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Análise Psicológica (2004), 2 (XXII): 335-354

Relações terapêuticas: Um estudo


exploratório sobre Equitação Psico-
-Educacional (EPE) e autismo (*)

LEOPOLDO GONÇALVES LEITÃO (**)

1. INTRODUÇÃO da a Europa desde 1960/70; a Equitação Psico-


-Educacional (EPE) ou Remedial Educational Vaul-
ting/Riding (REV/R); e a Equitação Desporti-
1.1. Equitação Terapêutica: principais agen- va/Recreativa Adaptada – propomos um mo-
tes e possíveis intervenções delo que pretende pensar a Equitação Terapêuti-
ca como uma área de intervenção tridimensional
A necessidade que sentimos de referências só- que contempla a permeabilidade, a complemen-
lidas, orientadoras da nossa conduta e organiza- taridade e a dinâmica entre os principais agentes
doras do nosso conhecimento, conduziu-nos no considerados: a medicina física e de reabilitação;
sentido de começarmos por expôr, sistematizar e a psicologia e a educação; e o desporto.
articular as diferentes terapias que esta área pode Desta forma, consideramos ser a sua plastici-
e poderá vir a proporcionar. dade um factor determinante para o surgimento
de outras e novas intervenções que se traduzam
Tendo como referência a trilogia presente-
em respostas, cada vez mais adequadas, às dife-
mente descrita pela Federation of Riding for the
rentes decisões terapêuticas.
Disabled International (FRDI, 2001) – a saber, a
Hipoterapia clássica que reflecte o modelo ale-
mão de hipoterapia praticado vastamente em to- ***

A partir de 1960, a Equitação Terapêutica ga-


nhou uma força crescente, resultante do reconhe-
(*) Este artigo retoma de uma forma mais aprofun-
cimento, já histórico, das qualidades terapêuticas
dada e actualizada o texto elaborado, com base na que o cavalo tem para o corpo e mente humanas.
Monografia de Licenciatura, em Psicologia Clínica O termo1 passou então a ser usado para descrever
(Leitão, 2003b) e publicado no Scientific & Educa-
tional Journal of Therapeutic Riding (Leitão, 2003c).
(**) Mestrando em Psicopatologia e Psicologia
Clínica, Instituto Superior de Psicologia Aplicada,
Lisboa. Correspondência relacionada com este artigo
pode ser enviada para: lgleitao@netcabo.pt 1
Que a ANDE-BRASIL designa por Equoterapia.

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todos os possíveis usos terapêuticos do cavalo Esta especialidade veio demonstrar que estar
(Copeland-Fitzpatrick & Tebay, 1998). Hoje em sentado num cavalo nunca poderia ser apenas um
dia, devemos entendê-la como uma área de in- movimento funcional. Como tal, o aspecto auto-
tervenção terapêutica que utiliza o cavalo dentro -experiencial, fornecido através do diálogo do
de uma abordagem interdisciplinar, nos planos corpo entre dois seres vivos, passou a ser consi-
da saúde e do desporto, na procura incessante do derado da máxima importância para beneficiar
bem-estar físico, psíquico e social de indivíduos todos os pacientes que não precisassem necessa-
portadores de deficiência e/ou com necessidades riamente de fisioterapia. Deste modo, a experiên-
especiais. cia de trabalhar com doentes psiquiátricos ou com
Com efeito, já em 1970, o modelo alemão des- crianças emocionalmente perturbadas foi reunida
crito na Figura 1 delineava as áreas científicas e sistematicamente investigada, conduzindo a uma
supra nomeadas, que foram atraindo cada vez perspectiva psico-educacional definida como Re-
mais profissionais da saúde e/ou da educação até medial Educational Vaulting/Riding (REV/R).
aos dias de hoje: médicos, fisioterapeutas, psicó- Na Alemanha, desde 1978, têm vindo a reali-
logos, educadores especiais, terapeutas ocupa- zar-se cursos de formação para esta especialidade
cionais, terapeutas da fala, profissionais de reabi- (Schulz, 1997). No momento presente, este país
litação ou psicomotricidade, assistentes sociais, possui quatro universidades com centros de for-
entre outros. mação e as actividades de reeducação pela equita-
De acordo com Schulz (1997), na Alemanha, ção são financiadas pelo Governo (Freire, 1999).
e em torno desta última data, a equitação, en- Nos finais da década de 70, a falta de investi-
quanto intervenção terapêutica estruturada, dá os mento académico, nos Estados Unidos e na Grã-
seus primeiros passos e surge, originária da me- -Bretanha, teve como consequência o desenvolvi-
dicina, designando-se por Hipoterapia. mento da Equitação Terapêutica mais no âmbito

FIGURA 1
Modelo original alemão (adaptado de Spink, 2000)
PSY
CH
INE


OL
DIC

OG

Riding Therapy Therapeutic Education


Y-E
ME

Hippotherapy Riding & Vaulting


DU
CA
TIO
N

Riding for the Disabled


Rehabilitation
Sport

HORSEMANSHIP

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recreativo e desportivo do que como actividade modo a que este possa voltar a uma vida produ-
terapêutica. Apesar disso, alguns profissionais, tiva e confortável. Assim, intervem ao nível do
de ambos os países, desenvolveram abordagens alívio da dor e da funcionalidade motora, e
criativas e inovadoras, embora não fossem con- pretende melhorar ou manter aspectos como a
substanciadas a partir de estudos sistemáticos ou força muscular, a mobilidade, a capacidade res-
investigações científicas (Spink, 2000). Só qua- piratória, a circulação, a coordenação muscular,
tro anos mais tarde foram projectadas directrizes relaxar músculos tensos, corrigir posturas defei-
de modo a promover a estruturação de progra- tuosas, apesar da persistência do seu problema
mas de treino e de competência profissional, se- médico (físico ou mental). Alguns exercícios pos-
melhantes às alcançadas no modelo alemão. sibilitam ainda desenvolver actividades essenci-
Este desejo de educar profissionais promoveu ais, tais como: aprender a usar um braço artificial,
uma série de trabalhos técnicos e apresentações aprender a desempenhar tarefas com apenas um
ao longo da Europa, Canadá e Estados Unidos. A braço ou uma perna, apertar e desapertar os bo-
necessidade de credibilidade empírica, centrada tões, vestir, etc.
na aplicação terapêutica do cavalo, tornara-se im- Sendo assim, deve ser entendida como um pro-
perativa. O modelo organizacional inicialmente cedimento médico desenvolvido por uma equipa
proposto pelos germanos veio influenciar, de um interdisciplinar de técnicos de saúde, dirigida por
modo positivo, o estudo sistematizado e o treino um fisiatra (em certos casos, com a colaboração
universitário formalizado, fortalecendo as funda- de um psiquiatra e/ou de um médico de clínica
ções deste campo e ajudando a assegurar a sua geral) que delineia e supervisiona cada interven-
viabilidade futura. ção, utilizando essencialmente o passo do ca-
Actualmente são inúmeros os trabalhos, a ní- valo como instrumento cinesioterapêutico. Desta
vel mundial – Englisch, 1994; Tyler, 1994; Gar- equipa podem ainda constar: o fisioterapeuta,
rigue, Moutiez & Galland, 1994; Schulz, 1997; que executa o programa de reabilitação (pondo
Citterio, 1997; Copeland-Fitzpatrick & Tebay, 1998; em prática um conjunto de técnicas adequadas);
Brasic, 1998; Santos, 1999; Freire, 2000; Karol, um engenheiro, que pode introduzir uma ajuda
2000; FRDI, 2001; Leitão, 2003b e 2003c – que mecânica especial ou um dispositivo para ajudar
concorrem para a validação científica da sua efi- a melhorar o desempenho do paciente; uma en-
cácia e da sua credibilidade (em diferentes pato- fermeira, para manter a condição física do doen-
logias, tanto a nível físico como psicológico e edu- te e proporcionar-lhe os cuidados médicos bási-
cacional), até hoje continuamente ameaçada. cos necessários; um psicólogo, enquanto “con-
tentor” do sofrimento do paciente, e da família,
fruto da sua situação de deficiência, incapacida-
*** de e desvantagem, e elemento de ligação entre os
intervenientes internos e externos à equipa (Pires
No presente, a Federation of Riding for the & Silva, 1999); terapeutas, respiratório e da fala,
Disabled International (FRDI, 2001) subscreve podem também assistir o doente relativamente às
inteiramente o modelo original alemão supra men- suas dificuldades em cada uma das áreas respec-
cionado, que passamos a descrever sem nos es- tivas; terapeutas ocupacionais, assistentes sociais
cusarmos a alguns comentários: e a comunidade desempenham um papel vital na
reintegração social do paciente. Um monitor/ins-
a) A Hipoterapia clássica2 reflecte o modelo
alemão de hipoterapia praticado vastamente em
toda a Europa desde 1960/70.

