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Apresentação 7
Diná Araújo
Júnia Ferreira Furtado
PARTE I
Estudos críticos
Pedra fundamental
O Testamento de Martim Afonso de Sousa e
de Dona Ana Pimentel na Galeria Brasiliana 163
René Lommez Gomes
André Onofre Limírio Chaves
Critérios da transcrição
Júnia Ferreira Furtado
Edição Crítica
Júnia Ferreira Furtado
Edição diplomática
Raquel Aparecida Pereira
Júnia Ferreira Furtado
Fac-símile do original
Sobre os autores
Apresentação
Diná Araújo
Júnia Ferreira Furtado
O valente guerreiro
Nos versos de Os Lusíadas, Luís de Camões,
´FRPHQJHQKRHDUWHµH[DOWDHFDQWDDVDYHQWXUDVGRVSRUWXJXHVHVGXUDQWH
RSURFHVVRGHH[SDQVmRPDUtWLPDDSDUWLUGR4XDWURFHQWRV Entre tantos
KHUyLV FXMRV IHLWRV VmR FDQWDGRV SHOR SRHWD Oi HVWi 0DUWLP $IRQVR GH
6RXVDTXHQR%UDVLOIRLRSULPHLURFDSLWmRGRQDWiULR'L]&DP}HVTXH
VHXYDORUIRLGHPRQVWUDGR´QR%UDVLOFRPYHQFHUHFDVWLJDURSLUDWD
)UDQFrVDRPDUXVDGRµ,QIRUPDDLQGDTXHIRL´'HSRLV&DSLWmRPRUGR
ÌQGLFRPDUµ2 sendo que aí se envolveu em diversas guerras contra os reis
locais e demonstrou tal bravura que,
Tendo assim limpa a Índia dos imigos,
Virá depois com ceptro a governá-la.
Sem que ache resistências nem perigos,
Que todos tremem dele e nenhum fala.
Nos versos camonianos, as musas louvam a valentia do guerreiro
Martim Afonso, seja no combate aos inimigos franceses, que ameaça-
vam as costas brasileiras e cobiçavam suas riquezas, seja na guerra contra
RUHLJHQWLRGH&DOLFXWH´TXHDVVLPFRPTXDQWRVYHLR2IDUiUHWLUDU
GH VDQJXH FKHLRµ H ´YHQFHUi co’o IXURU GR IHUUR H IRJRµ4 2 DXWRU QmR
se esquece de que o nome do herói, Martim ou Martinho, é apropria-
damente uma corruptela de Marte, o deus da guerra, e, como já estava
escrito e prognosticado em seu próprio nome, foi ele “em armas ilustre
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FDQWDPDLQGDVXDFDSDFLGDGHDGPLQLVWUDWLYDFRPRFDSLWmRGRÌQGLFRRX
JRYHUQDGRUGDÌQGLDSRLVHUD´WDQWRHPDUPDVLOXVWUHHPWRGDSDUWH
TXDQWRHPFRQVHOKRViELRHEHPFXLGDGRµ
3RUpPVH&DP}HVpSUROtÀFRHPH[DOWDURVIHLWRVGH0DUWLP$IRQVR
de Sousa na Ásia, onde, entre outras tantas proezas, tomou a fortaleza de
Diu, destruiu a cidade de Relim e conquistou, em sangrentas batalhas, as
FLGDGHVGH%HDGDODH%DWLFDOiSRXFRRXTXDVHQDGDGL]GHVXDDWXDomR
no Brasil, que, no entanto, foi marco importante tanto na sua folha de
serviços ao rei, indispensável para angariar as mercês e cargos que alcan-
çou depois, inclusive os postos na Índia, quanto para o início do processo
O jovem fidalgo
Martim Afonso de Sousa fazia parte da grande nobreza do reino e
GHVFHQGLDGHGXDVIDPtOLDVGHÀGDOJRV6HXSDL/RSRGH6RXVDVHQKRU
de Prado,VHUYLUDGHDOFDLGHPRUGRGXTXHGH%UDJDQoD'RP-DLPH
e de conselheiro do rei Dom Manuel I, o Venturoso, tendo feito parte
do seu Conselho Real. Em épocas passadas, sua família apoiara Dom
$IRQVR+HQULTXHVTXDQGRGDOXWDGHUHFRQTXLVWDFULVWmFRQWUDRVPXOoX-
PDQRVQRVpFXOR;,,TXHUHVXOWDUDQDIXQGDomRGH3RUWXJDORTXHOKH
conferira honra e luzimento, sendo que sua linhagem paterna remontava,
por via bastarda, ao rei Dom Afonso III.6XDPmH%ULWHVGH$OEXTXHU-
que, também pertencia a outra família ilustre, a dos Sás, cujos primogêni-
tos, ou na ausência desses, os varões da família, eram alcaides da cidade
do Porto, considerada A Invicta, pelo importante papel desempenhado
na reconquista do território português do domínio mouro. Sua família
ostentava, portanto, as características que distinguiam a primeira nobreza
GRUHLQR o sangue, a linhagem, a antiguidade, a honra, as bravuras mili-
WDUHVHDSUR[LPLGDGHGRSRGHUUHDOXVXIUXLQGRGHLPSRUWDQWHVPHUFrV
delas decorrentes, o que granjeava domínios senhoriais, como era o caso
do senhorio do Prado para os Sousas.
Vila Viçosa, terra de Martim Afonso de Sousa, segundo uma gravura a buril, colorida, exis-
tente no Paço Ducal (Guedes, O descobrimento do Brasil (1500-1548), p. 101).
Retrato de Martim Affonso de Souza, por Pedro Barreto de Resende, ca. 1887-1889
(Portugal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, A
construção do Brasil, 1500-1825, [Lisboa], CNCDP, 2000, p. 13).
