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ARTIGO ARTICLE
desafios e novas responsabilidades profissionais
Abstract The physiotherapist is destining its at- Resumo O fisioterapeuta vem destinando sua
tention almost exclusively on the cure of patients atenção, quase que exclusivamente, à cura de do-
and their rehabilitation. However, the new epi- entes e à reabilitação de sequelados. No entanto, o
demic profile and the new logic of organization of novo perfil epidemiológico e a nova lógica de or-
the health system suggest the restructuring of this ganização do sistema de saúde sugerem a reestru-
professional practices and the re-definition of the turação das práticas profissionais e a redefinição
field of the physiotherapist’s performance. In this do campo de atuação do fisioterapeuta. Neste sen-
sense, this article aims to discuss the reorienta- tido, esse artigo tem por objetivo discutir a reori-
tion of the field of the physiotherapy professional entação do campo de atuação profissional da fisi-
performance and the new possibilities of acting at oterapia e novas possibilidades de atuação no SUS.
the Unified Health System (SUS). The article Inicialmente, realiza-se um debate sobre as tran-
starts with a debate about the demographic, epi- sições demográfica, nutricional e epidemiológica
demiological and nutrition transitions and the e as novas demandas profissionais diante dos no-
new professional demands before the new atten- vos modelos assistenciais. Tomando como referên-
dance models. Taking as reference the model of cia o modelo de Vigilância em Saúde e a atenção
health surveillance and the primary attention as básica como eixo de reestruturação do sistema de
a restructuring axis of the health system, it is saúde, evidencia-se a necessidade de superação da
highlighted the overcome of the rehabilitation as reabilitação como único nível de atuação profis-
only level of professional performance and showed sional e apresenta-se o modelo da fisioterapia co-
the collective model of the physiotherapy as an letiva como instrumento para reorientação da
instrument of reorientation of the physiothera- atuação do fisioterapeuta. Por fim, apresentam-
pist’s performance. Finally, it is presented some se algumas possibilidades de atuação do fisiotera-
possibilities of the physiotherapist’s performance peuta na atenção básica e no âmbito coletivo.
in the basic attention and in the collective ambit. Palavras-chave Fisioterapia, Saúde coletiva, Sis-
Key words Physiotherapy, Physical therapy, tema Único de Saúde, Vigilância à saúde, Pro-
1
Collective health, Unified Health System, Health moção da saúde
Instituto Multidisciplinar
de Saúde, Universidade surveillance, Health promotion
Federal da Bahia. Av. Olívia
Flores 3000, Candeias.
45055-090 Vitória da
Conquista BA.
jpatricio@ufba.br
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Bispo Júnior JP
Com a atuação dentro de um território esta- apenas quando a doença já está instalada e, na
belecido e como uma população definida, o fisio- maioria dos casos, de forma avançada. Nesse caso,
terapeuta passa ter a possibilidade de acompa- destacam-se como locus de atuação o hospital e a
nhar mais proximamente e ser responsável pela clínica de reabilitação, espaços tradicionalmente
saúde da população adscrita. A lógica da respon- estabelecidos e popularmente valorizados para a
sabilização estimula o desenvolvimento de no- prática fisioterapêutica. A priorização desses es-
vas relações entre profissionais e usuários, com paços condiciona e restringe as possibilidades de
o estabelecimento de vínculos, e a possibilidade intervenção em apenas um nível de atenção, a re-
de um acompanhamento continuado, o que po- abilitação. Tal situação impõe à população gran-
tencializa o desenvolvimento de ações promocio- de carga de doenças e sequelas, que poderiam ser,
nais e preventivas16,17. em muitos casos, evitadas. Os conhecimentos ine-
rentes à fisioterapia também podem contribuir
para prevenção de doenças e sequelas, quando
Fisioterapia coletiva: utilizados em outros níveis de atenção.
novo modelo de atuação profissional Segundo o modelo da história natural da
doença, proposto por Leavell e Clark18, os níveis
A Figura 1 apresenta uma representação esque- de prevenção são hierarquizados em prevenção
mática da limitada área de atuação da fisiotera- primária, secundária e terciária, a depender do
pia reabilitadora. Pela sua própria concepção e momento da intervenção. Ao relacionar a atua-
sua conformação ao modelo assistencial curati- ção do fisioterapeuta com esses níveis de preven-
vo, a fisioterapia destinou-se, quase exclusiva- ção, observa-se uma atuação destinada ao con-
mente, ao controle dos danos de determinadas trole de danos (doenças, sequelas e agravos), ou
doenças. A atuação na fisioterapia reabilitadora seja, restringindo-se ao nível da reabilitação.
