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Gilberto Safra
Curando com histórias
A inclusão dos pais na consulta terapêutica da criança.
e Edições Sobornost
APRESENTAÇÃO
Gilberto Safra
Este trabalho foi originalmente apresentado como Dissertação de Mestrado no Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, no ano de 1984. Era um momento em que as contribuições de Donald W.
Winnicott eram ainda pouco assimiladas em nosso meio e acredito que este foi um dos primeiros trabalhos
acadêmicos no Brasil que utilizou essa vertente teórica na fundamentação do trabalho clínico realizado. Eu
havia iniciado meu percurso como clínico em 1977, quando então tive a oportunidade de iniciar o meu estudo
da obra do pediatra e psicanalista inglês.
Encontrar a obra de Winnicott foi uma experiência mutativa em minha vida profissional, pois reconhecia em
seus textos o que eu irituía serem verdades significativas para o ser humano. Gradualmente, minha clínica foi
sendo norteada por aquilo que aprendia com esse autor. Eram conceitos que me davam a liberdade necessária
para que pudesse encontrar o meu estilo de trabalho clínico.
Como primeiro resultado desse encontro, nasceu esse texto que procurava apresentar um método de consultas
terapêuticas com crianças, tendo as histórias como meio de intervenção. Esse método continua a ser utilizado
por mim e por outros profissionais ainda hoje, o que nos levou a decidir pela publicação deste trabalho.
Vinte anos se passaram! Embora o método utilizado hoje seja exatamente o mesmo, a maneira de
compreendê-lo e de fundamentá-lo modificou-se. Por essa razão, revisei o texto para que ele fosse mais fiel ao
que penso nesta etapa de minha vida. A revisão realizada abordou, fundamentalmente, determinados
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conceitos que hoje apreendo de modo mais preciso e também determinadas passagens teóricas que,
atualmente, considero que eram equivocadas, O método apresentado e os casos clínicos relatados continuam
os mesmos.
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sonho de ver o conteúdo de seus cursos e reflexões clínicas reunido tão logo quanto possível sob a forma de
livros. Este grupo, sempre crescente, de estudiosos e clínicos que acompanha há anos a evolução do
pensamento deste professor e psicanalista, reconhece a importância de suas idéias não só para a clínica
contemporânea como para os campos da Literatura, Filosofia, História, Religião, Antropologia, Psicologia
Social e Educação.
Espontaneamente, os alunos já vinham gravando em áudio os cursos e conferências de Gilberto Safra desde
1994. A partir de agosto de 2002 um grupo bastante dedicado assumiu os custos de gravar todas as aulas
também em vídeo. A convicção de que este material deveria ser preservado e divulgado levou à organização
de um Acervo Professor Gilberto Safra, que passou a disponibilizar para consulta as fitas de vídeo nas
bibliotecas da PUC-SP e do Instituto de Psicologia da USP.
Por outro lado, no LET Laboratório de Estudos da Transicionalidade criado pelo Prof. Gilberto Safra no
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início dos anos 90 como um espaço multidisciplinar para a discussão de idéias e trabalhos, aberto à vida para
além da comunidade estritamente acadêmica, constituiu-se um grupo de trabalho voltado para a transcrição e
textualização dos cursos ministrados por este professor, a fim de torná-los publicáveis sob a forma de livros
E interessante observar que esse movimento espontâneo
e comunitário em torno da pessoa do professor Gilberto Safra é
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fielmente coerente com a visão de mundo e de ser humano deste mestre e também com os princípios de sua
prática clínica e acadêmica.
Por tudo isso, quando foi preciso optar por um nome para este selo editorial, naturalmente Sobornost emergiu
como o único possível, ainda que careça de explicação, por se tratar de uma palavra pouco conhecida.
Sobornost, na língua russa, é um substantivo, cuja pronúncia é s abórnast. Refere-se ao comunitário, ao que
promove a unidade e a conciliação, sem prejuízo das diferenças e da liberdade. Este termo nasceu no campo
da Teologia russa e assinala a presença do M últiplo no Uno, ou seja, a compreensão de que o homem é
constituído por seus ancestrais, por seus contemporâneos e pelas gerações futuras, mas também pela natureza
e pelas coisas que fabrica e que fazem parte do mundo que o rodeia. A partir dessa perspectiva dizemos que o
ser humano é a singularização de toda a história da humanidade. Ela nos convida à solidariedade, à ética, ao
espírito de comunidade, dentro do respeito profundo às diferenças.
Assim, o termo S ob ornost ilustra bem o espírito solidário e comunitário que tornou possível o lançamento
deste selo e ao mesmo tempo a vocação de nossas escolhas editoriais. Isto significa que publicaremos
trabalhos de autores, nos diferentes campos de conhecimento, que venham de encontro a essa perspectiva de
homem e de mundo.
Iniciamos nosso percurso com o lançamento de duas coleções:
• Cursos de Gilberto Safra
• Pensamento Clínico de Gilberto Safra
A Coleção Cursos de Gilberto S afra será constituídE por livros organizados a partir da transcrição e
textualizaçã dos cursos acadêmicos de graduação e pós-graduação deste pro fessor, voltados para a
apresentação e discussão do pensament e obra de importantes pensadores, clínicos, artistas, filósofos místicos
e poetas, entre outros. Nesses livros, originados de dis ciplinas universitárias, a oralidade do texto é mantida
por mei das perguntas dos alunos e das respostas do professor, o que fa deles um material muito vivo para uso
de estudantes e estudic sos.
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outros autores
porque estamos plenamente cientes de que se trata de uma obra original e singular, profundamente enraizada
—
na prática clínica, mas que traz importantes contribuições para outras áreas do conhecimento.
Fundamentalmente, todos aqueles que se preocupam com o acontecer do homem no mundo, sua existência e
sua travessia pela vida, encontrarão interlocução nas reflexões de Gilberto Safra. E uma obra que merece ser
publicada, pois nela ecoa também a voz viva de grandes clínicos da psicanálise, mas sobretudo e cada vez
mais, as vozes dos poetas, dos místicos, dos filósofos, dos teólogos e dos artistas. A obra de Gilberto Safra se
assenta na compreensão desta palavra que revela nossa condição de seres que compartilham um destino:
Sobornost.
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PREFÁCIO
Curando com histórias é um livro que interessa tanto aos profissionais da área clínica quanto às
famílias e principalmente aos pais. Trata-se da apresentação, bastante didática e clara, de um
modelo de consulta terapêutica por meio da criação de histórias infantis que levam em consideração
a problemática enfrentada pela criança.
Este procedimento terapêutico, além de respeitar o mundo imaginativo que é fundamental a todo ser
humano, possibilita aos pais uma participação ativa no tratamento de seu filho(a), não só auxiliando
na elaboração da história, mas contando a história à criança. Há também um efeito terapêutico sobre
o pai e a mãe, uma vez que estes recuperam a confiança na capacidade de promover o
desenvolvimento de uma criança antes paralisada por angústias que, geralmente, decorrem de
dificuldades dos próprios pais.
Este trabalho, escrito em 1984 como dissertação de mestrado, mantém, sem dúvida, toda sua
atualidade. Aqueles que têm acompanhado o desenvolvimento do pensamento clínico de Gilberto
Safra mas ainda não conheciam este trabalho pioneiro, têm agora, finalmente, a oportunidade de
fazê-lo e reconhecer assim a sensibilidade clínica, a capacidade criativa e a fundamentação teórica
já presentes desde então. Por outro lado, aqueles que já haviam tido contato com o material do
mestrado, podem agora ter acesso a este trabalho, totalmente revisto pelo autor, após um percurso
clínico de mais de vinte anos.
Cabe agora ao leitor conferir por si mesmo a riqueza do material que tem em mãos.
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ÍNDICE
Nota dos Editores . 11
Prefácio 15
Apresentação 17
Introdução 19
Capítulo 1
O espaço potencial e sua relação com as histórias infantis. . . . 29
Capitulo 2
Apresentação do método de consulta 35
O Método 35
A entrevista com os pais 38
A entrevista com a criança 40
A situação lúdica 41
Ojogo de rabiscos 45
O uso da história infantil 47
Capítulo 3
Casos clínicos 53
Caso 1 Miguel 53
—
INTRODUÇÃO
Gilberto Safra
Ao observar o que a Psicologia Clínica em nosso meio tem a oferecer para o atendimento da população
infantil, notamos que temos basicamente o diagnóstico e a psicoterapia, esta última sempre de longo prazo e
de custo muito alto.
No trabalho diário do psicólogo clínico, é cada dia maior a necessidade de contar com procedimentos que
possibilitem intervir em momentos em que, pelo incremento da angústia, ocorre uma parada no processo
maturacional da criança e o aparecimento de sintoma indicador de conflito, ou naquelas situações de crise
provocadas pelo fluxo natural da vida (mortes, mudanças, separações etc.). Por outro lado, necessitamos
também que estes procedimentos sejam passíveis de serem usados no trabalho institucional.
Partindo desse ponto de vista pareceu-me, desde o final da década de setenta, que uma das soluções estaria na
consulta terapêutica, na qual, com uma ou no máximo três sessões, tenta-se trabalhar com a angústia
emergente da vida emocional infantil.
A criança tem uma tendência espontânea ao desenvolvimento. No entanto sua evolução pode sofrer alterações
por uma dificuldade de elaborar psiquicamente seus conflitos, acarretando a paralisação de seu crescimento e
a formação de sintomas.
Na consulta terapêutica temos a possibilidade de facilitar a elaboração da angústia vivida pela criança e que
esteja perturbando o seu desenvolvimento, a fim de que a tendência ao amadurecimento recupere o seu curso
natural. Isto é feito de maneira a possibilitar que a criança e seus pais possam lidar com a situação emergente
e, dessa forma, sejam enriquecidas as
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possibilidades de enfrentar as dificuldades decorrentes do desenvolvimento da criança, ao mesmo
tempo em que o vínculo entre eles é aprofundado.
Alguns autores têm estudado e elaborado procedimentos e técnicas para a execução deste tipo de
consulta. Assim, Harris (1966) demonstra a possibilidade de abordar problemas psicológicos em um
tempo relativamente breve, enfocando uma situação crítica familiar. Seu método consiste em três
entrevistas e uma análise fmal das conclusões. Sua técnica é basicamente o assinalamento, sem dar
conselhos, atuando mais como continente das angústias dos pais.
Winnicott (1971) descreve um método (Squiggle Game) pelo qual pretende oferecer ao cliente a
oportunidade de expressar-se e conseguir desta forma uma ajuda para o conflito que vivencia. Este
procedimento é conhecido entre nós pelo nome de jogo de rabiscos, uma modalidade de trabalho
lúdico que favorece o aparecimento de uma boa comunicação paciente-terapeuta e que permite à
criança surpreender-se frente à expressão de sua angústia e superar aquele momento de paralisação
do seu desenvolvimento. É esse trabalho que me forneceu a inspiração e os conceitos necessários
para o desenvolvimento do procedimento de consulta que apresento nesse livro.
Dolto (1977) descreve o método desenvolvido por ela onde, em uma entrevista com a mãe ou os
pais, sempre com a presença da criança, procura não só conversar com os pais mas também
comunicar-se com a criança, e para isso, com freqüência, fornece-lhe papel e lápis. Na mesma
sessão da entrevista, Dolto opina sobre a situação da criança para os pais; fica então a sós com a
criança e conversa com ela, fazendo comentários sobre os desenhos realizados. Seu objetivo é fazer
com que o cliente tenha alguma compreensão dos seus conflitos, para superar o impasse vivido por
ele naquele momento. O trabalho de Dolto é sempre inspirador, pois a sua grande sensibilidade
pessoal torna os seus relatos clínicos uma ocasião para saborear o trabalho de uma grande
profissional. Considero Dolto, ao lado de Winnicott e Ferenczi, os grandes clínicos na história da
Psicanálise. Embora aprecie muito os trabalhos de Dolto, não compartilho de sua visão de homem e
de seus conceitos teóricos. Assim, na fun damentaçã
desse trabalho, seguirei uma perspectiva distinta daquela utilizada por esta grande clínica.
No trabalho com crianças, observa-se o uso da expressão lúdica como meio privilegiado para a
elaboração de vivências emocionais e de comunicação com o outro. Freud (1922) já descreve o jogo
de um garoto frente ao desaparecimento de sua mãe e salienta que o brinquedo era uma tentativa de
elaboração da angústia sentida pela criança. Klein (1969), que utilizou o jogo como meio de acesso
ao inconsciente infantil, afirma que a criança expressa suas fantasias, desejos e experiências de
forma simbólica por meio de jogos e brinquedos. Ao fazê-lo, utilizaria os mesmos modos arcaicos e
filogenéticos de expressão, a mesma linguagem com que já nos familiarizamos nos sonhos.
Aberastury (1981) diz, baseada em suas observações, que, ao jogar, a criança desloca para o exterior
seus medos, angústias e problemas internos, dominando-os mediante a ação. Todas as situações
excessivas para seu ego débil são repetidas no jogo e isto permitiria à criança seu domínio sobre
objetos externos e a seu alcance, bem como tornar ativo o que sofreu passivamente, mudar um final
que lhe foi penoso, tolerar papéis e situações que na vida real lhe seriam proibidos desde dentro e
desde fora. O jogo, como o chiste, conseguiria um suborno do superego que tornaria possível a
liberação de sentimentos e afetos censurados.
Knobel (1977) ressalta a importância da projeção no brinquedo. Em sua opinião, seguindo de perto
a tradição kleiniana, por meio do jogo a criança pode projetar muitas angústias e muitos dos
conflitos, que de certa forma aparecem assim objetificados, concretizados em objetos também
concretos, que podem ser manipulados, tentando assim uma elaboração lúdica.
Para esses autores o jogo seria resultado de projeções e introjeções, campo de realização de desejos.
Para eles, o jogo não teria importância em si mesmo. Seria, desse modo, um meio de acesso ao
inconsciente. Não compartilho desse tipo de visão. Para mim, seguindo Winnicott (1971), o jogo
possibilita o estabelecimento de um campo de experiência, de um sentido de realidade e também é
espaço privilegiado do vir a ser humano.
Buscando no registro lúdico maneiras de auxiliar a criança na elaboração de seus conflitos, minha
atenção voltou-se para as histórias infantis como modo de comunicação adequado ao
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momento do processo maturacional no qual a criança se encontra. O conto é uma forma de expressão mais
próxima daquela que naturalmente é utilizada pela criança na organização, elaboração e superação de seus
conflitos psíquicos.
O campo lúdico foi freqüentemente abordado na história da psicanálise como relacionado ao processo
primário. O jogo e a expressão plástica, na maior parte das vezes, foram equiparados à formação de sintomas.
Pesquisando na literatura psicanalítica o uso da linguagem e do pensamento plástico na elaboração de
conflitos psíquicos, encontramos que alguns autores Freud (1900), Rank e Sachs (1915), Jones (1918)
— —
estudaram o processo primário utilizado nos jogos e histórias infantis, com seus mecanismos de deslocamento
e de condensação.’ Assinalaram que o processo primário está relacionado com a realização de desejos,
permitindo que desejos inconscientes escapem à pressão do superego para encontrar expressão por meio de
formas de manifestação plástica. Assim, o processo primário estaria a serviço de representações deformadas
pela ação do superego, ansiedades e mecanismos de defesa. Entretanto, outros autores assinalam que o
processo primário poderia estar a serviço da expressão simbólica, como tentativa de representar e elaborar a
angústia vivida pelo indivíduo (Roland, 1971). Na mesma linha de argumentação, o pensamento metafórico
foi apontado por Kris (1952) e Milner (1952) como servindo à função de elaboração. Rycroft (1968) ampliou
esta concepção ao colocar o processo de simbolização, quando usado para integrar as experiências do
indivíduo, como parte do processo secundário.
Werner (1948) e Piaget (1962) mostraram que a criança pode e costuma expressar-se por metáforas. Este
estilo de comunicação usado pela criança seria resultado de um sistema incompleto de formação de conceitos,
de um desenvolvimento insuficiente do processo secundário. Nos adultos o uso da metáfora seria feito de
maneira mais consciente e elaborada, fruto de um maior desenvolvimento da capacidade integrativa, que na
infância se manifestaria de maneira menos completa.
Os primeiros estudiosos do pensamento plástico dentro da literatura_psicanalítica tendem a descrever o
pensamento
1 O processo primário é característico do sistema inconsciente. A energia psíquica flui
pelas diversas representações, sem obstáculos, segundo os mecanismos de deslocamento e condensação, buscando investir as representações ligadas à
satisfação do desejo.
Diferencia-se basicamente do processo secundário, pois neste a energia psíquica investe as representações de forma mais estável e a satisfação do desejo é
adiada. Os dois
processos são paralelos à oposição entre princípio de prazer e princípio de realidade.
metafórico e simbólico como a representação indireta e figurada de uma idéia, de um conflito, de um desejo inconsciente.
No entanto, ao longo do tempo, percebe-se que, gradativamente, a simbolização e a metáfora passam a ser consideradas
pelos autores (Jung, 1951) como sendo mais que um disfarce, mas também como um esforço para esclarecer e representar
o que é ain da desconhecido e que só está em processo de formação. Nesta última posição encontra-se Noy (1969), para
quem a simbolização serve como uma ponte entre o mundo interno e externo. Para ele, esta necessidade de simbolização e
de internalização do meio ambiente dá-se não só em termos de desenvolvimento libidinal e no estabelecimento da
constância do objeto, mas também para o desenvolvimento de várias funções do ego.
Assim, enquanto o processo secundário funcionaria para lidar com a realidade externa, o processo primário é definido pela
função de integrar novas experiências no s elf da pessoa.2
Considero as diversas formas de jogo da criança, assim como as histórias, não só como um modo de encontrar expressão
para desejos inconscientes, mas fundamentalmente como um modo de colocar seus conflitos subordinados à sua
criatividade, ou seja, sob o domínio do eu. Parece-me imprescindível tal forma de expressão para o desenvolvimento
cognitivo, ao lado do enriquecimento da apercepção criativa3, aqui definida como a capacidade da pessoa de apreender a
realidade segundo suas características pessoais. Isto significa estar pessoalmente presente, sem estar submetido ao mundo
externo e nem tampouco interpretá-lo de forma delirante, mas sim por meio de uma apreensão pessoal do mundo que a
rodeia.
Concordo com Winnicott (1968) quando afirma que o jogo é universal e pertence à saúde. Ele facilita o crescimento, além
2 O conceito de self na literatura psicanalítica foi abordado pela escola da Psicologia do
Ego, Psicologia do Self e também por Winnicott. Como representantes da primeira
escola aponto o trabalho de Gedo & Goldberg (1973) no qual estes afirmam que o termo
self poderia ser entendido como um sistema de memórias que constitui a
auto-representação, como uma constelação psicológica organizada e permanente, que
influencia de forma contínua e dinâmica o comportamento do indivíduo. Como vemos,
trata-se de uma visão que aborda o self como acontecendo preponderantemente no
registro representacional da personalidade. Seguindo Winnicott, utilizo o conceito de
self como fundamentalmente não representacional. Nessa vertente, o self é visto muito
mais como um conceito fenomenológico em que o caráter experiencial é enfatizado.
Cada nova experiência muda a posição da pessoa no mundo, na relação com os outros.
Ou seja, a cada gesto há um reposicionamento do horizonte existencial da pessoa.
3 Para Winnicott a apercepção criativa é, mais do que qualquer outra coisa, o que faz o
indivíduo sentir que a vida vale a pena de ser vivida. Contrastando com isto há uma
relação com a realidade externa, que é de submissão, apenas reconhecendo-se o mundo
como algo que exige adaptação. Este estilo traz ao sujeito um sentimento de futilidade e
de que a vida não vale a pena de ser vivida. (Winnicott, 1975).
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J
de auxiliar na formação de relacionamentos grupais. O jogo é a forma primordial de comunicação em
psicoterapia e em psicanálise. E sempre uma experiência criativa que se dá no continuum espaço-tempo. E
uma forma básica de viver.
A história sempre teve um lugar fundamental em minha experiência de vida. Quando aprendi a ler os
primeiros livros, ganhei como presente de meu pai uma coleção em quatro volumes intitulada As Mil e Uma
Noites, publicada pelas Edições Melhoramentos. Essa era uma coleção pela qual meu pai tinha grande estima
e que me nutriu ao longo de minha vida.
