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Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade

Analin Ono Baraniuk


Luis Augusto Rohde
Guilherme Vanoni Polanczyk

Sumário
Introdução
Aspectos históricos
Aspectos epidemiológicos
Etiopatogenia
Fatores de risco
Substrato neuropsicológico
Neurobiologia
Quadro clínico e diagnóstico
Curso dos sintomas
Comorbidades
Diagnóstico diferencial
Exames complementares
Tratamento
Considerações finais
Vinheta clínica
Para aprofundamento
Referências bibliográficas

INTRODUÇÃO

O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é um transtorno comum do


neurodesenvolvimento, de origem multifatorial, caracterizado por dificuldades atencionais, inquietude
motora e impulsividade. Os sintomas manifestam-se de forma persistente e estão associados a prejuízos nos
âmbitos social, familiar, acadêmico e ocupacional, refletindo a importância do diagnóstico precoce e
tratamento dessa condição. Este capítulo aborda os avanços no entendimento de aspectos históricos,
epidemiológicos, clínicos e fisiopatológicos do transtorno.

ASPECTOS HISTÓRICOS

Algumas referências históricas relatam características semelhantes ao que atualmente entendemos como
TDAH. Um dos primeiros registros foi feito em 1798, quando o médico escocês Alexander Crichton
descreveu um estado mental de “incapacidade de prestar atenção com o grau necessário de constância a
qualquer objeto”. O autor defende que o quadro poderia ter início precoce e que a sintomatologia reduziria
com a idade, com o potencial de impactar o desempenho escolar1. Posteriormente, em 1846, o psiquiatra
Heinrich Hoffmann descreveu, em um livro de contos infantis, crianças com comportamento marcado por
distratibilidade, impulsividade e hiperatividade.

Pontos-chave
Conhecer os sintomas centrais que caracterizam o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH):
desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Saber que o TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento, cuja origem geralmente ocorre na infância e que
pode persistir na idade adulta.
Saber que o TDAH é um transtorno heterogêneo do ponto de vista etiológico, refletindo na heterogeneidade
patofisiológica e clínica.
Compreender que o TDAH está associado a prejuízos funcionais, frequentemente está associado a outras
comorbidades e aumenta o risco de morbidade e mortalidade.

Em 1902, o pediatra britânico George Still publicou, no periódico The Lancet, o resultado de uma
avaliação de crianças que manifestavam dificuldade em manter a atenção, com prejuízo no controle de
impulsos e necessidade de gratificação imediata. De acordo com seus estudos, tais características aconteciam
por um “defeito no controle moral’’1. Em 1934, os médicos alemães Franz Kramer e Hans Pollnow
descreveram uma síndrome a que se referiram como “doença hipercinética’’, cujas principais características
correspondiam a uma acentuada inquietação motora e distratibilidade2.
Nas décadas seguintes, a identificação de alterações comportamentais decorrentes de infecções e lesões
cerebrais levou ao surgimento do termo “dano cerebral mínimo”, que poderia justificar o comportamento
hiperativo e os problemas de aprendizagem3,4. Ao mesmo tempo que se investigavam os fatores etiológicos
relacionados aos sintomas, o psiquiatra Charles Bradley, em 1937, descobriu que o uso da substância
estimulante benzedrina levou à melhora da performance acadêmica e da regulação emocional, além da
redução da atividade motora, em um grupo de crianças com alterações comportamentais5. Em 1962, o termo
foi modificado para ‘’disfunção cerebral mínima’’, devido ao reconhecimento de que as alterações
características da síndrome, composta por hiperatividade, desatenção e impulsividade, relacionam-se mais a
disfunções em vias nervosas do que a lesões cerebrais propriamente ditas6,7.
A criação de sistemas classificatórios e a busca pela definição de entidades nosológicas válidas e
confiáveis beneficiaram significativamente o estudo e o entendimento do TDAH. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) incluiu, na nona versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-9)8, a síndrome
hipercinética da infância e, em sua versão subsequente, na CID-109, acrescentou os transtornos
hipercinéticos. A American Psychiatric Association incluiu, na segunda versão do Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais (DSM-II)10, a ‘’reação hipercinética da infância’’. A partir do final da
década de 1970, o foco sobre a hiperatividade foi sendo deslocado para uma maior ênfase na desatenção
Dessa forma, na revisão subsequente do manual, a terminologia foi modificada para ‘’transtorno de déficit de
atenção com ou sem hiperatividade’’ (DSM-III)11, reconhecendo-se que o aumento da atividade motora já
não era um critério diagnóstico essencial.
O conceito de “transtorno de déficit de atenção e hiperatividade” foi utilizado a partir das versões do
DSM-III-R12 e DSM-IV13, e, atualmente, os critérios para o diagnóstico de TDAH seguem a quinta e mais
recente versão do DSM, descrevendo o padrão de comportamento com base em uma lista de dezoito
sintomas, divididos entre sintomas de desatenção e hiperatividade-impulsividade14.
Em paralelo à evolução na definição diagnóstica, foi gerado um extenso corpo de conhecimento sobre o
transtorno a partir de diferentes perspectivas e metodologias, como estudos clínicos transversais e
longitudinais, com foco em genética comportamental e molecular, funcionamento cognitivo e
neuroimagem15. Tais estudos nos possibilitaram entender com maior profundidade o TDAH. Um dos
importantes avanços foi a conceitualização do transtorno como uma condição crônica, que pode acompanhar
os indivíduos ao longo de todo o desenvolvimento16. O extenso conhecimento acumulado na literatura
científica sobre o TDAH coloca-o atualmente como uma das condições mais bem estudadas da Medicina17.

