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FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL:

QUESTÃO SOCIAL NOS ANOS 60-80

CAPÍTULO 2 - ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO


SOCIAL NOS ANOS DE 1960 A 1980 NO BRASIL
Flávio José Souza Silva

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Objetivos do capítulo
Ao final deste capítulo, você será capaz de:
• Conhecer os principais acontecimentos do período histórico.
• Identificar as propostas de enfrentamento da questão social no período.
• Reconhecer as expressões da questão social que se manifestaram no período.

Tópicos de estudo
• Período democrático popular e a questão social.
• Jânio Quadros (1961).
• João Goulart (1961-1964).
• A questão social e a primeira fase da ditadura militar.
• As principais reivindicações da classe trabalhadora.
• As propostas de enfrentamento das manifestações.
• A segunda fase da ditadura militar e o controle sobre a questão social.
• Políticas sociais desenvolvidas no período.
• Movimento sociais no final da década de 1970.
• A questão indígena no período militar.
• Questão social e a política de austeridade militar.
• Principais índices sociais do período.
• 20 anos de ditadura militar e o acirramento das expressões da questão social.

Contextualizando o cenário
Neste capítulo, veremos ocorreu o processo de enfrentamento das expressões da questão social no contexto
histórico brasileiro entre os anos 1960 a 1980. Assim, nos debruçaremos por um momento histórico compreendido
como democrático, como, também, vamos percorrer o período ditatorial e, por fim, particularizar os elementos
mais centrais que levaram ao enfraquecimento da ditadura militar, expressa pela abertura democrática no Brasil
nos fins dos anos de 1970 e entrada da década de 1980.

Portanto, nos apropriaremos dos principais acontecimentos desse período histórico, identificando as propostas de
enfrentamento da questão social neste contexto. Também veremos a caracterização dessas expressões, partindo
do pressuposto de que elas assumiram traços particulares correspondendo à realidade de nossa sociedade à
época.

Assim, nossa apreensão sobre as expressões da questão social está alicerçada na contradição entre trabalhadores
e burgueses, que demanda ao Estado a elaboração de mecanismos interventivos nessa relação desigual. Assim
sendo, as expressões da questão social são históricas e tomam, em contexto históricos diferentes, novas formas e
expressões.

A partir de tal reflexão, surge a seguinte questão: o Brasil viveu, no período ditatorial, uma nova questão social?

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2.1 Período democrático popular e a questão social
O período que se estende de 1945 a 1960 é designado por Fausto (1997) como democrático em nosso país. A
sustentação histórica do autor seria a posse, em 1945, do Presidente Eurico Gaspar Dutra, por meio do voto direto,
regido pela Constituição Federal, aprovada em 1946. Porém, como Santos (2012) assevera, este contexto histórico
é marcado por uma forte heterogenia nas diversas dimensões da sociabilidade, como a: política, social, econômica,
cultural e etc., fruto do início da industrialização pesada no Brasil.

CURIOSIDADE
Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) foi militar e o décimo sexto presidente do Brasil, no período de
1946 a 1951.

A industrialização pesada, especificamente nos anos 1956 a 1961, segundo Fernandes (2006), completa a revolução
burguesa brasileira, concluindo a constituição do capitalismo em nosso país. Uma característica, também
marcante desse período histórico, foi a inexpressividade das políticas sociais, demonstrando as parcas ações do
Estado brasileiro, mesmo em um quadro de profundas e intensas mobilizações rurais e urbanas.

Assim, a questão social é “[...] senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária
e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe [...] pelo
empresariado e o Estado (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p. 84).

Neste contexto histórico, portanto, há novas expressões da questão social no país, mas que ganharam outras
configurações nos governos seguintes, como veremos adiante.

2.1.1 Jânio Quadros (1961)

Nas eleições presidenciáveis de 1960, Jânio Quadros (1917-1992) venceu a disputa junto com seu vice, João
Goulart. Jânio Quadros tornou-se, assim, o vigésimo segundo presidente eleito por meio do voto popular no Brasil.
Cabe destacar que no âmbito internacional, o período também ficou marcado por um contexto de grave crise
econômica e de grandes disputas ideológicas internacionais, fruto das tensões proporcionadas pela Guerra Fria.

ESCLARECIMENTO
A Guerra Fria (1945-1991) marca um período histórico, pós-segunda Guerra Mundial, de disputas
ideológicas entre os países capitalistas e socialistas, sem a utilização de armamentos bélicos.

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Segundo Santos (2012), Jânio Quadros foi uma figura ligada a um inexpressivo partido político paulista, que
ganhou notoriedade por meio do personalismo e pelo carismático (e popular) discurso de combate à corrupção.
Assim, a figura do novo presidente apresentava-se enquanto um corpo estranho, que estaria para além das
disputas entre getulista e anti-getulista. Porém, no governo dele, a incapacidade de conciliação fora logo
evidenciando-se.

Fonte: © StunningArt / / Shutterstock.

O curto governo de Jânio Quadros (durou apenas sete meses, já que ele renunciou em agosto de 1961), foi marcado
por diferentes questões. Clique nos ícones e confira.

A inabilidade de conciliação em lidar com interesses divergentes entre a esquerda e a direita conservadora.

Um quadro polarizado pela Revolução Cubana (1959), a qual traria mais tensões para esse cenário.

A Guerra Fria.

O grande endividamento econômico herança do governo Juscelino Kubitschek. (SANTOS, 2012).

Assim, o curto governo de Jânio não conseguiu mudar os “rumos do país”; falhando na implementação de uma
política econômica ortodoxa. Como ressalta Fausto (1997), sem as condições histórico-concretas, para a
implementação dos seus projetos, que versavam em uma “reforma institucional”, Jânio Quadros renuncia sem
grandes explicações. Em seu lugar, assume o seu vice, João Goulart, como iremos ver a seguir.

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2.1.2 João Goulart (1961-1964) (SANTOS, 2012)

A instabilidade enfrentada pelo Governo Jânio Quadros, como vimos antes, ocasionou a renúncia da presidência
do Brasil. Durante 13 (treze) dias, o país foi governado por Ranieri Mazzilli (1910-1975), presidente da Câmara
Federal e, como previa a Constituição, assumiu o cargo, tendo em vista que o vice-presidente, João Goulart (1919-
1976), eleito na mesma chapa que Jânio, estava em visita oficial na República Democrática da China. Na figura a
seguir, para melhor apreensão, iremos sistematizar esses dados históricos.

