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Disciplina: Responsabilidade Social e Ambiental

UNIDADE 1 - Crises Ambiental e Social e o Desenvolvimento Sustentável

Aula 01: Antropoceno e as Crises Contemporâneas

Introdução da aula

Estudante, boas-vindas à nossa aula sobre uma das temáticas mais instigantes sobre o futuro
do nosso planeta: o Antropoceno.

Antropoceno significa um novo período, em que a humanidade se transformou em uma força


geológica capaz de alterar as condições de sustentação da vida. Nas últimas décadas, a
economia e o comércio mundial, baseados em uma sociedade de consumo, tiveram um forte
crescimento, com melhorias das condições de vida de milhões de pessoas pelo mundo. Mas
isso teve um preço: o aumento da poluição, a perda da biodiversidade e o aquecimento global.

E você pode se perguntar: como isso afetará a minha vida? As crises do Antropoceno alterarão
e desafiarão as nossas compreensões sobre economia e natureza.

Portanto, você, como futuro profissional, nesta aula, começará a compreender e a se preparar
para os desafios desse novo tempo sobre as nossas atividades econômicas e sociais.

Vamos juntos no estudo dessa instigante temática!

Do Holoceno ao Antropoceno

O Holoceno é o período geológico que começou há 11.700 anos e se caracterizou pela


estabilidade do clima. Esse fato permitiu gradualmente a evolução das atividades humanas por
meio do cultivo de plantas, isto é, pelo desenvolvimento da agricultura e pela domesticação de
animais. Soma-se a isso as migrações humanas, a constituição de sociedades complexas e a
criação dos aglomerados urbanos, como vilarejos, vilas e cidades (VEIGA, 2019; COSTA, 2022).
O Holoceno se constituiu no período de desenvolvimento do homem e de seus atributos na
Terra.

Para um número significativo de cientistas, esse período se esgotou e estamos vivendo o início
de um novo período geológico: o Antropoceno. A palavra “Antropoceno” foi cunhada pelo
biólogo Eugene F. Stoermer, em 1980, e significa antropo (homem) + ceno (novo) (VEIGA,
2019). Já a hipótese de um novo tempo geológico foi levantada originalmente pelo cientista
Paul Crutzen, ganhador do Prêmio Nobel de Química, em 1995, e Eugene F. Stoermer, durante
uma reunião do Programa Internacional de Geosfera-Biosfera (IGBP) em Cuernavaca, México,
no mês de fevereiro do ano de 2000. Para eles, o uso do termo Antropoceno é o mais
adequado para “[...] enfatizar o papel central da humanidade na geologia e na ecologia”
(CRUTZEN; STOERMER, 2000, p. 17).

O que identifica o Antropoceno são as profundas transformações das atividades humanas


sobre os processos de regulação biofísicos do planeta, isto é, o homem passou a ser uma força
geológica capaz de modificar as condições estruturantes do sistema terrestre. Portanto,
Antropoceno significa a época da dominação humana sobre o planeta (ALVES, 2020).
Não há consenso sobre o início do Antropoceno, mas os especialistas escolheram uma data
simbólica como marco temporal: o ano de 1784, data do aperfeiçoamento da máquina a vapor
por James Watt. Esse é o período que marca o uso intensivo de combustíveis fósseis, no caso,
o carvão, e o início da Revolução Industrial e do sistema de produção capitalista. Desse período
em diante, que podemos chamar de modernidade, temos um conjunto de elementos decisivos
para definir a intervenção das forças humanas sobre o planeta.

Um exemplo imediato é a questão demográfica: em 1800, a população mundial era de 1 bilhão


de pessoas; hoje, somos 7,5 bilhões, e as estimativas falam em 10 bilhões no ano de 2050. Esse
aumento populacional esteve ligado à urbanização, que se intensificou nos últimos 200 anos,
ou seja, o mundo se tornou urbano, com mais de 50% da população mundial vivendo em
cidades. No Brasil, por exemplo, esses índices são superiores a 80% da população (IPEA, 2006).
Esses processos foram lastreados pelo uso intensivo de combustíveis fósseis – carvão, petróleo
e gás – e pela definição de uma sociedade de consumo nos países centrais. Com esse cenário,
temos os fatores de pressão para a extração de recursos naturais, como a ascensão de uma
agricultura industrial, o desmatamento de florestas tropicais e a perda de biodiversidade. Da
mesma forma, entre os problemas ocasionados, estão a poluição em todos os sistemas
planetários – ar, oceanos, solo etc. – e a configuração de sociedades com desigualdades
socioeconômicas em nível global. Outros dados e variáveis poderiam ser agregados, mas os
enumerados demonstram os impactos das atividades humanas sobre os processos de
sustentação dos alicerces planetários.

Figura 1 | Crescimento da economia da população e da renda per capita mundial: 1768-2018


- Fonte: Angus Maddison, Historical Statistics of the World Economy e FMI apud A dinâmica...
(2019, [s. p.]).
A expressão Antropoceno é objeto de questionamentos. O geógrafo norte-americano Jason
Moore prefere o vocábulo Capitoloceno, porque, segundo ele, não é possível atribuir à espécie
humana a condição de força geológica, mas, sim, ao sistema capitalista que, por seu caráter
expansionista, é o causador da mudança de era geológica (MOORE, 2016). Outros usam o
termo Ocidentaloceno, porque a responsabilidade pelos desdobramentos atuais é dos países
ricos do norte global, e esses não podem ser atribuídos às nações mais pobres (UNESCO, 2018;
COSTA, 2022); ou ainda Tecnoceno, porque as mudanças em curso e suas consequências
foram a partir do desenvolvimento tecnológico e tem o poder de alcançar todas as condições
de vida para as gerações futuras (COSTA, 2021).

Apesar dos questionamentos, a expressão Antropoceno se popularizou e tornou-se não só a


designação de um novo tempo geológico mas também uma metáfora dos novos tempos em
curso. Em uma ou em outra perspectiva, o Antropoceno traz a discussão sobre os limites de
um planeta finito, tanto de espaço quanto de recursos naturais. Além disso, se sistemas
econômicos e sociais continuarem na mesma sistemática, passaremos de um cenário de crise
para uma provável e desafiadora emergência ecológica, afetando a vida como um todo.

A Grande Aceleração

Da Revolução Industrial até o final da primeira metade do século XX, temos o primeiro estágio
do Antropoceno, que é definido como era industrial. A partir de 1950, no século passado,
temos um novo e perigoso estágio com a intensificação dos efeitos antropogênicos sobre o
Sistema Terra, que os cientistas têm denominado como a “Grande Aceleração”.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, uma época de significativa expansão das atividades
econômicas em uma sociedade de consumo e baseada em combustíveis fósseis foi responsável
por recordes sucessivos na emissão de gases antropogênicos. Para exemplificar, nos últimos 50
anos, a economia mundial multiplicou por quase quatro vezes, enquanto o comércio global
aumentou em dez vezes (IPBES, 2019). Para contemplar as demandas desse crescimento
econômico, nós, seres humanos, passamos a exercer uma pressão excessiva sobre os ciclos de
regulação do planeta com o aumento da poluição, desmatamentos, perda de biodiversidade,
acidificação de oceanos, entre outros fatores.

Alguns estudos científicos nos ajudam a compreender os desafios impostos pela Grande
Aceleração das últimas décadas. O relatório A Avaliação Global da Natureza, lançado em 2019
pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na
sigla em inglês), é a mais extensa análise sobre a perda da biodiversidade no planeta e afirma
que “[...] o ritmo das mudanças globais na natureza nos últimos 50 (cinquenta) anos não tem
precedentes na história da humanidade” (IPBES, 2019, p. 12). Elencamos outros dados
sensíveis desse documento (IPBES, 2019):

 75% da superfície da Terra sofreu alterações consideráveis e já se perdeu mais de 85%


de áreas de zonas úmidas.

 66% da superfície dos oceanos estão experimentando efeitos crescentes de


deterioração.

 Em média, cerca de 25% das espécies em grupos de animais e plantas estão


ameaçados, o que sugere que cerca de um milhão de espécies já estão em perigo de
extinção, muitas em apenas algumas décadas.
 Em 2016, 559 das 6.190 raças de mamíferos domesticados usados para alimentação e
agricultura (mais de 9%) foram extintas e pelo menos 1.000 outras foram ameaçadas
de extinção.

O relatório Planeta Vivo, do ano de 2020, elaborado pela entidade WWF, traz os mesmos
dados sobre a perda da biodiversidade. Os fatores responsáveis por essa perda são: o uso da
terra, com a conversão de áreas intocadas em setores agrícolas, e, no caso dos oceanos, o
aumento excessivo da pesca. O ponto fundamental do relatório é que “a perda de
biodiversidade não é apenas um problema ambiental. Ela também afeta o desenvolvimento, a
economia, a segurança global, a ética e a moral” (WWF, 2020). Recentemente, um novo
relatório do IPBES (2022) alertou que cerca de um milhão de espécies da fauna e da flora estão
ameaçadas de extinção.

Esse conjunto de dados traz uma constatação fundamental: a necessidade de estabelecer


limites planetários, em uma perspectiva que permita conjugar as atividades socioeconômicas
de nossas sociedades com a capacidade de suporte do planeta. Para tanto, será necessário
compreender quais são os limites planetários.

Um importante estudo liderado pela equipe do cientista sueco Johan Rockström, do Centro de
Resiliência de Estocolmo, caracterizou os nove processos que regulam a estabilidade e a
resiliência do planeta, estabelecendo os limites para o que é denominado “espaço operacional
seguro para a humanidade”, isto é, em que é possível a manutenção das atividades sem
colocar em risco a vida terrestre (VEIGA, 2019; COSTA, 2022).