1mRVHSRGHFRPSUHHQGHUDWUDMHWyULDGH0DUWLP$IRQVRGH6RXVDH
VXDYLQGDSDUDR%UDVLOVHPQRVGHWHUPRVQDWUDMHWyULDGH'RP-RmR,,,
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$VFHQGHX DR WURQR DRV DQRV HP GH GH]HPEUR GH ´GDQGR
início a um dos mais longos reinados da história portuguesa, vindo a fale-
FHUHPµ6HXUHLQDGRÀFRXFRQKHFLGRSHODVPXLWDVUHIRUPDVTXH
SURPRYHXGHOLPLWRXFRPFODUH]DDVIURQWHLUDVGH3RUWXJDOWHQGRVLGR
SURGX]LGDDSULPHLUDFDUWDJHRJUiÀFDGRUHLQRDXPHQWRXDLQWHUIHUrQFLD
régia sobre a esfera religiosa, estabelecendo novas dioceses, e criando, em
D0HVDGD&RQVFLrQFLDH2UGHQVTXHJHUHQFLDYDDHVWUXWXUDHFOH-
siástica dispersa pelo império; refundou a Universidade de Coimbra, em
UHRULHQWDQGRHLPSXOVLRQDQGRRVHVWXGRVXQLYHUVLWiULRV realizou
RSULPHLURF{PSXWRJHUDOGDSRSXODomRGRUHLQRTXHGHXRULJHPDXPD
SURIXQGDUHRUGHQDomRDGPLQLVWUDWLYDHSRUÀPSURPRYHX´XPDUHRU-
JDQL]DomRSROtWLFDGRVWHUULWyULRVLPSHULDLV « GDTXDOUHVXOWRXDUHIRU-
PXODomRGRVIXQGDPHQWRVGDUHODomRDWpHQWmRHVWDEHOHFLGDSHORVUHLVGH
Portugal com as gentes que residiam nos diferentes territórios que esta-
YDPVREVXDMXULVGLomRµ6HXHStWHWRR3LHGRVRVHGHYHXjLQVWDODomR
HP3RUWXJDOGR7ULEXQDOGR6DQWR2ItFLRDWHPtYHO,QTXLVLomRHP
HGD2UGHPGH-HVXVHP$SyVDLQVWDODomRGHVWD~OWLPD'RP-RmR
III abriu as conquistas portuguesas para os missionários jesuítas, os quais
FKHJDUDPjÌQGLDHPDR&RQJRHPDR0DUURFRV&HLOmR
H0ROXFDVHPDR%UDVLOH-DSmRHPj&KLQDHPHj
(WLySLDHP1HVVHVHQWLGRDVVRFLRXFRPRQHQKXPRXWURDFUX]HD
espada, ou seja, os poderes religioso e civil, para consolidar seu poder no
UHLQRHSDUDSURPRYHUHH[SDQGLUDFRORQL]DomRSRUWXJXHVDQRXOWUDPDU
'RP -RmR ,,, KHUGDUD GH VHX SDL XP LPSpULR YDVWtVVLPR TXH SRU
um lado, ele ampliou, incorporando várias conquistas na Ásia, mas,
por outro, fez encolher, ao perder ou abandonar, devido aos altos cus-
WRVGHPDQXWHQomRYiULDVSUDoDVIRUWLÀFDGDVQRQRUWHGDÉIULFD)RLR
TXHRFRUUHXFRP6DQWD&UX]GR&DERGH*Xp6DÀP$]DPRU$OFiFHU
$FDUWDGH'RP-RmR,,,GDWDGDGHGHQRYHPEURGHGHWHU-
PLQDYD´$TXDQWRVHVVDPLQKDFDUWDGHSRGHUYLUHPIDoRVDEHUTXHHX
HQYLRRUDD0DUWLP$IRQVRGH6RXVDGRPHX&RQVHOKRSRUFDSLWmRPRU
da armada que envio à terra do brasil e assim de todas as terras que ele,
GLWR 0DUWLP $IRQVR QD GLWD WHUUD DFKDU H GHVFREULUµ 3RU HVVH WUHFKR
ÀFDFODUDVXDQRPHDomRTXHRFRUUHUDSRXFRDQWHVGHSDUWLUFRPRFRQ-
VHOKHLURGRUHLXPGRVSRVWRVPDLVLPSRUWDQWHVGDDGPLQLVWUDomRUpJLD
e o que lhe foi conferido junto à armada que partia para o Brasil, o de
FDSLWmRPRUDPDLVDOWDSDWHQWHDERUGR$VHJXLUDFDUWDRUGHQDYDTXH
´DRVFDSLWmHVGDGLWDDUPDGDHÀGDOJRVFDYDOHLURVHVFXGHLURVJHQWHGH
DUPDVSLORWRVPHVWUHVPDUHDQWHVHWRGDVDVRXWUDVSHVVRDVµOKHREHGH-
FHVVHP0DVQmRVy7DPEpPGHWHUPLQDYDTXH´WRGDVDVRXWUDVSHVVRDV
e a quaisquer outras de qualidade que sejam nas ditas terras que ele des-
FREULUÀFDUHPHQHODHVWLYHUHPRXDHODIRUHPSRUWHUµHVWLYHVVHPVRE
VXDMXULVGLomR0DQGDYDDLQGDDYLVDUDWRGRVHPPDURXWHUUD´TXHKDMD
DRGLWR0DUWLP$IRQVRGH6RXVDSRUFDSLWmRPRUGDGLWDDUPDGDHWHU-
ras, e lhe obedeçam em tudo e por tudo o que lhes mandar e cumpram
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HPSHVVRDIRVVHPDQGDGRµ2UDYrVHHQWmRSRUHVVHWUHFKRTXHD
0DUWLP$IRQVRIRLFRQIHULGRRSRVWRGHFDSLWmRPRUQmRVyGDDUPDGD
mas também das terras – descobertas e a descobrir. Este último posto
equivalia ao título de governador, que, ao contrário dos dias de hoje,
era um cargo de origem militar e, por isso, os que eram investidos nessa
IXQomR WDPEpP UHFHELDP HVVD SDWHQWH (VVD LQYHVWLGXUD HUD RXWRUJDGD
diretamente pelo rei em pessoa, numa cerimônia chamada de Preito e
Menagem, com origens feudais, coberta de simbolismos, pompa e cir-
FXQVWkQFLDSRLVRFDSLWmRPRUJRYHUQDGRUUHSUHVHQWDULDRUHLRQGHTXHU
que estivesse, e era esse o momento de investir-lhe e outorgar-lhe direta-
mente tal poder.6XDMXULVGLomRDEUDQJLD´DVWHUUDVTXH0DUWLP$IRQVR
de Sousa, do meu Conselho, descobrir na terra do brasil, onde o enviei
SRUPHXFDSLWmRPRUµ Aqui, novamente, aparece o título militar de que
YLQKDLQYHVWLGRQmRDSHQDVGDDUPDGDPDVWDPEpPGDVWHUUDVGHVFR-
bertas e a descobrir. Terra do brasil, com letra minúscula, referindo-se
Carta de grandes poderes dada por Dom João III ao capitão-mor Martim Afonso de
Sousa (Guedes, O descobrimento do Brasil (1500-1548), p. 102).
Pormenor da carta atlântica de Sebastião Lopes, século XVI, com imagem alusiva ao corte
de pau-brasil. Nas extremidades do Brasil, os rios Amazonas e da Prata (Guedes, O desco-
brimento do Brasil (1500-1548), p. 104).
A frota de Vasco da Gama que, 1497-1499, fez pela primeira vez o percurso de Lisboa à
Índia, segundo o códice anônimo conhecido por Livro das armadas (Guedes, O descobri-
mento do Brasil (1500-1548), p. 12).
Cruzar o Atlântico, entre as costas da África e o Brasil, não era tarefa fácil (José da Costa
Miranda, Carta do Atlântico, 1502, em Ana Maria de Morais Belluzzo, O Brasil dos viajantes,
Rio de Janeiro, Objetiva, 1999, p. 72).