Contexto histórico do Governo João Goulart

O Governo Jango foi marcado por um contexto de forte instabilidade econômica, social, cultural e política,
decorrente do forte endividamento do país, durante o governo JK, mas, sobretudo, pela disputa ideológica do
contexto da Guerra Fria. Mesmo assim, alguns autores, como é o caso de Santos (2012) e Fausto (1997), apontam
que este fora o governo mais progressista da história brasileira, até então.

O governo de Jango durou cerca de dois anos e meio, tendo sido caraterizado por um mandato que estava
comprometido com medidas denominadas de reforma de base. O propósito delas, como aponta Cardoso (2013),
não seria apenas a diminuição da desigualdade social no país, mas também, foco econômico, principalmente se
ressaltarmos o interesse pela implementação da reforma agrária.

No entanto, a formação social e econômica do país foi marcada por um passado escravocrata de um lado e de uma
forte concentração fundiária, de outro. Outro elemento, importante, é que não vivenciamos processos de

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revolução burguesa, como em outros países de capitalismo avançando. Isto possibilitou na nossa realidade, a
constituição de uma burguesia reacionária e conservadora que se impunha, fortemente, contra qualquer
modificação na estrutura desigual do nosso país (SANTOS, 2012).

Fonte: © Prazis Images / / Shutterstock.

Em janeiro de 1964, Jango iniciava uma série de comícios, com o objetivo de espalhar as suas propostas de
reformar a base da economia brasileira. Em contrapartida, por meio da radicalização do seu discurso, o seu
governo caminha para o fim. As classes médias urbanas brasileiras se sentiam ameaçadas pela radicalização do
discurso de Jango e acolheram o discurso que tinha como suporte a Doutrina da Segurança Nacional, que tinha por
vistas a purificação da democracia de seus elementos subversivos.

Assim, em 1º de abril de 1964, foi instaurada a Ditadura Militar no Brasil que trouxe consigo novas configurações
para a sociedade, como veremos a seguir.

2.2 A questão social e a primeira fase da ditadura militar


Aqui, estamos nos apropriando de uma concepção teórica sobre a questão social que tem por base a construção
histórica. Assim, a inserção da classe trabalhadora/operária no cenário político, no tocante ao seu reconhecimento
enquanto classe ao Estado e a burguesia é essencial (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011).

Neste sentido, a organização da classe trabalhadora em classe para si (terminologia elaborada por Karl Marx),
exigiu a externalização da sua posição desigual no processo produtivo, reivindicando ao Estado a construção de
mecanismos que possam, por meio de políticas públicas, amenizar tais desigualdades. Neste sentido, o governo
Jango tentou, mas foi impedido pela implementação do golpe militar de 1964.

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ESCLARECIMENTO
As categorias classe em si e classe para si fazem partem das elaborações teóricas de Karl Marx
(1818-1883), que dizem respeito, no primeiro momento do não reconhecimento da sua posição
de classe (classe em si) e do reconhecimento da sua posição de classe (classe para si).

O golpe militar, assim, trouxe repercussões significativas à organização da classe trabalhadora, principalmente no
tocante às políticas, em torno do Estado brasileiro, cuja influência foi direta no tratamento das refrações da
questão social.

PAUSA PARA REFLETIR


Qual o motivo de muitos não reconhecerem o golpe de 1964 enquanto golpe, mas sim, como
revolução de 1964?

Neste sentido, iremos trabalhar, no próximo tópico, quais as reivindicações da classe trabalhadora da época.

2.2.1 As principais reivindicações da classe trabalhadora

O contexto social anterior a 1964, marcou a explicitação da questão social na realidade brasileira, impulsionando o
Estado por respostas, por meio da construção de alternativas à dependência do Brasil ao capitalismo. No entanto,
com a implementação do golpe militar, a elaboração desta alternativa teve que se abortada, em um contexto de
forte repressão das entidades classistas operárias, as quais foram fechadas pela intervenção do Estado ditatorial.

Segundo Netto (2011), a ditadura militar expressava-se por meio de sua funcionalidade econômica e política, no
tocante à reinserção do Brasil no processo produtivo internacional, de forma dependente ao imperialismo
estadunidense. Ou seja, um novo padrão de acumulação que resgata e atualiza as formas mais tradicionais e
conservadoras do modelo de produção no Brasil, assegurando, assim, um desenvolvimento depende e associado
ao imperialismo.

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Fonte: © claudenakagawa / / Shutterstock.

Assim, as reivindicações da classe trabalhadora brasileira pautadas, sobretudo, na elaboração de um padrão de


desenvolvimento nacionalista, que versassem no combate à desigualdade social e apontassem à reforma agrária,
foram deixados de lado e sufocados, por meio de uma série de propostas enfrentadoras das manifestações
populares, como veremos a seguir.

2.2.2 As propostas de enfrentamento das manifestações

Com a instauração da ditadura militar no Brasil, concomitantemente, foram inaugurados processos reafirmando
contextos sociais contrarrevolucionários que seriam o norte do projeto ditatorial em nosso país. Neste sentido, a
implementação de um capitalismo nacionalista (CARDOSO, 2013) deveria dar espaço para uma direção que
apontasse para um capitalismo associado e dependente (NETTO, 2011).

PAUSA PARA REFLETIR


Para um país como o Brasil, que não vivenciou processos revolucionários burgueses clássicos, o
que representa uma contrarrevolução?

Neste sentido, a principal proposta de enfrentamento das manifestações, ou seja, da organização da classe
trabalhadora brasileira, versava sobre desmantelamento da organização sindical operária, por meio de forte
intervenção estatal, sendo obrigadas ao fechamento e a proibição da imprensa operária. Em resposta, o Estado
militar implementou políticas de arrocho salarial e de diminuição do poder de compra dos trabalhadores. Na
sistematização a seguir, temos algumas informações, para melhor compreensão deste contexto.

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Políticas do Estado Militar

Veja que a questão social, na primeira fase da ditadura militar brasileira, fora intensificada ao contrário, ou seja,
houve o aumento das desigualdades sociais.

Em contrapartida, o Estado militar intensificou a sua luta contra organização da classe trabalhadora, mas era
notório que o Estado deveria aumentar as suas ações na construção de consensos. Portanto, a segunda fase da
ditadura seria marcada pelo controle do Estado sobre a questão social, por outras vias, como veremos a seguir.

2.3 A segunda fase da ditadura militar e o controle sobre a


questão social
A caracterização que marcou o período histórico, durante a ditadura militar brasileira, no processo que
trabalhamos, em linhas precedentes, é conhecida como modernização conservadora (NETTO, 2011). Este processo,
de forma geral, modernizava o sistema produtivo em nosso país, sem romper com as essências da formação social
brasileira: a dependência exterior; o grande latifúndio; e os altos índices de desigualdade social.