As histórias têm sido usadas pela humanidade, através dos tempos, com objetivos medicinais, educativos,
religiosos, filosóficos, etc. Na cultura hindu um conto era oferecido a uma pessoa desorientada a fim de que
ela meditasse sobre ele e pudesse ser curada por esse processo. Os Sufis usavam e usam os contos para ajudar
os seus discípulos a superar um conflito existencial e espiritual (Shah, 1976). Entre os nossos índios
Tupi-Guaranis, encontramos uma série de contos, conhecidos como as Lendas do Jabuti que, segundo Couto
de Magalhães (1975), têm o objetivo de fazer entrar no pensamento do índio a crença na supremacia da
inteligência sobre a força física, elemento importante para ampliar a capacidade adaptativa frente à natureza.
Com os índios Caiapós encontra-se uma série de histórias passadas oralmente de geração a geração, onde
narram, por meio de mitos, a criação do mundo e o lugar do índio nesta cosmovisão, assim como o lugar do
mal, buscando desta forma uma organização simbólica do mundo através da qual a vida do índio adquire
sentido (Lukesh, 1976). Em todos os povos encontramos histórias e mitos por meio dos quais os seus
membros buscam a elaboração de angústias comuns e a transmissão de sua cosmo- visão, com seus sistemas
de valores, em relação aos quais buscam referência.
Retomo portanto algo dessas tradições, pois considero os contos como fenômenos de grande complexidade, já
que abordam não só questões fundamentais da existência humana, mas também as colocam de forma
articulada, segundo uma narrativa com início, meio e fim. Nessas narrativas, a própria temporalidade humana
está contemplada pois somos, desde o berço, seres que iniciam, vivem e finalizam as diferentes experiências
que chegam ao nosso horizonte de vida. E fundamental que em
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toda consulta terapêutica o iniciar, o usar e o finalizar possam acontecer.
Os mitos e histórias, desde o início, ocuparam um lugar importante na Psicanálise. Freud voltou-se ao Mito de
Edipo para representar o que observava em sua prática clínica. Comentou também o significado das histórias
de Rumpelstilzchen, O Chapeuzinho Vermelho e O Lobo e os Sete Cabritos (1913), embora em sua visão
fossem principalmente realizações de desejos. Hellmuth (1920) apresenta um caso de análise de uma criança,
onde usa uma técnica interpretativa baseada em histórias, com um objetivo mais educativo.
Erich Berne (1972) começou a explorar a utilidade de alguns contos de fadas para ilustrar ao paciente seu
script básico de vida, os jogos nos quais estaria envolvido e suas transações predominantes. Berne conecta os
contos com os problemas de seus clientes, a fim de que possam reconhecer que vivem apenas um script entre
diversas possibilidades. Segundo o autor, os pacientes, através deste método, sentem-se capazes de
transformar suas relações interpessoais mais tensas em outras mais espontâneas.
Wittgenstein (1965) usa a técnica de requisitar ao cliente que narre algumas das histórias de fadas comuns de
que tenha lembrança. As distorções que essas histórias sofrem sob a ação da mente do cliente são vistas como
uma indicação da problemática pessoal do cliente frente ao problema geral humano apresentado pelo conto.
Heusher (1967, 1968, 1969) estudou o uso de contos na psicoterapia. Para ele as histórias apresentam
diferentes estágios do desenvolvimento humano, os vários conflitos e metas, assim como possíveis soluções e
dificuldades. Este autor defende a idéia de que a verdade contida no conto não é relativa mas que ela se torna
viva e operativa no relacionamento entre a história, os pais e a criança.
Esta também é a posição de Bettelheim (1980), para quem as histórias infantis, tratando de problemas
humanos universais, falam ao ego em germinação e encorajam seu desenvolvimento, enquanto, ao mesmo
tempo, aliviam tensões pré-conscientes e inconscientes.
Gardner (1971) desenvolveu uma técnica onde cliente e terapeuta se contam histórias para um fim terapêutico.
Cada
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criança tem uma fita de gravador no lugar da tradicional caixa de brinquedos, O terapeuta começa a sessão
sugerindo que estão num programa de televisão onde se contam contos. Liga o gravador, imitando um locutor
dizendo que a criança irá compor uma fábula. Em seguida, o terapeuta irá criar também uma história e
finalizará com a moral da mesma. A criança faz a sua narrativa e em seguida o terapeuta conta a sua, que é
composta com os mesmos personagens usados pela criança, mas com outra resolução. Os finais das histórias
do terapeuta com freqüência são moralistas. O critério de cura da criança é o fato de seus contos tornarem-se
cada vez mais similares aos do terapeuta. O método apresentado é questionável por utilizar-se de técnicas de
sedução, não respeitando a singularidade da criança.
Ramon e outros (1978) descrevem uma técnica terapêutica para crianças com problemas de conduta,
dificuldades de ajustamento, problemas de aprendizagem ou sintomas neuróticos. Nesta técnica o terapeuta
conta a cada criança um conto popular do qual a criança escolhe um personagem para dramatizar ou modelar
em argila. Os autores observaram que, por meio desta técnica, é oferecida uma estimulação à simbolização e à
expressão de sentimentos, o que propicia uma oportunidade de elaborar problemas.
Parker e Louis (1978), no processo de aconselhamento, utilizam os mitos e a literatura moderna. Afirmam que
essas modalidades de expressão são agentes potenciais para canalizar a emergência de aspectos profundos da
personalidade. Também sugerem que situações de crise e de impasse são muitas vezes análogas a situações
descritas em mitos e contos tradicionais dos diversos povos.
Claman (1980) utiliza o squigglegame, proposto por Winnicott, em pacientes em idade de latência, como
técnica terapêutica para lidar com a resistência característica desta idade. Propõe à criança que, ao lado do
rabisco, conte histórias e o terapeuta faz o mesmo. O papel do terapeuta no jogo é permanecer empático e
—
colaborador e focalizar suas histórias no problema e estágio de desenvolvimento da criança. O terapeuta
compartilha, através de seus desenhos e histórias, seu entendimento dos problemas da criança, sugerindo
possíveis soluções.
Embora considere muito importante que os contos e histórias façam parte da educação de toda criança,
discordo do uso
indiscriminado do conto de fadas quando temos como objetivo o seu uso terapêutico, pois para que o conto
possa ser usado beneficamente por uma criança é preciso conhecer o momento do processo maturacional em
que ela se encontra, seu meio cultural, suas angústias. Caso contrário, corre-se o risco de contar à criança uma
história que intensifique suas ansiedades, ao invés de ajudá-la na elaboração das mesmas. Esse aspecto é um
dos desdobramentos do que Winnicott nos ensinou com a concepção de apresentação de objetos. Essa seria
uma função importante no processo de maternagem pois, por meio dela, a mãe apresentaria a realidade de
maneira dosada à criança, segundo as suas possibilidades de assimilá-la. Essa mesma função pode ser
re-situada no registro das atividades psicoterápicas e psicanalíticas, pois também nelas o profissional precisa
apresentar as situações que emergem no campo transferencial, levando em conta as possibilidades do
analisando de usá-las para o trabalho que estaria sendo realizado.
Para a atividade que realizo nas consultas terapêuticas tomo os conceitos winnicottianos de espaço potencial e
de fenômenos transicionais, pois acredito que para qualquer tipo de trabalho psicoterapêutico ou psicanalítico,
especialmente com a criança, esses fenômenos são fundamentais para que uma intervenção fecunda seja
realizada. Maior importância ainda eles têm na consulta terapêutica, pois só uma intervenção acontecida no
espaço potencial produz um efeito terapêutico mutativo, eficaz e rápido, sem seduzir ou submeter a criança,
conseguindo desta forma uma real cooperação dela para o trabalho que se está realizando.
Apresento neste livro um método de consulta infantil utilizado por mais de vinte anos em consultório
particular e instituições, por mim e por outros profissionais da área. E um procedimento que utiliza histórias
infantis como meio de intervenção, por ser uma forma lúdica de expressão compatível com a vida mental da
criança e também pelo fato de as histórias favorecem o aparecimento do espaço potencial e dos fenômenos
transicionais fenômenos esses que são fundamentais para que o trabalho seja realizado sem que a criança se
—
sinta invadida e para que lhe seja possível retomar criativamente o devir de seu self.
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CAPÍTULO 1
O espaço potencial e sua relação com as histórias infantis
O mundo subjetivo e sua relação com o mundo externo têm sido amplamente estudados e
conceituados por diferentes psicanalistas. Enfase tem sido dada à interação desses dois campos para
a formação e o dinamismo da personalidade.
E com Winnicott (1953) que temos a conceituação do espaço potencial e a descrição de sua
participação na constituição da personalidade. Esta seria a terceira área da vida de um ser humano —
entre a realidade subjetiva e a realidade compartilhada que não pode ser ignorada pois constitui
—
uma área intermediária de experimentação para a qual contribuem tanto a realidade interna quanto a
externa.
O espaço potencial dá ao ser humano a possibilidade de lidar com a realidade objetiva de modo
criativo, favorecendo assim um contato com o mundo externo de maneira ampla e saudável. A
oportunidade de usá-lo é oferecida pela primeira vez à criança pela mãe, quando esta se adapta às
necessidades do bebê de forma completa, fornecendo a ele a experiência de ilusão, pois para que ela
possa exercer essa função, ela mesma precisa estar com a possibilidade de usufruir as experiências
peculiares ao espaço potencial.
Já durante a gravidez a mãe gradativamente se identifica com o seu bebê, o que a torna bastante
sensível às necessidades da criança que irá nascer. O bebê significa outras coisas para a fantasia
inconsciente da mãe, mas talvez o traço predominante seja a disposição e a capacidade da mãe de
despojar-se de todos seus interesses pessoais e concentrá-los no bebê, aspecto da
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atitude materna que foi denominado preocupação materna primária. (Winnicott, 1967, p.29).
A mãe, neste estado de sensibilidade aumentada, tem a habilidade de reconhecer as necessidades do bebê e
adaptar-se ativamente a elas. Esta adaptação completa permite ao bebê a ilusão de que cria a mãe e que ela faz
parte dele. Desta maneira a mãe caminha em direção à onipotência da criança e, por meio dela, o bebê crê na
realidade externa, que parece se comportar de forma mágica. Passa então a viver a ilusão do controle
onipotente, a partir de sua criatividade primária. Sem este tipo de experiência não é possível ao bebê começar
a desenvolver a capacidade para vivenciar uma relação criativa com a realidade externa e, segundo Winnicott
(1975), até mesmo formar uma concepção da realidade externa.
A adaptação da mãe ao bebê diminui gradativamente, à medida que ele tem mais possibilidades de tolerar
frustrações, o que lhe permite ir reconhecendo o elemento ilusório, o imaginar, ojogar— o que também o
capacita a perceber os objetos de forma real, isto é, discriminá-los como odiados e amados.
E sob o domínio da ilusão que emergem os fenômenos transicionais, como uma tentativa de aliviar a tensão. E
a partir deles que emergirá o objeto transicional, primeira possessão da criança. Com o desinvestimento do
objeto transicional a capacidade de viver fenômenos transicionais se irradia para todo o campo cultural,
originando-se dessa forma o espaço potencial, área que possibilitará o brincar da criança, a arte, a religião, ou
seja, a capacidade de usar os objetos culturais e a própria imaginação’ como meio de elaborar as questões
fundamentais do existir humano. Embora Winnicott nunca tenha usado a palavra transicionalidade, eu a uso
para referir-me a toda essa gama de fenômenos compreendida entre a experiência de ilusão e o uso dos
objetos culturais.
Quando a adaptação materna não é suficientemente boa, o bebê, para sobreviver, necessita submeter-se ao
meio ambien1 O imaginar e o sonhar diferenciam-se do fantasiar e do devaneio, O imaginar e o sonhar
ajustam-se ao relacionamento com objetos no mundo real e sempre possuem uma dimensão simbólica enriquecedora do self. O fantasiar caracteriza-se por
ser uma
atividade mental dissociada, que paralisa a criatividade do indivíduo. Parafraseando
Winnicott (1975, p.Sfl), dizemos que o fantasiar não tem valor poético, enquanto o sonho tem poesia em si, isto é, camada sobre camada de significado
relacionado ao passado, ao presente e ao futuro, ao interior e exterior e sempre, fundamentalmente, a respeito do
próprio indivíduo.
te, o que o leva a reagir2 frente ao mundo externo, perdendo assim a oportunidade de posicionar-se criativamente frente à
realidade e sentir-se realmente vivo.
Na literatura psicanalítica vemos que a importância do estudo da relação mãe-bebê tem sido ressaltada, não só para a
compreensão da constituição do self e da formação da personalidade, mas também para a melhor compreensão e condução
da relação analista-analisando no processo psicanalítico. Assim, por exemplo, Flarsheim (1967) compara a relação
terapeuta-paciente com a relação mãe-bebê, enfatizando a necessidade de que, apesar da completa adaptação da mãe às
necessidades da criança, aquela seja capaz de manter sua organização psíquica a fim de que possa catalisar um
desenvolvimento saudável para o seu bebê. Winnicott (1967), Balint (1950) e Rycroft (1956), dentre outros, têm estudado
o enquadre terapêutico, assim como a relação psicanalista-analisando, apontando a importância de uma melhor
compreensão das técnicas de manejo da criança e da influência do meio ambiente nos primeiros estágios do
desenvolvimento infantil para uma melhor compreensão do trabalho terapêutico,já que o enquadre reproduziria as
características do contato mãe-filho.
Concordo só em parte com a colocação desses autores, na medida em que considero fundamental jamais perder de vista
que o paciente ou analisando com quem estamos trabalhando n ão é um bebê e nem tampouco somos suas mães. A
vertente de reflexão do enquadre e da relação analítica que utiliza o paradigma mãe-bebê é útil, principalmente, se
lembrarmos que as funções que a mãe exerce para o seu bebê constituem elementos necessários a todos os humanos em
diferentes etapas do processo maturacional, em intensidade e qualidade diferentes das empregadas com o bebê. Todos
temos necessidade de hospitalidade, de reconhecimento de si, de sermos apresentados por um Outro a diferentes aspectos
da realidade ainda desconhecidos para nós.
Há que se criar um estado de intimidade com o analisando, por meio da adaptação às necessidades que ele possui, pois é
“véadaptação ativa do meio ambiente às necessidades da criança, o bebê tem a oportunidade de experimentar a
continuidade de si ao longo do tempo. Deste
modo ele faz um movimento espontâneo e o meio ambiente é descoberto sem que haja uma perda do sentido do self. Se a
adaptação à criança falha, resulta uma invasão do meio ambiente, de tal modo que o indivíduo tem de reagir a essa
invasão. Assim, a
criança não consegue um bom desenvolvimento do ego, pois sofrerá deformações em aspectos de sua personalidade de
importância vital. (Winnicott, 1978) A alternativa a ser ou existir depende do reagir — e o reagir interrompe o ser e o
existir.
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w
1
graças a esse movimento que teremos a possibilidade de uma comunicação significativa, característica do espaço
potencial, na qual o analisando poderá receber a intervenção necessitada sem se sentir invadido por ela e, portanto, sem ter
que reagir a ela. Cabe aqui ressaltar que a adaptação às necessidades do paciente não significa a satisfação de desejos.
Necessidade precisa ser satisfeita; desejo, interpretado ou manejado.3
Para que o trabalho do profissional aconteça nesta área criativa de superposição entre os dois espaços — do analisando e do
psicanalista — dois fatores precisam ser considerados: o tempo e a forma da intervenção.
O tempo adequado para se intervir afeta decisivamente a fecundidade do procedimento. De maneira geral a intervenção
somente é feita quando o analisando está pronto para recebê-la e usá-la. Caso contrário, o que teremos é uma
intensificação dos mecanismos intelectuais que alienam ainda mais o paciente.
O psicanalista deve acompanhar o analisando até o momento em que ele, por meio de sua comunicação, busque uma
verbalização ou gesto do analista que revele o sentido de suas vivências psíquicas. Devereux (1951, p.2l) afirma que
cada conjunto de dados possui, de forma mais ou menos desenvolvida e clara, um padrão ou
“gestalt”. Esta qualidade dos dados é denotada pelo termo “Pragnanz”. Alguns psicólogos de orientação filosófica
gestáltica inferiram que os próprios dados requerem um fechamento ou finalização do padrão.
Winnicott (1971) nos mostra que toda interpretação feita fora do espaço potencial atua como uma tentativa de submeter o
cliente e é ineficaz. Uma interpretação que não funciona significa sempre que fiz a interpretação em
um momento ou de uma maneira inapropriados. (p. 17)
A possibilidade de o tempo da intervenção ser respeitado permite ao paciente ter um vínculo com o terapeuta e com a
consulta, no qual há a oportunidade de ter uma experiência que, em um momento seguinte, pode ser utilizada como uma
situação que lhe permite integrar uma outra faceta de si mesmo — e não
3 A satisfação das necessidades é vital para a sobrevivência e para o bom desenvolvimento do self da pessoa. O desejo é
inconsciente e, como a necessidade, busca a sua satisfação
em uma consumação para o prazer imediato. Mas o desejo suporta a não realização imediata e pode sofrer transformações
continuas até alcançar a sua realização. Dolto (1984, p233) afirma: A satisfação rápida de um desejo, prazer
compartilhado do gozo esperado da comunicação, reproduz na criança a confusão do desejo satisfeito com a necessidade,
com a qual, em sua origem arcaica, o desejo era confundido. Ainda na p. 244, diz-nos: O desejo poderá ser poético, se
fizer uma abertura para a inventividade
criadora de mediações variadas e diferenciadas, de modulações do prazer para si mesmo, trocado com o prazer de outrem,
pedido e dado, que é a sublimação do desejo no amor.
apenas conseguir uma informação a mais que será armazenada em seu intelecto e que, por ser dissociada,
torna-se estéril e sem vida. Isto só será possível se o psicanalista se abrir para que o analisando o use para
expressar seus conflitos e, em seguida, reintegrá-los.
Outro elemento a ser considerado é a forma da intervenção. Já em 1930 a importância da formulação da
intervenção era apontada por Glover. Tenho observado que a forma da intervenção é fundamental para que o
analisando a use, introjete e reintegre, principalmente quando a ansiedade persecutória é considerável.
Este tipo de fenômeno é próximo da função materna denominada apresentação de objeto, na qual a
maneira como o objeto é apresentado à criança constitui um aspecto importante para que ela o receba e para
que sua ansiedade seja transformada em sentimentos toleráveis.
A possibilidade de encontrar o modo adequado de se apresentar o objeto (no caso da relação
analista-analisando permitir a intervenção) depende da capacidade do analista de identificar-se com a criança
e “metabolizar” essa identificação em pensamentos e em seguida em procedimentos interventivos. Em minha
experiência observei que a própria criança, com seu comportamento, com sua linguagem, com os personagens
que traz à consulta, com o tipo de vínculo estabelecido, fornece os elementos necessários para se compor uma
forma adequada à intervenção que pretendemos realizar.
@@ O analista tem a função de ser uma ponte em direção a um mundo novo e desconhecido e muitas vezes
também temido e rejeitado. Nos momentos de intensa rejeição paranóide, o modo de intervenção do analista
pode ser decisivo a fim de produzir a integração necessária. A medida que a forma da interpretação surge da
confluência entre as características de expressão infantil e a capacidade do analista de se identificar com a
criança, esta maneira de intervir já constitui um fenômeno peculiar ao espaço potencial.
4Aapresentaçãodo objeto inclui não só o inicio das relações interpessoais mas também a introdução de todo o mundo da realidade compartilhada para o bebê
e para a criança em crescimento. A apresentação do mundo em pequenas doses continua sendo uma necessidade da criança em crescimento. À medida que a
criança cresce a mãe compartilha ainda com ela uma porção especializada do mundo, mantendo aquela porção pequena o suficiente para permitir que a
criança não se confunda e, simultaneamente aumentando-a de forma que a crescente capacidade da criança de usufruir o mundo seja satisfeita. (Madelejne &
Wallbridge, 1982, p. 124)
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O fundamental é que, ao entrarmos em contato com a criança, ela seja considerada e tratada de acordo com
sua idade e seus meios expressivos. De outro modo ela fica impossibilitada de se expressar e ser autêntica e,
ao invés de o espaço terapêutico ser facilitador do seu desenvolvimento, ele cria uma situação que
incrementará os mecanismos de alienação de si mesma.