A Carta del Cantino, de 1502, já representa o Brasil, cortado pelo Meridiano do Tratado de
Tordesilhas, mas cujos limites geográficos ainda não são conhecidos (Belluzzo, O Brasil dos
viajantes, p. 67).
O navegante
H GHVHQYROYHX HVVDV KDELOLGDGHV QR FXUVR GD YLDJHP (P 3HGUR
Nunes, cosmógrafo do rei, em seu Tratado da esfera, incluiu um pequeno
´7UDWDGR « VREUH FHUWDV G~YLGDV GD 1DYHJDomR 'LULJLGR D (O5HL
1RVVR6HQKRUµ em que discorre sobre certas perguntas que lhe tinham
sido postas por Martim Afonso depois de voltar da viagem ao Brasil.
Tais dúvidas só podem ser formuladas por quem tinha domínio sobre a
DUWHGHQDYHJDUe3HGUR1XQHVTXHPFRQWDFRPRVHGHXHVVHHQFRQWUR
1mR Ki PXLWRV GLDV VHQKRU TXH IDODQGR FRP 0DUWLP $IRQVR GH
6RXVDVREUHDQDYHJDomRTXHIH]SDUDDVSDUWHVGRVXOHQWUHRXWUDV
coisas me disse com quanta diligência e por quantas maneiras tomara
DDOWXUD>RXVHMDDODWLWXGH@HRVOXJDUHVHPTXHVHDFKDYDHYHULÀFDUD
as rotas por que fazia seus caminhos.
Nessa imagem observa-se o piloto e seu ajudante tomando a altura da Lua e do Sol,
utilizando a balestrilha e o astrolábio para estabelecer a posição no navio (Hans Staden,
Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 23).
Os piratas franceses foram uma grande ameaça ao domínio português no Brasil, interes-
sados na exploração do pau-brasil. Na Cosmographie Universelle, do francês Guillaume Le
Testu, a flor-de-lis da casa real francesa aparece representada sobre o Brasil.
O explorador
7RPDUSRVVHSDUDRVSRUWXJXHVHVVLJQLÀFDYDHQWUHRXWUDVFHULP{QLDV
assentar marcos de pedra com os brasões régios esculpidos, o que tornava
pública sua descoberta sob a bandeira de seu rei. Esses padrões também
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SDUDHVWDEHOHFHUDSRVLomRGHVVDVGHVFREHUWDVSHUPLWLQGRLQVHULODVQDV
cartas náuticas portuguesas, utilizadas pelos futuros navegantes quando
VHGLVSXVHVVHPDUHID]HURWUDMHWRHDHODVUHWRUQDU3RUHVVDUD]mRTXDQGR
a armada aportou na Baía de Todos os Santos, Pero Lopes, “em terra, na
SRQWDGRSDGUmRWRP>RX@R6ROµ Observa-se, por esse registro, que um
desses marcadores já havia sido ali assentado e que servia de referência
aos navegantes portugueses que por ali passassem.
2PHVPRQmRDFRQWHFLDQRVOLPLWHVQRUWHHVXOGR%UDVLOTXHKDYLDP
VLGR GHÀQLGRV SHOR 7UDWDGR GH 7RUGHVLOKDV DVVLQDGR HQWUH 3RUWXJDO H
(VSDQKDDGHMXQKRGHPDVTXHDLQGDHUDPSRXFRFRQKHFLGRV
HSRULVVRLPSUHFLVRV(VVDLPSUHFLVmRGHFRUULDWDPEpPGRIDWRGHTXH
A captura de um europeu pelos indígenas nas imediações de Santo Amaro (Jorge Couto, A
América portuguesa nas coleções da Biblioteca Nacional, Lisboa, BNP, 2008, p. 25).
Hans Staden, que passou a morar na ilha de Santo Amaro, foi capturado pelos nativos
quando saiu para caçar. Vivendo entre os índios, tornou-se um língua, versado nos seus cos-
tumes (Hans Staden, Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 68, 75).
Frontispício do Mundus Novus, de Américo Vespucci, 1503-1504, que descreve suas viagens
ao Brasil (Portugal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portu-
gueses, A construção do Brasil, 1500-1825, p. 86).
Em sua primeira viagem ao Brasil, em 1557, Hans Staden avistou uma cruz, fincada na
ilha de Santa Catarina, onde se encontrou com cinco náufragos espanhóis (Hans Staden,
Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 41).
Pierre Descelliers, Planisphère, Arques, 1550 (Belluzzo, O Brasil dos viajantes, p. 72).
Esta gravura acompanhou uma das edições das cartas de Américo Vespúcio e mostra os
primeiros europeus que se encontraram com “povos bravos e nus, previamente desconheci-
dos”. Alguns deles são amistosos, outros reagem com violência (Revista Camões, p. 41).
$ WHUFHLUD H[SHGLomR SDUWLX GR HVWXiULR GR 3UDWD VXELQGR HVVH ULR
H IRL FRPDQGDGD SRU 3HUR /RSHV GH 6RXVD &RQVWDYD GH KRPHQV
embarcados em um bergantim, destinada “a pôr uns padrões, e tomar
SRVVHGRGLWRULRSRU(O5HLµ1mRVHVDEHH[DWDPHQWHTXHPIRUDPHVVHV
homens que acompanharam Pero Lopes nessa empreitada, mas o Diário
UHIHUHVHD´DOHPmHVLWDOLDQRVHKRPHQVTXHIRUDPjÌQGLDHIUDQFHVHVµ
aprisionados entre os piratas encontrados na costa. Martim Afonso
RUGHQRX TXH HOH QmR VH GHPRUDVVH PDLV TXH GLDV HQWUH LGD H YROWD
2SULPHLURSDGUmRIRLDVVHQWDGRQXP´DOWRPRQWHµRTXDO3HUR/RSHV
EDWL]RXGH6mR3HGUR DWXDO0RQWHYLGpX VLWXDGRQDVSUR[LPLGDGHVGD
IR]GR3UDWDQDVXDSRUomRPHULGLRQDO3UHWHQGLDFRQIRUPHDVRUGHQV
régias, que sinalizasse o limite sul da Terra de Santa Cruz. Nesse ponto, o
rio tornou-se de água doce, mas Pero Lopes ainda acreditava se encontrar
QRPDUSRLV´HUDWmRJUDQGHTXHQmRPHSRGLDSDUHFHUTXHHUDULRµ
$UHJLmRH[WDVLRXRVQDXWDVSRLV´DWHUUDpPDLVIRUPRVDHDSUD]tYHO
TXHMDPDLVFXLGHLGHYHUQmRKDYLDKRPHPTXHVHIDUWDVVHGHROKDURV
FDPSRVHDIRUPRVXUDGHOHVµ2VDUUHGRUHVIRUQHFHUDPRVYtYHUHVSDUD
DPDQXWHQomRGRVH[SHGLFLRQiULRV²SHL[HVRVPDLVVDERURVRVYHDGRV
FDoDVRYRVGHHPDVPHOFDUGRV´TXHpPXLWRERPPDQWLPHQWRµDYHV
WDQWDV ´TXH FRP SDXV DV PDWiYDPRVµ ² SULQFLSDOPHQWH GHSRLV TXH RV
víveres que traziam a bordo se perderam, molhados de chuva. Era tanta
IDUWXUD´HDFKiYDPRVWDQWRTXHRQmRTXHUtDPRVµ'HVFUHYHXTXHDVDYHV
HRVSHL[HVQmRHUDPFRPRRVGH3RUWXJDODOJXQVWLQKDPD´DOWXUDGH
um homem, amarelos e outros pretos com pintas vermelhas, - os mais
VDERURVRVGRPXQGRµ(QWUHGHQRYHPEURHGRPrVVHJXLQWHQDYH-
JDUDPSHORULRH[SORUDQGRVXDVPDUJHQV
0DVDTXDUWDHPDLVLPSRUWDQWHHQWUDGDSRLVGHL[RXRVIUXWRVPDLV
duradouros, foi a segunda que Martim Afonso enviou a partir da capitania
GH6mR9LFHQWHRFRUULGDTXDQGRDH[SHGLomRYROWDYDGRVXOGR%UDVLOH
novamente, buscou esse sítio. Sobre ela se falará mais detidamente adiante.