Centrada na recuperação de competências que


2
permitam a reintegração do paciente a dois ní- Comparativamente com a hipoterapia clássica, a
veis – trabalho e vida social – está direccionada hipoterapia americana detém um sentido mais lato e
abrange um maior número de profissionais. Adiciona
para o domínio da medicina física e de reabili- ainda os princípios terapêuticos que caracterizam a
tação. profissão particular do terapeuta que presta o serviço
Tem como objectivo re-habilitar o paciente de (Heine, 2000).

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trutor de equitação e um cavalo treinado para o também reabilitativa6, que utilizam o cavalo co-
efeito são elementos de capital importância para mo veículo terapêutico. Os instrutores de equita-
o sucesso da intervenção. ção trabalham numa relação estreita com técni-
Enquanto actividade individual, não encara cos de educação especial, psicólogos, terapeutas
como objectivo principal o ensino da equitação. da fala, terapeutas ocupacionais e outros técni-
O terapeuta promove o diálogo interactivo cava- cos, para definir e redefinir estratégias (constru-
lo-paciente (sem que este precise de controlar o ção de programas adequados) e alcançar os fins a
cavalo), aproveitando as funcionalidades deste que se propuseram.
último, para o habilitar ou reabilitar. Analisa cons- A EPE surge então como um conceito psico-
tantemente as respostas do paciente e adequa-as dinâmico, sem objectivos desportivos, onde o ca-
em concordância com o movimento dinâmico do valo pode ser utilizado nos seus três andamentos
cavalo pretendido (andamentos, os seus ritmos e (passo, trote e galope).
a sua direcção). Apesar do principal objectivo da Crianças, adolescentes e adultos são vistos nu-
hipoterapia clássica ser a postura do cliente e a ma perspectiva holística (do ponto de vista físi-
suas respostas ao movimento, outros efeitos po- co, psíquico e social) (Kröger, 2000), podendo
dem ocorrer em áreas como a respiração, a cog- encontrar benefícios diversos nesta actividade
nição e a linguagem. Pode também ter repercus- de grupo (com um número máximo variável) ou
sões ao nível emocional, cognitivo, comportamen- individual. O delineamento do programa de in-
tal, social e comunicacional. tervenção deverá considerar a singularidade de
cada sujeito: a patologia, o indivíduo e os seus con-
b) A Equitação Psico-Educacional (EPE)3 textos, os objectivos, as técnicas a aplicar (exer-
ou Remedial Educational Vaulting (REV), a reedu- cícios da equitação desportiva normal são trans-
cação pela equitação. formados e adaptados tendo em conta as necessi-
dades sensorio-psicomotoras e sociomotoras de
Preocupa-se em alcançar objectivos específi- cada um, promovendo o desenvolvimento, o bem-
cos baseados nas necessidades precisas de ca- -estar e comportamentos desejados). Apesar do
da indivíduo, sejam elas de ordem psicológica principal objectivo da EPE ser psico-educacio-
(fenómenos psicológicos) e/ou educacional4. nal, a sua prática também tem repercussões ao
De acordo com Schulz (1997) e Kröger (2000), nível físico.
o conceito de Remedial Education pode ainda acres- Para se alcançar uma situação equilibrada e
centar formas de intervenção psicoterapeutica5, e garantir uma influência máxima, por parte de
cavalo, a relação terapêutica, construída entre o
terapeuta (que também deverá ter formação em
equitação) e o paciente, deverá ser de uma qua-
lidade “suficientemente boa”, constituindo assim
3
Designação comummente utilizada nos Estados Uni- o eixo central relacional transformador desta in-
dos da América. Na Europa, em particular na Alema- tervenção (ver Figura 4 no capítulo Conclusão).
nha, utiliza-se a expressão Remedial Educational Vaul-
ting and Riding (REV/R) para designar a mesma inter-
venção.
4
A educação estrutura-se com base em processos sis-
temáticos de mudança que podem categorizar-se a par-
tir de cinco critérios: trata-se de processos de aqui-
sição (construções de ordem cognitiva, moral, sócio- paciente. A hipnose, a sugestão, a reeducação psicoló-
afectiva, relacional, cujos resultados podem ser olha- gica, a persuasão, a psicanálise e todos os métodos
dos em termos de mudanças nos saberes, saberes-fa- terapêuticos, próprios da história da psiquiatria dinâ-
zer, atitudes); estes processos são intencionais e têm mica, estão incluídos na noção de psicoterapia (La-
uma finalidade social; são processos relativamente planche & Pontalis, 1998; Roudinesco & Plon, 2000).
longos; devem dar lugar a efeitos duradouros (esta- 6
A reabilitação ao pretender habilitar de novo, res-
bilidade temporal); visam mudanças importantes em taura o significado da vida do paciente, a sua capaci-
termos de transferes (generalizações) e restruturações. dade para estar-com os outros (Teixeira, 1999) e con-
5
Psicoterapia: método de tratamento psicológico sigo próprio. E neste sentido pode, em nosso entender,
das perturbações psíquicas ou corporais, que utiliza constituir-se como um objectivo a ser integrado em
como meio terapêutico a relação entre o terapeuta e o qualquer outra intervenção.

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Os assistentes (co-terapeuta e equitador-guia) não anteriores, trabalha-se para desenvolver compe-
devem interferir no processo em curso, embora tências equestres, em populações com dificulda-
participem nele activamente. des especiais, no passo, no trote e no galope.
Torna-se então necessário reflectir sobre a Os objectivos são vários: o simples prazer de mon-
importância do papel do cavalo no seio de uma tar a cavalo, o melhoramento da forma física, o
relação técnico-paciente fundamental (Leitão, aumento da auto-estima, a competição. É uma
2003a). Esta “nova relação” – sanígena e desen- actividade de grupo, equipa ou individual.
volutiva – deverá valorizar a desorganização do
comportamento da criança e aproveitar as suas d) Outras terapias podem ainda ser consi-
mestrias (empowerment) como linguagem refor- deradas
çadora na relação pais-criança.
Posto isto, o cavalo pode ser percebido co- 1. A Equitação Desenvolvimental (Develop-
mo catalizador e harmonizador de uma rela- mental Riding Therapy)
ção terapêutica da qual faz parte, e na qual Distingue-se quer da hipoterapia clássica quer
ajuda a operar a transformação de um ser huma- da hipoterapia americana por uma participação
no num outro mais amadurecido psicologicamen- mais ampla de diversos profissionais, uma popu-
te e integrado socialmente. lação de pacientes mais diversificada, e cavalos
A EPE é, por excelência, uma terapia pela re- com características e treino específico para as áreas
lação que não permite que entendamos separa- de dressage e volteio. Jan Spink, M.A., desen-
damente o desenvolvimento afectivo, motor e volveu esta técnica no final de 1980 incorporan-
cognitivo. Consideramos ser a experiência afecti- do os saberes e as técnicas de tratamento de seis
va, a relação de confiança (primeiro com o tera- profissões da saúde ou da educação: fisioterapia,
peuta e depois com o cavalo), que transforma o terapia ocupacional, terapia da fala, psicomotri-
ambiente e motiva pacientes e famílias numa re- cidade, educação especial e psicologia.
de interactiva relacional privilegiada (ver Figura Alguns elementos fundamentais e distintivos
4), promotora de um amadurecimento inter-de- desta abordagem:
pendente destas três dimensões.
Em suma, e em nosso entender, o desenvolvi- - é uma actividade individual ou de pares;
mento nas suas três dimensões surge de um banho - é uma terapia centrada no cliente;
emocional no qual o paciente foi imergindo em - utiliza posições desenvolvimentais, quando
função e à medida que o terapeuta vai entrando no montado;
seu movimento7 psíquico. Isto é, quanto menos o - preocupação com o desenvolvimento das
terapeuta fracassar: relativamente ao conceito de relações entre o cliente, o terapeuta e o
permanência dos processos de identificação con- cavalo;
cordante, de ressonância e reconhecimento entre o - prevê um ensino selectivo de competências
que pertence a ambos os intervenientes (Racker, equestres (Heine, 2000; Spink, 2000).
1960 cit. in Leitão, 2003a); de continuidade-in- A equitação desenvolvimental dirige-se a pa-
tensidade empática; de compreensão incondi- cientes com défices, por exemplo, ao nível do
cional tão difícil de alcançar, em determinados mo-
comportamento, da aprendizagem, da linguagem,
mentos, com algumas populações e com alguns
da atenção. Pode ser entendida como um com-
indivíduos (Leitão, 2003b e 2003c).
plemento à hipoterapia ou uma fase de tran-
sição necessária entre esta técnica médica espe-
c) A Equitação Desportiva/Recreativa Adaptada
cífica e o trabalho de grupo que caracteriza a equi-
tação psico-educacional e a equitação desporti-
Nesta modalidade, que requer uma maior au-
va/recreativa adaptada. Serve como preparação
tonomia por parte do cavaleiro do que nas duas
para pacientes que ainda não se encontram aptos
a praticar a equitação psico-educacional em gru-
po ou a ginástica de volteio (Spink, 2000).

