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O documentário é uma análise sobre a vida na Terra, nos últimos 100 anos.

De que
forma a população humana evoluiu e como o seu crescimento exponencial influenciou o
ambiente do planeta (com o aumento da emissão de gases de efeito estufa e com a
desflorestação desmedida). David mostra vários exemplos de espécies que já estão em vias
de extinção devido à nossa presença neste planeta. O ser humano considera-se dono da
Terra e está a matar a mãe natureza.
Contudo, David tem uma mensagem otimista e acha que se agirmos já, ainda vamos a
tempo de retroceder e salvar o nosso planeta. Mas, para que tal possa acontecer, devemos
tomar medidas imediatas, como ajudar os países menos desenvolvidos a melhorarem as
suas condições de vida, para que a natalidade baixe; mudarmos o nosso estilo de vida e
termos comportamentos mais conscientes, nomeadamente, na nossa alimentação, com a
diminuição do consumo de proteína animal, entre outros exemplos.
É esta a mensagem central que David quer transmitir: nós somos apenas mais uma
espécie neste belo planeta. Porém, estamos a condicionar a existência de outras espécies e
a desequilibrar os seus ecossistemas. Com as nossas ações, estamos a destruir o nosso
planeta, a um ponto que poderá mesmo ser determinante para a nossa própria existência.
Caso esse cenário ocorra, o ser humano vai ser extinto mas o planeta Terra continuará a
existir. Não nos mesmos moldes nem com a mesma beleza que tinha antes da nossa
passagem, mas a vida encontrará outras formas de se manifestar.
Apesar das mensagens transmitidas não serem novas, é um documentário lindíssimo
através da visão de alguém que pode testemunhar na primeira pessoa os estragos que o
Homem deixou no seu percurso na Terra.
Em setembro passado (2020), David Attenborough: A Life on Our Planet estreou em todo o
mundo. Descrito como uma “declaração de testemunha” pessoal, o filme é o mais recente
apelo do naturalista britânico, então com 93 anos, para reverter o nosso impacto no clima
global e na biodiversidade.
Imagens de tirar o fôlego de uma vida inteira de documentários fluem na tela, mas este não é
um documentário comum sobre a natureza. Uma vez desmontada até os ossos, a mensagem é
simples e terrível. A vida na Terra assistiu a cinco eventos de extinção em massa nos últimos
quatro mil milhões de anos, sempre desencadeados por uma acumulação de carbono
atmosférico e pelo consequente aumento da temperatura média global. Estamos agora
olhando para o sexto bem nos olhos, apenas algumas gerações humanas à nossa frente. Neste
caso, porém, não se trata de uma catástrofe construída por um milhão de anos de atividade
vulcânica, mas por menos de 200 anos de aceleração económica baseada em combustíveis
fósseis. Hoje não há nada que nos pare, a menos que nos paremos. Uma desconexão fatal
entre a economia global e o ambiente natural está a provocar um declínio da biodiversidade,
transformando o planeta num lugar onde não podemos viver. ‘Não se trata de salvar o nosso
planeta’ – conclui Attenborough com um desvio inesperado da tradição conservacionista – ‘A
verdade é que, com ou sem nós, o mundo natural irá reconstruir… Trata-se de salvar-nos a nós
mesmos’. A narrativa refere-se a uma “humanidade” não descrita, mas as imagens no ecrã, o
alfinete na economia dos combustíveis fósseis e o período de 200 anos, deixam poucas
dúvidas sobre o que está por detrás da ocorrência da sexta extinção em massa.

As evidências apresentadas no filme colocam em perspetiva o debate em curso sobre a