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Fonte: © zef art / / Shutterstock.

Assim, a ditadura militar reeditou e intensificou o processo de modernização conservadora, que, como afirma
Netto (2011) foi em uma direção claramente monopolista. Neste sentido, a ditadura necessitava criar consensos,
em uma perspectiva que alinhasse não apenas repressão, mas também, de assistência à classe trabalhadora.
Portanto, percebiam a política social como uma possibilidade de interferir, ideologicamente, no cotidiano da vida
dos trabalhadores, como veremos a seguir.

2.3.1 Políticas sociais desenvolvidas no período

Neste momento, iremos percorrer algumas características, mesmo que centrais, do padrão de política social no
contexto da ditadura militar no Brasil. Em um momento histórico marcado pela perda das liberdades
democráticas, de censura, autoritarismo, prisões e tortura “(...) o bloco militar-tecnocrático-empresarial buscou
adesão e legitimidade por meio da expansão e modernização de políticas sociais” (FALEIROS, 2000 apud BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p. 136).

ESCLARECIMENTO
A nossa apreensão sobre o golpe militar no Brasil perpassa o entendimento de que se tratou de
um projeto tecnocrático-militar-empresarial-conservador-modernizador.

Assim, a ditadura militar estruturou as políticas sociais, com ênfase na saúde, na previdência e, com muito menor
importância, a assistência social, por meio da uniformização e unificação (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Cabe
ressaltar que não havia a participação da classe trabalhadora nessa estruturação.

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PAUSA PARA REFLETIR
Quais seriam as orientações portanto das políticas sociais nesse contexto?

Portanto, a estruturação das políticas sociais, no contexto ditatorial, estaria orientada para atender à lucratividade
do capital internacional, pela abertura do campo privado de acesso a estas políticas (como é o caso da saúde e da
educação privadas). Ao final dos anos 1970, começaram a aparecer as primeiras fissuras e sinais de esgotamento
do projeto social da ditadura. Assim, iremos trabalhar, a seguir, os movimentos sociais que se expressam em
decorrência deste desgaste.

2.3.2 Movimentos sociais no final da década de 1970

A década de 1970 foi o momento histórico marcado, durante a ditadura militar, de explicitação do esgotamento do
chamado milagre brasileiro, prometido pelos anos de suspensão da democracia. Já em 1974, especificamente, as
fissuras do projeto tecnocrático-modernizador-conservador se objetivavam, em função “(...) dos impactos da
economia internacional, restringindo o fluxo de capitais, e também os limites internos” (BEHRING; BOSCHETTI,
2011, p. 137).

Essas fraturas expuseram, para o conjunto da sociedade, o esgotamento do padrão de desenvolvimento optado
durante a ditadura militar. Assim, o milagre brasileiro demostrava que seus frutos, muito avessos ao que fora
divulgado, não seriam redistributivos. Ou seja, trabalhadores e movimento sociais visualizavam uma tendência à
crise econômica que se aproximava.

Fonte: © first vector trend / / Shutterstock. (Adaptado).

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Ao passo que os movimentos sociais e trabalhadores percebiam a crise do projeto militar, houve a possibilidade de
articulação, já no final da década de 1970 e início dos anos 1980, de reestruturação da luta coletiva em torno da
redemocratização do Estado brasileiro. A seguir, iremos tratar da questão indígena neste contexto.

2.3.3 A questão indígena no período da ditadura militar

O golpe militar de 1964 marcou a história recente do nosso país com muito sangue, torturas, mortes e suspensões
das liberdades e dos direitos coletivos e individuais. Para determinados grupos sociais, que estavam associados à
marginalização, as repercussões deste processo foram ainda mais intensificadas, em um contexto de expressiva
violação dos direitos humanos.

Neste momento, nossa proposta consiste em trazer algumas referências, por meio dos dados coletados e
apresentado no volume segundo do Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicado em 2014,
particularizando a violação dos direitos humanos dos povos indígenas, no período da ditadura brasileira.

Fonte: © celio messias silva / / Shutterstock.

Segundo o CNV (2014, p. 204) as violações dos direitos humanos dos povos indígenas não foram esporádicas e nem
acidentais “(...) elas são sistêmicas, na medida em que resultam diretamente de políticas estruturais do Estado,
que respondem por elas, tanto por suas ações diretas quanto pelas suas omissões”. Segundo o mesmo relatório,
como expressão de tais políticas, estima-se que, ao menos, 8.350 (oito mil trezentos e cinquenta) indígenas tenham
sido mortos no período de investigação do CNV, dado este que pode ser ainda maior. Para melhor apreensão
destas informações, vejamos a seguinte sistematização.

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Dados da CNV

A política do Estado ditatorial brasileiro, assim, era marcada pela ação violenta e arbitrária, mas, também, pela
omissão das particularidades deste povo originário.

A seguir, iremos trazer alguns elementos que perpassam a Questão Social e a política de austeridade militar.

2.4 Questão social e a política de austeridade militar a


política de austeridade militar
A ditadura militar em nosso país durou 21 (vinte e um) anos, marcados por momentos econômicos de resseção e de
crescimento. O aclamado milagre econômico conduziu o país à ideia de quando o bolo crescesse ele seria repartido
(expressão usada à época, pelo então ministro da fazenda, Delfim Neto). No entanto, a repartição com a classe
trabalhadora nunca aconteceu.

A questão social, assim, fora intensificada pela escolha de políticas sociais austeras, as quais impossibilitavam o
combate efetivo contra as desigualdades sociais no país. Desse modo, enquanto a classe trabalhadora esperava a
repartição do bolo a mesma era assolada pela austeridade do Estado militar, a destruição do poder de compra dos
trabalhadores e o agravamento da situação econômica no país.

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Fonte: © Timofey Zadvornov / / Shutterstock.

Portanto, este contexto histórico foi marcado pela associação de impactos desastrosos na política econômica, mas
que só se manteve por meio da manutenção da repressão e da violação de direitos civis e políticos (CARDOSO,
2013). Sendo, assim, a principal estratégia à sua consolidação no país, sobre a égide do imperialismo burguês.

A seguir, traremos alguns dos principais índices sociais do período da ditadura militar, a fim de apreendermos as
expressões destas políticas austeras ao país.