Os nove processos que precisam ser regulados para a garantia da estabilidade planetária são
(VEIGA, 2019; COSTA, 2022):

1. Mudanças climáticas.

2. Perda da integridade da biosfera (perda da biodiversidade).

3. Dispersão de químicos e novas substâncias.

4. Acidificação do oceano.

5. Uso da água doce.

6. Mudanças do uso da terra.

7. Fluxos biogeoquímicos (alterações nos ciclos do nitrogênio e do fósforo).

8. Carga de aerossóis de origem antropogênica presentes na atmosfera.

9. Introdução de novas entidades (microplásticos, poluentes orgânicos, nanomateriais


etc.).

Esses processos que estabelecem os limites planetários podem ser sintetizados na figura a
seguir.
Figura 2 | Os nove limites planetários - Fonte: Pais (2021, [s. p.]).

Na figura, podemos visualizar que a parte em verde são as chamadas zonas seguras, em que
temos o “espaço operacional seguro”; em laranja, as “zonas de risco crescente”, com alto
potencial de efeitos prejudiciais; em vermelho, as “zonas de risco alto”, em que os limites
foram ultrapassados e estamos sujeitos às consequências imprevisíveis. Percebemos que a
humanidade já ultrapassou quatro dos limites estabelecidos: mudanças climáticas, integridade
da biosfera (perda de biodiversidade), fluxos bioquímicos de nitrogênio e fósforo e, mais
recentemente, as mudanças no uso da terra (solo). Esses são desafios que estão postos no
tabuleiro global, a demandar a atuação de todas as instituições internacionais e nacionais.

Nota-se, assim, que a observância dos limites planetários é uma das exigências para que as
crises provocadas pela Grande Aceleração não conduzam o Sistema Terra a uma situação de
irreversibilidade.

A era da responsabilidade

Para o enfrentamento das questões que se apresentam no Antropoceno, será imprescindível


repensar os meios de produção e os padrões de consumo em sociedade, que afetam
decisivamente os processos ambientais e, por consequência, as dinâmicas de regulação do
Sistema Terra. Se, em sentido amplo, é essencial uma conjugação de políticas e estratégias por
diversos atores globais – instituições governamentais, setores empresariais e organismos
multilaterais –, na escala da proximidade (quotidiano) é preciso destacar o exercício de uma
ética da responsabilidade, por meio da conscientização ecológica para a compreensão da
finitude dos recursos naturais e o repensar das relações de consumo. Não há dúvidas que
dispomos de tecnologias cada vez mais avançadas e que podem ser muito importantes no
contexto das crises. No entanto, as tecnologias, sem a mudança de consciência pública e
individual e sem a percepção do próprio ser humano de que ele e a natureza constituem um
todo, podem não ser suficientes para lidar com a questão demográfica e o aumento da
poluição (ODUM, 2001).

Um dos intentos que contribui no processo de tomada de consciência é um indicador criado


que nos permite conhecer os impactos das nossas atividades sobre o planeta. Trata-se do
conceito de “pegada ecológica” – elaborado pela entidade Global Footprint Network –, que é
uma unidade métrica que estabelece uma equação entre a demanda de recursos utilizados por
pessoas, empresas e governos e a capacidade de regeneração biológica do planeta. A pegada
ecológica mede o quanto de área de terra e água são requeridos para o consumo e para a
absorção dos resíduos sólidos gerados (WWF, 2020). A pegada ecológica é representada em
hectares – unidade que é equivalente a 10.000 metros quadrados – e, no caso de pessoas,
mensura-se quantos hectares são demandados para configurar a pegada ecológica individual.

Para ficar mais claro, a pegada ecológica de uma pessoa que vive no Brasil é de 2,6 hectares, o
que significa que essa é a área necessária para atender ao consumo de cada brasileiro (GLOBAL
FOOTPRINT NETWORK, 2022). No caso de um cidadão dos Estados Unidos, a pegada ecológica
é de 8,1 hectares; de um alemão, é de 4,7 hectares; de um inglês, de 4,2 hectares; de um
chinês, de 3,6 hectares; e assim as pegadas são calculadas para os habitantes de mais de 200
países. A título de curiosidade, as maiores pegadas ecológicas são do Catar (14,3 hectares) e de
Luxemburgo (13 hectares) (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2022). Já as menores pegadas
ecológicas estão em nações, como o Iêmen (0,5 hectares), Timor-Leste (0,6 hectares) e Haiti
(0,6 hectares) (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2022).

Muitos países estão em situação de déficit ecológico, isto é, usam mais recursos naturais –
pegada ecológica – que seus ecossistemas podem regenerar – biocapacidade –, como é o caso
dos Estados Unidos, da China, da Índia, de Israel, do Japão e da União Europeia. Com o
aumento desse déficit em nível global, temos o que é chamado de “capacidade de carga” do
planeta, que é a sobrecarga no consumo de seus recursos. Desde a década de 1970, a
capacidade de carga do planeta tem sido ultrapassada com sérios riscos para a dinâmica
ambiental. Uma das representações usadas para demonstrar o limite da capacidade de carga
do planeta é determinar o dia em que ele ocorre em cada ano. No ano de 2022, ela foi atingida
no dia 28 de julho (WWF, 2022), a partir de então estamos em déficit. Em uma analogia,
entramos no “vermelho”, consumindo mais do que o planeta pode suportar. Por esse
parâmetro, para atender aos níveis de utilização dos recursos ambientais atuais, é demandado
o equivalente a 1,75 planeta (WWF, 2022). Essa capacidade de carga pode ser medida em
termos de países, já que cada um deles possui a sua pegada nacional. No caso do Brasil, a
capacidade de carga foi atingida em 12 de agosto de 2022 (WWF, 2022). Isso se dá, em boa
medida, pelo aumento do desmatamento na Floresta Amazônica e das queimadas nesse e em
outros biomas brasileiros, como o Cerrado e o Pantanal.

De tudo que foi estudado, faz-se necessário compreender que a era do Antropoceno é uma
realidade e que devemos estar preparados para o enfrentamento de seus efeitos em nossas
atividades econômicas e cotidianas. Ainda que a atuação no nível individual ou de pequenos
grupos seja restrita, isso não é um obstáculo para que possamos compreender o imperativo do
exercício da ética da reponsabilidade em todos os campos da atividade humana, tanto
profissional quanto cidadã, porque não há dissociação entre eles. Afinal, o que está em risco é
a construção da sociedade e dos predicados da vida. Esse é o desafio do nosso tempo.

Videoaula: Antropoceno e as Crises Contemporâneas

No vídeo, conheceremos e refletiremos sobre as dinâmicas do Antropoceno, o novo período


geológico no planeta. Além de uma abordagem dos principais fenômenos do Antropoceno, a
videoaula discutirá as implicações dele em nossas atividades econômicas e sociais. Por fim,
discutiremos a responsabilidade de governos e da sociedade civil no momento que vivemos.
Vamos juntos? Estou te aguardando!

Aula 02: Mudanças Climáticas

Introdução da aula

Estudante, é uma alegria tê-lo conosco em uma nova aula sobre um tema fundamental para a
sua formação profissional: as mudanças climáticas.

Sabemos, hoje, que a mudança do clima é uma realidade com impactos diretos nas relações
econômicas e sociais. Se, por um lado, existe o desafio de lidar com os efeitos negativos da
mudança do clima, de outro, está em curso a configuração de uma economia, de baixo
carbono, adaptada aos novos tempos.

Portanto, é importante para você, como profissional, conhecer a dinâmica da mudança do


clima, os instrumentos institucionais e refletir sobre a aplicação das estratégias para a
adaptação e mitigação dos efeitos adversos sobre as nossas sociedades.

Vamos juntos no estudo dessa instigante temática!

Mudança do clima, gases de efeito estufa e aquecimento global

A mudança do clima é o maior desafio do mundo contemporâneo. Nenhuma política ou


perspectiva de desenvolvimento social e econômico prescinde dessa temática, e sua
compreensão é fundamental para o futuro de nossas sociedades.

Há um conjunto de conceitos ligados às questões climáticas, como mudança do clima,


aquecimento global, gases de efeito estufa e outros. Conhecê-los permitirá o entendimento do
contexto e dos desafios que as alterações climáticas impõem nos sistemas naturais e humanos.

Considera-se mudança do clima as transformações nos padrões de temperatura e clima ao


longo do tempo. Embora possa ser de origem natural, o fator decisivo para a mudança do
clima é atribuído, direta ou indiretamente, às atividades humanas, já que elas induzem a
alteração de composição da atmosfera. O principal elemento humano que desencadeou a
mudança do clima é o uso dos combustíveis fósseis – petróleo, carvão, gás – desde o início da
modernidade, com o advento da Revolução Industrial. Nesse contexto, temos a emissão
dos gases de efeito estufa (GEE), que são aqueles “[...] constituintes gasosos, naturais ou
antrópicos, que, na atmosfera, absorvem e reemitem radiação infravermelha” (BRASIL, 2009,
[s. p.]). São exemplos desses GEE o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso, que são
utilizados ou resultantes de atividades da indústria, transporte, agricultura, pecuária etc. Além
disso, o desmatamento de florestas tropicais, a substituição no uso do solo e outras atividades
contribuem para a emissão desses gases. Os principais emissores de dióxido de carbono são: a
China, os Estados Unidos e a União Europeia.

