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Introdução da aula
Estudante, boas-vindas à nossa aula sobre uma das temáticas mais instigantes sobre o futuro
do nosso planeta: o Antropoceno.
E você pode se perguntar: como isso afetará a minha vida? As crises do Antropoceno alterarão
e desafiarão as nossas compreensões sobre economia e natureza.
Portanto, você, como futuro profissional, nesta aula, começará a compreender e a se preparar
para os desafios desse novo tempo sobre as nossas atividades econômicas e sociais.
Do Holoceno ao Antropoceno
Para um número significativo de cientistas, esse período se esgotou e estamos vivendo o início
de um novo período geológico: o Antropoceno. A palavra “Antropoceno” foi cunhada pelo
biólogo Eugene F. Stoermer, em 1980, e significa antropo (homem) + ceno (novo) (VEIGA,
2019). Já a hipótese de um novo tempo geológico foi levantada originalmente pelo cientista
Paul Crutzen, ganhador do Prêmio Nobel de Química, em 1995, e Eugene F. Stoermer, durante
uma reunião do Programa Internacional de Geosfera-Biosfera (IGBP) em Cuernavaca, México,
no mês de fevereiro do ano de 2000. Para eles, o uso do termo Antropoceno é o mais
adequado para “[...] enfatizar o papel central da humanidade na geologia e na ecologia”
(CRUTZEN; STOERMER, 2000, p. 17).
A Grande Aceleração
Da Revolução Industrial até o final da primeira metade do século XX, temos o primeiro estágio
do Antropoceno, que é definido como era industrial. A partir de 1950, no século passado,
temos um novo e perigoso estágio com a intensificação dos efeitos antropogênicos sobre o
Sistema Terra, que os cientistas têm denominado como a “Grande Aceleração”.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, uma época de significativa expansão das atividades
econômicas em uma sociedade de consumo e baseada em combustíveis fósseis foi responsável
por recordes sucessivos na emissão de gases antropogênicos. Para exemplificar, nos últimos 50
anos, a economia mundial multiplicou por quase quatro vezes, enquanto o comércio global
aumentou em dez vezes (IPBES, 2019). Para contemplar as demandas desse crescimento
econômico, nós, seres humanos, passamos a exercer uma pressão excessiva sobre os ciclos de
regulação do planeta com o aumento da poluição, desmatamentos, perda de biodiversidade,
acidificação de oceanos, entre outros fatores.
Alguns estudos científicos nos ajudam a compreender os desafios impostos pela Grande
Aceleração das últimas décadas. O relatório A Avaliação Global da Natureza, lançado em 2019
pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na
sigla em inglês), é a mais extensa análise sobre a perda da biodiversidade no planeta e afirma
que “[...] o ritmo das mudanças globais na natureza nos últimos 50 (cinquenta) anos não tem
precedentes na história da humanidade” (IPBES, 2019, p. 12). Elencamos outros dados
sensíveis desse documento (IPBES, 2019):
O relatório Planeta Vivo, do ano de 2020, elaborado pela entidade WWF, traz os mesmos
dados sobre a perda da biodiversidade. Os fatores responsáveis por essa perda são: o uso da
terra, com a conversão de áreas intocadas em setores agrícolas, e, no caso dos oceanos, o
aumento excessivo da pesca. O ponto fundamental do relatório é que “a perda de
biodiversidade não é apenas um problema ambiental. Ela também afeta o desenvolvimento, a
economia, a segurança global, a ética e a moral” (WWF, 2020). Recentemente, um novo
relatório do IPBES (2022) alertou que cerca de um milhão de espécies da fauna e da flora estão
ameaçadas de extinção.
Um importante estudo liderado pela equipe do cientista sueco Johan Rockström, do Centro de
Resiliência de Estocolmo, caracterizou os nove processos que regulam a estabilidade e a
resiliência do planeta, estabelecendo os limites para o que é denominado “espaço operacional
seguro para a humanidade”, isto é, em que é possível a manutenção das atividades sem
colocar em risco a vida terrestre (VEIGA, 2019; COSTA, 2022).
Os nove processos que precisam ser regulados para a garantia da estabilidade planetária são
(VEIGA, 2019; COSTA, 2022):
1. Mudanças climáticas.
4. Acidificação do oceano.
Esses processos que estabelecem os limites planetários podem ser sintetizados na figura a
seguir.