Com freqüência, quando a forma expressiva da criança não é respeitada, ela reage rompendo a comunicação,
intensificando-se dessa forma a resistência. Rodrigué (1966, p. 136) também aponta este problema quando
diz: Creio que a resistência da criança em parte se deve a que o analista, ao interpretar, sai do jogo
e assume o papel didático do terapeuta que está interpretando.
E fundamental na consulta que se utilize a forma mais adequada de intervenção, de modo que esta guarde as
características da expressão infantil e possa também ser utilizada pelos familiares da criança, enquanto esta
necessitar dela. As histórias infantis preenchem esses requisitos, na medida em que podem veicular um
conteúdo adequado ao momento do processo maturacional no qual se encontra a criança, de uma forma
coerente com o seu modo de expressão. Pode-se mesmo observar que as histórias fazem parte do cotidiano da
criança, em suas brincadeiras, pois a criança busca, por meio delas, elaborar suas angústias, conhecer o
mundo e obter a satisfação inerente aojogar. As histórias são um claro exemplo dos fenômenos transicionais
em que, no mundo do “faz de conta”, a criança procura aliviar as tensões decorrentes do contato da realidade
interna com a externa, facilitando o desenvolvimento do ego e do sentido de realidade, pois constituem um
fenômeno facilitador da capacidade simbólica.
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v CAPÍTULO 2
Apresentação do método de consulta
O Método
Neste tipo de trabalho é desejável que se possa contar com a família da criança e que ela seja
razoavelmente adequada para que possa colaborar no processo de ajuda à criança e, assim, aprender
a perceber e a lidar com os momentos de crise que possam emergir ao longo do seu
desenvolvimento.
Nesse trabalho tem-se como norma, sempre que possível, integrar a família ao processo de ajuda à
criança, pois considero que também aquela sai beneficiada se participa ativamente do processo de
recuperação da criança. Tenho observado que os pais, quando trazem uma criança ao consultório do
analista, vêm com um sentimento de fracasso, que pode levá-los a não só odiar o terapeuta, mas
também a própria criança. Quando são convidados a trabalhar com o filho e observam o seu
progresso, recuperam a autoconfiança como pais e o relacionamento com a criança é distensionado
pela diminuição da ansiedade persecutória e depressiva, o que em suá é terapêutico para ambos.
Por essa razão, na consulta terapêutica, aconselho sempre ter uma entrevista inicial com os pais da
criança, deixando para estes a decisão de trazer ou não a criança. Nesta entrevista o terapeuta deve
procurar ouvir as suas queixas e angústias de forma compreensiva, evitando o desenvolvimento de
ansiedades persecutórias e deve colocar-se como um colaborador, sem assumir um papel
paternalista.
Em um segundo momento entrevista-se a criança, conversando com esta, se ela assim o desejar, ou
usando material lúdico como meio de comunicação. Não é tão importante neste encontro que a
criança fale o que se passa com ela, mas que possa comunicar o seu conflito a alguém que esteja lá
para compre35
acontecimentos externos que para ela são excessivos, obrigando os pais ou adultos responsáveis a
atender suas necessidades.
3. Processos regressivos desestruturantes: há uma desestruturação da personalidade da criança, que
vinha se desenvolvendo bem. Isto leva a criança a organizações de quadros neuróticos e, às vezes,
psicóticos.
4. Processos regressivos reestruturantes: a criança sofre um processo regressivo severo, em que
aquilo que foi conquistado em termos de desenvolvimento é perdido, levando-a até mesmo a
estruturar-se em uma modalidade de organização que não corresponde nem à sua idade nem a seu
nível psicológico.
O procedimento de consulta aqui apresentado é mais útil e eficiente para as crianças com idades
entre três e doze anos, cujo diagnóstico pode ser classificado nas categorias 1 e 2 e, com menor
freqüência, na categoria 3. Naqueles casos que apresentam graves processos regressivos
desestruturantes e reestruturantes, a consulta será útil para ajudar a criança em um determinado
momento no qual a angústia se intensifica pelas circunstâncias da vida (morte, mudança,
separações, nascimento de irmãos, etc.).
Tenho observado que a consulta é especialmente benéfica naquelas situações em que a criança vem
a ela já quando os sintomas começam a surgir em decorrência de um acontecimento crítico, em
determinado momento de sua vida. Nesses casos há a possibilidade de a situação de encontro ter um
caráter preventivo, na medida em que evita que modos patológicos de resolver o conflito se
estruturem.
Parece que, nesses momentos, o impacto da situação de vida provoca uma crise em que a criança
necessita buscar recursos para solucionar o conflito, muitas vezes recorrendo a formas mais
regressivas de funcionamento. E neles que temos maior possibilidade de ajudar a criança, pois,
como afirma Caplan (1964, p.5l), a crise é um período transitório que apresenta ao indivíduo tanto
uma oportunidade de crescimento dapersonalidade, quanto o perigo de crescente vulnerabilidade
ao distúrbio mental, cujo desfecho, em qualquer caso determinado, depende em certa medida do
seu modo de controlar a situação. E justamente aí que, por meio da consulta, temos a oportunidade
de auxiliar a criança a encontrar meios mais adequados de elaborar o conflito ou a crise.
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37
informações comunicadas durante a entrevista. Estas questões têm por objetivo obter informações
sobre a criança e a história familiar para que seja possível levantar hipóteses sobre as dificuldades
encontradas pela criança e pela família ao longo do processo maturacjonal
E útil já, nessa entrevista com os pais, dizer a eles o que se pensa a respeito da situação apresentada,
das possíveis causas da problemática, para que também tenham a oportunidade de opinar sobre a
condição apresentada. Quando assim é feito, com freqüência os pais recordam-se de outros
episódios da vida da criança ou da vida familiar que esclarecem, comprovam ou questionam as
hipóteses apresentadas. Por este meio temos a cooperação dos pais no trabalho desde o início do
contato, evitando que vejam o psicanalista como uma figura paternalista, que represente confiança,
segurança e conhecimento e fazendo com que, ao contrário, possam encará-lo como um
colaborador, alguém que se dispõe a refletir com eles sobre a situação apresentada. Com esse tipo
de manejo da entrevista os pais costumam se sentir mais estimulados a utilizar seus recursos,
evitando assim a intensificação dos sentimentos de fracasso e dependência.
Algumas vezes nos deparamos com pais excessivamente perturbados para poderem participar do
processo de forma mais ativa. Nestes casos a função da entrevista deve ser aliviar as ansiedades
excessivas, a fim de diminuir a hostilidade inconsciente em relação à criança e ao profissional, sem
esperar uma cooperação maior com o trabalho a ser realizado, o que evidentemente reduzirá
significativamente a possibilidade de a criança poder ser ajudada no modelo de consulta proposto.
E preferível realizar esta entrevista com ambos os pais, não só pela possibilidade de se conhecer as
características psicodinâmicas de cada um deles, mas também para ajudá-los a lidar com as
ansiedades mobilizadas pela situação da criança e para ressaltar a responsabilidade que ambos têm
em relação ao filho. Já no contato telefônico se esclarece que se deseja a presença dos dois. No
entanto, se um dos pais afirma que não pode vir à sessão, mesmo assim aceitamos realizar a
entrevista e anotamos este dado como uma informação significativa para a compreensão da
dinâmica familiar e da problemática da criança.
Normalmente é interessante que, nesta primeira entrevista, venham somente os pais, para que se
possa ocupar em primeiro lugar do manejo da sua ansiedade. Porém, se a criança for
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trazida, o trabalho se realiza ainda assim, com ela na sala. Para isso é útil ter disponível material
lúdico para que a criança possa brincar durante a sessão. Quando isto acontece, por meio do jogo, a
criança complementa a entrevista com a expressão lúdica do tema que está em foco.
No final deste primeiro encontro explicamos aos pais e à criança, se esta estiver presente, que
necessitamos ver a criança sozinha na próxima entrevista, quando realizaremos juntos algumas
atividades para poder compreendê-la melhor e verificar a consistência das hipóteses discutidas até
então. Após a mesma, voltaremos a conversar com os pais em outra sessão, quando então
discutiremos formas de auxiliar a criança. Caso a criança não esteja presente nesta entrevista, o que
é mais comum, pedimos aos pais que expliquem a ela que virão conversar com uma pessoa que
procurará compreendê-la e para isso realizarão alguns jogos juntos.
A entrevista com a criança
No contato com a criança, é necessário ter flexibilidade suficiente para adequar a situação de
entrevista àquela criança em particular. Pelas características evolutivas e pela angústia vivida, a
expressão por meios lúdicos é a forma peculiar da criança (Winnicott 1953) e nos atemos a esse
modo de comunicação, se esta é a possibilidade que ela apresenta. Isto porque estamos interessados
em fornecer a ela um espaço (potencial) onde possa se comunicar, ser compreendida, mas sem ser
invadida. Assim ela terá a oportunidade de se surpreender com a comunicação daquilo que a
angustia e daquilo que ocasionou uma parada no seu desenvolvimento.
Nesse encontro teremos também a oportunidade de compreender o que acarretou a problemática que
a trouxe à consulta e as organizações defensivas que precisou mobilizar para lidar com as suas
angústias. Isto será necessário para que, em um terceiro momento, possamos orientar os pais e
construir a história que poderá ser útil à criança.
Geralmente, crianças de três a oito anos adotam como meio predominante de comunicação a
expressão lúdica e crianças com idade acima de oito anos costumam comunicar-se bem
verbalmente. Em alguns casos é necessária a utilização de algum procedimento que favoreça a
comunicação da criança e para isso prefiro utilizar o jogo de rabiscos proposto por Winnicott.
A situação lúdica
O contato inicial com a criança é bastante importante pois, a partir daí, já começa a se estruturar o vínculo e a
situação de consulta, O fato de encontrar um profissional desconhecido é para a criança uma situação
ansiógena, que tende a ser intensificada pela crise na qual se encontra. Por esta razão a conduta do
psicanalista, ao entrar em contato com a criança, já deve ter uma função terapêutica pois, neste primeiro
contato, a sua atitudejá veiculará uma mensagem a ela.
O profissional deve então, desde o início, ser franco, compreensivo, nunca sedutor. Habitualmente se
cumprimenta os pais e em seguida a criança, de forma natural. E importante, já na sala de espera, observar a
criança, procurando apreender o seu modo de ser por meio de sua atitude, postura e gestos, para, a partir
desses elementos, basear nossa aproximação na compreensão de sua singularidade, de tal forma que Possamos
ter um comportamento sintonizado às suas características, evitando invadi-la. Esse modo de manejar a
situação se relaciona não só com a questão da apresentação do objeto, mas também com a função especular,
em que o nosso modo de nos aproximar dela reflete o que ela é.
Em seguida nós a convidamos para nos acompanhar à sala de atendimento. Aqui também, muitas vezes,
podem ocorrer situações que necessitam manejo quando, por exemplo, a criança se recusa a entrar. Nessa
—
situação se pode permitir que a mãe entre e fique, enquanto a criança necessite dela, O que normalmente
ocorre é que, à medida que a consulta transcorre e a angústia da criança vai sendo trabalhada e contida, ela se
desliga da mãe, permitindo que esta se afaste e muitas vezes nem mesmo notando quando ela assim o faz.
Caso a criança necessite da mãe durante todo o tempo da sessão nós permitimos que isso ocorra, integrando
mais esta informação à compreensão que estamos tendo da criança e de sua família.
Uma vez na sala de atendimento, os brinquedos encontram-se sobre a mesa e, mostrando-os à criança,
dizemos a ela qual a razão da sua vinda à consulta e que achamos necessário conhecê.la para ver se
entendemos o que se passa com ela, para poder ajudá-la. Dizemos que, para isso, podemos conversar ou
brincar juntos. Por essa razão, explicamos, os brinquedos estão lá e ela pode usá-los do jeito que quiser.
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A razão de, logo no início, situarmos a criança dentro da queixa da consulta, se deve ao fato de que,
ao vir ao encontro com o profissional, além de ter conhecimento consciente de sua problemática, ela
manifesta ao longo da sessão uma necessidade de ser ajudada e de buscar alguém que possa
compreendê-la. Esse aspecto se refere ao fato de o analista se tornar objeto subjetivo em
decorrência da esperança que a criança tem de que ele seja alguém que possa auxiliá-la em suas
dificuldades. E útil portanto que, desde o início, ela tenha conhecimento claro de nossos objetivos,
pois terá maior oportunidade de colaborar na comunicação de suas angústias ao analista e, desta
forma, poder usá-lo em suas necessidades de desenvolvimento.
Exemplo: Uma criança de quatro anos veio à consulta por manifestar diversos sintomas,
comportamento agressivo com as outras crianças, sempre desejando morrer e não ter nascido, e
também terror noturno.
Na primeira sessão, após ter explicado a razão de sua consulta, imediatamente foi em direção aos
brinquedos e começou a brincar. Pegou uma bacia cheia de água e, com agitação, foi
experimentando todos os brinquedos sobre a mesa, colocando-os dentro da bacia, um por um.
Paralelamente, dizia:
Qual não afunda? Qual não afunda? Seu tom de voz demonstrava angústia. Até que tomou um
pedaço de madeira e, percebendo que não afundava, bateu palmas, demonstrando contentamento.
Tomou um soldadinho e tentou colocá-lo sobre a madeira, mas este sempre caía na água. Quando
isto acontecia, gritava: Socorro! Socorro! Vai morrer! Precisa de um amigo para salvar ele! Dizia
isto olhando para o analista e para outro soldadinho, sobre a mesa. O terapeuta pegou então o
soldadinho sobre a mesa e o mergulhou na água. Depois pegou os dois soldadinhos com a mesma
mão e os colocou sobre a madeira que flutuava, dizendo: E, ele está se sentindo sozinho, sem ajuda.
Precisa de alguém para conversar e não ficar com tanto medo. O menino olhou o que o
profissional fazia e se mostrou satisfeito. Repetiu o jogo mais quatro vezes, até que ficou sentado ao
lado do analista, sem dizer nada, como que descansando, até o final da hora.
Aberastury (1982) também aponta que, desde a primeira hora, a criança comunica qual a sua
fantasia inconsciente sobre a enfermidade ou conflito pelo qual é trazida à consulta e, na maior parte
dos casos, sua fantasia inconsciente de cura. Sugere
que é fundamental que, desde o primeiro momento, se assuma a função de psicoterapeuta pois isto ajuda a
criança a se situar como paciente e a tornar consciente o que mostrou como fantasia inconsciente.
Na consulta terapêutica é importante estarmos atentos à comunicação da criança para registrar qual a angústia
que ela quer nos transmitir e podermos intervir, se necessário, no momento adequado, tendo como objetivo
mostrar a ela que a compreendemos e conversarmos a respeito da angústia, se ela assim necessitar.
—
O profissional, nessa situação, não é só um observador, mas participa amplamente do processo. E necessário
que ele esteja lá para ser usado pelo paciente na tentativa deste de expressar suas angústias e necessidades. E
importante, neste tipo de trabalho, que se esteja disponível para brincar, tendo em mente que é através da
brincadeira que se criará um espaço potencial, lugar do encontro necessário para que a criança coloque a sua
questão fundamental sob o domínio de seu gesto.
O analista aqui é aquele que, com sua presença, assinala os pontos nodais da sessão, ou seja, os momentos nos
quais a angústia é expressa pela criança de maneira intensa e condensada. Eventualmente nesses momentos,
um diálogo pode surgir entre o profissional e a criança sobre as questões que a perturbam. E desejável que
estas conversas sejam feitas utilizando o próprio vocabulário da criança.
A criança geralmente usa, em seu vocabulário, um conjunto de palavras que, por meio de uma observação
mais atenta, percebemos serem palavras sobredeterminadas, que expressam uma rede de significados extensa
e que de certa forma compõe o seu idioma pessoal. Entre essas palavras encontramos algumas que expressam,
de modo privilegiado, as angústias básicas da criança. Assim, por exemplo, um menino de nove anos, em suas
brincadeiras e desenhos, sempre se referia a um personagem chamado “Fonte”. Segundo ele, era um animal
com forma de cachorro, uma mistura de cachorro, lobo e raposa; quando desenhado, era representado na cor
preta e de boca vermelha. Por suas associações, o “Fonte” representava os aspectos vorazes e agressivos de
sua personalidade. Após ter ocorrido a integração desses aspectos em seu self, a criança disse: O Fonte
virou uma fonte.
Freud (1922, p. 527) nos diz, em A Interpretação dos Sonhos: As palavras são tratadas com
freqüência pelo sonho como
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se fossem coisas e sofrem então uniões, deslocamentos, substituições e condensações, como a
representação de coisas. O resultado desses sonhos é a criação de formações verbais
singularíssimas e às vezes muito cômicas. No mesmo texto, mais adiante, afirma (p. 531): Os jogos
verbais nas crianças tratam as palavras como objetos, inventando novos idiomas e palavras
compostas artificiais; constituem neste ponto a fonte comum para o sonho e para as psiconeuroses.
Ao utilizar as palavras empregadas pela criança estamos usando representações que, pela
quantidade de significados que possuem, provocam intensa mobilidade psíquica. Desta forma
estamos sedimentando o que chamamos de espaço potencial, já que, respeitando a linguagem da
criança, estamos abdicando da imposição de nossa forma de expressão sobre aquela da criança,
permitindo assim que, também no plano verbal-lúdico, haja um espaço no qual ela possa se
manifestar.
Ao longo da sessão lúdica encontramos três momentos distintos quanto à forma e intensidade da
comunicação da criança. Em uma primeira parte da sessão, após o enquadre ser estabelecido, a
criança age como que estruturando o campo de comunicação. Ela anda ao redor da sala, explora o
material lúdico à sua disposição, observa o analista e ensaia tipos de jogos. Esse momento é
paralelo ao descrito por Winnicott (1942) como período de hesitação no jogo da espátula.
Em um segundo momento o brincar adquire uma configuração plástica estruturada. Poderíamos
dizer que a criança cria uma composição na qual a comunicação que procura transmitir já está
veiculada. Esse é o momento em que a sessão atinge um ápice na manifestação emocional. O jogo
da criança, neste instante, tem um valor e uma função equivalentes a uma estrutura onírica. Esse
momento corresponde ao brincar com a espátula no jogo apresentado por Winnicott (1942). E neste
momento que a intervenção do analista é mais frutífera, se assinalar a comunicação realizada pelo
cliente. Se isto ocorrer, a criança terá tido a oportunidade de viver uma experiência em que pôde se
sentir compreendida, conseguindo, por meio de seu jogo, colocar a sua questão sob o domínio de
seu gesto. Isto faz com que, ao sair do consultório, ela esteja diferente da maneira como entrou.
Após este período ocorre uma terceira fase, em que o assunto tratado ganha novos detalhes em seu
brincar e, gradati vamente
ela irá assinalando, com sua atitude e com o desinvestimento do jogo, que o trabalho naquela sessão
foi realizado. Neste ponto da sessão ela fica como que repousando, O processo todo,
analogicamente lembra a experiência de um bebê sendo alimentado: ele está faminto, ávido por
encontrar o objeto que o satisfaça; ao entrar em contato com o seio materno, apalpa-o, busca-o com
a boca, até que a comunicação se estabelece, favorecida pela atitude receptiva da mãe; uma vez que
a satisfação é conseguida, o bebê repousa ao lado do seio.
O processo de amamentação não é só uma satisfação da fome, mas também uma experiência
prazerosa. E também um momento no qual o bebê, por meio de seu gesto e da oferta do seio pela
mãe, re-estabelece a experiência de confiança. A experiência da continuidade de si é re-estabelecjda
e é, portanto, também um processo enriquecedor do self e do ego infantil. Do mesmo modo, uma
boa consulta não só leva a criança a um aumento da confiança da possibilidade de ser ajudada, mas
também promove um enriquecimento do sentido de si mesma pela reintegração dos aspectos que
estavam dissociados de seu self.
O jogo de rabiscos
Em alguns casos, principalmente no atendimento de latentes, há a necessidade de utilizar
procedimentos que ajudem a criança a realizar sua comunicação. Nestes casos, o jogo de rabiscos,
como proposto por Winnicott (1971), propicia a realização de um bom contato com o paciente.