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS

Os estudos de prevalência são imprescindíveis para a elaboração de políticas públicas eficazes que visem
à promoção de saúde. As pesquisas iniciais, dos anos 1970 e 1980, mostraram uma grande variação na taxa
estimada de prevalência do TDAH, o que levou a um cenário de preocupação sobre um possível excesso de
diagnósticos, criando conflitos e debates inclusive com relação à existência da doença18. Porém, metanálises
demonstram que a heterogeneidade é decorrente de diferentes características metodológicas entre os estudos
individuais, especialmente em relação aos critérios diagnósticos utilizados, fontes de informação e exigência
de prejuízo funcional para o diagnóstico19. Verificou-se que a prevalência mundial de TDAH é estável
quando os métodos dos estudos são consistentes, sem grandes variações entre as diferentes localizações
geográficas, e, nas últimas décadas, a prevalência estimada tem sido de 5,29% entre crianças e adolescentes
ao redor do mundo19,20.
O Estudo de Carga Global de Doenças (Global Burden of Disease) de 2010 incluiu pela primeira vez o
TDAH em suas análises, destacando essa condição como um grande problema de saúde pública. Apesar de
ser um transtorno que costuma surgir na infância, é comum que persista na idade adulta, levando ao aumento
do risco de diversos eventos adversos, como acidentes, baixo nível educacional, uso de substâncias
psicoativas, envolvimento com criminalidade e associação a outras condições de saúde física e mental.
Acima de tudo, o transtorno está associado a maior chance de mortalidade por causas não naturais (por
exemplo, acidentes), principalmente em adultos21. Demonstrou-se que o TDAH ocupa a 98ª posição de carga
de doenças representada pelos anos vividos com incapacidade (YLD – years lived with disability)
no ranking de todas as idades. Em meninos na faixa etária de 10 a 14 anos, o TDAH obteve a 34ª posição
nessa classificação22.
Meninos são mais comumente afetados pelo TDAH do que meninas, o que é condizente com os aspectos
epidemiológicos dos transtornos de neurodesenvolvimento no geral23. A proporção de TDAH entre
indivíduos do sexo masculino em relação ao sexo feminino varia de 2:1 a 3:124. No entanto, a literatura
mostra que essa diferença pode ser secundária a um baixo reconhecimento e subdiagnóstico do TDAH em
meninas, uma vez que a proporção de meninas com o transtorno é maior em amostras comunitárias do que
em amostras clínicas25. Crianças do sexo feminino geralmente apresentam mais sintomas de desatenção do
que de hiperatividade ou impulsividade, podendo gerar uma menor motivação dos pais a buscarem
tratamento médico para elas na infância26.
Estudos têm mostrado correlação positiva entre baixo nível socioeconômico e TDAH27. Larsson et al.
avaliaram uma amostra de 811.803 indivíduos suecos e observaram que aqueles que foram expostos a um
nível socioeconômico desfavorecido na infância tiveram maior probabilidade de desenvolverem TDAH28.
Tendo em vista a possibilidade de causalidade reversa no achado, uma vez que o transtorno leva a vários
prejuízos, incluindo desvantagens no âmbito educacional e ocupacional, podendo ter impacto negativo na
esfera socioeconômica, Russel e et al.29, além de demonstrarem a existência de associação entre baixo nível
socioeconômico e TDAH, descartaram a causalidade reversa ao observarem que, durante o tempo do estudo
longitudinal, não houve redução da renda em famílias cujo filho tinha TDAH ao serem comparadas aos
controles. Os autores observaram que a falta de envolvimento parental e a presença de conflitos familiares,
que são mais comuns em famílias com menores níveis socioeconômicos, podem ser fatores contribuintes
para essa associação. A baixa escolaridade materna, a monoparentalidade e a maternidade precoce também
podem ser indicadores de desvantagem socioeconômica relacionada ao TDAH. Um estudo americano
mostrou que o impacto do nível socioeconômico foi modificado em famílias com história parental de TDAH,
sugerindo que, entre as crianças sem forte vulnerabilidade genética, os fatores de risco ambientais podem se
tornar mais evidentes30. Baixo nível socioeconômico está associado ao TDAH mesmo com o ajuste de
análise para confundidores como transtornos disruptivos comórbidos, que comumente estão associados ao
TDAH e podem influenciar o resultado31.
Sabe-se que, na maioria dos países, o TDAH ainda é frequentemente subdiagnosticado e pouco
reconhecido24. Uma revisão sistemática destacou que as dificuldades para o cuidado dos indivíduos com
TDAH operam em diversos níveis, incluindo fatores econômicos e disparidades de gênero e etnia, que
podem influenciar o reconhecimento, busca por ajuda, diagnóstico adequado e tratamento para essa
condição32. A correlação positiva encontrada em alguns estudos entre prevalência de TDAH e etnicidade
pode estar relacionada a barreiras de cuidado que afetam de forma desproporcional alguns grupos étnicos33.
Observou-se, por exemplo, que crianças brancas tiveram probabilidade duas vezes maior de terem acesso a
serviços de saúde para abordagem do TDAH em relação a crianças afro-americanas. No âmbito de diferenças
entre sexos, os meninos tiveram uma probabilidade cinco vezes maior de receberem ajuda profissional para o
transtorno em relação às meninas32.
Outra barreira pode ser a tomada de decisão dos pais para o acesso aos serviços de saúde, que é
influenciada pela sua capacidade de reconhecimento de comportamentos sugestivos de TDAH. Crenças
individuais sobre a percepção do que constitui um comportamento adequado da criança e sobre a eficácia do
tratamento são fatores que influenciam o reconhecimento do transtorno e a subsequente busca por ajuda.
Diferenças culturais também podem ser observadas com relação a esse julgamento dos pais sobre
comportamentos possivelmente problemáticos32.
Há, ainda, o estigma do transtorno, que pode causar impacto negativo no acesso e envolvimento do
paciente no tratamento, o que reflete a importância de intervenções psicoeducativas principalmente junto aos
adolescentes com TDAH, cuja percepção do estigma da população em relação à condição psiquiátrica pode
representar uma barreira importante para o engajamento no processo terapêutico e levar a uma baixa adesão
ao tratamento32.

ETIOPATOGENIA

Fatores de risco

A etiologia do TDAH é entendida como multifatorial, incluindo fatores genéticos, neurobiológicos e