A emissão de gases de efeito estufa é diretamente responsável pelo aumento da temperatura


planetária. Desde 1880, quando se iniciaram as medições globais, até o ano de 2020, a
temperatura da Terra aumentou mais de 1,2 °C acima do nível pré-industrial (1850-1900), e a
última década foi a mais quente da história (OMM, 2022). Temos, aqui, o que é chamado
de aquecimento global. Esse aumento da temperatura global afeta diretamente os sistemas
de sustentação da vida no planeta, que são interconectados às mais variadas atividades
humanas.

Nesse sentido, há estudos sobre os impactos do aquecimento global sobre o Ártico, a Antártica
e o permafrost (material orgânico congelado); com o derretimento das geleiras e calotas
polares, há o aumento no nível do mar (IPBES, 2019). Ademais, nota-se o aumento dos
extremos climáticos e meteorológicos, com oscilações significativas de calor e frio em todo o
planeta. Chuvas, enchentes, tempestades, ciclones e secas são cada vez mais comuns e
intensos, prejudicando as atividades agropecuárias, em especial, a segurança alimentar das
populações mundiais. Os ecossistemas, por sua vez, são afetados pelo aquecimento global com
a perda da biodiversidade, com ameaças e a extinção de componentes da flora e da fauna. Nos
oceanos, os recifes de corais são atingidos com a acidificação.

Todos os elementos delineados possuem impacto imediato para os seres humanos com efeitos
na saúde, na disseminação de vetores de transmissão de doenças, e, em última análise, na
própria existência da vida como conhecemos. Para exemplificar, a pandemia da Covid-19 e
outras questões epidemiológicas estão associadas às consequências da perda da
biodiversidade causada pelos desmatamentos e pelas queimadas das florestas tropicais em
todo o mundo.

Por esse conjunto, nota-se que será necessário um compromisso global para enfrentar os
efeitos negativos da mudança do clima.

O regime jurídico climático

Há um conjunto de negociações e proposições em nível global – envolvendo países, entidades


internacionais, cientistas e sociedade civil – para o enfrentamento da mudança do clima. A
Organização das Nações Unidas (ONU) tem um papel central nesse processo. Ela é uma das
responsáveis pela criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla
em inglês) em 1988. Formado por cientistas de todo o mundo, o IPCC é a principal autoridade
mundial sobre o aquecimento global e produz periodicamente relatórios científicos sobre a
mudança do clima, com a formulação de estratégicas de enfrentamento e respostas aos
impactos. Até o ano de 2022, o IPCC tinha produzido seis relatórios de avaliação e estratégias
de enfrentamento à mudança do clima.
No que se refere à arquitetura normativa internacional, o principal documento sobre a
mudança climática é a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima (UNFCCC, sigla em inglês), adotada em Nova Iorque em 9 de maio de 1992 e aberta para
assinatura em junho de 1992, durante a Rio-92, com entrada em vigor em 21 de março de
1994.

A Convenção-Quadro tem como principal objetivo a “[...] estabilização das concentrações de


gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica
perigosa no sistema climático” (BRASIL, 1998, [s. p.]). Ela pretende evitar os chamados efeitos
negativos da mudança do clima, que são:

[...] as mudanças no meio ambiente físico ou biota resultantes da mudança do clima que
tenham efeitos deletérios significativos sobre a composição, resiliência ou produtividade de
ecossistemas naturais e administrados, sobre o funcionamento de sistemas socioeconômicos
ou sobre a saúde e o bem-estar humanos. (BRASIL, 1998, [s. p.])

Portanto, a Convenção-Quadro tem como foco o compromisso dos países no processo de


estabilização da emissão de gases de efeito estufa, no sistema climático, decorrentes de
atividades antrópicas, para que não se potencializem os efeitos do aquecimento global
(BRASIL, 1998).

Com a adoção da Convenção-Quadro e como forma de manter a discussão sobre o clima, as


partes (países) se reúnem periodicamente para discutir as questões climáticas. Essas reuniões
são chamadas de COP (Conferência das Partes), órgão supremo da Convenção-Quadro. A
primeira COP ocorreu no ano de 1995, em Berlim, na Alemanha (MELO, 2017).

Uma das principais deliberações desse órgão ocorreu durante a COP 3, em 1997, com a
aprovação do Protocolo de Kyoto, como componente da Convenção-Quadro, que estabeleceu
metas de redução de emissões para os países desenvolvidos. Após oito anos de negociações, o
Protocolo entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, com a ratificação por, no mínimo, 55%
do total de países-membros da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima. Esses deveriam
ser responsáveis por, pelo menos, 55% do total das emissões de gases de efeito estufa, tendo
como referência o ano de 1990 (MELO, 2017). Mesmo com o Protocolo de Kyoto, as emissões
de gases de efeito estufa não cessaram, ao contrário, registraram sensível aumento, e um dos
fatores foi a crise econômica de 2008.

Para substituir o Protocolo de Kyoto, durante a 21ª Conferência das Partes (COP 21), realizada
em Paris, na França, no mês de dezembro de 2015, celebrou-se um novo acordo para
enfrentar as ameaças da mudança climática, denominado Acordo de Paris. Esse contou com a
assinatura dos representantes de 196 países da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima.

O Acordo de Paris visa reforçar a resposta mundial à ameaça da mudança climática no


contexto do desenvolvimento sustentável e erradicar a pobreza. São três os objetivos do
Acordo de Paris (BRASIL, 2017):

1. Manter o aumento da temperatura média global bem abaixo dos 2 °C acima dos níveis
pré-industriais e buscar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima
dos níveis pré-industriais, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos
e impactos das mudanças climáticas.
2. Aumentar a capacidade de adaptação aos impactos adversos das mudanças climáticas
e fomentar a resiliência ao clima e o desenvolvimento de baixas emissões de gases de
efeito estufa, de uma forma que não ameace a produção de alimentos.

3. Promover fluxos financeiros consistentes com um caminho de baixas emissões de


gases de efeito estufa e de desenvolvimento resiliente ao clima.

O Acordo de Paris procura respeitar os diferentes estágios de desenvolvimento de cada país e,


para tanto, “[...] será implementado para refletir a igualdade e o princípio das
responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades, à luz das
diferentes circunstâncias nacionais” (BRASIL, 2017, [s. p.]).

Em 22 de abril de 2016, o Acordo de Paris foi aberto para o período oficial de assinaturas na
Sede das Nações Unidas em Nova Iorque, com extensão até 21 de abril de 2017. Contudo,
menos de um ano antes de sua celebração na COP 21, já contava com a assinatura de quase
100 países e, em especial, dos Estados Unidos e da China – dois dos maiores emissores de
gases de efeito estufa. Esses dois países ratificaram o Acordo em setembro de 2016, assim, no
dia 4 de novembro de 2016, o Acordo de Paris entrou em vigor oficialmente (MELO, 2017).

O Brasil, por sua vez, aprovou o texto do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima, em agosto de 2016, por meio do Decreto Legislativo nº
140/2016, com ratificação pelo Presidente da República em 12 de setembro de 2016 (MELO,
2017).

Após a entrada em vigor, realizou-se em Marrakesh, Marrocos, no mês de novembro de 2016,


a 22ª Conferência das Partes (COP 22), em que as discussões se centraram no estabelecimento
de um plano para implementar e monitorar o Acordo de Paris até dezembro de 2018. A 24ª
Conferência das Partes (COP 24), ocorrida em Katowice, Polônia, em dezembro de 2018,
adotou um manual de instruções (livro de regras) para os países implementarem os seus
esforços nacionais no Acordo de Paris, chamado de “Contribuição Nacionalmente
Determinada” (NDC), que é a contribuição voluntária de cada país para a redução de suas
emissões de gases de efeito estufa.

Lidando com as mudanças climáticas

Para o enfrentamento do cenário da mudança do clima, faz-se necessário um conjunto de


compromissos e obrigações por todos os atores do tabuleiro global, governos, setor
empresarial e sociedade civil.

De imediato, é preciso reconhecer que vivemos em um cenário de vulnerabilidades, conceito


que está associado ao grau de suscetibilidade de uma sociedade, de acordo com suas
capacidades para enfrentar os efeitos adversos da mudança do clima (BURSZTYN; BURSZTYN,
2012). Isso significa que todos seremos impactados pela mudança do clima. Reconhecer as
vulnerabilidades é identificar os possíveis impactos negativos da mudança do clima sobre as
atividades econômicas, a segurança alimentar e a vida das pessoas em um país ou região. Há
países mais e outros menos vulneráveis. No nosso caso, o Brasil, com um território de
dimensão continental, as vulnerabilidades são distintas, a depender da região. Vamos
exemplificar: fenômenos meteorológicos extremos, como secas e enchentes, podem ter
efeitos distintos na região Sul ou no Nordeste brasileiro. Por isso, conhecer as nossas
vulnerabilidades enseja a adoção de medidas para conter os efeitos adversos da mudança
climática e, com isso, fortalecer os mecanismos para a resiliência. Logo, é preciso estarmos
preparados para o enfrentamento e a minimização dos efeitos da mudança do clima sobre
regiões, cidades e lugares.

Nesse sentido, duas estratégias são fundamentais: a mitigação e a adaptação aos efeitos
adversos da mudança do clima. Ambas devem ser conjugadas, sendo que a mitigação se
preocupa com a redução das causas, e a adaptação assenta-se em lidar com as consequências
da mudança do clima (PFEIFFER, [s. d.]).