7
Expressão comummente utilizada na gíria hípica.

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2. A Hipopsicoterapia ou Equitação Psicote- psicologia e a educação; e o desporto – ultrapas-
rapêutica sa o simples somatório do exercício relativo a
Surge como uma especialidade que deve ser cada identidade profissional.
concebida como um complemento criativo que Para além da identidade de cada intervenção
serve de catalizador para as psicoterapias de dever ser vista como inquestionável, a interdisci-
setting (Tyler, 1994). É uma intervenção que de- plinaridade torna-se inevitável e essencial em
ve ser realizada por um psicólogo ou um psiquia- qualquer uma delas.
tra no tratamento de perturbações emocionais e Esta área promove assim uma multiplicidade
sociais (Engel, 2000). de diferentes intervenções (ex: equitação psico-
terapeutica; equitação desenvolvimental; entre
3. Entre outras... outras possíveis) que mais se devem distinguir
pelos objectivos a atingir e pelas estratégias a de-
linear (a singularidade de cada intervenção) do
*** que pela constituição interna das suas equipas in-
terdisciplinares. O conceito de uma intervenção
Assim, e tal como já referimos, propomos um incólume deixa de fazer sentido e torna-se utópi-
modelo que pretende considerar a Equitação Te- co quando o sujeito passa a ser entendido na sua
rapêutica como uma área de intervenção tridi- globalidade.
mensional (ver Figura 2) onde a permeabilidade A medicina, a psicologia, a educação e o des-
e a dinâmica entre os principais agentes consi- porto, surgem, em nosso entender, como denomi-
derados – a medicina física e de reabilitação; a nadores comuns em todas as intervenções. Esta

FIGURA 2
Equitação Terapêutica: uma área de intervenção tridimensional

340
concomitância, sempre presente, contrapõe-se à e actividades restritos, repetitivos e estereo-
lógica do dualismo cartesiano mente-corpo e obri- tipados, e ainda atraso ou funcionamento
ga-nos a pensar nos aspectos intersubjectivos, anormal ao nível do jogo simbólico ou ima-
sem que nos possamos esquecer de que o forta- ginativo.
lecimento das relações sócio-familiares do sujei- - Perturbação de Rett
to é fundamental para o sucesso das terapias (sua - Sindroma de Asperger
evolução e eficiência), em particular quanto mais - Perturbação Desintegrativa da (Segunda) In-
tenra é a idade e mais preocupante se apresenta o fância
diagnóstico. - Autismo Atípico
- Traços de autismo.
1.2. Perturbações do Espectro do Autismo
Entendido actualmente, e na generalidade, co-
O termo Autismo foi criado em 1907 por Eu- mo um distúrbio de origem biológica, as teorias
gen Bleuler (Roudinesco & Plon, 2000). Porém, psicológicas têm dado, nos últimos anos, um con-
os primeiros escritos clínicos aceites como des- tributo importante ao tentar explicar a tríade de
crições de autismo foram publicados apenas em incapacidades em termos de um ou mais défices
1943, por Leo Kanner («Autistic Disturbances of psicológicos. Em meados dos anos 80, Uta Frith,
Affective Contact»). Este autor transformou a abor- Alan Leslie e Simon Baron Cohen, sugeriram a
dagem do autismo ao fazer a primeira descrição Teoria da Mente (Baron-Cohen & Swettenham,
do que denominou autismo infantil precoce (Bur- 1997). Seguiram-se teorias alternativas que vie-
sztejn, 1997). ram acrescentar alguns elementos numa tentativa
Três décadas mais tarde, no final dos anos 70, de chegarem a uma teoria mais abrangente. São
Lorna Wing, Hermelin e O’Connor (1979, cit. in disso exemplos: o Modelo de Russel (Russel, Mau-
Marques, 2000) sugeriram a existência de um pro- thner & Sharpe, 1991; Huges & Russel, 1993 cit.
blema nuclear central: uma tríade de incapacida- in Marques, 2000); a Proposta de Bowler (Bowler,
des («Tríade de Lorna Wing»), de que fazem par- 1992 cit. in Marques, 2000); a Função Executiva
te alterações ao nível da interacção social; altera- (Duncan, 1986 cit. in Marques, 2000; Baron-Cohen
ções da comunicação; alterações da imaginação & Swettenham, 1997); o Modelo de Hobson (Hob-
(Wing, 1996 cit. in Rodrigues, 2001). Referiram son, 1989, 1990 cit. in Marques, 2000); a Teoria
ainda existir um conjunto de outras característi- da Coerência Central (Sigman & Capps, 1997
cas (patologias, níveis de desenvolvimento, ida- cit. in Marques, 2000; Baron-Cohen & Swette-
de cronológica da criança) que, em associação, nham, 1997).
vão desencadear uma diversidade de sintomato-
logia muito específica, que se traduz em quadros
diferentes consoante as características, os com- ***
portamentos e a severidade. Assim sendo, em
1988, Wing propõe a introdução do conceito de Ao nível da intervenção, e considerando o de-
«Espectro do Autismo»: «The whole range of con- senvolvimento como o resultado de uma intrica-
ditions of which the triad was a part was referred ção entre factores genéticos e ambientais, que se
to as the autistic continuum» (Wing, 1997, p. 153). combinam em proporções desconhecidas, torna-
Assim, com base nesta noção de espectro e nos se necessária uma visão complementar entre as
critérios diagnósticos do Manual de Diagnóstico diferentes teorias.
e de Estatística das Perturbações Mentais, DSM- Neste sentido, este trabalho privilegiou a abor-
dagem estruturada onde ambos os modelos de
-IV (APA, 1994), temos a seguinte classificação:
intervenção, de natureza psicodinâmica (que en-
- Autismo clássico, com início antes dos três fatiza a necessidade de considerarmos a criança
anos de idade, pode ser diagnosticado quan- como um todo dinâmico e a importância das re-
do a criança apresenta défices qualitativos lações interpessoais) e comportamental (que põe
na interacção social e na comunicação, a tónica na necessidade de consistência, regula-
factos associados a várias características co- ridade e previsibilidade no ambiente da criança,
mo, padrões de comportamento, interesses assim como no uso da disciplina), têm facetas