Hans Staden descreveu os costumes guerreiros dos indígenas brasileiros (Hans Staden,
Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 78).
9ROWHPRVDRGLDGHMDQHLURGHTXDQGRDH[SHGLomRDGHQWURX
SHODVHJXQGDYH]DUHJLmRGH6mR9LFHQWH1RGLDVHJXLQWHSHODPDQKm
0DUWLP$IRQVRIXQGHRXVHXVQDYLRVQDLOKDGR6RO KRMH6DQWR$PDUR
a mais a leste da baía. De lá, no dia 22, num batel, foi desembarcar no
DQWLJRSRUWRGH6mR9LFHQWH já utilizado pelo bacharel e seus genros
SDUDQHJRFLDUHVFUDYRVLQGtJHQDVFRPH[SHGLo}HVTXHSRUDOLKDYLDPSDV-
sado, como a de Diego Garcia, sendo já conhecido como Porto de Escra-
YRVGH6mR9LFHQWH(VVHSRUWRHVWDYDVLWXDGRQDLOKDGHPHVPRQRPH
hoje ilha de Santos. Completava um ano que os navegantes haviam
chegado ao Brasil e um ano e dois meses desde a saída de Portugal. Era
KRUDGHDVVHQWDUUDt]HVPDLVSURIXQGDVLQLFLDUXPDFRORQL]DomRGHIDWR
como estipulado nas ordens régias, que iam muito além de somente colo-
FDU PDUFRV QRV SRQWRV H[WUHPRV GD $PpULFD SRUWXJXHVD RX UHDOL]DU
entradas no território com o intuito de encontrar suas riquezas.
Os mapas St. Vicente mostram a enseada, onde aportou Martim Afonso, as ilhas que compu-
nham a região de São Vicente e as construções portuguesas dos arredores (Nestor Goulart
Reis, Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial, São Paulo, Edusp, 2001, p. 193).
Quadro a óleo, de Benedicto Calixto, procurou retratar a frota de Martim Afonso de Sousa
aproximando-se de São Vicente, em 1532. Fonte: Acervo da Prefeitura de São Vicente-SP.
Hans Staden também visitou São Vicente, Santo Amaro e o engenho de açúcar do Governa-
dor. Fonte: Hans Staden, Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 50, 56.
São Vicente, Santos e Santo Amaro, no Roteiro de todos os sinais que há na costa do Brasil,
de Luís Teixeira, ca. 1585-1590 (Dias, Gameiro, Vasconcelos, História da colonização por-
tuguesa do Brasil, v. 3, p. 229). No mapa Litoral do Brasil entre o Rio de Janeiro e a Ilha de
Cananeia, de João Teixeira Albernaz I, de 1642, aparece indicada a primeira vila fundada na
capitania de São Vicente.
3DUDLQFUHPHQWDUDSURGXomRGHJrQHURVQRORFDOHSURPRYHUDDJUL-
cultura, que já produzia gêneros da terra, hortaliças e criavam-se porcos
e galinhas, Martim Afonso utilizou-se da prerrogativa que o rei lhe con-
cedera de que pudesse dar terras “às pessoas que consigo levar, as que na
dita terra quiserem viver e povoar aquela parte das terras que aí achar e
descobrir que lhe parecer e segundo o merecessem às ditas pessoas por
VHXVVHUYLoRVHTXDOLGDGHVµ$LQWHQomRHUDTXHWRUQDVVHPDVWHUUDVSUR-
GXWLYDVLVWRp´DVDSURYHLWDUHPµ´SRVVLELOLWDQGRDVVLPDÀ[DomRGH
PRUDGRUHVQDWHUUDID]H>QGR@SODQWDo}HVGHPDQHLUDTXH¶TXDQGRYLHU
JHQWHDFKHMiTXHFRPHU·µ(PRXWXEURGHTXDQGRDLQGDHVWDYD
nos planaltos de Piratininga, Martim Afonso concedeu a primeira sesma-
ULDTXHIRLGDGDD3HURGH*yLVGD6LOYHLUDÀGDOJRTXHYLHUDQDDUPDGD
DTXDOIRLODYUDGDSRU3HUR&DSLFRSRUHVVDDOWXUDQRPHDGRHVFULYmRGR
rei. $V WHUUDV IRUDP FRQFHGLGDV ´GHQWUR QD IRUWDOH]D GD LOKD GH 6mR
9LFHQWHµ QD UHJLmR GHQRPLQDGD 7HFRDSDUD MXQWR DR ULR *HULEDWLED
onde Pero de Góis levantou o Engenho da Madre de Deus e uma capela
FRPHVVDLQYRFDomR$GHIHYHUHLURGHIRLIHLWDRXWUDGRDomR
desta feita a Rui Pinto. Martim Afonso também destinou terras de rossio,
LVWR p SDUD DJULFXOWXUD HRX SHFXiULD jV GXDV FkPDUDV PXQLFLSDLV GDV
duas vilas que fundara. 7DLV WHUUDV DOpP GH JDUDQWLU D SURGXomR GH
gêneros de primeira necessidade para os núcleos urbanos, eram garan-
tias de rendimentos para as mesmas, pois eram aforadas a particulares,
PHGLDQWHSDJDPHQWRGHLPSRVWRV RIRUR $~OWLPDFRQFHVVmRUHDOL]DGD
diretamente por Martim Afonso ocorreu a 4 de março desse mesmo ano,
sendo o agraciado Francisco Pinto, cujas terras abrangeram desde o porto
das Almadias, até a serra de Paranapiacaba. Como determinava a carta
UpJLDTXHWURX[HUDGH3RUWXJDOWRGDVDVGRDo}HVDSDUWLFXODUHVIRUDPIHL-
tas apenas em vida dos agraciados, e as terras teriam que ser devolvidas
j&RURDFDVRQmRFRPHoDVVHPDSURGX]LUQXPSHUtRGRPi[LPRGHDWp
seis anos.