Figura 2 | Os nove limites planetários - Fonte: Pais (2021, [s. p.]).
Na figura, podemos visualizar que a parte em verde são as chamadas zonas seguras, em que
temos o “espaço operacional seguro”; em laranja, as “zonas de risco crescente”, com alto
potencial de efeitos prejudiciais; em vermelho, as “zonas de risco alto”, em que os limites
foram ultrapassados e estamos sujeitos às consequências imprevisíveis. Percebemos que a
humanidade já ultrapassou quatro dos limites estabelecidos: mudanças climáticas, integridade
da biosfera (perda de biodiversidade), fluxos bioquímicos de nitrogênio e fósforo e, mais
recentemente, as mudanças no uso da terra (solo). Esses são desafios que estão postos no
tabuleiro global, a demandar a atuação de todas as instituições internacionais e nacionais.
Nota-se, assim, que a observância dos limites planetários é uma das exigências para que as
crises provocadas pela Grande Aceleração não conduzam o Sistema Terra a uma situação de
irreversibilidade.
A era da responsabilidade
Para ficar mais claro, a pegada ecológica de uma pessoa que vive no Brasil é de 2,6 hectares, o
que significa que essa é a área necessária para atender ao consumo de cada brasileiro (GLOBAL
FOOTPRINT NETWORK, 2022). No caso de um cidadão dos Estados Unidos, a pegada ecológica
é de 8,1 hectares; de um alemão, é de 4,7 hectares; de um inglês, de 4,2 hectares; de um
chinês, de 3,6 hectares; e assim as pegadas são calculadas para os habitantes de mais de 200
países. A título de curiosidade, as maiores pegadas ecológicas são do Catar (14,3 hectares) e de
Luxemburgo (13 hectares) (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2022). Já as menores pegadas
ecológicas estão em nações, como o Iêmen (0,5 hectares), Timor-Leste (0,6 hectares) e Haiti
(0,6 hectares) (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2022).
Muitos países estão em situação de déficit ecológico, isto é, usam mais recursos naturais –
pegada ecológica – que seus ecossistemas podem regenerar – biocapacidade –, como é o caso
dos Estados Unidos, da China, da Índia, de Israel, do Japão e da União Europeia. Com o
aumento desse déficit em nível global, temos o que é chamado de “capacidade de carga” do
planeta, que é a sobrecarga no consumo de seus recursos. Desde a década de 1970, a
capacidade de carga do planeta tem sido ultrapassada com sérios riscos para a dinâmica
ambiental. Uma das representações usadas para demonstrar o limite da capacidade de carga
do planeta é determinar o dia em que ele ocorre em cada ano. No ano de 2022, ela foi atingida
no dia 28 de julho (WWF, 2022), a partir de então estamos em déficit. Em uma analogia,
entramos no “vermelho”, consumindo mais do que o planeta pode suportar. Por esse
parâmetro, para atender aos níveis de utilização dos recursos ambientais atuais, é demandado
o equivalente a 1,75 planeta (WWF, 2022). Essa capacidade de carga pode ser medida em
termos de países, já que cada um deles possui a sua pegada nacional. No caso do Brasil, a
capacidade de carga foi atingida em 12 de agosto de 2022 (WWF, 2022). Isso se dá, em boa
medida, pelo aumento do desmatamento na Floresta Amazônica e das queimadas nesse e em
outros biomas brasileiros, como o Cerrado e o Pantanal.
De tudo que foi estudado, faz-se necessário compreender que a era do Antropoceno é uma
realidade e que devemos estar preparados para o enfrentamento de seus efeitos em nossas
atividades econômicas e cotidianas. Ainda que a atuação no nível individual ou de pequenos
grupos seja restrita, isso não é um obstáculo para que possamos compreender o imperativo do
exercício da ética da reponsabilidade em todos os campos da atividade humana, tanto
profissional quanto cidadã, porque não há dissociação entre eles. Afinal, o que está em risco é
a construção da sociedade e dos predicados da vida. Esse é o desafio do nosso tempo.
Introdução da aula
Estudante, é uma alegria tê-lo conosco em uma nova aula sobre um tema fundamental para a
sua formação profissional: as mudanças climáticas.
