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O Testamento de Martim Afonso

de Sousa e de Dona Ana Pimentel


no Acervo da Seção de
Obras Raras da UFMG
O Testamento de
Martim Afonso de Sousa
e de Dona Ana Pimentel
no Acervo da Seção de
Obras Raras da UFMG

JÚNIA FERREIRA FURTADO BELO HORIZONTE


ORGANIZADORA EDITORA UFMG - 2015
SUMÁRIO

Apresentação 7
Diná Araújo
Júnia Ferreira Furtado

PARTE I
Estudos críticos

Martim Afonso de Sousa


Vida e morte entre Portugal, Brasil e Índia 15
Júnia Ferreira Furtado

Pedra fundamental
O Testamento de Martim Afonso de Sousa e
de Dona Ana Pimentel na Galeria Brasiliana 163
René Lommez Gomes
André Onofre Limírio Chaves

Livros e documentos da Galeria Brasiliana


no Acervo de Obras Raras da UFMG 235
Diná Araújo

O Testamento de Martim Afonso de Sousa e


de Dona Ana Pimentel
Aspectos históricos e simbólicos da
materialidade do documento 45
Márcia Almada
PARTE II
O testamento de Martim Afonso de Sousa e
de dona Ana Pimentel

Critérios da transcrição
Júnia Ferreira Furtado

Edição Crítica
Júnia Ferreira Furtado

Edição diplomática
Raquel Aparecida Pereira
Júnia Ferreira Furtado

Fac-símile do original

Sobre os autores
Apresentação

O Acervo do Setor de Obras Raras da Biblioteca Universitária da


Universidade Federal de Minas Gerais reúne, além de livros raros e anti-
JRVGRFXPHQWRVHVSHFLDLVTXH FRPS}HPRSDWULP{QLRELEOLRJUiÀFRH
documental da universidade devido a sua importância histórica, literá-
ULD H FXOWXUDO 'HQWUH DV SHoDV ELEOLRJUiÀFDV PXLWDV VmR UHSHUWRULDGDV
como raras e preciosas e citadas em base de dados especializados. Desti-
nado à consulta de pesquisadores, docentes, alunos e da comunidade em
JHUDOSDUDDUHDOL]DomRGHSHVTXLVDVHODERUDomRGHWHVHVHGLVVHUWDo}HV
PRQRJUDÀDV OLYURV H DUWLJRV HP SHULyGLFRV HVVH DFHUYR WDPEpP WHP
FRRSHUDGRSDUDDUHDOL]DomRGHDWLYLGDGHVGHHQVLQRHGHH[WHQVmRGHVHQ-
volvidas por professores da UFMG.
Atualmente, o acervo reúne obras dos séculos XVI ao XX que
VRPDP DSUR[LPDGDPHQWH  H[HPSODUHV HQWUH OLYURV IROKHWRV
periódicos e documentos especiais, como manuscritos, mapas, álbuns de
arte, correspondências e fotos. Está organizado em coleções que pos-
VXHPKLVWyULFRVGLVWLQWRVGHIRUPDomRPDVTXHHPVXDPDLRULDIRUDP
UHXQLGDVSRUELEOLyÀORVHPSUHViULRVSURIHVVRUHVVHQGRSRVWHULRUPHQWH
GRDGDV j XQLYHUVLGDGH (QWUH HVVDV FROHo}HV ÀJXUD FRPR XP GH VHXV
destaques, a Galeria Brasiliana, que foi incorporada ao Acervo do Setor
GH2EUDV5DUDV2VUDURVHSUHFLRVRVH[HPSODUHVGHVVDFROHomRUHYHODP
a memória da cultura escrita, inscrita e impressa que tem o Brasil como
tema central, na qual tem relevância o Testamento de Martim Afonso de Sousa e