O Brasil dividido em capitanias, segundo o Roteiro de todos os sinais que há na Costa do
Brasil, de Luís Teixeira, ca. 1586 (Guedes, O descobrimento do Brasil (1500-1548), p. 124).
A colonizadora
1RDQRVHJXLQWHjVXDFKHJDGDD/LVERDHP0DUWLP$IRQVR
foi enviado para a Índia, posto e local que, como revelam seus cronistas,
auferiam muito mais honra e prestígio do que os desempenhados no Bra-
sil. Consciente da prolongada ausência que se lhe anunciava, antes de par-
WLULQVWLWXLXDGHPDUoRGHVVHPHVPRDQRVXDHVSRVD$QD3LPHQWHO
FRPRDGPLQLVWUDGRUDGDFDSLWDQLDGH6mR9LFHQWH De maneira quase
DQWHFLSDWyULDVDELDTXHR2ULHQWHOKHREOLWHUDULDDVDWHQo}HVHPUHODomR
ao Atlântico. Já na Índia, informado que o Conde de Castanheira estava
interessado em sua capitania, escreveu a sua esposa, em dezembro de
TXH´PDQGHDWRPDUWRGDRXDTXHTXLVHUTXHHVVDVHUiSDUDPLP
DPDLRUPHUFrHDPDLRUKRQUDGRPXQGRµ
1R HQWDQWR $QD 3LPHQWHO QmR DSHQDV GHVREHGHFHX DV RUGHQV GR
PDULGRFRPRDRFRQWUiULRGHYHQGHU6mR9LFHQWHWRUQRXVHSHoDYLWDO
para a prosperidade que a mesma alcançou nos anos seguintes à par-
WLGDGH0DUWLP$IRQVRSDUDDÌQGLD$DomRGH'RQD$QD3LPHQWHOHP
UHODomRDR%UDVLOQmRFRUUHVSRQGHjLPDJHPGHHVSRVDVVXEPLVVDVTXH
usualmente se tem das mulheres à época. Como muitas outras, por todo
RLPSpULRDRORQJRGDH[SDQVmRPDUtWLPDSRUWXJXHVD desempenhou
papel ativo nos destinos da capitania e, enquanto procuradora a represen-
Num trípitico decorativo, a Fundação da vila de Santos pelo capitão Brás Cubas, de Bene-
dicto Calixto, retrata os aspectos do dia a dia da colonização de São Vicente e a edificação
do pelourinho. Fonte: Bolsa Oficial do Café, Santos-SP.
O jesuíta
(PFKHJRXDR%UDVLODSULPHLUDPLVVmRMHVXtWLFDHQYLDGDSRU
'RP-RmR,,,DR%UDVLO9LQKDQDFRPLWLYDGRQRYRJRYHUQDGRUJHUDO
Tomé de Sousa, SULPR GH 0DUWLP $IRQVR $ PLVVmR IRL FKHÀDGD
por Manoel da Nóbrega e se compunha também dos padres Leonardo
1XQHV-RmRGH$]SLOFXHWD1DYDUUR$QW{QLR3LUHV9LFHQWH5RGULJXHV
H'LRJR-iFRPH6HHP0DUWLP$IRQVRHUDJRYHUQDGRUGDÌQGLD
TXDQGRDOLDSRUWDUDPRVMHVXtWDVSHODSULPHLUDYH]VREDGLUHomRGH)UDQ-
cisco Xavier, era outro membro de sua família quem servia de apoio à
LQVWDODomRGD&RPSDQKLDGH-HVXVQR%UDVLORTXHDSRQWDSDUDRLPSRU-
WDQWHDSRLRTXHRVVHXVGHUDPjH[SDQVmRGD2UGHPSHORLPSpULR A
VLPELRVHHQWUHRV6RXVDVHD2UGHPGH-HVXVIRLH[SUHVVDQXPDFDUWDQD
TXDO0DQXHOGD1REUHJDDÀUPRXTXH´7RPpGH6RXVDHXRWHQKRSRU
WmRYLUWXRVRHHQWHQGHWmREHPRHVStULWRGD&RPSDQKLDTXHOKHIDOWD
SRXFDSDUDVHUGHODµ
Os jesuítas se instalaram primeiramente na Bahia, onde também se
HVWDEHOHFHX R JRYHUQDGRUJHUDO 0DV VHJXQGR R 3DGUH 6LPmR GH 9DV-
FRQFHORVDHOHVORJR´FKHJDUDPQRYDVTXHQDFDSLWDQLDGH6mR9LFHQWH
« KDYLD PXLWR GHVDPSDUR GD GRXWULQD FULVWm SRUTXH RV SRUWXJXHVHV
que ali estavam e começavam a povoar lugares viviam a modo de gen-
WLRVHRVJHQWLRVFRPRH[HPSORGHVWHVLDPID]HQGRPHQRVFRQFHLWRGD
Pintura reconstrói a primeira missa celebrada pelos jesuítas em São Vicente (Les Portugais
au Bresil: l’art dans la vie quotidienne, Bruxelles, Europalia, 1991, p. 55).
No mapa de D’Anville, ca. 1740, aparecem representadas a região de São Vicente e a Serra
de Paranapiacaba, separando-a do planalto onde os jesuítas instalaram suas missões,
junto às aldeias de João Ramalho. Fonte: Acervo de Júnia Ferreira Furtado.
“La villa de San Pablo”, de Luís Céspedes Xeria, 1628 (Toledo, A capital da solidão, p. 124).
$PDUoRGH0DUWLP$IRQVRGH6RXVDH'RQD$QD3LPHQWHO
redigiram, na casa em que viviam, em Lisboa, um testamento conjunto.
