessa punição se desse clara evidência de que não se envol-
vera voluntariamente na situação, tratando-se de um ato de
violação. Deuteronómio
Deuteronômio 22.28-50, sobre a questão do sexo prÉ- pré-
matrimonial, tem a mesma posição que Êxodo, acrescentando
uma frase que denota a desaprovação divina do ato: "Pois “Pois a
violentou".
violentou”.
Era considerado muito grave que um marido descobrisse,
após seu casamento, que sua esposa não era virgem. Quem
fizesse essa acusação tinha a responsabilidade de provar o que
afirmava, se o marido acusasse com injustiça era ele que morria,
mas com razão, sua esposa devia ser apedrejada (Dt 22.15-
21).
Mais tarde, quando o Novo Testamento condena atos de
'porne'ia', Éé óbvio que o termo abrange tudo aquilo que, no
'pornÉia',
Antigo Testamento, constitui pecado sexual. Refere-se ao adultÉ-
adulté-
rio, ao sexo prÉ-matrimonial,
pré-matrimonial, ãà homossexualidade e ãà bestiali-
dade. Refere-se tambÉm
também ao casamento entre parentes com
graus de parentesco proibido. Primeira Tessalonicenses 4.5, por
exemplo, adverte os crentes para fugir da íoorn Éia'.
éia'. O fato
faro dessa
palavra, aqui e em várias outras passagens semelhantes, ser
traduzida na versão de Almeida por 'prostituição' Éé infeliz por
que dá a impressão de que se trata de um tipo específico de
ofensa sexual, diretamente relacionado com prostitutas. Não Éé
esse o caso, como pode ser provado tanto por meio do uso
contemporãneo
contemporâneo em textos não-bíblicos
não~bíblicos da palavra 'pornÉia'
'pornéia'
como de seu uso na Bíblia. De acordo com o apóstolo Paulo,
os 'devassos' que de modo nenhum entrarão no reino dos cÉus céus
(1Co 6.10; cf. 1ColCo 5.1Ú,11),
S.10,11), são pornoi, em grego _ pessoas
que cometem 'pornÉia'.
'pornéia'. A gravidade desse pecado consiste no
fato de ser uma ofensa contra o próprio corpo da pessoa (1Co
6.18), uma vez que o corpo Éé o templo do Espírito Santo. O
livro de Apocalipse tambÉm
também ensina que aqueles que cornetem
cometem
pecados desse tipo ficarão fora do reino de Deus (Ap 22.15).
Aqui, não focamos se a queda pontual da pessoa, nesse
pecado ou em outro, pode ser perdoada (lJo (1]o 1.9). Mas quando
esse pecado Éé adotado como modo de vida (hoje chamado
'coabitação' ou 'união de fato') se torna mais grave, porque são
criados laços dos quais as pessoas têm dificuldade em se libertar
_ e não há dúvida de que permanecendo nesse pecado elas
não podem estar em comunhão corn com Deus (1Jo
(1]o 3.6).
17?
1??

Homossexualidade
Os homens de Sodoma desejaram se relacionar sexual-
mente com anjos, julgando que eram varões humanos (Gn
19.5-8), e assim deram origem ao termo 'sodomita', usado para
designar pessoas do mesmo sexo que se relacionam sexualmente.
Naturalrnen
Naturalmente,te, houve mais pecados de Sodoma e Gomorra que
foram condenados pelo Senhor (cf. ls 1.10, por exemplo). Mas
isso não significa que, tanto no Antigo como no Novo Testa-
mentos, as relações homossexuais deixaram alguma vez de ser
reprovadas por Deus. Levítico 18.22 chama esse pecado de
abominação e Levítico 20.15
20.13 condena ãà rnorte
morte quem o comete.
Primeiro Fleis
Reis 14.24; 15.12 e 22.4?
22.47 falam em 'rapazes escan-
dalosos', referindo-se a israelitas que, por influência de cos-
tumes pagãos, se dedicam a esse tipo de vida.
O apóstolo Paulo considera a entrega das pessoas a paixões
e atos homossexuais uma consequência imposta por Deus, pelo
fato de terem suprirnido
suprimido o conhecimento natural de Deus e
terem se dedicado aos ídolos (Rm 1.22-27). Se o Antigo Testa-
mento tiver deixado alguma dúvida de que o lesbianismo Éé tão
reprovável como a homossexualidade masculina, o apóstolo
Paulo menciona o pecado das mulheres ainda antes de mencio-
nar o dos homens. Argumenta que esse tipo de pecado Éê con-
tra a natureza _- da mesma maneira que o fazer e adorar ídolos
Éé contra a revelação natural que Deus nos deu de si mesmo. A
mesma posição Éé tornada
tomada em lCoríntios 6.9-1
6.9-I 1 e 1Tirnóteo
1Timóteo 1.8-
1.3-
11. Primeira Coríntios 15.106.10 usa duas palavras _ rnalaltor
rnalaíroi
(traduzido por 'efeminados'
'efeminados` na versão Almeida) e arsenoltoitar
arsenoítoirai
(traduzido por 'sodon1itas').
'sodomitas'). Biblicamente, uma pessoa não Éé
condenada por causa do tipo de natureza que herda, mas por
causa do tipo de vida que pratica. A maioria dos comentaristas
concorda que a primeira palavra não se refere ãs às pessoas que
têm uma tendência homossexual (inata), mas apenas que estas
podem viver uma vida digna de celibatário tanto corno
como as pessoas
178
1?8

cuja tendência Éé heterossexual. A Nova Versão Internacional da


Bíblia traduz a primeira palavra por 'prostitutas masculinas' e a
segunda por 'ofensores homossexuais'.
homossexuais”.
A lgreja
Igreja Católica declara 'intrinsecamente desordenados'
os atos de homossexualidade: "São
“São contrários 'aà lei natural, fecham
o ato sexual ao dom da vida, não procedem de uma verdadeira
complementaridade
c_omplementaridade afetiva sexual, não podem, em caso algum,
receber aprovação".
aprovação”. Evidencia compaixão e compreensão para
com aqueles que nascem com uma tendência homossexual, mas
declara claramente que 'são chamados ãà castidade'.l'
castidade'.S
Não falta hoje quem tente aplicar uma hermenêutica dife-
rente as
às passagens de Paulo que reprovam as relações homosse-
xuais, na tentativa de provar que o Novo Testamento pode deixar
alguma abertura para essa prática em alguns casos. Mesmo
Helmut Thielicke, eticista bastante conservador em várias ques-
tões, argumenta que a referência que Paulo faz, em Romanos 1, I,
a essas relações É ilustrativa. Paulo teve intenção de mostrar as
consequências da idolatria, referindo-se ãs às práticas que, na
sociedade de sua Época,
época, eram consideradas reprováveis. Podia
ter abordado outro problema contemporãneo
contemporâneo dessa forma ilus-
trativa. A lógica desse argumento de Thielicke éÉ concluir que
em relação ao problema da homossexualidade na Bíblia, talvez
não seja Deus quem a reprova, mas que a maioria dos homens,
em uma determinada sociedade, a reprova. lsso Isso dará abertura
para considerar a possibilidade de pessoas com uma natureza
homossexual procurarem uma forma eticamente responsável
de se relacionarem. Considera muito sensível e delicada a ques-
tão da Bíblia permitir ou não que os homossexuais, em qualquer
situação, se relacionem sexualmente. Mas como põe de lado a
obrigatoriedade do celibato para homossexuais por considerá-
obrigatoriedadç
la uma imposição injusta, não pode fechar as portas para essa
possibilidade. Depois, qualifica desta maneira a abertura: “Que
esse tipo de auto-realização homoerótica só pode ter lugar en-
tre aqueles que têm a mesma orientação e que, alÉm além disso, não
179
1?9

Éé preciso acrescentar que não pode ser um fato aberto e público,


por se situar fora dos limites da ordem da criação".'¿'
criação".9
Em 1964, ainda era preciso um teólogo cristão ter muita
cautela para, de alguma forma, admitir a prática homossexual!
O recurso hermenêutico, mais comum, daqueles que querem
alterar a leitttra
leitura tradicional de Romanos 1.22-27 Éé dizer que
Paulo, como pensador típico de sua Época,
época, não sabia que algumas
pessoas têm tendência homossexual inata. Por isso, falam sobre
pessoas que mudam sua orientação natural. A condenação de
Paulo, assim, se aplica apenas ãqueles
àqueles que, tendo um tipo de
orientação, mudam para outro. Essa passagem condena o com-
portamento de um heterossexual que se relacio-na corn com uma
pessoa do mesmo sexo. Se a pessoa nasceu com essa tendência,
Éé óbvio que terá que se relacionar de acordo com ela. Esse tipo
de argumento leva ãà conclusão de que se o homossexual inato
se casar e tiver uma relação heterossexual, estará em pecado
tambÉm
também (conclusão que naturalmente será do agrado dos
defensores de movimentos gayl).
A 'Ética
'ética da situação', ao absolutizar apenas o valor do amor,
É levada necessariamente a concluir que, em algumas situações,
a opção mais amorosa para adultos com essa tendência Éé cons-
truir e preservar a relação homossexual mais sadia e estável
possível.“' Norman Pittenger (1905-Ê)
possívelfü (1905-?) fala sobre os atos
homossexuais: “Na "Na medida em que contribuem para o movi-
mento das pessoas na direção de uma realização mútua e recí-
proca, com todas as características inerentes ao amor, são atos
bons”.
bons".
Em relação ãà passagem-chave de Romanos 1, no entanto,
devemos dizer que esses argumentos falham em certos aspectos
fundamentais. Por um lado, aceitamos a observação de 'l'hielicl<e
Thielicke
de que essa passagem Éé ilustrativa ---- Paulo podia ter escolhido
outra questão Éticaética candente de seu tempo. Mas, por outro
lado, Paulo não faz qualquer referência que sugira que adotott adotou
critÉrios
critérios meramente culturais para as avaliações Éticaséticas que faz.
180
18'-'J

No versículo 24 fala em 'impureza',


'impureza`, termo que, na verdade,
nem sempre se refere a problemas Éticos,
éticos, mas sempre alude a
alguma situação que cria uma barreira, pelo menos cerimonial,
pôr relações homossexuais
en tre a pessoa e Deus. O fato de não pór
e heterossexuais no mesmo patamar fica claro, pois nunca aplica
termos como 'impureza' a estas! Depois fala em 'degradação
do seu corpo entre si'. Nos versículos 26 e 27 apela ãà 'natureza'
_ um conceito que toma como base universal para avaliações
éticas, não uma base apenas cultural. Depois, afirma que eles
Éticas,
'receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão'.
penfersãd.
No versículo 52,32, se refere com toda objetividade ãà justiça de
Deus que declara que pessoas que agem assim são dignas de
morrer. Quem fala não Éé o observador cosmopolita de cos-
tumes e culturas, mas o homem convicto de que sua consciência
ética Éé dirigida conforme as exigências dos padrões divinos.
Ética
No versículo 27, o erro está no fato de mulheres se inflama-
tem
rem por mulheres e homens por homens, deixando o uso da
natureza. Se essa fosse uma situação aceitável nos casos em que
a pessoa tivesse nascido homossexual, como Paulo poderia apelar
objetivamente ao critério
critÉrio de “natureza”
'natureza' e declarar como erro a
prática homossexual antinatural?
Em relação ao argumento que afirma que uma união ho-
ética de situação),
mossexual pode ser a opção mais amorosa (cf. Ética
voltamos a frisar que _ biblicamente _ o amor não Éé o único
também corres-
absoluto. Os padrões da santidade e da pureza tambóm
também são absolutos.
pondem a atributos divinos e, por isso, tarnbÉm
Uma vez demonstrado que a prática homossexual não ofende
só os padrões relativos da cultura humana, mas tambÉrn também os
padrões absolutos da santidade divina, veremos que Éé impossível
pôr um absoluto contra outro. O situacionismo não pode nos
pór
dar uma nova solução para essa questão _ se suas premissas
não são aceitáveis, como Éé que suas conclusões podem ser?
A poligamia
Mesmo a leitura mais superficial do Antigo Testamento
rapidamente nos leva a enfrentar o fenómeno
fenômeno da poligamia _
não como um fenómeno
fenômeno 'pagão', que os servos
sewos de Deus rejei tem
com cuidado, mas sim como uma prática comum que esses
mesmos servos de Deus assumem, sem problemas aparentes
de consciência. O primeiro caso na Bíblia, Éé o de Lameque
que tomou duas esposas (Gn 4.19). Mais tarde, o rei Davi, o
homem segundo o coração de Deus, teve várias concubinas e
mulheres (2Sm 5.13). Se esse fato em si Éé considerado pecado,
a Bíblia nunca o diz nem o sugere de maneira direta. E É conside-
rado um pecado claro o fato de David ter adulterado com
Bate-Seba, por esta ter sido esposa de outrem. Depois, David
tomou para si ainda mais mulheres, casando
Casando com as mulheres
de Saul (2Sm 12.7,8).
A chamada lei do levirato constitui quase uma obrigação de
um homem casar com a viúva de seu irmão morto (Dt 25.5-
111).
10). O texto bíblico considera a questão do que se deve fazer se
ele não cumprir essa obrigação, mas não parece considerar como
impedimento o fato de ele já ser casado e, assim, ao cumprir a lei
do levirato se tornar polígamo (ou, pelo menos, bígamo).
Mesmo assim, em questões de interpretação bíblica, Éé um
tanto arriscado o argumento do silêncio. Ao considerar o forte
fundamento que Éé firmado para o casamento monógamo em
2.24,25), será que podemos concluir que a poliga-
Gênesis (Gn 224,25),
rnia,
mia, na verdade, tem a mesma aprovação que a monogamia?
Quando a Bíblia refere ao fato de Salomão ter tido setecentas
mulheres e trezentas concubinas (1 Rs 1 1.5), parece que os erros
do rei englobam o casamento misto, mas tambóm também a poligamia.
O texto diz que 'as suas mulheres o levaram a desviar-se' e que
'o seu coração já não era totalmente dedicado ao SENHUR,SENHOR, o
seu Deus' (vv 5 e 4). E difícil concluir que não seria reprovado
se todas as mulheres fossem de Israel!
182

E
É verdade, a poligamia está prevista na lei. Deuteronô-
Deuteronó-
mio 21.15-17 estipula o que fazer quando um homem tiver duas
mulheres, uma a quem ama e outra a quem não ama. No entanto,
da mesma maneira que Deuteronómio
Deuteronômio 24.1-4 se refere a situa-
ções de divórcio sem dizer se as aprova ou não, tambÉm
também essa
passagem considera a poligamia como uma situação real que
pode existir, mas não diz se Deus a aprova. A lei Éé dada para
uma sociedade real, em que erros e desvios são previstos e em
que Éé preciso encontrar a melhor solução possível quando algo éÉ
feito fora da vontade divina, o fato de mencionar qualquer prática
não implica necessariamente em sua aprovação.
No que diz respeito ao Novo Testamento a opção pela mono-
gamia está perfeitamente clara. Toda a instrução do apóstolo
Paulo sobre o casamento parte do fundamento de que cada
homem Éé casado com uma mulher. Contudo, Éé curioso o fato
de que para assumir essa posição Jesus e os apóstolos não introdu-
introdu~
zam nenhum argumento novo, mas voltam ao princípio da
criação estabelecido em Gênesis (Mt 19.4-6). lssoIsso parece sugerir
que a monogamia deve ser aceita como ensinamento bíblico (de
toda a Bíblia, bem interpretada), e não apenas neotestamentário.
Se Éé requerido que um homem para ser pastor ou diácono seja
marido de uma só mulher (1Tm _°›.2,l2),
52,12), Éé natural que esse seja
o modelo que Deus quer pór pôr diante dos seguidores de sua igreja.
O Novo Catecismo da lgreja Igreja Católica argumenta que apenas
assim se mantÉm
mantém o princípio bíblico de igual dignidade do
homem e da mulher no casamento.”
Existem culturas em que uma mulher pode ter vários maridos
_ a chamada 'poliandria'.
`poliandria`. No Tibete e entre alguns esquimós o
fenómeno
fenômeno Éé conhecido. No entanto, por comparação, o número
de culturas que admitem essa modalidade Éé insignificante _ a
poligamia Éé um costume aceito e consagrado pela tradição de
sÉculos
séculos em dezenas de países. E É óbvio que o trabalho missionário
nesse tipo de cultura deve envolver muito tato e delicadeza,
norteando-se, entre outros, pelos seguintes princípios:
183

(1) O fato de uma cultura possuir como herança uma deter-


minada prática conjugal não significa que temos que
aceitá-la
aceita-la sem crítica. Quando nós, no contexto europeu,
aceitamos Cristo, muito daquilo que fazia parte da nossa
cultura teve que ser questionado _ e mesmo mudado.
A mentalidade pluralista da nossa Época
época nos convida a
tolerar e, atÉ
até mesmo, nos alegrar com aquilo que Éé cultu-
ralmente distinto. A Bíblia questiona toda a cultura
humana e apregoa outras normas que, se forem aceitas,
contribuirão para nossa bênção e bem-estar. É legítimo
trabalhar em um paispaís onde a prática Éé polígama e ser
contra a poligamia! Muitas vezes, quando lemos e nos
sensibilizamos com o0 testemunho de uma mulhermuiher que
teve que viver durante anos como 'uma entre muitas'
começamos a perceber as reais implicações inumanas
dessa prática.

(2) A primeira reação de choque que sentimos ao confron-


tar a poligamia deve ser bem medida e avaliada. Helmut
Thieliclteli
Thielickelz cita o testemunho de uma pessoa de uma
tribo polígama que reage com a mesma emoção e indig-
nação diante do 'amor
“amor cinematográfico',
cinematográfico”, que tem seduzi-
do os jovens cristãos orientais de tal modo que pensam
que o 'eros'
`eros' Éé o fundamento correto para um casamento
cristão. Da mesma maneira, poderia reagir contra o
adultério e o divórcio, tão banalizados na nossa socieda-
adultÉrio
de, mas que são relativamente raros em sociedades
polígamas e que podem ser considerados ofensas muito
maiores contra a lei de Deus do que a própria poligarnia.
poligamia.

(5)
(3) também argumenta que a monogamia nao
Thielicke tambÉm
,-1-

surge debaixo da lei, mas sim debaixo do Evangelho.


Nisso, por exemplo, a monogamia deve ser distinguida
da fidelidade conjugal que Éé um princípio ensinado
Isso significa que, em
tanto na Lei como no Evangelho. lsso
184

uma cultura polígama, um homem legitimamente


casado com várias mulheres, mas que se converte a
Cristo, não se encontra em uma situação 'ilegal'.
`ilegal'. Portan-
to, como condição para aceitar Cristo, não tem necessa-
riamente que deixar todas suas mulheres menos uma.
(Quem vive no adultÉrio
adultério e se converte tem que deixar
aquela que não Éé sua mulher.) Aliás, abandonar todas
as mulheres menos uma pode constituir uma solução
muito mais violenta e contrária aos princípios da Éticaética
cristã do que Éé preservá-las na situação em que estão. A
monogamia não Éé uma condição para aceitar o Evange-
lho, mas sim um fruto da vida em Cristo. Mesmo que a
primeira geração de convertidos não consiga se tornar
rigorosamente monógama, a segunda geração deverá
ser ensinada para só contrair um casamento.

(4) Não Éé mera coincidência o fato do Novo Testamento


ensinar que, para assumir responsabilidades como pastor
ou diácono, um homem deve ter apenas uma mulher
(1Tm 3.2,12).
32,12). Na sociedade polígama Éé legítimo esperar
atÉ
até haver uma geração de crentes com apenas urna uma
mulher antes de nomear pastores ou diáconos entre eles.
Assim, um modelo poderá ser apresentado a todos os
crentes que poderão vir a desejar esse ideal, se não para
eles mesmos realizarem, pelo menos, para seus filhos.

Divórcio
No mesmo espírito em que o Antigo Testamento parece
'tolerar'
“tolerar” a poligamia, tambÉm
também o faz com a prática do divórcio
Deuteronômio 24.1-4 explica o que fazer
em certas situações. Deuteronórnio
quando um homem 'por “por encontrar nela algo que ele reprova'
reprova,
pretende se divorciar dela. Mas de maneira ainda mais clara do
que no caso da poligamia, o Antigo Testamento tarnbÉm
também nos faz
sentir que não se trata de uma aprovação, mas apenas de dc uma
185

permissão que leva em consideração uma situação real que


inevitavelmente surgirá. Nesse espírito, por meio do profeta
Malaquias, o Senhor fala com toda aveemência para dizer que
odeia o divórcio (Ml 2.16).
época de Jesus,
Na Época jesus, era conhecida a diferença de interpre-
tação entre as duas principais escolas judaicas em relação a esse
famoso texto da lei. A escola mais rigorosa era a de Shammai
que só admitia como base para o divórcio uma grave ofensa matri-
monial, em geral, de natureza sexual. No entanto, a escola de
1-lillel
Hillel interpretava a 'coisa
“coisa imprópria' como qualquer ofensa trivial
que criasse uma reação negativa no marido. Nas palavras de John ]ohn
Stott, a escola de Hillel
I-Iillel achava o seguinte: "Se
“Se ela se mostrasse
uma cozinheira incompetente e queimasse o jantar do marido,
ou se ele perdesse o interesse nela devido a sua falta de atrativos
ou por que se apaixonasse por alguma outra mulher mais bonita,
essas coisas eram 'impróprias'
`impróprias” e justificavam o divórcio".13
divórcio”.13
Jesus, em sua Época,
época, esteve sob pressão dos fariseus e outros
para se definir entre uma dessas duas escolas rivais. Os fariseus,
que tinham a reputação de ser muito legalistas em outras áreas,
tendiam para o liberalismo na questão do divórcio. Esse 'libera- “libera-
lismo'
lismo` favorecia muito a liberdade do homem para se despedir
aborrecimento mínimo,
de sua mulher em virtude de qualquer abortecimento
mas que naturalmente não dava a mesma possibilidade ãà
mttlher.
mulher. Para prohmdo
profundo desagrado deles, a opção de Jesus foi
claramente pela escola de Shammai.
Em duas passagens dos Evangelhos em que Jesus jesus faz refe-
rência a essa questão, não Éé dada nenhuma exceção a sua regra
contrao divórcio. Conforme Marcos 10.1 1 (cf. Lc 16.18): "'1'odo “Todo
aquele que se divorciar de sua mulher e se casar com outra
adultério contra ela".
mulher, estará cometendo adultÉrio ela”. Marcos lU.12
10.12
também comete a mesma
acrescenta que a mulher que se divorcia tambÉm
ofensa (É (é curioso ver Jesus falar do ponto de vista da mulher, em
ninguém se lembraria que a mulher pudesse tomar
geral, ninguÉm tomar'
qualquer iniciativa em uma situação de desavença conj ugall).
186
156

Contudo, de acordo com dois textos de Mateus (5.51,32; (5.51,52; 19.9)


há uma situação (só uma) que pode justificar o divórcio. Natu-
ralmente, quando Jesus diz que a 'imoralidade
“imoralidade sexual' pode ser
essa justificação, quer dizer que para ele o equivalente àã 'coisa
feia' de Deuteronômio
feia” Deuteronómio 24 éÉ a imoralidade sexual. Se em Moisés MoisÉs
a “coisa
'coisa feia' não era entendida tão especificamente, éÉ por que
Deus transigiu em seu princípio-base de oposição ao divórcio,
devido aã dureza de coração do povo (Mt 19.8).
Mesmo compreendendo que para Jesus jaornéiai Íoorneia' significa
“pecado
'pecado sexual”,
sexual', não há um consenso geral entre os exegetas sobre
o tipo de pecado sexual que ele tem em mente. Alguns, por
'adultÉrio': um homem só
exemplo, argumentam que significa “adultério':
poderá repudiar sua esposa se ela tiver envolvimento sexual com
outro homem. No entanto, essa leitura não deve ser a correta.
porneia' éÉ usado de uma forma mais
Por um lado, o termo fpornéƒa'
generalizada em outras passagens do Novo Testamento, em que
o contexto indica que se refere a diferentes tipos de pecado sexual.
I
J' 1.'
Í J
T
Por outro lado, o termo e usado paralelamente com moícheia moicheia
que, em Mateus 15.19, significa especificarnente
especificamente “adultério',
'adultÉrio', não
éÉ normal em listas de pecados haver dois termos seguidos que
têm o mesmo significado.
Rvriell a fpornéía'
Para C. C. Ryrie“ fporneia' significa “pecado
'pecado sexual' em
um sentido muito mais restrito. Por isso, esse teólogo evangélico,
evangÉlico,
adultÉrio, não admite o divórcio como
mesmo no caso de haver adultério,
solução. Argumenta que o termo também tambóm éÉ usado em
15.211,29 e que, nesse caso, não pode se referir a todo
Atos 1520,29
tipo de pecado sexual, mas só a aspectos que constituíam
diferenças de opinião entre cristãos judeus e gentios (como éÉ o
comer sangue ou carne sacrificada). O casamento entre pessoas
com graus de parentesco demasiado próximos também tambÉm suscita
questões desse tipo (cf. Lv 18.6-18), portanto, éÉ natural que
'pornÉia' em Atos 15 e Mateus 5 e 19 signifique isso.
“pornéia'
Nesse ponto, parece-nos que os argumentos de Ryrie Rjrrie estão
longe de ser provados, mesmo em relação a Atos 15. Quando
18?

se diz aos cristãos judaicos aquilo que não devem fazer, para
não ofender seus irmãos gentios, não há nenhuma razão para
a imoralidade sexual em geral não ser incluída _ apesar do
fato dessa imoralidade não estar na mesma categoria de questões
secundárias que o sangue e a carne sacrificada aos ídolos. Em
1Coríntios 6.10-20 e 1Tessalonicenses 4.5 em que
textos como lCoríntios
}Jorne'ía' tambÉm
o termo porneia' também Éé usado, o contexto sugere que
significa “imoralidade
'imoralidade sexual'
sexttal' em geral _--- não o problema
específico que RyrieRvrie quer salientar. Parece-nos mais natural
concluir que em Mateus 5 e 19 o termo joornéia' porneiia' deve ser
entendido no contexto social da época, Época, a imoralidade sexual
em geral. E natural que para Jesus a lei de MoisÉs
Moisés define o que
significa imoralidade sexual. Nesse campo, aquilo que a lei
também reprova (cf. Mt 517,18).
reprova, Jesus tambÉm 5.17,18). A lei condena
adultério, o sexo prÉ-matrimonial,
o adultÉrio, pré-matrimonial, a violação, o incesto, a
homossexualidade e o casamento dentro de graus proibidos
de parentesco. O termo íoorrrëia'
íoornéía' usado por Jesus, não deve se
referir a nada menos do que a todo esse conjunto de pecados.
Ainda há outros problemas em relação ãà interpretação
desses textos sobre o divórcio no Evangelho de Mateus! A
questão Éé se em casos em que o divórcio Éé permitido, o novo
casamento tambÉm
também o É. é. Conforme Mateus 19.9: "Eu ““Eu lhes digo
que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por
imoralidade
ímoralídacle sexual [pornÉia],
[poméia], e se casar com outra mulher, estará
cometendo adultÉrio"
adultério” (grifo do autor) e "quem
“quem se casar corn
com a
mulher divorciada estará cometendo adultÉrio" adultério” (5.52).
(552). As
palavras 'e
“e casar com outra' não existem no texto de Mateus 5.52..
5 52.
De acordo com Rjvrie,Ryrie, Jesus não admite o novo casamento,
mesmo que tenha havido uma situação de 'pornÉia'“pornéia` (no sentido
restrito que ele dá ao termo). Argumenta
Atgumenta que para admitir a
possibilidade de um novo casamento, o texto deveria ser: "Eu “Eu
vos digo, porÉm,
porém, que qualquer que repudiar sua mulher, e casar
adultério,
com outra, não sendo por causa de prostituição, comete adt1ltÉrio,
e o que casar com a repudiada tambÉm também comete adultÉrio".
adultério". A
188

posição de Ryrie Éé a seguinte: uma pessoa divorciada, mesmo


que o divórcio tenha sido forçado pelo pecado sexual da outra
parte e tenha sido contra sua vontade, nunca deverá casar de
novo.
Todavia, muitos exegetas evangÉlicos
evangélicos não concordam. Craig
Keener,'?
Keener,'5 por exemplo, afirma que um divórcio, implicitamente
e por definição, Éé uma autorização para um novo casamento.
John Stott, na ““Con
"Corr tracultura Cristã",
Cristã”, adota essa mesma posição.
Podemos admitir que, em termos de megese,
exegese, essa conclusão seria
mais clara no caso da ordem ser alterada _ a frase 'e “e casar com
outra' antecedendo ãà oração que admite a exceção. Por outro
lado, se a afirmação de Keener Éé correta, Jesus nunca teve intenção
de proibir um segundo casamento e, de qualquer maneira, a
frase, na ordem em que está, admite essa interpretação. Na
prática, parece-nos extremamente severo e bastante arriscado
proibir um novo casamento a uma pessoa que se divorciou sem
que tivesse culpa na ocorrência e que, de acordo a autorização
expressa da Bíblia, tenha optado pelo divórcio.
Devemos lembrar que, mesmo havendo pornÉi.a', i0ornéia', não Éé
obrigatório que a parte inocente procure o divórcio. Ela pode
optar por suportar a situação, aguardando o dia em que seu
cónjuge
cônjuge peça perdão e volte a ser fiel _, seguindo o belo exem-
plo do profeta OsÉas.
Oséas. Conhecemos vários casos de mttlheres
mulheres que
suportararn
suportatam os períodos de adultÉrio
adultério na vida de seus maridos e
não desfizeram seus casamentos. Temos sincera admiração por
pessoas cuja capacidade de amar e perdoar vai atÉ até esse ponto.
Até agora, nossa reflexão abrangeu os casos em que a Bíblia
AtÉ
admite a possibilidade do divórcio. Agora, consideraremos
1 .-fz xt zu
divórcio nao
não eÉ concretizado devido a porneia
"‹. 1: .I J
aqueles em que o divorcio
_ casos tão frequentes hoje em que as causas alegadas são
ternperamentos), crueldade,
incompatibilidade (sexual ou de temperamentos),
alcoolismo, absorção excessiva no trabalho, irresponsabilidade
financeira, problemas com familiares, a “crise'crise da meia-idade`,
meia-idade',
etc. Aqui, devemos afirmar que a Bíblia não reconhece esses
189
188

motivos como causa para divórcio. Nesses casos, as palavras


claras de Jesus afirmam que um segundo casamento constitui
adultÉrio.
adultério.
Na igreja, o problema nesse tipo de situação surge quando
casais crentes estão em processo de divórcio ou quando alguÉm
alguém
está no processo de procurar a integração na igreja. E comum
que uma das partes resista mais ãà hipótese de divórcio do que a
outra. Mas a avaliação das responsabilidades Éé muito complexa
Thielicke argumenta que Éé extremamente
e delicada. Helmut Thieliclte
difícil falar em termos de uma parte inocente. E mais sensato o
dificil
conselheiro espiritual suspender o juízo, tentando ajudar de
toda maneira para que haja uma reconciliação, mas caso não
consiga isso, deve evitar responsabilizar mais uma parte do que
a outra. Por exemplo, se uma das partes ocupa um cargo de
responsabilidade na igreja será mais sensato, durante o processo
de divórcio, que a pessoa seja exortada a pedir suspensão do
cargo. De outra forma, pode parecer que toda a igreja está
tomando partido no caso.
Se houver um novo casamento, consideramos preferível
“celebrar' de boa
que a igreja não o celebre. Como podemos 'celebrar'
consciência aquilo que Jesus chama pecado? E óbvio que a
tendência será uma ou ambas as partes tornar a se casar, mas Éé
mais prudente aconselhar o cmamento
casamento civil nesse tipo de situação.
Quem deu acompanhamento pastoral a um casal em que os
votos foram quebrados e uma parte ou as duas optaram por um
segundo casamento deve ter autoridade espiritual para chamar
de pecado esse segundo casamento. Esse pecado, Éé evidente,
não pode ser anulado, mas quando for assumido como pecado,
será perdoado no espírito de 1João 1.9.
Nesse contexto, podemos considerar a questão do divórcio
de um pastor e se essa situação o desqualifica para esse rninis-
minis-
tÉrio lCoríntios 9.27,
tério específico. Em 1Coríntios 9.22, o apóstolo Paulo deixa
claro que existem situações de ordem moral que desqualificam
desqualificarn
um pastor para seu ministério.
ministÉrio. A pessoa que ofende pode ser
190
198

perdoada, mas tambóm


também pode ter que sofrer consequências
permanentes por causa de seu pecado _ por definição, a
desqualificação Éé permanente. Thieliclte
Thielicke se debruça sobre uma
situação em que um pastor se divorcia e Éé considerado a 'parte“parte
inocente'. Nesse caso, o 'ponto
`ponto de vista externo'
externo` deve ser levado
em consideração. De acordo com ele: "1sso “Isso Éé muito mais do
que uma questão de manter as aparências. A pessoa que desem-
penha uma função pública não está em uma posição que
plausibilidade dos seus motivos e, muito
permita argumentar a plattsibilidade
menos, de revelar o pano de fundo de sua vida pessoal íntima.
Ao contrário, está em uma posição em que os fatos, que agora
são de conhecimento público (como no caso de um divórcio),
estão ãà mercê de qualquer interpretação que o público lhes
dê, e o pastor não tem a possibilidade de controlar os julgamen-
tos que fazem antes ou depois do fato nem para impedi-los de
lançar dúvidas sobre a credibilidade de seu oficio
ofício e mensagem”.
mensage1n".
É
E óbvio, admitimos que a pessoa.
pessoa, após a resolução do seu
problema, possa desempenhar outro tipo de função na igreja
ou em uma organização cristã. Mas a impossibilidade de um
pastor nessa situação continuar na função pastoral, mesmo que
não seja explicitamente afirmada na Bíblia, parece-nos uma
éticos que a Bíblia ensina.
posição clara a partir dos princípios Éticos