341
positivas pelo que se torna necessário associá-las um do sexo feminino) diagnosticados com autis-
para se conseguir um bom trabalho com a crian- mo, com idades compreendidas entre os cinco e
ça autista (Misès & Grand, 1997; Furneaux & Ro- os dez anos, a residirem em diferentes zonas de
berts, 1979 cit. in Rodrigues, 2001). Lisboa. Sem nunca terem tido qualquer experi-
Foi com base nos fundamentos teóricos e me- ência com cavalos (ou terapias com outros ani-
todológicos que alicerçam esta abordagem, que mais), a totalidade dos participantes esteve a fre-
nos suportámos e orientámos para o presente tra- quentar o programa TEACCH (Treatment and
balho. Education of Autistic and related Communica-
O facto de termos conhecimento de que pes- tion Handicapped Children), em simultâneo com
soas com diferentes incapacidades e de todas as esta intervenção. Não tiveram qualquer outro apoio
idades têm encontrado benefícios com a Equita- pedagógico.
ção Terapêutica (FRDI, 2001; Copeland-Fitzpa-
trick & Tebay, 1998; Tyler, 1994; Karol, 2000; 2.3. Instrumentos
Brasic, 1998), suscitou-nos o interesse particular
pela compreensão da patologia autista no âmbito Psychoeducational Profile Revised (PEP-R)
desta intervenção (EPE), levando-nos à revisão (E. Schopler, R. J. Reichler, A. Bashford, M.
de diversos estudos (Englisch, 1994; Garrigue, Lansing, & L. M. Marcus, 1994) é composto por
Moutiez & Galland, 1994; Schulz, 1997; Citte- brinquedos e jogos apresentados à criança no
rio, 1997; Santos, 1999; Freire, 2000) que possi- contexto de actividades estruturadas de jogo. Apli-
bilitaram mais alguns dos cuidados metodológi- ca-se a uma população com idades compreendi-
cos considerados neste trabalho. das entre os seis meses e os sete anos, e de nível
Ao entrecruzar diferentes perspectivas (a dos educativo pré-escolar. Dá-nos informação em se-
educadores, a dos pais e a do técnico de EPE), te áreas do desenvolvimento e quatro do com-
perspectivou os seguintes objectivos: constatar a portamento. Estas onze áreas (173 itens), agru-
influência da EPE, ao nível do desenvolvimento pam-se da seguinte forma:
e do comportamento; validar a eficácia do trata-
a) Escala do Desenvolvimento (131 itens):
mento (EPE); observar o desenvolvimento de com-
Imitação (16 itens); Percepção (13 itens);
petências que permitam uma cada vez melhor
Motricidade Fina (16 itens); Motricidade
execução das tarefas propostas durante as ses-
Global (18 itens); Integração Óculo-Ma-
sões de EPE.
nual (15 itens); Realização Cognitiva (26
itens); Realização Verbal (27 itens).
b) Escala do Comportamento (42 itens): Re-
2. MÉTODO
lação e Afecto (12 itens); Jogos e Interes-
ses pelos Materiais (7 itens); Modalidades
Sensitivas (12 itens); Linguagem (11 itens).
2.1. Delineamento
Quanto à fidelidade do teste: um mesmo sujei-
Este estudo exploratório utilizou uma obser- to foi cotado para todas as áreas do teste por cin-
vação participante apoiada por uma metodologia co examinadores diferentes. Através do método
psicométrica. Teve como variável independente estatístico de correlação intraclasse estimou-se
a Equitação Psico-Educacional (EPE). As variá- um alto grau de similaridade nas cotações dos di-
veis dependentes foram onze: Imitação; Percep- ferentes examinadores (92%).
ção; Motricidade Fina; Motricidade Global; Inte- Quanto à validade: primeiro, a maioria dos itens
gração Óculo-Manual; Competências Cogniti- é retirada da Childhood Autism Rating Scale
vas; Capacidade de Cognição Verbal; Relação e (Schopler et al., 1988), pelo que, e segundo os
Afecto; Jogos e Interesses pelos Materiais; Mo- autores, a validade destes itens está directamente
dalidades Sensitivas; Linguagem. relacionada com a validade dela. Segundo, todos
os itens foram empiricamente testados durante
2.2. Participantes 20 anos. Aqueles que não tinham significado clí-
nico foram gradualmente eliminados. Por último,
Cinco indivíduos (quatro do sexo masculino e o quociente de desenvolvimento que pode ser

342
obtido a partir deste teste foi comparado com os ções (Infimamente; Pouco; Moderadamente; Mui-
resultados obtidos em testes de inteligência. Pa- to; Extremamente) às quais se associou uma co-
ra um nível de significância p=0.0001, obteve-se tação.
uma correlação significativa com os seguintes
quatro testes: Merrill-Palmer Scale (coeficiente Técnicas de Audiovisual – Na fase de Produ-
de correlação = 0.85); Vineland Social Maturity ção, a captação da imagem foi efectuada através
Scale (coeficiente de correlação = 0.84); Bayley de uma câmara de vídeo Panasonic Mini-DV e
Scales of Infant Development (coeficiente de cor- de uma câmara de vídeo Sony CCD-V800E/
relação = 0.77); Peabody Picture Vocabulary Test PAL, com a ajuda de um tripé Bilora 890. Na fa-
(coeficiente de correlação = 0.71). se de Pós-produção, a edição do material foi
efectuada em Sistema de Edição Não-linear
Autism Treatment of Evaluation Checklist AVID.
(ATEC) (B. Rimland, & S. M. Edelson, 2000) tem
como principal função, avaliar a eficácia das di- 2.4. Procedimento
ferentes intervenções com crianças autistas. Foi
elaborado para ser completado por pais, profes- O método de amostragem, por conveniência,
sores, ou por alguém que preste cuidados habi- procurou respeitar simultaneamente critérios éti-
tuais à criança. Estes, assinalam para cada subes- cos e de credibilidade diagnóstica. Após o con-
cala a letra correspondente à sua opção. Consiste sentimento informado (Kazdin, 1992), canaliza-
em quatro subescalas: I. Discurso/Linguagem Co- do para os pais, foram recolhidas (junto dos mes-
municação (14 itens); II. Sociabilidade (20 itens); mos e das educadoras) as respectivas anamnéses
III. Consciência Cognitiva/Sensorial (18 itens); (Brusset, 1985). Num momento posterior, o teste
IV. Saúde/Físico/Comportamento (25 itens). PEP-R (Schopler et al., 1994) foi aplicado a cada
Para medir a eficácia das intervenções, os au- criança, antes e depois do tratamento (EPE).
tores previram que um número de ATECs, sub- As sessões semanais de EPE perfizeram um
sequente ao ATEC inicial (linha de base), fosse período de 16 semanas. Decorreram aos fins-de-
efectuado por cada indivíduo, periodicamente, semana, sempre à mesma hora, quase sempre no
durante o processo de tratamento. Como tal, tanto mesmo picadeiro coberto e com a participação
os dados normativos, como a fidelidade do ins- do mesmo pónei a Duquesa – com cerca de 1,30
trumento, basearam-se nos primeiros 1358 m ao garrote, treinado para o efeito e aparelhado
ATECs iniciais (linha de base). O coeficiente de com o seguinte material: cabeçada com bridão;
correlação R de Pearson revela, para esta amostra, cabeção; rédeas fixas; suador; cilhão de argolas;
uma associação linear positiva muito elevada (Pes- uma guia.
tana & Gajeiro, 2000), atestando, desta forma, As 73 sessões descritas (na totalidade das cri-
um bom nível de consistência interna de cada sub- anças) podem ser divididas em dois períodos, sis-
escala (I. Linguagem = 0.92; II. Sociabilidade = tematizados em função de uma progressiva aqui-
0.836; III. Consciência Cognitiva/Sensorial = 0.875; sição de competências. O primeiro período inte-
IV. Comportamento = 0.815) e do ATEC em ge- gra a Adaptação e o Backriding, enquanto o se-
ral (0.942). gundo período corresponde ao Nível I e ao Nível
II (com uma complexidade e duração superiores).
Grelha de Observação (individual/sessão) pa- A Adaptação constou da tentativa de estabele-
ra Equitação Psico-Educacional (EPE) com cri- cimento de um vínculo de confiança com o cava-
anças autistas foi elaborada especificamente pa- lo e com os intervenientes humanos deste pro-
ra este trabalho, com base no PEP-R, no ATEC, cesso. A habituação ao local foi outro dos objec-
na Rafferty Therapeutic Riding Program Evalua- tivos presentes.
tion Form (Rafferty, cit. in Engel, 2000) e na ex- O Backriding foi integrado antes do Nível I,
periência do investigador. Considera duas situa- com dois propósitos complementares: promover
ções distintas, apeado e montado, organizadas a independência e a segurança emocional de ca-
em torno de duas áreas do Comportamento: Re- da criança.
lacionamento e Afecto, e Linguagem. Agrupa 40 Durante o segundo período (em que cada ses-
itens, classificados numa escala com cinco posi- são é dividida em duas partes: a individual, na