1mR VH WUDWDYD GH XPD HGLÀFDomR TXDOTXHU 4XDQGR DLQGD HVWDYD VHU-
vindo na Índia, Martim Afonso havia dado ordens para que sua esposa
GHVVHLQtFLRjFRQVWUXomRGH´XPDVFDVDVPXLWRJUDQGHVµPHGLGDTXH
HVWDVÀFDYDPSURQWDVHUDWDOVXDLPSRQrQFLDTXHDUDLQKDDRVHHQFRQ-
WUDUFRP'RQD$QD3LPHQWHO´QR3DoRHLPSUHVVLRQDGDFRPDGLPHQVmR
TXHDREUDWRPDYDLQTXLULXDVREUHDPHVPDDRTXHHODUHVSRQGHXOKH
‘Senhora, se Martim Afonso vier pobre, aquelas casas bastam; e se vier
ULFR Dt HVWi R >VHX@ FDVWHOR·µ De fato, ele havia determinado ao seu
primo, o conde de Castanheira, que supervisionava os trabalhos de cons-
WUXomRTXHRPHVPRQmRSRXSDVVHQRVJDVWRVSRLVTXHULDQHODRVWHQ-
WDU´JUDQGHVHVFXGRVGHDUPDVGHSHGUDULDµHTXHULD´FRPSHWLUFRPR
infante D. FernandoVH>HVWH@IRUDRPHXYL]LQKRQDVVXDVFDVDVµ Ao
querer rivalizar até mesmo com o palácio do príncipe, seu palácio pro-
jetaria, junto à corte, a importância que adquirira como um dos homens
GHFRQÀDQoDHSUR[LPLGDGHGRUHL3RUHVVDUD]mRDFDVDIRLHGLÀFDGDHP
IUHQWH´DXPGRVSULQFLSDLVFRPSOH[RVUHOLJLRVRVGDFDSLWDORFRQYHQWRH
a igreja de S. Francisco, na prestigiante vizinhança da Ribeira das Naus e
de uma série de outros palácios, entre os quais se salientavam a morada
OLVERHWD GRV GXTXHV GH %UDJDQoD H R 3DoR 5HDOµ ,QIHOL]PHQWH QmR
sobreviveu até os dias de hoje.
Os testamentos, como este de Martim Afonso e de Ana Pimen-
tel, eram declarações de últimas vontades e disposições sobre os desti-
QRVGHVHXVEHQVDVHUHPH[HFXWDGRVGHSRLVGDPRUWHGRVLQVWLWXLQWHV
Pelas Ordenações ManuelinasHQWmRYLJHQWHVDQmRVHUTXHWHQKDVLGRSUH-
YLDPHQWHDFRUGDGRSRUPHLRGHXPSDFWRSUpQXSFLDORTXHQmRIRLR
FDVRGRVGRLVWRGRVRVFDVDPHQWRVFRQWUDtGRVQRUHLQRHSRUH[WHQVmR
nas conquistas ultramarinas, eram feitos por carta de ametade. Isso sig-
QLÀFDYD TXH RV F{QMXJHV HUDP meeiros dos bens do casal e titulares da
metade do espólio quando da morte de um deles. Como eram meeiros
dos seus bens, Martim Afonso e Dona Ana resolveram redigir um único
A alma
1RVHLRGDUHOLJLmRFDWyOLFDDSUHRFXSDomRFRPRGHVWLQRGDDOPDHUD
XPDGDVTXHVW}HVFHQWUDLV2FDWROLFLVPRDRSDVVDUDSURSDJDUDH[LVWrQ-
cia do purgatório, onde os pecadores podiam ter seus pecados redimidos,
indicou uma série de sufrágios, constituídos de atos piedosos ou miseri-
cordiosos e de ritos após a morte, que se tornavam fundamentais para
TXHDDOPDGRPRUWRVXELVVHDRSDUDtVR3RUHVVDUD]mRRVWHVWDPHQWRV
se tornaram o último local em que se podia determinar quais ritos e atos
FRPHVVDLQWHQomRHUDPGHVHMDGRVSHORPRUWRHFRPRRVPHVPRVGHYH-
riam ser realizados.1HVVDSHUVSHFWLYDVmRYDOLRVRVUHJLVWURVGHL[DGRV
para a posteridade, da religiosidade de seus autores, dos santos e anjos
GHVXDGHYRomRGDVLUPDQGDGHVDÀOLDGDVGRVULWRVHVFROKLGRVSDUDDHOH-
YDomRGDDOPDGDVFHULP{QLDVGHHQWHUUDPHQWRGDVHVPRODVSLDVHQWUH
RXWURV²WXGRFRPYLVWDVDJDUDQWLU´DERDPRUWHµLVWRpTXHDPHVPD
IRVVH FHUFDGD GRV ULWRV PLVVDV YHODV SURFLVV}HV HWF H DWRV HVPRODV
necessários para encaminhar a alma aos céus.
Como era costume, o testamento de Martim Afonso e Dona Ana se
inicia invocando o “nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito
6DQWRWUrVSHVVRDVXPVy'HXVWRGRSRGHURVRµTXHRVGRLVDÀUPDP
FUHU´FRPRYHUGDGHLURVFULVWmRVTXHVRPRVµ(PVHJXLGDHQFRPHQGDP
VXDVDOPDV´DQRVVR6HQKRU-HVXV&ULVWR'HXVYHUGDGHLURTXHDVFULRXµ
(VVH SHGLGR VH MXVWLÀFDYD SRLV -HVXV WHQGR GHUUDPDGR ´VHX SUHFLRVR
O morgado
8PPRUJDGRWDPEpPVLJQLÀFDYDGLWDUHLPSRUVXDVYRQWDGHVVREUH
RVVXFHVVRUHVGDFDVDHQFHUUDQGRRVQXPDFDGHLDLQH[WLQJXtYHOGHGHYH-
UHV1mRVHWUDWDYDVRPHQWHGHUHJXODPHQWDURGHVWLQRHDDGPLQLVWUDomR
GRVEHQVWHUUHQRVDRSHUHQL]DURVIHLWRVGRVDQWHSDVVDGRVFULDYDVHXPD
teia de compromissos entre as gerações e impunha uma série de condutas
DRVVXFHVVRUHVFRPRLQWXLWRGHKRQUDUHJORULÀFDURQRPHGDIDPtOLD
TXHÀFDULDGHVVDIRUPDLPRUWDOL]DGR0DUWLP$IRQVRH$QD3LPHQWHO
GLWDUDP TXH ´VHJXQGR DV FOiXVXODV GHVWH QRVVR WHVWDPHQWR « DVVLP
PDQGDPRVFXPSULUHPHIHLWRµFRPYLVWDVDTXH´HVWHQRVVRPRUJDGR
ÀTXHSDUDVHPSUHSRUQRVVDPHPyULDHTXHYiHPGLDQWHHPDXPHQWR
HQmRHPGLPLQXLomRµ3DUDWDQWRURJDUDPD1RVVR6HQKRUTXHVHXV
VXFHVVRUHVIRVVHPVHPSUHÀGDOJRVQREUHVGLJQLÀFDQGRFDGDYH]PDLVD
família e a casa.
