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Boletim Academia Paulista de Psicologia

Academia Paulista de Psicologia


academia@appsico.org.br
ISSN (Versión impresa): 1415-711X
BRASIL

2004
Aidyl M. Q. Pérez Ramos
RESEÑA DE "HELENA ANTIPOFF. TEXTOS ESCOLHIDOS" DE R.M. DE F. CAMPOS
Boletim Academia Paulista de Psicologia, Setembro-Dezembro, año/vol. XXIV, número 003
Academia Paulista de Psicologia
Sao Paulo, Brasil
pp. 58-67

Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal

Universidad Autónoma del Estado de México

http://redalyc.uaemex.mx
Boletim Academia Paulista de Psicologia - Ano XXIV, nº 3/04: 58-67

V. RESENHA DE LIVROS

• Campos, R.M. de F. (Org.) 1 (2002) Helena Antipoff. Textos Escolhidos


Aidyl M.Q. Pérez-Ramos (C. 30)1
Instituto de Psicologia, USP

Sinto-me à vontade para resenhar esta importante obra relativa ao legado


de Dona Helena (Ë25/03/1892 - h09/08/1974), assim conhecida pelos mais
próximos, e Madame Antipoff pelos mais distantes. Compartilhei de suas
realizações , participei de seus cursos e encontros e segui seu percurso
profissional com grande interesse. Foi personalidade influente em toda minha
vida profissional, destinada principalmente às pessoas com necessidades
especiais, como na fundação de APAE´s e de associações congêneres em outros
países, assim como no exercício profissional, na docência universitária e nos
projetos internacionais dos quais participei como perito.
Em princípio podemos afirmar que um legado à história da Psicologia,
priorizando ações humanitárias apoiadas em sérios estudos dirigidos a ideais
de harmonia, de ajuda e respeito mútuos entre os homens, desde os mais
debilitados e até os mais talentosos, constituem o contexto substancial que
sempre se manteve na Vida e Obra de Dona Helena. A publicação reflete, portanto,
essa abordagem humana na utilização da ciência. A obra constitui uma reedição
dos 27 textos de relevância para a atualidade, selecionados da Coletânea de
Obras Escritas de Helena Antipoff, publicada em 1992, em cinco volumes, hoje
esgotada. Tais artigos foram originalmente divulgados em revistas científicas e
em outras de alcance popular. A contribuição em análise vem a publico em um
só volume compilado, cronologicamente, no período de 1924 a 1974, em artigos
distribuídos em seis capítulos. Inclui também editorial, introdução, anexos,
referências bibliográficas e um conjunto de importantes fotos sobre a vida familiar
e profissional dessa saudosa expoente.
Dois capítulos contemplam trabalhos sobre o desenvolvimento mental,
afetivo e social de crianças russas, francesas e, principalmente, brasileiras;
como também aqueles que fazem a relação entre Psicologia e Educação, com
ênfase nas “classes homogêneas”, no papel do educador, nas atitudes
democráticas para o ensino e na orientação profissional no contexto escolar.
Um outro capítulo é dedicado à Educação Especial e à Psicologia do
“Excepcional”, incluindo procedimentos de atenção aos educandos com
deficiência ou também com altas habilidades. Trabalhos referentes às instituições
em prol dessas pessoas e ao contexto educativo da Fazenda do Rosário, como
1
Professor Titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia . Endereço para
correspondência: Rua Pelágio Lobo, 107, 05009 – São Paulo–SP - tel. (11)3862-1087 - tel/fax.:
58 (11) 3675-8889 – E-mail: junaidyl@uol.com.br
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experiência social e pedagógica do meio rural, compõem as contribuições do