Nesta abordagem é fundamental que o analista tenha flexibilidade suficiente para se encontrar com
o paciente, já que esse é um método que exige também a participação do profissional.
Sobre a mesa da sala colocam-se folhas de papel, se possível de diversos tamanhos, além de lápis
para a criança e para o terapeuta.
O contato se inicia explicando a razão da consulta ao paciente, narrando de forma breve as queixas
apresentadas por seus pais. Em seguida dizemos a ele que, para tentar ajudá-lo, usaremos um jogo.
Descrevemos as características do mesmo, dizendo: Nós vamos fazer rabiscos; um de nós começa
fazendo um rabisco sobre o papel, o outro transforma esse rabisco em alguma coisa, algum
desenho. Em seguida, o outro faz um rabisco,
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quem tinha rabiscado desenha e assim nós continuamos, um de cada vez. Vale qualquer coisa,
qualquer desenho. Quem começa?
Aguardamos a reação da criança, permitindo que ela estruture a situação da forma como lhe parecer
melhor. As primeiras reações da criança já nos informam sobre o seu modo de ser. Muitas vezes o
paciente se encontra demasiadamente inibido ou perseguido para até mesmo responder à nossa
pergunta; neste caso, registramos o fato e iniciamos nós mesmos, rabiscando o papel e o oferecendo
a ele para que o transforme. Em seguida pedimos à criança que faça um rabisco para que nós
possamos transformá-lo em um desenho. Uma vez que o rabisco tenha sido usado por nós, fazemos
outro, entregando a ela o papel para que o transforme, e assim prosseguimos até o final da consulta.
Damos à criança total liberdade de expressão. Algumas vezes, por exemplo, a criança começa um
rabisco e o termina com um desenho e isto, naturalmente, é permitido; outras vezes a criança pensa
em um desenho e nos pede que a ajudemos a realizá-lo e assim o fazemos.
Este procedimento não tem regras pré-estabelecidas. O método, na verdade, é recriado com cada
criança para que vá ao encontro do seu modo de ser em particular. Neste tipo de trabalho se
fixarmos as regras impedimos que o paciente componha a situação segundo o seu estilo.
À medida que os desenhos são realizados, vamos dispondo-os sobre a mesa ou sobre o chão, a fim
de termos uma visão panorâmica do trabalho até então realizado. Com freqüência a criança retoma
um dos desenhos já produzidos e o recria ou o associa com um novo que está fazendo.
A medida que o processo continua, os pontos de angústia do paciente se revelam através dos temas
que se repetem nos desenhos, daqueles que são mais elaborados pela criança, de um outro realizado
em folha de maiores dimensões, da transformação de um rabisco acompanhada de dramatização, da
riqueza de associações relacionadas com uma produção em particular. Tudo se passa como se a
criança, por meio de recursos não-verbais, sublinhasse os elementos importantes de sua produção.
Se o analista estiver atento a essas comunicações e comentar o que assim fica ressaltado, verá a
criança ampliar as suas associações, muitas vezes contando um sonho ou um episÓ r
dio de sua vida com um valor quase onírico, que sintetizará as suas angústias e modos de funcionamento mais
importantes e fundamentais. Esse é o momento em que a criança se surpreende comunicando as suas
principais angústias. Winnicott (1971) esclarece que, ao lado do valor projetivo deste método, ele também
tem um valor terapêutico. Esta forma de abordar a criança favorece que ela reintegre aspectos importantes de
seu self, muitas vezes temidos. Ao lado do profissional ela pode se aproximar dessas experiências e
expressá-las a alguém que esteja disposto a acolhê-las, O analista oferece o seu relacionamento para que a
criança o use a fim de criar a descoberta de si mesma. E assim que ela entra em contato com o núcleo de
seu próprio ser para achar assim uma renovação, um renascimento. (Milner, 1978, p. 105).
O uso da história infantil
No método aqui apresentado tem-se como objetivo que, no contato com o psicanalista, a criança tenha a
oportunidade de comunicar as suas vivências psíquicas a alguém disposto a compreendê-las. O instrumento
utilizado por ela para essa comunicação vai depender do seu modo de ser e da sua idade, já que apenas
gradativament ela irá ter domínio da linguagem verbal.
Essa espécie de experiência tem ação terapêutica pois é tentando comunicar suas angústias a alguém que a
criança consegue superar dissociações de seu self, o que em si mesmo é benéfico, porque é por meio deste
trabalho que ela terá a possibilidade de transformar suas experiências em elementos toleráveis e passíveis de
serem colocados sob domínio de seu gesto.
Nosso trabalho se caracteriza por usar a história para tentar intervir na situação de vida da criança a fim de
que ela possa superar um impasse em seu processo de amadurecimento, para que não necessite realizar uma
organização defensiva patológica ou mesmo criar um sintoma que intensifique seu sofrimento.’
Podemos observar que a criança aspira pela possibilida.. de de encontrar um sentido para as suas experiências
que inteConsideramos uma estruturação patológica o tipo de funcionamento que impede que o
individuo tenha uma vida criativa, que faça uso de sua “apercepção criativa”, sua
maneira pessoal de colorir a realidade exterior, que pode proporcionar o sentimento de que a vida vale a pena de ser vivida, e a descoberta do próprio “eu”. A
ausência de
sintomas pode ser saúde, mas não é vida. Com Winnicott (1965), afirmamos que a
riqueza da qualidade de vida, ao invés da saúde (ausência de sintomas), está nos
estágios privilegiados do processo maturacional.
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gre as diversas facetas destas vivências. O efeito benéfico de ter comunicado a alguém suas angústias pode ser
ampliado se for dada à criança uma composição na qual os aspectos fundamentais de suas angústias estejam
organizados em uma narrativa que lhe dê um horizonte possível de superação das mesmas. A narrativa insere
as situações de vida no registro da temporalidade humana, de maneira que cada conflito ou impasse acontece
e em seguida tende a uma resolução ou fim. Na narrativa o vir a ser humano está devidamente contemplado.
Isto é possível por meio do uso das histórias infantis pois além de serem um instrumento lúdico e transicional,
elas permitem à criança encontrar um sentido, dentro de uma estrutura de relações, para as suas experiências.
E desejável, ao utilizar estas histórias, sempre inserir nelas possíveis soluções do conflito. Para isso se pode
terminar a história com uma conversa entre os personagens que representam a criança e um dos pais ou um
—
substituto dos pais na qual este último mostra-se compreensivo, aceitando os impulsos da criança ou lhe
—
assinalando meios de lidar com eles. A criança necessita particularmente que lhe sejam dadas
sugestões em forma simbólica sobre a maneira como ela pode lidar com suas questões e crescer a
salvo para a maturidade. (Bettelheim, 1980, p. 15)
Cremos que para que a história seja efetivamente útil ela deve conter a angústia básica da criança, suas
organizações defensivas, o tipo de relação objetal e um personagem que funcione como um objeto
compreensivo, que ajude na integração do self. Por esta razão, na entrevista realizada, observamos o modo de
ser do paciente, suas angústias fundamentais, suas organizações defensivas, suas relações de objeto, a fim de
que, com essas informações, possamos compor a história que lhe poderá ser útil.
Na composição da história tentamos usar sempre os personagens por quem a criança tem maior afinidade,
porque normalmente são representantes de uma série de condensações e identificações realizadas por ela e por
esta razão veiculam de forma mais fecunda a mensagem que desejamos transmitir.
Para a elaboração da história, convocamos os pais para uma entrevista, após termos tido o contato com a
criança. Nessa entrevista temos como objetivo auxiliar os pais a terem uma
compreensão mais ampla de seu filho e a assimilarem um método que os ajude nas dificuldades da
criança.
Sempre que possível prefiro deixar aos pais a tarefa de ajudar na elaboração das angústias de seus
filhos. Isto porque, como mencionado anteriormente, ao trazer uma criança à consulta, são
mobilizadas intensas ansiedades persecutórias e depressivas, principalmente concernentes às
funções paternas. Por essa razão, ao darmos a oportunidade aos próprios pais de trabalhar com seus
filhos, estamos tendo também um efeito benéfico na restauração dessas funções. Isto permite que a
tensão e hostilidade que existiam no relacionamento deles com as crianças possam diminuir,
melhorando sensivelmente o vínculo entre eles.
Dessa forma, nesse contato com os pais, após o encontro com a criança, é interessante chamar a
atenção deles para a linguagem pré-verbal da criança. Habitualmente passa desaperce bido aos pais
que o brincar, o fantasiar, é também uma forma de linguagem, um meio de comunicação. De uma
forma geral, a importância do brinquedo é minimizada em nossa cultura, predominando uma
mentalidade que o considera “infantil e pouco importante”. Assim, em primeiro lugar, procuramos
resgatar junto aos pais o valor do brinquedo como forma de comunicação, a fim de que possam vir a
entender as ansiedades e comunicações da criança.
Geralmente necessitamos apresentar alguns exemplos do significado de algumas brincadeiras ou
jogos da criança para que os próprios pais comecem a fazer associações com outros episódios ou
brinquedos de significados similares. Neste ponto da entrevista, freqüentemente os pais trazem
vários outros exemplos de comunicação de seus filhos e de si mesmos do tempo em que eram
crianças, quando sentiam angústias semelhantes às de seus filhos. Este é um momento importante
pois é aqui que se abre a possibilidade de os pais compreenderem os filhos a partir de processos
empáticos. Aspectos de sua infância que estavam dissociados são integrados e passíveis de serem
usados a favor do aumento da compreensão e do contato com seus filhos. Nesses momentos o
analista necessita ser continente e ajudá-los a perceber o que existe de semelhante e diferente em
relação às experiências do filho. Inclusive é útil lembrá-los que é por terem tido angústias
semelhantes que podem compreender e Ii-
r
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dar melhor com seus filhos. Por meio desse diálogo buscamos ampliar a discussão dos motivos que
originaram o pedido de consulta, até que tenham compreendido de forma clara o funcionamento da criança.
Uma vez que este objetivo tenha sido alcançado, passamos para um outro momento da entrevista, onde juntos
vamos compor uma história que vise ajudar a criança.
Elaboramos a história junto com os pais, criando também outras versões do mesmo tema. O objetivo, ao fazer
isso, é que eles possam não só criar uma história que seja útil ao filho naquele momento, mas também
aprender um método por meio do qual possam aliviar a angústia da criança em outras situações, quando isto
for necessário.
Esta etapa da criação das histórias em diferentes versões junto aos pais é outro momento em que a sessão
mostra-se terapêutica também para eles, pois o elemento lúdico favorece que possam resgatar funções muitas
vezes esquecidas no seu passado, que lhes permitem utilizar a capacidade imaginativa e criativa para
elaboração de angústias de forma lúdica. Tal capacidade relaciona-se com os fenômenos transicionais
descritos por Winnicott, onde a ilusão usada criativamente permite ao indivíduo não só a reintegração do
impulso e elaboração de conflitos, mas também a revitalização do self, visto aqui como possibilidade de
existir pessoal e criativamente.2
Neste momento os pais são encorajados a brincar novamente, criando histórias a fim de ampliar as suas
possibilidades de jogo para que a integrem em suas funções paternas. Nessa situação surge entre os pais e o
analista o espaço potencial, como campo de jogo e do vir a ser. Junto com as histórias os pais levam também
da entrevista a recuperação da possibilidade de estarem nesse espaço criativo.
Sem dúvida a função lúdica aqui descrita é um fenômeno marcante na infância que, de certa forma, é relegado
a um segundo plano na vida adulta em favor da capacidade intelectual que, quando excessivamente
privilegiada, afasta a pessoa do contato consigo mesma e torna a existência do ser humano mais árida e pouco
criativa. Penso que é na capacidade de brincar que se encontra o germe do pensamento intuitivo e criativo, tão
ne2 É no brincar e tão somente no brincar, que a criança ou o adulto é capaz de ser criativo,
que o individuo descobre o self.,. Vinculado a este fato, temos o fato de que somente no
brincar a comunicação é possível, exceto a comunicação direta (fundir-se) que pertence à
psicopatologia ou a um extremo de imaturidade (Winnicott, 1975).
cessários não só na elaboração de angústias, mas também no viver criativo: brincar é uma
experiência criativa e é uma experiência no continuum espaço-tempo, uma forma básica de vida.
(Winnicott, 1968)
Uma vez que a história esteja pronta, os pais são aconselhados a usá-la diariamente, contando-a para
a criança. De um modo geral voltamos a ter um encontro com eles um mês e meio a dois meses
depois, para que se volte a discutir o que ocorreu durante o período de uso da história. Baseados nas
reações que a criança apresentou, sugerimos então possíveis modificações no conteúdo, na forma da
história narrada ou no modo como foi contada.
A maneira como a criança reage à história é muito significativa. Um dos fenômenos mais curiosos é
aquele que acontece quando a história vai ao encontro das necessidades da criança:
ela a escuta muito atentamente e pede para ser novamente contada, sempre que necessita dela. Com
freqüência, a criança, depois de ouvir o conto diversas vezes, e estando pronta para integrar o
conteúdo do mesmo, costuma comentar: Você está falando de mim, não é?
Os pais de um menino de cinco anos, que tinha intensa hostilidade ao irmão menor, usaram um
conto para lidar com a situação, que comunicava esta hostilidade. Depois de algum tempo
preparavam..se para novamente contar uma história com o mesmo tema, mas foram surpreendidos
pela criança que dizia:
Não, eujá não tenho tanta raiva do irmãozinho; conta outra história. Podemos afirmar que a
própria criança ajuda, muito, os pais no trabalho de assinalar o quanto e quando a história é útil.
Casos que após dois meses não aproveitam a história devem ser revistos, pois com freqüência
necessitam de outro tipo de trabalho. Geralmente são crianças que necessitam de uma psicoterapia
para terem os seus conflitos elaborados.
Temos como norma solicitar aos pais que entrem em contato com o analista a cada quatro ou cinco
meses para que se acompanhe o desenvolvimento da criança e assim se possa detectar possíveis
dificuldades que ela venha a encontrar e, dessa maneira, seja possível auxiliá-la a superá-las e a
continuar o seu processo de amadurecimento.
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CAPÍTULO 3
Casos clínicos
Afirmei anteriormente que, a partir da observação da criança, se compõe uma história que vá ao encontro do
seu modo de ser. Sabemos que o estilo de ser de cada pessoa é único e singular. Desta forma, com cada
paciente, o método necessita ser recriado para se adequar às características daquele caso em particular. Para
isso a experiência do profissional é fundamental pois é a partir dela que será estabelecido um referencial
interno que indicará o caminho mais adequado a ser trilhado em cada caso. E este referencial interno que
permitirá ao profissional um posicionamento facilitador do processo de amadurecimento da criança.
A seguir descreverei alguns casos para exemplificar a
aplicação do método de consulta em diferentes situações.
Caso 1 Miguel
-
Primeira consulta
Fui procurado pelos pais de Miguel’ quando este tinha três anos e sete meses. Miguel era um menino que,
segundo os pais, vinha apresentando, nos últimos oito meses, medo intenso de estranhos, principalmente
homens. Quando se deparava com um estranho buscava refúgio no colo de um dos pais.
A criança freqüentava o parque infantil e seus pais foram aconselhados a procurar ajuda, já que também o
contato com os colegas estava alterado, pois o menino se mostrava passivo, ficava quieto e não revidava
quando alguma criança o atacava, passando grande parte do tempo na escola sem falar
1 Os nomes dos pacientes são fictícios.
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Outro sintoma apresentado por este menino era um medo intenso de barulhos, tais como bombinhas, trovão,
bexiga estourando, etc.
O parto de Miguel foi natural, a termo, e ele foi amamentado no seio materno até os cinco meses; o controle
dos esfíncteres foi realizado com um ano e sete meses. Apresentou alguns problemas intestinais, devidos a
uma infecção, por volta dos dois anos de idade.
Miguel não era o único filho; tinha uma irmã de um ano e três meses, por quem no início mostrou certa
ambivalência mas, segundo o relato dos pais, em seguida aceitou-a bem.
Ambos os pais trabalhavam. Durante o período em que estavam fora do lar, Miguel e sua irmã ficavam com a
avó materna. Segundo relato da mãe, após o nascimento do menino, ela ficou sem trabalhar durante os seis
primeiros meses, para cuidar do filho.
Na entrevista com os pais, enquanto relatavam os sintomas e os dados de desenvolvimento de seu filho, foi
possível observar que se mostravam ansiosos e perseguidos. O pai ficava mais calado, sempre tentando passar
a palavra à esposa, dizendo: E la sabe melhor o que se passou. A mãe, mais agitada, com freqüência no
cho que os pais é que precisam de terapia; ou ainda: O
meio de seu relato, dizia: A que a gente tiver
feito errado, você nos diz.
Relatavam que a avó materna era muito rígida com Miguel e que tentavam lhe explicar que era necessário
deixar o garoto brincar mais à vontade, mas a avó sempre queria pôr uma roupa mais quente, com medo que o
menino ficasse doente. A gente acaba não dizendo nada para não criar confusão.
Era evidente pelo relato e comportamento dos pais que tinham colocado o analista no lugar daquele que julga
e que diz o que é errado.
Eu tinha como objetivo, na entrevista, diminuir a ansiedade persecutória dos pais a fim de que pudesse ser
concretizada uma aliança de trabalho.2 Isto era necessário pois, caso contrário, até poderiam realizar o
trabalho sugerido, mas seria para aplacar alguém que naquele momento estava no lugar do
2 A aliança de trabalhe é a relação racional e relativamente não neurótica entre cliente e analista, que torna possível a cooperação decidida do cliente na
situação terapêutica.
Segundo Greenson (1978), não é precisamente um procedimento técnico e nem um processo terapêutico, mas é necessário para a eficiência de ambos.
objeto persecutórjo, o que não seria útil para o filho ou para o relacionamento entre eles, pois seria
um vínculo marcado pelo medo e pela hostilidade, e não pela intenção de ajudar ou cuidar.
A intervenção foi feita sem interpretação transferencial, assinalando o quanto estavam se culpando,
conversando em seguida com eles a respeito das várias circunstâncias que influenciam a emergência
de um sintoma.
Isto foi feito na entrevista nos momentos em que manifestavam sinais de maior angústia. Frente ao
relato deles, levantei a hipótese de que havia dificuldade de Miguel em lidar com sentimentos
agressivos. Foi esclarecida a necessidade de um contato com a criança para verificar a hipótese e
planejar formas de ajudá-la.
Segunda consulta
No dia marcado, Miguel veio, trazido por seus pais. Ao ver o analista na sala de espera, mostrou-se
amedrontado e se escondeu atrás de sua mãe. O analista cumprimentou os pais e o menino,
convidando-o a entrar. Miguel se escondeu atrás do pai. Foi solicitado que um dos pais entrasse
com o menino na sala de jogos. Sua mãe se levantou e, tomando a mão do menino, disse:
Vamos ver os brinquedos do tio. A criança concordou, seguindo a mãe e evitando olhar o analista.
Ao entrar na sala, a criança olhou os brinquedos, por trás da mãe, e disse que queria ir embora. Sua
mãe sentou em uma das cadeiras, mas Miguel logo a deixou sozinha na sala, caminhando para o
corredor, para em seguida permanecer encostado na parede. O analista e a mãe aguardaram
aproximadamente dez minutos, mas a angústia de Miguel estava tão intensa que ele ficava
paralisado. Nem se aproximava da mãe e nem voltava à sala de espera.
O analista tomou alguns carrinhos e um trenzinho, caminhou para a porta, onde podia ser observado
pelo menino e, pondo os brinquedos no chão, brincou com eles. O menino deu alguns passos para
trás, mas ficou olhando atentamente. Depois de alguns instantes, o analista se dirigiu ao corredor
com os carrinhos, usando o chão e as paredes como estradas, sempre tomando o cuidado de não se
aproximar demasiadamente de Mi-
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guel, para que este não se sentisse mais perseguido do que já estava. Neste ponto o menino parecia bastante
interessado, a ponto de se mexer e se aproximar para observar o jogo, quando o analista passava por um ponto
difícil para que ele visse o que se passava na brincadeira.