Sabemos, hoje, que a mudança do clima é uma realidade com impactos diretos nas relações
econômicas e sociais. Se, por um lado, existe o desafio de lidar com os efeitos negativos da
mudança do clima, de outro, está em curso a configuração de uma economia, de baixo
carbono, adaptada aos novos tempos.
Nesse sentido, há estudos sobre os impactos do aquecimento global sobre o Ártico, a Antártica
e o permafrost (material orgânico congelado); com o derretimento das geleiras e calotas
polares, há o aumento no nível do mar (IPBES, 2019). Ademais, nota-se o aumento dos
extremos climáticos e meteorológicos, com oscilações significativas de calor e frio em todo o
planeta. Chuvas, enchentes, tempestades, ciclones e secas são cada vez mais comuns e
intensos, prejudicando as atividades agropecuárias, em especial, a segurança alimentar das
populações mundiais. Os ecossistemas, por sua vez, são afetados pelo aquecimento global com
a perda da biodiversidade, com ameaças e a extinção de componentes da flora e da fauna. Nos
oceanos, os recifes de corais são atingidos com a acidificação.
Todos os elementos delineados possuem impacto imediato para os seres humanos com efeitos
na saúde, na disseminação de vetores de transmissão de doenças, e, em última análise, na
própria existência da vida como conhecemos. Para exemplificar, a pandemia da Covid-19 e
outras questões epidemiológicas estão associadas às consequências da perda da
biodiversidade causada pelos desmatamentos e pelas queimadas das florestas tropicais em
todo o mundo.
Por esse conjunto, nota-se que será necessário um compromisso global para enfrentar os
efeitos negativos da mudança do clima.
[...] as mudanças no meio ambiente físico ou biota resultantes da mudança do clima que
tenham efeitos deletérios significativos sobre a composição, resiliência ou produtividade de
ecossistemas naturais e administrados, sobre o funcionamento de sistemas socioeconômicos
ou sobre a saúde e o bem-estar humanos. (BRASIL, 1998, [s. p.])
Uma das principais deliberações desse órgão ocorreu durante a COP 3, em 1997, com a
aprovação do Protocolo de Kyoto, como componente da Convenção-Quadro, que estabeleceu
metas de redução de emissões para os países desenvolvidos. Após oito anos de negociações, o
Protocolo entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, com a ratificação por, no mínimo, 55%
do total de países-membros da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima. Esses deveriam
ser responsáveis por, pelo menos, 55% do total das emissões de gases de efeito estufa, tendo
como referência o ano de 1990 (MELO, 2017). Mesmo com o Protocolo de Kyoto, as emissões
de gases de efeito estufa não cessaram, ao contrário, registraram sensível aumento, e um dos
fatores foi a crise econômica de 2008.
Para substituir o Protocolo de Kyoto, durante a 21ª Conferência das Partes (COP 21), realizada
em Paris, na França, no mês de dezembro de 2015, celebrou-se um novo acordo para
enfrentar as ameaças da mudança climática, denominado Acordo de Paris. Esse contou com a
assinatura dos representantes de 196 países da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima.
1. Manter o aumento da temperatura média global bem abaixo dos 2 °C acima dos níveis
pré-industriais e buscar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima
dos níveis pré-industriais, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos
e impactos das mudanças climáticas.
2. Aumentar a capacidade de adaptação aos impactos adversos das mudanças climáticas
e fomentar a resiliência ao clima e o desenvolvimento de baixas emissões de gases de
efeito estufa, de uma forma que não ameace a produção de alimentos.
Em 22 de abril de 2016, o Acordo de Paris foi aberto para o período oficial de assinaturas na
Sede das Nações Unidas em Nova Iorque, com extensão até 21 de abril de 2017. Contudo,
menos de um ano antes de sua celebração na COP 21, já contava com a assinatura de quase
100 países e, em especial, dos Estados Unidos e da China – dois dos maiores emissores de
gases de efeito estufa. Esses dois países ratificaram o Acordo em setembro de 2016, assim, no
dia 4 de novembro de 2016, o Acordo de Paris entrou em vigor oficialmente (MELO, 2017).
