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As Escolas
Escola Particular 1 (EP1)

Essa escola funciona em cinco unidades instaladas em edifícios estruturados e organizados de acordo com os cursos oferecidos.
Atende crianças de meses (berçário) até 18 anos (Ensino Médio). É uma escola inclusiva e trabalha com as diferenças.

Os encontros aconteceram na Unidade II , prédio onde funcionam a Educação Infantil e o Ensino Fundamental I. Foi utilizada
uma sala de aula, com as carteiras dispostas em círculos. O ambiente era agradável, iluminado, com ventilação, e não havia
interferência de barulho.

O grupo contou com nove participantes no primeiro encontro, entre eles: professoras (sete), auxiliar de sala (uma) e
coordenadora pedagógica (uma), todas do sexo feminino, com idades que variavam de 20 a 42 anos, com formação em
Pedagogia e/ou Magistério. Todas tinham experiência profissional com crianças de diferentes faixas etárias da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental I, com tempo de serviço na educação que variava de dois a 23 a nos.

Esse grupo teve, de início, nove participantes no primeiro encontro, passando a sete, no segundo, e a apenas três no terceiro
encontro.

Apesar do esvaziamento sem explicação, os participantes conseguiram chegar a conclusões relevantes e discutiram a
possibilidade de elaborar algum tipo de trabalho com as crianças.

Os educadores afirmaram que os encontros tinham sido muito bons, interessantes e produtivos. Foram momentos de reflexão,
quando pararam para pensar, falar e discutir sobre morte.

Percebi que as educadoras dessa escola demonstraram ter, entre elas, certa intimidade e liberdade ao relatar suas experiências
profissionais. Apresentaram dificuldade para lidar com as questões relativas à morte, mesclando seus relatos com questões
pessoais de fora do cotidiano da escola e com uma carga de emoção muito intensa.

Asensação transmitida é de que deve existir cuidado e acolhimento nessa escola. É difícil expor-se tanto se não houver um
espaço acolhedor.

Apesar de os educadores trazerem questões pessoais, elas não foram trabalhadas, porque esse não era exatamente o espaço para
se discutirem perdas pessoais, além de não fazer parte do objetivo da pesquisa.

Seria essa a explicação para a diminuição dos participantes? Isso me

remeteu aos participantes que já não compareceram ao segundo encontro. Questionei se suas expectativas tinham sido
frustradas. Talvez esperassem um curso para aprender a lidar com a morte, mas encontraram um espaço aberto para falar e
refletir a respeito dela.

No segundo encontro, as professoras ainda pareciam muito incomodadas. Tive a sensação de que tudo o que viam nos livros
era ruim. Pareceu-me que lançavam um olhar muito crítico e, ao mesmo tempo, apresentavam certo distanciamento para poder
fazer uma crítica. Talvez estivessem tão envolvidas que tudo as assustava. No entanto, mostraram-se dispostas a participar da
tarefa proposta e a explorar criticamente os livros sob o ponto de vista do educador, embora essa tarefa pudesse gerar
desconforto ou até mesmo conflito.

Ao tratar do tema proposto, as educadoras aludiram, de forma recorrente e enfática, ao caráter religioso da morte, quando
relatavam os casos de seus alunos e também quando se referiam a seus casos pessoais.

Durante os encontros ficaram evidentes as crenças e os valores pessoais de cada uma, aceitando a interpretação religiosa da
morte como um porto- seguro, uma tábua de salvação a que tinham que se apegar. Nesse caso, a morte foi abordada como
perda, e não como parte de um ciclo.

A partir das discussões, as educadoras constataram que é possível abordar o tema da morte nas suas disciplinas como fazendo
parte de um ciclo de vida/ do processo de desenvolvimento. No entanto, a morte é automaticamente associada à ideia de perda e
aos sentimentos de tristeza e dor. Pergunto por que é assim.

Primeiramente, as professoras não se sentem à vontade para tratar desse assunto porque suas próprias dores ainda estão
presentes e latentes. Então, como falar com o outro sobre algo que ainda incomoda, causa desconforto e até a ssusta ?

Durante os encontros, discutiu-se a importância da roda de conversa para a criança. Pergunto, então, como seria ter a roda de
conversa com o professor. Ela poderia ser útil não só para se falar de perdas, mas também de quaisquer outros assuntos
emergentes que necessitem de soluções. Um espaço de compartilhamento poderia funcionar como recurso altamente positivo
para se tratar de dores e/ou dificuldades frente à morte.