Em um primeiro momento, o objetivo assenta-se na mitigação por meio da imediata redução


das emissões de gases de efeito estufa. Esse compromisso foi assumido em documentos
oficiais no âmbito internacional e nacional.

Em nível internacional, ao ratificar o Acordo de Paris, cada país assumiu o que é denominado
de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que é o compromisso internacional na
redução das emissões de gases de efeito estufa. A NDC brasileira, revista no ano de 2020, tem
os seguintes compromissos: reduzir as emissões líquidas totais de gases de efeito estufa em
37% em 2025 e assumir compromisso de reduzir em 43% as emissões brasileiras até 2030
(BRASIL, 2020). A NDC brasileira enuncia, ademais, “[...] o objetivo indicativo de atingirmos a
neutralidade climática – ou seja, emissões líquidas nulas – em 2060” (BRASIL, 2020, [s. p.]).
Nota-se que os compromissos do governo brasileiro podem ser revistos no curso do
cumprimento das metas. Esses são de responsabilidade conjunta do poder público, do setor
privado e da sociedade civil para o cumprimento das metas para a redução das emissões de
gases de efeito estufa.

O compromisso internacional assumido pelo Brasil no Acordo de Paris dialoga diretamente


com a Política Nacional de Mudanças do Clima (PNMC), aprovada pela Lei Federal nº
12.187/2009, que estabelece, entre outros pontos, que “[...] todos têm o dever de atuar, em
benefício das presentes e futuras gerações, para a redução dos impactos decorrentes das
interferências antrópicas sobre o sistema climático” (BRASL, 2009, [s. p.]). Ademais, na
execução de políticas públicas relativas à mudança do clima, a PNMC estimula o apoio e a
participação “[...] dos governos federal, estadual, distrital e municipal, assim como do setor
produtivo, do meio acadêmico e da sociedade civil organizada” (BRASL, 2009, [s. p.]). No que
se refere à mitigação, a PNMC visa à redução das emissões antrópicas de gases de efeito
estufa em relação às suas diferentes fontes e prescreve que as ações de mitigação devem estar
em consonância com o desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2009).

Em termos práticos, podemos conferir alguns exemplos de medidas de mitigação que auxiliam
na redução das emissões de gases de efeito estufa: (i) melhoria da eficiência energética e uso
de energias renováveis, em substituição imediata no uso dos combustíveis fósseis; (ii)
promover a agricultura e a pecuária ecológicas; (iii) reduzir o consumo e a adoção da gestão de
resíduos sólidos (reciclagem, reaproveitamento etc.); (iv) adotar a gestão eficiente dos
recursos hídricos; (v) adotar sistema de mobilidade urbana com transportes coletivos e
eficiência energética; (vi) adotar processos assentados na ecoeficiência, ou seja, no
fornecimento de produtos equivalentes à capacidade de sustentação do planeta.

Além da mitigação das emissões de gases de efeito estufa, há a necessidade da adaptação, que
consiste em iniciativas e medidas para reduzir os impactos adversos da mudança climática. As
medidas de adaptação são necessárias porque as mudanças já estão em curso. Nesse ponto, é
importante a adaptação das economias nacionais, isto é, ter “[...] iniciativas e medidas para
reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e
esperados da mudança do clima” (BRASIL, 2009, [s. p.]). É por meio das iniciativas de
adaptação que se tem a proteção de vidas em face dos efeitos adversos. Entre os exemplos de
medidas de adaptação, temos: (i) reflorestamento de florestas e recuperação de ecossistemas
afetados; (ii) desenvolver o cultivo de plantas e culturas mais adaptáveis à mudança do clima;
(iii) adotar sistemas de prevenção, monitoramento e preparação em caso de catástrofes
naturais e eventos climáticos; (iv) garantir infraestruturas e políticas públicas urbanas para
enfrentar as dinâmicas do clima sobre as cidades.

Em qualquer perspectiva, é preciso atentar que, tanto em nível global quanto local, o que está
subjacente a esses compromissos é reduzir a emissão de carbono o mais próximo de zero.
Uma economia de baixo carbono permitirá o que o IPCC chama de desenvolvimento resiliente:
“[...] viabilizado quando os governos, a sociedade civil e o setor privado fazem escolhas de
desenvolvimento inclusivas que priorizam a redução de riscos, a equidade e a justiça [...] (IPCC,
2022, [s. p.]).

De modo mais imediato, no contexto corporativo e individual, será preciso a tomada de


consciência sobre a nossa atuação no mundo no contexto atual. Para tanto, um elemento que
pode auxiliar é o uso de métricas que nos ajudam a compreender o papel de cada um de nós,
pessoas físicas e jurídicas, no contexto climático. Uma delas é a chamada pegada de carbono,
ou seja, o cálculo dos impactos das atividades humanas sobre o ambiente. A pegada de
carbono é, hoje, um indicador que contribui no cálculo dos impactos de pessoas, empresas e
países nas emissões dos gases de efeito estufa. Por esse cálculo podemos conhecer e
identificar quanto cada ação ou como o nosso modo de vida impacta na emissão de gases de
efeito estufa. Por evidente, reduzir a pegada de carbono é uma medida essencial para todos –
governos, setor corporativo e sociedade civil.

Em qualquer das perspectivas enumeradas, de governos a cada um de nós, será preciso não só
a tomada de consciência mas também o compromisso político e ético com as estratégias para
a redução das vulnerabilidades no contexto climático.

Videoaula: Mudanças Climáticas

No vídeo, conheceremos e compreenderemos os principais conceitos e o regime jurídico


internacional e nacional sobre a mudança do clima. Trata-se de um dos temas centrais para as
empresas, que terão que se adaptar aos efeitos da mudança do clima. Da mesma forma,
governos e sociedade civil deverão adotar estratégias no novo contexto climático. Essas são
discussões da videoaula!
Aula 03: Desigualdades Socioambientais

Introdução da aula

Estudante, nesta aula, estudaremos a questão da desigualdade em nossas sociedades, em


especial, a ambiental.

Hoje, organismos, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, manifestam


preocupação com o avanço da desigualdade em nível global. Isso porque ela tem impactos
imediatos na competitividade econômica e na estabilidade social.

Além disso, a desigualdade tem uma dimensão ambiental, que revela as disparidades de
consumo entre países ricos e pobres e demonstra que os efeitos negativos da poluição e dos
danos ambientais afetam mais desfavoravelmente os grupos e as populações vulneráveis. Por
isso, o estudo da desigualdade ambiental implica conhecer e reconhecer os padrões de Justiça
Ambiental, ou seja, o contexto, as pessoas e as dinâmicas de decisão sobre os projetos e as
iniciativas que impactam o ambiente.

Venha conosco conhecer os principais fundamentos dessa discussão e se preparar para o


exercício ético e responsável de suas atividades profissionais em respeito aos processos
democráticos de proteção ao meio ambiente.

O contexto das desigualdades

Nos últimos anos, a desigualdade tornou-se uma temática prioritária em qualquer discussão de
instituições governamentais em nível global ou nacional. Isso porque estamos acompanhando
a escalada da desigualdade em todo o planeta e, como tal, reduzi-la é um pressuposto
fundamental para mitigar os impactos deletérios que ela causa em nossas sociedades. Esse é
um objetivo compartilhado por governos e por organismos multilaterais, como o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial. Mas, como compreender a desigualdade e as suas
variações?

Com efeito, a desigualdade se estabelece a partir dos processos estruturais em sociedade, em


que ela “[...] condiciona, limita ou prejudica o status e a classe social de uma pessoa ou um
grupo e, consequentemente, interfere em requisitos primários para a qualidade de vida”
(OXFAM, 2021, [s. p.]). A desigualdade é multidimensional, mas vamos nos concentrar em duas
delas: a econômica e a social. A desigualdade econômica se dá por meio da concentração de
renda em um número reduzido de pessoas em uma sociedade, ou seja, a maior parte da
riqueza produzida e acumulada encontra-se nas mãos de poucos. A desigualdade social, por
sua vez, está diretamente ligada à estratificação de pessoas em uma sociedade por critérios,
como gênero, raça, origem social, entre outras variantes, identificando-se, geralmente, com os
grupos mais vulneráveis de uma sociedade. Tanto a desigualdade econômica quanto a social
caminham associadas. Esse é caso do Brasil, com suas desigualdades múltiplas, colocando o
país como um dos mais desiguais do mundo e o 84º no índice de desenvolvimento humano
global entre 189 países (ONU, 2020).

Apesar da relevância e do compromisso dos atores com a redução da desigualdade, os estudos


e as estatísticas sinalizam em sentido contrário, tanto na concentração de renda quanto no
aumento da pobreza. Segundo o relatório da OXFAM, a questão da concentração de renda é
um problema mundial. A plutocracia, o segmento que inclui o 1% mais rico, detém a riqueza
dos outros 99% da população mundial; apenas oito bilionários possuem a riqueza da metade
mais pobre do planeta (OXFAM, 2017a). Mesmo com a pandemia da Covid-19, a desigualdade
não deixou de aumentar. Um nível alto de desigualdade reduz a competitividade e afeta a
economia de um país, por gerar uma estagnação na dinâmica social. Os resultados desses
dados são preocupantes, porque a desigualdade “[...] aumenta a criminalidade e a insegurança
e gera mais pessoas vivendo com medo do que com esperança” (OXFAM BRASIL, 2017a, [s.
p.]).

