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5.

Biblioterapia

Embora se estude a morte, perdas e luto há mais tempo, as referências bibliográficas que tratam de como trabalhar essas
questões com crianças por meio da literatura infantil, em geral, não são antigas.

Ao iniciar o Doutorado, em 2003, encontrei pouca literatura específica sobre trabalhos relacionados à utilização de livros
infantis em situações de morte e luto. Os trabalhos relativos à literatura infantil mais divulgados referiam- se aos contos de
fadas, que não se configuravam no momento como meu objeto de e studo.

Em 2005-2006, voltando a pesquisar literatura a respeito da utilização de livros como recurso terapêutico, encontrei vários
artigos em um periódico especializado nas questões sobre a morte e o morrer: Omega — Journal of Death and Dying. Esse
periódico dedicou o volume 48, n. 4 (2003-2004), a esse tema. Nele encontrei o termo Bibliotherapy. A partir daí, comecei a
procurar referências bibliográficas internacionais e nacionais a respeito.

Nos textos internacionais, a biblioterapia está associada a trabalhos com pessoas enlutadas, principalmente crianças. Algumas
dessas referências traziam títulos de livros infantis que abordam o assunto morte, como, por exemplo, os livros História de uma
Folha (de L. Buscaglia) e Tempos de Vida (de B. Mellonie e R. Ingpen), que são considerados clássicos no tema e foram
traduzidos para o português em 1982 e 1997, respectivamente.

Nos artigos nacionais, encontrei pouco material sobre biblioterapia, desenvolvidos por profissionais de biblioteconomia.

Como considero a proposta da biblioterapia pertinente e semelhante em

alguns aspectos àquilo que me proponho desenvolver, dediquei um capítulo ao tema.

Origem da palavra

Caldin (2001), Seitz (2000) e Walker (1986) afirmam que essa palavra se origina do grego:

Biblion: todo tipo de material bibliográfico ou de leitura. Therapein: tratamento, cura ou restabelecimento.

Histórico

A biblioterapia existe desde a Antiguidade. Inicialmente, as histórias eram lidas para entreter crianças, jovens e adolescentes,
procurando ocupar seu tempo ocioso, até que o uso foi identificado como um procedimento terapêutico, passando, então, a ser
utilizado em prisões, hospitais e manicômios.

Em várias culturas e em épocas distintas a leitura tem sido instrumento de auxílio no cuidado à saúde.

Podem ser citados inúmeros exemplos:

— O uso da leitura com objetivo terapêutico existe desde o antigo Egito. No tempo do faraó Rammsés II , que colocou na
frente de sua biblioteca a seguinte frase: Remédios para alma, as bibliotecas egípcias se localizavam em templos denominados
casas de vida e eram identificadas como locais de conhecimento e espiritualidade.

— Entre gregos e romanos, na Idade Média, encontra-se a indicação de que a leitura era vista como atividade que possibilitava,
além do desenvolvimento cultural e a formação do cidadão, desempenhar o papel terapêutico.

— No Oriente, na cultura muçulmana, mais particularmente no Hospital Al Mansur (1272), recomendava-se a leitura de
trechos específicos do Alcorão como parte do tratamento médico.

A leitura foi indicada no tratamento para doentes mentais, em 1802, por Benjamin Rush (EUA ). Em 1810, recomendou a
biblioterapia como apoio à psicoterapia para pessoas portadoras de conflitos internos, depressão, medos ou fobias e também
para idosos. Mas somente no século XX, a partir da década de 1930, a biblioterapia passou a ser vista como um campo de
pesquisa, ser valorizada como ciência e não só como arte. Dessa maneira a biblioterapia ganhou mais status, sendo considerada
campo de pesquisa e de atuação profissional, no âmbito clínico e educacional (Ferreira, 2003; Pardini, 2002; Ribeiro, 2006;
Seitz, 2000; Witter, 2004).