343
qual cada criança permanece sozinha em cima da B. Cognitivo
Duquesa; e a de emparelhamento, na qual cada - salientou-se uma melhoria substancial ao
criança permanece em cima da Duquesa, acom- nível da compreensão da linguagem;
panhada pelo seu par), utilizaram-se exercícios - a utilização da ecolália imediata, da ecolá-
da equitação desportiva normal, transformados e lia diferida e a presença de jargão ou de
adaptados, tendo em conta as necessidades espe- uma linguagem idiossincrática, tornou-se
cíficas de cada criança. menos frequente e melhor contextualizada;
No final de cada sessão, o seu registo foi ela- - da mesma forma, a articulação e a pronún-
borado com base na Grelha de Observação (indi- cia das palavras melhoraram e a linguagem
vidual/sessão) para Equitação Psico-Educacional tornou-se mais variada e espontânea;
(EPE), com crianças autistas e na redacção da - as suas capacidades de expressão melhoraram;
mesma pelo investigador. - passou a demonstrar um maior interesse e
Durante o período que mediou o início e o fim uma menor dificuldade no estabelecimento
da recolha de dados, cada criança foi filmada do contacto táctil;
mensalmente durante aproximadamente 20 mi- - passou a mostrar-se menos ausente;
nutos. Às mães de cada criança foi aplicado o - passou a aventurar-se mais para explorar o
Autism Treatment Evaluation Checklist (B. Rim- meio ambiente que o circunda.
land, & S. M. Edelson, 2000) quinzenal e exclu-
sivamente durante o período de aplicação do tra- C. Sócio-afectivo
tamento (EPE), a saber, 16 semanas. - registou-se um menor evitamento em esta-
belecer o contacto ocular com o outro;
- as suas reacções de medo tornaram-se mais
3. RESULTADOS adequadas à situação;
- passou a responder melhor às solicitações
Expõe-se seguidamente uma síntese dos resul- dos técnicos, a seguir as suas instruções e a
tados, organizada por participante, a partir de colaborar;
três aspectos indissociáveis: o comportamental; - passou a mostrar uma maior facilidade em
o cognitivo; e o sócio-afectivo. relacionar-se com os técnicos, com os seus
No conjunto das observações e das provas pares e com o cavalo;
realizadas, antes, durante e depois da aplicação - pareceu ter adquirido uma maior consciên-
do tratamento, sobressai uma melhoria marcada cia dos elogios dos técnicos e do seu signi-
em todos os participantes, com particular desta- ficado, apreciá-los e ficar mais motivado.
que para os resultados obtidos pelo Xavier.
O Dinis exibiu uma cada vez maior confiança
(em si, no cavalo e nos técnicos), autonomia,
correcção postural e consciência da posição do
3.1. Dinis (9 anos) seu corpo no espaço (que evoluiu de uma forma
lenta e discreta). Da mesma forma, exibiu um
A idade de desenvolvimento registou uma me- gosto cada vez maior pela tarefa e equilíbrio.
lhoria de dois meses. Pôde assinalar-se um agravamento no que se
refere à sua hiperactividade e à frequência e in-
A. Comportamento tensidade sonora dos seus uivos (gritos e/ou berros
- movimentos repetitivos (estalar os dedos, ba- agudos).
lancear-se, etc.), postura ou posição de mãos
anormal, e comportamentos auto-agressi-
vos, esbateram-se;
- os comportamentos hetero-agressivos desa- 3.2. Afonso (6 anos)
pareceram por completo;
- adquiriu um melhor controlo esfincteriano; A idade de desenvolvimento registou, também
- tornou-se menos apático. nesta criança, uma melhoria de dois meses.

344
A. Comportamento sua mente. Deste modo, o Afonso exibiu uma ca-
- as suas capacidades de imitação motora evo- da vez maior confiança (em si, no cavalo e nos
luíram de forma substancial; técnicos), autonomia, correcção postural e cons-
- passou a mostrar uma melhoria na capaci- ciência da posição do seu corpo no espaço (que
dade (que permaneceu irregular) para orga- evoluiu de forma lenta e discreta). Da mesma
nizar o seu comportamento no decurso de forma, exibiu um cada vez maior gosto pela ta-
tarefas estruturadas; refa (que o distinguiu positivamente em relação
- obteve um melhor controlo esfincteriano às outras crianças) e equilíbrio.
(diurno e nocturno), principalmente da uri- A sua capacidade de expressão verbal man-
na; teve-se nula e a gestual reduzida. As suas apti-
- foi visível uma quase permanente ausência dões para imitar verbalmente aquilo que outra
de comportamentos hetero-agressivos. pessoa diz, mantiveram-se ausentes.

B. Cognitivo
- salientou-se uma melhoria ao nível da coor-
denação das duas mãos e do seu uso con- 3.3. Xavier (8 anos)
junto com os olhos;
- mostrou-se mais capaz de pedir ajuda, so- A idade de desenvolvimento evidenciou uma
bretudo por gestos; melhoria marcada de onze meses.
- demonstrou ainda uma menor dispersão da
sua atenção (apesar de se manter inadequa- A. Comportamento
da para a sua idade cronológica);
- salientou uma melhoria substancial ao nível
- adquiriu uma maior consciência do perigo.
da sua capacidade de imitação motora;
- mostrou uma excelente evolução no que se
C. Sócio-afectivo
refere à sua agilidade, equilíbrio, energia e
- progressivamente, o estabelecimento do con-
dominância olho-mão e pé;
tacto ocular com o outro (apesar de se ter
- apresentou estereotipias, apenas ligeira e
mantido fugaz e irregular), tornou-se mais
ocasionalmente (nunca exibiu comporta-
frequente, franco e demorado;
- passou a mostrar uma maior facilidade em mentos auto ou hetero-agressivos);
se relacionar com o examinador; - passou a revelar uma maior adequação no
- as suas reacções de medo tornaram-se mais brincar sozinho, (deixou de se mostrar an-
adequadas à situação; gustiado e de se envolver em comporta-
- os seus acessos de cólera ou mau humor mentos de auto-estimulação).
tornaram-se menos frequentes;
- passou a responder melhor às solicitações B. Cognitivo
dos técnicos, a seguir as suas instruções e a - salientou uma melhoria substancial ao nível
tentar colaborar (ainda que de forma irregu- da sua capacidade de imitação verbal;
lar); - registou sempre uma boa, e cada vez me-
- pareceu ter adquirido uma bastante maior lhor, compreensão da linguagem;
consciência dos elogios dos técnicos e do - assinalou um progresso notável das suas
seu significado, apreciá-los e ficar mais mo- capacidades de expressão verbal e gestual;
tivado; - o seu estilo comunicativo melhorou subs-
- deixou de exibir qualquer aversão pela sen- tancialmente (o seu discurso passou a ter
sação de certas superfícies ou texturas; uma entoação normal e variada com ritmos
- mostrou ter-se tornado um pouco mais afec- e volume adequados; a utilização de pala-
tuoso (menos com os seus pares do que com vras e frases tornou-se adequada ao contex-
os técnicos) e gostar de ser abraçado/acari- to e com um maior sentido comunicativo);
ciado. - passou a revelar uma maior imaginação;
- mostrou uma maior capacidade para explo-
O cavalo revelou-se uma imagem assídua na rar o ambiente que o envolve;

345
- exibiu um aumento dos seus períodos de - registou a aquisição de um melhor controlo
atenção. esfincteriano (diurno e nocturno) da urina.