é destinada à cura de determinadas enfermida- Embora, nos últimos anos, a fisioterapia te-
des e/ou a reabilitação de sequelas e complica- nha ampliado e aprofundado seus conhecimen-
ções. Seu objeto de intervenção é o sujeito indivi- tos técnicos e alargado sua área de atuação, a
dualizado, quando não, apenas partes ou órgãos exemplo da acupuntura, estética, Pilates, RPG,
isolados do corpo. fisioterapia desportiva e fisioterapia respirató-
Esta atuação direcionada apenas para o con- ria, essa ampliação ocorreu, majoritariamente,
trole de danos impõe restrições à prática do pro- no nível terciário. Mesmo com a ampliação das
fissional fisioterapeuta, que se limita a intervir possibilidades de atuação do profissional, ainda
predomina uma atenção destinada à recupera-
ção de distúrbios ortopédico-traumatológicos e
neurológicos. Como em sua gênese, a fisiotera-
pia ainda concentra seu foco na reabilitação de
indivíduos vítimas de doenças ocupacionais, le-
sões por traumas e acidentes, sequelados de do-
Fisioterapia reabilitadora enças isquêmicas ou cerebrovasculares e distúr-
bios do sistema nervoso central e periférico.
Diante dos novos desafios da sociedade bra-
Controle de danos sileira, com profundas mudanças na organiza-
ção social, no quadro epidemiológico e na orga-
nização dos sistemas de saúde, surge a necessi-
X Cura dade do redimensionamento do objeto de inter-
venção da fisioterapia, que deveria aproximar-se
do campo da promoção da saúde e da nova lógi-
Casos X Sequela ca de organização dos modelos assistenciais, sem
abandonar suas competências concernentes à
reabilitação. Esse redimensionamento do objeto
X Reabilitação de intervenção e da praxis profissional conduz às
mudanças mais profundas, de natureza episte-
mológica, na concepção e atuação do profissio-
nal fisioterapeuta.
Figura 1. Diagrama do modelo da fisioterapia Frente a esses desafios e necessidades, surge a
reabilitadora. proposição do modelo da fisioterapia coletiva19
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Assim, deve ser destacado que o modelo da ciedade, como infraestrutura, economia, educa-
fisioterapia coletiva não visa extinguir as ações ção e habitação, em ações desenvolvidas em con-
de cura e reabilitação característica da fisiotera- junto e com a participação da sociedade.
pia reabilitadora, mas sim acrescentar novas Quanto ao modelo de prestação de serviços
possibilidades e necessidades de atuação do fisio- de saúde, esse deve ser descentralizado e hierar-
terapeuta frente ao atual quadro sanitário e da quizado, e organizado em níveis crescentes de com-
nova lógica de organização do SUS. plexidade14-16. O sistema deve estruturar-se de
As definições e proposições aqui expostas não forma a oferecer uma ampla cobertura da aten-
dizem respeito à mera adjetivação – reabilitado- ção básica, contemplando grandes parcelas da
ra ou coletiva – da profissão de fisioterapia, mas população. A atenção básica deve ser resolutiva,
sim à adequação e redefinição da praxis profissio- solucionar os problemas de saúde mais prevalen-
nal e do seu objeto de trabalho. O objeto da atu- tes na população e encaminhar para outros níveis
ação da fisioterapia continuará sendo o movi- os problemas não solucionados em seu âmbito.