O Brasil, por sua vez, aprovou o texto do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima, em agosto de 2016, por meio do Decreto Legislativo nº
140/2016, com ratificação pelo Presidente da República em 12 de setembro de 2016 (MELO,
2017).
Nesse sentido, duas estratégias são fundamentais: a mitigação e a adaptação aos efeitos
adversos da mudança do clima. Ambas devem ser conjugadas, sendo que a mitigação se
preocupa com a redução das causas, e a adaptação assenta-se em lidar com as consequências
da mudança do clima (PFEIFFER, [s. d.]).
Em nível internacional, ao ratificar o Acordo de Paris, cada país assumiu o que é denominado
de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que é o compromisso internacional na
redução das emissões de gases de efeito estufa. A NDC brasileira, revista no ano de 2020, tem
os seguintes compromissos: reduzir as emissões líquidas totais de gases de efeito estufa em
37% em 2025 e assumir compromisso de reduzir em 43% as emissões brasileiras até 2030
(BRASIL, 2020). A NDC brasileira enuncia, ademais, “[...] o objetivo indicativo de atingirmos a
neutralidade climática – ou seja, emissões líquidas nulas – em 2060” (BRASIL, 2020, [s. p.]).
Nota-se que os compromissos do governo brasileiro podem ser revistos no curso do
cumprimento das metas. Esses são de responsabilidade conjunta do poder público, do setor
privado e da sociedade civil para o cumprimento das metas para a redução das emissões de
gases de efeito estufa.
Em termos práticos, podemos conferir alguns exemplos de medidas de mitigação que auxiliam
na redução das emissões de gases de efeito estufa: (i) melhoria da eficiência energética e uso
de energias renováveis, em substituição imediata no uso dos combustíveis fósseis; (ii)
promover a agricultura e a pecuária ecológicas; (iii) reduzir o consumo e a adoção da gestão de
resíduos sólidos (reciclagem, reaproveitamento etc.); (iv) adotar a gestão eficiente dos
recursos hídricos; (v) adotar sistema de mobilidade urbana com transportes coletivos e
eficiência energética; (vi) adotar processos assentados na ecoeficiência, ou seja, no
fornecimento de produtos equivalentes à capacidade de sustentação do planeta.
Além da mitigação das emissões de gases de efeito estufa, há a necessidade da adaptação, que
consiste em iniciativas e medidas para reduzir os impactos adversos da mudança climática. As
medidas de adaptação são necessárias porque as mudanças já estão em curso. Nesse ponto, é
importante a adaptação das economias nacionais, isto é, ter “[...] iniciativas e medidas para
reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e
esperados da mudança do clima” (BRASIL, 2009, [s. p.]). É por meio das iniciativas de
adaptação que se tem a proteção de vidas em face dos efeitos adversos. Entre os exemplos de
medidas de adaptação, temos: (i) reflorestamento de florestas e recuperação de ecossistemas
afetados; (ii) desenvolver o cultivo de plantas e culturas mais adaptáveis à mudança do clima;
(iii) adotar sistemas de prevenção, monitoramento e preparação em caso de catástrofes
naturais e eventos climáticos; (iv) garantir infraestruturas e políticas públicas urbanas para
enfrentar as dinâmicas do clima sobre as cidades.
Em qualquer perspectiva, é preciso atentar que, tanto em nível global quanto local, o que está
subjacente a esses compromissos é reduzir a emissão de carbono o mais próximo de zero.
Uma economia de baixo carbono permitirá o que o IPCC chama de desenvolvimento resiliente:
“[...] viabilizado quando os governos, a sociedade civil e o setor privado fazem escolhas de
desenvolvimento inclusivas que priorizam a redução de riscos, a equidade e a justiça [...] (IPCC,
2022, [s. p.]).
Em qualquer das perspectivas enumeradas, de governos a cada um de nós, será preciso não só
a tomada de consciência mas também o compromisso político e ético com as estratégias para
a redução das vulnerabilidades no contexto climático.
Introdução da aula
Além disso, a desigualdade tem uma dimensão ambiental, que revela as disparidades de
consumo entre países ricos e pobres e demonstra que os efeitos negativos da poluição e dos
danos ambientais afetam mais desfavoravelmente os grupos e as populações vulneráveis. Por
isso, o estudo da desigualdade ambiental implica conhecer e reconhecer os padrões de Justiça
Ambiental, ou seja, o contexto, as pessoas e as dinâmicas de decisão sobre os projetos e as
iniciativas que impactam o ambiente.