A partir de 1904, a biblioterapia passou a ser considerada um ramo da

biblioteconomia. Os bibliotecários a assumiram como atividade recreacional e ocupacional, o que antes era atividade
terapêutica exercida por médicos americanos no tratamento de seus pacientes. Recebeu um grande impulso durante a Primeira
Guerra Mundial e até hoje ainda se discute sua aplicação por bibliotecários (Pardini, 2002; Pereira, 1996; Seitz, 2000).

Como proposta terapêutica, profissionais de saúde mental têm confiado nas histórias para ajudar na promoção de pensamentos
reflexivos dos pacientes (Heath, Sheen, Leavy, Young & Money, 2005).

Ratton (1975), citado por Seitz (2000), afirma que o livro é capaz de proporcionar uma série de benefícios, incluindo aumento
da autoestima, desenvolvimento de atitudes sociais desejáveis, escolha de valores facilitados pela identificação com
personagens adequados e estímulo para a criatividade.

O primeiro dicionário que mencionou o termo biblioterapia foi o Dorland’s Ilustred Medical Dictionary, em 1941, definindo-o
como o “emprego de livros e a leitura deles no tratamento de doença nervosa”.

Nas décadas de 1940-1960 foram produzidos muitos estudos e publicações a respeito. Em 1961, o Webster’s Third
International Dictionary definiu a biblioterapia como “o uso de material de leitura selecionado, como adjuvante terapêutico em
Medicina e Psicologia e guia na solução de problemas pessoais por meio da leitura dirigida” (Seitz, 2000).
Em 1949, em forma de tese de Doutorado — “Biblioterapia: um estudo teórico e clínico” —, Caroline Shrodes lançou as bases
atuais da biblioterapia. Por isso, é referenciada entre os autores que tratam do tema. Definiu biblioterapia como a prescrição de
materiais de leitura que auxiliam o desenvolvimento da maturidade e que nutrem e mantêm a saúde mental. Incluiu na
biblioterapia publicações como: romances, poesias, peças teatrais, filosofia, ética, religião, arte, história e livros científicos
(Caldin, 2001; Seitz, 2000).

Na década de 1970, muitos avanços deram origem ao desenvolvimento da biblioterapia como um campo a ser explorado por
médicos, psicólogos, bibliotecários, educadores e outros profissionais.

Witter (2004) informa que, inicialmente, encontrava-se o enfoque médico ao definir a biblioterapia como um tratamento para
problemas de saúde física e mental. No dicionário Michaellis (1998) o termo biblioterapia aparece como termo médico e indica
“o emprego de leituras selecionadas como adjuvantes terapêuticos no tratamento de doenças nervosas”, ignorando o enfoque
educacional destacado por Hynes (1987), que vê na biblioterapia a possibilidade de sua utilização no desenvolvimento pessoal.
No dicionário Houaiss, Villar e Franco (2001) o termo é apresentado como oriundo da Psicologia e significa o emprego de
livros e de leituras no tratamento de distúrbios nervosos, mantendo o enfoque clínico sem mencionar sua aplicabilidade para o
desenvolvimento pessoal ou na educação.

Afirma: “Infelizmente, por falta de pessoal capacitado, ela [a biblioterapia] é ainda pouco difundida a despeito de seu alto
potencial para prevenir e resolver problemas psicossociais, além de ser uma opção muito econômica” (Witter, 2004, p. 184).

Pereira (1987), citada por Seitz (2000), refere-se ao Dr. Karl C. Menninger como um dos primeiros médicos a citar os
benefícios da biblioterapia. Segundo ele, a biblioterapia pode levar o leitor a:

— Identificar-se com o caráter e/ou experiência apresentados no livro, que poderá resultar numa ab-reação.

— Proporcionar alívio pelo reconhecimento de que outros têm problemas similares.

— Fazer projeção de suas características pessoais nos personagens.