ambientais, que interagem entre si por meio de mecanismos complexos e variáveis e que, em conjunto,
elevam o risco do transtorno. Não existem, até o momento, condições identificadas como suficientes ou
necessárias para o surgimento do transtorno. As evidências atuais indicam a existência de mecanismos
psicopatológicos heterogêneos que levam ao desenvolvimento de TDAH, o que possivelmente se relaciona à
heterogeneidade do transtorno em diferentes níveis.
Estudos de famílias e gêmeos portadores de TDAH estimam que o coeficiente de herdabilidade (isto é, a
proporção da variância do traço que pode ser explicada por fatores genéticos) encontra-se entre 70% e 80%18.
Assim, um grande investimento vem sendo realizado na identificação de fatores de risco genéticos para o
transtorno. Na década de 1990, estudos em genética molecular eram praticamente limitados aos estudos de
associação de genes candidatos, selecionados com base nas teorias etiológicas do TDAH34. Nesse contexto,
vários pesquisadores buscaram genes relacionados ao sistema catecolaminérgico, uma vez que a disfunção
desse sistema é um dos substratos neurobiológicos mais consistentemente associados ao transtorno35. Genes
serotoninérgicos, nicotínicos e alguns relacionados ao neurodesenvolvimento também foram investigados36.
Metanálises desses estudos encontraram oito variantes de DNA associadas ao TDAH, indicando a
associação significativa de polimorfismos nos genes do transportador de serotonina (5HTT), do transportador
de dopamina (DAT1), do receptor de dopamina D4 (DRD4), do receptor de dopamina D5 (DRD5), do
receptor de serotonina 1B (HTR1B) e do gene codificante da proteína reguladora de vesícula sináptica,
conhecido como SNAP 2537. Porém, embora o resultado das análises tenha mostrado significância estatística,
o risco que a variante isolada de cada polimorfismo confere ao TDAH é pequeno, com razões de chance
menores que 1,5. Esses resultados sugerem a hipótese de que o TDAH surja a partir do efeito em conjunto de
variantes de risco de múltiplos polimorfismos38.
Tendo em vista que o genoma humano contém cerca de 20 mil genes codificadores de proteínas, além de
regiões reguladoras da expressão desses genes, reconhece-se que os estudos de genes candidatos têm um
alcance bastante limitado. Com o surgimento de pesquisas de associação genômica ampla (GWA), tornou-se
possível, em vez de avaliar a associação de um polimorfismo único com a doença, como fazem os estudos de
genes candidatos, avaliar variantes de DNA em todo o genoma, fornecendo informações sobre associações
do TDAH a qualquer gene ou elemento regulador34,39. O surgimento dessa tecnologia levou à possibilidade
de testar a hipótese de variantes genéticas comuns a outras doenças. Ao contrário do enfoque de estudos de
genes candidatos, essa abordagem não é guiada por hipóteses previamente definidas. Testes estatísticos são
aplicados para milhões de polimorfismos de nucleotídeos únicos, sendo necessário um número muito grande
de amostras para a obtenção de resultados confiáveis34.
Para atingir esse objetivo, uma metanálise incluiu amostras populacionais de estudos de diferentes países
e alcançou um total de 20.183 indivíduos portadores de TDAH e 35.191 controles. Os pesquisadores
descobriram que 12 loci abrigam variantes do genoma que aumentam o risco de TDAH. Um
desses loci contém o gene FOXP2, cujas variantes aumentam o risco de prejuízos graves na fala e na
linguagem. Nenhum dos loci identificados incluiu os genes candidatos anteriormente encontrados, mas
possivelmente tais variantes poderiam se tornar significativas com o aumento do tamanho amostral. Os
pesquisadores desse mesmo estudo reforçaram que o TDAH tem uma condição poligênica, em que são
necessárias múltiplas variantes do DNA para que ocorra a modificação do risco para a doença23,40.
Embora as GWA tenham sido desenvolvidas para testar variantes comuns, esse método também pode ser
usado para a detecção de variações no número de cópias (CNV) grandes e raras. As CNV consistem em
variações estruturais genômicas, como duplicações ou deleções que são individualmente raras, mas que
afetam segmentos cromossômicos de tamanhos relevantes. Devido à capacidade de gerar grandes lesões
genômicas, podem levar a consequências no funcionamento do gene, podendo exercer efeitos importantes
sobre o risco de TDAH. Harich et al. analisaram 11 estudos sobre CNV, as quais foram reconhecidas em
indivíduos com TDAH, e localizaram 2.241 códigos de RNA mensageiro de genes candidatos elegíveis nas
1.532 CNV identificadas. Foram selecionados 432 genes candidatos como sendo de alta prioridade para o
TDAH. Destes, após uma bateria de análises com uso de bioinformática, os autores chegaram a um total de
26 genes candidatos que foram mais consistentemente associados a um possível papel na fisiopatologia do
TDAH41.
Os estudos de genética demonstram que o TDAH é o extremo de um traço contínuo presente em toda a
população geral e que o risco para o transtorno também é dimensional. Assim, todas as pessoas carregam
algumas variantes de DNA associadas ao TDAH, mas apenas alguns indivíduos têm um número suficiente de
variantes para desenvolver o transtorno23. Apesar do forte impacto da genética, Demontis et al. observaram
que a arquitetura poligênica explica somente 22% da herdabilidade do TDAH40. Então, é provável que boa
parte da herdabilidade ocorra por uma interação entre gene e ambiente34.
Ainda é necessário maior entendimento sobre como os genes interagem entre eles e como exatamente a
genética e o ambiente agem de forma conjunta na etiologia do TDAH16. Um dos possíveis mecanismos se
baseia em modificações epigenéticas, em que exposições ambientais podem levar a uma alteração na
expressão dos genes. Assim, eventos epigenéticos permitem que ocorra a metilação de DNA em genes
relacionados aos sistemas monoaminérgicos e gabaérgicos e em genes envolvidos no processo de
neurodesenvolvimento18.
Com relação aos fatores ambientais, vários estudos têm mostrado o efeito de fatores de risco pré-natais
sobre o desenvolvimento do TDAH, mas a maioria deles se baseia em estudos observacionais, resultando em
evidências insuficientes para a inferência causal18,42. Para que os resultados identificados nos estudos tenham
relação de causalidade, é importante que características metodológicas sejam satisfeitas. Dentre elas,
destacam-se a relação temporal entre o fator de risco e o desfecho, demonstrada por estudos longitudinais, e
o controle de potenciais variáveis de confusão. Entre as condições com evidências conclusivas de associação
a relação temporal, destaca-se a prematuridade, que eleva a probabilidade do desenvolvimento de TDAH em
2,64 vezes. A literatura também mostra um aumento do risco em bebês que nascem com baixo peso, embora
haja inconsistência entre os estudos. Confundidores não mensurados podem interferir nos resultados, como a
própria prematuridade associada ou o hábito tabágico materno durante a gestação42.
As evidências também são limitadas à exposição intrauterina ao tabaco. Pesquisadores observaram que o
uso da substância aumenta a chance de desenvolvimento do TDAH em 2,4 vezes em relação aos indivíduos
não expostos. Porém, a correlação de variantes genéticas para transtornos mentais e o tabagismo indica a
possibilidade de causalidade reversa ou correlação gene-ambiente. Existe maior prevalência de tabagismo em
mães com TDAH, consequentemente o aumento do risco poderia ser mais relacionado à herança genética do
que ao consumo da substância34.
Há evidências inconclusivas e insuficientes com relação à exposição intrauterina ao álcool e a drogas, às
condições psicológicas maternas durante a gestação e às complicações no período pré e perinatal18,42. Um
fator de risco que está bem documentado é a institucionalização com privação extrema na primeira infância,
que pode trazer prejuízos de longo prazo em diversos aspectos do funcionamento43. Essa associação é
demonstrada por um estudo longitudinal que analisou crianças que passaram os primeiros anos de vida em
orfanatos romenos, com privações importantes (sem estimulação cognitiva, com dieta e higiene precárias e
mínima interação social). Essas crianças tiveram maior risco de apresentarem transtornos do
neurodesenvolvimento, incluindo TDAH, principalmente nos casos de privação prolongada44. Entretanto, o
estudo também carece de um melhor controle para TDAH nos pais.
O ambiente familiar em que uma criança com TDAH está inserida é frequentemente descrito como
conflituoso e exaustivo. A disfunção familiar pode ser um preditor de início e de persistência dos sintomas
do TDAH, mas não é considerada um fator de risco específico da doença. É comum que os sintomas de
TDAH evoquem comportamentos parentais mais hostis, marcados por falta de apoio e envolvimento afetivo,
contribuindo para o agravamento do quadro clínico e desencadeando um ciclo de interações coercivas entre
os familiares. Estudos mostram que há melhora do comportamento da criança com o tratamento que envolve
a dinâmica familiar18,45.
A exposição a toxinas ambientais, como chumbo, pesticidas e policloretos de bifenila, pode aumentar o
risco de TDAH, especialmente se ocorrer no período intrauterino. Evidências são insuficientes para
demonstrar relação causal do transtorno com o consumo de açúcar, alimentos com corantes artificiais e
deficiências nutricionais45. Estudos longitudinais demonstram um risco duas vezes maior de diagnóstico de
TDAH em pacientes que tiveram traumatismo craniano leve, com probabilidade ainda mais alta nos traumas
de maior gravidade. Entretanto, como o TDAH leva ao aumento do risco de envolvimento em acidentes, há
incertezas quanto à existência prévia do quadro, com possíveis sintomas subclínicos25.
Em resumo, as evidências disponíveis apontam para diversos potenciais agentes causais, tanto de
natureza ambiental como genética, para o desenvolvimento do TDAH. No entanto, assim como nenhum dos
fatores de risco identificados até o momento parece ser necessário para o desenvolvimento do TDAH, eles se
mostram inespecíficos, pois se associam a outros transtornos mentais e alterações do neurodesenvolvimento.
Ainda, as magnitudes de associação detectadas são pequenas. Essas evidências podem ser entendidas a partir
de diferentes perspectivas: uma delas seria a de que a maior parte dos casos de TDAH é gerada por múltiplos
fatores de risco que, uma vez somados e alcançando um determinado limiar, desencadearia o transtorno.
Outra perspectiva seria que existem múltiplas vias causais, independentes entre elas, e que os diferentes
agentes causais se relacionam a diferentes vias, cada uma delas explicando uma pequena proporção de todos
os casos de TDAH. É possível que ambas as perspectivas sejam corretas. Já existem estudos longitudinais,
com grande tamanho amostral, que possivelmente trarão bons resultados, novas descobertas e contribuições
para esse complexo desafio nas próximas décadas.