Nos últimos anos, a desigualdade tornou-se uma temática prioritária em qualquer discussão de
instituições governamentais em nível global ou nacional. Isso porque estamos acompanhando
a escalada da desigualdade em todo o planeta e, como tal, reduzi-la é um pressuposto
fundamental para mitigar os impactos deletérios que ela causa em nossas sociedades. Esse é
um objetivo compartilhado por governos e por organismos multilaterais, como o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial. Mas, como compreender a desigualdade e as suas
variações?
É por meio do combate e da superação dos altos índices de desigualdade, em qualquer de seus
enfoques, que podemos traçar um compromisso efetivo para a construção de uma sociedade
igualitária e democrática, requisito fundamental para o enfrentamento das crises
contemporâneas.
É preciso pontuar que o problema de alocação dos passivos ambientais ultrapassa, por vezes,
os limites territoriais de um país. Esse é o caso das tentativas dos países ricos de exportarem
lixo para os países em desenvolvimento. No que se refere ao Brasil, a União Europeia tentou
exportar pneus usados, cujos rejeitos ficariam em nosso país. O caso foi parar no Supremo
Tribunal Federal, que, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 101, em 2009, proibiu essa espécie de importação, assentando que ela
afrontaria os preceitos constitucionais de saúde e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado (BRASIL, 2009).
Além das dimensões principais, há uma nova faceta da desigualdade ambiental, que se
constitui pela intensificação dos efeitos adversos do clima, em que milhões de pessoas
deverão deixar seus lares e países e se mudarem para outros lugares, configurando o que tem
sido denominado de deslocados ambientais ou, como tem sido utilizado por alguns, de
refugiados ambientais. O relatório World Disaster Report, do ano de 2018, elaborado pela Cruz
Vermelha Internacional (2018), consignou que, entre os anos de 2006-2016, mais de 771
mil mortes foram atribuídas a desastres, com quase dois bilhões de pessoas afetadas por
eventos dessa natureza, das quais cerca de 95% delas em ocorrências por questões climáticas.
Ainda que as questões sobre clima sejam produzidas pelos setores mais ricos da sociedade, os
seus efeitos são sentidos, sobretudo, pelos povos mais vulneráveis no mundo. Afinal, como
expõe Sergio Margulis (2020, p. 120), são as pessoas de baixa renda as mais afetadas pela
mudança do clima, porque “[...] tendem a viver e trabalhar em locais mais expostos a riscos
climáticos, sem infraestrutura que os reduzam, em casas e bairros que enfrentam os maiores
problemas quando impactados [...]”.
Por essa conjugação de variantes da desigualdade ambiental, é possível constatar a imbricada
e correspondente relação entre desigualdade e o futuro da vida no planeta. Afinal, a
persistência da desigualdade ambiental é um fator desagregador de toda a construção
moderna de Estado e sociedade. Lutar por uma maior igualdade, ao reverso, pode nos ajudar a
um compromisso comum dos problemas que ameaçam a todos nós (PICKETT; WILKINSON,
2015).
A Justiça Ambiental
Segundo Acselrad, Mello e Bezerra (2009), o movimento de Justiça Ambiental articula suas
proposições em duas dimensões de atuação: (i) a discussão sobre os processos decisórios de
participação na formulação das políticas ambientais, em especial por parte das populações
afetadas; (ii) os efeitos sobre a distribuição dos benefícios e encargos das intervenções sobre o
ambiente.