mento humano; no entanto, essa atuação não se Essa lógica de estruturação do sistema obje-
dará, exclusivamente, no indivíduo doente e se- tiva o oferecimento de uma assistência integral à
quelado; antes, porém, a atuação será direciona- população. E integralidade não é apenas diretriz
da às coletividades humanas, buscando trans- do SUS, integralidade é “bandeira de luta”, é um
formar hábitos e condições de vida, promoven- conceito que permite uma identificação dos su-
do saúde e evitando, consequentemente, distúr- jeitos como totalidades. A assistência integral ex-
bios do sistema locomotor. trapola a estrutura organizacional da assistência
A fisioterapia necessita romper com as bar- de saúde e prolonga- se pela qualidade real da
reiras do modelo biologicista-curativo em que atenção individual e coletiva assegurada aos usuá-
sempre se apoiou e se aproximar da saúde cole- rios do sistema de saúde22. Ainda segundo o con-
tiva, que valoriza o social como categoria analíti- ceito de integralidade, as pessoas são encaradas
ca do processo saúde-doença e propõe novas for- como sujeitos, a atenção deve ser totalizadora e
mas de organização do setor saúde20. A aproxi- levar em conta as dimensões biológica, psicoló-
mação entre fisioterapia e saúde coletiva possibi- gica e social, visto que o homem é um ser indivi-
litará novas reflexões sobre o papel da fisiotera- sível e não pode ser explicado pelos seus compo-
pia no atual quadro epidemiológico e na nova nentes considerados separadamente23.
lógica de organização dos serviços de saúde, com Para atingir a assistência integral, é necessá-
grande potencial para a redefinição epistemoló- rio ampliar a capacidade do sistema, com garan-
gica do campo científico da profissão, tornan- tia do acesso à atenção primária, secundária e
do-a cientificamente mais fundamentada, sani- terciária, sem perder de vista as ações promocio-
tariamente mais contextualizada e socialmente nais e de controle de riscos. No entanto, os mu-
mais comprometida. nicípios têm demonstrado dificuldades para ga-
rantir o acesso da população aos outros níveis
de assistência, especialmente no nível secundá-
Fisioterapia e atenção básica: rio24. Os municípios, especialmente os de peque-
novas possibilidades de atuação no e médio porte, têm conseguido, relativamen-
te, ampliar a cobertura do Programa de Saúde
Com a definição da atenção básica como eixo cen- da Família (PSF); no entanto, têm encontrado
tral de reestruturação do modelo assistencial bra- dificuldades no estabelecimento de um sistema
sileiro, impõem-se uma nova lógica de organiza- regionalizado de referência e contrarreferência
ção dos serviços e uma redefinição na atuação que garanta uma assistência integral à popula-
dos profissionais de saúde. Esse novo modelo ção. Segundo Alves25, a expansão do PSF tem fa-
busca romper com o curativismo do modelo vi- vorecido a equidade e universalidade da assis-
gente, reestruturando e articulando a assistência tência, uma vez que as equipes têm sido implan-
com ações de promoção da saúde, controle de tadas, prioritariamente, em comunidades antes
risco e prevenção de doenças. Cabe destacar o restritas quanto ao acesso aos serviços de saúde.
enfoque que deve ser dado às ações intersetoriais, Todavia, a integralidade das ações continua a ser
visto da incapacidade do setor saúde de reverter, um problema para o sistema de saúde.
isoladamente, os determinantes mais gerais e es- Diante desse contexto, a aproximação entre a
truturais das condições de vida21. Estes determi- fisioterapia e o nível primário apresenta-se como
nantes só poderão ser transformados com a arti- alternativa capaz fortalecer a atenção básica, au-
culação dos diversos setores do governo e da so- mentando a resolutividade do sistema e contri-
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senvolvimento de atividades em grupo, que além de saúde, com população e território adscritos.
da realização das atividades anteriormente des- A exemplo dos conselhos municipais de saúde,
critas, possibilita um espaço de partilha de me- os conselhos locais devem ser compostos por
dos, inseguranças, expectativas e experiências. representantes dos usuários, dos profissionais
No que se refere à população idosa, a atua- de saúde e dos gestores, e devem ter a responsa-
ção do fisioterapeuta na atenção básica possibi- bilidade de discutir os principais problemas de
lita o desenvolvimento de ações relacionadas à saúde da localidade, definindo estratégias a se-
melhoria da postura, o estado físico-funcional, rem implementadas em nível local e elaborando
além de estimular o desenvolvimento da autoes- proposições para discussão no âmbito munici-
tima e bem-estar. O fisioterapeuta deve traba- pal e regional.