Em um desses momentos, o analista tomou um dos carrinhos e o empurrou na direção de Miguel. Ele
observou o carrinho se aproximar e, quando o brinquedo estava ao alcance de sua mão, olhou para ele e em
seguida para o analista diversas vezes, mostrando-se hesitante em pegar ou não o carrinho. Por fim, resolveu
pegá-lo e começou a brincar com ele, primeiro ao redor do lugar onde estava encostado, depois ampliando um
pouco mais o espaço. O analista se aproximou de Miguel por meio de um outro carrinho, até que seu carro
ficasse paralelo ao do menino. Miguel o seguiu até onde estavam os outros carrinhos e o trenzinho.
No inicio, o jogo foi silencioso e depois foi acompanhado de um barulho de “brumm”, feito com a boca por
ambos. Gradativamente a criança se mostrou mais à vontade e sentou no chão, pedindo que o analista usasse o
trem. Assim foi feito e Miguel se aproximou com o carrinho, provocando uma trombada e fazendo com a
boca um barulho de explosão. Repetiu o jogo várias vezes e a cada uma demonstrava um prazer maior,
gargalhando após cada seqüência. A mãe de Miguel voltou para a sala de espera; o menino a observou, mas
pareceu não se importar.
Miguel perguntou se o analista tinha tinta. Este respondeu afirmativamente e voltou à sala de jogos para
apanhar o material pedido; o menino o seguiu. Em seguida pegou algumas folhas de papel e passou tinta sobre
elas. A tinta escorreu pela mesa; Miguel olhou o analista, buscando observar a reação deste e dizendo em
seguida: Não faz mal, né?
Jogou a tinta sobre o chão, enquanto pulava sobre o vidro, procurando quebrá-lo, e disse: Você sabe que eu
tenho uma irmãzinha? O analista confirmou e perguntou a ele como era ela.O menino respondeu dizendo
que era chorona, que fazia muito barulho e não deixava ninguém dormir. Pegou em seguida os brinquedos
sobre a mesa, jogou tudo para cima de maneira desordenada , com muitos gritos, e tentou quebrar outros
vidros de tinta. Tudo foi feito com muita excitação e muitas gargalhadas do menino. Dizia que era o gigante
que amassava tudo, cami nhand
pela sala com o corpo contraído para parecer que era muito grande. A sessão terminou aí e ele
caminhou para a sala de espera, imitando o gigante para os seus pais.
Como vemos, a paralisação de Miguel era defensiva. Visava impedir a expressão de suas fantasias
agressivas e sádicas, pois temia ser punido por elas. E interessante registrar que, no início da sessão,
o outro foi visto com temor, como se fosse o “gigante que amassa tudo” e de quem era preciso estar
afastado. No final da sessão, o menino era o “gigante”.
Ao ir embora, Miguel estava visivelmente mais livre, descontraído e com semblante feliz. Penso
que isso se deveu não só à possibilidade da expressão de impulsos até então muito inibidos mas
principalmente ao fato de que, ao expressá-los, pôde brincar com eles e, dessa forma, o que era
temido passou a estar sob o domínio da criatividade do menino.
Milner (1952) afirma que o pensamento metafórico é regressivo e primitivo mas, quando sob o
controle do ego, pode servir a funções adaptativas importantes. Se uma criança tem a expressão de
seus impulsos inibida, ela não pode entrar em contato com eles para tentar elaborá-los e
representá-los. Concordo com Milner mas enfatizo a importância do jogar para que os aspectos
temidos do self possam ser colocados em devir, subordinados ao gesto da criança.
Cabe também assinalar a importância do espaço potencial para que esse processo pudesse ocorrer
com este menino. No início observamos que o contato não pôde acontecer devido à intensidade das
ansiedades persecutórias. Naquele momento qualquer intervenção correria o risco de ser
interpretada pela criança como uma intrusão, com conseqüente aumento da ansiedade persecutória.
O possível era mostrar que queria me comunicar e que esperaria por ele; só no momento em que ele
demonstrou que estava pronto para se comunicar é que foi possível arriscar maior aproximação,
jogando para ele o carrinho. Em seguida o próprio menino buscou um maior contato no momento
em que ampliou o seu espaço, aproximando-se da “fronteira imaginária” entre ele e o analista. Este
foi o momento em que foi necessário cruzar a “fronteira” e aproximar-se da criança para que o
intercâmbio se estabelecesse e ocorresse a comunicação.
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Em termos de conteúdo ele deixou claro que tinha impulsos sádicos, mas particularmente dirigidos
à irmã. E é ao redor deste núcleo que a história deveria acontecer. A figura do gigante deveria ser
usada como personagem do conto por ser a representação que para esta criança tinha maior
significado. O gigante era ao mesmo tempo expressão do seu desejo de ser grande e também
representante do seu temor de ser onipotentemente destrutivo. Haveria a possibilidade de se criar
uma história com o mesmo tema, mas usando outro personagem, como por exemplo um dinossauro
feroz, mas este personagem não teria tanta fecundidade quanto o “gigante que amassa tudo” tinha
para Miguel. Por meio de uma história que incluísse esse personagem, haveria possibilidade de
assinalar para o menino que havia um ambiente que não se destruía com sua agressividade.
Terceira consulta
Na entrevista com os pais, em um outro dia, foi discutido o que o analista pensava sobre Miguel,
tentando transmitir a eles que a criança se sentia muito agressiva e ficava muito assustada, sendo
necessário encontrar alguma maneira de expressar e de brincar com o que sentia para transformar o
impacto dessas vivências.
@@ A mãe tinha presenciado parte do jogo, o que facilitou a compreensão do que estava sendo
discutido. Quando isto não ocorre, descrevemos brevemente o comportamento da criança na sala de
jogo, para que os pais possam acompanhar e contribuir para a discussão. Eles logo comentaram que
Miguel não tinha muito espaço para brincar pois moravam em um apartamento e temiam que ele
pudesse estragar os móveis da sala de estar. Conversando a respeito, resolveram deixar parte da área
de serviço para que ele pudesse brincar com tintas, que era o seu brinquedo preferido.
Em seguida construiu-se a história que teria como objetivo ajudar Miguel a elaborar os seus
conflitos. A história seguia o padrão:
Era uma vez um menino chamado Joãozinho que vivia em uma casinha nas montanhas, com mamãe
e papai. Mas Joãozinho não gostava de ser pequeno, ele queria ser grande e poderoso como um
gigante, para poder andar e
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Na consulta com Miguel, ao ser chamado na sala de espera, respondeu prontamente, vindo ao
encontro do analista com alguns brinquedos na mão: eram carrinhos, tintas e massa de modelar.
Ao entrar na sala de jogos, quis brincar de trombada, realizando explosões que produzia jogando os
brinquedos para cima. Espalhava tinta pelo chão e sobre o rosto, dizendo freqüentemente: Pode
sujar, né? Parecia naquela sessão necessitar explorar se de fato não seria castigado ou se aquele
jogo não era realmente perigoso. Estas idéias foram verbalizadas para ele, numa linguagem
adequada à idade do menino.
Após esta sessão foram mantidos contatos telefônicos com os seus pais, que informavam como o
seu filho se desenvolvia. Os sintomas desapareceram e, pelo que era relatado pelos pais, Miguel
parecia desenvolver-se bem.
Três anos depois do atendimento, recebemos uma carta dos pais de Miguel afirmando que ele estava
bem e alfabetizava-se de forma satisfatória; em anexo haviam enviado uma folha de papel escrita
pelo menino para o analista.
Caso 2-Luiz
Primeira consulta
A consulta com os pais de Luiz foi realizada quando este tinha oito anos e sete meses de idade. O
encontro ocorreu porque ele apresentava dificuldades de aprendizagem, principalmente em
matemática e organização espacial. Além disso era pouco afetivo, afastava-se quando alguém se
aproximava para lhe fazer carinho e era fechado e tímido, detestando quando era elogiado.
Luiz tinha mais dois irmãos, um garoto de quatorze anos e uma irmã de dezenove anos. Ele
admirava e invejava o irmão, se comparando freqüentemente com ele e sempre achando que tinha
poucas qualidades frente a ele. O pai de Luiz era profissional liberal e extremamente exigente com o
desempenho escolar dos filhos.
Alguns anos antes do nascimento do menino, a avó materna tinha falecido e, quando do seu
nascimento, se esperava que viesse uma menina, para que pudesse ser dado à criança o
nome da avó. Após o nascimento de Luiz, seu irmão adoeceu e sua mãe passava a maior parte do
tempo com o irmão, enquanto o pai cuidava dele. Quando completou dois anos, seus pais viajaram
para o exterior, ficando fora do país durante três meses. Durante este período Luiz foi cuidado pela
avó paterna. Nesta época o menino reagiu e se queixou da falta dos pais.
Durante a entrevista a mãe se mostrou muito culpada, chorando grande parte do t
empo e se recriminando, dizendo ser seca e não conseguir demonstrar afeto. O pai, por sua vez,
afirmou que o filho era vagabundo e que o grande problema era a preguiça. Frente a cada colocação
do pai, a mãe abanava a cabeça, demonstrando que não concordava.
O pai de Luiz dizia que havia sido criado na dureza e que isso tinha sido muito bom para ele, pois
agora era um homem responsável. Por esta razão achava que este era um bom método de educação
e que hoje em dia havia muitos modernismos que estragavam a criança.
Havia um duplo problema: de um lado, havia a necessidade de se trabalhar para que a mãe
diminuísse a intensidade das auto-acusações; de outro, havia a recusa do pai em aceitar a
importância do sofrimento do menino.
Em primeiro lugar foi dito ao pai que ele parecia pensar no futuro de seu filho e acreditar que, sendo
duro, poderia ajudá-lo a se tornar responsável, mas possivelmente estivesse acreditando que tentar
compreender o seu filho o levaria a não ter limites na educação dele. No entanto se uma criança se
encontra tensa e se há a possibilidade de compreendê-la, é possível, desta forma, ajudá-la a diminuir
a tensão. Foi perguntado ao pai se, quando pequeno, não sentia desejo de conversar com o seu pai
sobre o que sentia. Com a pergunta ele se mostrou pensativo, ficando inquieto e respondendo em
seguida: De fato. Após este comentário, permaneceu em silêncio.
A primeira parte da verbalização, dirigida ao pai, tinha a função de lhe transmitir a mensagem de
que ele não estava sendo acusado e que a sua preocupação era entendida. A segunda parte foi uma
explicação com o objetivo de chamar a sua atenção para o fato de que a angústia intensa paralisa
uma pessoa. No terceiro momento, com a questão que foi formulada, se esperava que ele pudesse
refletir sobre o relacionamento que havia tido
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com seu pai3, que parecia naquele momento estar afastado de sua consciência, e que parecia alterar o vínculo
que ele tinha com o filho.
Durante a conversa com o pai, a mãe se mostrava atenta, acompanhando o que era dito. Em seguida, ela
observou que, se pudesse entender o filho, iria ajudá-lo bastante, pois as pessoas têm necessidade de se
sentirem compreendidas. Isto também parecia ser uma mensagem ao marido. No entanto, pelos objetivos da
consulta, foi usada esta oportunidade para lhe mostrar que era verdade que a compreensão ajudava a aliviar a
tensão, e que isto era também válido para a auto-compreensão.
Em resposta ela disse que se sentia muito culpada pelo que se passava com o filho, que sempre se achava
culpada de tudo e que se sentia bem parecida com ele, pois também sempre se achava ruim e incapaz.
Assinalamos que ela estava presente à consulta, procurando entender o filho e que isto parecia não ser levado
em conta na avaliação que fazia de si mesma. Ela sorriu e comentou que esquecia de registrar que também
procurava ajudar o filho.
Com maior possibilidade de se conversar sobre os procedimentos a serem adotados para o trabalho com Luiz,
pois a angústia que sentiam parecia estar em nível tolerável, descrevemos o que seria realizado a seguir. Foi
marcado então um horário para que Luiz viesse a uma entrevista.
Segunda consulta
Luiz, na sala de espera, tinha uma aparência de desânimo. Ao ser chamado, caminhou sem hesitação à sala de
jogos, mas arrastava os pés ao invés de andar e, ao mesmo tempo, se deslocava encostando o lado direito do
corpo na parede. Na sala lhe foi dito, sucintamente, o motivo da consulta, explicando que poderia usar o
material que se encontrava lá, como quisesse. Olhou ao redor, observando o que existia na sala, perguntando
em seguida: O q ue você quer que eu faça? Foi respondido que poderia fazer o que quisesse; ele disse que
não tinha nenhuma idéia e, em seguida, perguntou para que existiam papéis e tintas na sala. Havia vários
brinquedos e jogos sobre a mesa, mas ele parecia particularmente interessado no papel e nas tintas.
3 Somos constituídos em presença do Outro. O modo de ser de alguém nos conta a história de suas relações com as pessoas que lhe foram significativas.
Mostrando-se hesitante, olhava fixamente para o material gráfico. Após alguns minutos, disse: O
que você quer que eu desenhe para você? Novamente lhe foi dito que poderia desenhar o que
quisesse. Aproximando-se da mesa, puxou papel, pegou a tinta guache preta e perguntou: Como
abre? O analista se limitou a repetir a pergunta.
Luiz disse que era necessário tirar a tampa, estendendo o vidro para o analista. Este lhe disse que
podia abrir a tinta sozinho.
O menino facilmente abriu o vidro, olhou para o analista e perguntou: Como que eu pinto? O pincel
estava ao lado das tintas e de Luiz. O analista respondeu que ele poderia pintar com o que quisesse.
Olhando demoradamente para a mesa, pegou o pincel e começou a desenhar. Desenhou um robô,
pegou a folha e a entregou ao analista. Este disse então: Por que você está me dando o seu desenho?
Luiz mexeu os ombros, tentando dizer que não sabia. Ficou algum tempo em silêncio e disse: Você
quer que eu faça mais alguma coisa?
Neste momento o contato parecia paralisado; o menino procurava apenas se adaptar às expectativas
que ele imaginava que o analista tinha a seu respeito. Parecia um menino submetido, sem se sentir
permitido a ter gesto ou expressar os próprios desejos. Queria agradar a alguém e, neste sentido, o
desenho do robô era bastante significativo, já que Luiz funcionava de fato como um robô, esperando
ser programado.
Foi necessário fazer uma intervenção para que o processo de comunicação prosseguisse. Foi dito a
ele que se assemelhava ao robô, pois achava que sempre precisava perguntar ao outro o que fazer,
porque tinha medo de ser desaprovado.
Luiz ouviu a intervenção, tomou a folha de papel e o guache e começou a desenhar, dizendo: Que
cor eu uso? Não houve resposta. Desenhou três aeroportos: um grande, um médio, um pequeno.
Comenta que no grande podia aterrisar o Concorde, no médio o DC-1O e, no pequeno, o teco-teco.
Afirma que ele era o aeroporto pequeno, o irmão o médio e o pai o grande. Desenha bombas sobre
os aeroportos, dizendo que estava havendo uma guerra, porque um queria o aeroporto do outro.
Após o jogo verbalizou que gostava de jogar futebol, mas que seu irmão jogava bem melhor, pois
era muito bom, além de
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ser melhor na escola. Perguntado sobre o que achava de si mesmo, respondeu que não era bom em nada. Em seguida
pegou a bola de futebol e brincou com esta, chutando contra a parede. Após este jogo, a sessão foi encerrada.
Foi possível observar como Luiz, na última parte da sessão, se comparava ao pai e ao irmão, sentindo-se sempre
inferiorizado, o que despertava hostilidade em relação a essas figuras. Por sua auto-estima alterada, procurava se submeter
ao outro, na tentativa de ser valorizado por alguém.4
Terceira consulta
@@ Na entrevista com os pais, realizada após o encontro com Luiz, se procurou, em primeiro lugar, auxiliá-los a ter
alguma compreensão do sofrimento do menino, conversando com eles sobre a concepção que ele tinha de si mesmo e da
comparação que fazia de si em relação aos outros. Buscava se adaptar ao desejo de alguém, com o objetivo de ser
valorizado. Os pais contribuíram com a conversa, trazendo fatos do cotidiano que ajudavam a esclarecer a problemática de
seu filho.
A história construída com os pais foi:
Um menino pensava em ser um robô e para isso ficava só parado, esperando que alguém pedisse coisas para ele, porque
um robô está sempre tentando agradar alguém, e o menino-robô queria ser importante para as pessoas.
Ele pensava que só assim seria feliz e que se ficasse sendo só um menino não seria bom para nada e ninguém gostaria
dele.
As vezes o menino ficava no canto, só pensando como seria bom ser outra pessoa — o irmão, o colega, alguém que ele
achasse legal.
Mas, na verdade, ele não era feliz sendo um menino robô, porque ele também tinha vontade de jogar, brincar, fazer as
coisas que desejava.
4 Freud (1922) afirmava que o ideal de ego é o substituto do narcisismo perdido da
infância. Kohut (1984), em relação ao mesmo tema, afirma que o psiquismo salva parte da experiência perdida da
perfeição narcisica global, atribuindo-a a um objeto arcaico, a imago parental idealizada Uma vez que todo o poder e
bem-aventurança estão juntos
agora no objeto idealizado, a criança sente-se vazia e impotente quando não recebe a aprovação deste objeto. Compreendo
o fenômeno de modo diferente. Em meu modo de ver é fundamental que a criança tenha reconhecida a sua singularidade
pelas figuras
significativas. A criança tem necessidade de ser amada pelo que é. Se, por alguma razão, essa experiência não acontece a
questão do valor de si se coloca como uma questão
jamais solucionada (enquanto o reconhecimento de si não acontecer verdadeiramente).
Ele estava tão acostumado a ser robô, que já até andava como um robô. O pai dele começou a
perceber que ele sofria e um dia chamou o menino para conversar. O pai, na conversa, percebeu que
o garoto se sentia uma porcaria, porque queria ser maior, grande como o irmão e como o papai, e
nem percebia que ele também ia crescer e que, mesmo sendo menor, sabia fazer coisas
interessantes, como brincar. E que ele, mesmo pequeno, era amado. O pai tentou explicar tudo isso
para ele. E o menino ficou pensando se valia a pena continuar a ser robô.
Este foi o padrão de história utilizado. Na segunda vez que a história foi contada a Luiz por seu pai,
ele disse: Você está falando de mim. O pai confirmou. A partir desse momento foi possível ao pai
conversar diretamente com o filho sobre os conflitos que ele apresentava. Um dos comentários que
Luiz fez nesta ocasião foi dizer ao pai que não era tão bom na escola como o irmão. O pai
respondeu que de fato o irmão se saía melhor, mas isso não significava que não gostasse dele
também.
Esta conversa ajudou a estreitar o vínculo entre pai e filho; o garoto se tornou mais livre nas
brincadeiras e também sua hostilidade se expressou mais claramente. No entanto, após uma
observação posterior, notou-se que a confiança em si mesmo não estava bem estabelecida e que
uma psicoterapia seria desejável. Os pais aceitaram a sugestão e, pouco tempo depois, Luiz iniciou
um processo psicoterápico.
A consulta serviu para eliminar o foco de tensão mais intenso e possibilitou que os pais do menino
ficassem menos perseguidos, o que favoreceu que aceitassem uma psicoterapia para o filho, para
que este tivesse a oportunidade de ter um desenvolvimento mais satisfatório. O efeito maior da
consulta foi para o pai do menino, que não só pôde integrar aspectos de sua relação com seu próprio
pai, que estavam até aquele momento dissociados, mas também pôde, por meio da história,
re-encontrar um canal de comunicação com o seu filho e, desse modo, dizer a ele que o amava.
Caso 3- Lúcia
Neste caso não houve contato do analista com a criança. Ele será narrado a fim de exemplificar a
utilidade das histórias
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nas situações em que é necessário dar uma assistência psicológica de forma breve e sem as condições ideais para um
melhor atendimento.
Tratava-se de uma menina de nove anos de idade, Lúcia, que morava em uma cidade distante de São Paulo e, no momento
da consulta, não havia possibilidade de sua vinda a São Paulo, mesmo que por uma única vez.
A ajuda foi procurada por sua tia que morava em São Paulo e entrou em contato com o profissional para narrar o caso, a
fim de tentar conseguir uma orientação para ajudar a sobrinha.
O pai de Lúcia tinha falecido recentemente e, desde o ocorrido, a menina não tinha expressado nenhum tipo de emoção.
Lúcia era de família simples e tinha mais dois irmãos:
uma moça de dezessete anos e um rapaz de dezenove. O pai de Lúcia era um homem violento no trato com os filhos e os
espancava com freqüência, principalmente quando alcoolizado. A menina tinha muito medo de seu pai e se apegava mais
à mãe.