Esses processos decisórios estão em uma dinâmica dissonante aos mais elementares princípios
estruturantes do Direito Ambiental. Isso porque os documentos internacionais de proteção ao
meio ambiente destacam a necessidade de participação comunitária na formulação e
execução de políticas ambientais. A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, de 1992, consigna, em seu art. 10, que “[...] o melhor modo de tratar as
questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados [...]” (ONU, 1992,
[s. p.]). E continua deixando claro que o acesso adequado à informação sobre o meio ambiente
“[...] inclui a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo a suas
comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões”
(ONU, 1992, [s. p.]). No mesmo sentido, fundamentado no Princípio 10 ora delineado,
recentemente foi aprovado no âmbito das Nações Unidas o Acordo Regional sobre Acesso à
Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina
e no Caribe, conhecido como Acordo de Escazú (ONU, 2018), que garante os “direitos de
acesso”, compreendendo o direito à informação, à participação pública nos processos de
tomada de decisões em questões ambientais e o direito de acesso à justiça. A legislação
brasileira, no mesmo sentido, estabelece a participação em vários diplomas legais, prevendo a
audiência pública no licenciamento ambiental de atividades efetiva ou potencialmente
causadoras de significativa degradação ambiental (CONAMA, 1986; 1987; 2020). Por esses
elementos, evidencia-se que as políticas públicas que afetam pessoas, populações, cidades e
regiões devem ser fruto de uma construção dialógica entre os atores envolvidos, e não a
sobreposição de uma única interpretação.
Como decorrência dos obstáculos dos direitos de acesso aos processos decisórios, temos a
segunda dimensão da Justiça Ambiental, acerca da distribuição dos encargos das intervenções
sobre o meio ambiente, que recairão justamente nas populações, nos grupos e nas pessoas
mais vulneráveis em sociedades desiguais – como é o caso do Brasil. Portanto, são esses
grupos que, ora são privados do acesso aos recursos naturais para viverem, ora “são expulsos
de seus locais de moradia para a instalação de grandes projetos hidroviários, agropecuários ou
de exploração madeireira ou mineral” (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 42). Esse é o
caso, por exemplo, dos projetos de desenvolvimento que são impostos e implicam a expulsão
de grupos e populações. Dois são os exemplos. O primeiro são expulsões ligadas ao mercado
global de terras, com aquisição de grandes áreas produtivas por corporações para a produção
de biocombustíveis ou para o extrativismo, forçando milhares de agricultores a venderem ou
deixarem suas terras, inclusive, por contaminações, porque o nosso país é o campeão mundial
no uso de agrotóxicos. O segundo exemplo são os projetos de infraestrutura, como o caso da
Usina de Belo Monte, no Pará, em que milhares de pessoas foram expulsas de suas casas com
o alagamento de amplas faixas de terras, com a perda dos laços sociais e de pertencimento
ancestrais, além dos impactos ambientais, em que o mais evidente foi a perda da
biodiversidade da região. Na mesma perspectiva, pessoas e grupos são atingidos pela
implantação de projetos de hidrelétricas, um dos pontos mais críticos na agenda ambiental
brasileira, com movimentos em todo o país em questionamento ao modelo de implementação
dessas iniciativas.
O vídeo discute e reflete sobre um tema que está na pauta dos governos e atores econômicos:
a desigualdade. Em conjunto com os aspectos econômico e social, a desigualdade tem uma
dimensão ambiental. É esse o foco dessa videoaula, para que você conheça e reflita sobre as
facetas da desigualdade ambiental e as proposições para uma Justiça Ambiental.
Introdução da aula
Gênese do ambientalismo
O movimento ambiental tem origem na segunda metade do século XIX, com os grupos
protecionistas criados na Europa, que estavam preocupados com os efeitos das
transformações advindas da Revolução Industrial, como a perda de áreas selvagens e a
poluição em cidades que se tornaram insalubres. Nessa perspectiva, a primeira sociedade
ambientalista privada foi criada na Inglaterra em 1863, chamada de Commons, Foot-paths and
Open Spaces Preservation Society (MCCORMICK, 1992).
Já nos Estados Unidos, os primeiros grupos ambientalistas são da virada dos séculos XIX e XX,
estabelecidos a partir de duas compreensões sobre as relações do homem com a natureza:
os preservacionistas, que defendiam a manutenção de áreas virgens, intocadas, sem a
interferências de atividades humanas; e os conservacionistas, centrados na racionalização e
compatibilização do uso dos recursos naturais com a proteção ao ambiente (MCCORMICK,
1992). Essas leituras são reflexos das discussões da época, assentadas ora na proteção da vida
selvagem, ora nos efeitos da industrialização e da urbanização. Apesar de históricas, essas
duas visões, com variações e adequações – e, por vezes, em associação –, ainda são presentes
na compreensão contemporânea da proteção ao meio ambiente.