2.4.1 Principais índices sociais do período

A repercussão das políticas de austeridade do período militar expressava-se às avessas do que fora prometido, com
o milagre brasileiro. Objetivamente, a década de 1980 é apontada como uma década perdida para o país, tendo
vista os parcos avanços econômicos, que na verdade, apresentam-se enquanto retrocessos sociais e econômicos
(BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

A partir de dados trazidos por Cano (1994, p. 52 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 139), “(...) os resultados desse
processo foram terríveis na década perdida brasileira: taxa média de crescimento de 2,1% (na indústria, de 1%);
redução da taxa de investimentos e recrudescimento da inflação”. Assim, ao longo da década de 1980, a direção do
governo ditatorial foi a emissão de títulos da dívida, elevando cada vez mais os juros e alimentando o processo
inflacionário. Vejamos as seguintes sistematizações:

Dados da década perdida

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Dados da década perdida

Como podemos visualizar, na sistematização anterior, os patamares de crescimento obtidos, durante o período
ditatorial, expressaram uma verdadeira tragédia econômica para o país. A década de 1980, assim, foi caracterizada
como uma década perdida, um momento histórico cujo o déficit da ditadura militar objetivava-se de forma
violenta e reverberava as expressões da questão social em nosso país.

Outro elemento, pontuado por diversos analistas históricos, seria a inflação anual que chegava, ao final da
ditadura militar, a níveis extraordinários. Vejamos a seguinte ilustração.

Inflação anual no Brasil no período da ditadura militar

Como podemos visualizar, na imagem, o Brasil passou, assim, de uma inflação anual de 91,2%, em 1981, para
217,9%, em 1985.

Portanto, as incertezas marcaram o fim da ditadura militar em nosso país, que apontou à reabertura democrática e
a constituição de novos processos democráticos. A seguir, iremos discutir o acirramento das expressões da
questão social no contexto histórico dos 20 anos da ditadura militar.

2.4.2 20 anos de ditadura militar e o acirramento das expressões da questão


social

Os 21 (vinte e um) anos de duração da ditadura militar no Brasil acirraram ainda mais as expressões da questão
social em nosso país. Como exposto, os anos de chumbo (expressão para os anos de ditadura militar), em nosso
país, apostaram em um projeto de sociedade que resgatava os traços mais conservadores da formação social e
histórica do país, reeditando a dependência e a associação da economia brasileira aos ditames dos interesses
imperialistas burgueses.

Neste sentido, o acirramento das expressões da questão social (fome, miséria, queda no índice de acesso e
manutenção nas escolas, desemprego estrutural e etc.) aconteceu graças ao aumento das desigualdades sociais,
fruto de um projeto de nação que se estruturava por meio da austeridade, com vistas de alcançar o milagre

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brasileiro e a repartição do bolo com a classe trabalhadora, que foi surpreendida pela destruição da sua
organização sindical e de políticas sociais austeras.

Proposta de atividade
Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu nesse capítulo! Elabore um pequeno resumo, de até quatro
(4) páginas, destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir seu pequeno resumo,
considere as leituras básicas e complementares realizadas, a partir das indicações dadas neste capítulo.

Recapitulando
Neste capítulo, trabalhamos o tema do enfrentamento da questão social no contexto sócio histórico dos anos 1960
a 1980 no Brasil. Os objetivos consistiram em conhecer os principais acontecimentos históricos, a identificação das
expressões da questão social, assim como o reconhecimento destas neste específico momento histórico.

Todavia, apesar da ditadura militar apresentar novas configurações nas expressões da questão social, devemos
nos atentar que não estamos trabalhando com uma nova questão social, pois, partimos do pressuposto que a
essência do modelo de produção capitalista, alicerçada pela socialização da produção e da apropriação privada do
que é produzido coletivamente, não é alterada pela historicidade humana.

O que se percebe, no entanto, são novas expressões, mas que partem da essência que constitui este modelo de
produção. A questão social no Brasil é fundada sócio e historicamente no processo de constituição do nosso país,
marcado por um passado escravocrata e fundiário.

Assim sendo, temos a constituição de uma burguesia conservadora, que não passou por processos revolucionários
clássicos, apontando, neste sentido, para projetos contrarrevolucionários, que acentuam as contradições e as
desigualdades sociais. O reacionarismo da nossa burguesia, na atualidade, pode ser visto na tentativa de
revisionismo histórico que tentam reescrever a nossa história, de golpe para uma revolução. A ditadura militar
brasileira, portanto, expressou os ideias e ideais dos setores dominantes, fator reconhecido na negação da
participação da classe trabalhadora na gestão e elaboração de políticas sociais.

Referências
BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: Fundamentos e História. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: Textos Temáticos. Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV,
2014, p. 416.

CARDOSO, P. F. G. Ética e Projetos Profissionais: os Diferentes Caminhos do Serviço Social no Brasil. Campinas:
Papel Social, 2013.

FAUSTO, B. História do Brasil. 5. ed. São Paulo: Edusp, 1997.

FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaios de Interpretação Sociológicas. 5. ed. Rio de Janeiro:
Globo, 2006.

IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações Social e Serviço Social no Brasil: Esboço de uma Interpretação
Histórico-Metodológica. 35. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma Análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16. ed. São Paulo: Cortez,
2011.

SANTOS, J. S. Questão Social: Particularidades no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012.

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FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL:
QUESTÃO SOCIAL NOS ANOS 60-80

CAPÍTULO 3 - O PROCESSO DE
CONSOLIDAÇÃO DA AUTOCRACIA BURGUESA
Micaela Alves Rocha da Costa

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Objetivos do capítulo
Ao final deste capítulo, você será capaz de:
• Possibilitar reflexão sobre a hegemonia burguesa com o golpe militar de 1964.
• Identificar o significado do golpe militar para a elite brasileira.
• Compreender a teoria acerca da autocracia e as teorias das elites.

Tópicos de estudo
• Capitalismo dependente e a autocracia burguesa.
• Sistema econômico brasileiro e a dependência econômica.
• Elites brasileiras e o desenvolvimento econômico.
• Golpe militar (1964).
• EUA e a contrarrevolução.
• Brasil subdesenvolvido e dependente.
• Autocracia burguesa e o modelo dos monopólios.
• Manutenção do esquema de acumulação capitalista.
• Funcionalidade política e econômica do Estado e da burguesia.
• Autocracia burguesa e o mundo da cultura.
• Enquadramento do sistema educacional.
• Política cultural da ditadura.
• Controle e censura.