Com os níveis de concentração de renda, temos o efeito imediato do aumento da pobreza,


agora agravada pelas implicações da Covid-19 em nível global. No caso do Brasil, em especial,
após ter saído do Mapa da Fome em 2014, os índices de pobreza cresceram nos últimos anos
(OXFAM, 2017b). Trata-se do retorno de uma questão estrutural da sociedade brasileira aos
debates políticos e econômicos. E não podemos nos esquecer de que o compromisso de não
retroceder no combate à fome não é somente político, mas um objetivo expresso no art. 3º,
III, da Constituição Federal de 1988, de “[...] erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 1988, [s. p.]).

É por meio do combate e da superação dos altos índices de desigualdade, em qualquer de seus
enfoques, que podemos traçar um compromisso efetivo para a construção de uma sociedade
igualitária e democrática, requisito fundamental para o enfrentamento das crises
contemporâneas.

As desigualdades e os efeitos sobre a proteção ambiental

De imediato, uma pergunta fundamental: qual a relação entre a desigualdade – econômica e


social – com as questões ambientais? A resposta é: são faces de um mesmo problema. Isso
porque, como alertou o filósofo francês François Ost (1997, p. 390), “a injustiça das relações
sociais gera a injustiça das relações com a natureza”. Nessa perspectiva, a desigualdade
econômica e a social resultam na desigualdade ambiental que, por sua vez, pode se manifestar
em duas dimensões: no acesso e no uso privilegiado dos recursos naturais, a partir de um
padrão de consumo privilegiado para poucos; na ausência de participação e proteção
ambiental para os grupos mais vulneráveis, que sofrem com a distribuição desigual dos efeitos
deletérios no meio em que vivem e estão inseridos.

Em primeiro lugar, a compreensão sobre os processos de apropriação dos recursos naturais,


notadamente nas disparidades de consumo entre ricos e pobres – interpretados nos
contrastes entre países e classes sociais. Ricardo Abramovay (2012) confere um dado
significativo em um mundo com mais de 7 bilhões de pessoas: metade das emissões globais de
gases de efeito estufa provém dos 500 milhões de habitantes mais ricos do planeta. Percebe-
se que as populações dos países do norte global, ricos, possuem padrões de consumo
insustentáveis e, como tal, é fato de que estão pressionando os limites de sustentação
planetária, não os pobres do mundo (MATTEI; NADER, 2013). Esses dados mostram que, se de
um lado os países ricos conseguiram atingir os benefícios do crescimento econômico, de outro
lado, a maioria dos países em desenvolvimento não conseguiu os padrões mínimos de uma
existência digna. E isso é uma questão particularmente sensível, porque reciprocamente será
necessário frear a “pegada ecológica” nos países centrais, do norte global, e ao mesmo tempo
possibilitar condições de vida com dignidade para pessoas de outras regiões do planeta. Dito
de forma direta: não é possível enfrentar os desafios impostos pela dinâmica da mudança do
clima e os riscos sobre a disponibilidade dos recursos naturais sem questionar a pressão que o
atual modelo de produção, comercialização e consumo impõe em nossas sociedades. Do
contrário, serão mantidas as disparidades no acesso e uso dos recursos naturais e, por
evidente, a desigualdade econômica e social em nível global. E para esse cenário, temos o
alerta do economista Tim Jackson (2013, p. 17) de que “[...] a prosperidade para poucos,
baseada na destruição ecológica e na persistente injustiça social, não é um pilar para uma
sociedade civilizada”. O que se tem nessa perspectiva são sociedades disfuncionais, em que os
conflitos e confrontos serão cada vez mais intensos, retroalimentando a insustentabilidade
ambiental.

Uma outra dimensão da desigualdade ambiental é que as políticas e os problemas ecológicos


não são democráticos. Os projetos e as iniciativas dos processos produtivos são decididos e
alocados em países e/ou em territórios de grupos vulneráveis que, além de não participarem
dos efeitos positivos desses investimentos, estão mais sujeitos aos efeitos nocivos da poluição
e dos danos ambientais. Como exemplo, temos a situação dos povos originários e tradicionais,
que são expulsos ou têm os seus territórios diretamente afetados pela implementação de
grandes projetos de infraestrutura – barragens, mineração etc. –, sem terem benefícios diretos
e arcando com o passivo dessas iniciativas. Esses projetos, na maioria das vezes apoiados pelo
Poder Público, são geradores de externalidades negativas, tanto nos efeitos sobre os grupos
afetados quanto no meio ambiente comum, ou seja, prejudicam outras atividades econômicas
existentes. No mesmo sentido, nas cidades, essas populações vivem em áreas frágeis
ambientalmente (morros, encostas, beiras de rios etc.) ou próximas de lixões e terrenos
poluídos e sofrem as mazelas da segregação socioespacial, isto é, a ausência de políticas
públicas que conjuguem uma existência digna.

É preciso pontuar que o problema de alocação dos passivos ambientais ultrapassa, por vezes,
os limites territoriais de um país. Esse é o caso das tentativas dos países ricos de exportarem
lixo para os países em desenvolvimento. No que se refere ao Brasil, a União Europeia tentou
exportar pneus usados, cujos rejeitos ficariam em nosso país. O caso foi parar no Supremo
Tribunal Federal, que, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 101, em 2009, proibiu essa espécie de importação, assentando que ela
afrontaria os preceitos constitucionais de saúde e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado (BRASIL, 2009).

Além das dimensões principais, há uma nova faceta da desigualdade ambiental, que se
constitui pela intensificação dos efeitos adversos do clima, em que milhões de pessoas
deverão deixar seus lares e países e se mudarem para outros lugares, configurando o que tem
sido denominado de deslocados ambientais ou, como tem sido utilizado por alguns, de
refugiados ambientais. O relatório World Disaster Report, do ano de 2018, elaborado pela Cruz
Vermelha Internacional (2018), consignou que, entre os anos de 2006-2016, mais de 771
mil mortes foram atribuídas a desastres, com quase dois bilhões de pessoas afetadas por
eventos dessa natureza, das quais cerca de 95% delas em ocorrências por questões climáticas.
Ainda que as questões sobre clima sejam produzidas pelos setores mais ricos da sociedade, os
seus efeitos são sentidos, sobretudo, pelos povos mais vulneráveis no mundo. Afinal, como
expõe Sergio Margulis (2020, p. 120), são as pessoas de baixa renda as mais afetadas pela
mudança do clima, porque “[...] tendem a viver e trabalhar em locais mais expostos a riscos
climáticos, sem infraestrutura que os reduzam, em casas e bairros que enfrentam os maiores
problemas quando impactados [...]”.
Por essa conjugação de variantes da desigualdade ambiental, é possível constatar a imbricada
e correspondente relação entre desigualdade e o futuro da vida no planeta. Afinal, a
persistência da desigualdade ambiental é um fator desagregador de toda a construção
moderna de Estado e sociedade. Lutar por uma maior igualdade, ao reverso, pode nos ajudar a
um compromisso comum dos problemas que ameaçam a todos nós (PICKETT; WILKINSON,
2015).

A Justiça Ambiental

Diante do contexto da desigualdade ambiental, uma das principais proposições para o


enfrentamento em sentido crítico é o movimento de Justiça Ambiental. Trata-se de um
movimento que surgiu originalmente nos Estados Unidos na década de 1980 e procura
demonstrar que os efeitos prejudiciais recaem, sobretudo, em grupos mais vulneráveis da
sociedade, em demonstração do racismo ambiental naquele país. As pautas e os princípios
norteadores do movimento de Justiça Ambiental daquele país se espalharam pelo mundo e
chegaram ao Brasil no final da década de 1990, conjugando as especificidades das lutas e
pautas ambientais em nosso país.

Segundo Acselrad, Mello e Bezerra (2009), o movimento de Justiça Ambiental articula suas
proposições em duas dimensões de atuação: (i) a discussão sobre os processos decisórios de
participação na formulação das políticas ambientais, em especial por parte das populações
afetadas; (ii) os efeitos sobre a distribuição dos benefícios e encargos das intervenções sobre o
ambiente.

Em primeiro lugar, os processos decisórios são invariavelmente estabelecidos numa relação de


verticalização imposta por empresas e governos, de cima para baixo, sem os protocolos de
consulta, ou quando ocorrem são realizados com mecanismos de pressão sobre as
comunidades e os grupos do entorno, impedindo a livre manifestação pelo peso de retaliações
econômicas, sociais, físicas e políticas no âmbito local. Isso é particularmente sensível pela
conjugação de fatores ou justificativas de que a falta de empregos e investimentos em um
local justificaria a aceitação de projetos e empreendimentos que causam danos ambientais e
sanitários, prejudicando a qualidade de vida das populações para um objetivo imediato que, na
maioria das vezes, tem uma proposição exclusivamente econômica, ou seja, o lucro imediato
para as empresas.

Esses processos decisórios estão em uma dinâmica dissonante aos mais elementares princípios
estruturantes do Direito Ambiental. Isso porque os documentos internacionais de proteção ao
meio ambiente destacam a necessidade de participação comunitária na formulação e
execução de políticas ambientais. A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, de 1992, consigna, em seu art. 10, que “[...] o melhor modo de tratar as
questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados [...]” (ONU, 1992,
[s. p.]). E continua deixando claro que o acesso adequado à informação sobre o meio ambiente
“[...] inclui a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo a suas
comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões”
(ONU, 1992, [s. p.]). No mesmo sentido, fundamentado no Princípio 10 ora delineado,
recentemente foi aprovado no âmbito das Nações Unidas o Acordo Regional sobre Acesso à
Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina
e no Caribe, conhecido como Acordo de Escazú (ONU, 2018), que garante os “direitos de
acesso”, compreendendo o direito à informação, à participação pública nos processos de
tomada de decisões em questões ambientais e o direito de acesso à justiça. A legislação
brasileira, no mesmo sentido, estabelece a participação em vários diplomas legais, prevendo a
audiência pública no licenciamento ambiental de atividades efetiva ou potencialmente
causadoras de significativa degradação ambiental (CONAMA, 1986; 1987; 2020). Por esses
elementos, evidencia-se que as políticas públicas que afetam pessoas, populações, cidades e
regiões devem ser fruto de uma construção dialógica entre os atores envolvidos, e não a
sobreposição de uma única interpretação.