C. Sócio-afectivo B. Cognitivo
- mostrou ter adquirido um contacto ocular - evidenciou-se um melhor desempenho em
mais apropriado com o outro; tarefas que requerem o uso das mãos e dos
- apesar de revelar mais medo do que seria olhos em conjunto;
de esperar (tendo em consideração o seu ní- - registou-se uma melhoria ao nível das suas
vel de compreensão, a idade e a situação), capacidades de imitação verbal;
este tornou-se mais apropriado (menos ex- - registou uma melhoria ao nível da compre-
cessivo); ensão da linguagem;
- passou a preferir estar acompanhado; - exibiu uma melhoria do seu funcionamento
- passou a gostar de ser abraçado/acariciado; perceptivo relativamente à sua modalidade
- começou a rir com bastante mais frequên- visual;
cia; - passou a mostrar-se menos “enganchado”
- passou a responder melhor às solicitações ou fixo em certos objectos/assuntos.
dos técnicos, a seguir as suas instruções;
- a sua cooperação com o técnico tornou-se C. Sócio-afectivo
permanente; - a sua colaboração com o técnico, apesar de
- pareceu ter adquirido uma bastante maior cada vez maior, mostrou-se bastante instá-
consciência dos elogios do examinador e vel;
do seu significado, apreciá-los e ficar mais - evidenciou um interesse mais apropriado e
motivado; consistente por recompensas concretas;
- deixou de exibir qualquer aversão pela sen- - passou a responder de forma regular e
sação de certas superfícies ou texturas. apropriada à voz do examinador (por exem-
plo, responde quando é chamado pelo seu
Também esta criança revelou uma cada vez nome), indicando de forma não verbal que
maior confiança (em si, no cavalo e nos técni- ouviu a instrução (ex: vira a cabeça na di-
cos), autonomia, correcção postural e consciên- recção do examinador, volta para o seu lu-
cia da posição do seu corpo no espaço. A sua gar, etc.);
evolução mostrou uma enorme regularidade. - mostrou, cada vez menos, um contacto ocu-
lar fugaz e irregular;
- os seus acessos, esporádicos, de cólera, fú-
ria, desapareceram.
3.4. Júlio (6 anos)
O Júlio, tal como os restantes participantes,
A idade de desenvolvimento registou uma me- revelou um comportamento mais organizado a
lhoria de quatro meses. cavalo e uma cada vez maior: confiança, que adqui-
riu de forma rápida (em si, no cavalo e nos técni-
A. Comportamento cos), autonomia, correcção postural e consciên-
- registou-se uma melhoria ao nível das suas cia da posição do seu corpo no espaço. Da mes-
capacidades de imitação motora; ma forma, exibiu um cada vez maior gosto pela
- indiciou uma óptima evolução no que se re- tarefa. No essencial, mostrou-se afectuoso (prin-
fere à sua agilidade e equilíbrio; cipalmente com os seus pares) e quase nunca
- revelou uma menor desadequação em brin- exibiu qualquer comportamento agressivo. Ape-
car sozinho (deixou de se envolver tanto sar disso a sua evolução mostrou alguma insta-
em comportamentos de auto-estimulação); bilidade.
- a sua instabilidade foi marcante e a sua agi- Manteve uma capacidade de expressão verbal
tação foi manifesta e persistente, apesar de nula, quer espontânea quer quando estimulada.
tendencialmente decrescente; Contudo, evidenciou alguma capacidade de ex-

346
pressão gestual (que evoluiu), em particular para C. Sócio-afectivo
pedir ajuda. - passou a reagir de um modo menos desa-
O Júlio exibiu ainda alguns movimentos re- dequado ao contacto físico;
petitivos (girar sobre si próprio, balancear-se). A - passou a reagir à presença do examinador
sua atenção mostrou-se, com frequência, muito de uma forma menos desapropriada, mas
dispersa e flutuante (dando, por vezes, a enten- raramente iniciou a interacção;
der um ar ausente). - mostrou-se progressivamente mais colabo-
rativa, ainda que de forma irregular;
- passou a gostar mais de estar acompanhada;
- apesar de se ter esbatido um pouco nas úl-
3.5. Carla (10 anos) timas sessões, manteve um evitamento pro-
longado e excessivo do contacto ocular;
A idade de desenvolvimento registou uma me- - apesar do seu interesse se ter demonstrado
lhoria, de quatro meses. algo limitado e irregular, mostrou ter ficado
mais motivada com a perspectiva de obter
A. Comportamento sucesso numa actividade que lhe é proposta.
- registou uma pequena evolução ao nível
das suas capacidades de imitação motora; A Carla exibiu ainda uma cada vez maior: con-
- indiciou alguma evolução relativamente à fiança (em si, no cavalo e nos técnicos), autono-
sua agilidade, equilíbrio, e dominância olho- mia, correcção postural (todas adquiridas lenta-
-mão; mente) e consciência da posição do seu corpo no
- passou a apresentar menos problemas de espaço (embora se tenha mantido fraca). Da
sono; mesma forma, exibiu um cada vez maior gosto
- adquiriu um melhor controlo esfincteriano pela tarefa (que no seu máximo se mostrou mo-
(diurno) da urina; derado).
- passou a ter uma dieta menos limitada (pas- A sua linguagem foi um pouco difícil de
sou a gostar de mais coisas); compreender devido à articulação, à pronúncia
- deixou de exibir uma necessidade tão im- ou à confusão de sons. A sua atenção manteve-se
periosa de ter o seu ambiente sempre idên- algo dispersa. Mesmo assim, não se mostrou to-
tico; talmente ausente ou “dessintonizada”. No essen-
- tornou-se mais sensível à dor. cial, mostrou-se pouco irrequieta mas afectuosa
(principalmente com os seus pares). A sua evo-
B. Cognitivo lução, embora mais lenta do que a dos seus pa-
- mostrou um grande progresso ao nível da res, mostrou-se relativamente estável.
sua auto-suficiência, em tarefas que reque-
rem a coordenação das duas mãos, a ade-
quação da velocidade dos movimentos e da
sua força; 4. DISCUSSÃO
- registou uma melhoria manifesta ao nível
da compreensão da linguagem; Do capítulo anterior, ressalta o facto de os re-
- assinalou um ligeiro progresso relativamen- sultados serem concordantes com a totalidade
te às suas reduzidas capacidades de expres- das hipóteses colocadas neste trabalho.
são verbal e gestual; Relativamente à Escala do Desenvolvimento
- passou a prestar mais atenção quando al- do PEP-R, registou-se um aumento da Idade de
guém se lhe dirige; Desenvolvimento8 para todos os participantes.
- passou a explorar o ambiente de forma me-
nos desapropriada;
- passou a brincar com brinquedos de forma 8
Parâmetro que permite sintetizar a pontuação das
menos desapropriada e a explorá-los visual sete áreas presentes na Escala de Desenvolvimento do
e tactilmente, com mais interesse. PEP-R e, assim, concretizar de forma global as melho-
rias em cada criança.

347
Os resultados mostram-se inequívocos: o Di- Xavier foi a única criança a registar melhorias
nis e o Afonso registaram uma melhoria de dois em todas as áreas desta escala, e o Júlio o único
meses, o Júlio e a Carla de quatro. Estes progres- a registar melhorias em apenas uma. Contudo,
sos permitiram limitar o agravamento de um foi possível concluir que a área do Relaciona-
desfasamento (entre a idade cronológica e a ida- mento e Afecto foi a mais favorecida em todas
de de desenvolvimento) que se pensa poder ser as crianças.
maior na ausência desta intervenção. O Xavier Tendo em conta a sensibilidade do instrumen-
destacou-se dos restantes participantes, ao alcan- to ATEC, apenas no Júlio, os benefícios não
çar uma evolução de 11 meses que lhe permitiu, foram considerados suficientemente manifes-
de forma ímpar, diminuir essa discrepância (em tos para que, de uma forma global, o trata-
três meses). mento fosse considerado eficaz. Isto é, apesar
Os nossos resultados são coerentes com os de de se terem registado melhorias nos subtestes
Schulz (1997) na medida em que também apon- Sociabilidade e Saúde/Físico/Comportamento,
tam para o facto de a EPE ser promotora do de- estas não foram suficientes para compensar o
senvolvimento, do bem-estar e de comportamen- agravamento que os subtestes Discurso/Lingua-
tos mais adequados na criança. gem/Comunicação e Consciência Cognitiva/Sen-
A Escala do Comportamento do PEP-R per- sorial demonstraram.
mite observar que todas as crianças registaram A Figura 3 foi construída com base na distri-
melhorias, ainda que, na generalidade, circuns- buição das pontuações totais registadas nas di-
critas a algumas áreas. versas grelhas de observação utilizadas ao longo
Conforme os resultados supra apresentados, o das 16 semanas de EPE. Permite perceber, em