Celibato e vida solitária


ConvÉm
Convém lembrar que a vida solitária não Éé o problema (ou
privilÉgio!) apenas de uma pequena minoria. Os jovens adultos,
privilégiol)
antes de casar, têm uma experiência de vida celibatária. Depois
cônjuge todas as pessoas experimentam
do falecimento de um cónjuge
pelo menos uma fase temporária em que são privadas da vida
conjugal. Aprender a se beneficiar da situação de relativa inde-
pendência que existe em uma fase assim Éé uma lição importan-
in1portar1-
tíssima cujo valor nenhum de nós pode desprezar. Aprender a
cultivar amizades sadias com pessoas do mesmo sexo _ que
podem ter a intensidade da relação entre Davi e Jônatas
Jónatas ou
191

entre Rute e sua sogra Noemi _ faz parte da formação social


e humana de que todos precisamos, seja ou não o casamento o
próximo passo.
Torna-se evidente que mesmo na Época época do Antigo Testa-
mento esse tipo de situação existia. Contudo, a viuvez prolon-
gada em geral era inadmissível, pela lei do levirato a viúva,
após o falecimento do cónjuge,
cônjuge, devia casar com um irmão ou
parente próximo deste (Dt 25.5-18).
25.5-10). Em geral, parece que
casavam com pouca idade. A genealogia de Gênesis 11.10-52
se refere ao fato de muitas pessoas terem vivido entre 2110 200 e
500 anos, mas na maioria dos casos tinham apenas 51)
501) 50 anos ou
menos antes de ter filhos. Acrescentando-se a isso o fato de
não haver no Antigo Testamento nenhuma palavra hebraica
com o significado de solteiro, fica evidente que nessa fase da
história não encontraremos muitas instruções ou exemplos
didáticos de vida celibatária. No entanto, o profeta Jeremias
(Jr 16.2) não casou _ cornocomo sinal profÉtico
profético _ e o profeta
Ezequiel enviuvou, sendo proibido por Deus de chorar, o que
também era um sinal profÉtico,
tambÉm profético, quando lhe foi tirado o 'desejo'
“desejo`
de seus 'olhos' (Ez 24.15-18).
Tendo em vista esse pano de fundo, na verdade, Éé impressio-
nante ver que a figura central do Novo Testamento _ o Filho
de Deus, Jesus Cristo _ permaneceu sempre solteiro. A certa
altura, os discípulos ao refletir sobre o grau de exigência contido
no ensino de Jesus contra o divórcio (Mt 19.9), concluíram
que era melhor não casar (v. 10). Jesus aproveita essa observação
para, de certa maneira, dar a conhecer seu novo padrão de
vida celibatária. Ele concede que aquilo que vai dizer não Éé
para todos, mas que alguns nasceram eunucos, outros foram
castrados pelos homens, enquanto outros se castraram a si
mesmos por causa do reino dos cÉus céus (v. 12). Em vista das óbvias
implicações gmtescas
grotescas de uma aplicação literal dessa passagem,
a maioria dos comentaristas conclui que a terceira categoria de
que Jesus
]esus fala são pessoas que se fizeram eunucos no sentido
192
182

metafórico _ isto É,é, por causa do reino dos cÉus


céus optaram por
não casar. Jesus fez essa opção. Depois, o apóstolo Paulo _
que na Época
época do seu ministÉrio
ministério poderia ser celibatário ou viúvo
_ recomenda que as pessoas não casem devido ãà situação extre-
mamente instável da sociedade de seu tempo (1Co (lCo 2.26-55).
7.26-35).
A pessoa solitária tem algumas vantagens _ pode dedicar-se
mais ao ministÉrio
ministério para o qual Deus a chamou. Pelo menos, pode-
mos afirmar que o casamento e o celibato, para Jesus e Pardo,
Paulo, têm
o mesmo valor _ mas algumas vezes parece que, para aqueles que
podem receber esse ensino, o celibato Éé considerado superior.
E
É evidente que as pessoas oriundas de um meio não-cristão
que se convertem muitas vezes viveram situações conjugais ou
prÉ-conjugais
pré-conjugais antes de sua adesão ãà igreja cristã. Por isso, torna-
se cada vez mais comum a situação da mãe solteira ou divorciada
(ou mesmo, embora seja menos comum, o pai que tem que cuidar
sozinho de seus filhos). EÉ óbvio que tais situações merecem toda
atenção da comunidade. O mesmo cuidado que deve existir para
as viúvas, os órfãos e os estrangeiros, deve existir para essa classe
de pessoas. No caso de já serem crentes quando o problema
surgiu, éÉ natural que a igreja os tenha repreendido ou discipli-
nado. Mesmo nesse caso, depois clasdas ofensas serem confessadas e
perdoadas, as pessoas são merecedoras de toda atenção e ajuda
que a estrutura familiar ou social não pode suprir.
E natural levantar a questão do celibatário ter que viver àã
margem de seu instinto sexual, quer seja homossexual por inclina-
ção quer seja heterossexual. Surge o dilema angustiante de ser
julgado 'anormal sexualmente' apenas por que não encontrou a
pessoa com quem casar _ ou por que vive com um amigo ou
amiga do mesmo sexo. Esse preconceito maldoso surgiu na vida
de Davi, quando este se afeiçoou ao seu amigo Jônatas, Jónatas, o rei
Saul irou-se contra seu filho, acusando-o de homossexualidade:
“Filho de uma mulher perversa e rebelde! Será que eu não sei
que você tem apoiado o filho de Jessé JessÉ para a sua própria
vergonha e para vergonha daquela que o deu àã luzi” lrrz?" (1Sm
20.50). Esse preconceito se classifica a si mesmo _, embora,
infelizmente, tenha algo em comum com a mentalidade típica tipica
da cultura em que estamos inseridos.
Sobre a questão da pessoa, no aspecto sexual, poder ou
não gratificar-se sozinho, as opiniões evangólicas
evangélicas se dividem
entre os mais in flexíveis que julgam que todo ato de masturba-
infiexíveis
ção Éé pecado e os que acham que cumpridas certas condições
o ato pode não ser prejudicial. Os primeiros têm o inconveni-
ente de não poderem citar a seu favor nenhuma passagem
bíblica que se debruce sobre a masturbação ou que a chame
de pecado (É(é óbvio que o texto de Gn 58.8-10
38.8-10 não diz respeito
ãà masturbação, mas sim corncom o uso do 'coito
`coito interrupto' como
mÉtodo
método contraceptivo). Mas, sem dúvida, têm razão quando
afirmam que muitas vezes esse ato está relacionado com atitudes
lascivas que a pessoa devia evitar ou controlar; se o que está em
pauta Éé uma relação imaginada com outra pessoa, Jesus afirma
categoricamente que isso envolve pecado (Mt 5.28). A Igreja
Católica tambÉm
também assume essa posição: “Na linha de uma urna tradi-
ção constante, tan to o magistÉrio
tanto magistério da lgreja como o sentido moral
dos fiÉis
fiéis têm afirmado sem hesitação que a masturbação Éé um
desordenado”. Não admite prazer
ato grave e intrinsicamente desordenado".
sexual que não se realize “no contexto de um amor verdadeiro,
no sentido integral da doação mútua e da procriação hrrmana".
humana”.
Admite, no entanto, que a culpabilidade moral pode ser atenuada
ou reduzida ao mínimo, levando em consideração fatores tais
como “a imaturidade
imarrrridade afetiva, a força de hábitos contraídos, o
estado de angústia e outros fatores psíqrricos
psíquicos ou sociais".“l
sociais”."”
O segundo grupo costuma tentar distinguir o tipo de
atitude mental que motiva a pessoa enquanto se gratifica. Por
exemplo, uma pessoa recÉrnrecém enviuvada pode se masturbar
cônjuge que faleceu ou um homem casado, em
pensando no cónjuge
viagem prolongada, longe de sua esposa, pode se masturbar
pensando nela. E natural que essas situações não sejam censuradas
da mesma forma que o ato de uma pessoa que está obcecada
194
184

com um 'parceiro'
iparceiroi fora da relação conjugal. E óbvio tambóm também
que o adolescente descobre a força física fisica de seu instinto sexual e
tem dificuldade em evitar o ato da masturbação, independen-
temente da questão de estar ou não pensando em um 'parceiro', `parceiro”,
(nesse campo, os rapazes têm mais dificuldade do que as moças).
Os adultos, ao aconselhar os adolescentes, devem “desdramatizar"
a situação, alguns deles, se forem crentes ou tiverem recebido
in fluência cristã, julgam que estão cometendo um 'pecado
influência `pecado imper-
doável' e que, mesmo que se esforcem, não podem se libertar dele.
Nessa área delicada não encontramos melhor conselho do
que aquele que o pai de James Dobson, conselheiro e escritor,
lhe deu antes de sua adolescência. Tratava-se de um pastor
evar1gÉlico
evangélico que, nas palavras de Dobson, era extremamente
conservador e nunca sacrificou seus princípios morais até atÉ o dia
de sua morte. Um dia, falou para seu filho pré-adolescente:
prÉ-adolescente: “Jim,
quando eu era rapaz preocupava-me muito com a masturbação.
Na verdade, tornou-se uma coisa assustadora para mim porque
julgava que Deus me condenava por causa daquilo que não
conseguia evitar. Por isso, quero lhe dizer agora que espero que
não sinta necessidade de cometer esse ato quando fo forr adolescente.
Mas se o fizer, não fique muito preocupado com isso. Não
acredito que tenha muito a ver com sua relação corn com Deus".!"
Deus”.l"i
Aqui, podemos acrescentar que o celibatário ou o viúvo
que, mesmo na vida adulta, nem sempre consegue se libertar
totalmente desse hábito, deve ser tratado _ e aprender a tratar
a si mesmo _ com esse tipo de compreensão. E, de qualquer
maneira, os solitários muitas vezes não reconhecem a autoridade
dos conselheiros espirituais, a maioria deles casados, para que
se pronunciem sobre esse assunto, que eles mesmos não estão
sujeitos ao mesmo tipo de dificuldade.
A lgreja
Igreja Católica, desde o início, quis apelar para as palavras
de Jesus, em Mateus 19.12, e de Paulo, em lCoríntios 1Coríntios 7.25-
27, afirmando que o clero e os religiosos deviam ser celibatários.
Estes, “chamados a consagrarem-se totalmente ao Senhor e ãs às
'suas CÚlS21S'
'SLIEIS coisas' ClE“l.Ú-S-Ê
dão-se IJÚI'por lfl[ÉlTU
inteiro E1a DELIS
Deus Ée EIÚS
aos l`lÚI`F1Ê.'1'1.S".
homens”. "''R PDI Por UUIÍTÚ
outro
195

lado, a lgreja
Igreja Oriental permite que homens casados sejam
ordenados diáconos e presbíteros, insistindo no celibato apenas
no caso dos bispos. Os reformadores reagiram contra essa ên-
fase no casamento como um dom secundário e frisaram o fato
de Paulo ter recomendado que o bispo ('pastor'
(ipastor' ou 'presbítero')
°presbítero')
fosse marido de uma só mulher (1Tm 5.1,2).
(iTm 3. 1 ,2). Em relação a esse
assunto, Éé óbvio que o evangólico
evangélico não pode estar de acordo
com a lgreja
Igreja Católica, pois admite a possibilidade de um pas-
tor ser solteiro, mas não admite essa obrigatoriedade. Por outro
lado, Éé fácil detectar uma reação extrema em relação ao catoli-
cismo, pois para muitos evangólicos
evangélicos parece que a opção do
celibato nem sequer Éé respeitada.
Para concluir, não podemos deixar de expressar uma palavra
de apreço por aqueles que, por amor ao reino, optam pelo
celibato ou aceitam essa situação quando ela Éé imposta pelas
circunstãncias.
circunstâncias. Em muitos casos são pessoas cujo amor pelo
reino de Deus Éé excepcional. E desmentem de uma forma eficaz
um dos mitos da nossa Épocaépoca _ aquele que afirma que cada
um tem o direito de satisfazer seus desejos e que, sem fazer isso,
ningrtÉm
ninguém pode ser feliz.

Notas
1.
I. ""l'heolr:|gical
“Tlieulu_tzical l_fitl1ies",
litliics”, l ielr¬nut
lel1¬nutThielicl-:e
'l'lrielicl~te (1
(1908-8(›),
9118-BB), ed. l.'!errlt¬r¬t:1t¬rs,
Ifiertltnans, 1929. 1979.
2. '“l'he
“The Life of Augrtstirre
Augtistiiie of lI lippo",
Iippo”, Peter 1Êlr¬rm-'rt,
Brmvn. ed. l"aber, 1962,11.
i96?, p. 5855.
388.
3. 39li.
5. Op. cit., p. 5911.
4. “i'\rnon_g (}oti`s {iirrr'rts",
"r"rrnong iÍiod's Giants”. 13.542.
11.342.
“Ro1n:1n(Íathulicism”,Sebastian
5. “Roman liullough. ed. Pelicau,
IÍ_Íatholicism", Sebast_i:1r¬r llullough, Pelican, 19155,
l9(13, p. 25.
75.
(1.
ó. (Jp.
Up. cit., p. 344.
544.
T.
2. “r'\n1r›ng
"Arnrí›r¬rg Gods
Gotl'.s (Êi:1nts"¬
(_iin|1ts", p. 345.
545.
8. Op.
H. (Jp. cit., par. 2558-9.
2358-9.
(Jp. cit., p. 285.
9. Op.
Ill.
li). l'*~«lr:›rrr1rrr1
Norman Pittenger, Pittcnger, citado em “i\le'~.v Dictionaryoi°{Íl1ristian
“i\le\vDictio11ar_\' ‹›l`Clirisrian Flthics
Iírhics and
anti Pas-
toral Tl1er:|logj,"',
Tl1et1l‹›gy`°, ed. l"'v'1?",
IVP, lselcester,
Leicester, 1995,
1995. p. 452.
'lI1.()p. cit., par. 1h45.
1. Op.cit., 1645.
l2. Op. cit., "¬.-"ol.
12. \-"t›l. 5,
3, p. 129.
IT9.
13. “Contracultura
15. "(.Êontraeuitura Cristã”,
(lristã”,_|ohn
Iohtl R. 1.'W-É ed. .-"'r.B.L',
-'vi Stott, erl. i-\.B.L', 1928.
I9?8.
C. C. Rjrrle,
14. 1.. Ryrie, citado em "Rer'rtlir¬rgs
“Readings iu in 'lÍ.ln'istian
Christian litlrics",
Iithics", "v"ol.
\-"n1. 2,
2. “lssues
“Issues and
196
198

Applications”, D.K. Clark e Robert V. Ralsestrauf,


Rakcstraxv, ed. Baker, Grand Rapids
1996, pp. 23'1-43.
199ó, 231-43.
15. Craig Keener, citado em Clarl-;
Clark e Ralrestrarv,
Raltestraw, pp. 244-49.
ló.
16. Op. cit., par. 2352.
11'. “Solid Ansvvers”,
12. Answers”, James Dobson, ed. Tvndale
Tyndaie House, 1992,
1997, p.288.
11.288.
1579.
18. Op. cit., par. 1529.
CAPÍTULO s8
csrituro

Questões de propriedade
e trabalhos

Não firrtarás
fiirrarás (Ex 20.15; Dt
DE 5.19).

Questões: Apropriarmo-nos da propriedade de outrem Éé


um ato que a consciência humana reprova em qualquer tipo de
sociedade. O termo bíblico traduzido por 'furtar' não oferece
qualquer dúvida quanto ao seu significado: Éé "apropriar-se
“apropriar-se daqui-
lo E1118
1Ú que PÊÍÉÊHCÊ
pertence Ela ÚLIIFEI
outra FIÉSSÚH.
pessoa SEH1
sem Oo CUI`lSEI`l1ÍlI'I`1f'.'I1[U
consentimento ÚL1 ou CÚI1l'lÊC1¬-
conheci-
mento dela”.'
dela".'
Mas, quando refletimos que furtar pode não significar
apenas apropriar-se de objetos, mas tambóm também de pessoas, entra-
mos forçosamente no campo do rapto, do escravagismo e da
exploração de mão de obra ou sexual. Surge toda a questão em
relação ãà propriedade: será que existe apenas um conceito
correto e bíblico de propriedade? Será que ta|nbÉm também outros con-
ceitos culturais de propriedade são válidos -- _ como, por exemplo,
o de algumas culturas a fricanas em que uma bicicleta encostada
em um rnuro muro Éé automaticamente considerada propriedade de
todos? Entramos tambÉm também no campo do trabalho que já teve
alguns aspectos considerados no capítulo 4. Para pór pôr a questão
do trabalho em termos simples, podemos resumir assim: quem
trabalha pouco rouba ao seu patrão ou ao Estado, quem traba-
lha demais rouba sua família e provavelmente ãà sua saúde. Aqui,
tambÉm
também surge a questão complexa da relação entre a igreja e o
198

Estado: a igreja se envolver em assuntos que não deve, pode


ser um tipo de furto; e, em muitos casos, a intromissão do Estado
em questões particulares e da igreja tambÉm
também pode ser furto.
Portanto, tambÉm
também se levanta a questão dos impostos.
Na primeira seção deste capítulo, vamos analisar não apenas
os termos bíblicos traduzidos pelo termo 'furtar',
'furtar”, mas tambÉm
também
todo tipo de furto exemplificado nos livros da lei, nos livros
históricos e nos profetas. TambÉm
Também nos debruçarernos
debruçaremos sobre a
questão da aplicação de penalidades nos tempos bíblicos.
Também consideraremos algumas perspectivas sobre essas
TambÉm
mesmas questões que surgem nos Evangelhos e nas Epístolas.
Depois, vamos considerar qual Éé o conceito bíblico da proprie-
dade, tentando detectar quaisquer modificações que tenham
surgido em tempos mais recentes. Ainda vamos apreciar
questões relacionadas com o trabalho e salário, alÉm
além de questões
em relação ao dever do cidadão cristão perante o Estado e da
convivência entre igreja e Estado.

O furto no Antigo Testamento


O termo usado em Exodo
Êxodo 20.15 e Deuteronómio
Deuteronômio 5.17 Éé
ganab. Quase imediatamente após ãà passagem em Êxodo, o
oitavo mandamento tambÉm
também Éé aplicado no campo humano.
Em Exodo
Êxodo 21.16 lemos: “Aquele que seqüestrar alguóm alguém e
vendê-lo ou for apanhado com ele em seu poder, terá que ser
executado"
executado” (grifo do autor). lsso abre espaço para todo tipo de
consideração sobre, por exemplo, o escravagisrno
escravagismo e a exploração
Também nos faz refletir sobre a história
da mão de obra infantil. TambÉm
José que foi raptado por seus irmãos e vendido como escravo
de JosÉ
para o Egito. Depois, os irmãos foram confrontados por JosÉ, José,
quando ele já ocupava o lugar logo abaixo do Faraó na nação
egípciaƒ Será que foi por ter desenvolvido uma consciência
egípcia]
moral ou por medo das consequências que, naquele momento,
afirmaram que de modo nenhum furtariamfurraríarn ouro e prata da
445)?
casa do rei do Egito (Gn 44.8)?
199
188

Em Gênesis 31,19,
51,19, lemos que Raquel Íitrrou
lilrtou os ídolos que
seu pai, Labão, possuía. Labão, que tinha furtado sete anos
da vida de seu genro após o ato fraudulento de lhe dar Lia, a
filha mais velha, em lugar de Raquel que Jacó amava, protestou,
então, contra Jacó, perguntando por que Éé que ele tinha levado
(furtado) suas filhas (v. 26) e agora firrrava seus deuses (v. 50)!
30)!
Jacó, com toda lógica, respondeu que tinha levado as filhas
furtivamente porque estava com receio que Labão as trouxesse
de volta. Sobre os deuses, furtados por Raquel, ainda não tinha
conhecimento (vv. 51,52).
31,32).
TambÉm
Também Éé óbvio, como nos relata Exodo Êxodo 22.1, que os
animais podem ser furtados.
Mas, tambóm
também existem formas mais sutis de furto. Os deser-
tores que abandonam a batalha, na verdade, se firrtam
fiirtam a si pró-
prios do serviço que Deus lhes designou (2Sm 19.5).19.3). Mais grave
ainda, Éé 'firrtar'
'furtar' o coração dos outros _ o que fez Absalão,
filho de Davi, quando organizou uma revolução para destituir
o pai e subir ele próprio ao trono (2Sm 15.6).
Muitos atos que constituem furtos manifestos são descritos
com outras palavras. Por exemplo, as pessoas que pretendem
vender produtos alimentícios podem ter no bolso dois tipos de
medida: um 'efa' (que Éé urna
uma medida de volume fixal) grande e
outro pequeno (Dt 25.14-16, cf. tambÉmtambém Lv 19.55-57)
19.35-37) _ Éé
óbvio o tipo de roubo que se pretende aqui! Dentro da mesma
linha de pensamento, Provórbios
Provérbios considera que o 'Senhor repudia
desonestas` (Pv 11.1).
balanças desonestas' 1 1.1). Quando um ladrão assalta urnauma
casa (Ex 22.2) e Éé ferido ou morto pelo proprietário,
proprietário. este não Éé
considerado culpado dessa rnorte.morte. Quem participa com um
ladrão _ aqui pode ser inclrtído,
incluído, por exemplo, o receptador de
valores roubados _ compartilha sua culpa (Pv 28.24).
O fato de qualquer valor, em bens ou animais, por ordem
de Deus, ser destinado ãà destruição não autoriza ninguÉm
ninguém a se
apropriar dele. Como exemplo desse tipo de furto temos o caso
babilônica
de Acã que se apossou dos bens de Ai, uma boa capa babilónica
200
280

e valores em ouro e prata, que estavam destinados a ser destruídos


(Js
(]s 7.1-26). É interessante notar que a penalidade nesse caso Éé
mais severa do que no simples furto da propriedade de um
indivíduo, não Éé restituindo os bens que o ofensor consegue
satisfazer a justiça divina. Acã, por ter agido contrariamente ãà
ordem específica do Senhor, primeiro pós pôs em questão o bernestar
bemestar
de todo seu povo que deixou de obter vitória sobre os inimigos
do Senhor, alÉm
além de ter tido que pagar com sua vida por seu ato.
Nem mesmo um rei pode tomar a liberdade de se apropriar
daquilo que o Senhor mandou destruir. Saul foi rejeitado como
rei por seu povo devido ao fato de ter 'perdoado'
°perdoado' de serem
destruídas as ovelhas e vacas dos arnalequitas
amalequitas que o Senhor man-
dou destruir (1Sm 15. 1-25). O dÉbil
15.1-23). débil pretexto de que tencionava
oferecê-las
oferece-las em sacrifício ao Senhor não foi convincente!
Essa responsabilização dos reis, em relação ãsàs leis de proprie-
proprie»
dade, contrasta com a situação prevalecente nos povos do
Oriente Módio,
Médio, em que os reis eram muitas vezes considerados
donos dos súditos e das propriedades de forma absoluta, não
ninguém. A certa altura (veja 1R.s
tendo que prestar contas a ninguÉm. lRs
21
2] .1-29), o rei Acabe se propós
propôs a comprar uma vinha ao lado da
área do palácio, por um preço aparentemente muito favorável,
mas a vinha, por ser propriedade da família
familia de Nabote, não podia
ser vendida. A compra da propriedade privaria Nabote de seu
sustento. O fato de trabalhar nas terras de sua família era sua
garantia de liberdade e dignidade; se viesse a receber outras terras
do rei podia ocupá-las
ocupa-las temporariamente, mas sem as mesmas
garantias e sujeitando-se a ter que servir praticamente como
incitado por sua mulher Jezabel, o rei Acabe
escravo. Quando, inc.itado
condenou Nabote ãà morte, sob a falsa acusação de blasfêsmia,
e se apropriou de sua vinha, em consequência disso, o profeta
Elias anunciou ao rei sua sentença de morte _ a qual ficou
'suspensa'
`suspensa` diante do profundo arrependimento do rei (v. 29).
Miquéias, tendo em mente esse tipo de
Depois, o profeta MiquÉias,
ofensa, denunciou os exploradores: “Ai daqueles que planejam
201

maldade, dos que tramam o mal em suas camas! Quando alvo-


tece, eles o executam, porque
rece, porqrre isso eles podem fazer. Cobiçam
terrenos e se apoderam deles; cobiçam casas e as tomam. Fazem
violência ao homem e àã sua fiamília;
frrmília; a ele e aos seus herdeiros”
herdeiros"
(Mq 2.I,2).
2.1,2). E, no mesmo espírito, Isaías
lsaías declarou: “Ai
"Ai de vocês
que adquirem casas e mais casas, propriedades e mais proprie-
dades, até
atÉ não haver mais lugar para ninguém
ninguÉm e vocês se torna-
rem os senhores absolutos da terral”terra!" (5.8).
Aqui, torna-se óbvio que se o conceito de roubo éÉ mais
amplo no Antigo Testamento do que na sociedade moderna,
isto se deve ao fato do conceito bíblico de justiça social ultrapas›
ultrapas-
sar o que éÉ considerado normal na sociedade moderna. Nas,
assim chamadas, leis atuais de mercado muitos desses atos (em
especial, a proposta feita pelo rei Acabe) seriam considerados
perfeitamente legítimos.
O Antigo Testamento, de acordo com os costumes antigos,
em certas situações admitia o escravagismo. Por exemplo, escravos
podiam ser comprados, por tempo ilimitado, de povos vizinhos
TambÉm um ladrão condenado que fosse incapaz
(Lv 25.44-46). Também
de fazer a restituição total dos bens roubados podia ser vendido
como escravo. Mas a reverência ao Senhor e o respeito pela digni-
imprrnham limites tanto àã forma de trabalho
dade humana impunham
realizado como àã duração do tempo de serviço. Algumas vezes,
uma pessoa, devido às ãs dívidas, tinha que se vender ao seu credor
(Lv 25.39-43).
25.59-45). Mas, nesse caso, não devia servir como escravo,
mas sim como trabalhador contratado ~ _ e isso só durante os
anos que faltassem para o próximo Ano do Jubileu. Depois, sem
ter qualquer outra obrigação, devia ficar livre para voltar para
sua família. É interessante ver a razão teológica para justificar
essa atitude: “Pois os israelitas são meus servos, a quem tirei da
terra do Egito; não poderão ser vendidos como escravos. Não
dominem impiedosamente sobre eles, mas temam o seu Deus” Deus"
(vv. 42,45).
Dentro do mesmo espírito, um sento servo hebreu podia ser
comprado para servir durante seis anos, mas depois devia ser-
202

lhe dada a oportunidade de ficar livre ou de se oferecer volunta-


riamente para continuar no serviço, por amor ao seu senhor
(Ex
(Êx 21.1-2).
21.1-7). Quando se oferecia nessas condições, seu senhor
furava-lhe a orelha, como sím bolo da situação assumida de servo sento
voluntário.
Em contrapartida a esse pano de fundo Éé que devemos
compreender as severas denúncias dos profetas da prática de
opressão dos pobres pelos próprios tribunais de justiça. Amós 2.6
e 8.6 relata que em Israel vendiam o justo por dinheiro e o neces-
sitado por um par de sapatos. E É provável que essa afirmação
signifique que o juiz era subornado com oferta de dinheiro e
que a pessoa considerada culpada de um pequeno roubo passava
a ser escravo. Essas situações mereciam a mais severa condenação
do Deus de justiça.
alguêm era empregado para servir a outra pessoa,
Quando alguém
seus direitos eram salvaguardados para evitar a exploração. A
'diária', pagamento do trabalho de um dia, devia ser pago no
`diaria,,
Deuteronómio 24.14,15 lemos esta
mesmo dia (Lv 19.15). Em Deuteronômio
forte admoestação que abrange a situação tanto do estrangeiro
em serviço como do irmão israelita: “Não se aproveitem do pobre
e necessitado, seja ele um irmão israelita ou um estrangeiro que
viva numa das suas cidades. Paguem-lhe o seu salário
salario diariamente,
antes do pór-do-sol,
pôr-do-sol, pois ele Éé necessitado e depende disso. Se
não, ele poderá clamar ao SF.t-.=Ht`rir
SENHOR contra você, e você será
pecado”. Quando uma peça de roupa de um pobre
culpado de pecado".
era tomada em penhor, por causa de uma dívida, devia ser
devolvida ãà noite, para ele não sofrer o frio noturno (Ex 22.26,27).
22.26.27).
E
É difícil encontrar no mundo moderno preceitos tão humanos
em relação ãsàs situações de endividamento!