O terceiro encontro pode ser considerado muito rico porque resultou em uma experiência de enfrentamento, acolhimento e
fechamento de ciclo, dando lugar ao “novo”.

Os livros sobre morte ou o tema da morte em si deixaram de ser o cerne das discussões, dando lugar à abordagem de outros
problemas vivenciados pelas crianças, que também geram sofrimento e angústia e devem ser tratados com cautela.

O grupo chegou a fazer reflexões muito relevantes que podem ser consideradas como “quebra de barreira”. Esse enfrentamento
também se evidenciou no grupo como um todo, pois desenvolveu-se um processo de encorajamento para poder enfrentar,
mesmo se fugindo do assunto, e se libertar dos medos. Deu-se, portanto, o fechamento integral do ciclo.

Apesar das ausências, esse grupo atuou como um todo, acomodando-se à nova forma, sem perder a qualidade.

Houve momentos de troca muito intensos e ricos, nos quais cada participante teve a oportunidade de fechar seu ciclo a seu
tempo e a sua maneira, trabalhando as próprias emoções.
Eu me restringi a coletar dados, sem interferir diretamente, deixando que descobrissem seu caminho, aceitando percorrê-lo,
apesar da dor e dos medos que pudessem surgir. Foi um grupo muito continente.

Na devolutiva, as participantes afirmaram ter consciência de que haviam “quebrado a barreira”, fazendo com que o tema da
morte pudesse ser visto de outra maneira, com tranquilidade e menos conflito. Salientaram que, nos encontros, passaram pelo
processo que é observado na criança em construção.

Os resultados das dinâmicas foram além das minhas expectativas. A princípio, minha proposta era apenas discutir o assunto
morte na escola e os livros que tratam do tema. De maneira gratificante, esses educadores fizeram sua construção própria que,
depois, constituiu-se numa construção grupal, envolvendo movimentos individuais e movimentos no/do grupo, cada um
enfrentando seus medos e suas barreiras.

No final, puderam perceber que a morte faz parte da vida e que, nas perdas, é natural existir a dor e o sofrimento. É possível
falar da morte apesar da tristeza nela contida, quando se perde alguém de quem se gosta. Conscientizaram-se de que essa
tristeza é necessária. Permitir que a criança sinta essa tristeza, acolhê-la e dar-lhe conforto pode ser mais uma tarefa do
professor.

Conscientizaram-se, também, de que não são eles (os educadores) os responsáveis pela tristeza contida na perda, apresentada
pela criança, mas podem ser os responsáveis por acolher e dar conforto a essa criança, minimizando o sofrimento contido nessa
tristeza.

Concluíram que o importante é encontrar o acolhimento para essa tristeza. Defendo veementemente a ideia de que quem cuida
precisa primeiro ser c uida do.

Assim como vários outros profissionais, o professor é um cuidador que também necessita de cuidado e acolhimento para poder
cuidar e acolher seus alunos. Portanto, é imprescindível que haja nas escolas espaço para compartilhamento e reflexão sobre as
perdas vivenciadas e a morte.

Escola Particular 2 (EP2)

Esse colégio está localizado na zona oeste da capital de São Paulo e é dirigido por religiosos. Oferece desde a Educação Infantil
até o Ensino Médio.

Os encontros aconteceram em uma sala de aula (ampla) da Educação Infantil, na própria escola. O ambiente era agradável
quanto à iluminação e ventilação, mas com acústica ruim.

As educadoras participantes sentaram-se em carteiras dispostas em círculo.

O grupo contava com oito participantes no primeiro encontro, entre eles professoras (sete) e coordenadora pedagógica (uma),
todas do sexo feminino, com idades que variavam de 24 a 54 anos, com formação em Pedagogia, Psicopedagogia,
Comunicação Social e Magistério. Todas tinham experiência profissional com diferentes faixas etárias da Educação Infantil,
com tempo de serviço na educação que variava de cinco a 26 anos.

As professoras participantes são docentes de Educação Infantil, do maternal ao 1.o ano (antigo pré-primário).