No final da década de 1950 e início da década de 1960, começa a surgir uma nova articulação
de grupos e entidades de proteção ao meio ambiente, influenciados pelos riscos da corrida
nuclear, da explosão demográfica, do aumento da degradação ambiental; fatores esses que
foram exteriorizados por meio de denúncias formuladas através da publicação de livros e
artigos acadêmicos. Um caso emblemático é a obra Primavera Silenciosa, de autoria da bióloga
Rachel Carson, em 1962, que demonstrou os efeitos nocivos da contaminação por pesticidas
na agricultura e as consequências para o equilíbrio ecológico. Essa publicação teve enorme
repercussão nos meios acadêmicos e políticos, influenciando decisivamente o movimento
ambientalista e abrindo as discussões que levaram o governo norte-americano a criar a sua
agência de proteção ao meio ambiente nos anos de 1970.
No início do século XXI, surgiram novas formas de atuação em face dos problemas ambientais
por meio de ativismos impulsionados pelos avanços das novas tecnologias de informação e
comunicação, especialmente a internet e suas redes sociais. Uma das formas é o ciberativismo,
em que comunidades virtuais de pessoas com propósitos e pautas convergentes estimulam
determinadas práticas. Um exemplo é o evento anual chamado “Hora do Planeta”, organizado
pela organização WWF, a qual é responsável por conjugar centenas de cidades e quase 1
bilhão de pessoas em defesa das pautas patrocinadas pelo movimento, como a emergência
climática e a perda da biodiversidade.
A primeira delas é o WWF, que é o Fundo Mundial para a Natureza, uma organização não
governamental criada em 1961, na cidade de Gland, Suíça. Com mais de cinco milhões de
associados em todo o mundo, o WWF tem “[...] como missão global conter a degradação do
meio ambiente e construir um futuro no qual as pessoas vivam em harmonia com a natureza”
(WWF, 2020, [s. p.]). Tem linha centrada em projetos que atuam na conservação da
biodiversidade mundial, na garantia da sustentabilidade de recursos naturais renováveis e na
redução da poluição e do desperdício. O WWF se estabelece de forma transnacional por meio
de uma rede de entidades associadas e tem como símbolo um urso panda, uma vez que surgiu
de uma ação para a arrecadação de fundos para a proteção dessa espécie. O WWF-Brasil foi
criado em 1996 e atua por meio de projetos no contexto econômico e social brasileiro, em
especial, nos biomas brasileiros, como a Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica e o Pantanal, e
nos ecossistemas marinhos. Suas iniciativas “[...] buscam proteger e restaurar
a biodiversidade, fortalecer a agricultura familiar e a produção local, além de gerar estudos
sobre o impacto do desmatamento e das queimadas” (WWF, 2020, [s. p.]).
A Fundação S.O.S Mata Atlântica é uma ONG brasileira criada em 1986 e que atua no fomento
de políticas públicas para a proteção e conservação da Mata Atlântica, um dos principais
biomas brasileiros. Sua atuação se dá por meio de estudos e monitoramento das intervenções
antrópicas sobre o bioma, conscientização pública e aprimoramento da legislação ambiental
(SOS MATA ATLANTICA, 2021). Já o Instituto Socioambiental (ISA) é uma organização criada
em 1994 e que atua na defesa da diversidade socioambiental brasileira, em especial, por
projetos e iniciativas em conjunto com comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas, de
modo a preservar e fortalecer a cultura e os saberes tradicionais (ISA, 2021). Em associação
com o acompanhamento de políticas públicas que influenciam direta e indiretamente os
direitos das populações originárias e tradicionais, o ISA desenvolve projetos de economia e
soluções sustentáveis para esses povos da sociodiversidade brasileira (ISA, 2021). Por fim,
o Instituto “O Direito Por um Planeta Verde” (IDPV), pessoa jurídica sem fins lucrativos criada
em 2005, reúne os principais especialistas na área do Direito Ambiental no Brasil. O IDPV, uma
das entidades filiadas à IUCN, é o responsável pela edição anual do Congresso Brasileiro de
Direito Ambiental, fórum de discussões com pesquisas e debates acadêmicos sobre os
principais desafios e proposições sobre as demandas ecológicas em nível internacional e
nacional.