Penalidades no Antigo Testamento


A restituição Éé o princípio subjacente ãs
às penalidades impostas
em situações de furto. A palavra hebraica traduzida por 'restituir'
(sillam)
(síílam) Éé uma forma verbal relacionada com a pflavra palavra shalom
Shalom
203
283

que significa paz. A intenção da restituição Éé restaurar a paz e a


harmonia nas relações sociais. No caso de um boi furtado (Ex
22.1), o pagamento requerido era cinco vezes o valor do animal,
o que pode ser considerado como a restituição do valor acrescen-
tado por uma multa de quatro vezes desse valor. No caso de uma
ovelha, era restituído o valor do animal e uma 'multa' equivalente
a três ovelhas. Valores domósticos
domésticos que eram furtados deviam ser
repostos na totalidade (Ex 22.5). Tambóm
Também podia acontecer o
caso da pessoa ter que se vender como escravo no caso de não
22.3).
conseguir pagar sua dívida (Ex 22.5).
E interessante notar que há ofensas de negligência que não
são rigorosamente furtos, mas que são punidas de uma forma
que ilustra o mesmo tipo de princípio em ação. São aquelas em
que um boi escorna alguómalguém e essa pessoa morre (Ex 21.28), a
pena aplicada Éé apedrejar o boi e não comê-lo, mas o dono
não recebe outra penalidade, alÉn1 além da perda do animal. Se a
pessoa for um servo, Éé acrescentado o pagamento de uma multa
(trinta siclos de prata) devido ao valor que seu trabalho repre-
senta (v. 52).
ÉS2). Se um boi escorna outro (v. 55),
35), os dois bois, o
vivo e o morto, devem ser vendidos e o dinheiro repartido em
partes iguais entre os donos. Quando um boi ou um jumento
caem em uma cova, que alguÉm alguém abriu e não cobriu adequada-
mente, tambÉm
também há restituição (v. 54).
34). Mas tambóm
também há crimes
de negligência que são considerados mais graves. Se o dono de
um boi que era conhecido como escorneador, não o guardava
devidamente, pagava a ofensa com sua vida (vv. 29 e 56).
A famosa lex talionis
ralíonís (cf. capítulo 6, “Questões de morte
_ requerida pela lei _ na história), que exige vida por vida,
não determina a aplicação da pena capital no caso de um crime
menos grave que não envolve a morte ou em que a morte
acontece por acidente. Mas tambÉmtambém há ofensas que envolvem
danos graves pessoais ocasionados a alguÉm, alguém, mas em que o
prejuízo está longe de ser apenas financeiro. E óbvio que o
caso da violação Éé um tipo de furto grave (veja Ex 22.16,17).
204

Aqui, a solução prevista Éé a pessoa ter obrigatoriamente que


casar e pagar o dote. Tanto a dimensão humana como a dimen-
são financeira do crime têm que ser levadas em consideração.
Conforme a evidência existente de códigos legais do período
mÉdio
médio dos assírios, a penalidade aplicada em casos de violação
era a mesma.
Toda evidência do Antigo Testamento sugere que a prisão
era uma forma de penalidade desconhecida entre os hebreus.
Há situações bem conhecidas nos relatos bíblicos de homens
presos, mas isso apenas em outras culturas contemporãneas
contemporâneas
(como, por exemplo, JosÉ
José e outros funcionários do rei de Egito).
A penalidade que se aproxima mais da prisão Éé aquela em que
a pessoa se vende como escravo (nunca por mais de seis anosl).
Na realidade, isso significa que a pessoa, durante todo esse
tempo, vai estar envolvida em trabalho útil e que há um limite
estabelecido de relativamente pouco tempo.
Urna
Uma parte significativa da tarefa dos profetas Éé discernir
situações não cobertas pela lei, mas em que são cometidas o
mesmo tipo de ofensas. Por exemplo, em Samaria, as senhoras
da alta sociedade, no tempo do profeta Amós, exploravam e
desmoralizavam os pobres, a fim de manter seu estilo de vida
luxuoso (Am 4.1-5). O Senhor, por meio de Amós, se dirigiu a
“vacas de Basã'.
essas senhoras chamando-as 'vacas Basã°. No intuito de fazê-
las se arrependerem, deu-lhes vários castigos _ primeiro,
privando-as materialmente e, depois, dando-lhes doenças. Em
uma sociedade onde impera a desigualdade e a exploração, os
tribunais muitas vezes não são competentes para julgar os
muitos casos de abuso, nesse caso, o próprio Deus toma sobre
si a tarefa de aplicar a sentença. Durante algum tempo, sua
intenção Éé levar as pessoas ao arrependimento; mas quando a
pessoa deixa passar a oportunidade de se arrepender, neste caso,
a sentença de morte, aplicada e efetuada por Deus, não se deve
tanto àã dimensão da ofensa, mas ãà dureza do coração da pessoa
que persiste na ofensa, apesar de repetidos avisos.
aos
205

0 furto no Novo Testamento


De acordo com Jesus, há maus pensamentos que brotam
do coração humano (Mc 7.21,22) 7.2l,22) que incluem os furtos.
Conforme Paulo (1Co 6.10), os ladrões estão entre aqueles
que não herdarão o reino de Deus. Em geral, quem furta evita
cumprir sua responsabilidade em relação ao trabalho. O cristão
Éé advertido em relação ao seu dever de assumir esta responsabi-
lidade: “O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo
algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com
quem estiver em necessidade"
necessidade” (Ef 4.28). Quem furta tambÉm
também
peca, de uma maneira flagrante, contra a lei do amor (Rm
15.9,10).
153,10). O cobrador de impostos desonesto, Zaqueu, após
seu encontro com Jesus,
]esus, resolveu espontaneamente restituir o
valor quadruplicado dos bens que tinha tirado indevidamente
(Lc 19.8), a lei levada a rigor, quando não se tratava de animais,
só exigia a restituição do valor total (cf. Ex 22.5).
22.3).
O Novo Testamento, com frequência, repete o oitavo
mandamento, mas já que este Éé tão claro, pouco ou nada
acrescenta na elaboração de seu significado. Em relação ãs às
penalidades, no entanto, a perspectiva muda bastante. Corno Como
a igreja não tem o mesmo papel que o governo de lsrael, Israel, ela
governa de maneira teocrática a vida nacional, portanto, não éÉ
ela que determina as penas que serão impostas em casos de
furto ou outros crimes contra o bem do próximo. A igreja tem
que subsistir sob diferentes tipos de regime político, respeitando
suas leis, mais ou menos severas, no foro civil.

A propriedade na Bíblia
A rigor, a Bíblia só admite direitos absolutos de propriedade
no caso de um proprietário: Deus. Esse Éé o sentido claro do
texto de Salmos 24.1 ("Do(“Do Senhor Éé a terra e tudo o que nela
existe")
existe”) e de muitos outros semelhantes. Quando uma pessoa,
206
208

bem consciente desse fato, faz uma oferta ao Senhor, reconhece


que, na realidade, apenas está devolvendo ao Senhor parte
daquilo que pertence a ele (1Cr 29.14). O papel do 'proprie-
tário humano' Éé o de mordomo, administrando a terra sob as
ordens do verdadeiro Proprietário (Gn 1.26-50). 1.26-30). ConvÉm
Convém
frisar que, desde o início, essa noção de propriedade Éé muito
mais limitativa na liberdade que dá da ao 'proprietário'
`propriet:ítio` humano
do que costuma ser o caso na sociedade moderna. Por isso, a
Lei do Jubileu soa estranha aos ouvidos modernos. Segundo
essa lei (Lv 25), a terra está distribuída entre as famílias e corr-
con-
tinua a ser sua propriedade de geração em geração. Contudo,
quando uma parte tem que ser vendida, por causa de dívidas
circunstâncias adversas, nunca pode ser vendida
ou de outras circunstãncias
quinquagésimo ano, a terra
para sempre (vv. 25-28). Cada quinquagÉsimo
adquirida nessas circunstâncias deve voltar ãà família que Éé sua
legítima proprietária. Assim, os efeitos do empobrecimento de
uma família não se perpetuavam ao longo das gerações. AlÉm Além
disso, não dava oportunidade ãà criação de monopólios _ nem
de famílias economicamente fortes nem, Éé evidente, do Estado.
Em especial, Éé importante o relato de lReis 21 que descre-
ve o processo desonesto mediante o qual o rei Acabe obteve a
vinha de Nabote, por que mostra que o rei de Israel lsrael não éÉ o
proprietário de lsrael _ em contraste com os reis de regiões
assunriam como donos de seus respectivos
vizinhas que se assumiam
territórios. C. Wrightl diz: “Mesmo o rei éÉ apenas um
Wright:
inquilino na terra de Deus! Acabe não éÉ mais do que um co-
Nabote".
inquilino com Nabote”.
A implicação lógica desse tipo de abordagem éÉ que uma
pessoa pode cometer furto, mesmo quando administra sua
propriedade. Uma maneira de lfurtar'
'furtar' em terreno próprio, por
exemplo, éÉ não respeitar a lei do ano sabático, tentando tirar
proveito da terra além
alÉm dos limites que o Senhor estabeleceu
(Lv 25.1-7). Todo o povo, quando foi levado em cativeiro para
a Babilônia,
Babilónia, foi julgado por esse tipo de furto (2Cr 5620,21):
20?

“Nabucodonosor levou para o exílio, na Babilónia,


Babilônia, os remanes-
centes, que escaparam da espada, para serem seus escravos e
dos seus descendentes, atéate a época
Época do domínio persa. A terra
sabáticos; descansou durante todo
desfrutou os seus descansos sabãticos;
o tempo de sua desolação, até ate que os setenta anos se completa-
ram, em cumprimento da palavra do SENHOR anunciada por
Jeremias". Outra maneira de “furtar`
Jeremias”. 'furtar' em terreno próprio éÉ não
respeitar as leis que protegem os interesses de viúvas, órfãos e
estrangeiros (Dt 24.19-22). Se a pessoa se esforça por recolher
todo o fruto da terra, sem se lembrar dessa exigência de Deus,
dá provas de ingratidão frente ao Senhor que o resgatou. Ainda
outra maneira de furtar em terreno próprio éÉ não dar o dízimo
Detrteronómio 26.12-19 mostra
do produto da terra a Deus. Deuteronômio
como o sustento dos levitas, e tambémtambem dos pobres, viúvas e
estrangeiros, dependia em grande parte dos dízimos. Mala-
5.7-10 denuncia com toda a ênfase esse tipo de roubo,
quias 5.7-IO
praticado por pessoas que julgavam que estavam livres para
administrar sua propriedade como entendessem, julgando, a
'roubar' não tinha qualquer aplicação
princípio, que a palavra “roubar”
possível ao seu caso!
No Novo Testamento, vemos Jesus denunciar a ganância ganãncia
em termos eloquentes: “Mas ai de vocês, os ricos, pois já
receberam sua consolação”
consolação" (Lc 6.24). Fala para um jovem rico,
recomendando que venda tudo quanto tem e que reparta com
Em de ter um tesouro no céu
os pobres a fim ceu (Lc 18.22). Como
muitas vezes se tem dito, a posição de Jesus não éÉ a de que a
riqueza material em si constitua uma maldição. Ele destaca a
condição do coração que estima mais as riquezas do que outros
valores. No relato de Lucas 18, o jovem rico vai embora triste,
depois de ouvir a palavra de Jesus, porque ama suas riquezas.
E, naturalmente, põe em questão também tambem aquilo que acaba
de afirmar _ sua obediência total aos dez mandamentos. Amar
o dinheiro e as propriedades dessa forma éÉ idolatrar. Certa
ocasião um homem pediu para Jesus resolver um contencioso
208

sobre heranças entre ele e seu irmão (Lc 12.15). Jesus se recusou
a assumir o papel de juiz e tambem
também contou a parábola do
homem que, tendo tido boas colheitas, derrubou seus celeiros
para construir outros maiores e morreu nessa mesma noite,
perdendo assim tudo aquilo que tinha depositado com a finali-
dade de ter garantia material por muitos anos.
Strbjacente
Subjacente ãà denúncia que Jesus faz desse tipo de idolatria
pode estar tambem
também a questão da procedência da riqueza. E
fato conhecido que, durante o período do Antigo Testamento,
a Lei do Jubileu raramente foi praticada ou mesmo lembrada.
Se essa lei tivesse sido aplicada, seria impossível haver a acumu-
lação de riquezas nas mãos de algumas famílias. Por essa razão,
o menonita John Howard
Hovvard Yoderfl
Yoder,-1 e muitos outros, consideram
que Jesus, ao citar na sinagoga a passagem de Isaías
lsaías 61.1,2
61 _ 1 ,2 sobre
a libertação dos cativos e oprimidos (cf. Lc 4.18,19), estava
anunciando um Jubileu. Creio que não teremos qualquer
dificuldade em aceitar essa posição, se compreendermos que a
implementação desse Jubileu não foi feita pelas autoridades
humanas de Israel, mas pela mão do Juiz Divino (que nessa
geração terá caído sobre os ricos e poderosos, de acordo com
seus merecimentos, a não ser que, a exemplo de Zaqueu, prescin-
privilegios).
dissem voluntariamente de seus privilégios).
O apóstolo Paulo, nessa mesma linha de pensamento,
anuncia não que o dinheiro seja a raiz de todos os males (como
algumas pessoas entendem), mas sim que o amor ao dinheiro éÉ
(lTm 6.10).
a raiz de todos os males (1Tm
O Novo Testamento não ignora o fato de que as riquezas,
mesmo que sejam o fruto da desonestidade ou exploração
praticadas por outras gerações, podem ser usadas de forma
positiva. Depois de contar a parábola de um mordomo que,
após ser despedido por seu senhor, toma a iniciativa de ir aos
credores do senhor e perdoar suas dívidas(!),
dívidas(l), Jesus ensina que
a inteligência desse mordomo pode servir de exemplo, de
tambem cultivemos amigos *com
maneira que nós também 'com a riqueza da
209

injustiça* (Lc 16.9). Aqui, hã


injustiça' há tambem
também uma referência tácita ilà
desobediência do senhor às leis que ezigemexigem o perdão periódico
de dívidas, o que faz com que sua riqueza seja 'a “a riqueza da
injustiça? Ate
Até hoje, com frequ-ëncia,
frequência, acontece de um cristão
herdar dinheiro que, em gerações passadas, pode ter sido ganho
por meios ilegítimos, mas que, no entanto, pode ser adminis-
trado agora para fins que beneficiem
beneficiem os interesses do reino de
Deus. I-lã
Há situaçoes
situações em que os cristãos não têm a responsabili-
dade direta pela maneira como suas riquezas foram ganhas,
mas ttí-n1
têm responsabilidade diante de Deus pela forma como
optam por administrar esses bens.
experiência dos primeiros discípulos
No livro de Atos, a eaperiëncia
também té-*Ê significativa pelo fato de ilustrar a atitude dos segui-
dores de Jesus em relação as às propriedades. Um dos resultados
da conversão de três mil pessoas em Jerusalem, Jerusalém, no dia de
Pentecostes, foi o fato de elas partilharem suas propriedades.
Àtentemos
Atentemos ao que o tezto texto diz: “Os que criam mantinham-se
unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades
e bens, distribuíam
disrribuíam a cada um conforme a sua necessidade”
(At 2.4-4,45).
2/14,45). Em Atos 4, depois da confrontação de Pedro e
oão com o Sinédrio
João Sinedrio o texto
tezto relata: “Não havia Ppessoas
essoas necessi-
tadas entre eles, pois os que possuíam
possuiam terras ou casas as vendiam,
traziam 0o dinheiro da venda e o colocavam aos pés pes dos apóstolos,
apostolos,
que o distribuiam segundo a necessidade de cada um” (vv.
34,55).
54,55).
Historicamen
Historicarnen te, essa atitude se diferencia da de grupos como,
por exemplo,
ersemplo, os essênios
essënios que viviam em comunidades de tipo
monástico
monãstico e prescindiam de toda sua propriedade particular para
o fazer. Os cristãos primitivos continuaram inseridos na sociedade
normal de seu tempo e eram exortadosezortados a manter suas ocupações
octipaçoes
e profissões
p1*t1fissoes para ganhar seu sustento, da mesma maneira que
seus contemporâneos não-cristãos faziam (veja, por exemplo, eacmplo,
2Ts 3.10).
5.10). Nessas passagens de Atos, os acontecimentos suge-
rem espontaneidade no ato de repartir que, na época, epoca, vinha
210

do impulso específico do Espírito Santo, naturalmente preven-


do também as graves carências materiais que os crentes em
Jerusalêm
Jerusalém sofreriam em alguns anos (cf (cf. 2Co 8.1-4). Não êé
correto falar em termos de comunismo que êé um sistema
político em que o Estado impoeimpõe a partilha de bens; aqui, nas
comunidades cristãs retratadas em Atos, o0 impulso vem de
dentro. A partilha não foi obrigatória; ao casal, Ananias e Safira,
que foi condenado, em Atos 5, foi dito que se quisessem o0
dinheiro da venda era deles - _ o pecado deles foi dar uma
parte e mentir, dizendo que estavam dando tudo.
Calvino êe' eloquente contra a ideia
idéia de que, na igreja primiti-
va, a partilha de bens significava a ausência de bens particulares:
“Se alguem
"Se alguém replicar que não ezistia
existia propriedade privada, já
que todas as coisas eram comuns, a solução da questão êé fãcil,fácil,
uma vez que a propriedade comum está restrita ãà circunstãncia
circunstância
que se acrescenta logo depois, a saber, que os pobres fossem
socorridos cada um de acordo com sua indigência. É bastante
divulgado o antigo provêrbio
provérbio de que todos os bens sejam
comuns entre amigos. Ora, os pitagoricos
pitagóricos quando falavam isso,
não queriam dizer especificamente que cada um não devesse
governar sua casa, nem era intenção deles que as mulheres
fossem comuns a todos. Dessa maneira, essa comunalidade,
que e'é louvada por Lucas, não abole a ordem de que cada um
tenha a direção e ordem de sua casa. Ora,
Ota, os monges têm mostra-
do ridícula impudência, afirmando que seguem a regra dos
Apostolos,
Apóstolos, porque nada possuem de seu, contudo, nada vendem
nem lhes importa se alguem
alguém está na indigência; antes, abarrotam
seu ventre ocioso com o sangue dos pobres, e outra coisa não
buscam em sua comunidade alem além de se saciar e entreter lauta-
mente, ainda que todo o resto do mundo esteja faminto. Que
têm eles, pois, de semelhante com os primeiros discípulos de
que estamos falando e de quem querem ser vistos como
imitadores?”.'f
imitadores?".'¡ '
211

A propriedade na história do cristianismo


À
e na atualidade
A igreja continuou a ter uma atitude generosa e desprendida
em relação ãà propriedade, sendo que, no seculo
século iv,
IV, isso foi motivo
de queixa para o imperador Júlio. Os pais da igreja não encaravarn
encaravam
de maneira positiva a propriedade privada, considerando-a um
mal necessario em um mundo caído. A propriedade podia ser
particular, mas devia sempre ser usada para o bem comum. Nesse
aspecto, o herege Pelágio não se distanciou da posição dos pais
ortodo:-tos.
ortodoxos. Patrício fc.(c. 339-461),
389-461), por amor ao Evangelho, repartia
tudo o que recebia até ficar em eatrema
extrema pobreza. Muitas ordens
religiosas assumiram votos de pobreza e viveram em comuni-
dades, com as quais partilharam todos os bens -, por exemplo, ezemplo,
os franciscanos _ e cujo desafio ilà riqueza da igreja contempo-
rãnea
rânea levou-as a ser perseguidas.
Na epoca
época da Reforma, alguns anabatisras
anabatistas tentaram impor a
propriedade comum em suas comunidades, por esse motivo um
de seus grupos foi chamado de Levellers flniveladoresl).
(íniveladoresi). Calvino
admitia a riqueza, não como objeto de nossas ambições, mas
apenas como bênção de Deus: “Primeiramente,
“Primeirarnente, não apetecerão,
nem esperarão nem intentruão
intentatão meio algum de prosperidade, senão
exclusiva de Deus, e, em consequência, descansarão
pela bênção ei-rclusiva
e confiarão com toda segurança nela. Porque, por mais que lhe
pareça faà carne que pode se bastar a si mesma, quando por meio
de seu esforço industrioso aspira ãà honra e asàs riquezas, ou quando
se apoia em seu esforço, ou quando êé ajudada pelo favor dos
homens; no entanto, êé evidente que todas essas coisas não são nada
e que de nada serve nosso empenho ou se aproveita dele, a não ser
na medida em que êé o Senhor que nos faz prosperar”.i*
prosperar”Í
Calvino reconhecia que a propriedade era do Senhor, tendo
o proprietário humano o direito de administrã-la
administra-la sob as ordens
e diretrizes divinas. Sabia que o roubo dessa propriedade podia
assumir diferentes formas, não apenas o assalto ou a usurpaçãousutpação
212

diretos: “Ora, há várias modalidades de furto: uma se apoia na


violência..., outra se aninha na fraude e na maldade, quando
sagazmente se empobrece o prdximo, próximo, iludindo-o e enganando-
o;
0; outra se baseia em astúcia ainda mais dissimulada, quando,
sob a alegação de direito, se priva alguém de seus bens; outra
repousa na lisonja, quando, mediante belas palavras, sob titulo título
de doação ou de outra forma, alguém alguem se apossa daquilo que
pertence a outra pessoa... todos esses meios de que fazemos uso
para enriquecer em detrimento de outro”.° outro“.'5
O conceito católico catdlico atual de propriedade não difere muito
do conceito dos reformadores. João Paulo II, Il, em “Laborem
Exercens“, diz que a propriedade éê um direito natural, mas
Exercens”,
que não éê absoluta nem intocável. O Catecismo da igreja lgreja
Catdlica (1),.{"l¡:=-. rico em ensino sobre a propriedade e incisivo em
Católica
sua condenação de abusos: “São também processos moralmente
ilícitos: a especulação pela qual se manobra para mudar artifi-
cialmente a avaliação dos bens, a fim de tirar vantagem em
detrimento de outro; a corrupção, pela qual se desvia o juízo
daqueles que devem tomar decisões de acordo com o direito; a
apropriação e uso privado de bens sociais de uma empresa; os
trabalhos mal executados, a fraude fiscal, a falsificação de cheques
e faturas, as despesas excessivas, a prodigalidade. Causar volunta-
riamente um prejuízo em propriedades privadas ou públicas éê
contra a lei moral e exige reparação”.i'reparação“.f
O Catecismo, ao definir a doutrina social da igreja, toma
posição diante de opções ideológicas ideoldgicas atuais de forma extrema-
mente relevante: “A Igreja lgreja rejeitou as ideologias totalitárias e
atéias,
areias, associadas nos tempos modernos ao “comunismo” °comunismo* e
*socialismo'. Por outro lado, recusou, na prática do capitalismo”,
isocialismoh lcapitalismol,
o individualismo e o primado absoluto da lei de mercado sobre
o trabalho humano. Regular a economia só pela planificação planificação
centralizada pelverte perverte a base dos laços sociais; regula-la
regulá-la só
sd pela lei
do mercado éê faltar àit justiça ustiçasocial,
social, 'porque há numerosas necessi-
dades humanas que não podem ser satisfeitas pelo mercado`. mercadol. É
213

necessário preconizar uma regulamentação racional do mercado


e das iniciativas econêmicas,
econômicas, segundo uma justa hierarquia dos
valores e tendo em vista o bem comum“.fcomum”.8 Pensamos que aqui a
crítica não recai sobre o socialismo democrático dos partidos
que, nas sociedades européias modernas, hoje têm esse nome -
já que este não tem nada a ver com uma ideologia atêia. atéia.
De forma semelhante, alguns evangélicos, teólogos eticistas
e economistas de todos os continentes, tomaram posição na
*Declaração
'Declaração de Oxford sobre Fê Fé Cristã e Economia' (janeiro de
1990). Sua crítica do conceito capitalista atual da lei de mercado
êé a seguinte: “Como os países não-capitalistas, em número cada
vez maior, se desviam do planejamento central rumo ãà economia
de mercado, a questão do efeito do capitalismo sobre a cultura
assume uma importáncia
importância cada vez maior. O sistema de mercado
pode ser um meio eficiente de crescimento econêmico, econômico, mas, ao
longo do processo, leva as pessoas a achar que o sentido essencial
está na acumulação de mais mercadorias. O consumismo que
hoje domina a sociedade ocidental e'é testemunho do fato de que
o sucesso material do capitalismo estimula forças e atitudes decidi-
damente não-cristãs. Uma dessas atitudes êé o tratamento dos
trabalhadores como simples ítem do custo ou componente de
produção, sem que se leve em conta sua humanidade. Há Ha
também o risco de que o modelo de mercado, que pode funcio-
nar bem em transações econêmicas,econômicas, passe a ser considerado
relevante para outros setores da vida e, em consequência, as
pessoas poderão crer, portan to, que o que o mercado incentiva êé
portanto,
melhor e mais verdadeiro“.“
verdadeiro”.°
Nesses dias caracterizados pela privatização de meios de
comunicação (T,i"'t‹ CJO utros serviços, êé dificil
difícil estabelecer um critêrio
critério
êtico,
ético, com caráter bíblico, sobre aquilo que deve ser propriedade
do Estado e aquilo que deve ser particular. Na Declaração de
Oxford merece destaque a seguinte afirmação: “Reconhecemos
que nenhum sistema econêmico econômico em particular foi prescrito pela
história recente sugere que a dispersão da propriedade
Bíblia. A histdria
214

dos meios de produção eé um importante componente da demo-


cracia. A propriedade monopolista, quer do Estado, quer das
econômicas, quer das ol
grandes instituições econõmicas, oligarquias,
igarquias, eé perigosa.
A propriedade difusa, seja em uma economia de mercado ou
em um sistema misto, tende a descentralizar o poder e impedir o
totalitarismo”. 'Ú
O consumidor eé a favor da privatização que obriga ãà concor-
rência e a todo tipo de redução de preços e ofertas atrativas que
são feitas para o conquistar. Mas por outro lado, a ausência de
valores éticos deontolõgicos
deontológicos leva a uma mentalidade pragmática
em que *aquilo
“aquilo que vende está certo'. E eé preciso reforçar o papel
do governo, itii luz da Bíblia, o lservol
°servo' que Deus chamou para im-
plementar sua justiça (Rm 13.1-7), em uma epoca época em que o
'dinheiro eé sinõnimo
sinônimo de poder”
poder' e em que o poder financeiro de
algumas empresas particulares ultrapassa de longe o de alguns
Estados.
Tambem
Também eé preciso sermos muito cautelosos na nossa aprecia-
ção ietical
“ética” de distintos conceitos de propriedade daqueles que
são comuns nas economias capitalistas modernas. Em uma cultu-
ra indígena, por exemplo, em que a terra eé considerada a “mãe” 'mãe'
dos que a habitam, eé õbvio
óbvio que o mesmo conceito de comprar e
vender que existe na cultura europeia
européia ou estado-unidense não
pode ser aplicado. As parcelas de terreno não são propriedade
privada no sentido que nós entendemos: como podemos esperar
que um índio reaja positivamente perante um estrangeiro rico
que pretende comprar sua lmãe`i'
`mãe'? O europeu tambem
também não deve
ficar irado se, em uma determinada cultura africana, deixa sua
bicicleta encostada a uma parede e verifica que alguem alguém a está
usando para visitar um familiar ou tratar de outro assunto. A
bicicleta eé entendida como comunitária _ um `bem' disponível
para todos. A pessoa que a tirou não a roubou, apenas reclamou
seu direito legítimo de a usar temporariamente!
ético que existe na nossa sociedade pes-cristã
O vazio etico pós-cristã e
pós-moderna eé semelhante ao que existia na vida de muitas
pes-moderna
215

pessoas que jesus desafiou em sua epoca. época. Jesus,


jesus, muitas vezes,
teve que combater a ideia
idéia de que aquilo que uma pessoa possuía
era o que a definia. Contra essa ideia,idéia, jesus defendeu a noção
da lvidal,
°vida', zoe, que não consiste na abundância do que uma
pessoa possui (Lc 12.15). Mesmo sem entrar no campo da zoe
aíoníos
aionios (lvida eternal),
eterna'), a vida aq ui vivida obviamente tem muito
mais valor do que apenas aquilo que se lucra ou se possui no
sentido material, mesmo um ateísta concordará que há momen-
tos na vida (por exemplo, momentos em que se sente bem no
convívio com sua família) que lo io dinheiro não pode comptar'.
comprarl.
Mas quando se considera que, para o cristão, há uma vida
melhor a ser vivida aqui e há também
tambem uma vida por vir, ée óbvioebvio
que os valores superficiais do consumismo são de fato muito
pobres e mesmo fraudulentos na promessa que fazem de trazer
apõstolo Paulo também
satisfação. O apóstolo tambem encara essas duas dimen-
sões da vida de um cristão, ao dizer que ia “a piedade, porém,
porem,
para tudo ée proveitosa, porque tem promessa da vida presente
futura: (1Tm
e da futura, (lTm 4.8).
A publicidade nos meios de comunicação sempre tenta
sugerir que a vida de um ser humano consiste na abundância
do que possui ou, mais exatamente, que a compra de um
determinado produto ée o que vai melhorar a qualidade de vida
das pessoas. O leitor ou telespectador pode não aceitar essa
mensagem conscientemente, mas também tambem nãonâo a rejeita: se lhe
perguntássemos, ée possível que admitisse que a mensagem ée
falsa, mas, em geral, nem sequer levanta a questão. Entretanto,
ée enorme a soma de horas que gasta vendo publicidade (porque
quer ver o resto do programa), sem ter qualquer interesse real.
Ele ée passivo ao deixar que os meios de comunicação comeram
o maior furto do seu tempo. E, em suas compras, se deixa
influenciar constantemente por valores que ele mesmo sabe
que são absurdos _, --, permitindo assim que seu dinheiro seja
`furtado` sistematicamente.
216
215