Acrescenta ainda: “Quando um leitor é estimulado a comparar suas ideias e seus valores com os dos outros, poderá resultar em
mudanças de atitude” (Seitz, 2000, p. 24).

A biblioterapia vem sendo pesquisada em presídios, hospitais, com idosos e com pessoas deficientes, mostrando-se eficiente
para o aumento do equilíbrio psicológico de pessoas institucionalizadas (Seitz, 2000).

São várias as definições encontradas para biblioterapia, mas todas direcionadas ao aspecto emocional do indivíduo:

A biblioterapia desenvolveu-se, principalmente, em ambientes hospitalares e clínicas de saúde mental. Sua aplicação se deu
quase sempre de forma corretiva e voltada para aspectos clínicos de cura e recuperação de indivíduos com graves distúrbios
emocionais e comportamentais (Seitz, 2000, p. 20).

Para Marcinko (1989), citado por Ferreira (2003), a biblioterapia pode ser aplicada num processo de desenvolvimento pessoal e
também num processo clínico de cura. Tem como objetivo promover a integração de sentimentos e pensamentos a fim de
promover autoafirmação, autoconhecimento ou reabilitação.

A biblioterapia consiste no compartilhamento de livros ou histórias com a intenção de ajudar um indivíduo ou grupo a obter um
discernimento sobre problemas pessoais. Quando usada de maneira apropriada, pode-se obter cura e crescimento emocional
(Heath et al., 2005).

A biblioterapia é vista como um processo interativo. É uma técnica que se utiliza da leitura e outras atividades lúdicas como
coadjuvantes no tratamento de pessoas acometidas por doenças físicas ou mentais. É aplicada na educação, na saúde e na
reabilitação de indivíduos em diversas faixas etárias. As histórias

podem levar a mudanças, pois ajudam as crianças a enxergar outras perspectivas e a distinguir opções de pensamentos,
sentimentos e comportamentos, dando oportunidades de discernimento e entendimento de novos caminhos saudáveis para
enfrentar dificuldades (Caldin, 2001, 2002, 2004, 2005; Ferreira, 2003; Heath et al., 2005; Lucas, Caldin e Silva, 2006; Pardini,
2002; Ribeiro, 2006; Seitz, 2000; Witter, 2004).

Segundo Witter (2004), a biblioterapia pode ser aplicada em dois contextos distintos:

— Educacional ou de Desenvolvimento: ocorre por meio de um trabalho sistemático de leituras que visa a promover o
desenvolvimento pessoal nos mais variados aspectos, como: o conhecimento de si mesmo, o desenvolvimento de competências
e habilidades específicas (cidadania, cognição, memória, afetividade etc.). Apresenta, portanto, um caráter preventivo.

— Clínica: tem por meta usar técnicas associadas à leitura para resolver problemas biopsicossociais.

Ambas as aplicações são bastante antigas, mas só recentemente adquiriram o formato atual, com objetivo e tecnologias
específicas (op. cit.).

Caldin (2001), baseando seus estudos na tese de Caroline Shrodes, definiu biblioterapia como “leitura dirigida e discussão em
grupo que favorecem a interação entre as pessoas, levando-as a expressar seus sentimentos: receios, angústias e anseios”. Dessa
forma, o homem não está mais solitário para resolver seus problemas; ele os partilha com seus semelhantes em uma troca de
experiências e valores.

A biblioterapia desenvolveu-se basicamente em hospitais, voltada para os aspectos clínicos de cura e restabelecimento de
pessoas com profundos distúrbios emocionais e de comportamento. O caráter preventivo da biblioterapia foi descoberto mais
tarde, com aplicabilidade em escolas, bibliotecas e centros comunitários, com crianças, adolescentes e jovens (Caldin, 2001,
2002, 2004, 2005; Ferreira, 2003; Heath et al., 2005; Pardini, 2002; Ribeiro, 2006; Seitz, 2000; Witter, 2004).

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