FIGURA 3
Síntese da distribuição das pontuações totais, registadas nas grelhas de observação, dos
cinco participantes

348
todas as crianças, o desenvolvimento de capaci- são verbal nula e uma capacidade de expressão
dades que lhes permitiram uma progressiva, não gestual reduzida. O estilo comunicativo (infle-
linear e óptima adequação à tarefa (tanto maior xões, entoações, etc.), verbal e não verbal, tornou-
quanto mais alta for a pontuação, ou seja, quanto -se mais normal, adequado ao contexto e com
mais se aproximarem do valor 160). maior sentido comunicativo, em apenas duas cri-
De acordo com este instrumento, também aqui anças: no Dinis e no Xavier. Nestas, a articula-
o Xavier se destacou dos outros participantes, ção, a pronúncia das palavras e a linguagem tor-
evidenciando uma evolução notável (de +99 pon- nou-se mais variada. A Carla testemunhou um
tos9), extremamente regular e obtendo a pontua- ligeiro agravamento.
ção final (de 130 pontos) mais próxima do valor Condizente com o estudo efectuado por Freire
máximo do total geral da grelha de observação (2000), enquanto a generalidade dos participan-
(160 pontos). tes revelou uma maior adequação no estabe-
Apesar do Dinis, do Afonso e do Júlio terem lecimento do contacto táctil, inversamente, o
exibido, com esta grelha, uma grande instabili- Júlio deixou de exibir qualquer aversão pela sen-
dade durante a sua progressão, obtiveram melho- sação de certas superfícies, tacteando-as, muitas
rias claras, pois que, entre o princípio e o fim, vezes, de maneira excessiva (algumas vezes,
registaram valores de +88, +89 e +77 pontos, quando fazia uma festa parecia querer arrancar o
respectivamente. O Dinis e o Júlio foram seria- pêlo do cavalo, noutras, as crinas ou a rabada).
mente prejudicados por esse comportamento ins- Esta criança adquiriu também uma tendência pa-
tável: na última sessão, ficaram muito aquém das ra saborear, lamber (inclusivamente os seus pa-
suas reais capacidades, já demonstradas. Por seu res), ou levar à boca objectos inapropriados.
turno, a Carla, embora tenha revelado valores Com excepção do Júlio, todas as outras crian-
bastante inferiores em relação a qualquer um dos ças passaram a utilizar melhor o seu corpo du-
outros participantes (obtendo a pontuação final rante as actividades e os períodos não estrutura-
de 81 pontos), exibiu uma boa regularidade nu- dos: as estereotipias (girar sobre si próprio, esta-
ma evolução que testemunhou um diferencial de lar os dedos, balancear-se, etc.), a postura ou po-
+65 pontos. sição de mãos anormal, ou os comportamentos
Estes resultados permitem estabelecer uma re- auto-agressivos (nas crianças que os apresenta-
lação íntima entre a instabilidade do comporta- ram) esbateram-se. Os comportamentos hetero-
mento mostrado nos traços da Figura 3 (do Di- -agressivos desapareceram por completo.
nis, do Afonso e do Júlio) e a hiperactividade de A totalidade das crianças apresentou progres-
cada criança: as duas crianças com uma evolução sos acentuados a diferentes níveis: o estabeleci-
mais regular (o Xavier e a Carla) foram também mento do contacto ocular com o outro tornou-
as que se mostraram menos hiperactivas. se progressivamente mais frequente, franco e de-
Este trabalho pôde apurar diferentes aspectos, morado; passaram a responder melhor às solici-
quer ao nível do Desenvolvimento quer do Com- tações dos técnicos, a seguir as suas instruções e
portamento. Quatro dos cinco participantes re- a colaborar. Em conformidade com o estudo
gistaram melhorias substanciais ao nível da efectuado por Freire (2000), as reacções emocio-
compreensão da linguagem. nais tornaram-se menos desadequadas e eles
Também quanto às capacidades de expressão passaram a mostrar uma maior facilidade em re-
verbal e gestual, quer espontâneas quer quando lacionar-se com os técnicos, com os seus pares,
estimuladas, a maioria das crianças registou me- com o cavalo; pareceram ter adquirido uma maior
lhorias. Estes resultados encontram confirmação consciência dos elogios dos técnicos e do seu
nos estudos de Garrigue, Moutiez e Galland (1994) significado, apreciá-los e ficarem mais motiva-
e de Englisch (1994). Mesmo assim, o Afonso e dos.
o Júlio mantiveram uma capacidade de expres- Durante as 16 semanas de EPE, as reacções
de medo do Xavier e do Dinis tornaram-se clara-
mente mais adequadas à situação, menos prolon-
gadas e passou a ser mais fácil descontraí-los e
acalmá-los. Ao invés, a Carla, mas principal-
9
Diferencial entre a última e a primeira sessão. mente o Júlio (que se punha de pé em cima do

349
cavalo sem qualquer hesitação) e o Afonso (que um destaque privilegiado ao estabelecer uma re-
com um ar sorridente e um olhar desafiador se lação íntima entre o movimento e a experiência
deixava escorregar repetidas vezes até tocar com psíquica: as crianças que mais melhoraram ao ní-
o pé no chão), deixaram-nos algumas dúvidas vel da motricidade (fina e global), com particular
quanto ao seu crescente à vontade: seria ele fru- destaque para o Xavier, foram também aquelas
to de uma cada vez mais precária consciência do que mais progrediram ao nível da Idade de De-
perigo, ou de um cada vez maior sentimento de senvolvimento, o que corrobora a tese de Schop-
confiança (em si, nos técnicos e no cavalo)? Dei- ler et al. (1994) quando refere que os programas
xavam transparecer que nada lhes podia acon- de educação física são de especial importância
tecer, a não ser o prazer que pareciam estar a ti- para alcançar um curriculum equilibrado para
rar das situações. crianças com handicaps (desvantagens) ao nível
Contrariamente ao Júlio, todas as outras crian- do desenvolvimento.
ças passaram a mostrar-se menos ausentes, mais Acrescenta-se ainda que todos os participantes
atentas. Tal como ele, também demonstraram um evoluíram de forma substancial relativamente às
interesse mais adequado e consistente pelas suas capacidades de imitação motora (imitar de
recompensas concretas (a sua realização e a sua forma mímica aquilo que vêem uma outra pessoa
atenção melhora quando lhe é proposto um bom- fazer). Apenas o Xavier e o Júlio evoluíram tam-
bom, um brinquedo, um sumo, etc.). bém nas suas aptidões para imitar verbalmente
Embora uns de forma mais evidente, todos aquilo que uma outra pessoa diz.
eles passaram a reagir de um modo menos desa- Quatro dos cinco participantes revelaram ter
dequado ao contacto físico com os outros; torna- adquirido um melhor controlo esfincteriano (di-
ram-se um pouco mais afectuosos (menos com urno e nocturno), principalmente da urina, e
os seus pares do que com os técnicos) e gosta- a maioria deles passou a apresentar menos pro-
ram de ser abraçados/acariciados; passaram a rir blemas de sono.
com maior frequência; mostraram um crescente Concordante com as observações efectuadas
prazer na interacção, ignorando cada vez menos no estudo de Schulz (1997), os comportamentos
as outras pessoas. No que se refere ao desenvol- agressivos, desorganizados, de evidente instabi-
vimento sócio-emocional, estes resultados mos- lidade e agitação, apresentaram uma tendência
tram-se consistentes com os de Garrigue, Mou- decrescente, sobretudo a cavalo (que se mostrou
tiez e Galland (1994) e Schulz (1997). eficaz na resolução imediata destes). O cavalo
Para a maioria dos participantes, os resultados revelou ser um organizador potente do com-
registados para a motricidade revelaram um portamento de todas as crianças e uma ima-
grande progresso ao nível da auto-suficiência em gem assídua nas suas mentes (bem como o local
tarefas que requerem a coordenação das duas mãos, da sessão). Este facto encontra confirmação no
da adequação da velocidade dos movimentos e estudo de Brown (2000). Os participantes exi-
da força. Indiciam ainda uma excelente evolução biram ainda um crescente sentimento de con-
tanto no que se refere à utilização dos braços e fiança (em si, no cavalo e nos técnicos) e auto-
pernas como da agilidade, equilíbrio, energia e nomia, fruto imprescindível, em nosso entender,
dominância olho-mão e pé. Estes resultados vêm de numa relação estável, verdadeira, promotora
reforçar o que diversos estudos (Delius, 1985; de saúde e desenvolvimento, e reactivadora da
Riedel, 1982; Klüwer, 1988; Danneil, 1985; sensorialidade do corpo-mente «(...) como via
Hauser, 1995; Struck, 1996; e outros) citados por para uma reequilibração vital (...)» (Salgueiro,
Schulz (1997) têm confirmado. 2002, p. 5).
Esta intervenção faz uso de exercícios direc- Assim sendo, o cavalo pode ser visto como
cionados às capacidades físicas de cada criança. um elo psico-afectivo e motor no seio de uma
Na medida em que são uma fonte de prazer pa- relação terapêutica da qual faz parte.
ra a maioria delas, podem actuar como facilita- Tal como é visível a partir do estudo efectua-
dores da interacção adulto-criança criando situa- do por Freire (2000), todas as crianças mostra-
ções privilegiadas de aprendizagem. Neste sen- ram uma progressiva e cada vez maior correcção
tido, enquanto intervenção psico-motora (Schulz, postural, consciência da posição do seu corpo no
1998), a Equitação Psico-Educacional merece espaço e uma cada vez melhor consecução dos