Salários
Em uma sociedade em que cada família possui seu terreno
e sustenta seus integrantes com os alimentos que produz, há
pouco lugar para o pagamento de salários. Mesmo assim, a
sociedade do Antigo Testamento, que era desse tipo, fazia o
pagamento de salários em algumas situações. Os escravos não
recebiam salários, mas havia tambem
também trabalhadores que eram
assalariados _, sendo o pagamento feito no fim de cada dia
de trabalho. E notável a preocupação da lei com os direitos
desses trabalhadores: “Não se aproveitem do pobre e necessita-
do, seja ele um irmão israelita ou um estrangeiro que viva numa
das suas cidades. Paguem-lhe o seu salário diariamente, antes
põr-do-sol, pois ele ée necessitado e depende disso. Se não,
do pôr-do-sol,
ele poderá clamar ao SENHOR contra você, e você será culpado
de pecado” (Dt 24.14,15).
2414,15).
fenõmeno de salários em atraso ée bem conhecido na
O fenômeno
sociedade moderna. No entanto, existe um fenômeno fenõmeno muito
mais generalizado de atraso no pagamento de todo tipo de
contas _ o que ée obviamente reprovado pela ética etica bíblica. O
profeta Jeremias reprova em termos diretos o estilo de vida e o
procedimento daqueles que, para viver com folga, se aprovei-
tam de trabalhadores que não são devidamente pagos: “Ai
constrei o seu palácio por meios corruptos, seus
daquele que constrói
aposentos, pela injustiça, fazendo os seus compatriotas traba-
lharem por nada, sem pagar-lhes o devido salário”
salário“ (Jr
(jr 22.13).
No Novo Testamento, Tiago denuncia a riqueza dos explo-
“'\/ejam, o salário dos traba-
radores em termos bem definidos: “Vejam,
lhadores que ceifaram os seus campos, e que vocês retiveram
com fraude, está clamando contra vocês. O lamento dos
ceifeiros chegoú aos ouvidos do Senhor dos Exércitos”
Exercitos“ (Tg 5.4).
Ao longo da história
histõria surgiram diferentes modelos de
etica que daremos
relações trabalhistas: o tipo de orientação ética
ao cristão que quer trabalhar e firmar seu direito de receber
21?

um salário justo depende do modelo em que está inserido e da


prõpria
própria mentalidade que tem. Se viver em um contexto bastante
marcado pela ideia
idéia do conflito entre classes, por exemplo, vai
considerar que a relação patrão-empregado, em essência, eé de
exploração. Frisará que o empregado na sociedade industrial
moderna está alienado de seu trabalho e não tem uma recom-
pensa justa. E provável que tambem
também aceite a ideiaidéia marxista
sobre religião que afirma que esta eé o õpio
ópio do ceu
céu oferecido a
quem sofre aqui. Aceitará, como solução, o conceito (já muito
desacreditado) de socialismo do Estado. Terá, porem, porém, que
reconhecer que a experiência das indústrias estatais não conduz
em geral nem a uma maior eficiência nem a relações menos
exploradoras do que existem na indústria privada. Em um caso
assim, será muito relevante o conselho que João Batista deu aos
soldados de seu tempo que eram lexploradosi'
`explorados` no exercito
exército
romano: “Não pratiquem extorsão nem acusem ninguem ninguém falsa-
mente; contentem-se com o seu salário"
salário” (Lc 3.14).
Por outro lado, o cristão atual pode ter sido criado em um
contexto em que o conceito prevalente eé o da neutralidade de
mercado. De acordo com esse conceito, os interesses prõprios
próprios
necessariamente fazem parte do mundo dos negõciosnegócios e devem
ser encarados como moralmente neutros. As diferenças entre
os salários são determinadas pela necessidade da situação e nâo não
pelo valor moral do trabalho que se faz. Nesse tipo de mentali-
dade a pessoa acredita na teoria da “mão `mão invisível* (frase de
Adam Smith) que atua como fonte de benefícios mútuos no
processo do enriquecimento de alguns _ a riqueza dos mais
ricos termina por `escorregar` ate
até os mais pobres. O fato desse
processo, em geral, não acontecer de maneira natural _ e de
haver uma tendência no coração humano para explorar e fazer
próximo _ eé testemunhado pela existência de múltiplas
sofrer o prõximo
leis bíblicas que protegem os direitos do empregado e do meio
ambiente. E testemunhado pela Epístola de Tiago que descreve
o rico que vive 'deliciosamentel
“deliciosamente” sobre a terra, `“cevando`
“cevando` seu cora-
218

ção, mas em um dia que eÉ de matança, quem está sendo morto


eé o `justo' que trabalha nas suas terras por um salário (jorna)
que ele diminuiu (Tg 55,6).
No contexto de uma economia capitalista, a influência de
uma etica
ética cristã conscienciosa pode produzir melhoramentos
substanciais no que diz respeito ao tratamento justo dos assala-
riados. Nesse caso, surge um conceito paternalista
paternalisra de relações
de trabalho, como aconteceu, por exemplo, na sociedade
vitoriana, por influência de reformadores sociais cristãos como
lorde Shaftesburjr
Shaftesbury (1801-85) que lutou a favor dos interesses
dos trabalhadores, reduzindo as horas de trabalho, melhorando
as condições de segurança e sanitárias, na firme convicção de
que ele se apercebia dos interesses genuínos dos trabalhadores
melhor do que eles prõprios.
próprios. Alguns industriais cristãos (como,
por exemplo, George Cadburjr,
Cadbury, 1859-1922) criaram não se só
melhores condições de trabalho, mas tambem
também zonas residenciais
para seus trabalhadores e suas famílias morarem. Combinaram
certo autoritarismo (a ideia
idéia paternalista eé que o lpai“
ipai' sabe melhor
o que eé interessante para seu lfilhol)
`filho') com uma genuína consci-
ência cristã. O termo lpaternalista”
'paternalistai não tinha uma conotação
tão negativa como hoje. E biblicamente, quando esse tipo de
padrão eé aplicado a serio,
sério, eé õbvio
óbvio que há muito a dizer em seu
favor e pouco a objetar. O único problema eé que eé difícil a
consciência do patrão ser suficientemente escrupulosa_,
escrupulosa, não
deixando que os interesses financeiros se sobreponham âà justiça
social. O sistema precisa da presença simultânea de um grupo
organizado de trabalhadores que possam dialogar com os
patrões e levar em consideração áreas em que seus direitos
precisam ser mais respeitados.
Atendendo a essa necessidade, nasceu o movimento sindi-
cal. Muitos dos primeiros sindicatos do seculo século 1-Ux
XIX surgiram
dentro do contexto metodista, havendo situações em que os
diáconos das igrejas ficavam ao pe pé das portas das fábricas para
convencer os assalariados a se associar. Calvino, mais de dois
219
2í9

seculos
séculos antes, aconselhara a existência de uma classe de
ltribunosl
'tribunos' ou ldefensoresl
“defensores dos direitos do povo diante dos reis."
reis.“
E
É provável que o reformador não tivesse rejeitado de pronto a
possibilidade de greve, em situações em que o povo não tem
outra maneira de chamar atenção para a exploração a que as
classes privilegiadas constantemente o sujeitam.
décadas, continuou a ser
O movimento sindical, durante decadas,
uma força necessária na sociedade para que pouco a pouco
pudesse criar maior justiça social. Mas foi problemático o fato
de grande parte dos sindicatos obrigar os trabalhadores a se
inscreverem (a política chamada de “closed'closed shopl).
shop'). Na Grã
Bretanha, nas decadas
décadas de 1960 e 1920,
1970, os sindicatos chegaram
a ter tanto poder que garantiam útimasótimas condições aos seus
membros ao mesmo tempo que desenvolviam uma prepotência
que podia põrpôr em perigo o futuro das indústrias e da prõpria
própria
economia nacional. Em tal contexto,
con texto, Sir Frederick Cathervvood,
Cathewvood,
famoso escritor e político evangelico,
evangélico, fez o seguinte comentário:
“No lsrael antigo, o usurário era o homem que não se dispunha
a emprestar ao seu vizinho o dinheiro para o trigo sem cobrar
juros, o que o obrigaria a vender uma parte de sua quinta. O
usurário moderno eé o trabalhador que usa seu músculo indus-
trial para obter da comunidade mais do que merece“.'f
rnerece”.'1
Depois da amarga experiência de conflito industrial, surgiu
na Grã Bretanha um governo conservador, o de Margaret
Thatcher, que acabou com a hegemonia dos sindicatos. Indepen-
dente, de aprovarmos ou não essa política, podemos nos alegrar
década
com o desenvolvimento positivo das relações industriais na decada
seguinte. Foi nesse período que algumas companhias criaram
estruturas com mais dialõgo
dialogo e participativas, tentando que seus
empregados não sentissem necessidade de formar sindicatos.
evidente que um cristão, que traz da sua experiência na igreja
um modelo de relacionamento baseado no conceito do “corpo
de Cristo” (cf. especialmente, 1Co Í2
12 a 14), eé uma pessoa prepa-
rada para ajudar a implementar o diálogo, o respeito e a avaliação
220

positiva da capacidade de todos os elementos envolvidos em uma


operação. Ele deve procurar oportunidade de aplicar esse tipo
de modelo às questões de relações industriais. Assim, eé provável
que fuja dos modelos extremos do capitalismo de `laissez-faire”
°laissez-faire” e
do radicalismo que muitas vezes se instalou no movimento
sindical.
Se o cristão deve participar ou não de greves eé uma questão
difícil de resolver com base em criterios
critérios puramente bíblicos.
O fato de joão
João Batista, em determinado momento, ter aconse-
lhado os soldados a estarem satisfeitos com seu salário (Lc 3.14)
eé um aviso oportuno para aqueles cuja ambição e obsessão eé
apenas melhorar sempre seu nível material de vida. No entanto,
dificilmente poderíamos generalizar esse conselho, aplicando-
o a todas as situações em que crentes têm que decidir se devem
participar de greves. Paulo recomenda o contentamento aos
que têm sustento e com o que se cobrir (lTm(1Tm 6.8), sem dúvida,
isso tem algo a dizer a urna
uma sociedade em que eé considerado
normal cada família possuir seu segundo carro! No entanto, a
Bíblia reconhece a tendência enraizada dos ricos oprimirem
os pobres e, de muitas formas, tenta põrpôr freio a essa exploração.
Se os empregados forem cristãos e ganharem mais consciência
da situação injusta em que se encontram, mas a porta do
diálogo com seus patrões estiver fechada, pode ser que em
algumas situações o caminho da greve seja a única alternativa
que lhes resta?

A posição social do cristão


cristao
Deixando de lado a questão mais restrita das relações de
trabalho, eé õbvio
óbvio que o cristão precisa refletir
refietir bem sobre seu
posicionamento como cidadão de “dois 'dois reinosl.
reinos`. Para uma
apreciação mais profunda desse assunto chamamos a atenção
do leitor para o livro O Sabor do Sal,
Saí. que, embora escrito na
década de 1980, ainda reflete com bastante exatidão nossas
decada
convicções sobre essa materia.”
matéria.” A
à epoca,
época, a indiferença da comu-
221

nidade evangelica
evangélica diante dessas questões
questoes nos causava preocu-
preocu
pação. Todavia, preocupa-nos ainda mais o fato de que agora,
passadas quase duas decadas,
décadas, a maioria dos cristãos parece tão
indiferente, ou ainda mais, diante dos problemas sociais do
que nos parecia âà epoca.
época.
Como orientação geral para nosso pensamento nessa área
basta lembrar a experiência dos exilados na Babilõnia,
Babilônia, no tempo
de Jeremias. Os falsos profetas tinham anunciado que não haveria
exílio e, depois, quando o exílio veio, começaram a anunciar que
o exílio duraria apenas dois anos. Aconselharam as pessoas a evitar
o contato com a sociedade da BabilõniaBabilônia _, fazendo o mínimo
indispensável para colaborar Ur (Jr 27.9). Jeremias percebeu que a
duração do exílio seria de setenta anos e recomendou uma
postura muito mais positiva e colaborativa: “Construam casas e
habitem nelas; plantem jardins e comam de seus frutos. Casem-
se e tenham filhos e filhas; escolham mulheres para casar-se com
seus filhos e dêem as suas filhas em casamento, para que tambem também
tenham filhos e filhas. 'lvlultipliquem-se
'li/lultipliquem-se e não diminuam. Bus-
quem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e
orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês
depende da prosperidade dela“ dela” (295-7).
(29.5r7). Depois, o profeta
Daniel agiu de acordo com essa advertência, e o alcance da sua
intervenção a favor de rodo
todo o itnperio
império babilõnico
babilônico foi muito maior
do que poderia parecer possível.
O papel que os servos
sewos de Deus desempenharam no seio da
sociedade pagã da Babilõnia
Babilônia eé obviamente um bom exemplo
para o cristão que eé chamado a trabalhar em uma sociedade
materialista e pagã. No meio dessa sociedade eé chamado para
terra`, não deixando que a sociedade se corrompa
ser o “sal da terra”,
totalmente (Mt 5.15).5.13). É chamado a obedecer, pagando os
impostos que lhe são exigidos (“dai a Cesar César o que eé de Cesar
César e
a Deus o que eé de Deus“)
Deus”) e se submeter âs às autoridades estabele-
cidas, por estas ser de Deus (Rm 1_°›.1,2).
15.1,2). E
É õbvio
óbvio que seu voto
de obediência âs às autoridades incredulas
incrédulas não pode ser absoluto.
222

Quando estas exigem atitudes ou atos que são contrários a sua


consciência, ele lembra-se da resposta de Pedro e João diante
das autoridades judaicas: “E “É preciso obedecer antes a Deus do
que aos homensl“
homensl” (At 5.29).
Na etica
ética de Martinho Lutero, há uma distinção clara e
explícita entre os dois reinos. Essa posição tem sido md
mal comp reen-
compreen-
dida e, mesmo que de maneira breve, merece ser esclarecida.
Ele não assumia a posição de que um reino ée mau por ser secular
e por isso não merece nossa atenção. Na verdade, ensinou que
tanto o reino do mundo como o da fé fe são de Deus, e que ele
exige que o cristão viva de forma responsável em ambos os reinos.
No entanto, Deus, no reino do mundo, estabeleceu autoridades
e estas têm que recorrer âà força para manter a ordem. No reino
da fe
fé a norma etica
ética eé mais elevada: eé a do sofrimento sacrificial
em favor do prõximo
próximo (1Pe 317,18) e mesmo do inimigo (Mt
5.44). Ocasionalmente, a mesma pessoa pode se encontrar em
uma posição em que tem que usar distintos criterios,
critérios, conforme
com a situação, como, por exemplo, no caso do policial que eé
crente. Outros sistemas eticos
éticos tendem a eliminar a ideia
idéia de duas
categorias diferentes de exigência: Calvino, por exemplo, elabo-
roiu princípios baseados no amor e na justiça e aplicou-os sem
fazer a separação entre o reino do mundo e o da fe. fé.
Seja como for, o cristão que se deixa informar pelo ensino
e a prática da Reforma, sabe que os padrões eticos éticos que Deus
lhe dá se aplicam ao seu papel duplo, como cidadão da socieda-
de humana e como membro do reino de Deus. Mas uma
questão interessante que tem surgido nos últimos anos, anos. eé se ele
pode desobedecer e usar sua desobediência como arma política
diante de situações com as quais (entre outros) não concorda.
Por exemplo, um grupo de cristãos que pretendia anunciar os
direitos dos animais bloqueou o acesso a uma auto-estrada na
frente do Instituto Nacional de Saúde, em Bethesda, Mary-
land. Ou, quando um grupo de cristãos faz manifestações a
favor do direito âà vida de crianças ainda não nascidas na frente
223

de clínicas de aborto, impedindo o acesso de mulheres grávidas


ao edifício. Ou, quando alguns cristãos se recusam a pagar
seus impostos, ou uma parte estipulada dos impostos, para o
Governo, alegando que o país está envolvido em uma guerra
com a qual eles não concordam.
históricos que remontam aos
Podem ser citados exemplos histõricos
primeiros tempos do cristianismo. Em 298 d. C., o centurião
Marcelo foi morto por se recusar a continuar a servir sewir no exercito
exército
romano, como protesto contra a idolatria e o derramamento de
sangue que faziam parte da vida militar. No seculo século Xvil,
XV11, João
joão
Bunjfan
Bunyan foi preso três vezes e passou um total de treze anos na
prisão por não frequentar a lgrejaIgreja Anglicana e por pregar sem
autorização. No seculo
século ie-t,
XX, o Movimento Reformado Juvenil se
opôs ao nazismo por meio de publicações, sermões e outras formas
opõs
de protesto. Devido a sua desobediência ao nazismo, assumida
publicamente, Martin Niemoller foi preso durante sete anos e
Dietrich Bonhoeffer foi executado. Na decada década de 1980, o pas-
tor Everett Sileven, da lgreja
Igreja Batista da Fe,Fé, Louisville, Nebraska,
foi preso por se recusar a obter uma licença estadual para a escola
primária de sua igreja. Tambem
Também em anos recentes o pastor John
Piper foi preso por invasão de propriedade alheia, ao participar
em manifestações de livramento contra o aborto.
evangélicos está dividida em relação âà
A opinião dos cristãos evangelicos
legitimidade da desobediência a leis civis como forma de protesto.
Alguns consideram que a desobediência sõ só eé legítima quando,
no campo estritamente religioso, as autoridades nos mandam
agir contra nossa consciência _, deixando de anunciar a Palavra
de Deus (cf. At 5.29) ou adorando uma imagem (cf. Dn 3).
Outros alargam o alcance da nossa legítima intervenção em
questões de justiça e civis em que outros, que não apenas cristãos,
se identificam conosco. De qualquer forma, convem convém frisar que
a desobediência civil não eé revolução, embora possa em alguns
casos preparar o caminho para isso. O escritor Stephen Mottlf Mottli
define cinco criterios
critérios para justificar uma ação de protesto: 1) a
desobediência civil deve ser para se opor a uma lei que eé imoral;
224

2) deve ser usada sõ só quando se esgotaram todas as possibilidades


de resolver o problema por meio de metodos métodos legais; 3) deve
ser um protesto declarado publicamente, e não clandestino;
4) deve haver possibilidade de sucesso; e 5) deve haver, por
parte dos participantes, a disposição de aceitar a pena
decorrente da infração ãà lei.
Ryriefls teõlogo
C. C. Rj›'rie,l5 teólogo evangelico,
evangélico, frisa com muita insistên-
cia a responsabilidade do cristão ser obediente âs às leis. Mostra
como Jesus (Mc 12.17; Jo 18.36), Paulo (Rm 13.1-7) e Pedro
(1 Pe 2.15-17)
2.13-17) (12) ensinaram a obediência. Diz que a desobedi-
Sinédrio, não ao Governo
ência de Pedro e João referiu-se ao Sinedrio,
romano, e que sõ só foi necessária por que a autoridade em questão
exigia desobediência a uma lei divina. A advertência de Rjrrie Ryrie
eé oportuna porque nos ajuda a examinar bem os motivos e as
razões que nos levam a protestar. Diz que os últimos dias serão
caracterizados pela desobediência 21à lei (anomía, cf. 2Tm 3.1-
65) e que um testemunho cristão correto será um distancia-
mento muito claro dessa tendência.
Os exemplos bíblicos de desobediência civil são vários e
merecem um exame cuidadoso. Por exemplo, Faraõ Faraó proibiu o
povo de adorar Jave Javé (Ex 5.1, etc.) e o povo desobedeceu. O
povo desobedeceu tambemtambém quando o rei da Babilõnia
Babilônia mandou
adorar um ídolo (Dn 3) e quando proibiu a oração a Deus
(Dn 6). Esses são casos em que Rjfrie
Ryrie concordaria com a necessi-
dade de desobediência do crente coerente.
Por outro lado, acontece algumas vezes que as pessoas,
procurando obedecer a Deus, se recusam a obedecer outros tipos
de ordens. As parteiras hebraicas se recusaram a matar bebês
(Ex 1.15-21). O mordomo Obadias desobedeceu áa ordem da
rainha Jezabel de matar os profetas do Senhor. A rainha Ester
pediu, por intermedio
intermédio de Mardoqueu, as orações de seu povo
em seu favor quando fosse suplicar ao rei contra a ordem de
exterminá-lo, assumiu o fato de estar desobedecendo itE1 lei ao
apresentar-se fora do tempo diante do rei (Et 4.16).
225

É
E interessante o argumento usado pelo pastor John Piper,1f`
Piper,“'
a favor de sua invasão ilegal em clínicas de aborto. Diz que a
Bíblia manda livrar “os
'os que estão sendo levados para a morte;
socorra os que caminham trêmulos para a matançal“
matançal' (Pv 24.11).
Se Piper visse uma criança em perigo de vida no jardim de um
vizinho, saltaria a cerca para a salvar. Da mesma maneira, ele
entra “indevidamente”
“indevidamente nas clínicas por que sabe o perigo a que
milhares de vidas inocentes são expostas. E difícil rebater a lõgica
lógica
dessa posição quando se compara essa situação com situações
bíblicas em que servos
sewos de Deus se opuseram âà morte de vidas
inocentes.
E natural que o cristão consciencioso queira examinar muito
bem as questões de justiça envolvidas nas situações e a gravidade
das mesmas, antes de entrar em qualquer manifestação que
envolve a desobediência civil. Pode concluir que uma situação
que envolve a vida de animais, por exemplo, embora bastante
desagradável, não eé suficientemente prioritária para que dedique
suas energias e para põr
pôr em risco sua liberdade. Mas, na verdade,
situações que envolvem muitas vidas humanas podem ser das
mais graves para se enfrentar, alem
além de exigir um protesto drástico.
drãstico.
E situações que envolvem a obediência âs às ordens de Deus, a
favor da salvação eterna de pessoas pelas quais Jesus morreu,
podem ainda mais claramente exigir uma posição desse tipo.

A relação entre a Igreja e o Estado


Na epoca
época do Antigo Testamento, um tipo de pecado denun-
ciado corn
com muita veemência, eé o de ultrapassar as barreiras
estabelecidas por Deus e desempenhar funções que não corres-
pondem ao espaço designado por Deus para cada um. Em um
mundo que pertence a Deus em sua totalidade, não existia
propriamente um setor “profano”
"profano` e um “sagrado”.
`sagrado`. Mas existia a
esfera legítima de ofertas e sacrifícios, na qual os sacerdotes e
levitas eram chamados para agir, e a esfera da vida política
nacional e da justiça interna, na qual o rei era a pessoa chamada
dajustiça
226

por Deus para exercer essas funções. Em certo momento, Saul,


primeiro rei de lsrael, ofendeu gravemente contra Deus, ao
oferecer um holocausto e ofertas pacíficas (_1Sm (lSm 13.8-14). As
palavras de Samuel surpreendem-nos por sua severidade: “Você
agiu como tolo, desobedecendo ao mandamento que o SENl¬10R, Si-1t~iHtÍ›1t,
o seu Deus, lhe deu; se você tivesse obedecido, ele teria estabele-
cido para sempre o seu reinado sobre lsrael. Mas agora o seu
reinado não permanecerá; o SENHOR S1¿i-ii¬1tiit procurou um homem
segundo o seu coração e o designou líder de seu povo, pois você
não obedeceu ao mandamento do SENHOR". SEHHi_x¬t“”. Mais tarde, o rei
Uzias cometeu a mesma ofensa: “Entretanto,““Entretanto, depois que Uzias
se tornou poderoso, o seu orgulho provocou a sua queda. Ele
Si-_¬.I-iHüR, o seu Deus, e entrou no templo do SENHOR
foi infiel ao SENHOR, Si¿IvHtI›i¬'f.
para queimar incenso no altar de incenso” incenso“” (2Cr 26.16). Foi
castigado por Deus, ficando leproso até ate o dia de sua morte.
tambem denuncia a situação contrária: a negligência
Deus também
de sacerdotes na área de sua competência em favor de outros
interesses. Por exemplo, no tempo de Neemias, 0o sacerdote
Eliasibe, por meio do casamento, fez um acordo político com
Tobias, inimigo do povo do Senhor. Aproveitou uma câmara
grande no templo, que anteriormente era usada para as ofertas,
incenso, utensílios, dízimos para os levitas e outros, e ofertas para
os sacerdotes, para lã lá instalar Tobias (Ne13.-4,5).
(Ne13.4,5). Ao saber disso,
Neemias só sõ ficou contente após apõs ter expulsado Tobias e seus móveis
mõveis
dessa câmara que, nos propósitos
propõsitos de Deus, tinha outra função.
Tudo o que se relaciona com a ocupação indevida de espa-
ços ou usurpação de funções indevidas pode ser considerado
um tipo de furto. Biblicamente, entendemos que, nos propó- propõ-
sitos de Deus, existe o Estado, com funções bem delimitadas, e
sacerdõcio chamado a anunciar e transmitir os
a igreja, um sacerdócio
valores do reino de Deus. A ética etica cristã tem forçosamente a
tarefa de tentar demarcar esses limites, para que ninguém ninguem
usurpe funções que não lhe competem e para que, na medida
do possível, os valores do reino de Deus sejam respeitados, tanto
em uma esfera quanto na outra.
22?