Contextualizando o cenário
A década de 1960 foi um período de grande relevância para a história do Brasil, marcada por um grave retrocesso
político: a ditadura militar. Instigada por diversos acontecimentos, que despertaram a ameaça do poder político de
setores importantes da burguesia em detrimento do fortalecimento de projetos populares, o golpe militar foi uma
resposta às ações acontecidas no país. Estas conquistavam cada vez mais espaço junto à população, além do
avanço do comunismo em contexto mundial na época.

A maior expressão do período ditatorial no país foram as medidas repressivas contra os movimentos sociais que
ousassem questionar o regime: métodos de extrema violência como a tortura física e psicológica, diversos
assassinatos, além da censura, do exílio político e a perda de direitos importantes como a cidadania. Além dessa
expressão, é importante destacar a regressão da economia que provocou o acirramento da desigualdade social no
país.

Diante deste contexto surge a seguinte questão: qual o legado da ditadura militar para a história do Brasil e para a
contemporaneidade?

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3.1 Capitalismo dependente e a autocracia burguesa
Para compreender os motivos consolidaram o golpe militar na década de 1960, é importante resgatar a conjuntura
histórica do referido período e suas inflexões que firmaram a autocracia burguesa no Brasil. Isto traz, para o
Serviço Social, uma série de mudanças de caráter político e instrumental ao longo do tempo. Essas mudanças, se
expressaram em diversos âmbitos e culminaram na erosão do projeto conservador no âmbito profissional.

Mas por enquanto, esse conteúdo fica reservado para outro momento. Por hora, destacaremos a seguir, os
principais elementos históricos, políticos e culturais e que fomentaram a desigualdade social no período. Além
disso, estes localizaram o país, durante anos, como um país de regime fechado e de economia dependente. Vamos
embarcar nessa pequena viagem histórica?

3.1.1 Sistema econômico brasileiro e a dependência econômica


O período que antecede o golpe militar no Brasil apresenta grande influência política e econômica com o contexto
internacional, principalmente com a grande potência norte-americana: os Estados Unidos. Por isso, é fundamental
compreendermos o contexto disso e suas particularidades no cenário brasileiro, de modo a conceber as
consequências do período de consolidação da autocracia burguesa no país. A análise da totalidade se faz
imprescindível para entender o local que o Brasil ocupava naquele momento.

Ainda durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) houve a implementação do Plano de Metas, um
plano de industrialização que se propôs a alavancar a economia do país baseada em três pilares: a energia, a
indústria e o transporte. Com o mote 50 anos em 5, o plano dinamizar o avanço do país em um curto período de
tempo.

Fonte: © violetkaipa / / Shutterstock.

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Com base nessa expansão, o intercâmbio e a dependência da política econômica externa se tornaram
preponderantes para o contexto nacional, de modo que “[...] a capacidade de importar tornou-se dependente do
dinamismo das exportações concentradas em commodities minerais e agrícolas, e ainda enfrentou o
protecionismo dos países centrais” (IPEA, 2010, p. 10).

Inúmeras consequências econômicas e políticas oriundas das ações do governo JK, prolongaram-se até o governo
de seu sucessor, Jânio Quadros (1961) e instauraram uma complexa crise que se expressou na renúncia do então
presidente frente a este contexto.

Dessa forma, o governo de João Goulart (1961-1964), assumiu a responsabilidade de administrar o país, nesse
cenário de forte dependência econômica, com um alto índice inflacionário que atingia a população e tensionava os
interesses entre os opositores do atual governo. Essa situação exigiu de Jango (como era popularmente conhecido)
um plano de governo que pudesse conter o crescimento da inflação e da dívida externa. Os desafios eram inúmeros
para resgatar o Brasil de uma grave crise política.

A seguir, veremos como era a relação das elites com o desenvolvimento econômico.

3.1.2 Elites brasileiras e o desenvolvimento econômico

O governo de Jango passou por dois momentos críticos, desde a sua posse até seus últimos dias. Vamos conhecer
mais sobre esses momentos na história das elites e da economia brasileira clicando nas abas a seguir.

O primeiro momento foi marcado pela limitação de poderes com base em um sistema de
governo parlamentarista e “[...] em seguida, recuperada sua plena capacidade
Limitação de governamental, em um sistema de governo presidencialista, em um contexto, contudo,
poderes marcado por inegável polarização política, nacional e internacional” (DELGADO, 2010, p.
126).

Dentre as ações promovidas por Jango, que insuflaram a polarização de forças em oposição,
Forças em podemos destacar as iniciativas de repressão institucional aos movimentos sociais e forças
oposição democráticas, por parte de um executivo composto por protagonistas comprometidos com
a população (NETTO, 2007).

Essas ações incitaram nos setores populares ações unitárias com o objetivo de reivindicar
Reforma de uma reforma de base, em que as decisões governamentais pudessem contar com a
base participação também dos trabalhadores e não somente da classe dominante.

O tensionamento entre as classes sociais sob a instabilidade econômica provocou a perda de alianças políticas que
sustentavam Jango no poder.

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Fonte: © alphaspirit / / Shutterstock.

Setores conservadores da classe dominante, como os latifundiários e empresários, sentiram-se prejudicados com a
situação financeira do Brasil; algumas organizações religiosas da Igreja Católica rechaçavam os ideais
democráticos e as reformas de base, com medo do avanço do comunismo no país e, por fim, os militares temiam
que a organização política da população pudesse subverter a paz e a ordem social.

Cenário que ocasionou o golpe militar.

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Cenário que ocasionou o golpe militar.

Esse cenário culminou no golpe militar que ocorreu no dia 1º de abril de 1964, provocando mudanças imediatas em
toda a realidade brasileira e marcando profundamente a nossa história.

PAUSA PARA REFLETIR


Qual a influência dos setores dominantes no aprofundamento da crise econômica do governo de
Jango?

3.2 Golpe militar (1964)


O desfecho do período de instabilidade econômica e política do governo João Goulart, encerrado por um golpe
militar, demonstrou a radicalização da saída encontrada pela classe dominante: a utilização de forças
conservadoras e reacionárias frente ao campo democrático e popular que se organizava cada vez mais. No mês de
abril de 1964 teve início um dos períodos mais conturbados da história do país.

A ditadura militar inaugurou uma nova conjuntura política em âmbito nacional e mundial, visto que acompanhou o
fortalecimento de regimes totalitários que também se instauravam em outros países do mundo, como no Chile, na
Indonésia, etc.

No que concerne ao Brasil, este novo contexto abriu espaço para uma realidade mais complexa, mais polarizada
pela luta de classes e pelo aprofundamento da dependência econômica, conforme veremos nos próximos itens.