referente à Psicologia e Comunidade. Para terminar, tem-se um capítulo, que
compreende os métodos de pesquisa e de exame psicológico focalizando técnicas
e procedimentos específicos.
Para fins desta resenha, os textos são apreciados no seu todo e
individualmente, seguindo a ordem em que se apresentam na obra, em função
das informações, bem integradas, contidas na introdução do livro. Esta última,
fora comentários de ordem geral e, infelizmente, sem autoria, traz em seu bojo
o percurso básico da Vida e Obra dessa personalidade ímpar a que nos referimos.
Esses artigos constam, basicamente, de reflexões, estudos e pesquisas
apresentados em linguagem coloquial, de vanguarda para a época e ainda com
vigência na atualidade. Os mesmos são fundamentados em dados e informações
advindos, predominantemente, da população brasileira, sendo permeados pelas
experiências científicas e depoimentos provenientes de especialistas dos Estados
Unidos e de outros países, principalmente europeus, com os quais Antipoff
compartilhava seus achados. Elaborados por comparações interculturais, com
foco na experiência brasileira, fortalecem a tendência de valorizar os nossos
conhecimentos também por fontes nacionais. Contraria, portanto, ao que
percebemos, anteriormente mais ainda, que a valorização do nosso saber se
pauta apenas por estudos provenientes do estrangeiro.
Nessas bases, os textos evidenciam que a cientista em atenção, contribuiu
decisivamente para o progresso da Psicologia e da Educação no País, não só
em termos teóricos como também práticos. Proporcionou uma visão mais realista
e científica do desenvolvimento de nossas crianças, tanto aquelas consideradas
normais como as com necessidades especiais, portadoras de deficiências ou
de altas habilidades, e mesmo carentes ou abandonadas. Impulsionou e
acompanhou o desenvolvimento de nossas instituições educacionais, regulares
e especiais; participou da renovação do ensino e da atualização dos professores,
além de constituir diversas associações em prol dos “excepcionais”. Em geral
destinava os seus esforços ao ambiente rural. Ainda mais pela leitura do texto
pudemos perceber as qualidades da pessoa que foi Antipoff, como seriedade,
poder de reflexão e confiança na ciência como força para alcançar o progresso
e resolver os bloqueios que interceptam o desenvolvimento humano. Afirmação
que é reiterada pelo conhecimento da pessoa de Dona Helena que muito me
honrou .
Pela apreciação da obra podemos inferir também que o êxito do trabalho
dessa eminente psicóloga, foi devido, principalmente, aos seus esforços
incessantes por adaptar-se e promover o progresso de uma terra que,
inicialmente, lhe era estranha em seus costumes e idioma. Colaboraram, por

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outro lado, para a sua aceitabilidade colegas brasileiros e outras personalidades


da comunidade intelectual, como também alunos e amigos que, por sua
afabilidade, ia adquirindo.
Dado o conhecimento de seu valioso currículo, sendo uma das poucas
profissionais formadas em Psicologia na época, e da sua eficiência, conjugado
com a importante missão a ela destinada, Antipoff foi recepcionada, em sua
chegada ao Brasil, em 1929, por representantes do Governo e expoentes de
nossa comunidade acadêmica, como o Prof. Manuel Bergströn Lourenço Filho
(Patrono da Cadeira nº 2 nesta Academia) e a Profª. Noemy da Silveira Rudolfer
(ex-ocupante da citada Cadeira neste sodalício). A partir de então, identificando-
se de imediato com a cultura brasileira, em especial quanto a seu desenvolvimento
educacional, Antipoff passou a contribuir efetivamente, durante quase meio século,
para o desenvolvimento do Brasil. De início, atendeu com eficiência a missão
para a qual foi contratada e, gradualmente, foi expandindo sua atuação na
abrangência descrita anteriormente. A missão a que foi destinada, compreendia
o exercício docente em Psicologia e a coordenação do Laboratório de Psicologia
da recém-criada Escola de Aperfeiçoamento para Professores em Minas Gerais:
instituição em nível de educação superior, com a finalidade principal de atualizar
os professores em exercício, do então ensino primário, no referente à renovação
educacional eminentemente centralizada na criança. Ademais, complementava
suas funções na organização das “classes homogêneas”, em voga na época,
com a aplicação de provas de nível mental.
O primeiro capítulo denominado Cultura e Desenvolvimento reúne
trabalhos realizados pela psicóloga entre 1924 e 1931, incluindo principalmente,
contribuições derivadas de sua experiência científica na Rússia e na Suíça,
desenvolvidas anteriormente a sua vinda ao Brasil. Apenas um texto é referente
às pesquisas efetuadas com dados brasileiros. Nesse sentido, difere dos demais
capítulos, porque se baseiam em estudos derivados do ambiente brasileiro.
Pela análise desta unidade já se pode inferir que na produção científica de
Antipoff se pautava, e em forma bem atualizada, no desenvolvimento da
Psicologia na época e em suas mudanças com advento da Escala Métrica de
Binet-Simon. Da contribuição sobre as crianças russas, efetuada em 1924,
destacamos a atitude da cientista voltada para os problemas humanos. Pretendia
verificar os efeitos do impacto da guerra e do abandono sobre o desenvolvimento
mental daqueles educandos. Utilizando-se do referido teste, por ela bem