Como decorrência dos obstáculos dos direitos de acesso aos processos decisórios, temos a
segunda dimensão da Justiça Ambiental, acerca da distribuição dos encargos das intervenções
sobre o meio ambiente, que recairão justamente nas populações, nos grupos e nas pessoas
mais vulneráveis em sociedades desiguais – como é o caso do Brasil. Portanto, são esses
grupos que, ora são privados do acesso aos recursos naturais para viverem, ora “são expulsos
de seus locais de moradia para a instalação de grandes projetos hidroviários, agropecuários ou
de exploração madeireira ou mineral” (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 42). Esse é o
caso, por exemplo, dos projetos de desenvolvimento que são impostos e implicam a expulsão
de grupos e populações. Dois são os exemplos. O primeiro são expulsões ligadas ao mercado
global de terras, com aquisição de grandes áreas produtivas por corporações para a produção
de biocombustíveis ou para o extrativismo, forçando milhares de agricultores a venderem ou
deixarem suas terras, inclusive, por contaminações, porque o nosso país é o campeão mundial
no uso de agrotóxicos. O segundo exemplo são os projetos de infraestrutura, como o caso da
Usina de Belo Monte, no Pará, em que milhares de pessoas foram expulsas de suas casas com
o alagamento de amplas faixas de terras, com a perda dos laços sociais e de pertencimento
ancestrais, além dos impactos ambientais, em que o mais evidente foi a perda da
biodiversidade da região. Na mesma perspectiva, pessoas e grupos são atingidos pela
implantação de projetos de hidrelétricas, um dos pontos mais críticos na agenda ambiental
brasileira, com movimentos em todo o país em questionamento ao modelo de implementação
dessas iniciativas.

Nessa conjugação, nota-se que o movimento de Justiça Ambiental é fundamentalmente uma


rede que estabelece um contraponto e uma resistência aos mecanismos de imposição e
verticalização dos processos decisórios que saem prontos de gabinetes governamentais, sem
interface ou diálogo com a realidade dos territórios e lugares. O que está em pautas nessas
reivindicações é, sobretudo, o compromisso com a participação comunitária em uma
sociedade democrática e dialógica, princípio e condição fundamental para um combate efetivo
ao crescimento da desigualdade ambiental e suas consequências.

Videoaula: Desigualdades Socioambientais

O vídeo discute e reflete sobre um tema que está na pauta dos governos e atores econômicos:
a desigualdade. Em conjunto com os aspectos econômico e social, a desigualdade tem uma
dimensão ambiental. É esse o foco dessa videoaula, para que você conheça e reflita sobre as
facetas da desigualdade ambiental e as proposições para uma Justiça Ambiental.

Vamos juntos? Estou te aguardando!


Aula 04: Movimentos de Defesa do Meio Ambiente

Introdução da aula

Estudante, nesta aula, estudaremos a importância dos movimentos sociais na promoção e


proteção ao meio ambiente. Afinal, muitas das pautas e discussões que temos sobre as
questões ecológicas foram suscitadas pelos movimentos sociais ao longo das últimas décadas,
como é o caso do desmatamento das florestas tropicais, do aquecimento global, da perda da
biodiversidade, da proteção aos animais, entre outras.

Além de conhecer a configuração das principais entidades ambientais em nível nacional e


internacional, o conteúdo da aula destacará a importância das organizações não
governamentais, conhecidas pela sigla ONG, para a agenda ambiental. E nisso, você conhecerá
as formas e o meio de atuação que, em breve, poderão estar no âmbito de suas atividades
profissionais.

Gênese do ambientalismo

O movimento ambiental tem origem na segunda metade do século XIX, com os grupos
protecionistas criados na Europa, que estavam preocupados com os efeitos das
transformações advindas da Revolução Industrial, como a perda de áreas selvagens e a
poluição em cidades que se tornaram insalubres. Nessa perspectiva, a primeira sociedade
ambientalista privada foi criada na Inglaterra em 1863, chamada de Commons, Foot-paths and
Open Spaces Preservation Society (MCCORMICK, 1992).

Já nos Estados Unidos, os primeiros grupos ambientalistas são da virada dos séculos XIX e XX,
estabelecidos a partir de duas compreensões sobre as relações do homem com a natureza:
os preservacionistas, que defendiam a manutenção de áreas virgens, intocadas, sem a
interferências de atividades humanas; e os conservacionistas, centrados na racionalização e
compatibilização do uso dos recursos naturais com a proteção ao ambiente (MCCORMICK,
1992). Essas leituras são reflexos das discussões da época, assentadas ora na proteção da vida
selvagem, ora nos efeitos da industrialização e da urbanização. Apesar de históricas, essas
duas visões, com variações e adequações – e, por vezes, em associação –, ainda são presentes
na compreensão contemporânea da proteção ao meio ambiente.

No final da década de 1950 e início da década de 1960, começa a surgir uma nova articulação
de grupos e entidades de proteção ao meio ambiente, influenciados pelos riscos da corrida
nuclear, da explosão demográfica, do aumento da degradação ambiental; fatores esses que
foram exteriorizados por meio de denúncias formuladas através da publicação de livros e
artigos acadêmicos. Um caso emblemático é a obra Primavera Silenciosa, de autoria da bióloga
Rachel Carson, em 1962, que demonstrou os efeitos nocivos da contaminação por pesticidas
na agricultura e as consequências para o equilíbrio ecológico. Essa publicação teve enorme
repercussão nos meios acadêmicos e políticos, influenciando decisivamente o movimento
ambientalista e abrindo as discussões que levaram o governo norte-americano a criar a sua
agência de proteção ao meio ambiente nos anos de 1970.

A década de 1960 foi um período de efervescência em nível global, com a emergência de


novos movimentos sociais, pautados em reivindicações por direitos, inclusão, participação
política e proteção ao ambiente, todos em afirmação de valores coletivos. Como exemplos, as
exigências pelo exercício de direitos civis pela população afro-americana nos Estados Unidos,
liberados por Martin Luther King, e os protestos de “maio de 1968”, que eclodiu com as
demandas culturais dos estudantes franceses em face das estruturas vigentes na sociedade da
época. Nesse período, o movimento ambientalista começa a se organizar não somente em
concepções preservacionistas e conservacionistas, mas assume a perspectiva crítica, na
proposição de uma ecologia política, conjugando aspectos materiais, como as implicações da
poluição e da explosão demográfica sobre a natureza, com aqueles enfoques de orientação
ética, preocupados com a sobrevivência da vida humana e não humana no planeta para as
presentes e futuras gerações.

As décadas de 1970 e 1980 trouxeram uma nova configuração na estrutura do movimento


ambientalista. Se, em um primeiro momento, os movimentos ambientalistas eram oriundos de
pautas convergentes de determinados setores da sociedade, o avanço das questões ecológicas
no tabuleiro político e econômico da governança global impuseram uma nova estruturação,
em que começam a se organizar em nível institucional, por meio de pessoas jurídicas de
caráter não governamental, ora em organizações de âmbito internacional, que traziam em seu
bojo a premissa que os problemas ecológicos não eram somente locais, mas conjugavam
aspectos transfronteiriços e globais; ora como entidades nacionais, orientadas por pautas
regionais e locais, focadas nos projetos de desenvolvimento sustentável de acordo com a
realidade em cada país. Em qualquer dessas perspectivas, teríamos doravante a expansão de
organizações de caráter não governamental, estimuladas pelas Nações Unidas.

No início do século XXI, surgiram novas formas de atuação em face dos problemas ambientais
por meio de ativismos impulsionados pelos avanços das novas tecnologias de informação e
comunicação, especialmente a internet e suas redes sociais. Uma das formas é o ciberativismo,
em que comunidades virtuais de pessoas com propósitos e pautas convergentes estimulam
determinadas práticas. Um exemplo é o evento anual chamado “Hora do Planeta”, organizado
pela organização WWF, a qual é responsável por conjugar centenas de cidades e quase 1
bilhão de pessoas em defesa das pautas patrocinadas pelo movimento, como a emergência
climática e a perda da biodiversidade.