Após a morte do pai, Lúcia ficava calada e se recusava a comer. Quando alguém lhe perguntava se estava triste, respondia
que não. A noite seu sono era agitado e acordava com freqüência, tendo pesadelos.
Na cidade onde a família morava não existia serviço de psicologia, mas a tia queria fazer algo pela criança. Entretanto não
era possível trazer a menina a uma consulta para que se fizesse um diagnóstico do que ocorria com ela.
Frente a estes fatos, o analista optou por tomar os dados parciais do relato da tia e os conhecimentos de psicopatologia
para tentar auxiliar Lúcia por meio de uma história.5
Foi montada a seguinte história com este objetivo:
Era uma vez uma gatinha chamada Mimi que vivia com a gata mamãe e o gato papai. As vezes, o gato papai saía para
buscar sardinhas para a família e voltava nervoso. A gatinha Mimi gostava de brincar e de pular. E o
gato
5 Klein (1970, p. 404) nos diz a respeito do luto: O maior perigo para o sujeito de luto provém da reversão contra si
mesmo do ódio que nutria para com a pessoa amada perdida. Uma das formas como se expressa o ódio na situação de luto
é o sentimento de triunfo sobre a pessoa morta. Os desejos de morte da criança contra os pais, os irmãos e as irmãs se
cumprem quando morre uma pessoa amada, porque o morto,
necessariamente, cm certo sentido, representa as figuras importantes mais recuadas e carrega portanto alguns dos
sentimentos correspondentes a elas. Então a morte, embora acabrunhadora por outras razões, é sentida de certo modo
como uma vitória, originando um triunfo e, portanto, um aumento do sentimento de culpa.
papai às vezes ficava bravo e dava umas mordidas na gatinha Mimi para ela ficar quieta. A gatinha, nesses
momentos, chorava e ficava com raiva do gato papai.
Um dia o gato papai morreu e a gatinha Mimi ficou bastante assustada, ficou chateada de às vezes ter ficado
com raiva do papai. Agora ela percebia que também gostava dele. Ela ficou tão aborrecida que nem tinha mais
vontade de comer sardinhas.
A gata mamãe ficou preocupada e resolveu conversar com a gata filhinha. Nesta conversa a gata Mimi ficou
sabendo que, às vezes, o gato sente raiva e gosta ao mesmo tempo, e que ela não era ruim por isso. Mimi
ficou aliviada, chorou muito e logo depois foi comer uma sardinha com a mamãe.
A tia de Lúcia passou a história para a mãe da menina que, por sua vez, a contou para a filha.
Após a história, a menina teve uma reação intensa e chorou muito. No dia seguinte pediu que a mãe contasse
outra vez a história da gatinha Mimi. A partir dai não pediu mais a história e nem a mãe voltou a contá-la. A
menina começou a expressar tristeza e saudades do pai, voltando a se alimentar e a conversar.
Desta forma o processo de elaboração do luto se desencadeou, sem que fosse necessária a formação de
sintomas. Nessa situação a história trazia os possíveis conflitos de Lúcia de um modo que ela podia se
relacionar com eles, pois ao se re-apresentar a ela a sua própria história em forma de narrativa, se possibilitava
que a menina pudesse reconhecer fora de si a angústia que a tomava completamente. Após esse
reconhecimento, também lhe foi oferecida a opção de pedir ou não o relato da história novamente. Ou seja, a
sua problemática ficou subordinada a seu gesto e o seu processo maturacional retomou o seu fluir.
Caso 4 Minam
-
Primeira consulta
Minam era uma menina de seis anos de idade quando veio à consulta. Seus pais resolveram trazê-la porque
chorava
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com facilidade e dormia com muita dificuldade, pois tinha pesadelos constantes. Observando estes sintomas,
os pais acharam que seria necessário procurar ajuda profissional.
Os pais relataram que Minam sempre tinha sido uma menina bastante carinhosa e sensível às reprimendas,
chorando magoada após ser chamada à atenção.
Não possuía irmãos e na escola parecia ter um bom relacionamento com as crianças. A mãe e o pai
trabalhavam; a mãe por meio período, enquanto a filha se encontrava na escola.
No seu desenvolvimento, segundo os pais, não houve problemas. Apenas, com a idade de três anos e dois
meses, f oi submetida a uma operação cirúrgica para remoção das amídalas. Quando soube que seria
submetida a este tipo de cirurgia, ficou muito amedrontada e dizia que tinha medo de morrer. Foi para o
hospital chorando. Nessa ocasião, os pais ficaram bastante mobilizados, com dó da criança e comentaram, ao
relatar o fato, que quase choraram juntos.
Os pesadelos de Minam referiam-se à morte de si mesma ou a de um dos pais. Quando isto acontecia,
acordava gritando. Geralmente a mãe ia ao quarto da filha e procurava acalmá-la, ficando ao lado dela até que
adormecesse novamente.
Durante a entrevista, os pais se mostraram cooperativos, desejando cuidar da filha. Era possível observar que
a dificuldade que encontravam para ajudar a criança se devia a um processo de identificação com a menina.6
Era difícil para eles suportar o choro e a dor da filha. Toda vez que mencionavam um episódio de choro ou
pesadelo, ficavam tensos e com os olhos marejados de lágrimas.
Já que este era o ponto em que necessitavam de auxílio para poder lidar melhor com a criança, a identificação
com a filha foi tomada como foco de trabalho nesta entrevista, a fim de que tivessem melhor condição de
utilizar os procedimentos que seriam sugeridos em um segundo momento.
Foi dito a eles que parecia ser difícil para eles verem Mi- riam chorando ou com medo. Isto serviu como
estímulo para que eles expressassem as suas angústias e descrevessem a si mes6 O processo de identificar-se com um
objeto é inconsciente, ainda que possa ter também
componentes pré-conscientes e conscientes significativos. Neste processo o sujeito modifica seus motivos e padrões de conduta e as representações do self
que
correspondem a eles de tal forma que se sente semelhante ao objeto e confundido com ele. Mediante a identificação o sujeito representa como próprias uma
ou mais
influências reguladoras ou características do objeto que se tornaram importantes para ele. (Schafer, 1968)
mos como muito emotivos, afirmando que a cada vez que observavam a filha em uma dessas
condições ficavam com o coração partido.
O pai disse que possivelmente estavam querendo dar à filha uma vida cor de rosa, sem sofrimentos,
mas que era difícil não fazer nada para aliviá-la dessas situações difíceis. Foi dito então que era
possível tentar acalmá-la, mas não impedir que situações difíceis ocorressem.
Em seguida conversaram sobre as expectativas que tinham de si mesmos como pais. Dessa forma
foi possível discutir um pouco o ideal de pais que buscavam alcançar. No final da entrevista foi
marcado um encontro com Minam.
Segunda consulta
Minam entrou na sala de jogos sem dificuldades. Observou os objetos sobre a mesa
demoradamente.
Foi explicada a ela a razão daquela consulta. A menina explorou cada um dos brinquedos e escolheu
os bonecos, com os quais formou uma família. Em seguida, pegou o fogãozinho e as panelas para
criar uma cozinha e com as massinhas de modelar fez a comida.
Em um segundo momento ela era mãe de todos os bonecos e cuidava deles, dando de comer.
Enquanto fazia comida, a água às vezes derramava sobre a mesa e ela, logo em seguida, buscava um
pano para enxugar o que tinha sido molhado. Procurava deixar a sua casinha bem em ordem.
Em determinado momento tomou um caminhão onde colocou os seus filhos para passear. Nesse
passeio uma das rodinhas do caminhão casualmente caiu. Neste momento o jogo é interrompido
pela angústia, que adquiriu proporções intensas. Minam se inibiu, olhou assustada o brinquedo
sobre o chão, dizendo que queria ir embora e não queria brincar mais. O analista interveio, dizendo
que ela parecia assustada porque a roda do caminhão tinha caído e que possivelmente ela estava
achando que tinha destruído o caminhão. Minam continuou hesitante durante algum tempo, até que
trouxe o carrinho com a roda para o analista, para que este a colocasse novamente. Como se tratava
de uma tarefa que ela poderia realizar, o analista lhe disse que ela parecia acreditar que só destruía e
que não podia consertar, e a convidou a tentar.
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A menina ficou parada alguns instantes, até que resolveu tentar, conseguindo recolocar a roda no
carrinho. Isto feito, parecia estar aliviada. Tomou o caminhão com os bonecos e continuou o passeio
da família de bonecos, até que a sessão terminou.
Terceira consulta
Durante a primeira parte da entrevista com os pais, se conversou sobre o modo de ser de Minam.
Foi comentado que ela temia ser incapaz de sentimentos construtivos e achava que os objetos
facilmente se destruiam. Desejava ser como a mãe e procurava ser ordeira ao extremo, como uma
tentativa de controlar o que imaginava ser a sua capacidade destrutiva.
Os pais verbalizaram que tinham pensado muito a respeito do que havia sido conversado na
primeira entrevista e achavam que funcionavam de maneira semelhante ao que naquele momento se
discutia a respeito da filha.
Formulou-se uma história que pudesse ser útil a Minam, que seguiu o seguinte padrão:
Era uma vez uma princesinha que vivia no castelo com o rei, seu pai, e a rainha mãe. A princesinha
vivia em um quarto reluzente, porque para ela tudo precisava estar em ordem. Os brinquedos que
ela tinha, nem gostava de usar, pois tinha medo que se estragassem. Aliás, esta princesinha tinha
medo que tudo se estragasse, até o rei papai e a rainha mamãe.
A princesinha às vezes sonhava em como seria bom quando ela pudesse ser como a rainha, usar os
vestidos que a rainha usava, sentar naquele trono que ela achava tão bonito... Mas quando ela
começava a sonhar, logo ficava com medo, porque temia que se sonhasse estar no lugar da rainha
mãe, alguma coisa ruim pudesse acontecer com a rainha.
Mas um dia a rainha mãe, vendo que a princesinha nem brincava e às vezes nem dormia de tão
preocupada, conversou com ela e perguntou à princesinha o que se passava. A princesinha falou:
Ah! Eu tenho tanto medo que as coisas se estraguem e que você e o papai morram!...
A rainha mãe falou: Ah! Agora eu entendo. Sabe, filhinha, às vezes a gente fica chateada e com
raiva por muitas coisas. Você pode, às vezes, até ficar com raiva de mim, porque gostaria de sentar
no meu trono, mas não é
por isso que eu vou morrer. E não é só porque você fica chateada que uma coisa quebra. Eu sei que você fica
triste quando as coisas estragam porque você gosta delas e também de mamãe e papai.
A princesinha respirou aliviada e ficou satisfeita por perceber que não era tão “estragona” assim.
Essa história foi contada várias vezes a Minam por seus pais, principalmente após um pesadelo ou um
momento de angústia.
Segundo informações dos pais, os pesadelos deixaram de ocorrer, Minam ficou menos manhosa e passou a
brincar mais livremente. Neste caso, um fator importante na boa evolução parece ter sido resultado de uma
melhor condição psicológica dos pais para lidar com o que se passava. A história, na verdade, tinha auxiliado
a menina e também os pais, pois essa era uma família em que a mentalidade predominante era depressiva.
Havia um temor da vitalidade, que era compartilhado por todos. Ao contar a história para a criança os pais
eram beneficiados tanto pelo conteúdo da mesma quanto pelo fato de que, ao observarem a evolução da filha,
reafirmavam para si mesmos as suas capacidades de cuidar.
Caso 5 Marcelo
—
Primeira consulta
Marcelo era um menino de nove anos de idade. Veio à consulta por apresentar medo de dormir nos últimos
três meses. Quando a hora de dormir se aproximava, ficava ansioso e com medo, dizendo que temia morrer ao
adormecer. Procurava inventar técnicas que o cansassem ao extremo, a fim de poder dormir por exaustão.
Marcelo tinha uma irmã menor, com seis anos de idade, com quem tinha um bom relacionamento. Com as
outras crianças era um menino alegre e brincalhão e fazia amigos com facilidade.
No contato com adultos era um pouco inibido, sempre temendo ser repreendido. Nesses momentos a sua
iniciativa se bloqueava e ele se mostrava submetido.
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Na escola, quando próximo da professora, se apresentava mais passivo, temendo uma atitude crítica por parte
dela.
Seus pais se mostravam preocupados com o que ocorria com o filho e diziam que procuravam ser amigos dos
filhos.
Demonstravam certa angústia por se sentirem perdidos quanto à melhor forma de educá-los. Tinham sido
criados em lar de educação rígida e sabiam que não era o melhor para os filhos, pois achavam que a educação
que tinham recebido fazia com que se sentissem inibidos e não queriam que os filhos tivessem as mesmas
—
dificuldades. No entanto receavam que, sendo mais liberais, pudessem prejudicar o desenvolvimento das
crianças. A maior preocupação demonstrada estava na área da sexualidade.
Queriam que o analista lhes apontasse a melhor forma de educação e as possíveis respostas que se podia dar
frente às perguntas das crianças, que os embaraçavam. Já haviam lido vários livros sobre educação, mas
continuavam perdidos e queriam, na consulta, receber conselhos e saber se deveriam ser mais rígidos ou
liberais. Eles buscavam um modelo de como deveriam ser como pais e, desta forma, deixavam de lado as
características que tinham como pessoas. Tinham tentado se adaptar a vários modelos e continuavam
perdidos, pois suas identidades de pais não estavam enraizadas naquelas que eram as suas características reais.
E, novamente, queriam que, na entrevista, o analista lhes desse um novo modelo.
Estes pontos foram abordados com eles, mostrando-se como se alienavam de si mesmos e perdiam o que era
fundamental no exercício das funções maternas e paternas. Nesta conversa sentiram necessidade de expressar,
em tom de desabafo, alguns dos sentimentos que tinham em relação aos próprios pais, tais como submissão,
hostilidade, etc. Demonstraram desejo de serem para os filhos os pais que desejariam ter tido.
Foi explicado a eles qual o procedimento a ser utilizado para auxiliar a criança e marcada uma entrevista com
o menino.
Segunda consulta
Nesta entrevista empregou-se como procedimento o jogo de rabiscos. De início, após serem dadas as
instruções, o menino preferiu que o analista realizasse o primeiro rabisco. Isto feito, ao entregar o rabisco para
que ele o completasse, Marcelo disse que não tinha idéia do que fazer. Após certo tempo de hesitação,
pediu que o analista realizasse o desenho, O entrevistador concordou, fazendo um peixe. Ao fazer outro
rabisco e entregar ao menino, este fez uma flor. Marcelo fez o seu traço e o analista o transformou em um
camundongo. Este, por sua vez, fez um rabisco, por meio do qual Marcelo desenhou um pato. Fazendo um
rabisco para o analista, este o utilizou para fazer um óculos. Com o rabisco do analista, Marcelo fez um
fantasma. Neste ponto, o entrevistador perguntou ao menino se tinha medo de fantasma. Ele respondeu que
não, mas que tinha medo de dormir e não acordar mais, porque era ainda criança e tinha muitas coisas que
queria fazer e tinha medo que não desse tempo. Pedindo a ele que exemplificasse, respondeu que ia ganhar
um carro de controle remoto no Natal, mas tinha medo de morrer antes. Enquanto falava, fazia outro desenho
e, com o lápis, furava a folha diversas vezes.
O analista perguntou se ele tinha pesadelos. Respondeu que algumas vezes. O último deles era uma luta de
espadas com um robô do espaço, em que o robô ia matá-lo, mas no momento final ele conseguiu destruir o
robô. Inquirido sobre a razão da luta, respondeu que não sabia. Queria fazer alguns desenhos de avião para o
analista e desenhou mais um. Parecia gostar do desenho e fez então outro, de um avião maior.
Nesta sessão Marcelo expressou uma intensa angústia de castração7 como conseqüência da competição com a
figura paterna. Isto se manifestava pelo medo de morrer e de não ser capaz de crescimento e de realizações
futuras.
Terceira consulta
Na entrevista com os pais tinha-se como objetivo ajudá-los a compreender o que se passava com o filho, para
que pudessem utilizar os procedimentos que seriam sugeridos.
Foi dito a eles que Marcelo estava preocupado, temendo não alcançar realizações que para ele eram indícios
de que crescia e se tornava homem. Nesta idade era natural que se comparasse com homens adultos,
principalmente o pai e, na medida em que se percebia em desvantagem, surgia certa dose de hosti7
Aangústiadecastração no menino surge como uma ameaça paterna em resposta às
suas atividades sexuais e desejos incestuosos. Está também relacionada com o
narcisismo, pois o falo é considerado pela criança como aspecto fundamental da imagem do ego e a sua perda implica uma ferida narcísica. Winnicott afirma
que o menino
necessita da oposição paterna para que ele não tenha que usar da inibição de seus
impulsos, na falta da função paterna.
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lidade e competição. Marcelo temia ser castigado por ter tais sentimentos, principalmente em
relação ao pai. Na sua fantasia seria punido com a morte, o que impossibilitaria o seu futuro.
Frente a esta colocação o pai comentou que podia entender o que se passava pois quando era
pequeno costumava competir com os outros meninos. Podia-se perceber como a questão
apresentada por Marcelo tinha dimensões transgeracionais pois os conflitos que os seus pais tinham
com seus próprios pais dificultavam que pudessem ter a presença necessária para que Marcelo
colocasse em jogo seus sentimentos competitivos. Tentavam ser diferentes de seus pais para dar a
Marcelo a oportunidade de não precisar viver relações de submissão. No entanto faltava a Marcelo a
oposição necessária para que manifestasse as suas fantasias de competição, sem temor de destruir o
pai.
Construiu-se uma história que tinha como personagens índios, por ser esse um campo de interesse
do menino:
Era uma vez um indiozinho que vivia em uma tribo de guerreiros e caçadores. A medida que os
indiozinhos cresciam, eles podiam chegar a ser guerreiros ou caçadores. E quando chegava o dia de
poderem ser aceitos como guerreiros ou caçadores eles tinham que matar um javali e trazer para a
tribo. Aí era um dia de festa: todos comemoravam, pois mais um indiozinho tinha virado caçador.
O indiozinho Trovãozinho sonhava com o dia em que seria caçador, como todos, principalmente
como o índio Relâmpago Azul, que era seu pai. As vezes ele brincava de lutar com as árvores. Uma
vez até brincou que uma delas era seu pai, o Relâmpago Azul. Lutava com essa árvore e brincava
que vencia. Então ele se assustou muito porque percebeu que queria derrotar Relâmpago Azul e ele
também gostava do pai. Ficou preocupado e com medo de ser castigado por isso. Ficou com medo
de que, se dormisse na sua cabana, pudesse morrer e nunca chegar a ser como o Relâmpago Azul.
Toda noite, antes de dormir, era um pesadelo, de tanto medo. Trovãozinho estava tão assustado que
resolveu conversar com Relâmpago Azul.
Seu pai explicou a ele que não fazia mal que, às vezes, quisesse derrotar o Relâmpago Azul, que
ninguém o castigaria por isso; essa vontade só mostrava como ele que-
ria ser um bom caçador. Depois disso Relâmpago Azul começou a ensinar o filho como se usava o arco e
flecha e como se caçava. Trovãozinho ficou muito feliz e nunca mais teve medo de dormir. Até um dia,
quando ficou sendo o caçador Trovão.
A história foi contada pelo pai8 de Marcelo antes que este dormisse. Ele escutava a história com muito
interesse, O medo de dormir só desapareceu oito dias depois. Na seqüência passou a solicitar mais a presença
do pai nas brincadeiras, que costumavam ser de mocinho e bandido, policia e ladrão, etc. Um mês e meio
depois, o medo tinha desaparecido completamente.
Caso 6- Antônio
Primeira consulta
Antônio era um menino de sete anos quando seus pais procuraram um profissional para conversar sobre as
dificuldades do filho. Antônio era descrito como um garoto triste que sempre dizia não ter amigos ou que
ninguém gostava dele e que a professora o perseguia. Muitas vezes chorava porque se achava uma porcaria.
Na entrevista os pais diziam não querer ver o filho sofrer tanto. A mãe chorava com freqüência, dizendo que
doía muito ver que o filho tinha os mesmos problemas dela, pois sempre tinha-se sentido inferior a todo
mundo, nunca conseguindo fazer amizades. Dizia que sofria muito por sempre se ver à parte. Não queria que
o filho passasse pelas mesmas dificuldades.