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conhecido por colaborar com seu processo de organização, chegou à conclusão


sobre um rebaixamento na idade mental dessas crianças, provavelmente devido
as carências e traumas da guerra.
Os trabalhos realizados na Suíça, à luz da orientação de Edoward
Claparède, indicam outro direcionamento na sua produção científica .
Ressaltamos a precisão metodológica decorrente de exaustivos cálculos, tabelas
e gráficos, para verificar a validade da constância nos resultados das reaplicações
dos testes e analisar determinadas tarefas como pontilhagem, contagem e
velocidade na escrita. Nessa época, também foi por ela objeto de estudo
exaustivo, as provas psicomotoras, analisadas em função de variáveis pessoais
e ambientais. Tais pesquisas constituem-se em modelos de investigação para
os trabalhos atuais, principalmente com fins de orientação escolar e profissional,
como pretendia a autora, na época.
No seu primeiro trabalho realizado com dados coletados na população
brasileira (1931), Antipoff à guisa de introdução, coloca-nos a par dos progressos
da ciência psicológica, na época, com o aparecimento da Escala Métrica de
Binet e Simon, incluindo os conceitos de inteligência e, também, outros construtos
por ela introduzidos como o de “inteligência civilizada”. Este último é deduzido
da influência da ação educacional do âmbito familiar e escolar sobre a evolução
do processo mental da criança. Colocou também em evidência determinadas
provas de desenvolvimento mental que foram objeto de tradução, adaptação e
categorização para a população dos escolares de Belo Horizonte: “Teste do
Desenho, de Goodenough”, “Teste Dearborn” e “100 Questões, de Ballard”. Seus
resultados foram objeto de comparação com outras investigações semelhantes,
tanto em outras regiões do Brasil como em outros países: Inglaterra, Bélgica e
Suíça. Um legado que estimula a continuidade tão necessária da normatização
de provas psicológicas em nosso meio.
O segundo capítulo compila seis artigos, sobre a designação de
Desenvolvimento Afetivo e Social, publicados, na sua maioria, durante os
primeiros 20 anos da atuação da ilustre psicóloga no Brasil. Evidentemente não
representam sua intensa produção científica e o exercício profissional nesse
período. Porém, indicam a diversidade de seus trabalhos, incorporando temas
sobre compaixão e justiça na criança; ideais e interesses; questões relativas à
necessidade do ritmo do sono; para chegar a assuntos de maior amplitude,
como os da personalidade e do caráter das mesmas.