A coordenadora trabalha nessa escola há 26 anos, tendo iniciado como professora. Exerce a função de coordenadora de
Educação Infantil há nove anos. Esse grupo teve uma participação homogênea nos três encontros. Não

houve desistência, apenas duas faltas por motivos pessoais.


As participantes desse grupo permaneceram atentas, discutiram as

situações de morte na escola e os livros, mas não aprofundaram muito suas reflexões, embora tenham participado atentamente
das tarefas propostas.

No primeiro encontro, contaram vários casos de morte ocorridos no ambiente escolar referentes à morte de alunos da escola e
também à morte de parentes das crianças (pai, avós, bichinho de estimação). Conduziram a discussão de forma superficial,
mantendo atitude de distanciamento. Falaram muito, mas parecia não refletir na mesma intensidade.

Relataram dificuldades para abordar o tema, principalmente com as crianças, uma vez que a morte não é um assunto cotidiano,
é difícil, mas foi considerado importante discuti-lo. Em nenhum dos encontros verificou-se impacto emocional que o assunto
geralmente suscita.

Entre os tópicos relacionados ao tema da morte, a perda foi predominante.

Contaram casos pessoais envolvendo perdas significativas, mas não como desabafos e nem se alongaram muito.

A questão religiosa esteve presente, e as educadoras mencionaram o termo “Foi para o céu!”, utilizado em conversas sobre a
morte com as crianças. (Essa é uma escola católica.)

A morte no contexto escolar foi abordada pela coordenadora quando contou dois casos de mortes de crianças da escola que
foram traumáticos

(afogamento e acidente de carro). Disse que as crianças tentam entender o porquê da morte e questionam muito o “nunca
mais”. Reforçou a necessidade de se preparar as crianças para o futuro.

Quanto aos encontros, as educadoras disseram que tinham sido muito bons, interessantes e produtivos. Serviram como
momentos de reflexão, quando pararam para pensar, falar e discutir sobre a morte.
O grupo era muito organizado, e os participantes não se atropelavam para falar. Respeitavam e ouviam os colegas e mantinham
certa ordem.

O primeiro encontro foi considerado muito significativo por ter sido um momento de compartilhamento do tema morte e de
situações relacionadas.

No segundo encontro, as educadoras estavam muito ansiosas para conhecer os livros infantis e exploraram o material
atentamente, mostrando-se surpresas com a quantidade de títulos que abordam o tema da morte. Aderiram à tarefa e, muito
compenetradas, pouco conversaram entre si.

Verificaram as diferentes abordagens em que o tema morte foi apresentado nos livros: a razão do existir, o ciclo da vida, perdas
e morte como um fenômeno que ocorre na vida de qualquer um.

No terceiro encontro, continuaram explorando os livros com entusiasmo, embora em menos tempo. As professoras trocaram
livros entre si e fizeram comentários com as colegas.

Comentaram que os livros eram muito interessantes e que foi possível começar a perceber coisas que eram mencionadas pelas
crianças e que nem sempre eram compreendidas pelas professoras. A coordenadora avaliou que a morte é um tema necessário
de ser explorado. Comentaram sobre uma situação complicada que estavam vivenciando com uma aluna de quatro anos que
tem um tumor na cabeça e cujo irmão já morreu.

Quanto a abordar o tema morte na escola, a coordenadora acha que é assunto muito difícil de ser trabalhado, mas necessário,
uma vez que aparece diariamente na mídia e também na escola. Suas afirmações pareciam ambíguas, pois, apesar de considerar
o tema como importante, não vislumbrava a possibilidade de introduzi-lo no cotidiano escolar, justificando que “não dá para
tirar a tristeza que a morte causa”.

Entretanto, achou que os encontros foram válidos, pois elas tiveram a oportunidade de conhecer o material (os livros infantis) e
refletir sobre a morte com as discussões, podendo então trabalhar quando algum caso surgisse na escola.

Apesar de reconhecer a importância de trabalhar esse assunto com os alunos, porque a escola é um agente de formação, a
coordenadora reforçou a necessidade de haver empatia para se lidar com o tema.

As professoras julgaram os encontros muito produtivos, pois suscitaram reflexões, esclarecimentos de dúvidas, formas de
comunicação, questionamentos

e encorajamento, além de ser um espaço de troca que promoveu a aproximação, socialização e integração entre os colegas e o
autoconhecimento.

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