3.2.1 EUA e a contrarrevolução

A influência direta dos Estados Unidos no processo de golpe e ditadura militar no Brasil fez parte de uma ação
política de dominação e de exploração dos países subdesenvolvidos para a expansão capitalista.

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Fonte: © isak55 / / Shutterstock.

Conforme aponta Netto (2007), o objetivo desta contrarrevolução consistia em: aprofundar o processo de
internacionalização do capital, imobilizar as forças políticas que pudessem resistir a este processo e dinamizar
todas as forças contra a revolução e os ideais socialistas.

O processo contrarrevolucionário, que ocorreu no Brasil, sob influência dos EUA, referenda-se em três pilares
indicando as particularidades sócio históricas da nossa formação. Clique a seguir para conhecê-los.

Primeiro pilar
Diz respeito à maneira como o desenvolvimento capitalista se manifestava no país utilizando “[...] formas
econômico-sociais que a experiência histórica tinha demonstrado que lhe eram adversas” (NETTO, 2007, p; 18).

Segundo pilar
Refere-se à permanente exclusão das organizações populares das esferas de decisão política, seja por estratégias
de coerção ou de outras formas mais sutis, já que os setores dominantes, em diferentes tempos históricos sempre
conseguiram manter as forças populares distantes do direcionamento da vida social.

Terceiro pilar
Diz respeito ao papel do Estado brasileiro com as agências da sociedade civil. Segundo Netto (2007, p.19), “[...] é
um Estado que historicamente serviu de eficiente instrumento contra a emersão, na sociedade civil, de agências
portadoras de vontades coletivas e projetos societários alternativos”.

Durante os governos que antecederam ao golpe militar, as organizações políticas, efervescidas pela conjuntura no
país, abriram a possibilidade concreta de alterar estes pilares. Todavia, o golpe militar se sobrepôs à população,
movido pelos interesses políticos e econômicos da burguesia.

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PAUSA PARA REFLETIR
Qual a relação entre o projeto político e econômico da ditadura militar e os EUA?

Foi por meio destes moldes que a contrarrevolução norte-americana encontrou no Brasil um solo fértil para a
expansão imperialista, o aprofundamento da dependência econômica e a influência política com o golpe em tela.

Com um caráter reacionário, o golpe militar resgatou as piores tradições da sociedade brasileira (NETTO, 2007),
como veremos a seguir.

3.2.2 Brasil subdesenvolvido e dependente

Após a instauração do golpe militar, toda a conjuntura econômica do país passou por transformações que
aprofundam a relação de dependência com os EUA e seus interesses. O padrão de acumulação capitalista,
assegurou as bases para manter seu funcionamento sem ameaças ou questionamentos.

Fonte: © xtock / / Shutterstock.

As primeiras reformas econômicas instituídas pelo então presidente Castelo Branco (1964-967) tinham por objetivo
resgatar a taxa de lucros do país, com medidas que diminuíssem a inflação e o gasto público, além de reduzir o
salário da população por meio de uma nova política salarial. O aumento de impostos foi uma das ações que mais
tiveram impacto sobre a classe trabalhadora, além do arrocho salarial.

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CURIOSIDADE
O marechal Humberto de Alencar Castelo Branco foi o primeiro presidente do regime ditatorial
no Brasil. Nascido no Ceará, o militar foi um dos articuladores do golpe ditatorial.

No plano internacional, as medidas de política externa garantiam facilidades ao capital estrangeiro e à exportação
de produtos brasileiros ao comércio exterior. Para expandir ainda mais o capital internacional, o governo revogou
uma lei implementada por João Goulart que limitava a taxa de lucros para empresas internacionais.

ASSISTA
Para saber mais sobre o golpe assista O dia que durou 21 anos. Trata-se de um documentário
que aborda a participação dos Estados Unidos no golpe militar brasileiro, demonstrando o que
foi a expansão imperialista no Brasil.

Assim, a expansão imperialista não encontraria nenhuma dificuldade para sua implementação em todos os setores
da economia brasileira. E com o uso da repressão, as reivindicações populares frente a estas ações também seriam
silenciadas. Esse contexto de dependência econômica perdurou durante toda a ditadura militar, contudo
apresentou estágios diferentes em determinados períodos, aglutinando diversos elementos, conforme veremos no
próximo tópico.

3.3 Autocracia burguesa e o modelo dos monopólios


A autocracia burguesa na ditadura militar apresentou uma dinamicidade própria em cada governo militar,
configurando uma complexa conjuntura, permeada por interesses econômicos, bases ora aliadas, ora opositoras,
influências da política externa e os rebatimentos da crise política instalada no governo anterior.

Entender a configuração de cada período ditatorial é importante para que possamos compreender como se deu o
início, a continuidade, a queda do regime militar no país, e também as particularidades destes momentos que
duraram 21 anos na história brasileira. A expressão política da ditadura militar ainda pesa na formação sócio
histórica do país e também na história do serviço social. Seu entendimento é primordial nesse sentido.

3.3.1 Manutenção do esquema de acumulação capitalista

O modo de acumulação capitalista passou por um processo de consolidação bastante específico no período da
ditadura militar. Após a coalização de forças contrarrevolucionárias na véspera do golpe, os setores conservadores,
como a burguesia nacional, a estrutura militar e os latifundiários, mantiveram-se com seus interesses alinhados.

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Fonte: © pogonici / / Shutterstock

O padrão de desenvolvimento do país, com base nos interesses do governo militar, foi orientado a seguir o mesmo
modelo dos governos anteriores, só que voltado à aceleração do processo de concentração e centralização do
capital.
Para tanto, “[...] as linhas mestras desse “modelo” concretizam a “modernização conservadora” conduzidas no
interesse do monopólio” (NETTO, 2007, p. 31). As principais características do processo de modernização
conservadora incluem as seguintes vantagens para o grande capital ainda de acordo com o autor.

Modernização conservadora.

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Modernização conservadora.

A relação do governo com as benesses dadas ao capital estrangeiro despertou a dissolução da base de sustentação
do golpe militar.

Com a perda do apoio político, os setores que apoiavam a ditadura militar são atraídos para o processo de
resistência democrática. E ao governo militar, com o tensionamento das forças políticas, coube mediar a
correlação de forças em jogo, fazendo concessões e negociações para continuar com a manutenção da autocracia
burguesa.

BIOGRAFIA
Para aprofundar a leitura sobre a autocracia burguesa no país, a obra de Florestan Fernandes,
intitulada A revolução burguesa do Brasil, apresenta uma significativa contribuição para
entender este contexto.