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O primeiro desses artigos, publicado em 1928, consta apenas de


experiências internacionais, compreendendo reflexões sobre estudos de casos,
incluindo relatos sobre seu próprio filho. Dessa contribuição podemos inferir os
prenúncios de pesquisas sobre estudo de casos, em voga atualmente. Dos
demais trabalhos desse capítulo destacamos a investigação sobre os ideais e
interesses dos escolares de 10 a 14 anos, de Belo Horizonte. Pesquisa efetuada
com os parâmetros previstos em investigações atuais. Trata-se da primeira
publicação do Museu da Criança, que foi organizado pela própria psicóloga, sob
os auspícios da Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte. Em termos
metodológicos é válido mencionar a utilização dos critérios objetivos para seleção
das crianças em estudo, compreendendo numerosa população representada
por 760 alunos, de ambos os sexos. Cuidadosa elaboração das questões
compreenderam o inquérito, instrumento utilizado na coleta de dados. Quanto à
discussão e interpretação dos resultados, deduzimos que se tratou de um trabalho
minucioso de análise de cada questão, em função das variáveis individuais e
ambientais, assim como das comparações com estudos congêneres, efetuados
em outros países.
Os outros trabalhos deste conjunto são destinados aos pais dos escolares,
a conferências em congressos e a reflexões sobre a auto e hetero-educação.
Incluem estudos com crianças albergadas em asilos, que vivem nas ruas ou
procedentes do meio rural. Dessas contribuições salientamos a atualização
científica da autora, quem já em 1934, referia-se à aplicação do então recém-
criado teste de Rorschach, utilizando-o no seu trabalho com crianças de asilos.
O terceiro e o quarto capítulos, denominados, respectivamente, Psicologia
e Educação e Psicologia do Excepcional e Educação Especial, incluem 10 textos
correspondendo determinadas contribuições de Antipoff de sua intensa atuação
em nosso contexto educacional. Estende praticamente, a todo o percurso da
sua permanência no Brasil, onde veio a falecer em 1974.
Desde o início de sua atuação em nosso país, em 1931, procurou atender
com intensa dedicação, como sempre o fazia, uma das funções que lhe foi
atribuída, isto é, o da organização das chamadas “classes homogêneas”, quer
do ponto de vista do ensino, quer do desenvolvimento mental. Tarefa árdua,
envolvendo intensos estudos e pesquisas em extensas populações e cálculos
estatísticos de grandes números. Problemas educacionais foram desvendados
que lhe causaram grande preocupação como as altas taxas de repetências e
grande rotatividade dos alunos nas escolas estudadas. Novos empenhos

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complementaram os iniciais, utilizando dos meios científicos, como sempre,


para convencimentos das mudanças previstas. Estudos e pesquisas foram
levados a efeito como a análise dos coeficientes de promoção, do perfil dos
alunos novatos e repetentes, dos turnos nas aulas para chegar a um estudo
individual das classes representativas da população em análise. Com base nesse
trabalhos, Antipoff contribuía com a atualização do sistema escolar de Belo
Horizonte. Empenhava-se na educação para democracia e na organização de
serviços de orientação vocacional, especialmente para os últimos anos da
memorável escola primária.
Atenção especial foi dada à “homogeneização das classes” em função do
desenvolvimento mental, tendo sido objeto de profundas reflexões e
responsabilidades por parte de Antipoff, especialmente quanto às possíveis
repercussões posteriores. Hoje, com a tendência eminentemente oposta, pelo
movimento da inclusão escolar, podemos compreender a inquietude da autora
ao tomar tal decisão, uma vez que facilitaria ainda mais a exclusão daqueles
alunos portadores de deficiência do sistema regular do ensino.
Haveria de buscar soluções para o problema então existente, sobre a
educação escolar para os educandos “excepcionais”. Foi então criada por seu
intermédio, em 1932, a Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte com o fim de
promover o atendimento desses alunos, e assessorar os professores das
poucas, já existentes, classes especiais. A então promulgada Declaração de
Genebra proposta pela União Internacional de Socorro às Crianças, adotada
pela Liga das Nações, serviu de inspiração para configurar os objetivos da
Associação. Hoje, decorridos quase 60 anos, o movimento em prol dessas
pessoas segue passos semelhantes, claro por outros parâmetros, ao
fundamentar-se na “Declaração de Salamanca”, promulgada em 1997.
Os textos publicados no período de 1946 a 1974 estão reunidos no capítulo
IV: Psicologia do Excepcional e Educação Especial. Constam de estudos e
empreendimentos dignos de menção, como a criação do Instituto Pestalozzi de
Belo Horizonte, cujas raízes remontam o consultório Médico-Pedagógico, em
1934. Era destinado ao atendimento das crianças “excepcionais”, tipo semi-
internato, albergando 200 educandos, servindo de exemplo ao emprego dos
métodos de educação especial com melhores resultados do que os comuns
utilizados em situações congêneres Provaram também as instituições
internacionais citadas por Antipoff.