Substrato neuropsicológico

O TDAH é associado a prejuízos em vários domínios cognitivos. A função executiva inclui um conjunto
de processos necessários para o planejamento, monitoramento e controle de ações específicas. Para isso,
requerem as seguintes funções cognitivas básicas: controle inibitório (para resistir aos comportamentos
impulsivos e às próprias reações, de acordo com a ponderação daquilo que se deseja obter), controle de
interferências (com atenção seletiva e inibição cognitiva, por meio de controle de estímulos externos
irrelevantes), memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. A partir dessas funções centrais, surgem as
habilidades mais complexas, como o raciocínio, o planejamento e a tomada de decisão. As disfunções
executivas foram amplamente estudadas em indivíduos com TDAH e são vistas principalmente no controle
inibitório, na memória de trabalho visuoespacial e verbal, na vigilância e no planejamento36,46. A resposta
inibitória é necessária para a regulação de todos os comportamentos e processos cognitivos. Em média, os
indivíduos com TDAH têm um controle inibitório mais lento, refletido em tempos mais longos de reação em
testes que avaliam a resposta em uma instrução para ação e instrução de parada (stop signal test). Uma
metanálise relatou um tamanho de efeito médio de 0,62 para a diferença entre casos e controles no tempo de
reação ao sinal de parada47.
A memória de trabalho, por sua vez, corresponde a um sistema de processos e mecanismos que permite
que informações relevantes a uma tarefa sejam temporariamente mantidas em um estado ativo, para que
sejam mais adiante processadas ou lembradas, a serviço de um processo cognitivo complexo. Esse registro
interno, continuamente atualizado por novas informações relevantes, controla a atenção e guia a tomada de
decisões48. Evidências sugerem que déficits na memória de trabalho também são considerados um dos
principais prejuízos cognitivos no TDAH36.
Além de prejuízos em funções executivas, alguns indivíduos com TDAH apresentam diferentes padrões
de motivação e alteração na sensibilidade à recompensa. A partir de uma excitação insuficiente, proveniente
de um possível estado hipodopaminérgico, ocorreria uma necessidade constante de estímulo, com a exigência
de um alto nível de reforço para motivar o desempenho49. Além disso, há redução do controle exercido pela
recompensa futura sobre o comportamento atual; assim, os indivíduos manifestam a preferência por uma
gratificação menor e imediata em detrimento a aguardar por uma gratificação maior18,50. Tal comportamento
pode ser controlado por dois componentes: uma preferência incondicional pelo imediatismo, associada a uma
sinalização deficitária de recompensas futuras (delay discounting), e uma reação emocional negativa à
imposição em aguardar (delay aversion)50.
Apesar da diferença entre os indivíduos com TDAH e controles com relação à performance nos
diferentes testes que avaliam as funções cognitivas, pesquisadores têm mostrado que o desempenho daqueles
que apresentam o transtorno pode variar de acordo com fatores energéticos e motivacionais associados ao
contexto em que se encontram. O modelo cognitivo energético sugere que prejuízos em processos executivos
e tarefas que exijam o controle da atenção podem ocorrer, em parte, por deficiências na ativação, prontidão
para agir e esforço, que são estados do organismo que controlam a alocação de recursos cognitivos51. As
diferenças observadas entre os indivíduos com TDAH e controles nos testes de tempo de reação, por
exemplo, tendem a diminuir ou desaparecer quando a apresentação dos estímulos é mais rápida ou quando há
alguma recompensa52,53. Tal variabilidade intraindividual no desempenho das tarefas cognitivas tem sido uma
característica bem reconhecida no TDAH. As investigações com relação às bases neurológicas desse
constructo indicam uma disfunção no sistema dopaminérgico, que levam a essa flutuação do desempenho54.
Estudos também sugerem uma herdabilidade genética associada ao tempo de reação e sua variabilidade em
um mesmo indivíduo55.
A partir da avaliação neuropsicológica de indivíduos com TDAH em outros domínios, observa-se que
também pode haver um prejuízo em funções de processamento de informação temporal, fala e linguagem,
controle motor, velocidade de processamento, amplitude de memória etc.33 Além disso, o quociente de
inteligência (QI) pode ter uma média mais baixa em indivíduos com TDAH56. Entretanto, ressalta-se que
atualmente há consenso de que o TDAH é caracterizado por uma grande variação interindividual na
expressão dessas alterações motivacionais e nos domínios cognitivos. Alguns indivíduos apresentam
alteração em vários domínios cognitivos, outros em uma função específica, e é possível que indivíduos com
o transtorno não apresentem nenhum déficit clinicamente observável18.

Neurobiologia

As funções executivas dependem de circuitos neurais que parecem estar localizados principalmente no
córtex pré-frontal, envolvendo neurotransmissores como noradrenalina e dopamina. A partir dos prejuízos
cognitivos observados em indivíduos com TDAH e das similaridades entre estes e pessoas com
acometimento do lobo frontal, foi proposta a hipótese de que uma desordem frontoestriatal estaria subjacente
ao transtorno57. De forma geral, entende-se que disfunções nessa área estejam associadas ao TDAH, mas essa
não é a única disfunção encontrada.
As áreas corticais mais afetadas são o córtex pré-frontal dorsolateral, responsável pela memória de
trabalho e pela atenção seletiva; o córtex pré-frontal ventromedial, associado ao planejamento e à tomada de
decisão; e o córtex parietal, responsável pela orientação da atenção. As áreas subcorticais envolvidas são o
córtex cingulado anterior e o posterior, responsáveis pelo processamento afetivo e cognitivo do controle
executivo, e os gânglios da base33. Adicionalmente, estudos apontam acometimentos estruturais e funcionais
na amígdala e no cerebelo. O papel do circuito estriatal ventral mesolímbico também tem despertado
interesse, particularmente em função de déficits relacionados aos processos de recompensa e motivação58.
As evidências que sugerem uma desregulação catecolaminérgica no TDAH são as seguintes: 1) é sobre a
regulação de dopamina e noradrenalina no circuito corticoestriatal que atuam os estimulantes utilizados no
tratamento para TDAH; 2) há inúmeros genes associados ao sistema catecolaminérgico que parecem elevar o
risco do transtorno; 3) modelos animais em que os genes catecolaminérgicos são silenciados e que são
submetidos a desafios farmacológicos produzem sintomas de TDAH; 4) noradrenalina e dopamina, embora
amplamente distribuídas no cérebro, estão presentes de forma importante nas regiões implicadas em déficits
cognitivos do TDAH. Além disso, estudos de tomografia por emissão de pósitrons (PET) mostraram
aumento da densidade de transportadores de dopamina em indivíduos com TDAH36,59. Apesar das evidências
relacionadas à disfunção dopaminérgica, relações de causa e efeito são difíceis de serem demonstradas, e há
interações complexas com o sistema noradrenérgico59. Alterações em sistemas de outros neurotransmissores,
como glutamato, serotonina e acetilcolina, também parecem estar associadas ao TDAH36.
O avanço da tecnologia em ferramentas de neuroimagem tem contribuído significativamente para o
entendimento desses aspectos fisiopatológicos do TDAH. Pesquisas têm mostrado alterações cerebrais
morfológicas e funcionais em grupos de pacientes com TDAH ao serem comparados com os controles
saudáveis. Estudos neuroanatômicos descobriram que existe uma redução de cerca de 3% a 4% do volume
cerebral total de indivíduos com TDAH60. O consórcio ENIGMA-TDAH, que congrega 36 grupos de
pesquisa ao redor do mundo que avaliam características cerebrais de indivíduos com TDAH, publicou dados
recentes que demonstram redução na área de superfície cerebral e na espessura cortical de algumas regiões
neuroanatômicas em crianças. Observou-se menor área de superfície em região frontal, temporal e córtex
cingulado, e tais efeitos foram mais proeminentes em crianças mais jovens (4 a 9 anos). Além disso,
detectou-se menor espessura cortical no polo temporal e giro fusiforme nas crianças com TDAH,
especialmente na faixa etária de 10 a 11 anos. Outro achado importante foi que as duas mensurações não
tiveram diferenças significativas entre os casos e controles em adolescentes e adultos61. Wang et al.
demonstraram um atraso, também, na maturação de estruturas subcorticais (núcleo caudado, amígdala,
hipocampo, putâmen, tálamo e globo pálido)62. Tais estruturas são responsáveis pela regulação das emoções,
motivação e pelo sistema de recompensas do cérebro.
A divergência que ocorre entre as idades sustenta a teoria de atraso da maturação cerebral no TDAH.
Essa teoria foi desenvolvida com base em um avanço importante no entendimento da neurobiologia do
TDAH que ocorreu a partir do estudo da evolução da maturação cortical em crianças e adolescentes com o
transtorno, e que foi possível por meio da realização de exames seriados de ressonância magnética (RM). Tal
estudo comparou a maturação de diferentes regiões cerebrais, avaliada pela espessura cortical de 223
crianças com TDAH e 223 controles, por meio de 880 exames. Os pesquisadores demonstraram que
indivíduos com TDAH não têm um desvio no desenvolvimento cerebral típico, já que áreas sensitivas e
motoras primárias atingem o pico de espessura cortical antes das áreas de associação superiores em ambos os
grupos, mas possuem um atraso global para o alcance do pico de espessura cortical. Crianças com
desenvolvimento típico alcançam o pico da espessura cortical global em média aos 7,5 anos, enquanto
crianças com TDAH o alcançam com idade média de 10,5 anos. Os pesquisadores observaram um atraso
mais proeminente em regiões pré-frontais, importantes para o controle do funcionamento executivo, atenção
e planejamento motor63. Outro estudo longitudinal avaliou a relação entre a espessura cortical e desfechos
clínicos de indivíduos com TDAH, evidenciando uma redução global da espessura cortical em pacientes com
o transtorno; entre aqueles com melhor desfecho, foi detectada uma normalização da espessura do córtex
parietal direito64.
Os estudos utilizando exames de RM funcional (RMf) têm buscado elucidar mecanismos neurais
subjacentes aos prejuízos comportamentais e executivos observados em indivíduos com TDAH. A técnica
detecta alterações no fluxo sanguíneo e na oxigenação de tecidos cerebrais, sendo possível avaliar a atividade
neuronal. Em paradigmas que envolvem controle inibitório, memória de trabalho e tarefas que exigem
atenção, estudos têm mostrado uma hipoativação nas redes frontoestriatais, frontoparietais e ventrais. Em
paradigmas de processamento de recompensa, estudos revelam menor ativação do estriado ventral nos
indivíduos com TDAH em relação a controles, refletindo a alteração no circuito de recompensa33,65.
Alternativamente a esse modelo, estudos de RMf podem avaliar o funcionamento cerebral em um estado
de descanso, sem que os indivíduos estejam realizando tarefas, assim analisam ativações espontâneas que
ocorrem no cérebro. Na última década, muitos pesquisadores no campo do TDAH têm focado em estudos de
neuroimagem que buscam o entendimento das disfunções das redes neuronais distribuídas. A rede mais
investigada nos estudos de RM no estado de repouso é a chamada rede de modo padrão (default mode
network – DMN), que permanece ativa nessas situações de baixo estímulo. Quando os indivíduos são
demandados para a execução de uma ação ou uma tarefa cognitiva específica, as conexões do DMN
enfraquecem, enquanto as conexões nas áreas necessárias àquela atividade são ativadas. Estudos mostram
que os indivíduos com TDAH apresentam atraso na maturação dessa rede neurofuncional, o que é compatível
com o atraso observado na maturação do córtex cerebral. Além disso, ocorre uma disfunção nesse processo,
com falta de supressão do DMN, resultando em maior quantidade de lapsos atencionais e distratibilidade36,66.

QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

O TDAH é caracterizado por um padrão persistente de desatenção, hiperatividade e impulsividade, e


esses domínios podem manifestar-se de forma isolada ou coexistir. Por definição, os sintomas manifestam-se
desde a infância e devem ser inapropriados para o estágio de desenvolvimento em que o indivíduo se
encontra.
A dimensão de desatenção refere-se a um padrão de comportamento caracterizado por dificuldade em
iniciar uma tarefa, em manter-se engajado e atento e em concluí-la. Inclui também a dificuldade de
organização, distratibilidade, esquecimento de compromissos e perda frequente de objetos. O indivíduo
parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra, apresenta dificuldade de planejamento e geralmente
reluta em envolver-se em tarefas que exigem um esforço mental prolongado. Em adolescentes, é comum a
alteração da noção de tempo, resultando em tempo subestimado para as tarefas que devem ser realizadas e
em procrastinação.
A hiperatividade caracteriza-se como um padrão de comportamento com excesso de atividade motora e
um sentimento de inquietude que impossibilita o indivíduo de permanecer inativo quando seria esperado ou
desejado. O indivíduo com o transtorno pode ter dificuldade em permanecer sentado e envolver-se
calmamente nas atividades. A hiperatividade não ocorre relacionada a uma determinada tarefa, ou seja, não
tem propósito, e afeta de forma negativa o ambiente em que a pessoa se encontra.
A impulsividade refere-se a um padrão de comportamento marcado pela dificuldade de adiar uma ação
ou resposta, apesar da antecipação de que haverá consequências negativas. Está associada à necessidade de
obter gratificações imediatas, em oposição à capacidade de adiá-las para avaliar a situação que se apresenta.
Apesar de experiências prévias que mostraram as consequências negativas dos atos, indivíduos impulsivos
têm grande dificuldade para modificar o comportamento em função apenas do aprendizado. A impulsividade
pode ser observada na incapacidade de aguardar a vez para falar, para utilizar um brinquedo e para atravessar
a rua de forma segura. Pode ser observada, também, por meio do tempo curto de reação aos estímulos, o que
se reflete em respostas rápidas a questões ou testes, levando a erros e respostas curtas, muitas vezes não
relacionadas às perguntas.
A manifestação dos sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade é influenciada pela
estruturação do ambiente, pelo nível de motivação do indivíduo e pelo nível de desenvolvimento. Quanto
mais estruturado for o ambiente, com regras explícitas, objetivos claros e monitoramento externo próximo,
menor será a chance da manifestação dos sintomas. Quanto maior for a motivação do indivíduo para realizar
determinada tarefa, maiores serão o seu engajamento e atenção na execução. Tarefas divertidas, prazerosas,
dinâmicas e que oferecem recompensas rápidas geralmente motivam mais os indivíduos com TDAH e,
consequentemente, tendem a receber maior atenção.
Sabe-se que a apresentação clínica do TDAH varia de acordo com cada estágio de desenvolvimento. Na
idade pré-escolar, os indivíduos com o transtorno frequentemente são identificados em função do excesso de
agitação e impulsividade, que podem impactar o ambiente escolar, afetar negativamente a relação
intrafamiliar e da família nuclear com amigos ou com a família extensiva. Esses sintomas comumente se
associam a acidentes, brigas com outras crianças e dificuldade de manejo por parte de pais e professores. Os
comportamentos são mais frequentemente identificados nessa faixa etária quando associados à agressividade
e a comportamento opositor. Atrasos de neurodesenvolvimento também podem ser vistos nesse período25,67.
Na idade escolar, os sintomas de desatenção podem ser percebidos com mais clareza, a exemplo da
dificuldade em completar tarefas, desorganização e distratibilidade, resultando em prejuízo no desempenho
escolar. As crianças manifestam dificuldade em permanecer sentadas, ouvir os professores e seguir as regras
na sala de aula. Nesse período, nota-se ainda um prejuízo no relacionamento com os pares, que pode ter
como fatores contribuintes a falta de habilidades para resolver problemas, manejar a raiva e tolerar
frustrações. Esses aspectos refletem uma possível desregulação emocional, que pode ser uma característica
marcante em indivíduos com TDAH, mesmo não fazendo parte dos sintomas essenciais para o diagnóstico de
acordo com os sistemas classificatórios mais modernos (DSM-5 e CID-10). Os prejuízos nos
relacionamentos interpessoais e no desempenho acadêmico podem afetar negativamente a autoestima,
contribuindo para eventos adversos futuros associados ao TDAH, como evasão escolar, comportamentos
disruptivos, transtornos depressivos e uso de substâncias25,67.
Na adolescência, a hiperatividade motora tende a reduzir ou modificar-se, passando a ser referida como
uma sensação subjetiva de inquietude. Adolescentes com TDAH apresentam-se com dificuldade de
organização e planejamento, de manter a atenção em leituras e de controlar os impulsos. Podem se envolver
em situações potencialmente perigosas, como brigas e esportes arriscados. Adicionalmente, o impacto
negativo da doença no desempenho acadêmico e no relacionamento com os pares pode se tornar ainda mais
significativo nessa faixa etária67.
A percepção do indivíduo sobre os sintomas tende a aumentar à medida que suas capacidades cognitivas
se tornam mais sofisticadas. Durante a infância, a busca de atenção médica em função dos sintomas é
geralmente motivada pelo comportamento disruptivo ou por dificuldades no aprendizado. Com frequência, os
pais se adaptam aos sintomas, de forma a minimizar os agravos ocasionados pelo transtorno (passam a evitar
locais em que o comportamento disruptivo será muito disfuncional ou organizam sua rotina em função das
obrigações escolares dos filhos, por exemplo). Nessas situações, em geral são os professores que identificam
os sinais e sintomas disfuncionais. Na adolescência, é frequente a busca por atendimento médico em função
de comorbidades, como abuso de substâncias ou depressão, de prejuízos acarretados pelo transtorno, como as
dificuldades nos relacionamentos interpessoais, ou pelo sofrimento gerado a partir das limitações impostas
pelos sintomas59. Quando os sintomas não são distônicos para o indivíduo afetado, ou seja, quando este
entende que, porque sempre os apresentou, este é o seu “modo de ser”, ou quando há ideias superestimadas
de seu próprio funcionamento, a busca por atendimento é muito menos comum59,68.
O diagnóstico de TDAH é fundamentalmente clínico, com base em critérios gerados por sistemas
classificatórios como o DSM-5 e a CID-1169. A avaliação deve levar em consideração a intensidade, duração,
pervasividade dos sintomas e estágio do desenvolvimento do indivíduo. Como apresentado no Quadro 1, o
DSM-5 define o TDAH em crianças e adolescentes (com menos de 17 anos) como a presença de 6 ou mais
sintomas em qualquer um de seus dois domínios (desatenção ou hiperatividade-impulsividade). Os sintomas
devem ter início antes dos 12 anos, estar presentes por pelo menos 6 meses, e devem determinar um padrão
de comportamento incompatível com o esperado a indivíduos da mesma idade ou nível de desenvolvimento.
A partir dos 17 anos, são necessários no mínimo cinco sintomas para que o diagnóstico seja estabelecido14. A
futura versão da CID proposta pela OMS (CID-11) descreve somente as características principais da doença,
sem especificar critérios operacionais como a idade de início, duração ou número de sintomas.