Um importante ativismo, recente, que conjuga a atuação virtual e real, é o movimento de


jovens suecos iniciado pela jovem Greta Thunberg, que em maio de 2018 iniciou um protesto
escolar às sextas-feiras em frente ao Parlamento sueco, cobrando medidas contra a mudança
climática. A princípio, sozinha, e depois com a companhia de milhares de jovens que deixavam
de participar das aulas para protestarem, Greta inspirou um movimento que se espalhou pelo
mundo com o nome de “sextas-feiras pelo clima”. O movimento continua e é considerado um
dos principais ativismos ambientais na contemporaneidade.
Os movimentos ambientais e as organizações não governamentais

A compreensão dos movimentos ambientalistas, como conhecemos atualmente, está


diretamente ligada à conversão de um número significativo deles em pessoas jurídicas
denominadas “organizações não governamentais” – referenciadas pela sigla ONG –, com
atuação destacada a partir da década de 1970. O conceito de ONG é para aquelas pessoas que
não se enquadram como governamentais ou empresariais de fins lucrativos; portanto, em
sentido amplo, estão incluídos conceitualmente os sindicatos, as organizações profissionais e
as entidades com pautas específicas, como de consumidores, de questões identitárias e outras
de promoção social. Entretanto, o conceito de ONGs na área ambiental é mais restrito,
definidas como pessoas privadas, não governamentais, sem fins lucrativos, com propósitos de
intervenção acerca de questões globais às locais em prol das iniciativas de proteção e
promoção do meio ambiente. Outras expressões são utilizadas como equivalentes para
caracterizar as ONGs ambientalistas, como “entidade do terceiro setor”, por não fazer parte do
governo (primeiro setor) ou do segundo setor (empresas privadas), ou ainda “organizações da
sociedade civil”.

As ONGs ambientalistas tiveram um forte estímulo e articulação a partir da Conferência das


Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, no ano de 1972. Diante das
dinâmicas dos problemas ecológicos, que são transfronteiriços, algumas das principais
entidades ambientalistas estão organizadas em nível internacional. Destacaremos algumas das
principais organizações globais de proteção ambiental.

A primeira delas é o WWF, que é o Fundo Mundial para a Natureza, uma organização não
governamental criada em 1961, na cidade de Gland, Suíça. Com mais de cinco milhões de
associados em todo o mundo, o WWF tem “[...] como missão global conter a degradação do
meio ambiente e construir um futuro no qual as pessoas vivam em harmonia com a natureza”
(WWF, 2020, [s. p.]). Tem linha centrada em projetos que atuam na conservação da
biodiversidade mundial, na garantia da sustentabilidade de recursos naturais renováveis e na
redução da poluição e do desperdício. O WWF se estabelece de forma transnacional por meio
de uma rede de entidades associadas e tem como símbolo um urso panda, uma vez que surgiu
de uma ação para a arrecadação de fundos para a proteção dessa espécie. O WWF-Brasil foi
criado em 1996 e atua por meio de projetos no contexto econômico e social brasileiro, em
especial, nos biomas brasileiros, como a Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica e o Pantanal, e
nos ecossistemas marinhos. Suas iniciativas “[...] buscam proteger e restaurar
a biodiversidade, fortalecer a agricultura familiar e a produção local, além de gerar estudos
sobre o impacto do desmatamento e das queimadas” (WWF, 2020, [s. p.]).

A segunda organização é o Greenpeace, criado em Vancouver, Canadá, em 1971. Trata-se de


uma das mais combativas organizações ambientalistas, que tem atuação por meio do ativismo
ambiental e de mecanismos de pressão sobre governos e empresas. O Greenpeace é mantido
exclusivamente por seus associados, recusando financiamento público ou empresarial. Entre
as suas principais missões e valores, estão: (i) proteger os ecossistemas e a biodiversidade em
todas as suas formas; (ii) promover a paz, o desarmamento global e a não violência; (iii)
enfrentar as mudanças climáticas: (iv) promover soluções sustentáveis junto à sociedade
(GREENPEACE, 2022). O Greenpeace possui escritório no Brasil desde 1992 e desenvolve ações
ativistas em defesa da Amazônia e contra o desmatamento; na luta contra os agrotóxicos; no
combate aos efeitos danosos da mineração; entre outras.
A terceira organização internacional é a União Internacional para a Conservação da Natureza
e dos Recursos Naturais – conhecida pela sigla em inglês IUCN –, criada na França, em 1948,
com linha de influência acadêmica e na busca de soluções ecológicas. Trata-se da maior rede
de sociedades ambientais em nível global, conjugando mais de 1.400 membros, entre órgãos
governamentais e da sociedade civil (IUCN, 2019). A IUCN é reciprocamente um espaço de
debates e de iniciativas para os projetos de conservação ambiental em todo o planeta,
conjugando a atuação de especialistas e populações locais em busca do equilíbrio ecológico.

Além dessas estruturas ambientalistas internacionais, há aquelas de origem nacional, com


atuação específica em áreas, regiões e povos na conjuntura brasileira. Relacionaremos três
organizações do nosso país: S.O.S Mata Atlântica, criada para a conservação do bioma de
mesmo nome; Instituto Socioambiental (ISA), com propósito de proteção aos povos
originários; Instituto “O Direito por um Planeta Verde” (IDPV), de natureza acadêmica,
destinado às temáticas jurídicas ambientais.

A Fundação S.O.S Mata Atlântica é uma ONG brasileira criada em 1986 e que atua no fomento
de políticas públicas para a proteção e conservação da Mata Atlântica, um dos principais
biomas brasileiros. Sua atuação se dá por meio de estudos e monitoramento das intervenções
antrópicas sobre o bioma, conscientização pública e aprimoramento da legislação ambiental
(SOS MATA ATLANTICA, 2021). Já o Instituto Socioambiental (ISA) é uma organização criada
em 1994 e que atua na defesa da diversidade socioambiental brasileira, em especial, por
projetos e iniciativas em conjunto com comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas, de
modo a preservar e fortalecer a cultura e os saberes tradicionais (ISA, 2021). Em associação
com o acompanhamento de políticas públicas que influenciam direta e indiretamente os
direitos das populações originárias e tradicionais, o ISA desenvolve projetos de economia e
soluções sustentáveis para esses povos da sociodiversidade brasileira (ISA, 2021). Por fim,
o Instituto “O Direito Por um Planeta Verde” (IDPV), pessoa jurídica sem fins lucrativos criada
em 2005, reúne os principais especialistas na área do Direito Ambiental no Brasil. O IDPV, uma
das entidades filiadas à IUCN, é o responsável pela edição anual do Congresso Brasileiro de
Direito Ambiental, fórum de discussões com pesquisas e debates acadêmicos sobre os
principais desafios e proposições sobre as demandas ecológicas em nível internacional e
nacional.

A atuação das ONGs e a agenda ambiental

As organizações não governamentais (ONGs) possuem um papel fundamental nas instâncias


deliberativas em nível internacional e nacional, em contribuição direta acerca da sensibilização
sobre os problemas estruturais e no processo de formulação das políticas e estratégias de
promoção e proteção ao meio ambiente. A arquitetura internacional de discussão sobre as
temáticas ambientais estimula a participação comunitária e a atuação através dessas
entidades, inclusive, em seus fóruns de discussões. Para exemplificar, a Declaração do Rio de
Janeiro, elaborada em 1992 durante a Cúpula da Terra, destaca que “[...] o melhor modo de
tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em
vários níveis” (ONU, 1992, [s. p.]). E um dos níveis de participação é, sem dúvida, por meio das
organizações ambientalistas.

No Brasil, a importância das ONGs ambientalistas está presente no seu reconhecimento pelo
Poder Público. No âmbito federal, temos o Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas,
com 673 delas inscritas e distribuídas em todas as regiões do país (BRASIL, 2019). Cadastros
similares estão organizados no âmbito dos estados brasileiros. O papel desses cadastros é
atestar a regularidade jurídica dessas pessoas jurídicas para os fins de participação nas
estruturas governamentais dos entes federativos, como veremos.

Nesse sentido, é preciso destacar a função dessas entidades no desenho institucional


brasileiro. Uma das principais formas de participação e atuação na formulação de políticas
públicas ambientais ocorre por meio dos conselhos de meio ambiente. Eles são integrados
pelos representantes do Poder Público, do setor empresarial e das organizações
ambientalistas. Esses conselhos de meio ambiente são obrigatórios em todos os níveis
federativos para aqueles que pretendem efetuar o licenciamento ambiental de atividades
efetivas ou potencialmente poluidoras, ou seja, se um estado ou um município decidir por
licenciar atividades, além de órgão ambiental capacitado, ele deverá possuir conselho de meio
ambiente com caráter deliberativo.

O mais relevante desses órgãos no país é o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA),
vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, que conjuga integrantes eleitos entre as ONGs
ambientalistas brasileiras inscritas no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas. A
estrutura jurídica brasileira prevê também a existência de conselhos com participação
comunitária e/ou de pessoas jurídicas ambientalistas em casos de unidades de conservação e
nos órgãos responsáveis pela gestão dos recursos hídricos no Brasil, como os comitês de bacia
hidrográfica, os conselhos estaduais e o nacional de recursos hídricos.

Outra forma de participação das ONGs ambientalistas em conjunto com o Poder Público é por
meio de parcerias em projetos e programas para o desenvolvimento sustentável. Um dos
exemplos de financiamento é através dos fundos de meio ambiente, com recursos financeiros
destinados para projetos de soluções sustentáveis e para setores específicos, como biomas,
populações tradicionais, combate à poluição, entre outros. O Fundo Nacional do Meio
Ambiente, criado pelo governo brasileiro por meio da Lei nº 7.797, em 1989, é o mais antigo
da América Latina e tem apoiado uma série de iniciativas nessa perspectiva (BRASIL, 1989). Há,
ainda, fundos ambientais no âmbito de estados e municípios, assim como aqueles para áreas
como a proteção da biodiversidade e das florestas públicas brasileiras.