Sobre o patrimônio que vincularam ao morgado, visando ao enri-
TXHFLPHQWRHjSHUHQL]DomRGDFDVDHPWRGDVDVJHUDo}HVVXEVHTXHQWHV
mandaram que “a pessoa que o herdar e suceder se[ria] obrigada [a] dei-
[DUDPHWDGHGHVXDWHUoDGHKHUDQoDYLQFXODGDHXQLGDDHVWHGLWRQRVVR
PRUJDGRµ,VVR´SRUTXHQDFRQVHUYDomRGHQRVVDPHPyULDHIDPtOLDHVWi
DVXDTXHVHPSUHDQGDUiPDLVYLYDHFRPPRUDXPHQWRSRUFRQMXQomR
H XQLmR H DFUHVFHQWDPHQWR GH VXDV OHJtWLPDV FRP QRVVDV WHUoDV R TXH
PXLWRDTXLFRQVLGHUDPRVHPXLWROKHHQFRPHQGDPRVµ
3DUDJDUDQWLUDKRQUDGH]HGLVWLQomRGHVXDOLQKDJHPJDUDQWLQGRVHX
posicionamento entre as grandes casas do reino, determinaram que seus
sucessores deveriam ser “sempre nascidos de legítimo matrimônio, e as
IrPHDVQmRVHMDPYLVRXQRWDGDVGDOJXPDWDOLQIkPLDµRX´GHWRUSH]Dµ
&DVRFRQWUiULRQmRSRGHULDPHQWUDU´QDVXFHVVmRGHQRVVDFDVDHSUR-
SDJDomR GH QRVVR QRPH H PHPyULD SRUTXH WDLV IrPHDV LQIDPDGDV H
QRWDGDV GH WRUSH]D KDYHPRV SRU LQGLJQDV H LQFDSD]HV GD VXFHVVmR GH
nosso morgado, e casa, o que havemos por repetido em todos os casos
H WHPSRVµ ([LJLUDP DLQGD TXH VHXV VXFHVVRUHV IRVVHP OHDLV j &RURD
HH[FOXtUDP´DSHVVRDTXHIRUWUHGRU>LVWRpWUDLGRU@jSHVVRDGRUHLRX
GRUHLQRµSRLV´QmRVHULDF{QJUXRDQWHVUHSXOVD>j@UD]mRQDWXUDOH
Notas
1 “(…) cantando espalharei por toda parte, / Se em <http://www.arqnet.pt/portal/pessoais/
a tanto me ajudar engenho e arte” (Luís de sousa_autobio.html>, acesso em: set. 2014).
Camões, Os Lusíadas, Lisboa, Ulisseia, 1977, 7 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
canto I, est. 2. da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
2 Camões, Os Lusíadas, canto X, est. 63. Sousa…
3 Ibidem, canto X, est. 66, grifos meus. 8 José Hermano Saraiva (org.), Ditos portugue-
4 Ibidem, canto X, est. 64 e 65, grifos meus. ses dignos de memória, Portugal, Publicações
Europa-América, 1997, p. 303-305.
5 Ibidem, canto X, est. 67.
9 Francisco de Andrada, Crônica de Dom João III,
6 “(…) que por El Rei ter novas que no Brasil
Porto, Lello & Irmão, 1976.
havia muitos franceses, me mandou lá em
uma armada, onde lhes tomei quatro naus, 10 Ibidem, v. I, cap. XXXIX.
que todas se defenderam muito valentemente 11 Gaspar Correia, Lendas da Índia, Porto, Lello
e me feriram muita gente; e assim nisto como & Irmão, 1975, v. 1, p. 580, grifos meus. Ale-
no descobrimento de alguns rios, que me El xandra Maria Pinheiro Pelúcia, A linhagem dos
Rei mandava descobrir” (Martim Afonso de Sousas: construção de uma rede de influência
Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez ultramarina, em Seminário Internacional de
da sua vida e obra o grande Martim Afonso História Indo-portuguesa: a Bahia e a carreira
de Sousa…, em Luís de Albuquerque (dir.), das Índias, 10., Comunicação… Salvador, 5-9
Martim Afonso de Sousa, texto modernizado dez. 2000, mimeografado, p. 7.
por Luís de Albuquerque e comentário final de 12 Esse senhorio foi-lhe concedido por Dom
Maria do Anjo Ramos Lisboa, Alfa/Biblioteca Manuel I (Alexandra Pelúcia, Martim Afonso de
da Expansão Portuguesa, p. 69, disponível Sousa e a sua linhagem: trajectórias de uma
“BHOR+RUL]RQWHYDLWHUXPPXVHXµ
assim o jornal Estado de S. PauloDQXQFLRXDLQDXJXUDomRGD*DOHULD%UD-
siliana, em Belo Horizonte.2HYHQWRRFRUUHXjVKGRViEDGRGH
MDQHLURGH$VSULPHLUDVSHoDVTXHFRPSRULDPRDFHUYRGRIXWXUR
PXVHXIRUDPH[LELGDVQRhall da Biblioteca Pública Estadual.2(PH[SR-
VLomRHVWDYDPLWHQVGRVTXHFKHJDUDPjFLGDGHWUD]LGRVGH6mR
3DXOR$FROHomRFRPSOHWDLQFOXtDSLQWXUDVHVFXOWXUDVREMHWRV
JUDYXUDHOLYURVUDURVHGRFXPHQWRVPDQXVFULWRV Havia, ainda, uma
FROHomRGHFDUWDVPDQXVFULWDVSRU&DPLOR&DVWHOR%UDQFRRIHUHFLGDV
jFROHomRSHORLQGXVWULDO$XJXVWRGH$]HYHGR1XQHV4
1D H[SRVLomR R DFHUYR KHWHURJrQHR SDUHFLD WHU VLGR H[SRVWR GH
DFRUGR FRP DÀQLGDGHV SHUFHELGDV HQWUH DV SHoDV ´8P GRV FRQMXQWRV
é formado por uma pia batismal em jacarandá, da matriz de Bragança,
GD>SULPHLUD@PHWDGHGRVpFXOR;9,,,VREXPFUXFLÀ[RGHDUWHEDLDQD
GDPHVPDpSRFDFRPLQÁX[RGDDUWHGH*RDµ2DUUDQMRHUDVLPHWULFD-
mente emoldurado por duas pinturas. Uma paisagem do Rio de Janeiro,
IHLWDSRU+HQUL9LQHWHPHVWDYDSHQGXUDGDjHVTXHUGD'RODGR
RSRVWRÀFDYD´XPDYLVWDGD$PD]{QLDGHDXWRULDGRLWDOLDQR*LXVHSSH
/HRQH5LJKLQLGDWDGDGHµ5
2FUXFLÀ[REDLDQRGRDGRSHODHPSUHVDGHDYLDomR9DULJIRLDSUHVHQ-
WDGRSHORVRUJDQL]DGRUHVGDFROHomRFRPRXPD´SHoDUDUDµTXH´GRFX-
PHQWDDVUHODo}HVHQWUH%UDVLOHÌQGLDµ´2&ULVWRpHVFXOSLGRHPPDGHLUD
jPDQHLUDTXHHP*RDVHHVFXOSLDRPDUÀPµ-iDSLDEDWLVPDOHUDSUR-
FHGHQWH GD 0DWUL] GH %UDJDQoD 6mR 3DXOR TXH WLQKD VLGR UHIRUPDGD
HP'RDQWLJRWHPSORSRXFRUHVWDUD2VLQFHQViULRVKDYLDPVLGR
descobertos e vendidos. E, agora, a pia batismal era integrada à Galeria
%UDVLOLDQDSRUXPDRIHUWDGRSUHVLGHQWHGR0XVHXGH$UWHGH6mR3DXOR
0$63 0D[/RZHQVWHLQ(OHWDPEpPWURX[HSDUDDFROHomRXPDYLVWD
GD%DtDGH*XDQDEDUDSLQWDGDSRU&DUORV%DOOLHVWHUHP
A obra de Vinet havia sido cedida pelo empresário Alberto Lee, um
dos idealizadores da Brasiliana. Já a tela de Righini foi doada por Daniel
:LOGHQVWHLQÀOKRGRmarchand Georges Wildenstein. A família era pro-
prietária de uma galeria de arte, em Nova York, em que Chateaubriand e
Pietro Maria Bardi, diretor e curador do MASP, eram clientes.