alegada ineficiência ecológica dos sistemas “tradicionais” de produção de alimentos, como a
pastorícia e a maior parte da agricultura familiar. Fora do campo de visão do desenvolvimento
pastoril, debatendo as taxas de lotação e as emissões de gases com efeito de estufa
provenientes da fermentação entérica da alimentação do gado nas pastagens, revela-se um
impacto ecológico de relevância histórica. As florestas tropicais do mundo diminuíram para
metade em pouco mais de meio século. O gelo de verão no Ártico foi reduzido em quarenta
por cento nos últimos quarenta anos. A vida em água doce foi reduzida em oitenta por cento
“pelo represamento, poluição e extração excessiva de rios e lagos”. Cerca de trinta por cento
das unidades populacionais de peixes foram sobreexploradas a níveis críticos em menos de
setenta anos de pesca industrial. Discutir a ineficiência ecológica da pastorícia em relação às
alterações climáticas - mesmo que, claro, haja sempre espaço para melhorias - é como discutir
um cano a pingar numa cabine enquanto abre cortes no casco do navio.
Mas há também outra dimensão em que o filme de Attenborough é relevante para o actual
debate sobre a pastorícia. O filme enfatiza a relativa estabilidade do Holoceno, os últimos 10
mil anos de vida do planeta, durante os quais a temperatura média global nunca subiu ou
desceu mais de um grau Celsius. Esta relativa estabilidade na temperatura média global é
descrita como devida à formação contínua da biodiversidade: a variabilidade da natureza.
Após a última extinção em massa, que eliminou 75 por cento das espécies do planeta, foram
necessários 65 milhões de anos de reconstrução até que – diz Attenborough – “a
biodiversidade do Holoceno ajudou a trazer estabilidade… Para restaurar a estabilidade ao
nosso planeta é preciso restaurar sua biodiversidade. Exatamente aquilo que removemos.

Os especialistas em pastores e em terras áridas poderão reconhecer aqui um padrão: uma


relativa estabilidade baseada na variabilidade. Os esforços para eliminar essa variabilidade
podem perturbar a estabilidade relativa. Pense em Walker et al. (1981) alertando que “a
comparação da dinâmica de várias savanas e outros sistemas naturais leva à conclusão de que
a resiliência dos sistemas diminui à medida que a sua estabilidade (geralmente induzida)
aumenta”. Ou de Behnke e Scoones (1993) que descrevem a gestão dos rebanhos dos
pastores como “uma ênfase na exploração da heterogeneidade ambiental em vez de tentar
manipular o ambiente para maximizar a estabilidade e a uniformidade”.
Um dos exemplos usados por Attenborough nesse sentido é sobre a substituição da
biodiversidade por monoculturas. No caso da pastorícia, a mesma abordagem reduz a
variabilidade nos processos de produção: substituindo a mobilidade pela sedentarização, a
diversidade animal doméstica local por raças exóticas uniformes, a posse comunitária flexível
com direitos de propriedade individuais exclusivos…

Durante muito tempo, a variabilidade do ambiente natural foi representada como um


constrangimento à agricultura e ao desenvolvimento. Os esforços dentro desta tradição têm
procurado “externalizar” a variabilidade, protegendo a produção dos caprichos da natureza.
Nas origens da produção animal como disciplina científica, durante a revolução industrial na
Europa de meados do século XIX, a novidade crucial foi o projeto de “emancipação” da
pecuária do ambiente natural (Porcher 2017). Este quadro conceptual, concebido para manter
o ambiente natural fora da vista, tem sido o modelo padrão para a análise e representação
dos sistemas pastoris em desenvolvimento (FAO 2020). O legado de compreender a produção
animal como dependente da emancipação da natureza continua a traduzir-se ainda hoje numa
compreensão do desenvolvimento pastoril como emancipação da pastorícia (desenvolvimento
a partir da pastorícia).
Hoje, com pouca margem de manobra para manter o aquecimento global dentro de um
aumento de 1,5ºC – que já é cinquenta por cento acima da média dos últimos 10 mil anos –
necessitamos urgentemente de formas de salvar tanto a agricultura como o ambiente natural.
Será que fazer uso da variabilidade em vez de combatê-la seria parte da solução? Os sistemas
pastoris especializam-se exatamente para fazer isso: trabalhar com a variabilidade da natureza
e não contra ela (Kaufmann 2007; Krätli 2008; IIED 2015). Eles não precisam se isolar do
ambiente natural. Pelo contrário, estão equipados para lidar com a variabilidade da natureza e
aproveitar as oportunidades que ela oferece; acima de tudo, as suas concentrações valiosas,
embora em grande parte imprevisíveis, de inputs potenciais “escondidos” dentro de padrões
variáveis e médias modestas. Para sistemas alimentares especializados em trabalhar com
variabilidade, a variabilidade não é um obstáculo, mas sim uma vantagem. A produtividade de
um rebanho pastoril aumenta devido ao envolvimento ativo dos animais e dos pastores com o
ecossistema variável.

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