Você está na página 1de 2

A Grande Aceleração

Da Revolução Industrial até o final da primeira metade do século XX, temos o primeiro estágio do Antropoceno, que é definido como era industrial. A partir de 1950, no
século passado, temos um novo e perigoso estágio com a intensificação dos efeitos antropogênicos sobre o Sistema Terra, que os cientistas têm denominado como a “Grande
Aceleração”. 

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, uma época de significativa expansão das atividades econômicas em uma sociedade de consumo e baseada em combustíveis fósseis
foi responsável por recordes sucessivos na emissão de gases antropogênicos. Para exemplificar, nos últimos 50 anos, a economia mundial multiplicou por quase quatro vezes,
enquanto o comércio global aumentou em dez vezes (IPBES, 2019). Para contemplar as demandas desse crescimento econômico, nós, seres humanos, passamos a exercer
uma pressão excessiva sobre os ciclos de regulação do planeta com o aumento da poluição, desmatamentos, perda de biodiversidade, acidificação de oceanos, entre outros
fatores.

Alguns estudos científicos nos ajudam a compreender os desafios impostos pela Grande Aceleração das últimas décadas. O relatório  A Avaliação Global da Natureza,
lançado em 2019 pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), é a mais extensa análise sobre a perda da
biodiversidade no planeta e afirma que “[...] o ritmo das mudanças globais na natureza nos últimos 50 (cinquenta) anos não tem precedentes na história da humanidade”
(IPBES, 2019, p. 12). Elencamos outros dados sensíveis desse documento (IPBES, 2019):
75% da superfície da Terra sofreu alterações consideráveis e já se perdeu mais de 85% de áreas de zonas úmidas.
66% da superfície dos oceanos estão experimentando efeitos crescentes de deterioração.
Em média, cerca de 25% das espécies em grupos de animais e plantas estão ameaçados, o que sugere que cerca de um milhão de espécies já estão em perigo de
extinção, muitas em apenas algumas décadas.
Em 2016, 559 das 6.190 raças de mamíferos domesticados usados ​para alimentação e agricultura (mais de 9%) foram extintas e pelo menos 1.000 outras foram
ameaçadas de extinção.

O relatório Planeta Vivo, do ano de 2020, elaborado pela entidade WWF, traz os mesmos dados sobre a perda da biodiversidade. Os fatores responsáveis por essa perda são:
o uso da terra, com a conversão de áreas intocadas em setores agrícolas, e, no caso dos oceanos, o aumento excessivo da pesca. O ponto fundamental do relatório é que “a
perda de biodiversidade não é apenas um problema ambiental. Ela também afeta o desenvolvimento, a economia, a segurança global, a ética e a moral” (WWF, 2020).
Recentemente, um novo relatório do IPBES (2022) alertou que cerca de um milhão de espécies da fauna e da flora estão ameaçadas de extinção.

Esse conjunto de dados traz uma constatação fundamental: a necessidade de estabelecer limites planetários, em uma perspectiva que permita conjugar as atividades
socioeconômicas de nossas sociedades com a capacidade de suporte do planeta. Para tanto, será necessário compreender quais são os limites planetários.

Um importante estudo liderado pela equipe do cientista sueco Johan Rockström, do Centro de Resiliência de Estocolmo, caracterizou os nove processos que regulam a
estabilidade e a resiliência do planeta, estabelecendo os limites para o que é denominado “espaço operacional seguro para a humanidade”, isto é, em que é possível a
manutenção das atividades sem colocar em risco a vida terrestre (VEIGA, 2019; COSTA, 2022).

Os nove processos que precisam ser regulados para a garantia da estabilidade planetária são (VEIGA, 2019; COSTA, 2022):
1. Mudanças climáticas.
2. Perda da integridade da biosfera (perda da biodiversidade).
3. Dispersão de químicos e novas substâncias. 
4. Acidificação do oceano.
5. Uso da água doce.
6. Mudanças do uso da terra.
7. Fluxos biogeoquímicos (alterações nos ciclos do nitrogênio e do fósforo).
8. Carga de aerossóis de origem antropogênica presentes na atmosfera.
9. Introdução de novas entidades (microplásticos, poluentes orgânicos, nanomateriais etc.).

Esses processos que estabelecem os limites planetários podem ser sintetizados na figura a seguir.
Figura 2 | Os nove limites planetários - Fonte: Pais (2021, [s. p.]).

Na figura, podemos visualizar que a parte em verde são as chamadas zonas seguras, em que temos o “espaço operacional seguro”; em laranja, as “zonas de risco crescente”,
com alto potencial de efeitos prejudiciais; em vermelho, as “zonas de risco alto”, em que os limites foram ultrapassados e estamos sujeitos às consequências imprevisíveis.
Percebemos que a humanidade já ultrapassou quatro dos limites estabelecidos: mudanças climáticas, integridade da biosfera (perda de biodiversidade), fluxos bioquímicos de
nitrogênio e fósforo e, mais recentemente, as mudanças no uso da terra (solo). Esses são desafios que estão postos no tabuleiro global, a demandar a atuação de todas as
instituições internacionais e nacionais.

Nota-se, assim, que a observância dos limites planetários é uma das exigências para que as crises provocadas pela Grande Aceleração não conduzam o Sistema Terra a uma
situação de irreversibilidade.

Você também pode gostar