(PXPD´SDUHGHGHOLYURVUDURVGRVHUHLQDGRVµVHHQFRQWUD-
YDPD&ROHomR&DPLOLDQDHRTestamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona
Ana Pimentel, um documento escrito em pergaminho e encadernado, que
fora adquirido na Inglaterra. O documento foi doado ao acervo pelo
EDQFiULRHHPSUHViULR6HEDVWLmR3DHV$OPHLGDSRULQWHUPpGLRGD6RFLH-
dade de Estudos Históricos Brasileiros Dom Pedro II.
$H[SRJUDÀDQmRJXDUGDYDVHPHOKDQoDVFRPDVPRQWDJHQVUHDOL]D-
GDVSHORFDVDO/LQD%RH3LHWUR0DULD%DUGLSDUDH[SRVLo}HVRUJDQL]D-
GDVSHORV'LiULRV$VVRFLDGRV2VH[FHVVRVGDGHFRUDomRIHVWLYDUHÁHWLD
DLQH[SHULrQFLDGRVEHORKRUL]RQWLQRVQRFDPSRPXVHROyJLFR2VDJXmR
da biblioteca foi decorado pelo paisagista José Afonso Vilela César, que
GHXSRXFDDWHQomRjVREUDVHSULYLOHJLRXXPDDPELHQWDomRIRUoRVDPHQWH
PDUFDGDSRU´PRWLYRVEHPEUDVLOHLURV²ÁRUHVWURSLFDLVRUTXtGHDVEDV-
WmRGRLPSHUDGRUHDYHVGRSDUDtVRµ)RUMDQGRUHIHUrQFLDVKLVWyULFDV´RV
arranjos, feitos em vasos de cobre martelado, do artesanato mineiro, real-
çando a beleza das arcas e vasos antigos de madeira, enchiam o ambiente
GDVXJHVWmRGDVGHFRUDo}HVGRSDVVDGRµ
>$UHDOL]DomRGHVVHWUDEDOKRVyIRLSRVVtYHOJUDoDVDRHPSHQKRGHSHV-
soas que, atenciosamente, disponibilizaram materiais e informações
VREUHRWHPD$JUDGHFHPRVj'LYLVmRGH&ROHo}HV(VSHFLDLVH2EUDV
Raras da UFMG, especialmente à bibliotecária Diná Marques Pereira
Araújo, que, com muita cordialidade, nos recebeu, cedeu documentos
HQRVDMXGRXDSHQVDUTXHVW}HVVREUHDGRDomRGRWHVWDPHQWRGH0DU-
tim Afonso de Sousa; à conservadora Moema Nascimento Queiroz,
TXHFRPJUDQGHDPRUSURWHJHXD*DOHULD%UDVLOLDQDHQRVDX[LOLRX
FRPIDUWDGRFXPHQWDomRVREUHD*DOHULD%UDVLOLDQDVHPQXQFDKHVL-
tar em compartilhar seu trabalho conosco. Somos gratos à Secretaria
GRVÐUJmRVGH'HOLEHUDomR6XSHULRUGD8)0*TXHQRVUHFHEHXFRP
Notas
1 Belo Horizonte vai ter novo museu, Estado de 13 Morais, Chatô, p. 661.
São Paulo, São Paulo, p. 8, 23 jan. 1966. 14 Assis Chateaubriand, Tarde de encantamento,
2 Atual Biblioteca Pública Estadual Luiz de Diário do Paraná, Curitiba, 27 out. 1964, Pri-
Bessa. meiro Caderno, p. 2.
3 Paulo Cabral, Carta a Pietro Maria Bardi, de 2 15 Surge em Minas um dos grandes museus do
de fevereiro de 1966. Brasil, p. 1.
4 Assis Chateaubriand, O muro do bom senso, 16 Emerson Dionísio Gomes de Oliveira, Algo
Diário do Paraná, Curitiba, 1966, Primeiro familiar: considerações sobre as doações em
Caderno, p. 2; Belo Horizonte vai ter novo museus de arte brasileiros, Revista Musas –
museu, p. 8. O destino desta coleção de cartas Revista Brasileira de Museus e Museologia,
é desconhecido. Ela não consta em nenhuma Brasília, n. 6, v. 2, p. 79, 2014. Ver, também:
das listas de itens da Galeria Brasiliana trans- Muito visitada a Galeria Brasiliana, Estado de
feridos para a UFMG de que se tem notícia. Minas, Belo Horizonte, 23 jan. 1966, Primeiro
5 Belo Horizonte vai ter novo museu, p. 8. Caderno, p. 3.
6 Relação das peças da “Galeria Brasiliana” reti- 17 Maria Cecília França Lourenço, Museus
radas hoje, 24-1-66, da Biblioteca Estadual e acolhem o moderno, São Paulo, Edusp, 1999.
entregue à Reitoria da UFMG. p. 79.
7 Fernando Morais, Chatô: o rei do Brasil, a vida 18 Ibidem, p. 239.
de Assis Chateaubriand, São Paulo, Cia. das 19 Mário Barata, Presença de Assis Chateau-
Letras, 1994, p. 680. briand na vida brasileira, São Paulo, Martins,
8 Belo Horizonte vai ter novo museu, p. 8. 1971, p. 105.
9 Surge em Minas um dos grandes museus do 20 Além do Museu D. Beja e da Galeria Brasiliana,
Brasil, Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 1, a Campanha Nacional dos Museus Regionais
22 jan. 1966. fundou, em 1966, o Museu de Arte Contem-
porânea de Pernambuco (Olinda-PE), a Pina-
10 Belo Horizonte vai ter novo museu, p. 8; Cf.
coteca Rubem Berta (Porto Alegre-RS). No ano
Surge em Minas um dos grandes museus do
seguinte, foram criados o Museu de Arte Pedro
Brasil, p. 1.
Américo (atual Museu de Arte Assis Chateau-
11 Belo Horizonte vai ter novo museu, p. 8. briand, Campina Grande-PB) e o Museu Regio-
12 Surge em Minas um dos grandes museus do nal de Arte (Feria de Santana-BA). Pretendia-
Brasil, p. 1. se, ainda, criar um museu em Jequié-BA e