lhar com grupos de idosos, realizando as seguin-
tes atividades: orientação da postura corporal;
exercícios de relaxamento, alongamento e auxí- Desenvolvimento de ambientes saudáveis
lio ao retorno venoso; caminhadas e atividades e incentivos a estilos de vida saudáveis
físicas moderadas; orientação quanto ao posicio-
namento adequado do mobiliário do lar, banhei- A atuação do fisioterapeuta no desenvolvimento
ros e dispositivos auxiliares; dentre outros. de ambientes saudáveis perpassa por ações de-
senvolvidas junto aos indivíduos, as famílias e a
comunidade, objetivando promover condições
Desenvolvimento dignas de vida e saúde. O fisioterapeuta deve pro-
da participação comunitária mover a conscientização e a mobilização da co-
munidade em defesa de moradias dignas e con-
O envolvimento e a participação da comunidade dições estruturais básicas, como abastecimento
têm sido cada vez mais utilizados como instru- de água, esgotamento e tratamento dos dejetos
mento para elevação dos níveis de saúde. Além sanitários, coleta de lixo e pavimentação de ruas;
disso, a participação comunitária propicia a va- identificar barreiras arquitetônicas e mobilizar a
lorização da cidadania e elevação do capital so- comunidade para reversão dessas barreiras; sen-
cial28. O ser humano é, em essência, um ser parti- sibilizar a comunidade para defesa do meio am-
cipativo e a prática da participação facilita o cres- biente, a exemplo de preservação de áreas verdes
cimento da consciência crítica, fortalece o poder e mananciais, além de estar atento para os níveis
de mobilização e interação para o entendimento e de educação, lazer e condições de trabalho da
condução de sua vida social29. Desta forma, o fisio- população.
terapeuta deve atuar no âmbito comunitário, in- No que tange ao desenvolvimento de habili-
centivando e estimulando a participação da co- dades pessoais, o fisioterapeuta atuará, princi-
munidade nas questões relacionadas à saúde. palmente, no desenvolvimento de hábitos de vida
Deve-se buscar o despertar da comunidade saudáveis tais como incentivo à prática da ativi-
para a valorização da saúde individual e coletiva dade física regular; adoção de hábitos alimenta-
e conscientizar a população sobre o seu protago- res saudáveis; combate ao tabaco, ao álcool e às
nismo na condução do sistema de serviços de drogas ilícitas; desestímulo à promiscuidade e
saúde. Nesse sentido, a participação lograria a estabelecimento de relações parentais estáveis;
identificação dos principais problemas que atin- educação sexual para jovens e adultos; e incenti-
gem a comunidade; a corresponsabilização pela vo à valorização e corresponsabilização da pró-
saúde; a participação no planejamento e defini- pria saúde e saúde da comunidade. Desta forma,
ção das ações de saúde; a fiscalização dos recur- o fisioterapeuta contribuiria ao desenvolvimen-
sos da saúde; a identificação de crenças e hábitos to da promoção da saúde, tanto no desenvolvi-
prejudiciais à saúde, estimulando hábitos de vida mento de habilidades individuais, quanto nas
saudáveis; a mobilização da comunidade para a questões estruturais condicionantes das condi-
realização de campanhas de vacinação, preven- ções de vida.
ção de doenças, aleitamento materno, etc.
Apresenta-se aqui os conselhos locais de saú-
de como importante instrumento para potencia- Considerações finais
lizar a participação da comunidade. O fisiotera-
peuta, juntamente com os demais componentes Esse trabalho apontou algumas possibilidades
da equipe, deve estimular a criação desses conse- de atuação do fisioterapeuta no SUS, com desta-
lhos, tendo como referência uma unidade básica que para o nível primário. No entanto, deve ser
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