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Os maiores pensadores do marxismo na história vieram do direito, a começar pelo próprio

Marx, mas também Lênin, Fidel Castro e Lukács, por exemplo. Todos estes juristas têm o
sentido de pensar o mundo para transformá-lo. O marxismo capta, a partir de um
entendimento da totalidade, a vinculação necessária da forma política às formas econômicas
do capitalismo, não se limitando à definições juspositivistas e abandonando toda a metafísica
e toda definição parcial, legitimadora e idealista do fenômeno político. Em O Capital, Marx
descobre as formas da sociabilidade capitalista, tais formas todas organizadas a partir de um
átomo, que é a forma-mercadoria. Tudo que existe no capitalismo toma a forma de mercadoria
e, se toma a forma de mercadoria, se orienta para a acumulação.
Segundo Ricardo Prestes Pazello na edição de 2017 da Boitempo: “A relação entre Marx e o
direito é das mais controversas, no entanto é biograficamente constitutiva do pensamento do
revolucionário alemão. Nos “Debates sobre a lei referente ao furto de madeira”, de 1842,
Marx se encontra pela primeira vez, como ele mesmo diz, com os “interesses materiais”.
Apesar de sua crítica à economia política ainda não ter sido construída, já aparecem, de forma
embrionária, expressões como “valor” e “mais-valor”, assim como o problema da
mercadorização da natureza, da vida e do trabalho”.
“Os despossuídos: debates sobre a lei referente ao furto de madeira” é um texto do jovem
Marx. De acordo com Alysson Mascaro, existe divisão das tradições marxistas sobre o campo
da política que compreendem distintas apreensões a respeito da obra de Marx: marxismo
tradicional, século XIX a Revolução Soviética (se vale das referências mais diretamente
políticas escritas por Marx ou da obra política de Engels); marxismo ocidental, meados do
séc. XX (desde Lukács aponta uma preferência pelos textos do jovem Marx); e, finalmente,
uma nova leitura do marxismo, que procura extrair dos fundamentos da sociabilidade
capitalista a própria natureza estrutural do Estado e da política (se baseia no Marx na
maturidade, apropriando-se d’O Capital como arcabouço para a construção de uma teoria
política crítica do capitalismo).
A primeira tradição despontou com Engels. É sua leitura que se torna canônica,
consolidando-se como orientação das práticas revolucionárias. Traz a tendência de considerar
genericamente o Estado como aparato de domínio da burguesia, devendo então ser tomado
pelos trabalhadores. A análise que se seguirá sobre “Os despossuídos: debates sobre a lei
referente ao furto de madeira” seguirá essa linha de raciocínio.
A postura de Marx nesse texto é irônica diante da razão, do Estado e do direito natural
burguês, fazendo um deslocamento estratégico para um uso tático do direito para defender os
pobres. A leitura proporciona um debate acerca do papel do Estado e do direito, no qual Max
reconhece o direito consuetudinário dos camponeses e se revolta contra os representantes da
propriedade privada, cuja atuação estava levando o campesinato ao empobrecimento. As
centenárias práticas e costumes da população, em especial no uso e exploração das terras
consideradas comuns, estavam sendo impedidas por uma nova maneira de pensar a
propriedade a partir da mudança do regime feudal para o capitalismo. O direito, então, se
coloca sob jugo dos interesses privados, permitindo a aniquilação de um modo de vida e
produção ao negar a chamada propriedade histórica.
O Estado, como aparato de violência específico de classe, é a defesa dos interesses da
burguesia (interesses apenas dela, uma vez que as classes têm interesses irremediavelmente
antagônicos), agora dando vazão à somente uma interpretação literal da lei. O crime surge
como uma demanda do capital que tipifica como crime condutas tradicionalmente praticadas
pela classe pobre. Além disso, punir a apropriação ilegal de madeira e outros produtos
florestais por parte de camponeses pauperizados em massa se devia ao interesse de vendê-la
como mercadoria, já que era uma matéria-prima muito procurada.
Por fim, é deste texto que vem a seguinte máxima de Karl Marx: “Se todo atentado contra a
propriedade, sem qualquer distinção, sem determinação mais precisa, for considerado furto,
não seria furto também toda propriedade privada? Por meio de minha propriedade privada não
estou excluindo todo e qualquer terceiro dessa propriedade? Não estou, portanto, violando seu
direito à propriedade?”

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