350
exercícios propostos (de complexidade crescen- dispensar uma leitura qualitativa dos dados,
te). Da mesma forma, exibiram uma cada vez ainda que associada a outras e diversas avalia-
menor necessidade do terapeuta e do co-terapeu- ções. Seria recomendável que o seu delinea-
ta se manterem, permanentemente, um de cada mento proporcionasse o controlo de um maior
lado do cavalo, próximos da criança (como refe- número de variáveis. O estudo comparativo com
rências organizadoras, tranquilizantes e securi- terapias alternativas (FRDI, 2001; Copeland-Fitz-
zantes). patrick & Tebay, 1998), inclusivamente com a
A visível satisfação, motivação e empenho, Pet Encounter Therapy (Johnson, 1997; Karol,
por parte dos pais que, por vezes, demonstraram 2000; Brasic, 1998), e com outras populações,
querer colaborar activamente nas sessões (como poderá também auxiliar a uma melhor compre-
co-terapeutas), num movimento de procura de ensão desta terapia.
envolvimento, é um dado também corroborado
pela investigação de Citterio (1997), e que pode
testemunhar uma mudança de atitude face ao 5. CONCLUSÃO
seu relacionamento com os seus filhos.
Este trabalho legitima a convicção de que a A EPE é, por excelência, uma terapia pela
EPE teve uma influência marcada nos resultados relação que valoriza a desorganização da criança
supracitados. Os participantes tornaram-se mais (reconhecendo os seus aspectos positivos), apro-
capazes de desenvolver a actividade, com uma veita e reforça as suas competências, os seus
maior responsabilidade pessoal e consciência talentos, tendo como aliado o cavalo, no diálogo
de controlo dos seus comportamentos (inclusiva- com as figuras parentais. É uma relação de per-
mente com os seus pares que resultou numa me- manente confiança e empatia, construída e vivi-
lhor apreensão da dinâmica entre os membros do da principalmente com a criança, mas também
grupo). com os seus pais e com o cavalo, em três mo-
Em síntese, tanto os resultados desta investi- mentos singulares: antes, durante e depois da
gação, como os estudos supra nomeados e cen- sessão.
trados em populações de crianças autistas, suge- Consideramos, pois, ser necessário afirmar a
rem a importância da Equitação Psico-Educa- premência de uma noção de conjunto (terapeu-
cional enquanto terapia psicomotora, promotora ta, criança, cavalo, co-terapeuta e equitador-guia),
de desenvolvimento. de sintonia-harmonia permanente, decisiva pa-
Todavia, a simultaneidade das intervenções ra o sucesso desta intervenção, e favorecida se o
TEACCH, EPE e, principalmente no caso do cavalo estiver impregnado de alguns traços da
Xavier, de uma intervenção médica e medica- personalidade do terapeuta-equitador, isto é, se
mentosa, constituíram alguns dos problemas me- por ele for trabalhado. Constata-se, desta forma,
todológicos que vieram limitar as conclusões o surgimento de um cenário relacional-emocio-
deste estudo. nal complexo, centrado principalmente em duas
Ainda assim, e de um modo geral, pensamos “novas relações” (terapeuta↔ ↔criança↔ ↔cava-
ter contribuído com um testemunho que permite lo), tal como é documentado na Figura 4.
reforçar a hipótese terapêutica desta intervenção. Estas relações terapêuticas constituem-se
No que respeita à investigação futura, sugere- então como parte integrante de um núcleo inter-
se uma intervenção precoce com uma metodolo- ventivo transformador (da criança e da sua rela-
gia longitudinal de maior duração (para assegu- ção com a sua família) no qual a criança acaba,
rar a sua eficiência e não apenas a sua eficácia 10) em parte, também por se incluir. Deste modo, ela
e com uma amostra representativa. Nunca deverá também intervém no seu próprio processo de
mudança. Ao adquirir e mobilizar recursos in-
ternos que lhe permitam fazer face às novas ex-
periências, ao mudar, introduz elementos novos
na sua relação com os pais, contribuindo activa-
10
Entenda-se como uma intervenção superficial, de mente para a mudança dessa relação primor-
acção paliativa e pouco duradoura: «a aspirina que tira dial, potencializando-a e promovendo, ainda
a dor mas que não cura». que indirectamente, o seu próprio desenvolvi-

351
FIGURA 4
Modelo relacional exemplificador da situação EPE

Pais

primordial
Relação
criança

Terapeuta
transformador
interventivo

Co-terapeuta/
Núcleo

Equitador-guia

Cavalo

mento e amadurecimento, nas suas diferentes sintonia permanente com os diferentes agentes
vertentes: sócio-afectiva, cognitiva e comporta- educativos envolvidos. Só assim nos parece pos-
mental. sível estruturar programas de intervenção adap-
Em nosso entender, a EPE, quando aplicada a tados às diferentes necessidades, características e
crianças autistas, é uma actividade que deve ser capacidades de cada criança, assegurando uma
integrada em modelos educativos estruturados maior eficiência.
possibilitando uma complementaridade que po-
tencie os efeitos de ambas as intervenções. De
uma forma mais genérica, ao interferir directa- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
mente nas diversas relações sociais, pensamos
dever manter-se como uma actividade circunscri- American Psychiatric Association (1994). Manual de
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Este estudo exploratório, ao considerar a Equitação the parents were asked to fill out the Autism Treatment
Terapêutica como uma área de intervenção tridimen- of Evaluation Checklist (Rimland & Edelson, 2000),
sional, pretendeu enfatizar alguns dos aspectos rela- every two weeks; and, at last, audiovisual techniques
cionais implícitos e averiguar se, após a aplicação da were also applied on a monthly basis. The results ful-
Equitação Psico-Educacional – EPE (uma sessão se- filled all the hypotheses raised at the start of this study.
manal durante dezasseis semanas), em cinco crianças This evidence raises the question on the importance of
(entre os cinco e os dez anos) diagnosticadas com au- the horse’s catalytic role in the core of a technician-
tismo, se registariam: melhorias ao nível do desenvol- child “new relationship”, which must be viewed as
vimento e do comportamento; dados que pudessem crucial and transforming.
confirmar a eficácia do tratamento; progressos na Key words: Psycho-educational riding, autism, the-
adequação de cada participante às diferentes tarefas rapeutic relationship, transforming interventional nu-
propostas no decurso das sessões. A metodologia uti- cleous, psychotherapy, re-habilitation.

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