O pai recriminava a esposa, achando que ela exagerava e acreditava que, com o passar do tempo, os
problemas passariam.
A busca de um profissional foi precipitada por um episódio ocorrido na escola, no qual a professora do
menino tinha dado uma nota baixa a ele e comentado que ele estava mal, na frente da classe.
Antônio voltou para casa chorando, dizendo que a professora o tinha humilhado na frente dos colegas. A mãe
do garoto se
8 É d esejável que a história seja contada por aquele, pa ou mãe, ao redor do qual o
conflito parece estar mais agudo, pois o ato mesmo de contar a história faz com que a
relação seja posicionada em registro mais favorável à resolução do impasse.
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—
irritou e foi à escola para reclamar do comportamento da professora. Como resultado, as duas se
desentenderam. Após este episódio os pais resolveram procurar ajuda para o garoto mas queriam
que o profissional interviesse também na escola, para que não voltassem a ocorrer situações como a
descrita acima. O analista lhes explicou que não faria isso e que só se propunha a conversar com
eles e com Antônio sobre a dificuldade que surgia. A mãe do menino estava bastante alterada e
chorava, ao mesmo tempo em que procurava denegrir a professora com seus comentários.
Foi verbalizado que a sua hostilidade em relação à professora estava intensa. A mãe perguntou ao
analista qual era a sua opinião da razão de estar tão alterada. Foi respondido que ela parecia se sentir
humilhada com o ocorrido, da mesma forma que o filho. Em seguida se conversou sobre a
auto-estima que possuíam e da necessidade de serem valorizados. No momento seguinte
focalizou-se o ideal elevado de si mesmos que buscavam alcançar. Com esta discussão foi encerrada
a entrevista e marcado um encontro com Antônio.
Segunda consulta
O menino veio à entrevista acompanhado do pai. Ao ser chamado na sala de espera parecia inibido,
mas acompanhou o analista à sala de jogos.
Após o estabelecimento do enquadre Antônio tomou uma folha de papel e desenhou um avião. Em
seguida comentou que algo que ele gostaria de aprender era fazer um avião de papel. Perguntou ao
analista se este podia fazer um para que ele visse.
O entrevistador tomou uma folha de papel e começou a dobrar para fazer o avião. Antônio pegou
também uma folha e foi dobrando, tentando imitar as dobraduras do analista.
Uma vez pronto o avião, o menino pegou o seu trabalho e o jogou, para ver como voava. Parecia
não estar satisfeito. Tomou outro papel e, desmanchando a sua dobradura e a do analista, procurou
fazer outro avião, mais perfeito, guiando-se pelas dobraduras anteriores. Este segundo avião
construído por ele voava melhor e ele ficou feliz. Comentou que precisava decorar como se fazia o
avião, porque não queria esquecer mais. Com este objetivo dobrou várias folhas, construindo
aviões, até que por fim achou que havia aprendido. Disse: Agora eujá sei. Quero ver quem vai fazer
um avião melhor do que o meu. Estava cheio de si e orgulhoso.
Disse então ao analista que queria fazer um campeonato para ver qual dos dois faria um avião melhor. Assim
foi feito e, nos momentos em que vencia, dizia ao analista: Você não é de nada! Teu avião é só uma
porcariazin/ja. Quando perdia se mostrava triste e envergonhado. Muitas vezes, quando isto acontecia,
amassava o seu avião, dizendo que precisava fazer outro.
O que ele demonstrava era que só podia ficar satisfeito se realizasse um avião invencível. Ele tinha, assim
como os pais, um ideal de ego altíssimo.9
Ao terminar a sessão, caminhou em direção ao pai que o esperava, dizendo a ele que tinha aprendido a fazer
aviões e mostrando os aviões que tinha construído. Seu pai comentou:
1h, filho! Que aviões mixuruca que você fez... O menino ficou desapontado e se retirou com seu pai.
Terceira consulta
Na entrevista com os pais enfocou-se o ideal que todos buscavam alcançar. Foi explicitado que Antônio
buscava atingir o impossível e, como resultado, se sentia fracassado, sem valor, porque para ter valor só sendo
o maior, capaz de derrotar a todos.
A história utilizada foi:
Um menino chamado Paulinho sonhava em um dia ser um piloto de avião muito importante, pois acreditava
que assim todos iriam achar que ele era uma pessoa legal.
Queria ser um piloto, mas que pilotasse um avião supersônico. Aí sim, ele seria uma pessoa importante.
Tentou, tentou, o tempo passou, até que conseguiu subir no seu primeiro avião supersônico. Ele estava
exultante. Partiu e lá foi ele, mais rápido que o som.
A viagem terminou e ele desceu. Tudo tinha dado certo, mas alguma coisa não estava bem e ele não estava
feliz. Ainda não se achava legal. Quem sabe se ele pilotasse um foguete?... Mas no fundo sabia que não iria
adiantar.
Aos poucos foi percebendo que assim ia ficar sempre triste. Nem tinha amigos porque sempre queria ser o
mais importante e derrotar a todos.
9.Kohut(1984)sugere que a perfeição do narcisismo primário da criança é perturbada pelas inevitáveis falhas do cuidado maternal, mas a criança tenta salvar
a experiência original de perfeição atribuindo-a, por um lado, a uma imagem grandiosa e exibicionista do self— o self grandioso — e , por outro lado, a um
outro admirado: a imago parental idealizada.
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Ao longo do tempo foi descobrindo que, mesmo não sendo o melhor piloto do mundo, poderia ser feliz se
pudesse ser um piloto que gostasse de pilotar qualquer avião, para poder curtir as suas viagens. Porque se
sempre quisesse o máximo, jamais ficaria satisfeito.
A história foi contada por seus pais a Antônio por duas semanas. Observou-se que a ansiedade do menino
diminuiu durante esse período. No entanto, não houve mudanças significativas na sua maneira de se
relacionar com os outros. Foi sugerida uma psicoterapia mas os pais de Antônio não aceitaram a proposta.
Quatro anos mais tarde, novamente, os pais de Antônio entraram em contato com o analista, por insistência do
filho. Nesta oportunidade, Antônio estava bastante deprimido e disse aos pais que já estava cansado e que
queria conversar com alguém outra vez, como tinha feito quando pequeno, e pediu que os pais telefonassem
para o analista. A partir daí Antônio foi encaminhado para uma psicoterapia para que tivesse uma ajuda mais
adequada ao seu funcionamento.
Nesse caso podemos perceber que, devido à mentalidade familiar, o uso das histórias tinha pouca
possibilidade de ajudá-lo a superar as suas dificuldades. A consulta se mostrou significativa, pois deu ao
menino uma experiência que lhe assinalou o foco de seus problemas, o que possibilitou que ele concebesse a
possibilidade de ser ajudado o que ocorreu anos mais tar de.
—
Primeira consulta
Fábio era um menino de três anos e oito meses quando
seus pais procuraram ajuda psicológica para ele. Seus pais eram jovens e se mostravam interessados
e desejosos de conhecer maneiras de ajudá-lo. Além de Fábio tinham mais uma menina de cinco
anos de idade, que parecia se desenvolver bem.
O nascimento de Fábio foi turbulento: assim que nasceu precisou tomar transfusões de sangue e
permanecer no hospital para poder sobreviver. A mãe descrevia o período como muito di-
fícil para todos e a cena do filho no hospital, com agulhas na cabeça, tinha sido difícil de suportar.
Fábio, desde o início, se mostrou uma criança angustiada. Qualquer episódio de barulho mais
intenso, ou mesmo uma assadura, o levava a chorar desesperadamente, sendo difícil acalmá-lo.
Uma das dificuldades que apresentava ocorria na hora de dormir, pois chorava intensamente,
principalmente quando era colocado no berço e a luz era apagada.
Os pais acreditavam que ele tinha medo de cair, pois se agarrava ao colchão e ao travesseiro,
olhando ao redor, aterrorizado. No colo adormecia facilmente, mas no momento em que era
colocado no berço, novamente se angustiava. As vezes dizia ter medo do buraco. Marcou-se uma
entrevista com o menino.
Segunda consulta
No dia marcado ele compareceu com seus pais. Quando foi chamado à sala de espera, se recusou a
acompanhar o analista. Entrou na sala de jogos com a mãe.
No primeiro momento ficou no colo, olhando os brinquedos de longe. Parecia investigar o
ambiente. O analista abriu os vidros de tinta e desenhou sobre uma folha de papel um bebê
dormindo em uma cama. Fábio parecia interessado no desenho. Assim que ficou pronto foi entregue
ao menino. Este o olhou demoradamente e disse à mãe: O nenê ta dormindo, né?A mãe sorriu e
disse que sim. Fábio desceu do colo da mãe, pediu ao analista um vidro de tinta e pintou o papel
com o seu dedo, usando um pouco de tinta. Pegou o vidro de tinta e pôs na água da bacia. Olhando
o vidro afundar, disse: 1h! tá afundando. A partir deste momento foi colocando todos os objetos na
bacia, procurando ver qual nadava. Ficava muito desapontado quando algum afundava. A seguir
buscava colocar os brinquedos que afundavam sobre os que flutuavam. Fez este tipo de jogo até o
final da sessão, quando se retirou com a mãe.
Fábio demonstrava a sensação que tinha da falta de suporte, de sustentação, uma das vivências que
no início do desenvolvimento é proporcionada pela mãe, que dá ao bebê a sensação
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de estar sendo amparado.’° No caso, a mãe de Fábio parecia bem adequada e afetiva. Este tipo de
angústia não poderia ser explicado por uma dificuldade por parte da mãe mas sim pela intensidade
da angústia provocada pelas primeiras experiências de vida desta criança.
Havia a necessidade de poder representar de alguma forma essas angústias a fim de que, por meio
delas, fosse possível transformar aquelas primeiras vivências traumatizantes em
jogo.
Terceira consulta
Na entrevista seguinte com os pais foi descrito o processo acima mencionado. Foi construída uma história para ser
utilizada com Fábio:
Era uma vez um menininho que viveu durante muito tempo na barriguinha de sua mãe. Lá era quentinho e tinha tudo que
precisava. Mas um dia chegou o momento de sair da barriguinha para poder viver e para poder ver como era o rosto da
mamãe, do papai, da irmãzinha e das outras crianças.
O menino foi saindo, saindo, até que por fim saiu. Ele chorou um pouco porque gostava bastante de ficar lá dentro. O
menino nasceu um pouco fraquinho e precisou ficar no hospital durante algum tempo a mais, para ficar mais forte. No
hospital ele tomava umas injeções que doíam e o hospital não era tão bom quanto a barriguinha da mamãe.
Durante algum tempo ele ficou longe da mamãe e disto não gostava nada, nada. Ele até pensava que a barriguinha já não
estava mais segurando ele e que ele estava afundando, afundando... num buraco muito fundo. Mas na verdade ele estava
no bercinho do hospital. Ele estava com saudade da mamãe, mas ele achava que a saudade era um buraco fundo.
10 Winnicott (1967) descreve-nos as diversas funções maternas que necessitam acontecer no início da vida do bebê para
que este tenha um bom desenvolvimento psicológico: (a) holding; (b) handling; (c) apresentação de objetos. Quando a
sustentação falta por
dificuldades da mãe, ou por imprevistos do meio ambiente, o bebê tem uma vivência de desintegrar-se ou cair
interminavelmente. Isto porque, nestes episódios, o bebê
necessita do apoio do ego que a mãe-ambiente lhe proporciona e, se este falta, vive uma angústia impensável, como as
descritas acima.
Quando ele foi para casa, tinha até medo de dormir porque ficava longe da mamãe e ele achava que o buraco
estava lá outra vez, mas era só saudade.
Por fim, ele percebeu que o buraco era saudade e que, mesmo o quarto ficando escuro, o amor da mamãe não
apagava. Ele ficou sem medo e começou a dormir bem gostoso.
Os pais foram orientados a permitir que Fábio dormisse durante algum tempo sobre o colchão estendido no
chão e não no berço, até que ele pudesse usar o conteúdo da história. Ela lhe foi contada pelos pais, antes de
dormir “ , e no quarto do menino.
Já na primeira noite ele dormiu sem problemas, mas os pais continuaram a contar a história. Isto serviu de
estímulo para que Fábio começasse a perguntar sobre o seu nascimento e os pais tiveram a oportunidade de
contar a ele o que tinha ocorrido, diretamente. Após um mês e meio, voltou ao berço sem problemas, havendo
a partir daí um decréscimo da intensidade da angústia que o garoto até então tinha apresentado.
Nesse caso a narrativa revelava o sentido da angústia que o menino sentia. Desse modo ela pode ser referida e
colocada sob o domínio do ego da criança.
Caso 8—Júlia
Primeira consulta
Júlia era uma menina de seis anos e três meses quando seus pais vieram à consulta psicológica.
A menina tinha medo de pessoas machucadas. Toda vez que encontrava uma pessoa engessada ou machucada ficava em
pânico e queria voltar para casa, onde procurava se esconder atrás de algum móvel. Nessas ocasiões ficava pálida e tinha
dificuldade de respirar.
Os sintomas começaram após o nascimento da irmãzinha que, na época da consulta, tinha dois anos e dois meses. Os pais
relataram que quando sua irmã tinha dez meses caiu da cama e machucou a cabeça. Nessa ocasião, Júlia se assustou
bastante, perguntando aos pais freqüentemente se a irmã morreria.
iiÉ comum contar-se histónas às cnanças antes de dormir. Nesse momento, devido ao sono, a criança entra em uma
relação subjetiva com o mundo, o que faz com que as
histórias tenham muito mais encanto e fecundidade.
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Após este fato começou a ter pesadelos constantes. Semanas depois começou a apresentar o sintoma
que a trouxe à consulta.
Além deste sintoma, Júlia era descrita como uma menina difícil. Eram comuns episódios de birra,
quando gritava e chorava, até que a sua vontade fosse satisfeita. Os pais raramente saíam pois
quando se preparavam para o passeio, ela começava a chorar e a gritar. Há muito tempo dormia na
cama dos pais e se estes pediam que fosse dormir em seu quarto chorava a tal ponto que todos já
não conseguiam dormir. Desta forma Júlia mantinha seus pais controlados pois eles não conseguiam
frustrá-la, já que, segundo diziam, tinham medo de traumatizá-la.
Júlia nasceu por cesariana, pois não havia dilatação suficiente e começavam a aparecer indícios de
sofrimento fetal. Isto trouxe angústia para a mãe, que desejava um parto normal. Após a cesariana,
teve medo que a menina pudesse ter ficado prejudicada. Só depois que o pediatra a reassegurou,
dizendo que tudo estava bem, é que ela conseguiu se acalmar.
Na entrevista com o analista os pais estavam muito persecutórios. Diziam que só vinham procurar
um profissional porque já não sabiam o que fazer com a filha. Sentiam-se fracassados, por
necessitar buscar a ajuda de alguém.
Foi discutido com eles o temor que tinham de não serem bons pais,já que, a cada acontecimento,
viam em risco a confiança que tinham em si mesmos (como pais). Por meio deste tipo de conversa,
foi possível mostrar a eles como esta preocupação os deixava ansiosos, o que tornava difícil lidar
com as dificuldades que surgiam no cuidado com os filhos. Neste caso preferimos verbalizar a
angústia dos pais diretamente porque eles a trouxeram de forma mais clara no relacionamento com
o analista.
Segunda consulta
Ao ser chamada na sala de espera Júlia se recusou a entrar com o analista e a mãe a acompanhou à
sala de jogos.
Ao entrar com sua mãe perguntou para que serviam todos aqueles brinquedos sobre a mesa. A mãe
respondeu que estavam lá para que ela brincasse, para conversar com o tio. Ela se dirigiu para a
mesa e, pegando um fogãozinho, massa de modelar e panelas, montou uma cozinha, onde preparou
comida, que a sua mãe deveria comer. Invertia os papéis: ela era a mãe, e sua mãe a filha.
Este jogo continuou durante algum tempo, até que a mãe lhe disse que brincasse com a boneca. A
menina aceitou a sua sugestão. Júlia tratava a boneca com muita severidade: dizia que a boneca
sujava tudo, não obedecia, brigava com o irmãozinho e a cada vez que ralhava com a boneca,
acabava a espancando e pondo de castigo.
A sua mãe, que até esse momento observava, comentou:
Nossa, filha, que mãe mais brava! Júlia olhou para a mãe e sorriu, um tanto quanto sem graça, e
disse: Ela é muito desobediente!
Mudou então o jogo e resolveu brincar de escolinha com as bonecas. Júlia decidiu ser a professora.
Passou lição para as bonecas e entre elas há uma boneca que é má aluna e Júlia, agora professora,
tratou a boneca com a mesma violência demonstrada no jogo anterior. Em determinado momento
rodou a boneca, jogando-a contra a parede para castigá-la.
Em seguida utilizou as tintas para pintar e desenhar e fez um monstro perigoso. Comentou que ele
solta faísca e mata as pessoas.
Quando foi avisada do final da hora, dobrou o papel e o colocou na bolsa da mãe. A mãe comentou:
Vê lá se esse monstro não vai fazer bagunça na minha bolsa... Júlia ri e as duas deixam o
consultório.
As características reais da mãe de Júlia não correspondiam àquelas da mãe apresentada em seu jogo.
A mãe do jogo parecia ser o resultado do compromisso do superego de Júlia com o seu sadismo.
Terceira consulta
Na entrevista com os pais foram focalizados o sadismo de Júlia e o padrão de punição que aparecia
em seus jogos, que era bastante violento. Em seguida se discutiu a concepção que Júlia tinha sobre
si mesma, de alguém ruim e má, que poderia vir a ser castigada de forma víolenta.
A história criada para auxiliar a menina a lidar com essas ansjedades foi esta:
Em um palácio, em um reino distante, vivia uma princesinha muito feliz. Certo dia, a rainha disse
para ela: Princesinha, você vai ganhar uma irmãzinha.
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A princesinha ficou surpresa e não gostou muito. Afinal, ela vivia tão feliz que não queria outra
menininha no palácio, mexendo nos brinquedos dela.
Até que um dia nasceu uma irmãzinha. Um dia a irmãzinha estava brincando e a princesinha estava
com raiva por aquele bebê ter nascido, quando de repente a irmãzinha caiu e se machucou. A
princesinha ficou muito assustada, achando que a raiva dela era tão forte que tinha feito a irmãzinha
cair. Ela ficou achando que era um monstro perigoso e que só sentindo raiva das pessoas já as
deixava machucadas. E toda vez que via alguém machucado na rua ficava com medo que a raiva
dela tinha machucado mais uma pessoa e tinha receio de ser castigada.
A princesinhajá não tinha paz, até que um dia ela estava chorando de medo e uma coruja que estava
perto ouviu e perguntou o que ela tinha. A princesinha contou tudo para a coruja e a coruja disse a
ela que sentir raiva não machucava ninguém, mesmo porque a princesinha não era nenhuma bruxa.
A princesinha contou para a sua mãe e a rainha disse que as pessoas sentiam raiva mesmo e que não
era porque tinha sentido raiva da irmãzinha que ela tinha se machucado. A princesinha ficou feliz
por saber que não era o monstro que pensava ser.
A história foi contada pelos pais a Júlia. Após dois meses, o medo desapareceu. Durante este
período era comum Júlia perguntar a seus pais e avós se sentiam raiva.
A consulta foi útil para uma maior integração da agressividade da menina, já que antes a concepção
que ela tinha de si mesma era de alguém onipotentemente destrutiva. Mas o comportamento
controlador que ela tinha com seus pais persistiu, assim como a dificuldade de seus pais em colocar
limites. Por essa razão a menina foi encaminhada para um processo psicoterápico e seus pais para
um processo de orientação, pois a problemática da menina e as dificuldades dos pais de lidarem
com ela eram acentuadas.
Primeira consulta
Tânia era uma menina de oito anos de idade quando veio à consulta. Era filha única de pais separados. A mãe
de Tânia procurou ajuda após separar-se de seu marido.
Há algum tempo os pais da menina se relacionavam mal, com brigas constantes. Nos últimos tempos, o pai de
Tânia tinha começado um novo relacionamento, quando por fim a separação ocorreu. Após uma briga, o pai
da menina arrumou as malas, explicou à filha que iria embora, mas que continuaria sendo seu pai. Feito isto,
se retirou, voltando algumas vezes ao antigo lar para ver a filha.