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Notamos que empregava com freqüência o termo excepcional em vez do


anormal , em uso, para designar o grupo de pessoas com deficiência. Por
declaração própria introduziu essa designação como substituto da anterior, por
considerar esta imprópria e vexatória; o que também havia sido considerado na
época, por Alice Descoeudres, no Instituto J.J. Rousseau, em Genebra.
A partir dessas considerações, Antipoff abriu o capítulo dos estudos,
posteriormente identificados como os tabus lingüísticos que depõem contra a
imagem das pessoas com deficiência. Trata-se de um processo dual; à medida
em que as designações citadas se popularizam, vão sendo contaminadas de
conotações emocionais pejorativas. Tal é a importância do tema que, em anos
posteriores a essa ação pioneira de Antipoff, passou a ser considerado de grande
interesse por parte dos estudiosos em Psicologia e em Educação aplicada às
pessoas com necessidades especiais1. Os estudos têm provado que a força
desses termos rotulantes é maior, em muitos casos, que a da própria etiologia
das deficiências.
O termo excepcional introduzido no léxico pela eminente psicóloga e por
razões evidentemente justas, nos tempos recentes já é percebido como um
tabu. Dessa designação subtrai-se a idéia popularmente generalizada de que as
pessoas assim identificadas, constituem exceções debilitantes da população,
podendo ser taxadas como incompetentes e com pouca possibilidade de
reabilitação. A partir dessa transformação negativa ao significado desse vocábulo,
novos termos tem sido propostos para substitui-lo, na qualidade de eufemismo,
como os de retardo mental, desviante, portador de deficiência mental. Na
atualidade, a Associação Internacional (antiga Liga da Federação Internacional
das Associações em prol das pessoas com deficiência mental), oficializou, em
seus documentos legais, a mudança dos termos deficiência mental por deficiência
intelectual, dada a distorção que decorre da idéia de incorporar-se no termo
mental patologias psiquiátricas que, com o uso, resultam em estigmas
degradantes. Assim, continuam os processos de tabus–eufemismos-tabus na
espera de que os conhecimentos científicos sobre deficiência sejam amplamente
divulgados, facilitando o bloqueio de tal percurso.
Com o passar do tempo, novas contribuições de importância foram
incluídas pela ilustre psicóloga no campo da Educação Especial. Ao verificar
que era numerosa a população com deficiências menores e que não recebiam
atendimento algum, abriu as portas da Fazenda Rosário para essas crianças.