Quadro 1 Critérios diagnósticos da 5ª edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5) para o
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

A. Presença de pelo menos 6 dos sintomas a seguir*, de desatenção e/ou de


hiperatividade/impulsividade, por pelo menos 6 meses, em um grau que seja
inconsistente com o nível de desenvolvimento e que tenha impacto negativo
diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais:
* Para indivíduos com mais de 17 anos, pelo menos 5 sintomas são necessários.
Desatenção:
a) Frequentemente presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido em
tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades.
b) Frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades
lúdicas.
c) Frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra diretamente.
d) Frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos
escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho (por exemplo, começa as tarefas,
mas rapidamente perde o foco e facilmente perde o rumo).
e) Frequentemente tem dificuldade de organizar tarefas e atividades.
f) Frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam
esforço mental prolongado (por exemplo, trabalhos escolares ou lições de casa).
g) Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (por exemplo,
materiais escolares, lápis, livros, celular etc.).
h) Frequentemente é distraído por estímulos externos.
i) Frequentemente é esquecido em relação a atividades cotidianas (para realizar tarefas
e obrigações, por exemplo)
Hiperatividade e impulsividade:
a) Frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ouse contorce na cadeira.
b) Frequentemente se levanta da cadeira em situações em que se espera que
permaneça sentado.
c) Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado
(em adolescentes, pode se limitar a sensações de inquietude).
d) Frequentemente é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer
calmamente.
e) Frequentemente “não para”, agindo como se estivesse “com o motor ligado” (por
exemplo, não consegue ou se sente desconfortável em ficar parado por muito tempo;
outros podem ver o indivíduo como inquieto ou difícil de acompanhar).
f) Frequentemente fala demais.
g) Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido
concluída (por exemplo, termina as frases dos outros, não consegue aguardar a sua
vez de falar).
h) Frequentemente tem dificuldade de esperar a sua vez.
i) Frequentemente interrompe ou se intromete (por exemplo, intromete-se nas
conversas, jogos ou atividades).

B. Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade/impulsividade estavam presentes


desde os 12 anos.

C. Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade/impulsividade estão presentes em


dois ou mais ambientes (por exemplo, em casa e na escola).

D. Há evidências claras de que os sintomas interferem no funcionamento social,


acadêmico ou ocupacional ou de que reduzem sua qualidade.

E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente com o curso da esquizofrenia ou outro


transtorno psicótico ou não são mais bem explicados por outro transtorno mental
(por exemplo, transtorno do humor, transtorno de ansiedade, intoxicação ou
abstinência de substância etc.).

Fonte: American Psychiatric Association, 201314.

Conforme o número de sintomas em cada uma das duas dimensões, há três possíveis apresentações de
TDAH no momento da avaliação: apresentação predominantemente desatenta, predominantemente
hiperativa/impulsiva e combinada. Porém, ressalta-se que há uma baixa estabilidade dessa classificação ao
longo do desenvolvimento, possibilitando mudanças na forma de manifestação da doença em um mesmo
indivíduo33. Além do número de sintomas, o DSM-5 exige que exista prejuízo funcional significativo no
âmbito acadêmico, social e/ou ocupacional. Existe, ainda, a possibilidade de caracterizar os casos de TDAH
como quadros de remissão parcial, ao se identificar um menor número de sintomas, nos últimos 6 meses, que
causem algum prejuízo em indivíduos que anteriormente tenham preenchido os critérios para o diagnóstico.
O DSM-5 inclui também o critério de pervasividade, exigindo que os sintomas estejam presentes em dois
ambientes distintos. A avaliação de pervasividade deve ser preferencialmente realizada diretamente com
pessoas que observam o indivíduo em diferentes ambientes. Assim, são colhidas informações de mais de um
informante, frequentemente pais e professores. Esse critério evita que o diagnóstico seja feito em casos em
que os sintomas se manifestam em apenas um ambiente, por fatores desencadeantes específicos, como
sintomas secundários a uma situação familiar ou escolar problemática69. As discrepâncias entre as diversas
fontes de informação e relatos são comuns, e cabe ao clínico agregar e julgar as informações obtidas.
Além da investigação de sintomas com os pais e professores, o exame do estado mental da criança é
obrigatório. Inicialmente, a avaliação objetiva da criança pode não acrescentar informações significativas
para o diagnóstico de TDAH, em função do encontro com o médico coibir, pelo menos inicialmente, a
manifestação dos sintomas. Além disso, a criança frequentemente não tem condições cognitivas de
identificar os sintomas e relatá-los verbalmente. Por outro lado, a avaliação dela é fundamental para descartar
possíveis comorbidades, e, à medida que a criança se familiariza com o profissional, é possível que passe a
manifestar os sintomas no próprio ambiente de avaliação.
Na adolescência, é frequente que os indivíduos, pensando retrospectivamente em sua infância, não se
lembrem de apresentar determinados sintomas. Com a investigação mais cuidadosa, pode-se perceber que
interpretam os sintomas como comportamentos adaptativos ou minimizam suas repercussões. O relato de
pais ou a investigação do histórico escolar pode fornecer informações relevantes, assim como o relato de
pessoas de sua convivência70. Entretanto, estudos prospectivos mostram que uma proporção significativa de
pais de indivíduos que apresentaram TDAH na infância não se recordam dos sintomas quando seus filhos
chegam à idade adulta71.