A manutenção da relação com os setores dominantes da sociedade brasileira ainda se prolongou por um
determinado período, todavia, a dissolução cada vez mais forte da base aliada vai pressionar o governo a assumir
outro comportamento.

Esse período foi marcado por mudanças substanciais no modo de pensar e estruturar a economia, na política e nas
relações com a sociedade e com os movimentos populares que reivindicavam liberdades democráticas.

3.3.2 Funcionalidade política e econômica do Estado e a burguesia

Durante a vigência da ditadura militar no país, o ciclo autocrático passou por alguns períodos com características
políticas e econômicas, trazendo no bojo destas fases implicações para a burguesia, bem como para o Estado, mas
sobretudo para os governos militares.

Embora os governos militares, durante os 21 anos de regime ditatorial no país, empreendessem ações no âmbito
da economia para dar continuidade ao projeto de modernização conservadora, a reação dos setores da burguesia
nacional foi por meio da quebra do pacto contrarrevolucionário, influenciando também, o contexto político em
tela.

Conforme aponta Netto (2007), o ciclo autocrático se dividiu em três fases. Vamos navegar no recurso abaixo para
conhecê-las.

• A primeira fase, de 1964 a 1968


Teve no governo de Castelo Branco, o objetivo de fomentar a modernização conservadora no país. No
entanto, as ações empenhadas nesse período afetam os setores importantes da classe dominante, como a
pequena burguesia urbana, que rompeu com o pacto.

• A segunda fase, em 1968

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O tensionamento entre os militares e a classe trabalhadora radicalizou-se, comprometendo a legitimação
política do regime por parte da população. Nesse período, o Ato Institucional nº 5 (AI-5) foi promulgado e
configurou o momento de consolidação da autocracia burguesa no país, visto que suspendia o direito
político de todos os cidadãos pelo prazo de dez anos. Esse período ficou conhecido como anos de chumbo.
Neste período a economia foi redimensionada para servir à concentração e centralização da modernização
conservadora, criando as bases estruturais dos monopólios ao Estado brasileiro. O chamado milagre
econômico brasileiro, período em que se identifica um rápido crescimento no âmbito financeiro, buscou
legitimação política perante à sociedade.

• A terceira e última fase, no final do ciclo da autocracia burguesa, em 1974


A crise oriunda desse crescimento acelerado, exigiu do estado uma reforma que objetivava “[...] a
recomposição de um bloco sociopolítico para assegurar a institucionalização duradoura do sistema de
relações econômico-sociais e políticas a serviço do monopólio” (NETTO, 2007, p. 41).

Fonte: © PHOTOCREO Michal Bednarek / / Shutterstock.

A oposição democrática à ditadura militar frente a este contexto, aproximou-se do movimento operário, fazendo
com que o governo ditatorial combinasse concessões econômicas com a repressão. Fortes greves operárias
contribuíram com o tensionamento das forças políticas democráticas nesse processo. Mas, isso tudo também se
expandiu para outros setores, como veremos a seguir.

3.4 Autocracia burguesa e o mundo da cultura


As manifestações da autocracia burguesa não se deram apenas no terreno econômico. No âmbito da política e das
relações sociais, a autocracia burguesa reestruturou a vida social de forma rígida e repressiva. Isto mostrou seu
caráter antidemocrático e impôs inúmeras dificuldades ao conjunto dos movimentos sociais, organizações
políticas, entre outros.

A herança da ditadura militar no campo da cultura devastou por um longo período toda a conquista feita pela
sociedade durante os anos passados, mas sua crise política também insuflou significativos processos de resistência
dos setores populares que culminaram no fortalecimento de diversas lutas sociais.

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3.4.1 Enquadramento do sistema educacional

No período militar, a educação foi considerada como uma peça importante para a legitimação da autocracia
burguesa e para tanto, houve diversos esforços, por parte do Estado, em imprimir um novo direcionamento no
sistema educacional. Netto (2007) indica dois momentos importantes neste processo.

1964 e 1969.

Entre os objetivos do governo militar para a educação é evidente que o controle entre os estudantes e os
professores eram um dos elementos de maior prioridade política.

Note que o controle, a intimidação e a repressão se expressaram fortemente na área educacional como forma de
fomentar ainda mais os projetos impostos pelo governo.

Conheça mais sobre as formas de controle na área educacional clicando a seguir:

Reforma no ensino superior


Com vistas a alinhar este modelo aos interesses do modelo econômico, os governos ditatoriais iniciaram a reforma
do ensino superior, com base em um modelo norte-americano, desnacionalizando o campo educacional no país.

Lógica empresarial
Essas mudanças também foram incorporadas em outros níveis de ensino (como o ensino fundamental e médio,
por exemplo), todavia é no ensino superior que a lógica empresarial encontra maiores resultados. Para Netto
(2007, p.62), “[...] a educação superior sob a autocracia burguesa, transformou-se num “grande negócio”.

Pensamento crítico e científico


Neste período, as universidades públicas passaram por um processo de esvaziamento e de neutralização do
pensamento crítico e científico. O projeto modernizador, pautado na repressão, ceifou a autonomia da produção
do conhecimento crítico, os processos democráticos e a liberdade na academia durante o período ditatorial.

3.4.2. Política cultural da ditadura

Para, além das ações de enquadramento da educação no país, o mecanismo utilizado pelos governos militares no
âmbito cultural para a sociedade deveria pautar-se por meio de uma estratégia de contenção (Netto, 2007), que
objetivava controlar o conteúdo produzido por todos os artistas da época, considerando seu potencial de
expressão contra o regime.

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A crise política e econômica oriunda da implementação do projeto de modernização conservadora pelo regime
ditatorial também trouxe consequências para os governos e para a política cultural. Depois do rompimento de
extratos importantes da burguesia no pacto contrarrevolucionário, os sujeitos que ainda aderiam apoio à ditadura
militar eram inexpressivos.

No âmbito da cultura, esse rompimento também aconteceu. Com isso, “[...] o regime não conseguiu trazer para o
seu campo (ou manter nele) figuras significativas da vida cultural (NETTO, p. 76). Esse movimento introduziu na
cena cultural um elemento crítico significativo nos setores democráticos e progressistas, que se expressou no
cinema, nas artes, na música, na literatura, etc.

Fonte: © mart / / Shutterstock.

Netto (2007) destaca exemplos dos principais sujeitos que fomentaram o cenário crítico e cultural na época da
ditadura militar.

Artistas expoentes no período ditatorial.