1
A publicação Diagnóstico Psicológico. Implicações psicossociais na área do Retardo Mental
(1983), São Paulo, Editora Cortez, de minha autoria, é totalmente dedicada a esse tema. Foi
64 resultante de minha tese de Livre-Docência, na UNESP.
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Além disso, também fruto de suas observações, achou por bem dirigir seus
esforços àquelas que apresentavam talentos especiais, as quais também não
estavam sendo objeto de atenção. Denominando estas últimas de bem dotadas
empenhou-se na criação em 1970, da Associação Milton Campos para o
Desenvolvimento de Vocações (ADAV) destinada a crianças e jovens dotados
de tais habilidades especiais.
Graças á atitude magnânima de Antipoff iniciaram-se as atividades dessa
entidade. Ao lhe ser outorgado o Prêmio Heming Albert Boilesen que constava
de apreciável quantia em dinheiro, por reconhecimento aos relevantes serviços
prestados à nação pela saudosa psicóloga, ela deixou gravada uma mensagem
doando esta outorga a ADAV. A premiação teve lugar em Ato Solene que aconteceu
no Palácio do Governo de São Paulo e foi acompanhada de expressiva audiência
da comunidade científica, incluindo a minha pessoa. A outorga, a recebeu seu
filho, Daniel, em representação da premiada que, na ocasião, se achava
gravemente doente e dias depois vinha a falecer.
Os penúltimos capítulos da obra, objeto de análise, completam o legado
da saudosa pesquisadora em uma visão integral da Fazenda do Rosário e em
contribuições específicas sobre técnicas de diagnóstico. Correspondem, por
um lado, estudos avaliativos dos programas desenvolvidos na Fazenda (anos
50) e por outro, apreciação dos processos de experimentação natural de Lazursky
e do teste “Minhas Mãos” de sua autoria.
Do trabalho de avaliação, ainda que preliminar, sobre as atividades da
Fazenda, apresentada por Antipoff na oportunidade de incorporar nesse contexto,
o programa de Formação de Educadores Rurais e o Instituto Superior de
Educação Rural (ISER), podemos constatar importantes contribuições que
serviram de guia e ainda servem para o desenvolvimento de ações educativas
relativas à promoção da comunidade rural e ao atendimento dos educandos
com necessidades especiais.
O objetivo básico de tais ações consistia na promoção humana referente
ao contexto rural, condição que Antipoff considerava indispensável para a garantia
da qualidade de vida. Priorizava os ideais democráticos, de sã convivência, de
respeito mútuo, de sentimento de pertencer e de participação ativa de todos
aqueles que conviviam na Fazenda do Rosário. Tais objetivos, de certa forma,
previam a estabilização da população rural no seu próprio habitat, evitando seu
êxodo a ambientes urbanos, para cujas exigências nem sempre essa população
estava preparada. Em síntese, a mensagem de Antipoff se traduz por um esforço

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de todos para alcançar uma efetiva transformação do meio rural em um “contexto


auspicioso para a nação” (p. 278).
Esses princípios também são visíveis na apreciação que fez na avaliação
dos lustros de existência das instituições de educação especial por ela criadas.
São exemplos dessas iniciativas, o Instituto Pestalozzi (instalado em 1935) e a
Escola da Fazenda do Rosário (criada cinco anos após) Todas elas se configuram
com a finalidade de educar e reeducar crianças e jovens “excepcionais” e/ou
abandonados, visando o seu desenvolvimento pessoal e sua integração
comunitária, segundo os métodos da Escola Ativa. Assim, a saudosa colega se
antecipou, como pioneira nas ações que regem o movimento atual em prol da
Educação Inclusiva, que hoje é expressiva e de abrangência internacional.
De suas numerosas contribuições nesse campo, cabe registrar as razões
por ela apontadas como imprescindíveis para a instalação, manutenção e
atualização das instituições supracitadas. Tais razões assim se especificam:
autenticidade das intenções ao criá-las; coesão administrativa e organizacional;
pessoal identificado com os objetivos institucionais, programa médico-
psicológico específico, como também resultados promissores. Contrapõem-se,
portanto à promoção do prestígio pessoal e dos subjetivismos na seleção e
ascensão dos funcionários, na escolha dos alunos, entre outros aspectos
importantes na condução de uma obra como essa. Situação que se configura
como freqüente em nossas instituições nos dias de hoje.
A saudosa colega considerava como propício o ambiente rural para a
educação das crianças e jovens com necessidades especiais, razão porque
era favorável à instalação de instituições do gênero nesse contexto. Priorizava,
portanto, nos programas educacionais. o aproveitamento do recursos próprios
da vida no campo, como o cuidado para com os animais, o plantio e colheita de
insumos agrícolas, o uso dos materiais disponíveis e sua utilização, entre outros.
Paralelamente a esse trabalho educativo, a psicóloga compartilhava das
idéias de colocação familiar ou de lares adotivos para crianças e jovens
abandonados ou procedentes de famílias impossibilitadas de atende-los. E
também das residências e cooperativas para, respectivamente, colocação
familiar e no mercado de trabalho dos egressos das instituições educativas,
muitas delas existentes na Fazenda do Rosário. Para ela, a missão dessas
instituições consistia em possibilitar a esses educandos ou também aos
portadores de altas habilidades, educação básica e iniciação vocacional durante
um determinado período de suas vidas, a exemplo das escolas de educação
comum. Percebemos a sua posição como desfavorável à permanência duradoura