CURSO DOS SINTOMAS

Há uma grande variação na evolução dos sintomas entre os indivíduos com TDAH. Estudos longitudinais
sugerem a possibilidade de pelo menos quatro possíveis trajetórias: início precoce (3 a 5 anos); início na
segunda infância (6 a 14 anos), com quadro persistente ou com remissão dos sintomas na adolescência; e
início na adolescência ou na idade adulta (16 anos ou mais)18. A literatura mostra que dois terços das crianças
diagnosticadas com TDAH na idade escolar continuam apresentando sintomas na vida adulta39. Ao investigar
os possíveis preditores de persistência, uma metanálise observou que a maior gravidade dos sintomas na
infância, a presença de transtorno opositivo-desafiador (TOD) ou de transtorno depressivo comórbidos e a
história de tratamento para TDAH foram associados a maior probabilidade de manutenção dos sintomas de
TDAH na vida adulta72. Esse curso do transtorno associa-se a diversos desfechos negativos ao longo do
desenvolvimento, como prejuízo educacional, maiores taxas de divórcio, baixo rendimento laboral,
desemprego, envolvimento em acidentes de trânsito, maior risco de exposição a doenças sexualmente
transmissíveis, gravidez precoce, suicídio e morte prematura17,39. Recentemente, uma calculadora de risco de
persistência do TDAH no início da idade adulta com base em múltiplas variáveis presentes na infância foi
desenvolvida a partir de dados de diferentes estudos de coorte ao redor do mundo73.

COMORBIDADES

O TDAH apresenta uma alta taxa de comorbidades. A prevalência de crianças e adolescentes que
possuem outros transtornos mentais associados varia de 40% a 80%, com a taxa ainda maior naqueles que
são encaminhados para tratamento (67% a 87%)74. O padrão de comorbidades varia de acordo com o estágio
de desenvolvimento25, e as crianças devem ser avaliadas rotineiramente para os seguintes transtornos
psiquiátricos: TOD, transtornos de aprendizagem, transtorno de desenvolvimento da coordenação,
transtornos de linguagem, deficiência intelectual, transtornos depressivos, transtornos de ansiedade,
transtornos de tique, transtorno de conduta, enurese e transtorno do espectro autista (TEA)69.
Em crianças com TDAH, os transtornos disruptivos são as comorbidades mais frequentes: 50% a 60%
são diagnosticadas com TOD, e 20% a 50% têm transtorno de conduta. Crianças com TDAH e transtorno de
conduta tendem a apresentar um quadro clínico mais grave e menos responsivo ao tratamento, com um
prognóstico menos favorável74. Os indivíduos com esse perfil apresentam maior risco de personalidade
antissocial na idade adulta e piores índices de adaptação social e ocupacional25,75. Além disso, o TDAH está
associado à idade mais precoce de uso de substâncias, como álcool, drogas e nicotina, e essa relação parece
ser influenciada pela presença de transtorno de conduta, que aumenta o risco de forma substancial25,76.
A literatura mostra que 13% a 51% das crianças com TDAH apresentam transtornos de ansiedade
comórbidos, como fobias específicas, ansiedade social e transtorno de ansiedade generalizada. Os transtornos
de ansiedade podem alterar o quadro de TDAH, reduzindo a autoestima e aumentando o grau de desatenção,
o que ressalta a importância da identificação desse perfil de comorbidades77. Os transtornos depressivos
acometem cerca de 16% a 26% das crianças com TDAH, e o transtorno do humor bipolar é identificado em
uma menor proporção74,78.
Estudos demonstram que a deficiência intelectual ocorre cerca de 10 a 20 vezes mais em crianças com
diagnóstico de TDAH em relação aos indivíduos sem o transtorno25. Uma pesquisa que analisou uma amostra
de crianças nascidas na Suécia observou que grande parte da correlação entre TDAH e deficiência intelectual
foi explicada por fatores genéticos comuns79. A comorbidade entre TDAH e transtornos de aprendizagem
também é frequente, com o acometimento de uma proporção estimada de 25% a 40% dos casos74. A suspeita
deve ser feita quando há dificuldades específicas em leitura, escrita ou cálculos, por exemplo, ou quando o
desempenho escolar está bastante prejudicado, principalmente em crianças com adequada capacidade
cognitiva, que, apesar da redução dos sintomas centrais do TDAH com o tratamento, não obtiveram melhora
do desempenho escolar. Os transtornos de tique também são comuns, podendo estar presentes em até 20%
dos pacientes com TDAH25,74.
A versão atual do DSM modificou os critérios de exclusão presentes nas versões anteriores, passando a
aceitar o diagnóstico de TEA e TDAH em um mesmo indivíduo, já que a literatura não traz evidências
consistentes que suportem a exclusão de TDAH na presença de TEA, e que pacientes com TEA e TDAH se
beneficiam de tratamento específico para ambas as condições. Os sintomas de TEA e de TDAH
frequentemente coexistem, mesmo em indivíduos sem o diagnóstico categorial25. Um estudo de coorte que
incluiu mais de um milhão de indivíduos suecos demonstrou que indivíduos com TEA tiveram um aumento
na chance de apresentarem o quadro de TDAH80. A associação foi maior nos indivíduos com autismo de alto
funcionamento, e houve um maior risco nos gêmeos monozigóticos, ao serem comparados com os gêmeos
dizigóticos, representando a sobreposição genética entre as duas condições80.
Em relação aos adolescentes, 50% também preenchem critérios para os transtornos disruptivos, e há um
aumento do risco para desenvolvimento de transtornos por uso de substâncias, além de transtorno de
personalidade antissocial, transtornos de ansiedade e de humor25,67,69. Cabe observar que a associação
genética do TDAH não se restringe aos transtornos mentais. A literatura demonstra também o
compartilhamento de fatores de risco genéticos com condições como insônia, obesidade, asma,
diabetes mellitus e tabagismo22.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O processo diagnóstico do TDAH pode ser um desafio, devido ao caráter dimensional e heterogêneo do
transtorno. Em vista disso, é essencial a distinção entre o comportamento típico para a idade e o
comportamento em que o limiar patológico foi transposto. Por esse motivo, o conhecimento extensivo sobre
o desenvolvimento humano é necessário para o diagnóstico de TDAH, visto que mesmo crianças e
adolescentes sem o transtorno podem ter algum grau de desatenção, hiperatividade ou impulsividade.
O exame físico pode contribuir para a exclusão de diagnósticos diferenciais que possam estar causando
os sintomas sugestivos de TDAH. A avaliação da audição e visão deve ser uma das etapas iniciais, pois
muitas vezes o atraso no desenvolvimento e prejuízo no desempenho escolar podem ser justificados pela
presença de uma deficiência sensorial69. O padrão de sono também deve ser investigado, pois os sintomas
associados ao TDAH podem ocorrer em estados de privação de sono e de exaustão excessiva, e alterações de
sono são frequentes em indivíduos com o transtorno25. Condições médicas como hipertireoidismo e
encefalite podem apresentar alguns dos sintomas centrais do transtorno, mas geralmente apresentam outros
sintomas tipicamente relacionados às patologias70.
Outros transtornos mentais também podem gerar sintomas que se confundem com um quadro de TDAH.
Prejuízos atencionais ocorrem em transtornos depressivos primários e transtornos de ansiedade, e pacientes
em mania podem apresentar comprometimento importante no controle de impulsos70. Além disso, é
importante investigar com detalhes a dificuldade em seguir as instruções, a recusa para atividades que exijam
esforço cognitivo e prejuízos de aprendizagem, pois tais aspectos podem estar associados à conduta
opositora, relacionada ao diagnóstico de TOD, à dificuldade de compreensão, que pode ser uma manifestação
de deficiência intelectual, ou a transtornos específicos de aprendizagem da leitura e escrita25,69.