Dr. Jõnatas
Jónatas Machado, em sua tese de mestrado se debruça
com muita profundidade e lucidez sobre essa questão,'i“questão,'7 e a
examina de um ponto de vista histõrico.
histórico. Começa com o Antigo
Testamento, em que: ““O “O poder político repousava em uma
base de legitimação transcendente, devendo ser exercido de
acordo com os preceitos estabelecidos por Deus. Foi graças a
esse entendimento que Saul e Davi receberam a coroa das mãos
do profeta Samuel””.
Samuel”. Mesmo assim, como já vimos, havia
separação de espaços correspondentes âà função do sacerdõcio
sacerdócio
e da monarquia, separação essa que prepara o caminho para o
conceito posterior de separação entre lgreja Igreja e Estado.
Ele mostra como, na sociedade grega houve primeiro uma
fase homerica,
homérica, em que o rei tinha poder tanto na esfera religiosa
como em todos os domínios da vida social, seguida pela fase
dos filõsofos,
filósofos, em que a “põlis”
`pólis' (cidade) começa a ser secularizada
e suas instituições democratizadas.
E no Novo Testamento, no entanto, que Machado encontra
a separação de poderes feita de maneira mais rigorosa: ““Então,
“Então,
César o que eé de Cesar
dêem a Cesar César e a Deus o que eé de Deus””
Deus” (Mt
22.21); ““O
“O meu Reino não eé deste mundo““
mundo” (Jo 18.36). Comenta
o seguinte: ““Da
“Da afirmação da soberania de Deus resulta que todo
poder estabelecido está, em última análise, sob a sua autoridade
e ao serviço
seiviço dos seus propõsitos
propósitos eternos (Rm 13.1). O ideal
divino para o exercício do poder político eé a prossecução do
bem e da justiça (Rm 13.1-3). Daqui decorrem, para o crente,
os deveres morais de obediência, cooperação positiva e não
resistência âsàs autoridades (Rm 13.2-7) e de intercessão a Deus
(1Tm 2.1-4). No entanto, no caso de conflito entre as
por elas (lTm
normas divinas e as normas dos poderes públicos a prevalência
cabe âsàs primeiras (At 4.19)“”.'*“
4.19)”."`*
No lmperio
império Romano praticou-se a tolerância de todos os
cultos desde que não questionassem o culto ao imperador,
“sumo
'sumo pontífice”, os cristãos foram perseguidos em muitas
ocasiões por não aderirem a esse culto. A conversão de Constan-
228

tino (312)
(512) fez com que se considerasse o cristianismo uma religião
lícita, juntamente com outras. No sistema cesaripapista, que
surgiu nessa epoca,
época, o imperador era o supremo moderador nas
relações entre lgreja
Igreja e Estado, e o clero era uma classe privilegiada.
séculos iv
Dos seculos W a 1-tv,
XV, os pontífices
pontífices romanos quiseram inverter o
cesaripapismo, afirmando que eles eram sucessores não apenas
de Pedro, mas tambem
também do Cesar
César e chamando para si o poder
supremo. Quando falavam em “liberdade 'liberdade da lgreja“,
lgreja', referiam-
se âà liberdade da lgreja
Igreja Catõlica
Católica de ser a única detentora da
verdade. Mesmo Agostinho defendeu a integração, âà força, de
hereges donatistas âà lgreja
Igreja Católica,
Catõlica, comparando essa força com
a que Deus usou para converter Saulo de Tarso! Da mesma
“conversão forçada'
maneira que acontecera com Saulo, depois, a 'conversão forçada“
podia produzir maior zelo pelo Evangelho!
Na prática, ao longo desses séculos,
seculos, as respectivas pretensões
de papas e reis levaram a uma situação quase permanente de
conflito. A primeira Concordata, de Worms (1122), reflete
essa situação de conflito. Mesmo em 1352, 1832, o Papa Gregório
Gregõrio
XVI rejeitou como absurda a liberdade de consciência e como
“pestilento” o princípio da separação.
um erro 'pestilento'
Os reformadores Lutero, Calvino e outros não advogaram
urna separação rigorosa entre Igreja
uma lgreja e Estado.
Estado, mas apregoaram
uma subjetivação da consciência que minou as bases da doutrina
medieval. Lutero defendeu a posição de Agostinho, segundo a
qual havia dois reinos, cada um específico e autônomo.
autõnomo. Admi-
tiam, no entanto, o direito e dever da 'espada
“espada secular'
secular” de supri-
mir os dissidentes. Calvino exortou as autoridades constituídas
em Genebra a denunciar o catalão Miguel Server, pela sua
posição doutrinária antitrinitária e, por fim, a executarem-no.
No entanto, devemos ter em mente a análise cuidadosa de
François Weiidel
Werrdel que, em sua biografia de Calvino, desmente o
mito popular deste ter sido o ditador de Genebra; de faro, fato, existia
eclesiástico (Consisrório)
o poder civil e o eclesiasrico (Consistõrio) separados, mas com
obrigações rnúruas.
mútuas. No campo da disciplina eclesiástica era o
Consistório
Consistõrio que tinha poder, a pena máxima era a excomunhão.
229

Uma parte significativa da luta de Calvino foi para que o poder


civil não interferisse demasiado nos assuntos internos da igreja.”
Na Reforma Radical, os anabatistas e outros defenderam
uma separação mais completa entre Igreja lgreja e Estado e denuncia-
ram o constantinianismo como a causa da queda da igreja.
Na lnglaterra,
Inglaterra, apõs
após a Reforma, o cesaripapismo foi estabe-
lecido de novo, sendo o monarca designado o chefe da lgreja. Igreja.
O poder político continuava a ter obrigação pela defesa,
reforma, direção e fiscalização da lgreja, Igreja, mesmo em nações
catõlicas
católicas que, em teoria, eram sujeitas ao Papa. O Iluminismo
trouxe maior ênfase âa consciência individual,
individual. John Locke, por
exemplo, considerava a política e a religião espaços separados,
subordinados âà autodeterminação individual.
Foi nos Estados Unidos, apõs
após a ida dos puritanos perseguidos,
que pela primeira vez surgiu uma Constituição que garantia o
“livre
*livre exercício da religião”
religião' e a separação das confissões religiosas
(1737). O batista Roger Williams, fundador da
do Estado (1787).
colônia de Rhode lsland,
colõnia Island, teve muita influência na formulação
dessa Constituição. Quase simultaneamente, mas com influên-
cias ideolõgicas
ideológicas totalmente distintas, a Revolução Francesa (1789)
teve um impacto decisivo, levando âà Declaração dos Direitos do
1-Iomem
I-Iomem e do Cidadão. Em Portugal, a Revolução Liberal, de
1820, quis implantar esses princípios, mas fortes infltrências
influências
absolutistas a combateram com rapidez e praticamente elimi-
naram sua influência.
Em 191 1, a Constituição Republicana abriu as portas para
a Liberdade de Consiência e a separação entre lgreja Igreja e Estado.
O culto público não-católico
não-catõlico passou a ser permitido em casa,
com forma exterior de templo. Mas a lgreja Igreja Catõlica
Católica reagiu
contra essa liberalização, reafirmando sua defesa da “liberdade `liberdade
Igreja` (isto e,
da lgreja” é, sua liberdade). O Estado Novo, que entendeu
que a lgreja
Igreja Catõlica
Católica era fonte de “moral
`moral pública“
pública' e “bons cos-
tumes”, adotou urna
tumes“, uma posição mais tradicional, embora, em
teoria, sua Constituição, de 1933, tenha mantido muitos dos
230

princípios da Constituição Republicana. A Concordata de


1940 privilegiou os direitos da religião oficial, obrigando o
Estado a subsidiar a realização de seus fins específicos.
A Constituição Portuguesa, de 1976, defende, em termos
inequívocos, os princípios de liberdade religiosa. Citamos os
seguintes princípios do Artigo 41'",
41°, tambem
também mencionados no
livro de Jõnatas
jónatas Machado:
““A
“A liberdade de consciência, de religião e de culto eé inviolável””
inviolável" _.
““Ninguern pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de
“Ninguém
obrigações ou deveres cívicos por causa
carrsa das suas convicções ou
religiosas”.
práticas religiosas“”.
“As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do
Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas
culto”.
funções e do culto””.
““O confessional“”.
“O ensino público não será confessional".
“E garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticada
no âmbito da respectiva confissão religiosa, bem como a utilização
de meios de comunicação social prõprios
próprios para o0 prosseguimento
das suas atividades“”.
atividades”.
A nova Lei de Liberdade Religiosa, aprovada em 2001,
ainda apresenta algumas dificuldades seriassérias para sua aceitação
pela Comunidade Evangelica,
Evangélica, devido a sua insistência na “inves-
'inves-
tigação científica”
científica` das igrejas _ isto e,
é, uma Comissão e
é estabe-
lecida para avaliar quais igrejas ou movimentos religiosos podem
ou não se beneficiar das liberdades auferidas.
Ainda há muitas áreas específicas em que, na verdade, a
religião majoritária de Portugal, o catolicismo, possui privilegios.
privilégios.
evangélico deve desejar a separação institucional to-
O cristão evangelico
tal entre lgreja
Igreja e Estado e a liberdade para os cidadãos praticar
a religião de sua escolha _ ou não praticarem nenhuma. Deve
desejar 'a liberdade para aqueles com quem não concorda
como, por exemplo, as chamadas Testemunhas de Jeová, ou
Hare Krishma. Nisto, deve colaborar com aqueles que parti-
l-lare
lham esse mesmo princípio, algumas vezes, por exemplo, há
231

catõlicos
católicos totalmente comprometidos com a mesma posição
sobre a liberdade religiosa. Muitas vezes, na verdade, encon-
tramos elementos convictos em relação a essa materia
matéria nas fileiras
da esquerda política, mesmo que essas pessoas não possuam
qualquer convicção religiosa, ou sejam ateístas, abraçam com
entusiasmo o princípio da não-discriminação entre os cidadãos
devido àâ religião. Com eles, devido ao compartilhamento de
“aliados” (usando a distinção de
uma causa justa, não seremos `aIiados`
Francis Schaeffer), mas podemos ser “co-beligerantes”.

O furto dos recursos naturais


E natural que quem leia a ordem de Deus para o homem
frutificat e encher a terra (Gn 1.28-30) pense mais em privilé-
frutificar privile-
gios do que em responsabilidades. Deus deu-lhe a erva e o fruto
das árvores para seu provimento de mantimentos. Depois, em
9.1-3, Deus estendeu essa autorização, permitindo que
Gênesis 9.1-5,
o homem se alimentasse também tambem dos peixes do mar e dos
animais da terra. Proibiu o comer carne com sangue e, depois,
corner uma série
proibiu comer serie de animais que eram imundos (Lv
11). Mas, na verdade, a ordem tanto aponta para a responsa-
rrabalho como para o privilégio.
bilidade inerente a esse trabalho privilegio. O
homem ée um 'mordomo',
“mordomo”, um encarregado da administração
de uma 'castf
“casa” imensa e variada que ée o universo criado.
Várias leis que o orientam para essa função já foram mencio-
nadas em outros contextos. Pensamos, por exemplo, na responsa-
bilidade de não ceifar todo grão ou fruto da terra, deixando um
resto para os pobres e necessitados (Lv l9.9,10;
19.9,10; Dt 24.19-22).
Pensamos no ano sabático, o setimo sétimo ano em que a terra deve
descansar para produzir melhor nos seis seguintes. Quem se
empenha em ter lucro a curto prazo corn com facilidade ultrapassa
essa restrição, mas Deus não se esquece. Os setenta anos do
cativeiro na Babilõnia,
Babilônia, profetizados por Jeremias (25-.9-12;
(25.9-12;
26.6,7, etc.), foram entendidos pelo autor de 2Crõnicas
2Crônicas como
o período correspondente âà soma de anos sabáticos que a terra
232

devia ter desfrutado, mas que lhe foram negados (2Cr 3620,21).
Provavelmente, isso significa que durante 490 anos o povo de
Judá não tinha respeitado a lei do ano sabático.
Mesmo o sábado semanal envolve uma preocupação pelos
animais que estão a serviço do homem. Da mesma maneira
que escravos e estrangeiros se beneficiam, com a família, do
sábado, o boi e o jumento tambemtambém o fazem (Ex 23.12).25.12). Está
proibido o cruzamento de animais de diferentes especies espécies e o
empobrecimento da terra devido âà mistura de distintos tipos
de semente (Lv 19.19; Dt 22.9,10).
22.9.10). O fruto das árvores planta-
das não deve ser apanhado durante os três primeiros anos, e
no quarro
quarto sõ só deve ser apanhado para oferecer ao Senhor, se
isso for respeitado, a árvore
ánfore naturalmente deverá dar abundân-
cia de fruto para corner
comer no quinto ano (Lv 19.23-25). Esse
tipo de lei existia tambem
também na Babilõnia
Babilônia e pode existir em muitos
tipos de sociedade: quando os homens sábios percebem princí-
pios saudáveis
saudávcis para a agricultura eé por que o Senhor, em sua
graça usual, os esclarece nessa materia.
matéria.
A desobediência ãà lei faz com que Deus castigrre
castigue seu povo
de várias maneiras: uma delas eé fazer vir contra ele os animais
selvagens (_Lv
(Lv 26.22; cf. Os 5.14). Devemos, talvez, considerar a
natureza “selvagem”
`selvagem` desses animais como consequência da queda
do homem, parte da “vaidade”
`vaidade' ãà qual a criação ficou sujeita “por
`por
causa da vontade daquele que a sujeitorr”
sujeitotf (Rm 8.20,21). Jesus,
nos seus quarenta dias de jejum no deserto, enfrentou esse
problema, mas foi protegido de maneira sobrenatural (Mc 1.13).
De acordo com as leis da guerra, em uma terra ocupada, as
áwores que não são frutíferas devem ser destruídas, mas apenas
árvores
estas (Dt 20.19.20). Esse eé um exemplo bastante õbvio
óbvio do princípio
de que o respeito pela vida natural eé um benefício para o homem.
A lei abrange questões que alguns leitores julgariam
ulgariaminsigni-
insigni-
ficantes: como o tratamento a ser dado para um ninho com
Deuteronõmio 2.2.6
passarinhos ou ovos. Deuteronômio 22.6 proíbe apanhar mãe
e filhos -_ os filhos podem ser apanhados, mas a mãe deve ser
deixada em liberdade.
233

Existe um princípio subjacente âà prática da agricultura: a terra


eé do Senhor, e ele a torna fertil.
fértil. Por isso, ele deve receber o primeiro
fruto (“primícias”)
(°primícias') da terra (Dt 26.1-11).
26.1-1 1). Quem não respeita essa
lei está abandonando a função de mordomo e age como se fosse o
dono da terra. Muitas vezes, eé por meio da fertilidade, que o Senhor

da âà terra, que manifesta seu agrado ou desagrado pela maneira
como o homem desempenhou sua função.
Conforme o Novo Testamento, há uma relação necessária
entre o pecado do homem e a poluição do meio ambiente. A
salvação do homem tambem também trará implicações na libertação
do ambiente em relação ãà sujeição em que se encontra hoje:
A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos
de Deus sejam revelados. Pois ela foi submetida âà inutilidade,
não pela sua prõpria
própria escolha, mas por causa da vontade daquele
que a sujcitou,
sujeitou, na esperança de que a prõpria
própria natureza criada
será libertada da escravidão da decadência em que se encontra,
recebendo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Sabemos que
toda a natureza criada geme ateaté agora, corno
como em dores de parto.
E não sõ
só isso, mas nõs
nós mesmos, que temos os primeiros frutos do
Espírito, gememos in teriormente, esperando ansiosamente nossa
interiormente,
adoção como filhos, a redenção do nosso corpo (Rm 8.19-23).
Seja qual for nossa perspectiva sobre o reino milenar de
Jesus,
jesus, a Bíblia aponta claramente para a restauração final de
todas as coisas, no sentido não sõsó dos “ceus”,
“céus', lugar de morada
de Deus, mas no de uma terra restaurada: ““novos
“novos ceus
céus e nova
justiça” (2Pe 3.13). As dores de parto não
terra, onde habita a justiça””
são dores de agonia, preparam para o surgimento de uma nova
vida. O livro de Apocalipse mostra a nova Jerusalem
Jerusalém como fonte
de saúde para as nações, trazendo sua purificação por um “rio 'rio
corno cristal”
da água da vida, claro como cristal' (Ap 22.1), evocando a
profecia de Ezequiel. Embora, ée natural que Ezequiel 47 uti-
simbõlica, ée uma extraordinária
lize uma linguagem bastante simbólica,
ecolõgica:
profecia de restauração ecológica:
234
23-='-'I

“Esta água flui na direção da região situada a leste


Ele me disse: ““Esta
e desce ate
ate' a Arabá, onde entra no Mar. Quando desãgua
deságua no
Mar, a água ali eé saneada. Por onde passar o rio haverá todo tipo
de animais e de peixes. Porque essa água flui para lá e saneia a
água salgada; de modo que onde o rio fluir tudo viverá. Pescadores
estarão ao longo do litoral; desde En-Gedi ate
até En-Eglaim haverá
locais prõprios
próprios para estender as redes. Os peixes serão de muitos
tipos, como os peixes do mar Grande. Mas os charcos e os pântanos
não ficarão saneados; serão deixados para o sal. Arvores frutíferas
de toda especie
espécie crescerão em ambas as margens do rio. Suas folhas
não murcharão e os seus frutos não cairão. Todo mês produzirão,
sentirão
porque a água vinda do santuário chega a elas. Seus frutos servirão
remédio” (Ez 47.8-12).
de comida, e suas folhas de remedio””
ecoló-
Sem a pretensão de nos debruçarmos sobre questões ecolõ-
preocu-
gicas específicas, basta mencionar algumas áreas de preoctr-
pação para que se veja a importância crucial dessa área e do
envolvimento do cristão nela. Entre outras, são elas: os efeitos
nocivos da radiação nuclear e poluição química na saúde de
seres humanos e animais; os efeitos da pesca excessiva no mar
do Norte; o desaparecimento rápido da floresta tropical; o
aquecimento global e a destruição da camada de ozõnio;
ozônio; a quase
extinção de especies
espécies animais e marítimas. O modo correto de
destruir resíduos industriais tem levantado inflamadas polêmica
em Portugal, em especial, a co-incineração proposta para as
áreas de Souselas e Maceira-Lis. O fato de marxistas e adeptos
da Nova EraEta tambem
também partilharem
partilhatem essa preocupação não deve
ser razão para que o cristão evite se envolver: entre os nossos
“co-beligerantes”
'co-beligerantes” pode haver pessoas com pressupostos filosõficos
filosóficos
e religiosos mais diversos. Não nos transformamos em “aliados”
`aliados°
deles, mas nos assuntos em que nossas preocupações coincidem
podemos lutar lado a lado com eles. Jesus, por meio de algumas
de suas parábolas, nos incentiva, de maneira enfática, a levar a
sério
serio nossa mordomia que não devemos entender apenas como
a mordomia de áreas da vida chamadas espirituais:
235

“Quem e,
““Quem é, pois, o servo [ou “mordomo”]
'mordomo'] fiel e sensato, a quem
seu senhor encarrega dos de sua casa para lhes dar alimento no
tempo devido? Feliz o servo que seu senhor encontrar fazendo
assim quando voltar. Garanto-lhes que ele o encarregará de todos
os seus bens””
bens” (Mt 24.45-47; cf. Lc 12.42-44).

Notas
l.
1. “Theological Wrrrrllirzflolâ
Wtwrtllaook of the Olrl
Old Testarnent””,
Testament”, R.L.Harris,
R.l,.Harris, OL.
GJ.. Archer,_|r._,
Archer,_Ir.,
ll.l{.
B.K. Waltke,
Walrke, erl.
ed. lvloorlz,-f
Moody Press, 1981. (Ver Dicionario
Dicionário do AT da `¬v“ida
V ida 1*-lova).
Nova).
2. ””l..iving
“Living as a People of Cod", God”, C.J.
CJ. Wright, p. 58:
3. “”“l“he
“The Politics of Jesus””,J.l-1.
]esus”,_I.1 1. Yotler,
Yoder, ed. liertlmans,
Eerdmans, 1972.
4. “Comentários ao Novo Testamento””,
Testamento”, Atos 2.-<l5,João
2.45,_joão Calvino, citado em “Cl“O
Pensamento E*“.conõrnico
Econômico e Social de Calvino”, André Andre Eieler,
Biéler, Casa F.ditora
F.dirora
Presbiteriana, São Paulo, 1990.
5. “lnstitutas””,
"1nstitutas”, Calvino, III-T-8-3”.
III-7-8-3°.
6. “1nstitutas””,
“1nstitutas”, Calvirro,
Calvino, Il-8-45.
II-8-45.
T. Op. cit. par. 2409.
8. Op.
Up. cit. par. 2425.
9. Citado em “A Ética dos Dez l'vlandamenros””,
Mandameiltris”, p. 213, l lans Ulrich Reifler, ed.
Vida Ntr-.-'a,
”'v”itlrr Nova, 1992.
10.
11). Citado em Reifler, p. 212.
11l.()p.cit.IV~XX-31-C.
1. Up. cit. IV-HH-3`1-c.
12. “First Things First”,
First", Sir Frerlerick
Frederick Catherrvood,
Catherwood, ed. Aslan, 1979.
ed.¿\s1an, 19?9.
13. “O“() Sabor tloSa1”“,
do Sal", Alan Pallister, erl. ed. Núcleo, 1983.
14. Stephen h-lott,
Mott, em “Reatlings
“Readings io in Christian l_*“.thics””,
ljthics", ed. Clark and Rakestraw,
Rakestravv,
Baker, Grand Rapirls,
Rapids, 1996, vol. 2.
1 5. C.C.R}frie,
C.C.Ryrie, em “Rearlings
“Readings in Christian E.thics””.
Ethics”.
lõ. John Piper, em “Readings in Christian l_*.`thics".
1(›.john iithics".
li.
17. “Libertlatle
“l,iberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional inclusiva dos tlos
Verdade aos Direitos dos Cidadãos”, dejõnatas
Direitos da ”'v”errlade dejónatas Maclrarlo,
Machado, Coimbra,
1996.
18. Op. cit., p.20.
p.2(l.
“Calvin”, lirançois `l.`1Í-"›::nr1el,
19. ”'Calvin””, Wentlel, erl. ed. Fontana, Londres, 1963.
C#\PÍTULO 9
CÊHPÍTULU

Questões de
verdade e mentira

Não daraÍs
daiaís falso testemunho contra o
0 teu proximo
próximo
(Ez 2o.1‹5.
20.16; D1:
Dt 5.20).
Introdução: Embora esse mandamento tenha sua aplicação
contexto jurídico, onde uma testemunha da
mais direta no conte:-tro dá
informaçoes
informações corretas ou falsas sobre seu proximo,
próximo, ele açambarca
também um vastíssimo leque de relações sociais e interpessoais
nas quais Deus requer que a verdade seja dita. Mesmo assim, a
obediencia
obediência a esse mandamento pode nos trazer alguns dilemas
e há distintas e muitas teorias sobre a maneira de interpretar e
aplicar o mandamento em certas situaçoes-limite.
situações-limite.
Questões: Qual eé a relação entre a verdade que sempre deve
ser dita em situaçoes
situações inter-pessoais e a verdade que Éé atributo de
Deus? Há situaçoes
situações em que a obediência a esse mandamento
nos leva a desobedecer outro, obrigando-nos, dessa maneira, a
uma escolha entre mandamentos? EzistemExistem “mentiras
'mentiras piedosasi?
piedosas'?
Ha
Há situaçoes
situações em que o0 sigilo profissional ou o0 respeito pela
vontade das pessoas nos obriga a dizer menos do que a verdade?
Dizer menos do que a verdade sempre se equivale a mentir? O
mundo do nrarketƒng
marketing Ée' necessariamente um contezto
contexto em que a
mentira tem que ser usada ou é possível que ele seja usado a
serviço da verdade? Qual eié a relação entre a questão da verdade
e o0 ministerio
ministério profetico
profético do servo de Deus e da igreja?
238

A verdade e a mentira no Antigo Testamento


Êxodo 20.16 e Det1teroníÊunio5.2U
Em Ezodo Deuteronômio 5.20 a palavra usada tié
slreqer
siieqer que significa `mentiri
“mentir” ou “fazer
'fazer uma falsa acusação*
acusação` con-
tra alguem.
alguém. Quando hã há sheqer
slleqer as palavras usadas não são funda-
funda›
mentadas nos fatos reais, são inventadas pela pessoa, em geral,
com o intuito de prejudicar. No salmo 33, 38, Davi diz: "lvieus
“Meus
porém, são muitos e poderosos; Éé grande o número
inimigos, porettt,
dos que me odeiam sem motivo” (v. 19; grifo do auto r). Algumas
autor).
vezes os amigos de uma pessoa podem cair no erro de mentir
contra ela, pensando que estão a serviço da verdade de Deus,
quando na realidade falam sem conhecer os fatos reais e as
intenções profundas do coração da pessoa. Assim Jo Jó teve que
jamigosi de inventores de mentiras e *medicos
chamar seus iamigosl `médicos que
valem' (Jd
de nada valem* (Jó 13.4).
ídolos são chamados imentirasi
Em alguns casos, os idolos °mentiras' por que
criam a ilusão de ter vida quando não a tem. têm. Jeremias 10.14
foca este aspecto: "Esses homens todos são estúpidos e ignorantes;
fioca
cada ourives eé envergonhado pela imagem que esculpiu. Suas
imagens esculpidas são uma fraude, elas não têm fôlego de vida".
O profeta Jeremias, em certo momento, foi falsamente acu-
sado de estar desertando para o lado dos babilonios
babilônios 87.13)
(5713) e
refutou a mentira com toda sua energia.
Em Zacarias 5.4 e 3.1?8.17 o mesmo termo sobre juramentos
falsos Éé usado.
Levítico 19.16 que usa um paralelismo muito sugestivo,
mexericos que falseiam ou distorcem
testemunha a existência de mezericos
têm a tendência de destruir as pessoas visadas: “Não
a verdade e tem
espalhem calúnias entre o seu povo. Não se Ievantem
espalhcm levantem contra a
próximo. Eu sou o SEI-JHt'}R”.
vida do seu prózimo. SENHOR”.
Mas, a mentira também pode envolver o0 uso de palavras
lisonjeiras que tem
têm como
corno intenção conseguir algum benefício
Provérbios 2Ú.17
de uma pessoa. Proverbios 20.17 descreve esse tipo de mentira
de maneira muito ezpressiva:
expressiva: “Saborosa
“saborosa Éé a comida que se obtém
com mentiras, mas depois dá areia na boca”. Em Proverbios
Provérbios 26.28
239

lemos: “Ft
“A língua mentirosa odeia aqueles a quem fere, e a boca
lisonjeira provoca a ruína”.
O falso profeta, em essência, e'É um servo do sheqer. Jeremias
denuncia os profissionais da religião, nestes termos: “Desde "Desde o
menor até o maior, todos são gananciosos; tanto os sacerdotes
como os profetas, todos praticam a falsidade. Eles tratam da
ferida do meu povo como se ela não fosse grave. “Paz, `Paz, paz',
pazi, dizem,
quando não há ha paz alguma” (Jr 8.1U,1l).
8.101,11). Na época
epoca do profeta
Jeremias, os falsos profetas primeiro combateram a mensagem
dele sobre o cativeiro, dizendo que os babilônios
babiloliios seriam vencidos
Jerusalem. Depois, quando isso não
e o povo permaneceria em Jerusalém.
se concretizou, anunciaram que a libertação aconteceria em dois
anos _ ao mesmo tempo que o Senhor anunciava, por meio de
Jeremias, que o cativeiro apenas acabaria em setenta anos. Uma
mensagem agradável e positiva'
”positiva` sempre conquista mais os ouvintes
do que uma mensagem severa, mas verdadeira. A tentação do
servo de Deus, em todas as épocas, éef encontrar maneiras diplo-
mãticas de não dizer toda a verdade ¬-
máticas -- e de tentar ser 'positivo`
ipositivoi
situaçoes. O manter silêncio
em todas as situações. silencio ou fugir ao assunto
quando sabemos que há hã verdades menos atraentes que precisam
ser anunciadas ée uma forma óbvia
tibvia de mentira (e éei 0o tipo de pecado
em que, com muita facilidade, os pastores das igrejas caem).
Ao longo do Antigo Testamento, vemos .Deus Deus ser apresen-
tado como um Deus de verdade (einer). (emet). É o Senhor “que "que fez os
ceus e a terra, o mar e tudo o que neles há,
céus hã, e que mantém
mantem a sua
semprei” (Sl
fidelidade para semprel” (S1 146.6). Faz parte da natureza cor-
rupta do homem mentir, mas Deus, o Deus da verdade, não
partilba
partilha dessa natureza (Nm 23.19). 25.19). Relacionado a essa idéia, ideia,
encontramos também
tambefm o conceito da fidelidade: Deus sera serã sempre
aquilo que disse no passado (“com
fiel àquilo (”com grande perfeição tens
feito maravilhas, coisas há muito planejadas”, ls 25.1), ao
contrário dos homens que muitas vezes dizem que têm tem que “rever”
ireveri
ou reformular'
”reformu1arl promessas que fizeram antes. No futuro, a cidade
será chamada a “Cidade
de Sião sera 'Cidade da Verdade” (Ze (Zc 3.3)8.3) e Deus
sera
será seu Deus *com'com fidelidade e justiça' (Zc(Ze 8.3).
8.8).
240