No Brasil, a importância das ONGs ambientalistas está presente no seu reconhecimento pelo
Poder Público. No âmbito federal, temos o Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas,
com 673 delas inscritas e distribuídas em todas as regiões do país (BRASIL, 2019). Cadastros
similares estão organizados no âmbito dos estados brasileiros. O papel desses cadastros é
atestar a regularidade jurídica dessas pessoas jurídicas para os fins de participação nas
estruturas governamentais dos entes federativos, como veremos.
O mais relevante desses órgãos no país é o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA),
vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, que conjuga integrantes eleitos entre as ONGs
ambientalistas brasileiras inscritas no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas. A
estrutura jurídica brasileira prevê também a existência de conselhos com participação
comunitária e/ou de pessoas jurídicas ambientalistas em casos de unidades de conservação e
nos órgãos responsáveis pela gestão dos recursos hídricos no Brasil, como os comitês de bacia
hidrográfica, os conselhos estaduais e o nacional de recursos hídricos.
Outra forma de participação das ONGs ambientalistas em conjunto com o Poder Público é por
meio de parcerias em projetos e programas para o desenvolvimento sustentável. Um dos
exemplos de financiamento é através dos fundos de meio ambiente, com recursos financeiros
destinados para projetos de soluções sustentáveis e para setores específicos, como biomas,
populações tradicionais, combate à poluição, entre outros. O Fundo Nacional do Meio
Ambiente, criado pelo governo brasileiro por meio da Lei nº 7.797, em 1989, é o mais antigo
da América Latina e tem apoiado uma série de iniciativas nessa perspectiva (BRASIL, 1989). Há,
ainda, fundos ambientais no âmbito de estados e municípios, assim como aqueles para áreas
como a proteção da biodiversidade e das florestas públicas brasileiras.
Além desse contexto de atuação em face das instituições públicas e setor empresarial, é
importante destacar que muitas ONGs são criadas para projetos na escala da proximidade, ou
seja, nos lugares em que vivem comunidades e pessoas que são beneficiadas ou atendidas
pelas suas iniciativas e estratégias de melhoria das condições de vida e de preservação e
conservação dos recursos naturais. Outras ONGs atuam na produção de dados, estudos e
pesquisas que subsidiarão um conjunto de proposições públicas e privadas em suas áreas
institucionais, muitas vezes realizados em parceria com instituições de ensino. Da mesma
forma, algumas ONGs estabelecem projetos de educação ambiental, para a formação de uma
consciência pública sobre a importância da proteção ambiental, estimulando a participação
comunitária e dos setores organizados da sociedade civil.
Um mundo em transformações
O mundo vive um período de transformações inéditas, no que tem sido denominado por
cientistas e pensadores como a era do Antropoceno, em que a humanidade se tornou uma
força geológica, pela intensidade de suas intervenções sobre os sistemas naturais. Se, por um
lado, as últimas décadas registraram um forte crescimento da economia e do consumo com a
globalização, por outro lado, a explosão demográfica, a urbanização e o aumento da poluição
estão provocando uma série de crises em nível global.
Nesse contexto, a sociedade civil, por meio das organizações não governamentais, conhecidas
pela sigla ONG, tem se organizado e proposto medidas de combate às principais crises na
proteção do meio ambiente, seja por atuação em nível internacional, como o enfrentamento
da mudança do clima e da perda da biodiversidade, seja por atuação nacional e regional,
diretamente em projetos e iniciativas com povos tradicionais, pessoas e cidades.
Estudo de caso
Nesse contexto, você, consultor na área ambiental, é contratado por uma organização não
governamental (ONG) com atuação na localidade para conferir as orientações sobre os
processos de análise e decisão sobre a possível instalação da fábrica. A ONG pretende solicitar
uma audiência pública e usar as informações que você, enquanto consultor, produziu para a
compreensão da dinâmica do processo de decisão para possível aprovação ou não da fábrica.
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Reflita
Diante dos conflitos constantes entre atividades econômicas e proteção ao meio ambiente,
procure refletir sobre a possibilidade de compatibilização entre essas duas áreas. Além disso,
em um contexto de mudanças climáticas, faça uma reflexão sobre a importância de todos os
envolvidos e afetados por empreendimentos e atividades poluidoras participarem em conjunto
das decisões que impactam o meio ambiente e a qualidade de vida de pessoas, populações e
cidades.