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Artistas expoentes no período ditatorial.

Estes intelectuais contribuíram de forma significativa para a reflexão política na ditadura militar, tecendo críticas e
questionamentos importantes através de suas obras. Com isso, se legitimaram como referências em oposição ao
regime, inspirando a população a resistir contra a investida militar.

Após a implementação do AI-5, a política cultural no país sofreu grandes retrocessos, considerando a incapacidade
do governo na formulação de uma política cultural democrática e popular e qualquer visibilidade positiva que
pudesse existir com o regime.

Desse modo, a cultura do país começa a sofrer perseguições políticas, censura de jornais, revistas, músicas;
desestruturação de grupos teatrais; intimidação a artistas, cantores, poetas e poetisas, entre outras manifestações
culturais críticas ao regime vigente.

PAUSA PARA REFLETIR


Qual a importância da contribuição de autores críticos para a política cultural na ditadura
militar?

Uma das estratégias mais utilizadas pelo regime militar na política cultural, neste contexto, foi o controle e a
censura a manifestações artísticas, que abordaremos no item a seguir.

3.4.3 Controle e censura

Como forma de legitimar o regime e abafar as vozes dissonantes que faziam críticas ou questionamentos às ações
ditatoriais, os governos militares utilizaram-se de inúmeras estratégias para controlar todas as informações. Vamos
conhecer mais sobre essas estratégicas e suas consequências clicando a seguir.

Como resposta ao controle ditatorial, inúmeros artistas realizaram uma manifestação


Resposta ao significativa contra o regime, intitulada Cultura sem Censura, na cidade do Rio de Janeiro.
controle Neste período, a manifestação política contra as ações do regime ainda era possível, ainda
que fossem reprimidas pelos militares.

Todavia, após a implementação do AI-5, o controle e a censura ficaram mais rígidos por
Anos de parte do regime, ao ponto de todas as manifestações contra o governo fossem duramente
chumbo reprimidas. Cidadãos e militantes políticos foram perseguidos e assassinados, período que
ficou conhecido como anos de chumbo.

Neste período, os casos de tortura, desaparecimentos e assassinatos foram comuns às


Resistência e principais pessoas que demonstravam resistência ao regime militar. O exílio político em
exílio outros países foi utilizado como estratégia de sobrevivência para importantes artistas como
Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Vinícius de Moraes, entre outros.

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Frente à forte censura instalada no país, diversos artistas tentaram driblar o regime,
produzindo obras artísticas trazendo, de forma sutil, crítica à ditadura militar. Chico Buarque
Censura e Gilberto Gil escreveram a canção Cálice que ficou mundialmente conhecida e que trata de
uma denúncia ao regime ditatorial. O jogo de palavras do título da música (cálice/cale-se)
representa a censura presente no período.

Fonte: © Oleksii Arseniuk / / Shutterstock.

No âmbito da teoria crítica, diversos livros foram caçados e proibidos no Brasil. Todo o contato com leituras que
pudessem representar alguma ameaça ao regime ditatorial foi feita de forma clandestina por estudantes,
movimentos sociais e organizações políticas. No serviço social, inúmeros assistente sociais também foram
perseguidos e torturados. A exposição Serviço Social, Memórias e Resistências Contra a Ditadura (31 de março, de
1964), resgatou as vivências destes profissionais no período.

Embora os anos de chumbo se configurem como um dos períodos mais tristes da história do país, é importante
destacar que a derrubada da ditadura militar teve como um dos elementos mais significativos a resistência política
de muitos brasileiros.

Estes elementos permitiram minar as bases de sustentação da ditadura e, com isso, reconstruir o caminho da
democracia e resgatar a construção dos direitos sociais no país. Embora muitas pessoas tenham sido assassinadas,
o legado histórico de suas lutas na defesa da liberdade permanece registrado até os dias atuais.

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Proposta de atividade
Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu nesse capítulo! Elabore uma síntese crítica destacando as
principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir sua síntese, considere as leituras básicas e
complementares realizadas, bem como as indicações de música e vídeo.

Recapitulando
A ditadura militar marcou profundamente a história brasileira, constituindo-se como um período permeado por
retrocessos, repressão, mas inúmeras lutas sociais e resistência da população. Neste capítulo, pudemos
acompanhar os acontecimentos políticos e econômicos que preparam o golpe militar em 1964, bem como os
principais sujeitos contribuintes com o pacto contrarrevolucionário, base aliada para a sustentação do regime
ditatorial.

Destacamos a influência dos EUA neste período, e o comprometimento dos governos militares em fomentar
alianças econômicas com a burguesia norte-americana, mantendo o Brasil em um patamar de
subdesenvolvimento e de economia dependente. Também ressaltamos o projeto de modernização conservadora
objetivado pelo regime militar, bem como seus desdobramentos para o cenário nacional.

Refletimos acerca do processo de consolidação da autocracia burguesa no país, que durante o período do regime
militar, deu-se em três momentos diferentes: no início do governo de Castelo Branco, em 1964, com a
implementação do AI-5, em 1968 e, em 1974, com o aprofundamento da crise econômica.

No que se refere ao mundo da cultura na autocracia burguesa, nos debruçamos acerca das medidas promovidas
pelo regime para o enquadramento da educação com base no projeto modernizador. Compreendemos o
funcionamento da política cultural da ditadura militar e as estratégias de controle da população.

Verificamos as consequências da censura, da tortura e da repressão após o AI-5 e a importância de atores sociais
que fomentaram a arte e a crítica por meio de livros, peças, músicas, filmes, etc., ainda que perseguidos pelo
regime militar.

Por fim, discutimos a importância da resistência das organizações políticas e movimentos sociais para a
reconstrução da liberdade civil e dos direitos sociais.

Referências
DELGADO, L. A. N. O Governo João Goulart e o Golpe de 1964: Memória, História e Historiografia. In: Dossiê 1946-
1964: a Experiência Democrática no Brasil. Revista Tempo, Niterói, v.14 n. 28, p. 123-143, 2010. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042010000100006>. Acesso em: 17/05/2019.

FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil. São Paulo: Globo, 2005.

IPEA. Instituto de Pesquisa Aplicada. O Brasil em 4 décadas: 1.500 textos para discussão. Disponível em: <
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/1663/1/TD_1500.pdf>. Acesso: 16/05/2019.

NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma Análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 11. ed. São Paulo: Cortez,
2007.

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O DIA que durou 21 anos. Direção: Camilo Tavares. 2012. Brasil: Pequi Filmes, 2012. DVD, 77 min., son., cor., leg.

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