Ezistem
Existem dois episodios
episódios semelhantes na vida de Abraão que
esclarecem bastante a natureza da mentira. Quando o patriarca
desceu para o Egito instruiu sua mulher, Sara, ainda relativa-
mente jovem, a dizer que era sua irmã, para que os egípcios
não o matassem por causa dela. Depois, o Farao Faraó tomou-a e
abusou dela seitualmente,
sexualmente, recebendo depois o castigo do Senhor
12.10-20). Contudo, so
(Gn 12.1Ú-20). só depois em Gerar, quando Abraão
repete a mesma mentira para o rei Abimeleque (Gn 20.1-18),211.1-18),
vemos no que a mentira realmente consistiu. De fato, Abraão
e Sara eram meios irmãos, sendo filhos do mesmo pai. O que
Abraão disse, tanto ao rei de Egito como ao rei de Gerar, foi
tecnicamente a verdade. Mas como foi dito com a intenção de
transmitir um recado errado, na verdade, ele estava mentindo.
Esse ezemplo
exemplo Éé eztremamente
extremamente elucidativo, diante da tentação
que as relaçoes
relações sociais nos poe
põe de dizer meias-verdades _- _ ou
afirmações tecnicamente corretas, mas com a intenção
de fazer afirmaçoes
de transmitir recados que não correspondem ità verdade.
Quando, depois, Isaque copiou o pecado do pai (Gn 26.1- 26.1»
também em Gerar! -
11) _ tambÉm _ confirmou o impacto que esse
tipo de ei-templo
exemplo paterno tem sobre os filhos. So Só que Isaque
nem sequer tinha a desculpa de Rebeca ser sua meia irmã! irmãl
episódio da apropriação da bênção paterna por Jaco,
O episodio Jacó.
em lugar de seu irmão Esaú (Gn 27), tambom também ilustra o
0 tema
da mentira - e mostra como as pessoas de uma família podem
se incentivar uns aos outros a cometer esse pecado. Por iniciativa
da mãe, Rebeca, Éé que Jaco
Jacó se disfarça como se fosse seu irmão
mais velho. So Só incentivado dessa maneira, Jaco
Jacó teria coragem
de falar para o pai cego nos termos em que faz no versículo 19:
“Jaco
“Jacó disse a seu pai: 'Sou Esati, seu filho mais velho. Fiz como
o senhor me disse. Agora, assente-se e coma do que cacei eacei para
abençoe”. Jaco,
que me abençoe””. Jacó, apenas apos
após um período educativo
que envolveu muito sofrimento, se tornou a pessoa que Deus
queria, assumindo padrões
padroes de verdade.
Provérbios parecem ter sido
Os autores dos Salmos e de ProvÉrbios
homens que conheciam a força destrutiva da maledicëiicia.
maledicência. O
241

salmo 119 tem um pano de fundo de intensa luta espiritual,


causada por calúnias que foram levantadas contra o salmista:
“Os arrogantes mancharam o meu nome com mentiras, mas eu
obedeço aos teus preceitos de todo o coração” (v. 69). “Sejam
humilhados os arrogantes, pois prejudicaram-me sem motivo;
mas eu meditarei nos teus preceitos” (v. 73). 78). E em Provorbios:
Provérbios:
“A testemunha fiel dã dá testemunho honesto, mas a testemunha
falsa conta mentiras. I-lã 1-lá palavras que ferem co mo espada, mas
como
a língua dos sãbios
sábios traz a cura. Os lãbios
lábios que dizem a verdade
permanecem para sempre, mas a língua mentirosa dura apenas
um instante” (12.17-19). _
E:-tistem
Existem algumas situaçoes
situações no Antigo Testamento, no
entanto, em que afirmações que não correspondem ãà verdade
são feitas e parecem ter um resultado benÉfico.benéfico. Quando o rei
do Egito mandou as parteiras matarem os filhos dos hebreus
de se:-to
sexo masculino (Ez (Ex 1.16), elas sabiam que, por respeito a
Deus, deviam desobedecer (cf. capítulo Capítulo 8). Mas tiveram que
responder diretamente ao Farao. Faraó. Â
A resposta que deram pode
ser entendida como uma mentira ou meia-verdade! Disseram
que as mulheres hebraicas eram muito fortes e davam ãà luz
mais depressa do que as mulheres egípcias. Se essa afirmação
não era correta (É (é difícil obter dados para confirmar se era ou
não) constitui uma falsa razão que deram ao rei, portanto, uma
mentira. Se era verdadeira, foi como a jã já citada mentira de
Abraão _ uma tentativa de usar uma meia-verdade para fugir
iià responsabilidade envolvida em dizer a verdade total. Mas a
intenção era positiva e Deus aplaudiu a atuação delas. Norman
Geisler,l eticista evangÉlico,
Geisler,? evangélico, entende que hã há hierarquias de
éticos. Não devemos obedecer a um princípio Ético
valores Éticos. ético
menos importante quando isso envolve em desobediência a
um princípio mais importante. Nesse caso, por ei-templo,exemplo, Éé mais
importante salvar a vida de meninos hebreus hcbrcus do que dizer a
Faraó. Para cristãos que são absolutistas em sua
verdade ao Farao.
abordagem da Ética ética (isto É,é, entendem que nunca Éé justificável
242
2-42

a desobediência a nenhuma norma Ética), ética), Éé evidente que isso


levanta sÉrias
sérias questoes.
questões. Contudo, a questão Éé se a Bíblia realmen-
rea.lmen-
te Éé iabsolutistai'
'absolutista` nesse sentido, e há vários e:-templos
exemplos que parecem
dar a entender que não.
Outra situação muitas vezes citada Éé a de Raabe, a prostituta
Jericó, que escondeu os espiões israelitas e depois mentiu as
de Jerico, às
autoridades de sua cidade, dizendo que eles tinham saído e
que não sabia para onde tinham ido (Js 2.1-24). Aqui, a Bíblia
so
só relata fatos, sem fazer avaliação. Mas pelo menos alguns
aspectos da atuação de Raabe são claramente louvados _ de
maneira que há uma promessa de protecção para ela e sua
família, no momento em que os israelitas invaclisseminvadissem a cidade.
Aparentemente, o Novo Testamento dá razão a quem aprova
essa imentirai
'mentira' de Raabe. Em Hebreus 11.51, 11.31, ela não sóso Éé pro-
clamada como ezemplo exemplo da ”fÉ“,
'fé°, mas tambÉm
também Éé apresentada por
Tiago (Tg 2.25) como corno prova de que as obras justificam (isto É, é,
confirmam a realidade sobre) a fÉ fé de um crente genuíno.
Mesmo assim, podemos considerar Raabe como uma pessoa
que fez o melhor que pode, pôde, e com intençoes
intenções positivas, sem
chegar ao ponto de afirmar que sua mentira em si Éé um ezemplo exemplo
que devemos seguir. Podemos considerá-la
considera-la um ”bebÉ“
'bebê' na fÉ
fé que
agiu dentro das opçoes opções que estavam ãà sua disposição; isso não
quer dizer, necessariamente, que a mentira Éé uma opção válida
para um cristão maduro.
Mas, no .Antigo
Antigo Íiestantetito
Testamento há ainda outro caso de mentira
aparentemente aprovada?
aprovada! Em uma Época
época em que a Síria estava
em guerra com Israel lsrael (2Rs 6.1-25),
6.1-23), o profeta Eliseu conseguiu
adivinhar todos os movimentos do rei da Síria, fazendo-o, assim,
mandar um e:tÉrcito
exército para acabar com a vida do profeta. O
servo de Eliseu se assustou ao ver o e:tÉrcito, exército, mas o profeta
pediu ao Senhor
Senhór para abrir seus olhos para que pudesse ver os
ezércitos
exércitos celestes ao redor. No entanto, a seguir, Eliseu enganou
exército da Síria! Pediu ao Senhor para lhe fechar os olhos,
o e:tÉrcito
escondeu sua verdadeira identidade, e se prontificou a conduzir
243

o exÉrcito
exército ao lugar em que estava o homem que eles procura-
vam. Depois, os conduziu para Samaria, não deixando, no
entanto, que o rei de lsrael lhes fizesse mal. A mentira foi usada
por Deus para salvar a vida de Eliseu e, aparentemente, faz
parte de um plano que o proprio
próprio Deus conduziu!
Geisler, em relação a essa questão, cita Charles Hodge,
teologo
teólogo reformador, que ein em sua obra, Teologia Sistemática,
afirma que para haver mentira são necessários três elementos:
“(1)
"(i) A enunciação daquilo que Éé falso, (ii) A intenção de enganar,
enganar.
e (iii) A violação de tuna
uma promessa,
prornessa, da obrigação de contar a
verdade”.f
verdade”.2
Em alguns casos, pode-se argumentar que não há obriga-
ção de contar toda verdade (um general, por exemplo, não
tem obrigação de revelar todos seus movimentos ao adversário).
Ao seguir essa linha de argumentação, podemos atÉ até argumentar
(embora, Geisler não o façal) que Eliseu, que não tinha
obrigação de contar tudo aos sítios, tambÉm
também tinha o direito de
`interpretari
`interpretar' as verdadeiras intençoes
intenções deles, conduzindo-os ao
rei de Israel, o homem que realmente procuravam. Mesmo
assim, com todos os artifícios de interpretação que possamos
elaborar ou imaginar, Éé difícil
dificil evitar a impressão de que a Bíblia
aceita a mentira em certos casos extremos quando, por exemplo,
alguém está em risco.
a vida de alguom

A verdade e a mentira no Novo Testamento


O Novo Testamento mantêm
mantém claramente a posição de que
Deus Éé o Deus da verdade, no livro de Apocalipse os anjos
cantam: “Justos e verdadeiros são os teus caminhos, oó Rei das
nações” (153).
naçoes” (15.3). As três pessoas da Sagrada Trindade partilham
essa natureza, também o Filho (Jo 14.6) e o Espírito (Jo 15.26).
O crente não Éé chamado apenas a aceitar essa verdade, :nas mas
também a praticá-la (cf. Jo 3.21). Quanto .itE1 origem
tambÉm origern da mentira
rnentira
não há qualquer dúvida, em João 8.44, Jesus diz: “Vocês
pertencem ao pai de vocês, o Diabo, e querem realizar o desejo
244

dele. Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou ãà


verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua
propria
própria língua, pois Éé mentiroso e pai da mentira”. A verdade Éé
um padrão indispensável para o bom funcionamento da comu-
nidade cristã: “Portanto,
"Portanto, cada um de vocês deve abandonar a
mentira e falar a verdade ao seu proximo,
próximo, pois todos somos mem-
bros de um mesmo corpo” (Ef 4.25). Naturalmente, a verdade
deve ser dita da forma mais agradável e positiva possível: “O seu
falar seja sempre agradável e temperado com sal, para que saibam
como responder a cada um” (Cl 4.6). Mas o amor não pode nos
levar a falar menos do que a verdade, devendo o atnor
amor e a verdade
ser cultivados simultaneamente: “Antes,
"Antes, seguindo a verdade em
amor, cresçamos em tudo naquele que Éé a cabeça, Cristo” (Ef4.1 5).
A mentira foi denunciada de maneira severa no princípio
da vida da igreja cristã (At 5.1-11). O casal Ananias e Safira
deram um valor significativo aà igreja, afirmando que era o valor
total da propriedade que tinham vendido. Pedro, ao repreendê-
los, disse claramente que não eram obrigados a dar tudo: seu
pecado, pelo qual ambos morreram, foi dar uma parte, afir-
mando que era tudo o que possuíam.
também Éé conhecido o poder da má
No Novo Testamento tarnbom
língua. Foi a má língua quedeturpou as palavras de Jesus e deu
origem ãà acusação de que destruiria o templo. Em Mateus 26.61 ,
Jesus foi acusado de ter dito: “Sou capaz de destruir o santuário
reconstrur'-lo em três dias”. Comparando essa frase
de Deus e reconstruí-lo
com João 2.19, verificamos
verificamos que, na verdade, ele disse: “Destruam
"Destruam
este templo, e eu o levantarei em três dias”. A maledicência Éé
entendida como
corno um dos pecados que não Éé compatível com corn a
vida de um cristão, Éé tão grave como o roubo e o pecado sexual:
“Não se deixem enganar: nem imorais, nem idolatras, idólatras, nem
adúlteros,
adúltetos, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, ladroes,
nem avarentos, nem alcoolatras,
alcoólatras, nem caiuniadores, nem
trapaceiros herdarão o Reino de Deus” (1Co 6.1[l; 6.10; grifo do
autor). O pano de fundo das cartas aos coríntios inclui uma
245

campanha organizada de propaganda negativa em relação aos


apostolos.
apóstolos. Com ironia, referem-se a eles como “super-apostolos“
“super-apóstolos”
(2Co 1l 1.5) e deixa claro que eles não o consideravarn
consideravam eloqüente
(v. 6) e pouco expedito (v.7). O apostolo
apóstolo João foi vítima de uma
campanha de maledicência na igreja _ da qual Gaio era um
dos líderes _,
-, por parte de Diotrefes
Diótrefes que 'gosta muito de ser o
mais importante entre eles“ eles' e nem sequer recebia o apostolo,
apóstolo,
alÉm
além de proferir 'palavras maldosasl
maldosas' contra ele (5Jo
(5]o 1.9,1U).
1.9,10).
O Novo Testamento também toma posição firme contra a
duplicidade. Tiago, em sua carta, denuncia o homem de `mente
dividida' (1.7,3)
dividida: (1.7,8) que tem duas maneiras distintas e contradi-
torias
tórias de pensar e sentir. Esse tipo de pessoa É como uma fonte
que, ao mesmo tempo, deita água doce e água amarga (fill) (5.11) e
que ao falar mal contra seu irmão, de maneira implícita, fala
mal contra a lei (4.11).
(-4.11). Esse Éé o tipo de pessoa que associa iià
maledicência o espírito queixoso, hedonista,
bedonista, arrogante e que
adulam os outros por interesse (Jd 1.16).

A verdade e a mentira na historia


história do cristianismo
Quando Paulo e João anunciaram a verdade do Evangelho
tambÉm
também se viram obrigados a dizê-la as às autoridades judaicas a
quem se dirigiam, afirmando, corn com razão, que estes tinham
entregue Jesus ità crucificação (At
(Ar 2.25;
2.23; 4.10). Pela providência
de Deus foram preservados da morte _ no que, com facilidade,
a ousadia deles poderia ter resultado. No entanto, quando Estêvão
assumiu atitude semelhante, testemunhando a favor de Jesus,
foi vítima da falsa acusação de blasfêmia, quando foram apresen-
tadas falsas testemunhas que o acusavam de falar contra o templo
e a lei (At 6.15).
6.13). Teve oportunidade de apresentar uma longa
defesa, mas isso não impediu que fosse condenado áà morte por
apedrejamento. Foi o primeiro ”:nártir“
`mártir' cristão (a palavra “mártir”
traduz a mesma palavra grega para ”testemun11a`),
"testemunha'), em princípio,
todo discípulo de Cristo Éé uma testemunha que se dispoe,
dispõe, se for
preciso, a dar sua vida pela verdade que anuncia.
246

Inácio de Antioquia, mártir do século sÉculo ll, disse: “Deixai-


“Dental-
me ser pasto das feras, pelas quais poderei chegar iià posse de
Deus”. E tambÉm:
também: “De nada me serviriam os prazeres do mundo
ou os reinos deste sÉculo.
século. Prefiro morrer em Cristo Jesus a reinar
sobre os confins da Terra. Procuro aquele que morreu por nos; nós;
quero aquele que ressuscitou por causa de nos. nós. Estou prestes a
nascer”.-3 Policarpo de Esmirna, aos oitenta e seis anos, foi
nascer”.?
queimado em Roma e, entre suas últimas palavras, disse: “Eu
vos bendigo por me terdes julgado digno deste dia e desta hora,
digno de ser contado no número de vossos mártires... Vos Vós
guardastes vossa promessa, Deus da fidelidade e da verdade.
Por esta graça e por tudo, eu vos louvo e vos bencligo;
bendigo; eu vos
glorifico pelo eterno e celeste Sumo Sacerdote Jesus Cristo,
vosso Filho muito amado. Por ele, que está convosco ce com o
Espírito, gloria
glória vos seja dada, agora e pelos soculos
séculos sem fim.
Amêm”.4
Amêm”.”'
Mesmo com toda corajosa insistência na absoluta necessidade
de manter a verdade, apos após poucos anos, toriioii-se
tornou-se evidente que
situações em que o princípio da verdade entrava em choque
havia situaçoes
com algum outro priiicípio,
princípio, de igual importãncia
importância ou ainda maior.
1'-'dguns
Alguns pais da igreja _ como Orígenes, Crisostonio
Crisóstomo e Jeronimo
Jerônimo
_ tentaram justificar ai 'mentira de emergência*
emergência' quando era
necessária para agir em amor pelo ptoximo.?
próximofi Agostinho, no início,
início.
parece ter aceito essa idÉia,
idéia, mas depois reagiii
reagiu energicameiite
energicamente
contra ela.
Depois. iià Época
época da Reforma, deu-se a mesma divergência
de opinião quando Lutero admitiu a possibilidade da mentira
de emergência, porÉm,porém, aparenteinente,
aparentemente, Calvino não admitia
essa possibilidade.
Calvino teve presente o perigo em relação a calúnias e falsas
testemunhas: “Por que se a boa fama Éé mais preciosa do que
todos os bens, Éé evidente que não causanios
causamos menos dano a um
homem se o privamos de seu bom nome, do que se o despojiunos
despojamos
de sua fazenda. Tanto mais que inclusive para llie lhe roubar a
fazenda, as às vezes, nos servimos apenas de uma falsa testemunha,
247
2-fi?

sem necessidade de usar nossas mãos”.'?


mãos”.° Comentou tambÉm
também o
uso perverso do humor e da ironia para destruir os outros:
“Esse mandamento inclusive vai mais alÉm, além, a saber, que não
finjamos dizer graças e piadas como farsantes que enquanto
riem, mordem no lugar mais sensível e se referem e expõem os
vícios alheios, como se fosse brincadeira”.7"
lJrincadeira”.?
importãn-
Entretanto, Tomas de Aquino voltara a afirmar a importân-
cia de dizer a verdade: “Os homens não seriam capazes de viver
juntos se não tivessem confiança
confiaiiça uns nos outros, isto é,É, se não
se dissessem a verdade”;"
verdade”;'i e: “Um homem deve ao outro a
manifestação da verdade”. Novo Catecismo, com acerto,
comenta essas afirmações: “A virtude da verdade dá ao outro o
que lhe éÉ devido; a veracidade observa um justo meio-termo
entre o que deve ser dito e o segredo que deve ser guardado, o
que implica em honestidade e discreção”.
discteção”.
O Novo Catecismo também tambÉm se pronuncia com sabedoria
sobre a questão do sigilo profissional _ do sacerdote (o mesmo
mÉdico e do advogado. Mas devemos
se aplica ao pastor), do médico devenios levar
em consideração que situações extremas podem obrigar a quebra
do sigilo como, por exemplo, quando um homicida confessa seu
mÉdico, tendo negado crime às
crime ao médico, its autoridades judiciais!
É
E óbvio
obvio que poderíamos tentar um consenso entre todos
os teólogos
teologos católicos
catolicos e protestantes sobre o grave erro da mentira
e a importância suprema de anunciar a verdade! No entanto,
apenas alguns deles se debruçam especificamente sobre os
“casos-limite',
“casos-limite“, em que pode haver outros imperativos ainda mais
importantes do que a verdade. E, em geral, aqueles que trazem
àii baila exemplos concretos abrem a porta para “mentiras de
emergência“ _ afirmações que tecnicamente são mentiras, pelo
emergência'
menos em alguns (poucos) casos extremos. Dietrich Bonhoeffer,
teólogo,
teologo, dos que conhecimento, e'o o que se debruça de forma
mais interessante
iiiteressaiite sobre essas situações.
Bonhoeffer chama a atenção para o fato de lmanuel Imanuel Kant
ter sido extremamente
extremaniente rigoroso em questões de verdade e
248

mentira. Mas o rigor do grande filosofofilósofo alemão ultrapassa os


limites da sensatez. Por exemplo, Kant argumenta que se um
homicida assalta minha casa e pergunta por meu amigo, o qual
ele quer matar, tenho a obrigação de dizer a verdade ao homicida!
O comentário de Bonhoeffer Éé o seguinte: “Se eu me recuso a
incorrer em culpa contra o princípio da verdade por amor ao
meti
meu amigo, se me recuso a dizer
dizer' uma mentira saudável por anioramor
a ele... então, minha ação está em contradição com minha
responsabilidade. Aqui, mais uma vez, Éé exiitaniente
exatamente na aceitação
responsável da culpa que uma consciência que está ligada apenas
a Cristo dará a melhor prova de sua inocência”.“?
inocência”.” Íiilvez,
Talvez, parte da
linguagem usada por Bonlioeffer
Bonhoeffer nos surpreenda: por exemplo, a
“mentira saudável“!
'mentira saudávef! No entanto, essa importante obra sobre a Ética ética
está incompleta:
incompleta; as trágicas circunstâncias da vida de Bonhoeffer
explicam por que ele não deu a essmessas palestras sua forma final.
Contudo, Bonhoeffer ainda levaiita
levanta outro tipo de questão.
Em uma sala de aula o professor pergunta a um menino se seu
pai costuma chegar bêbado em casa. Na verdade, isso costuma
acontecer _, mas a criança diz que não. Nega o frito fato porque
sente que o professor invade indevidamente a privacidade de
sua família e sente que, por amor âà família, não deve dizer a
verdade. No entanto, não tem experiência suficiente para dat dar
uma resposta evasiva oii ou “diplomática“.
`diplomática'. Bonhoeffer considera
que essa criança obedece a um princípio Ético ético mais importante
do que o de não mentir.
Bonhoeffer mostra que Éé inadequada a definição habitual
de mentira: a discrepância consciente entre pensamento e
palavra. Mesmo uma brincadeira eiivolve envolve a “discrepância en-
palavra! Antes, define a mentira como: “A
tre pensamento e palavra“!
negação, a recusa e a destruição consciente e deliberada da
realidade que Éé criada poi'
por Deus, iiidependenteiiieiite
independentemente desse
propósito ser conseguido por meio de palavras ou silêncio”.!“
proposito silêncio”.'“
E obvio
óbvio que a partir dessa definição mais restrita não Éé mentirosa
a pessoa que não diz a verdade na situação que Kant descreve
nem a criança do exemplo dado por Bonhoeffer.
249

Se olharmos todas as situações, não Éé possível defender a


posição de que em situação alguma a pessoa deve se abster de
dizer toda a verdade. E obvio
óbvio que se a pessoa puder resolver o
dilema guardando silêncio, essa solução Éé melhor do que dizer
palavras que contrariam os fatos. Mas mesmo proferir palavras
contrárias aos fatos pode ser necessário ein
em algumas situações
extremas _ como as que forani
foram contempladas nos exeiiiplos
exemplos
dadoa
dados.

'piedosas'
Mentiras Tiiedosas'
Vimos alguns teologos
teólogos que defeiideni
defendem a possibilidade de
“mentiras
`mentiras de emergência“,
emergência', Ée expressamos uma concordância
cautelosa. No entanto, o conceito de “mentira piedosa“,
piedosa`, tão
popular em nossa cultura, não parece ser o mesmo caso. Vamos
considerar três exemplos:
(1) Uma família precisa comprar um carro melhor e tem
um fundo reservado para o dia em que puder comprá-
compra-
lo. Chega o momento de fazer a declaração do imposto
de renda, e percebe que se fizer uma declaração rigoro-
samente correta de seus rendimentos não conseguirá
pagar os impostos sem entrar no fundo de reserva. Por
isso, declara menos ao fisco para-pagar
para pagar menos impostos.
Seu principal objetivo Éé o bem da família,
familia, o Estado
não merece ser respeitado com tanta meticulosidade.
rnentira “piedosa“.
Considera esse ato uma mentira `piedosa'.

(2) Uni
Um vestibiilando
vestibulando teve contratempos que o impossibili-
taram de estudar o suficiente para uma das disciplinas
em que fará exame. Verifica que a única possibilidade
para conseguir entrar no curso que pretende Éé colar
no exame. Seu futuro está em primeiro lugar e colar Éé
um recurso comum nessa situação. Pensa que está
uni
um ato equivalente ao de dizer uma
apenas cometendo tim
mentira “piedosa“.
“piedosa'.
250
2513*

(3) Um balconista recebe instrução do patrão sobre as técni-


cas de venda que deve usar para que os clientes comprem
um determinado produto. Percebe que, na verdade, o
patrão o aconselha a dizer uma mentira. Julga que o
interesse da loja e a obediência ao patrão têm que ser
postos em primeiro lugar. Mentirá
Mentira com
corn consciência
tranquila, pois Éé mentira “piedosa“.
'piedosa”.
óbvio que esses exemplos, em absoluto, não correspon-
E obvio
dem aos, já citados, casos extremos que justificam “mentiras de
emergência“.
emergência. AlgiiÉm
Alguém pode se convencer de que cada um desses
casos Éé uma emergência _, mas apenas se não pensar muito
no que realmente significa uma emergência, uma questão de
Também consegue se convencer que os “valores
vida e de morte. TambÉm
superiores' invocados em cada caso são claramente mais impor-
superiores“
tantes do que a questão de mentir oiiou não. No entanto, a pessoa
racionalizando, camuflando o interesse como se fosse valor.
está racionaliaando,
ética rigorosa da verdade, que a Bíblia ensina, não permite
A Ética
que casos como esses sejam aceitos como eticamente corretos.
O problema Éé que o ser humano tem uma tendência inata,
quase ilimitada, para a racionalização. Situações como essas são
coiistaiites,
constantes, havendo centenas delas por trás de cada uma urna das
que chamamos situações que exigem “mentiras
'mentiras de emergência“.
emergência.
Por essa razão, que o termo “mentira piedosa“ É
pieclosal é muito ampla-
mente usado para justificar o não uso da verdade em centenas
niente
de situações tais como essas, achamos que o termo terrno “mentira
piedosa“
piedosa' deve ser definitivameiite
definitivamente rejeitado pelo cristão. Curio-
samente, o exemplo de Bonhoeffer sobre a criança que encobre
alcoólico, não envolve nenhum tipo de
a verdade sobre seu pai alcoolico,
racionalização. Mesmo que consideremos aquilo que a criança
diz uma mentira (aparentemente, Boiihoeffer
Bonhoeffer acha que não É), é),
não envolve qualquer elemento de engano coiiscieiite,
consciente, mas sim
um impulso de lealdade generosa com a família. E mais parecido
com o que temos definido como “mentira'mentira de emergência“
emergência' do
que com o conceito habitual de “mentira piedosa'.
piedosa“.
251

Não nos parece que a idÉia idéia popular de “mentira


"mentira piedosa“
piedosa)
seja compatível com o rigoroso padrão definido, por exemplo,
no salmo 15.2-5: ““Aquele
“Aquele que Éé íntegro em sua conduta e pratica
o que Éé justo, que de coração fala a verdade e não usa a língua
para difamar, que neiilium
nenhum mal faz ao seu semelhante e não laiiçalança
calúnia contra o0 seu proximo,
próximo, que rejeita quem merece desprezo,
mas honra os que temem o Senhor, que maiitÉin mantém a sua palavra,
mesmo quando sai prejudicado, que não empresta o seu diiilieiro
dinheiro
visando lucro nem aceita suborno con tra o inocente. Quem assini
contra assim
procede nunca sení
sera' abaiaclo."““
abaíacíoí" (grifo do autor).

terminai?
Dizer a verdade ao doente terminal?
Segundo Bonhoeffer, ““a“a verdade não pode ser dita em
qualquer lugar, a qualquer hora e, da mesma maneira, para
médico disser a verdade a um doente
qualquer pessoa”.“ Se um iiiÉdico
terminal, de forma inadequada “ou'ou em tim
um momento menos
indicado, pode provocar uma crise adicional ou, atÉaté mesmo, a
niorte
morte repentina do doente. Mas, sem dúvida, o0 doente tem
direito de saber a verdade. Diante das exigências da verdade
ensinada na Bíblia, não nos parece correto o liábito
hábito tão comum
de manter segredo. obvio
óbvio que nesses casos a vontade dos
familiares deve ser levada em consideração. Mas parece-nos
que estes devem ser ajudados se não resistireni
resistirem âà notícia, para
que o doente seja preparado e oportuiiaiiiente
oportunamente informado. Se
o doente É crente, resignar-se-á diante de uma situação que o
levará âà presença do Senlior
Senhor e vai querer saber a verdade a fim
de se preparar para esse dia. Se não Éé crente, precisa saber a
verdade para que tenha noção da urgência de se reconciliar
rcconciliar
com Deus. Mesmo que a dimensão da fÉ fé esteja totalmente
ignorada pelo doente e seus familiares, não há nada de positivo
em criar um ambiente artificial iià volta dele _ em que são
ein
feitas afirmações que contrariam os fatos.
252

Publicidade e marketing
As pessoas, desde os tempos mais antigos,
amigos, para vender seus
produtos começaram a anunciá-los
anuncia-los ao público. Um sapateiro fazia
uma grande gravura de uni um sapato e pendurava iia entrada de sua
sapataria.
Sapataria. Um afiador
afiador de facas e tesouras cantava
cémtava ou tocava música
nas ruas para anunciar sua presença. Depois, os jornais começaram
a ser usados para anunciar produtos e, em 1840, na FiladêlfiaFiladélfia
fundou-se a primeira agência de publicidade. Desde 1370,
fuiidou-se 1870,
começou-se a realizar pesquisas de mariceting
maríteríng e, a partir do sÉculo
século
xix,
XIX, figuras
figuras do mundo da diversão, como P E T. Barnum, passaram
a explorar amplamente a maneira de cativar grandes públicos.
evangélicos, em momentos de reavivarnento,
Os movimentos evangÉlicos, reavivamento,
deram grande ênfase ao trabalho ao ar livre, o que tem seu ele-
`man"‹eting'. No sÉculo
mento de “marl‹:eting“. século Win,
XVIII, George “Whitefield
Whitefield (1214-
(1714-
70), evangelista, conseguiu anunciar o Evangelho para multidões
compostas de 30.000
5l].ÚUU ou 40.000
4{J.ÚUU pessoas, de maneira que todos
ouvissem - _ um fenômeno
fenõmeno de projeção da voz sem precedente
história da humanidade. John Wesley,
na historia Wesley seu contemporâneo,
tambÉm
também pregou para multidões e reparou que Deus estava
realizando “sinais
*sinais e maravilhas“
maravilhas' entre seus ouvintes, cujo efeito
foi atrair a atenção dos curiosos. Essa dimensão se tornou polê-
mica: em que medida Deus está empenhado em chamar a
atenção de espiritos
espíritos curiosos por nieio
meio de milagres de cura divina
ou de
dc libertação de espíritos malignos? No entanto, a experiência
história do
do Dia de Pentecostes, embora de caráter único na liistoria
cristianismo, Éé elucidativa: Deus agiu de maneira a fazer com
que judeus das mais diversas origens ouvissem em sua língua-
mãe a mensagem (At 2.7-1 1). Biblicamente, não podemos
sustentar a posição de que Deus Éé contra a publicidade!
éticos. No niarketing
Surgem, no entanto, problemas Éticos. niariteting moder-
no as pessoas são manipuladas para comprar produtos devido a
acom-
apelos ao seu desejo de posição social _ porque gostam de acoin-
nível social e :iiaterial
panhar o iiível material dos vizinhos. O apelo Éé voltado
para um subconsciente de insegurança ou culpa (““O (“O setibor
senhor Éé
253

capaz de privar seu filho da oportunidade de cultura que essa


EnciclopÉdia
Enciclopédia pode lhe dar?”). As crianças são convencidas da
vantagem de comprar peças de roupa ou calçados “de marca“ marca)
(no mínimo, pelo dobro do preço de artigos equivalentes que
não têm essa “vantagem“)
'vantagem') e conseguem incutir um sentido de
culpa nos pais, pois não se esforçam para comprar artigos dessa
qualidade. Mostram imagens televisivas que nada têm a ver com
o produto que se pretende vender _ mostram paisagens monta-
nhosas com sons idílicos para vender cerveja, seguros ou sabonete.
Fazem-se afirmações exageradas sobre o valor de um detergente
branquíssima em comparação com outro simi-
que deixa a roupa braiiquíssima
nódoas. Afirma-se que nove em cada dez
lar que a deixa com nodoas.
donas de casa manifestaram determinada preferência _ quando
ninguém se dá
ninguÉm da ao trabalho nem tem interesse em verificar as
fontes dessa estatística. Os corpos das mulheres são explorados
automóvel. Ou exibem mullietes
para vender certas marcas de automovel. mulheres
em conversas idiotas sobre a marca de maionese que usam,
apresentaiido-as
apresentando-as de forma tão estereotipadas que nem parecem
eiicará-las
encara-las como seres humanos inteligentes.
Talvez, o que mais choque seja a conivência do público _
a pessoa acompanha um programa de televisão em que está
interessada e, no entanto, gasta vinte niinutos
minutos nos intervalos,
vendo anúncios em que não está nada interessada. Entretanto,
não protesta nem reflete de fbrma
forma inteligente sobre o desper-
enganosas armadilhas
dício de tempo nem sobre as muitas eiiganosas
publicitárias asàs quais se submete.
Em alguns casos, o público se sensibiliza diante da manifesta
desoiiestidade
desonestidade dos anúncios. Na Dinamarca, SuÉcia Suécia e BÉlgica,
Bélgica,
por exemplo, são proibidos anúncios dirigidos especificamente
às crianças. Na pobre sociedade de Porto Rico há restrições eni
iis em
relação a aiiúiicios
anúncios de casinos, mas nos Estados Unidos não
existem restrições em relação a isso.” Não apenas os cristãos _
talvez os cristão sequer sejam os principais críticos - vêem graves
éticos tio
problemas Éticos no mundo da publicidade.
254