EXAMES COMPLEMENTARES

A entrevista clínica detalhada com os pais permite a avaliação minuciosa de cada sintoma, com a
descrição dos comportamentos, entendimento da história do desenvolvimento da criança, adaptação à escola,
relacionamentos com os pares e familiares, condições médicas associadas e investigação de outros
transtornos mentais que podem explicar os sintomas ou coexistir com o TDAH. Escalas e inventários de
sintomas (preenchidos por pais e professores) não são fundamentais para o diagnóstico, mas podem ser úteis
para a avaliação como ferramentas de auxílio ao diagnóstico e como forma de análise objetiva da evolução
dos sintomas com o tratamento.
Nos casos em que há dúvidas sobre o comprometimento intelectual da criança ou do adolescente, suspeita
de transtornos de aprendizagem associados ou identificação de prejuízos graves nos domínios cognitivos,
testes neuropsicológicos, avaliação fonoaudiológica e psicopedagógica podem ser necessários69. A avaliação
do potencial e do desempenho cognitivo por meio de instrumentos psicométricos validados, como a Escala
de Avaliação da Inteligência de Wechsler (com diferentes versões, dependendo da idade do indivíduo), é
importante para o processo diagnóstico e o plano de tratamento. Além disso, desempenhos em determinados
subtestes podem fornecer dados objetivos sobre a capacidade atencional e distratibilidade, corroborando a
impressão clínica.
A avaliação neurológica é relevante quando há suspeita de patologias neurológicas subjacentes, que
possam mimetizar o TDAH ou que ocorram em comorbidade, como a epilepsia, podendo fornecer dados que
corroboram o diagnóstico. Não há evidências de que eletroencefalograma e exames de neuroimagem, como
tomografia computadorizada, RM, tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) e PET
apresentem propriedades diagnósticas que justifiquem a sua incorporação à avaliação clínica de rotina69.

TRATAMENTO

O tratamento do TDAH requer uma abordagem que contemple, além dos sintomas centrais incluídos nos
critérios diagnósticos, os diferentes domínios do desenvolvimento e funcionamento acometidos (Figura 1).
Portanto, o tratamento deve ser multimodal, ou seja, integrar psicoeducação a respeito da doença com a
família e a escola, suporte acadêmico, intervenções psicoterápicas, treinamento de habilidades parentais e
farmacoterapia, com um olhar individualizado para cada indivíduo, família e contexto social em que o
paciente esteja inserido18,81. O tratamento do TDAH em crianças e adolescentes será apresentado em maior
profundidade no capítulo “Tratamento do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade na infância e
adolescência’’ no Volume 3 desta obra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O TDAH é uma condição frequente e extensivamente estudada, com evidências consistentes e de alta
qualidade que demonstram a sua validade e morbidade associadas. Cabe observar que a falta de treinamento
adequado de profissionais, estigma e concepções errôneas são barreiras importantes para o reconhecimento e
tratamento dessa condição17.
Figura 1 Diferentes domínios que podem ser afetados no TDAH, além dos sintomas centrais, e que também necessitam
de intervenção.
Fonte: adaptada de Taphar et al., 201781.

Vinheta clínica
Um menino de 7 anos de idade, natural e procedente de São Paulo, estudante do segundo ano do ensino
fundamental, vive atualmente com a mãe, o padrasto e o meio-irmão mais novo. Os pais divorciaram-se quando ele
tinha 2 anos de idade e, a partir de então, manteve pouco contato com o pai. Foi iniciado atendimento psiquiátrico
por iniciativa da mãe, que buscou auxílio profissional principalmente pelas queixas da escola sobre o comportamento
do filho.
Segundo o relato da mãe, o paciente já manifestava inquietude aos 2 anos, notando que ele era diferente das
crianças da mesma idade por não conseguir ficar parado por muito tempo. Nessa época, quando passou a frequentar
a creche, as cuidadoras queixavam-se de que o paciente se apresentava sempre muito agitado e não conseguia se
envolver calmamente nas brincadeiras. Além disso, ficava muito nervoso e gritava ao ser contrariado. Tal
comportamento se repetia em casa. A mãe passou a perceber alguns sintomas de desatenção a partir dos 3 anos de
idade. Observava que o filho estava sempre distraído e perdia os brinquedos com frequência. Passou a notar
também um comportamento impulsivo nas brincadeiras, nas quais ele parecia não conseguir avaliar os riscos,
machucando-se em diversas situações. No início do período escolar, aos 4 anos de idade, as professoras relataram
que o paciente não acompanhava o ritmo de aprendizagem dos demais alunos, pois não conseguia se concentrar e
terminar as atividades propostas em sala, além de manifestar baixa perseverança em aprender. Manifestava
comportamento cada vez mais hiperativo, não conseguindo ficar parado nem para sentar-se à mesa nas refeições.
Houve também aumento na frequência das birras. Muitas vezes o paciente gritava e jogava-se no chão ao ter de
realizar atividades básicas diárias, como tomar banho e escovar os dentes. Aos 5 anos, as professoras da escola
queixavam-se de que o paciente frequentemente se recusava a obedecer a regras e não aceitava os limites que lhe
eram impostos. A dificuldade de se relacionar com as crianças de sua idade tornou-se notória. O paciente não era
cooperativo nas brincadeiras, apresentando-se sempre muito agitado, com uma hiper-reatividade emocional que o
levava a comportamentos disfuncionais inclusive com os pares. Foi nesse período que a mãe foi orientada a procurar
o atendimento médico.
Em relação aos antecedentes gestacionais, a mãe relata que a gravidez não foi planejada, contudo bem recebida.
Fez uso de tabaco até o quarto mês de gestação e informa que passou por alguns momentos de estresse, pois, na
época, estava em processo de divórcio do pai da criança. O paciente nasceu prematuro, por meio de parto cesárea,
após identificação de sofrimento fetal agudo. Nasceu com baixo peso e necessitou de internação em unidade de
terapia intensiva durante 15 dias, para monitoramento e recuperação nutricional. Não houve outras intercorrências no
parto e puerpério, e o desenvolvimento neuropsicomotor ocorreu dentro do esperado. O paciente não apresenta
comorbidades clínicas que justifiquem os sintomas apresentados.
Na avaliação psiquiátrica, identificou-se o diagnóstico de TDAH, associado a TOD comórbido. Realizou-se,
inicialmente, abordagem psicoeducativa, com orientações à mãe e professoras para o entendimento das
psicopatologias e envolvê-las no processo terapêutico. Iniciou-se tratamento farmacológico com metilfenidato,
associado à psicoterapia comportamental com foco em orientação parental e individual voltada à autorregulação. Há
encontros periódicos com a escola para orientação do manejo e contato semanal entre família e escola. Além disso,
há atendimento psicopedagógico combinado, com adaptações escolares em termos de tempo de espera e duração
de atividades, possibilidade de levantar-se periodicamente, envolvimento do paciente nas rotinas da sala de aula
auxiliando a professora, entre outras.
Esse relato exemplifica um caso de TDAH moderado a grave, com irritabilidade e oposição proeminentes,
prejuízo social, familiar e em termos de aprendizado, retratando a importância do diagnóstico e tratamento
especializado que contemple todos os domínios afetados. Desde o início da intervenção, o paciente tem apresentado
melhora progressiva do comportamento, desempenho acadêmico e relacionamentos interpessoais. O relato da escola
é que ele passou a ser uma criança tranquila, obediente, com respeito aos colegas e professores, e interesse em
participar das atividades propostas.

Para aprofundamento
Faraone SV, Asherson P, Banaschewski T, Biederman J, Buitelaar JK, Ramos-Quiroga JA, et al. Attention-
deficit/hyperactivity Disorder. Nat Rev Dis Primers. 2015;1:15020.
Artigo de revisão que reúne informações científicas sobre mecanismos fisiopatológicos e
características gerais do TDAH, apresentando os principais achados de forma ilustrativa.
Posner J, Polanczyk GV, Sonuga-Barke E. Attention-deficit hyperactivity disorder. Lancet. 2020;395(10222):450-
62.
Artigo de revisão, publicado recentemente no The Lancet, que aborda aspectos gerais do TDAH,
incluindo epidemiologia, fisiopatologia, tratamento e desafios encontrados no cenário clínico e
científico.
Rohde LA, Buitelaar JK, Gerlach M, Faraone SV, editores. Guia para compreensão e manejo do TDAH da World
Federation of ADHD. Porto Alegre: Artmed; 2019.
Livro com informações atualizadas sobre o TDAH, voltado para profissionais de saúde, escrito por
alguns dos principais pesquisadores mundiais envolvidos nesse campo de estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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editores. Handbook of attention deficit hyperactivity disorder. 1. ed. West Sussex: John Wiley & Sons; 2007.
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