Segundo o relato da mãe, no dia do ocorrido, Tânia parecia assustada, mas não chorou com a partida do pai.
Quando interpelada sobre o assunto, dizia que não se importava, porque o pai era um chato e não gostava
dela.12 Após aproximadamente três semanas, começou a se isolar mais, se recusando a brincar com as outras
crianças. Ao mesmo tempo começou a apresentar um comportamento pedante. Temendo que a situação
acarretasse algum tipo de problema para a filha no futuro, a mãe da menina resolveu procurar ajuda
profissional.
Na entrevista com a mãe, esta dizia que tinha muita hostilidade pelo pai de Tânia, mas achava que seria
importante para a sua filha que continuasse a se relacionar com o pai de forma satisfatória.
Antes da separação o comportamento de Tânia não apresentava problemas e seu desenvolvimento progredia
de forma adequada.
Segunda consulta
Na entrevista com a criança observou-se que era uma menina esperta e bastante expansiva mas, de fato, sua
forma de andar, falar e olhar tinha algo de pedante.
Entrou na sala de jogos sem problemas, pedindo explicações sobre a razão da sua presença naquela situação,
O analista explicou o motivo da consulta e a menina reagiu com uma expressão de desdém Olhou durante
algum tempo os objetos so12 Rivière (1975) aponta que o desprezo e a depreciação do objeto perdido têm como função
refrear os desejos do sujeito. Desta forma ele emprega internamente a força de seu
desapontamento e dos seus sentimentos vingativos (sua agressividade) a fim de poder
passar sem o objeto desejado. Volta com isso a agressividade contra si mesmo e contra
seus próprios desejos pelo objeto.
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bre a mesa e disse que queria brincar de rainha.
Com uma das cadeiras fez um trono e com duas folhas de papel sulfite, uma coroa. O analista era o
criado e tinha que obedecer todas as ordens da rainha que eram, por exemplo, buscar coisas para
ela, limpar o que era pedido e acompanhá-la onde quer que fosse. Quando anoitecia, o criado ficava
trancado em um quarto, de onde não podia sair até que a rainha abrisse a porta, quando então o jogo
recomeçava.
Ser “rainha”, para Tânia, lhe dava a ilusão de que podia manter o controle sobre o outro. Desta
forma o outro era o seu prisioneiro e, portanto, não tinha autonomia que pudesse chegar a feri-la,
caso as opções do outro se opusessem às suas.
Terceira consulta
Na entrevista com a mãe foi elaborada uma história para auxiliar a menina:
Era uma vez uma menina que morava na beira do cais com sua família. Um dia seu pai resolveu
tomar um barco e viajar para outro país, onde então passaria a viver. A menina ficou triste e
sentindo falta do pai. Mas era muito duro sentir saudade e por isso ela ficou dizendo para si mesma
que não gostava dele e não sentia falta. Durante o dia ela sonhava em ser a rainha do castelo, pois
imaginava que aí mandaria em todo mundo e ninguém mais iria embora sem que ela quisesse. Desta
forma nunca mais sentiria falta de alguém.
Um dia ela ouviu uma gritaria perto de sua casa; logo foi ver o que estava acontecendo. Era a
carruagem da rainha que passava por lá. A menina ficou muito curiosa por ver a rainha; afinal, ela
tinha tanta vontade de ser uma rainha.
Mas qual não foi a sua surpresa ao perceber que a rainha estava chorando. A menina correu atrás da
carruagem; queria saber por que a rainha chorava. Finalmente alcançou a rainha e, gritando,
perguntou a ela porque chorava. A rainha parou e explicou que sentia muita saudades do rei, que
tinha viajado já há muitos dias.
A menina ficou surpresa. Então, até a rainha sentia saudades... A menina começou a perceber que
não tinha jeito: todos sentiam saudades. Ficou pensando em seu pai e, de fato, a saudade que sentia
dele era grande...
A mãe de Tânia contou a ela este conto por três meses. No início os sintomas se intensificaram
ainda mais e ela tornou-se mais arrogante. Após dois meses, começou a perguntar quando o pai
viria visitá-la, o que estaria fazendo, e passou a admitir que sentia falta dele. A medida que isto
ocorreu, a arrogância foi desaparecendo e ela voltou a se relacionar de forma satisfatória com as
outras crianças.
Cinco meses após a primeira entrevista com a criança, marcou -se um novo contato com ela. Nesta
sessão a menina não brincou, apenas conversou com o analista e comentou que, no início, ela tinha
ficado com muita raiva do pai e que de fato tinha saudades dele, mas só tinha percebido isto mais
tarde.
Caso 10- Marina
Primeira consulta
Os pais de Marina procuraram ajuda profissional quando ela estava com nove anos. Marina era uma
criança adotada e, até a data da consulta, não haviam contado a ela sobre a sua origem.
A mãe adotiva de Marina não podia ter filhos. Por essa razão ela e o marido resolveram adotar uma
criança. A menina foi adotada com seis meses de idade, quando seus pais adotivos tinham quatro
anos de casados.
Durante o seu desenvolvimento, ocorreram alguns períodos onde teve enurese, mas este sintoma
havia sido superado por ocasião da consulta.
Os pais de Marina apresentavamse ansiosos porque achavam que era o momento de contar à filha a
história de sua origem. Temiam que, no futuro, alguém pudesse lhe contar, sem que estivesse
preparada. A urgência de contar à menina aparecia intensificada porque nos últimos tempos ela
dizia de vez em quando que não era boba e que queriam enganá-la.
Seus pais sentiam que havia necessidade de conversar com a criança. Vinham à consulta para tentar
discutir com um profissional a melhor maneira de fazer isso, pois temiam que ela não pudesse
suportar a conversa. Na verdade a dificuldade maior ocorria com eles, pois temiam perder o amor
da filha ao contar a verdade a ela.
Durante a entrevista enfocou-se este receio para que tivessem condições de conversar com a filha.
Mostrou-se a eles como imaginavam que o relacionamento entre eles e a filha era
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frágil e como não confiavam no amor da filha. Conversou-se também sobre a concepção que tinham de si
mesmos, como pais.
Após ficarem mais calmos, foi elaborada uma história que pulessem contar à filha e que contivesse a história
da adoção da menina. Este era um caso onde o conto não era só dirigido à criança mas, certamente, seria útil
também aos pais. Eles necessitavam dele como uma forma indireta de contar a verdade, já que a ansiedade
persecutória ficava muito intensa se tentassem contar de uma outra forma.
A história utilizada era sobre um casal de pais que queria muito ter um filho só deles e que saíram pelo mundo
buscando uma criança de quem gostassem e que passaria a ser o filho deles. A criança foi crescendo e eles
acharam que estava na hora que ela soubesse a verdade, mas queriam também que ela soubesse que eles
gostavam muito dela. Um dia contaram a ela e todos ficaram mais aliviados porque já não tinha nada que
fosse segredo.
Durante a sessão os pais ensaiaram contar a história algumas vezes; isto parecia ter uma função
reasseguradora.
Os pais tentaram contar a história à filha. Esta, ao ouvir os primeiros trechos, disse que não queria saber de
histórias. Seus pais respeitaram o pedido da mesma. No dia seguinte, a menina pediu que contassem a
história. Assim o fizeram e a garota ouviu silenciosamente. Em seguida, perguntou se estavam falando dela e
os pais confirmaram.
A partir desta experiência, a menina passou a fazer várias perguntas sobre a sua origem. Os seus pais
procuraram responder todas as questões sinceramente.
Quatro meses depois, a situação entre eles tinha se regularizado e a agitação da menina tinha desaparecido.
Neste caso a função da história foi veicular o que todos já sabiam, mas tinham medo de verbalizar. Foi um
instrumento que disponibilizou a verdade naquela família. Por ser um meio indireto de comunicação, a
história propiciou que a verdade pudesse ser dita sem que a carga emocional fosse demasiado intensa para ser
suportada.
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CAPÍTULO IV
Conclusão
Desde a infância desenvolve-se, gradativamente, a capacidade da criança de criar o objeto subjetivo, perceber
os fatos externos e as manifestações da sua realidade psíquica, para em seguida alcançar a possibilidade de
brincar e colocar sob o domínio de sua criatividade as questões que atravessam o seu ser.
Para que essas possibilidades sejam alcançadas de modo adequado é fundamental a provisão ambiental
proporcionada pelo cuidado materno no início da vida da criança, baseada na identificação emocional da mãe
com seu filho. Este fenômeno acontece por meio de um processo de regressão na mãe, pois a partir daí ela terá
a capacidade de compreender as manifestações emocionais do bebê e ir ao encontro das suas necessidades. O
cuidado materno é realizado de tal forma que o ego da mãe complementa o ego infantil e dá-lhe força e
estabilidade. (Winnicott, 1965)
Gradualmente, em decorrência do cuidado materno e do amadurecimento, a criança irá se liberando do apoio
do ego materno e alcançando, desse modo, maior autonomia. Nesse processo a criança parte da dependência
absoluta e caminha para a dependência relativa, em direção à independência, 1 em um ritmo que, para ser
saudável, não deve superar o fluxo do processo de seu amadurecimento.
Com o passar do tempo, a criança introjeta o cuidado materno, podendo assim continuar seu desenvolvimento
sem referir-se freqüentemente à mãe. Na verdade, a independência nunca é totalmente alcançada, pois a
pessoa necessita continua-
Para Winnicott (1967), no início do desenvolvimento da criança, há uma dependência total com respeito ao meio fisico e emocional que é oferecido a ela,
sem que ela tenha nenhuma consciência da dependência. Gradualmente caminha em direção à independência, ainda que a dependência sempre reapareça.
Este progresso constitui uma expressão da tendência inata de crescer, mas sempre sendo necessário que alguém se adapte às necessidades da criança.
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mente do outro, para neste relacionamento poder encontrar o que necessita para o próximo passo em
seu vir a ser.
Muitas vezes ocorre que determinados conflitos ou angústias não puderam ser elaborados pelos pais
da criança e, por esta razão, quando ela expressa aquela angústia, seja no registro verbal ou
não-verbal, os pais ficam impossibilitados de ajudar a criança a lidar com as suas experiências.
Nestes momentos surge o sintoma, como uma maneira de manifestar o conflito que deteve a criança
em seu percurso existencial. Tenho observado que no momento em que a criança pode colocar em
devir a sua angústia, por meio de seu gesto, verbal ou não-verbal, o sintoma apresentado desaparece
para dar lugar a uma maior capacidade de fruir do cotidiano.
O processo de colocar a angústia sob o domínio do gesto criativo acontece de modo mais fecundo
na relação com um outro, no espaço potencial, situação em que a criança é respeitada em sua
singularidade.
Nos casos de consultas estudados notou-se que, no contato com as crianças, havia um período muito
importante para o bom andamento do trabalho a ser realizado. Era o momento que precedia a
comunicação propriamente dita. Neste momento a criança observava o ambiente e o analista e
passava por um período de hesitação na sua aproximação do profissional. Uma vez que este tempo
era respeitado, a criança aproximava-se e realizava a comunicação de sua angústia. Winnicott
(1971) e Khan (1977) estudaram este período de hesitação, descrevendo-o como a matriz para a
emergência da ilusão e do espaço potencial.
O grande valor das histórias está exatamente neste ponto pois, por meio delas, tem-se a
oportunidade de apresentar à criança algumas idéias sobre os seus conflitos e ainda assim respeitar o
seu tempo, o seu período de hesitação. E, desta forma, facilitar o aparecimento do espaço potencial
no momento em que os pais contam a história à criança.
Assim, a criança pode optar quando reconhecer que alguns dos aspectos descritos na história
pertencem à sua realidade psíquica, sem que se sinta invadida por um conteúdo brusco
interpretativo, frente ao qual necessitaria reagir, perdendo assim a oportunidade de maior integração
do sentido de si mesma, que poderia ter nascido do encontro com o outro.
Um exemplo claro deste fenômeno aparece no caso 1 quando, após um período de hesitação vivido
pelo menino, ele
resolve aceitar o carrinho oferecido pelo analista. A partir daí notamos que um processo rico de
comunicação acontece de modo satisfatório.
As histórias infantis, por falarem da criança por meio de personagens existentes no campo da
imaginação, recriam o fenômeno de ilusão que o paciente pode usar como parte de seu jogo, para
que coloque em devir o que o angustiava.
Houve a oportunidade de acompanhamento de 80% dos casos atendidos por um período de três a
cinco anos, o que permitiu que os efeitos deste tipo de trabalho fossem observados ao longo do
tempo, tanto nos pais quanto nas crianças. Após a primeira consulta, os pais freqüentemente
buscavam uma segunda entrevista, quando um problema diferente do primeiro surgia com a criança
ou com outro filho. Com o passar do tempo, eles começavam a criar suas próprias histórias.
Assimilavam um método para auxiliar psicologicamente algum de seus filhos, o que os ajudava a
enfrentar com mais recursos as suas angústias de tipo depressivo, auxiliando-os a sedimentar, de
maneira mais consistente, a confiança nas suas funções paternas.
No campo da psicologia infantil seria útil que se desenvolvesse maior número de trabalhos em que
os pais pudessem participar no tratamento da criança. Deste modo teríamos a possibilidade de
atender um maior número de crianças, além de ajudar ao mesmo tempo os pais a estabelecer a
confiança em seus próprios recursos.
Por outro lado, nas crianças tratadas por esse método, foi observado um aprimoramento da
consciência da realidade psíquica e o nascimento ou fortalecimento da concepção de poderem ser
ajudadas por um outro. Assim, quando se sentiam angustiadas, buscavam os pais para que
contassem uma história, porque estavam nervosas. Um menino disse a seus pais, após observar o
irmãozinho, que em um período de sua vida chorava demasiadamente, que ele precisava ouvir umas
histórias porque estava chorando demais.
Outras crianças, após terem-se beneficiado de uma consulta terapêutica, anos depois, quando eram
novamente invadidas por angústia intensa, pediam aos pais que fizessem uma nova consulta, pois
precisavam de ajuda.
Outro fenômeno interessante de ser registrado é o tipo de vínculo que se estabelece com o analista.
As crianças, após terem estado na sala de consultas, algumas vezes voltavam a ela meses ou anos
depois. No entanto guardavam na memória o que
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havia acontecido na primeira vez e a primeira parte da nova consulta era uma repetição dos jogos
realizados na primeira entrevista e, em seguida, realjzavam a nova comunicação. A passagem do
tempo não havia desfeito a qualidade do vínculo que tinha sido construído anos antes, em um único
contato. Cremos que este fenômeno se deve ao fato de o encontro ter sido feito dentro do espaço
potencial. Experiências deste tipo não só tornam parte do inconsciente consciente, mas também
propiciam uma vivência de enriquecimento do self, pela oportunidade que teve a criança de usar o
espaço e o vínculo oferecidos pelo analista, para recriá-los segundo o seu modo de ser.
Esses são fenômenos criativos, que enriquecem o self da criança com um sentimento de maior
confiança na vida, pela consciência de que a angústia pode ser elaborada com a ajuda de um outro.
De fato, este tipo de experiência parece reproduzir a experiência com o seio materno, na qual o bebê, com fome, busca o
seio como fonte de alimento, prazer e conforto, recriando o seio a cada mamada. A cada vez se nutre o corpo com o leite e
o self com a experiência satisfatória, levando a criança, por um acúmulo dessas experiências, à noção de confiança e
constância entre os intervalos da mamada.
Quanto ao relacionamento da criança com a história observou-se que, desde o início, a criança reconhece que se está
falando dela. No entanto, ela só o admite no momento em que o assunto do qual trata a história está sob o domínio do ego
e ela está pronta a admitir que o conto representa parte de suas vivências psíquicas.
Este método mostrou-se limitado naqueles casos em que a dificuldade emocional dos pais era acentuada.2 Nestas
situações não havia possibilidade de os pais se ocuparem da criança, pois estavam tomados pelas próprias dificuldades.
Quando se tentou aplicar o método com este tipo de família observou-se que eles distorciam a história construída no
consultório, grande parte das vezes omitindo a parte da história que verbalizava a angústia. Concluí por estas experiências
que o método tem sua utilidade reduzida com pais seriamente perturbados, os quais, por
2 Winnicott (1965) considera que é possível dividir os clientes que chegam ao consultório
para a consulta em três grupos: (a) os que estão integrados desde dentro; (b) os que
incluem um elemento desintegrador; (c) os que se caractenzam por uma desintegração ambiental que já se converteu em
uma realidade. No primeiro grupo o trabalho
realizado limita-se a ser complementar ao dos pais. No segundo caso o clínico deve
desenvolver uma dinâmica para fazer frente ao elemento desintegrador. No terceiro
grupo seria necessário um trabalho de reorganização ambiental,
intensas ansiedades persecutórias, acabam tendo suas percepções do outro e de si mesmos muito alteradas.
No entanto, a consulta com os pais, nestes casos, pode ter como objetivo ajudá-los a minimizar as suas angústias, a fim de
que providências mais adequadas possam ser tomadas para auxiliar a criança. Nestas situações tem-se como objetivo da
consulta o encaminhamento para uma orientação de pais ou terapia de longo prazo dos pais e/ou da criança.
A grande vantagem do método está em dar a possibilidade de atendimento a um grande número de casos em um tempo
breve, sendo sobretudo indicado para o trabalho institucional. Tem-se acompanhado o uso desta abordagem em algumas
instituições e o método tem-se revelado eficiente no trabalho com uma população numerosa.
Um fator importante é o aspecto preventivo deste tipo de trabalho pois, por meio dele, é possível auxiliar a criança a
elaborar as suas angústias para que estas não se convertam em fatores perturbadores do seu processo maturacional.
Evitamos assim que organizações defensivas prejudiciais à criança se estruturem ou se efetivem como tais.
Uma situação que consideramos interessante para estudos posteriores é aquela na qual a criança passou por experiências
traumáticas nos primeiros dias ou meses de vida, em um período em que não havia a possibilidade de representar o
ocorrido, por não estar ainda desenvolvida a capacidade psíquica ou mental para isso. Tivemos oportunidade de observar
três casos nestas condições (um deles é o caso 7), em que se utilizaram as histórias para ajudar a criança a fazer o trabalho
de representação. Nos três casos os resultados foram satisfatórios, havendo rapidamente um alívio das angústias e dos
sintomas. Cremos que isto se deve ao fato de a criança, com o uso do conto por seus pais, apropriar-se de sua história,
relacionando-a às suas angústias decorrentes do período da situação traumática.3
3 Winnicott descreveu os suportes ambientais necessários para o desenvolvimento
emocional na primeira infância. Este conceito foi por ele aplicado à psicanálise
propriamente dita, onde a base de um ambiente-suporte por parte do analista permite à
análise ir além das psiconeuroses para atingir elementos mais profundos e
fundamentais da personalidade. Acreditava que era somente quando o bebê ou o
paciente estava sendo sustentado que o gesto verdadeiramente espontâneo, a revelação
do eu para o eu, poderiam surgir e ser sentidos polo bebê ou polo paciente como sendo
seguros. (Ver Wallbridge, 1982) É nesta etapa da necessidade do suporte que o ego
passa do estado de não integração a uma integração estruturada, de modo que a criança
adquire a capacidade de experimentar a angústia associada com a desintegração. Para
que isso seja possível a criança precisa ter acesso à representação de suas experiências a
fim de integrá-las, para que possam estar disponíveis para o seu gesto. Nos casos citados
acima, a história pareceu funcionar como um objeto por meio do qual a criança
representa e encontra o holding para a sua experiência.
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Há necessidade atualmente de maior número de estudos sobre métodos que possam abreviar o tempo do
atendimento psicológico e que sejam passíveis de serem utilizados na prevenção de dificuldades que poderão
intensificar-se ao longo do desenvolvimento da criança.
E necessário que o analista tenha flexibilidade na eleição do procedimento que irá empregar para que possa se
adaptar à situação concreta do paciente, sem que se perca a qualidade do atendimento. Com Winnicott (1965)
se poderia afirmar que, na grande maioria dos casos, conseguimos ajudar a criança no contexto já existente.
Naturalmente, este é o nosso objetivo, não apenas por essa ser uma opção econômica, mas porque, sendo o lar
suficientemente bom, ele é o lugar adequado para a criança ser tratada e se desenvolver.
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