No entanto, uma leitura cuidadosa da Bíblia revela o fato


de que muitas dessas preocupações existiam. O apostolo apóstolo Paulo
evangelizou em Corinto (1Co 2.1), mas deliberadamente pres-
cindiu do uso de sofismas e liiiguagem
linguagem filosofica
filosófica (hoje, não seria
considerado legítimo usar, no minimo,
mínimo, o tipo de liiiguageni
linguagem ao
qual os ouvintes intelectuais estão habitiiados?).
habituados?). A mensagem
direta do “Cristo crucificado
crucificado' anunciada com fraqueza, temor e
tremor (1Co 2.5),
2.3), não era de modo algum uma tÉcnica
técnica publicitária
que hoje seria considerada positiva. Em 2Corín tios 2.17, Paulo se
2Coríntios
distancia dos “frtlsificadores“
Tzilsificadores' da mensagem de Deus _ usa um
verbo que significa “vender
'vender um produto adulterado“
adulterado' (por exem-
plo, como vinho com mistura de água).
No mariteting
maríteting a ênfase Éé sempre sobre o lado positivo do
produto que se vende. Diz-se que Cristo rios nos dá
da uma vida nova,
nova.
relacionamentos significativos, um sentido de proposito
propósito na vida
e um futuro
filturo melhor depois da morte _sem dúvida, tudo corres-
ponde a parte do que a Bíblia ensina. Contudo, coiisidera-se
considera-se que
.aa ira de Deus e o inferno não são asstuitos
assuntos atraentes para o público
e, por isso, são apenas mencionados de passagem ou atÉ até evitados.
O fato de Jesus chamar o lionieni
homem ao arrependimento recebe pouca
atênção,
atenção, da mesma forma que o apelo de Jesus para que o homem
se negue a si mesmo, tome sua cruz e o siga (Mt 16.24).
Warren WI Wíersbe,
Wiersbe, em seu livro “A Crise de Integridade”,
critica o marlteting
maríteting evaiigÉlico
evangélico de forma coiitundeiite.
contundente. Mostra
como o modelo do homem bem sucedido - com saúde e
prosperidade - domina na evangelização por televisão e os
temas menos populares são suprimidos. Transniite,Transmite, por exem-
seguinte conversad?
plo, a seguiiite conversazlf'
““O
“O gerente de uma emissora cristã telefonoii-me
telefonou-me para se
queixar de algo que eu tinha afirmado em uma mensagem pelo
rádio.
--
_ Se entendi bem - disse ele, _ o senhor asseverou que,
se as pessoas são salvas, há mudança em sua vida e poder-se-á poder-se-zí
ver a evidência da salvação.
255

_ Sim - respondi _, Éé o que ensino. Depois, citei


2Coríntios 5.12:
5.17: “Portanto,
`Portanto, se alguÉm
alguém está em Cristo, Éé nova
criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas
novasl”
novas!“
_ Bem, se o senhor continuar nessa linha, teremos que
cancelar seu programa!
_ Por quê? - perguntei. Os senhores não acreditam que
o povo de Deus deve ser diferente da multidão não-salva?
_ Mas um cristão pode ser carnal - foi o argumento.
arguniento. E
um cristão carnal parece e age da mesma maneira nianeira que uma
pessoa não-salva. Que me diz de Ló? Lo? E que me diz da `madeira,
“madeira,
pallia“ de 1Coríntios
feno, palha' lCoríntios 5.12?
Tentei lhe explicar que os cristãos que desobedecem a Deus
deliberadamente podem ser disciplinados pelo Senhor, e que
l]oão
1João ensina que pessoas salvas não persistem na prática do
pecado. Desliguei o telefone, sentindo-me decepcionado com
alguÉm que se opõe a mensagens que exortam
o fato de haver alguém
os crentes a ter uma vida piedosa e diferente”.
É
E evidente que o uso deliberado de °sinais “sinais e maravilhas,
maravilhas“
para atrair multidões éÉ muito diferente da situação em que 0o
soberaiiamente, os realiza para confirmar
Senhor, espontânea e soberanamente,
sua Palavra. Mas se ao seguir o exemplo de Pedro _ e de prega-
dores em reavivamentos
reavivainentos evangélicos
evangÉlicos como John Wesley e
Edvvards _ desejamos que 0o Senhor estenda sua mão
Jonathan Edwards
para realizar milagres, não estamos fazendo nossa propaganda
em que o primeiro destaque éÉ dirigido para esses milagres. Não
anunciaremos
aiiuiiciaremos campanhas de cura para que as pessoas pensem
que nosso 'produto'
“produto“ éÉ destinado para, antes de tudo, curar seu
corpo. Não daremos garantia de milagres às pessoas que deviam
se humilhar diante da soberania de um Deus, que opera maravi-
lhas apenas se for sua vontade. Primeiro, sempre afirmaremos
que o objetivo de Deus ao enviar seu Filho ao mundo foi para
'salvar
“salvar os pecadores'
pecadores“ (1Trn
(lTm LIS).
1.15).
Mesmo Wesley, longe de ser um defensor radical do uso
de milagres, foi criticado por seu colega Whitefield nos
256
255

seguintes termos: ““Nao


“Não considero correto o intenso incentivo
g

âs
às convulsões,
convulsões. nas quais as pessoas têm sido atiradas em seu
miriistÉrio.
ministério. Se eu fizesse o mesmo, quantos gritariam alto todas
as noites! Penso que pedir esses sinais Éé tentar Deus. Que há
algo de Deus nisso, não teiilio
tenho dúvidas, porÉni,
porém, creio que o
diabo tarribÉm
também interfere. Creio que isso animará os profetas
franceses, desviará a atenção das pessoas da palavra escrita e
hirá
fará com que depeiidam
dependam de visões, convulsões, etc., mais do
que das promessas e preceitos do Evangelho”.'“i
Evangelho”.'4
O cristão tem muitas razões para se distanciar do atual
mundo da publicidade e consumismo. lsso Isso não significa rejeitar
todo o niarlrering,
marlrering, mas sim, sujeitar os mÉtodos
métodos usados a timum
escrutínio Ético
ético bastante rigoroso. Significa evitar empregos em
empresas cujos mÉtodos
métodos prevalentes de publicidade
publicidacle são manifes-
'prudente como as
tamente desonestos. Significa tentar ser “prudente
serpentes“
serpentes° perante as inúmeras tentativas de o convencer a
comprar produtos que nem precisa nem correspondem sequer
a sua verdadeira preferência. Significa evitar gastar seu tenipo
tempo
ria
na passividade de quem contempla os anúncios televisivos e
insensatez deles (mas, ao mesmo tempo, conclui que
admite a inseiisatez
não háha o que fazer porque há muito tempo o mundo da publi-
cidade Éé assim). Significa, sobretudo, comprar e vender sem
recorrer à“a mentira e, ria
na medida do possível, sem se deixar seduzir
por ela!
No que diz respeito iià iiiaiieira
maneira de anunciar e divttlgar
divulgar o
Evangelho, mais uma vez, podemos considerar o sábio exemplo
de Paulo: “Pois nossa exortação não tem origem no erro riem nem
em motivos imptims,
impuros, neni
nem temos intenção de enganá-los;
engana-los; ao
contrário, como homens aprovados por Deus para rios nos confiar
o evangelho, não falamos para agradar pessoas, mas a Deus,
que prova o nosso coração. Vocês bern bem sabem que a nossa
bajulaçâo riem
palavra nunca foi de bajulação nem de pretexto para ganância;
Deus Éé testemunlia”
testemunha” (1Ts(ITS 2.5-5).
25?

Notas
l.I. “'“f?.tic:i
“Erica Cristii:
Crista: Alternativas
.›'\1ternati\-'as e Questões tlontempor.-ineas'““,
(Íonremporâneas", Nonnan
Norman L. Geisler,
ed. Vitln
Vida Nova, São Paulo, 1934.
1954.
Geisler, op. cit., 13.25.
2. Geislet, p.T8.
Catecismo”. par. 2424.
3. “Novo Catecisriio”, 2474.
4. Dp.Op. cit., par. 2424.24T4.
5. “A Erica dos Dez lvl:intlaine:itt.is““,
Mandamentos”, Hans Ulrich Lilrich Reifler,
Reifler, p. 225.
6, ““lnstitutns““,
õ. “lnstíruras", ll-E-ill-42.
ll-VII-47.
T. Up. cit.,1I-`i.-*II-48.
( )p. cit., II-\-“II-48.
H. Summa Theol.,
8. Tlieol., citado em “Novo Catecismo", Catecisiiio”, par. 2469.
241351.
ÊÍ-*_ “L."thics",
9. “I_'“.tliics`“, Dietrich Bonhoeffer, ed. SCM, SCA-'I, 1955,
11155, pp. 213-214.
111. (Jp.
IU. Op. cit., p. 332.
1 1. Citado em “A Ética Etica dos Dez 1\landamenros",
Mandameiitos", p. 225.
12. Dados do artigo sobre “Advertising” '*“Atlvertising““ em
ein “New
“Netv Dictionary
Dictioniirjf of Ethics and anti
Tlieti1r_ig;r““.
Pastoral Tl1ct1lt_1g§'".
13. (Jp.
Op. cit..
cit., p.22.
14. “George \V|1ite `x“iÍ-'"Iiireí:1eltl““, Arnoltl Dallimore, Banner of Truth, 1970,
Held", Arnold 1971), Vol.
É-ltil. 1., p.
sas.
328. i
cAPiTuto1o
cariruto iii

Questões de
desejo e ambição

Não cobíçarãs
cobr`çara's a casa do teu proxinio.
próximo. Não cobiçaras
cobíçarzís a niuiherdo
mulher do teu
próximo, nem seus .servos
proximo, servos ou seivas,
servas. nem seu boi ou,iumenro_,
oujumento, nem coisa
alguma que lhe pertença (Ex 20. 12).
17).
Não cobiçariís
cobriçaras a nitillier
mulíier do reti
teu proximo.
próximo. Não dese)“:ir:ís
desejaras a casa do teu
próximo, nem sua propriedade, nem seu servo ou seiva,
proximo, serva. neni
nem seu boi ou
jumento,
jumen tri, nem coisa alguma que lhe pertença (Dt 5.21).

Introdução: A versão de Deuteronomio


Deuteronômio usa uma palavra
diferente (“avvvva)
('awwa) quando fala no desejo de ter a casa do proxitno,
próximo,
traduzida ein
em português corrio
como “desejar“,
lclesejarl, essa palavra tem essenci-
almente o mesmo significado que a palavra chamad traduzida
como “cobiçar“
`cobiçar` que se aplica ao desejo de ter a esposa do proximo.
próximo.
A versão de Êxodo usa a palavra chamad nos dois casos. A ordem
das pessoas e objetos cobiçados Éé ligeiramente diferente nas
duas versões. E, Deuteronomio
Deuteronômio acrescenta o campo do proximo próximo
que não está na versão de Exodo.
Êxodo.
Não foi so
só no ensino de Jesus
]esus que a Ética
ética passou aser aplicada
a questões internas do coração humano. E verdade que Jesus
estendeu sua denúncia do homicídio .âà área do coração e das
motivações ocultas (Mt 5.22), e a do adultÉrio
adultério iià área do coração
onde uma pessoa tem pensamentos adúlteros (Mt 5.28). Mas
no dÉcimo
décimo mandamento, a proibição da cobiça Éé a melhor
prova de que Jesus não anunciava algo novo quando dirigiu
260
250

sua denúncia a atitudes interiores, e não apenas a atos exteriios.


externos.
E
É natural que em sua Época
época tenha existido urna
uma preocupação
muito grande em relação âà aparência, Jesus, em algum momen-
to, descreveu os escribas e fariseus como “sepulcros
°sepulcros calados:
bonitos por hora,
fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de
todo tipo de imuridície“
imundície' (Mt 25.27). Considerar as atitudes do
coração e não apenas atitudes externas foi uma preocupação
tanto da lei de MoisÉs
Moisés como de Jesus que se inspirou nela.
Questões: A cobiça pode ter em vista objetos materiais,
animais ou outras coisas que meu próximo
proximo possui e eu desejo
mullier, o que equivale a adultério
ter _ ou pode almejar sua mulher, adultÉrio
de coração. Devemos considerar em que áreas nossa sociedade
se deixa corromper por essas atitudes _ do sexo e dos bens
materiais. Aqui, com frequência, faremos referência aos capítulos
anteriores _ em especial, aos que tratam do adultério
adultÉrio e do furto.
No entanto,
entanto, já que a cobiça pode visar outros 'bens'
“beris“ não-materiais
ou humanos _ o poder, a influência e a fama _ e estes são
assuntos largamente abordados tanto no Antigo como no Novo
Testamentos, também
tambÉm dedicaremos alguma atenção a essas
áreas. Portanto, sistematizaremos nosso estudo em três áreas:
(i) a cobiça que visa objetos materiais (inclusive animais); (ii) a
cobiça que visa pessoas; e (iii) a cobiça que visa outros “bens'.
“bens“.
aiialisareinos as atitudes envolvidas e suas consequên-
Em todas, analisaremos
tambÉm as soluções apontadas pela Bíblia.
cias, como também

A cobiça que visa objetos materiais

Antigo Testamento
A palavra chamad
ciianiad também
tarnbÉin se refere a desejos positivos,
não apenas àquilo
âquilo que éÉ designado pela palavra ccobiçar'
“cobiçar“ que éÉ
Eden, tanto a arvore
negativo. No jardim do Éden, árvore da vida (Gn 2.9)
corno a da ciência do bem e do mal (5.6) foram objeto do
`desejo'
“desejo“ do homem e da mulher, em um tim caso o desejo era legíti-
ino e no outro não.
mo rião. Lamentações 1.1 1 faz referência ao desejo
261
251

por alimentos que Éé bem legítimo: ““Todo “Todo o seu povo se lamenta
enquanto vai em busca de pão; e, para sobreviverem, trocam
tesouros por comida. ““Olha,
“Olha, SENHott_,
SENHOR, e considera, pois tenho
desptezada”. E bom termos presente que, ao contrário do
sido desprezada”.
que ocorre âs às vezes em religiões orientais e na filosofia grega, o
“desejo“
`desejo` em si não Éé considerado riegativo.
negativo. Apenas quando o
desejo se refere a algo que não devemos pensar em posstiir possuir Éé
que “desejar“
'desejar' (chamad)
(charnad) Éé considerado pecado. Pouco tempo
depois de enunciar os dez mandamentos, Deuteronomio Deuteronômio dá
um exemplo concreto da atitude de chamad, em um sentido
que claramente reprova: “Vocês queimarão as imagens dos
deuses dessas nações. Não cobicem a prata e o ouro de que são
revestidas; isso lhes seria uma armadilha. Para o SENHUR,SENHOR, o seu
Deus, isso Éé detestável” (7.25).
Detis,
Quando o desejo não éÉ legítimo o contexto salienta isso de
nianeira clara _ e, muitas vezes, a versão em português traduz
maneira
“cobiçar“, apesar'
com a palavra 'cobiçar', apesar da palavra em hebraico ser a
mesma. Por exemplo, Acã pecou ao cobiçar os despojos de
Jericó: ““Qtiando
Jerico: “Quando vi entre os despojos uma bela capa feita na
Babilõnia,
Babilônia, dois quilos e quatrocentos gramas de prata e uma
barra de ouro de seiscentos gramas, eu os cobicei e me apossei
deles. Estão escondidos no chão da minha tenda, com a prata
por baixo” (Js 7.21).
Em lReis,
1Reis, o rei Acabe cobiça a vinha de Nabote com tal
intensidade que não conseguia comer devido ao desgosto (21.1- (2l.1-
7). Nesses casos, vemos com toda clareza como a cobiça prepara o
caminho para o roubo. Em alguns casos, como em Daniel 11.57, 11.37.
idólatras de religiões pagãs errun
os objetos de culto idolatras eram descritos como
`desejo' ou “cobiça“
o “desejo“ `cobiça' das pessoas: ““Ele
“Ele não terá consideração pelos
deuses dos seus antepassados nem pelo deus preferido das
niullieres,
mulheres, nem por deus algum, mas se ex.altará
exaltará acima deles todos”.
Testamento, corno
O Antigo Testaniento, como solução para essa atitude,
`prazerl ou “deleite“
propõe um “prazer“ 'deleite' tão acentuado ria na pessoa do
nosso Deus que não deixa lugar para a cobiça: ““O “O temor do
262
252

Senhor Éé puro, e dura para sempre. As ordenanças do Senhor


são verdadeiras, são todas elas justas. São mais desejáveis do
que o ouro, do que muito ouro puro; são mais doces do que o
mel, do que as gotas do favo” (Sl 193,10);
199,10); “Alcance-me a tua
misericordia
misericórdia para que eu tenha vida, porque a tua lei Éé o meu
prazer” (Sl 119.77).
Meditar na lei não nos faz pensar apenas em exigências
que poderiam rios
nos levar a odiar Deus, como Lutero diz tê-lo
odiado antes de sua conversão. Leva-rios
Leva-nos a pensar, sobretudo,
em sua misericordia
misericórdia e amor, aos quais desejamos cotresporider:
corresponder:
“A salvação está longe dos ímpios, pois eles não buscam os teus
““A
decretos. Grande Éé a tua compaixão, Senhor; preserva a minha
vida conforme as tuas leis” (Sl 119.155-156).
Também foca o cuidado e atenção aos mais necessitados
TambÉm
como uma preocupação que fitz faz com que não ambicionemos
sempre ter mais para nos.
nós. lntegra
Integra essa questão cont
com a da nossa
salvação pessoal _ de uma maneira que iiiuitas muitas vezes a ênfase
dos evarigÉlicos
evangélicos atuais não reflete: ““Apreridam
“Aprendam a fazer o bem!
Btisqueni
Busquem a justiça, acabem com a opressão. l_.uteni
Lutem pelos direitos
do orfão,
órfão, defendam a causa da viúva. “Venham,
`\/enham, vamos refletir
juntos“,
juntosi, diz o Senhor. “Embora
'Embora os seus pecados sejam vermelhos
corno
como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora
sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão“”
tornarão'” (ls 1.17,18).
Recomenda uma confiança rio no Senhor que Éé funda-mento
suficiente para acreditar que todo tipo de necessidade será
“Confie rio
suprido: ““Confie no Senhor e faça o bem; assim você habitará
habitar:-Í
na terra e desfrutará segurança. Deleite-se rio no Senhor, e ele
atenderá aos desejos do seu coração. Entregue o seu cariiiriho
caminho ao
agita” (Sl 57.3-5).
Senhor; confie nele, e ele agirá”

A cobiça que visa bens materiais

Novo Testamento
A líiigua
língua grega, como a portuguesa, tende a distinguir entre
o “desejo“,
`desejo`, no sentido positivo, e a “cobiça“
'cobiçal que tem um sentido
263
283

negativo. A joieonexia“
pleonexia' Éé definida por Reifler
Reiflet como “o 'o desejo
incontrolável de possuir o mundo, poder, influência, bens
materiais“,'
materiais',' e a encontramos em Marcos 7.22, em especial, nas
cartas de Paulo. E É uma característica dos gentios (Ef 4.19) e
uma forma de idolatria: ““Assim,
“Assim, façam
filçam morrer tudo o que
pertence ità natureza terrena de vocês: imoralidade sexual, impu-
reza, paixão, desejos maus e a ganância lpleonexiaj
[pleoncxia] , que Éé idolatria”
(Cl 5.5).
3.5). Muitas vezes, a “pleonexi.a“
`pleoneXia' Éé a causa do surgimento do
ensino falso nas igrejas (1Ts
(ITS 2.5).
Jesus usou uma parábola muito contundente contra a :ole- ple-
onexia“
onexia, (Lc 12.16-21). Uma pessoa pediu que Jesus resolvesse
um problema de herança entre ele e seu irmão (vv. 15-15). 13-15).
Jesus
jesus sentiu a cobiça na atitude da pessoa ec contou a historia história
de um rico que, tendo feito uma boa colheita, resolveu derru-
bar seus celeiros para construir outros maiores. Fixou-se nos
bens materiais como se estes fossem a garantia de uma vida
desafogada e feliz durante muitos anos. No entanto, morreu
naquela noite e assim foi separado definitivamente dos bens
que tinha acumulado.
Muito parecida com essa palavra (pieonexia) Éé a philarguria,
o amor ao dinheiro, que era um dos principais pecados dos
fariseus (Lc 16.14). Para Paulo, essa atitude era a raiz de todos
(lTm 6.10).
os males (1Tm
epitliuinia, por outro lado, pode em alguns casos
A palavra epirlrumía,
círamad). Em Lucas 22.15,
ter um sentido positivo (como chamad). 22,15, por
exemplo, Jesus diz: “Desejei ansiosamente comer esta Páscoa
com vocês” (grifo do autor). Mas também tambÉm éÉ usada para descre›
descre-
ver o tipo de ambição que sufoca o efeito da Palavra na vida do
infrtitífera: “Mas,
crente, a qual se torna infrutífera: ““Mas, quando chegam as
preocupações desta vida, 0o engano das riquezas e os anseios
[epirhumia]
[epithtirnia] por outras coisas sufocam
sufocain a palavra, tornando-a
infrutífera” (Mc 4.19;
4.19: grifo do autor).
No Novo Testamento, a cobiça material não equivale a
desejar aquilo que éÉ estritamente necessário para nosso sustento,
264
254

mas sim aquilo que podemos acumttlar


acumular para o futuro. Por essa
razão, Jesus chama a atenção para o exemplo das aves do cÉti céu
(Mt 6.26), pois estas são uni
um exemplo de traballio
trabalho diligente e
responsável (recolhem o que precisam hoje), mas não armazenam
(pensando rio
no amanhã). A maneira de evitar o mal da ansiedade,
e a necessidade desmedida que ela provoca de prover para ama-
nhã, a semana que vem e o ano que vem, Éé em primeiro lugar
procurar o reino de Deus _ - e refletir sobre o fato de que ele Éé
um excelente Guardião e Sustentador, tanto de sua criação em
geral como do homem em particular, que proverá todas nossas
necessidades.
O amor ao proximo
próximo nos faz esquecer de nos
nós mesmos, como
a parábola do Bom Samaritano (Lc 10.25-57)10.25-37) deixa claro.
Quando as igrejas que são relativamente pobres começam a
dar atenção ao problema de igrejas que são ainda muito mais
pobres, isso ajuda as pessoas a não dar uma atenção doentia
aos proprios
próprios projetos materiais: ““Agora,
“Agora, irmãos, queremos que
vocês toniem
tomem conhecimento da graça que Deus concedeu âs às
igrejas da Macedõiiia.
Macedônia. No meio da mais severa tribulação, a
grande alegria e a extrema pobreza deles transbordarani
transbordaram em
rica generosidade” (2Co 8.1,2). A riqueza espiritual e a provisão
mais do que suficiente das necessidades materiais, que Deus
dá aos que agem dessa forma, Éé tão coiisoladora
consoladora que ajuda a
erradicar as raízes da ambição material e da cobiça: ““E “E Deus Éé
poderoso para fazer que lhes seja acrescentada toda a graça,
para que erii
em todas as coisas, em todo o tempo, tendo tudo o
que Éé necessário, vocês traiisbordein
transbordem erii
em toda boa obra. Como
está
esta escrito: “Distrihuiu,
'Distribuiu, deti
deu os seus bens aos necessitados; a
sua justiça dura para sempre“.
sempre`. Aquele que supre a semente ao
também llies
que semeia e o pão ao que come, tarnbÉiii lhes stiprirá
suprira e mtiltipli-
multipli-
cará
cara a semente e fará crescer os frutos da sua justiça. Vocês
serão enriquecidos de todas as formas, para que possam ser
generosos em qualquer ocasião e, por nosso iriterrnÉdio,
geiierosos intermédio, a sua
generosidade resulte em ação de graças a Deus”
Deus" (2Co 9.8-1 1).
265
255

argumentam que as leis provocam


Muitas vezes, as pessoas argumeiiram
desejos errados _ se em uma casa houver um comodo cômodo em que
as crianças são proibidas de entrar, Éé claro que, de modo espe-
cial, querem entrar nesse comodo.
cômodo. O apostolo
apóstolo Paulo reconhece
essa tendência e argumenta que o problema não está na lei,
trias
mas no desejo errado do coração humano que quer ignorar
essa lei: ““Qtie
“Que diremos então? A Lei Éé pecado? De maneira
nenhuma! De fato, eu não saberia o que Éé pecado, a não ser
neiiliunia!
por meio da Lei. Pois, na realidade, eu não saberia o que Éé
cobiça lepiriiumiaj,
[epÍrl1umia], se a Lei não dissesse: “Não cobiçarás“
cobiçarás' [verbo
epirliumeinj.
epirhumei`n]. Mas o pecado, aproveitando a oportunidade dada
pelo inandameiito,
mandamento, produziu ein em mim todo tipo de desejo cobi-
çoso. Pois, sem a Lei, o pecado está morto” (Rm 7.7,8).
Outra área em que o Novo Testamento faz uma análise
penetrante em relação âà natureza da cobiça Éé na comparação
que faz entre ela e outros pecados, que muitas vezes tendem a
ser considerados iià parte. Tiago explica o freqüente ambiente
de conflito nas igrejas cristãs como resultado da cobiça frustrada
de seus membros: ““De “De onde vêm as guerras e contendas que há
entre vocês? Não vêm das paixões que gtierreiani
guerreiam dentro de vocês?
Vocês cobiçam [epithtuiiein]
[epithumein] coisas, e não as têm; matam e invejiun,
invejêun,
mas não conseguem obter o que desejam. Vocês vivem a lutar e
a fazer guerras. Não têiii,
têm, porque não pedem” (Tg 4.1,2).