Em geral, as entidades ambientalistas exercem mecanismos permanentes de


acompanhamento e fiscalização sobre as intervenções e pressões que empresas e governos
exercem sobre o meio ambiente. Duas formas podem ser destacadas: a atuação administrativa
e a judicial. Na primeira delas, a administrativa, as ONGs costumam acionar e cobrar a
fiscalização dos órgãos governamentais de proteção ao meio ambiente – como o IBAMA, na
esfera federal – em caso de infrações ambientais praticadas por empresas privadas e pelo
próprio Poder Público. A segunda forma é a intervenção na esfera judicial, em que as pessoas
jurídicas ambientalistas criadas há mais de um ano e com finalidades institucionais ambientais
possuem legitimidade processual para ajuizar ação civil pública para a defesa do meio
ambiente, inclusive em casos de ocorrência de danos ambientais, conforme dispõe a Lei
Federal nº 7.347/1985 (BRASIL, 1985). Por fim, podem acionar Ministério Público em caso de
crimes ambientais cometidos por pessoas físicas ou jurídicas, para que ele faça a proposição da
competente ação penal de responsabilização.

Além desse contexto de atuação em face das instituições públicas e setor empresarial, é
importante destacar que muitas ONGs são criadas para projetos na escala da proximidade, ou
seja, nos lugares em que vivem comunidades e pessoas que são beneficiadas ou atendidas
pelas suas iniciativas e estratégias de melhoria das condições de vida e de preservação e
conservação dos recursos naturais. Outras ONGs atuam na produção de dados, estudos e
pesquisas que subsidiarão um conjunto de proposições públicas e privadas em suas áreas
institucionais, muitas vezes realizados em parceria com instituições de ensino. Da mesma
forma, algumas ONGs estabelecem projetos de educação ambiental, para a formação de uma
consciência pública sobre a importância da proteção ambiental, estimulando a participação
comunitária e dos setores organizados da sociedade civil.

Videoaula: Movimentos de Defesa do Meio Ambiente

No vídeo, faremos uma abordagem da gênese histórica das principais interpretações do


movimento ambientalista para, em seguida, discorrer sobre as principais organizações não
governamentais de proteção ambiental no âmbito internacional e nacional. Por fim, a
compreensão da importância das ONGs no desenho institucional brasileiro e os efeitos de sua
atuação na agenda ambiental.

Aula 05: Resumo da unidade

Um mundo em transformações

O mundo vive um período de transformações inéditas, no que tem sido denominado por
cientistas e pensadores como a era do Antropoceno, em que a humanidade se tornou uma
força geológica, pela intensidade de suas intervenções sobre os sistemas naturais. Se, por um
lado, as últimas décadas registraram um forte crescimento da economia e do consumo com a
globalização, por outro lado, a explosão demográfica, a urbanização e o aumento da poluição
estão provocando uma série de crises em nível global.

Nesse contexto, um dos principais desafios é a questão da mudança do clima, em que os


efeitos adversos do aquecimento global – potencializado pela emissão de gases de efeito
estufa – são sentidos em todo o planeta. Eventos climáticos e meteorológicos, como chuvas,
enchentes, tempestades, ciclones e secas, são cada vez mais intensos, afetando as atividades
agropecuárias e os ecossistemas, com a perda da biodiversidade e a extinção de componentes
da flora e da fauna. Esse quadro é reconhecido não somente pela ciência, mas também pelo
conjunto de atores do tabuleiro institucional, como organismos multilaterais, governos, setor
empresarial e sociedade civil. Tendo como referência o Acordo de Paris, tratado global, os
Estados têm se comprometido em reduzir a emissão dos seus gases de efeito estufa,
causadores do aquecimento global, além do compromisso com um conjunto de medidas para
reduzir as vulnerabilidades de países, regiões e cidades em face da mudança do clima.

Enquanto o mundo se depara com as exigências da mudança do clima, um antigo problema


estrutural está de volta: o aumento da desigualdade econômica e social no mundo. Além de
impactar negativamente a economia e as relações sociais, a desigualdade tem se manifestado
em diversas dimensões, e uma delas é a ambiental. Ou seja, temos agora a desigualdade
ambiental, que se configura ora com as disparidades no acesso e consumo dos recursos
naturais entre países, ora com a alocação de riscos ambientais para regiões e populações mais
vulneráveis, afetadas desfavoravelmente pela poluição e pelos danos ambientais. Além disso,
mais recentemente, em decorrência da emergência climática, temos o surgimento dos
deslocados ambientais, pessoas e grupos que são obrigados a deixar seus lares e países por
desastres e eventos climáticos.

Nesse contexto, a sociedade civil, por meio das organizações não governamentais, conhecidas
pela sigla ONG, tem se organizado e proposto medidas de combate às principais crises na
proteção do meio ambiente, seja por atuação em nível internacional, como o enfrentamento
da mudança do clima e da perda da biodiversidade, seja por atuação nacional e regional,
diretamente em projetos e iniciativas com povos tradicionais, pessoas e cidades.

Por tudo que se relacionou, há a constatação de que estamos em um período de problemas


sistêmicos, com consequências diretas nas atividades econômicas e sociais. Portanto, a
importância do conhecimento e da compreensão dessas questões é um elemento agregador
na formação profissional, justamente para se preparar para o manejo dos instrumentos e
mecanismos de superação das crises.

Videoaula: Resumo da unidade

No vídeo, faremos uma abordagem sobre o surgimento do conceito de Antropoceno e as crises


contemporâneas. Conheceremos os principais aspectos do regime jurídico climático
internacional e nacional; as dimensões da desigualdade ambiental; a atuação dos movimentos
sociais na promoção e proteção do meio ambiente. Vamos juntos!

Estudo de caso

Em uma localidade no interior do Brasil, a notícia da possível implantação de uma fábrica


potencialmente causadora de significativa degradação ambiental está causando intensos
debates entre o Poder Público e os moradores. De um lado, o Poder Público em defesa da
nova atividade econômica, argumentando, em síntese, a oferta de novos empregos para a
cidade. De outro lado, moradores mais antigos, preocupados com os impactos da possível
instalação da fábrica para o meio ambiente, em especial, porque a cidade tem sofrido com
eventos climáticos, como a ausência de chuvas e a falta de água para as atividades produtivas.
Entre essas leituras, encontra-se uma parcela substancial da população, que está apreensiva e
não dispõe de um conjunto de informações para uma opinião favorável ou contrária sobre a
implementação do novo empreendimento.

Nesse contexto, você, consultor na área ambiental, é contratado por uma organização não
governamental (ONG) com atuação na localidade para conferir as orientações sobre os
processos de análise e decisão sobre a possível instalação da fábrica. A ONG pretende solicitar
uma audiência pública e usar as informações que você, enquanto consultor, produziu para a
compreensão da dinâmica do processo de decisão para possível aprovação ou não da fábrica.

_______

Reflita

Diante dos conflitos constantes entre atividades econômicas e proteção ao meio ambiente,
procure refletir sobre a possibilidade de compatibilização entre essas duas áreas. Além disso,
em um contexto de mudanças climáticas, faça uma reflexão sobre a importância de todos os
envolvidos e afetados por empreendimentos e atividades poluidoras participarem em conjunto
das decisões que impactam o meio ambiente e a qualidade de vida de pessoas, populações e
cidades.

Videoaula: Resolução do estudo de caso

Em primeiro lugar, ao ser contratado como consultor, é importante destacar a legitimidade de


todos os envolvidos – população, ONGs e Poder Público – no processo de consciência e
participação sobre a possível instalação dessa nova fábrica. Isso porque a legislação brasileira e
os instrumentos internacionais de proteção ao meio ambiente destacam a centralidade do
princípio da participação comunitária, ou seja, que todos os afetados e interessados direta e
indiretamente sejam ouvidos no processo de tomada de decisão. No caso, de um lado, há o
interesse do Poder Público, justificado pela possibilidade de geração de novos empregos na
cidade; de outro lado, há uma parcela de moradores preocupados com os impactos dessa
nova fábrica no ambiente e nas suas atividades.

De forma a conferir respaldo técnico às informações de sua consultoria, é importante


enumerar alguns dos principais diplomas sobre a participação comunitária, como a Declaração
do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, que dispõe em seu art.
10 que “[...] o melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os
cidadãos interessados [...]”; e isso inclui “[...] a informação sobre os materiais e as atividades
que oferecem perigo a suas comunidades, assim como a oportunidade de participar dos
processos de adoção de decisões” (ONU, 1992, [s. p.]). Outro importante diploma nesse
sentido é o Acordo de Escazú, que garante os “direitos de acesso”, compreendendo o direito à
informação, à participação pública nos processos de tomada de decisões em questões
ambientais e o direito de acesso à justiça (ONU, 2018).

No que se refere à legislação brasileira, ela estabelece a participação em vários diplomas


legais, prevendo a audiência e a consulta pública no licenciamento ambiental de atividades
potencialmente causadoras de significativa degradação ou poluição, situação correspondente
ao caso em discussão (CONAMA, 1986; 1987; 2020). Ou seja, todas as vezes que se configurar
uma obra ou atividade causadora de poluição ou degradação de forma significativa haverá a
possibilidade de uma audiência pública para ouvir a população. E, nesse caso, o órgão
ambiental responsável deverá trazer as informações sobre os impactos positivos e negativos
do empreendimento. É pertinente destacar que nessa audiência pública a população poderá
fazer perguntas, esclarecer dúvidas e ter acesso às informações que julgar necessárias para
compreender as implicações de uma fábrica. Portanto, esse conjunto de dados deverá ser
evidenciado em sua consultoria. Por esses elementos, evidencia-se que as políticas públicas
que afetam pessoas, populações, cidades e regiões devem ser fruto de uma construção
dialógica entre os atores envolvidos, e não a sobreposição de uma única interpretação.
Resumo visual

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