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dos educandos nessas instituições, preocupando-se com seu egresso para outra
modalidade de apoio a eles prestada. Situação que é crítica em muitas instituições
existentes no momento atual.
Do último capítulo da obra, nos referimos àquelas contribuições de maior
preferência de Antipoff e também as que marcaram sua trajetória científica. Nos
referimos ao “Método de Experimentação Natural” elaborado por Lazursky no
começo do século. Trata-se de analisar as funções mentais e motoras da criança,
através de sua atuação no “meio natural”, isto é, no lar, na escola, nos folguedos.
Do mesmo são destacadas tarefas que permitem facilitar aquela apreciação,
decorrendo assim os estudos “experimentais” concebidos por aquele autor.
Antipoff passou a utilizar esse método no Instituto Pestalozzi, sobretudo para a
análise das ocupações realizadas pelos alunos, como são os serviços de
limpeza, de ordenação, entre outros.
Sempre considerou importante a técnica de observação como
indispensável nas pesquisas e nos estudos psicológicos. Vale assinalar, embora
não seja referido na obra, objeto de nossa resenha, “Ficha de observação do
desenvolvimento mental da criança”. Fruto de vários ensaios, publicada pela
primeira vez em 1937, sendo posteriormente objeto de revisão por Eloisa Marinho
e também por nós2. Essa ficha é bem elaborada com instruções, folha de
protocolo para aplicação e materiais adequados. Contempla uma relação
seqüencial de comportamentos e de sua análise, divididos por etapas e áreas a
partir do 1º mês de vida, e prosseguindo até os 6 anos da idade da criança.
De própria autoria, são importantes o “Teste da Redação” e o teste “Minhas
Mãos”. O primeiro foi baseado nas idéias de Lazursky, e posteriormente nas de
Claparede, que serviu de base para a elaboração do segundo instrumento. Este
último se fundamenta na descrição livre das próprias mãos, a qual é analisada
em seus aspectos formais e de conteúdo, conforme a interpretação de elementos
perceptivos, mnésicos, imaginativos, afetivos para chegar à elaboração de um
índice pessoal. A fim de facilitar a compreensão do teste a autora apresentou
casos ilustrativos bem elaborados.
Esta visão da obra, ainda que incompleta, reflete uma brilhante carreira
profissional, especialmente dedicada à Educação e à Psicologia no País. É um
legado de determinação, persistência, de esforço e de constante atualização,
servindo de exemplo a todos aqueles que estão envolvidos na missão de educar.
Aconselha-se não somente a leitura da obra, como também uma reflexão
minuciosa da mesma e possíveis aplicações, dada sua vigência que ainda
permanece no contexto educacional e científico do nosso País.
2
Publicada em Pérez-Ramos (1966) Psicologia Clínica – Técnica de Diagnóstico. Madri. Editora
Mediterrâneo.
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