A cobiça que visa pessoas

Antigo Testamento
Em Cantares de Salomão, a sulamita “deseja“
'deseja (ciiainad)
(chamad) seu
amado ein em uni
um sentido totalmente positivo: ““Coino
“Como uma maciei-
ra entre as árvores da floresta Éé o meu amado entre os jovens.
ÍlÉ'r1l1o prazer em seritar-iiie
Tenho sentar-me iià sua sombra; o seu fruto Éé doce ao
meu paladar”
paladar" (Cr 2.5;
2.3; grifo do autor); ““Stia
“Sua boca Éé a propria
própria
doçura; ele Éé mui deseja“vel““
desejável' (Cr
(Ct 5.16; grifo do autor). A esposa
de Ezequiel, que morreu repentiriiuriente,
repentimunente, foi descrita como o
`prazer dos seus olhos“
“prazer olhos' (Ez 24.16).
266
255

Mas, em ProvÉrbios,
Provérbios, quando Salomão recomenda ao leitor
que não deseje (ou “cobice“)
`cobice') a mulher de má vida, ele usa o
mesmo verbo: ““Não“Não cobice em seu coração a sua beleza nem
se deixe seduzir por seus olhares, pois o preço de uma prostituta
Éé um pedaço de pão, mas a adúltera
adultera sai iià caça de vidas preciosas”
(Pv 625,26).
Apreciar a beleza de uma mulher não Éé necessariamente
“cobiçar“,
'cobiçar`, o problema está em reconhecer a tempo que apreciar
o que É belo pode se transformar em uma atitude de cobiça.
Não foi o fato de Davi ter apreciado a beleza da mulher que se
lavava enquanto passeava pelo terraço do palácio que foi descrito
com censura: “Uma tarde Davi levantou-se da cama e foi passear
pelo terraço do palácio. Do terraço viu uma mulher muito bonita
tomando banho” (2Sm 11.2). O problema foi Davi ceder àâ
pressão de seu desejo, pedir informação sobre ela e, depois,
mandar mensageiros trazerem-na (vv. 5,4).
tambÉm estabelece uma relação afetiva tão
Mas, o Senhor também
iritensa com seu povo, sua `noiva',
intensa “noiva“, que esse povo deve encontrar
sua principal satisfação na relação com ele: “Ouça, ““Ouça, óo filha,
considere e incline os seus ouvidos: Esqueça o seu povo e a casa
hoiire-o, pois ele éÉ
paterna. O rei foi cativado pela sua beleza; honre-o,
o seu senhor” (Sl(SI 45.10,11). Apreciar essa relação e descansar
nela éÉ fonte de sossego e estabilidade na vida do crente obedi-
ente, não existe o desassossego existencial que leva a pessoa a
procurar qualquer tipo de solução imediata para satisfazer seus
““Retotne ao seu descanso,
desejos: “Retorne descaiiso, óo minha alma, porque o
Senhor tem sido bom boni para vocêl”
você!” (Sl 116.7).
O amor conjugal, que une marido e mulher,mttlher, deve ser culti-
vado e preencher o espaço afetivo de maneira que não sobre
nem tempo nem energia para que procurem ter relacionamento
com outras pessoas. O autor de Provérbios,
ProvÉrbios, com o intuito de
alertar contra o envolvimento com a mulher estranha, reco-
menda ao seu jovem leitor que cultive uma relação cheia de
entusiasmo e afetividade com sua legítima esposa: “Fique ““Fiqtie longe
26?
25?

dessa mulher [da mulher estranha];


estranha); não se aproxime da porta
de sua casa” (Pv 5.8; grifo do autor); ““Beba
“Beba das águas da sua
próprio poço. Por que
cisterna, das águas que brotam do seu proprio
deixar que as suas fontes transbordem pelas ruas, e os seus
ribeiros pelas praças? Que elas sejam exclusivamente suas,
nunca repartidas com estranhos. Seja bendita a sua fonte!
Alegre-se com a esposa da sua juventude. Gazela amorosa, corça
graciosa; que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer,
e sempre o embriaguem os carinhos dela. Por que, meu filho,
desencaminhado pela mulher imoral? Por que abraçar o
ser desencaininliado
leviana?” (Pv 5.15-20).
seio de uma leviana?““

- A cobiça que visa pessoas

Novo Testamento
No Novo Testamento encontramos palavras como “pleone- `pl'eone-
xia“
Xia” e epitliuniia,
epithumia, aplicadas tanto ao desejo sexual como ao de
possuir bens materiais, e o sentido das palavras geralmente Éé
negativo. Por exeinplo,
exemplo, Jesus comenta a lei contra o adultÉrio
adultério e
como pecado de adultÉrio
inclui corno adultério o olhar para uma mulher
para a “desejar“
“desejar” (ou “cohiçar“
`cobiçar' _ epirfiumein
epithunrein em grego (Mt [Mt
5.28]). E fácil concluir aqui que Jesus está dizendo algo novo
- como se a lei do Antigo Testamento apenas frisasse atos e
_
também incluir o desejo. Mas o fato Éé que
Jesus agora quisesse tambÉm
o Decálogo
Deczílogo inclui tanto no dÉcimo
décimo como no sÉtimo
sétimo mandameii
mandamento to
a proibição da atitude de cobiça sexual. Na Época época de Jesus era
natural que os fariseus e outros estivessem mais preocupados com
a manifestação exterior do que com a atitude interior; Éé isso que
leva Jesus a dar tanta ênfase âà atitude interior.
A palavra, já arcaica em português, que muitas vezes Éé usada
epirhumia Éé “concupiscência“.
para traduzir epitiiumia `concupiscência). ConvÉm
Convém lenibrar
lembrar
que essa palavra não diz respeito apenas a desejo sexual, existem
outros tipos de desejo que são reprováveis e que, muitas vezes,
o crente não identifica tão facilmente como o problema do
268

sexo. Mas o contexto diadiz quando o aspecto sexual está em foco.


Por exemplo, Timdteo
Timóteo eé exortado por Paulo a fugir dos desejos
(ou `concupiscëncias°)
`concupiscências') da mocidade (2Tm 2.22). “São esses os
que se introduzem pelas casas e conquistam mulheres instáveis
sobrecarregadas de pecados, as quais se deixam levar por toda
espécie de desejos” (2Tm 5.6).
especie 3.6).
A concupiscência, quando eé de ordem sexual, eé o tipo de
desejo descontrolado que leva a pessoa a procurar satisfação
com alguem
alguém com quem não estã está casado _ ou antes do casa-
mento ou fora dele. Algumas pessoas conseguem um relaciona-
mento tão intenso e tão satisfatdrio
satisfatório com Deus que conseguem
prescindir da satisfação de suas necessidades sexuais e entregar-
se completamente ao ministério cristão (1Co 7.2555). 7.25-35). Mas
Paulo Éé suficientemente realista para compreender que há
necessidades perfeitamente naturais que podem e devem ser
satisfeitas no casamento. Por isso, recomenda que por causa da
prostituição (fporr1e'ia'),
('pornéia'), cada um tenha sua prdpria
própria mulher, e
cada uma tenha seu prdprio
próprio marido. Essas necessidades sexuais
em si nunca são chamadas iconcupiscênciasi,
'concupiscênciasfi a 'concupiscência`
'concupiscência
está na procura de satisfação Fora
esta fora dos limites estabelecidos por
Deus, isto e,é, fora do casamento: “A vontade de Deus Éé que
vocês sejam santificados: abstenham-se da imoralidade sexual.
Cada um saiba controlar o seu próprio corpo de maneira santa
e honrosa, não dominado pela paixão de desejos desenfreados,
como os pagãos que desconhecem a Deus” (1Ts 4215). 4.3-5).
O cultivo de uma vida intensa de comunhão com Deus eé
como a melhor solução para o problema da cobiça
apresentado corno
sexual. É E notoriamente difícil alguem,
alguém, pelo proprio
próprio esforço,
`mortif1car” seus desejos sexuais. No entanto, a pessoa que
`mortificar”
*ressuscitou`
°ressuscitou` com Cristo e pensa nas 'coisas
"coisas que são do alto” (Ci
(Cl
5.1-11) tem recursos, que outras pessoas não possuem, para
5.1-Il)
fazer isso. A pessoa, com esse tipo de pensamento, consegue
°mortificar' tudo io
*mortificar` 'o que pertence aà natureza terrena de vocês:
imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância,
269

que e'é idolatria*


idolatria' (v. 5). Paulo deixa claro que alimentar habitual-
mente esses desejos eé a marca do incredulo;
incrédulo; o crente *reveste-se”
'reveste-se”
de sua nova identidade que não deixa lugar para a predominân-
cia desses desejos. Aqui, convem
convém lembrar que nos referimos não
só ãqueles
àqueles que casam, mas também àqueles que permanecem
sós _-
stis _ tenham eles tendência heterossexual (nesse caso, muitas
vezes assumiram o celibato por opção) ou tenham tendência
homossexual (nesse caso, seu compromisso de fe fé exige o celibato).
O Novo Testamento, nesse aspecto, apresenta uma distinção
muito nítida entre o crente e o descrente, os cristãos da nossa
epoca
época temtêm muita dificuldade em assumir a clareza dessa distinção.
No entanto, Deus não se limita a exigir, tambem também capacita. O
Espírito Santo dã dá poder para o crente viver, com alegria e
satisfação, de acordo com os limites que Deus estabelece. De vez
`cobiçosos” podem perturbã-lo,
em quando, os desejos icobiçososl perturbá-lo, mas ele
tem o poder de resistir: “Os que pertencem a Cristo Jesus cruci-
ficaram a carne, com as suas paixões e os seus desejos. Se vivemos
pelo Espirito,
Espírito, andemos também pelo Espirito.Espírito. Não sejamos
presunçosos, provocando uns aos outros e tendo inveja uns dos
outros” (Gl 5.24-26).

Perspectivas históricas sobre a cobiça


Agostinho de Hipona conheceu o poder da cobiça sexual
e debruçou-se sobre ela com uma intensidade e realismo poucas
vezes encontradas na histtiria
história do cristianismo. E bem conhecida
história pessoal de envolvimento sexual pre'-conjugal,
sua histtiria pré-conjugal, an-
tes da sua conversão. Manifestou, com toda nitidez, que uma
só, não consegue resolver esse problema: “Eu
pessoa, por si sd,
pensava que a continëncia
continência dependia de minhas forças [...],
forças que não conhecia em mim. E era suficientemente louco
para não saber que ninguém
ninguem pode ser continente, se vós vtis não
lho concedeis. E, de certo vós o teríeisterieis concedido, se com
gemido interior eu tivesse falado aos vossos ouvidos e se com fe' fe
stilida tivesse lançado sobre vós
sólida veis meu pensamento”.2
pensamento”.3
2?O
QTD

O
Ú Catecismo Romano ensina de forma bem explícita que
o problema da cobiça não se limita ãà área sexual: “Quando a
lei nos diz: “Não
'Não cobiçarãsl,
col)içar;ís', diz-nos, por outras palavras, que
afasremos nossos desejos de tudo que não nos pertence. Porque
afastemos
a sede pelos bens do prtiximo
próximo Éé imensa, infindãvel
infindável e nunca se
sacia, conforme o que esta escrito: “O 'O avarento nunca se farta
de dinheirol“.5
dinheiromf' O mesmo Catecismo descreve com bastante
realismo a maneira como alguns profissionais podem ser preju-
dicados por esse tipo de espírito: “São os comerciantes, que
desejam a falta ou a carestia das coisas, que vÉem vêem com pena
não serem eles os únicos a comprar e vender, o que lhes permi-
tiria vender mais caro e comprar mais barato; os que desejam
ver seus semelhantes na misÉria
miséria para realizar seus lucros, quer
vendendo quer comprando [...]. Os médicos, rnÉdicos, quando desejam
que haja doentes;
doentes: os advogados que reclamam causas e processos
importantes e em quantidade”.'*
quantidade“.'i
Calvino capta bem o tipo de relação com nosso próximo prtiximo
que faz com que deixemos de cobiçar o que éÉ dele: “A finalidade
mandamento éÉ que, como Deus quer que toda nossa alma
desse mandzunento
esteja cheia e que extravase amor e caridade, afestemos de nosso
coração todo sen titimento con trãrio ao amor. Esse sentimento terá
mento contrário terã
como resultado que não concebamos pensamento nenhum que
suscite em nosso coração uma concupiscência
concupiscëncia prejudicial ou
prtiximo. Ao qual responde o preceito
propensa a causar dano ao próximo.
afirmativo de que tudo quanto imaginamos, deliberamos, quere-
prÉximo“.l'
mos e exercitamos, una-se ao bem e proveito do próximo”.*
A realidade de que o décimo
dÉcimo mandamento pode alterar
profundamente a vida profissional daqueles que o levam a sério sÉrio
e'É ilustrado pela seguinte citação do diário de john
]ohn Woolman,
um retalhista do século
sÉculo XVIII:
xvlllz “De modo geral, era meu costume
comprar e vender coisas que fossem verdadeiramente úteis.
Coisas que, em especial, para agradar a vaidade das pessoas, eu
não gostava de comercializar e raramente o fazia; e, toda a vez
que o fiz, descobri que isso me enfraquecia como c1'istã0".“
c1'istão“.“
271
2?1

Autores recentes são bem eloquentes sobre o poder destru-


tivo da cobiça. Frederick Bruechner, pastor e escritor, por
exemplo, em 1980, disse o seguinte sobre o aspecto sexual: “A
lascívia Éé o primata que vive a tagarelar incoerentemente em
nossas entranhas. Não importa quão bem o domemos durante
o dia, tanto mais recrudescerá sua fúria selvagem em nossos
sonhos ã21 noite. Quando achamos que estamos a salvo, eis que
ele ergue sua cabeça medonha e dá uma risadinha, e não há
rio no mundo cujo fluxo seja frio e forte o suficiente para abatÉ-
abatê-
lo. Deus Todo-Poderoso, por que adornas os homens com um
brinquedo tão odiosoi““.?
odioso?”Í
Em nossa Época
época a cobiça Éé deliberadamente incentivada
incen tivada pelos
meios de comunicação: “O problema das fantasias sexuais Éé
genuinamente intensificado em nossos dias devido ao ataque
cerrado da mídia moderna. E virtualmente impossível fugir aos
constantes apelos feitos pela mídia as às nossas fantasias sexuais. Os
publicitários conhecem muito bem o poder da fantasia sexual e,
de maneira constante, o exploram”.8
exploram“.“ Isso não significa que o
cristão tem que se render, como vítima impotente, diante desses
estímulos: “Contudo, precisamos nos conscientizar da autoridade
que podemos exercer sobre nossos fantasias sexuais. A imaginação
pode ser disciplinada. Em nossos melhores momentos, podemos
fazer a escolha de pôr
piiir nossa mente naquilo que éÉ verdadeiro e
respeitável, e justo, e puro, e amável, e gracioso. E, mesmo em
respeitável.
nossos maus momentos, podemos confessar como corno Paulo: “Nesse
"Nesse
caso, quem faz isso já não sou eu, mas o pecado que habita em
miml,
mim”, e saber que uma experiência mais profunda de obediência
está a caminho (Rm 7.1Í").“
7.17).° EÉ tibvio
óbvio que a mesma avaliação pode
ser feita em relação ãà cobiça de dinheiro e bens materiais.
Foster tambÉm
também recomenda que tenhamos um amigo ou
colega com quem possamos nos abrir com corn regularidade sobre
nossas tentações e lutas na área da cobiça e que oremos, uns
pelo outros, muito concretamente para que o Senhor nos dÉ dê
vitória em nossas lutas.
vittiria
272
2?2

Quando a cobiça visa outros 'bens'


Algumas vezes, os estudos feitos sobre os Dez lvlandamentos
Mandamentos
não falam muito sobre o problema da cobiça em casos em que
não visa objetos materiais nem seres humanos, mas lbens' 'bens' não-
materiais, como poder, influência e posição social. E evidente
que muitas vezes existe uma profunda ligação entre cobiça ma-
terial e de posição social; para muitos a posição social Éé apenas a
maneira de atingir um melhor nível de vida material. Em tem-
pos antigos, a posição social, ainda mais do que agora, tambÉm
também
podia ser a chave para a satisfação da cobiça sexual. Os reis tinham
seu `“harÉm“,
`harém`, tendo acesso a dezenas ou centenas de mulheres!
Contudo, a cobiça de poder não tem a ver só com bens
materiais ou humanos que o poder pode favorecer. Tem a ver
com influência, o direito de controlar os outros, o reconheci-
mento dos outros. Segundo o relato de Gênesis, a principal
atração do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal
não foi o fruto em si, mas o acesso que dava a um conhecimento
divino: “Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus
olhos se abrirão, e vocês, como Deus , serão conliecedores
conílecedores do bem
e do mal” (Cn(Gn 5.5; grifo do autor). A denúncia da ambição
desmedida do rei de Tiro, feita pelo profeta Ezequiel no capítulo
33,
53, em geral, tambÉm
também Éé tornada
tomada como referência a Satanás
que tinha sido um anjo de Deus e foi expulso do paraíso devido
privilégios do prdprio
ao pecado de cobiçar o poder e os privilêgios próprio Deus.
O texto une os dois temas de cobiça material (Tiro era um país
de comerciantes) e de orgulho espiritual: “Você era inculpável
em seus caminhos desde o dia em que foi criado atÉ até que se
achou maldade em você. Por meio do seu amplo comêrcio, comércio,
você encheu-se de violência e pecou. Por isso eu o lancei, humi-
lhado, para longe do monte de Deus, e o expulsei, Éó querubim
guardião, do meio das pedras fulgurantes. Seu coração tornou-
se orgulhoso por causa da sua beleza, e você corrompeu a sua
sabedoria por causa do seu esplendor. Por isso eu o atirei :àÉ1
terra; fiz de você um espetáculo para os reis" reis” (Ez 28.15-17).
273
2?3

lsaías, no capítulo 14, denuncia a ambição do rei da Babilênia


Isaías, Babilônia
que costuma ser entendida no mesmo sentido e, ainda mais
claramente do que no caso anterior, foca os temas da posição e
privilêgio
privilégio cobiçados: “Como você caiu dos cÉus, céus, Éó estrela da
manhã, filho da alvorada! Corno
Como fbi
foi atirado ãà terra, você, que
derrubava as naçoes!
nações! Você, que dizia no seu coração: `Subirei
aos cÉus;
céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu
me assentarei no monte da assemblÉia,
assembléia, no ponto mais elevado
do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens;
serei como o A1tíssimo““
Altíssirnom (ls 14.12-14).
Uma das consequências do pecado foi o homem passar' passar a
dominar sua mulher (Gn 3.16). Caim matou seu irmão, Abel,
devido ãà inveja provocada pelo sacrifício deste ter sido aceito
por Deus e o seu, não (Cn 4.1-7). ]acÉ Jacó desejou a posição de
privilêgio
privilégio que tinha sido de seu irmão, Esaú, com facilidade, se
deixou conduzir por sua mãe no processo de enganar Isaque,
seu pai, para ganhar indevidamente essa posição (Gn 2Í"). 27). ]osÉ
José
provocou os ciúmes de seus irmãos com os sonhos em que
aparentemente se gabava de uma posição de supremacia na
família, em um deles mesmo o pai e a mãe se curvavam diante
dele (Gn 37.1-11).
O poder de Moisês
Moisés foi cobiçado por sua irmã, Miriã, e seu
irmão, Arão: eles se ressentiram de Deus aparentemente falar
apenas por meio de Moisês,Moisés, e não por meio deles tambÉm.
também.
Curiosamente, inventaram um pretexto contra MoisÉs Moisés (seu
casamento com uma mulher estrangeira -- - casamento que era
anterior ãà lei contra os casamentos mistosl) para questionar seu
poder. O Senhor disciplinou Miriã por sua sedição, afligindo-a
com lepra e curando-a apenas aptis
após sete dias (Nm 12.1-16). Pouco
tempo depois, CorÉ,
Coré, Datã e Abirão convenceram duzentos e
cinquenta homens de lsrael a tambÉmtambém se sublevarem contra
MoisÉs.
Moisés. Observemos os termos aparentemente espirituais e
corretos em que fizeram sua denúncia contra o homem escolhido
por Deus: “Eles se ajuntaram contra Moises Moisés e Arão, e lhes
274
2?-'1

disseram: “bastal
“Basta! A assemblÉia
assembléia toda Éé santa, cada um deles Éé
santo, e o SENHOR está no meio deles. Então, por que vocês se
colocam acima da assemblêia
assembléia do SEi-IHoI¬1?“
Sr-.NHOR?” (Nm 16.3). Essa
atitude foi considerada tão grave que a terra se abriu e tragou os
revoltosos, junto com suas casas (Nm 12.31-35).
também Éé uma historia
O livro de Ester tambÉm história de cobiça pelo
poder. I-Iamã
Hamã foi promovido pelo rei Xerxes ãà posição mais
alta no reino. Contudo, lvlardoqueu,
Mardoqueu, o judeu, se recusou a
Hamã, o que incomodou
fazer um gesto de reverência diante de l-lamã,
este a ponto de ficar obcecado por isso. Depois,
Depois. o rei se lembrou
que Mardoqueu, o judeu, tinha descoberto uma conspiração
Hamã foi aconselhado a fazer
contra ele e resolveu honrá-lo. 1-Iamã
uma forca com cinquenta metros de altura para enforcar
Mardoqueu e induziu o rei a fazer um plano de 'limpeza “limpeza Étnica*
étnica'
contra o povo judeu. O livro narra como o 'feitiço virou contra
o feiticeiro', sendo o povo liberto, graças E1à intervenção da rainha
Ester, e Hamã terminando sua vida na forca que tinha feito para
Mardoqueu. O problema de Hamã I-lamã Éé essencialmente um
problema de ambição e inveja. O livro, de maneira magistral,
mostra como esses sentimentos podem ser a raiz de problemas
como a xeno-fobia e o genocídio.
Não Éé necessário apresentar mais exemplos do Étntigo
Antigo Testa-
mento para demonstrar a maneira como a cobiça de poder éÉ
uma das principais facetas do pecado humano. No Novo Testa-
prciprio nascimento de ]esus acontece em um contexto
mento, o próprio
em que um rei-fantoche sofre de megalomania: Por isso, Herodes
fica perturbado com a notícia que os magos trouxeram sobre 0o
nascimento de jesus. Depois, ele tenta eliminar o bebê, matando
todos os bebês varões nascidos na área de Belém BelÉm (Mt 5.16). A
]esus aparecem nos momentos em
maior falha dos discípulos de Jesus
que desejam um lugar privilegiado no reino que Jesus vai instalar
(Mc 10.35-37). Quando dez dos discípulos censuram Tiago e
joão por manifestar essa ambição, isso só sd serve para revelar que
eles tinham desejado o mesmo (vv. 41-45)!
275
2?5

As maiores confrontaçóes
confrontações que Jesus sofre ao longo de seu
mir1istÉrio
ministério são com pessoas que têm inveja da autoridade com
que ensina, de seus milagres e de se igualar a Deus, designando-
se como Filho de Deus. O drama de 1-lerodesHerodes e Pilatos, no
momento da condenação de Jesus, tambÉm também Éé um drama de
confrontação de poder.
No livro de Atos dos Apóstolos, vemos as autoridades judaicas
cobiçarern
cobiçarem o poder com que os apóstolos pregavam e, por essa
razão, Estêvão ser morto. O poder espiritual com que os apóstolos
pregavam e faziam milagres foi alvo da inveja de Simão, o Mago,
que queria obter o poder de Deus por meio de pagamento em
dinheiro (At 3.13-24).
8.18-24).
Nas epístolas, encontramos várias confrontaçóes
confrontações subjacentes
em relação ao poder: os 'super-apóstolos',
'super-apóstolos`, de 2Coríntios, contes-
tam o poder do apóstolo Paulo, afirmando que são superiores
a ele. O apóstolo João vê Diótrefes, 'que gosta muito de ser o
mais importante entre eles' (filo
(3Jo 1.9), contestar sua autoridade
apostólica e não permitir que a igreja sequer o receba. O livro
de judas
Judas trata quase exclusivamente desse assunto, citando
alguns dos exemplos do Antigo Testamento, os quais destaca-
mos. Aqui, salientaremos os principais ensinamentos dessa carta
sobre a cobiça de poder:
(I)
(1) Muitas
Mtritas vezes, os que cobiçam
cobiçarn o poder querem deturpar
a doutrina da graça divina (cf. v. 4); argumentam que
Deus não levanta problemas por causa de nossos pecados;
confundem a atitude generosa e perdoadora da graça
de Deus, com 'fazer vista grossa' ao pecado.

(2) Os que cobiçam o poder rejeitam a autoridade espiritual


dos dirigentes da igreja (v. 8) e desprezam a autoridade
de Deus e de Jesus (v. 4). Muitas vezes, se declaram a
favor da autoridade democrática da congregação (cf. Nm
16.3), mas sua verdadeira intenção Éé firmar a própria
autoridade.
276
2?E

(3)
(5) Os que cobiçam o poder são governados por interesses
materiais, como Balaão (v. 11).

(4) Os que cobiçam o poder murmuram, se queixam muito


e se consideram importantes. Apenas mostram deferên-
cia por pessoas que desfrutam de posição social privile-
giada ou poder material (v. 16).

(5) Os que cobiçam o poder tendem a agir de uma maneira


que divide a igreja (v. 19).
Esse tipo de dificuldade na vida das comunidades Éé muito
difícil de resolver. Devemos frisar, sobretudo, o tratamento
preventivo: deve ser ensinado com muita insistência que o
cristão Éé mais verdadeiro quando tem uma atitude mais sincera
de servir. Devemos fazer freqüentes exames de consciência para
saber se nos sentimos ameaçados por alguemalguém ou se estamos
ressentidos em consequência de atitudes prepotentes de outras
pessoas. Devemos cultivar o hábito de ter relacionamento aberto
com os dirigentes da igreja e com os irmãos. Muitas vezes, a cobiça
pelo poder cresce no espírito do crente que não tem coragem
de expor abertamente seu problema quando começa a percebê-
lo. Para expor nosso problema devemos optar por encontros pe-
quenos e informais, e não reunióes
reuniões de toda a igreja em que somos
tentados a causar 'impacto' com nossas críticas para que sejamos
ouvidos por todos. Nunca devemos criticar um dirigente espiri-
tual sem primeiro dar graças a Deus por ele e admitir abertamente
suas qualidades positivas.
Se o problema da cobiça de poder não Éé resolvido por
meio dessas medidas, Éé muito provável que cause sÉrios
sérios estragos
na vida da igreja. A solução para o pecador grave e reincidente
Éé a exclusão da comunhão da igreja (1Co (lCo 5.1-5), isto É, é, da
participação na ceia do Senhor e em suas reunióes
reuniões deliberativas
(não, obviamente, proibir de participar dos cultos). Essa medida
Éé aplicável a qualquer tipo de pecado que não possa ser resolvi-
2??

do mediante um confronto direto e pessoal, depois deve se


tentar um encontro mais amplo (com duas ou três testemu-
nhas), seguido por um confronto com toda a igreja (Mt 18.15-
17). A intenção não Éé destruir, mas sim reabilitar (1Co 5.5).
1-labitualmente,
1-Iabitualmente, em vez de confrontar e tratar problemas
desse tipo (por que Éé muito difícill),
difícil!), os crentes tendem a tentar
'contornar' as questões. Ou usam mÉtodos
métodos indiretos para tentar
'chamar a atenção':
atenção°: como deixar de dar sua contribuição ãà igreja
ou pedir demissão de suas funções. Esperam que alguÉm alguém fique
alarmado com a falta de sua contribuição financeira
financeira ou trabalho
e resolva a dificuldade, para que a igreja faça sua vontade e possa
voltar a contar com eles. Algumas pessoas, por falta de coragem
para expor suas críticas ãà liderança da igreja, enquanto ainda o
poderiam fazer com espírito positivo, só o fazem quando o
ambiente geral está envenenado e a igreja, ãa beira da divisão.
Mas se o crente estiver disposto a usar as armas da confrontação,
do espírito generoso e da humildade para assumir suas limitações
e erros, poderá tratar suas dificuldades e dúvidas sem ter que
chegar a extremos. No entanto, se outros chegam a esse extremo,
Éé provável que tenha que trabalhar para a exclusão deles --,
mas sem qualquer animosidade pessoal, orando fervorosamente
remédio drástico algum dia produza neles o fruto
para que esse remÉdio
de um espírito humilde ce quebrantado. A verdade Éé que, em
relação a qualquer um dos dez mandamentos, se uma pessoa,
por hábito, se recusa a assumir suas falhas, ela dá da uma clara
evidência de, na verdade, não ser um filho de Deus (Mt 5.5). 5.3).

Conciusao
Conclusao
Só quando o desejo do cristão tem como objetivo a comu-
nhão íntima com Deus e o bem do próximo encontrará a
libertação da cobiça em seus diversos aspectos. A solução não Éé
deixar de desejar, mas sim desejar aquilo que Éé correto.
Nessa linha de pensamento, John Piper, pastor, professor
cristãoi, defendendo que
bíblico e autor, designa-se 'hedonista cristão',
278
2?B

cada cristão deve procurar apaixonadamente a própria felici-


dade mediante o prazer incomparável que lhe proporciona
sua relação com Deus. Piper comenta da seguinte forma o
diálogo, citado em Lucas 10.25-57, de Jesus com o doutor da
lei;
ler; com ele terminamos nosso estudo sobre a cobiça:
Só quando vemos o 'amor-próprio' dessa maneira Éé que se torna
visível a tremenda força do mandamento
mandarnento 'amarás o teu próximo
como a ti mesmo'. Jesus diz ao doutor da lei: 'Toma nota do
amor que tem por si mesmo, como tenta ter o melhor lugar na
sinagoga, como procura ser visto em oração nas ruas, como exerce
todo rigor para manter a pureza. lvleu
Meu mandamento para você Éé
esse: Torna todo seu zelo, toda sua ingenuidade, toda sua perse-
verança, e com eles procura o bem de seu próximo.
Com isso, Jesus corta o vigor de todo estilo de vida meramen-
te egoísta. Toda nossa procura inata do nosso bem se torna a
medida de como nos damos. Procuramos satisfazer nossa fome?
Então, devemos com a mesma urgência alimentar nosso próximo
quando ele tem fome. Procuramos
Procurzunos promoção em nosso trabalho?
Então, devemos procurar dar aos outros as mesmas oportuni-
dades, e estimular neles a vontade de progredir. Gostamos muito
de ter as melhores notas nos exames? Então, devemos ajudar o
aluno mais fraco que, como nós, tambÉm
também gostaria de ter boas
notas. Ficamos aborrecidos
ahorrecidos quando as pessoas se riem e
escarnecem de nósi'
nós? Então, nunca deve ser ouvida de nossa
escárnio”.'°
boca uma palavra de escárnio".'f'

Notas
I. “A lilica
Tfltica dos Dez D»-'Iandainenros”,
r\'Iand:nnentos”, p. 2?-fi.231.
2. “{Í.onfissões",
2.. “Contis:<õcs”_ Santo Agostinlio,
Agostinho, citado em “Catecismo da Igreja Eiatóliea",
(Íatolica",
pu.
par.
f
2520.
2:.¬._U.
"fi

li. “Catecismo Romano”,


3. Romano"., 3,
_¬:›. 31
IST-". citado em “Catecismo
“Latecismo da Igreja
lgreja Católica",
Latolica' , par.
25315.
2536.
“Catecismo da 1grcj:1Cr1ttilica",
4. Citado em “Catcclsnlti Igreja (Íatólic:1", par, 2531
25311.
5. “lnsn'n1ras",
“Ínsfin1tas", 11-VIII-49.

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