de Dona Ana PimentelXPGRVSRXFRVH[HPSODUHVPDQXVFULWRVGDFROHomR
Trata-se de um manuscrito composto por três bifólios de pergami-
QKRTXHFRUUHVSRQGHPDVHLVIROKDVPHGLQGR[FPHIRLHVFULWR
em português antigo. Algumas folhas receberam o sinal da cruz de malta
na margem inferior, além de marcas e anotações marginais. Quando de
VXD GRDomR SDUD FRPSRU D *DOHULD %UDVLOLDQD HP  YHLR HQFDGHU-
QDGRHPXPDSDVWDGHFRXURHDFRQGLFLRQDGRHPFDL[D6RODQGHUUHYHV-
tida com couro na cor verde e forrada com tecido chamalote amarelo.
Posteriormente, o documento foi entrefolhado com papel de qualidade
DUTXLYtVWLFD 7DQWR D HQFDGHUQDomR TXDQWR D FDL[D 6RODQGHU UHFHEHUDP
GRXUDPHQWRVHPIRUPDGHÀOHWHVÁRU}HVHWH[WRVTXHLGHQWLÀFDPRWtWXOR
GRGRFXPHQWRHWDPEpPUHJLVWUDPVXDGRDomRSDUDD*DOHULD%UDVLOLDQD
O manuscrito apresenta marcas de dobras, principalmente no primeiro
ELIyOLRTXHVmRYHVWtJLRVGRIRUPDWRLPSRVWRSDUDVXDJXDUGDSRVVLYHO-
PHQWHQDRFDVLmRGHVXDH[SHGLomR
Informações gravadas no verso da capa dizem que o “Testamento de
0DUWLP$IRQVRGH6RXVD'RQDWiULRGD&DSLWDQLDGH6mR9LFHQWH
µIRL´RIHUHFLGRSRU6HEDVWLmR3DHVGH$OPHLGD2 por intermédio da
6RFLHGDGHGH(VWXGRV+LVWyULFRV'RP3HGUR,,GH6mR3DXORj*DOHULD
%UDVLOLDQDGH%HOR+RUL]RQWHHPµ&ULDGDQHVVHDQRSHOD6RFLH-
GDGH'RP3HGUR,,HVVDFROHomRSUHWHQGLDDEULJDUGRFXPHQWRVOLYURV
e obras de arte que documentassem a história do país, com apoio do
MRUQDOLVWDHPEDL[DGRUHSUHVLGHQWHGRV'LiULRVH(PLVVRUDV$VVRFLDGRV
GRXWRU)UDQFLVFRGH$VVLV&KDWHDXEULDQG%DQGHLUDGH0HOOR  
&RPRH[SUHVVmRGHVVHDSRLRDJDOHULDIRLIXQGDGDGXUDQWHD&DPSDQKD
Nacional de Museus Regionais, promovida pelos Diários Associados, em
1 Universidade Federal de Minas Gerais, Biblioteca Universitária, Setor de Obras Raras, Manuscritos,
acervo 368977, número de chamada: 94(81).017 S725t 1533-1538 OR (BU-BRA), Testamento do
Senhor Martim Afonso de Sousa e de sua mulher Dona Ana Pimentel que ambos fizeram no ano de
1560 em que fizeram instituição do morgado dos Sousas, Título 3º Maço 1º Número 1º.
2 Apesar dessa inscrição, o que se sabe é que teria sido transferido por João Calmon, presidente do
Condomínio das Empresas Associadas.

8 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
GHMDQHLURGH/RJRDSyVRVHXODQoDPHQWR$VVLV&KDWHDXEULDQG
transferiu formalmente o testamento à UFMG, juntamente com as pin-
turas a óleo, esculturas e peças sacras que formavam a Galeria, para a sua
JXDUGD WHPSRUiULD HQTXDQWR RV 'LiULRV $VVRFLDGRV QmR FRQVWUXtDP R
museu destinado a abrigá-la.
1RDQRGHVHXIDOHFLPHQWR$VVLV&KDWHDXEULDQGUHFHEHX
o título de doutor honoris causa da UFMG, honraria concedida em agra-
GHFLPHQWRjGRDomRGHXPDFROHomRGHPLOOLYURVSDUDDELEOLRWHFDGD
)DFXOGDGHGH'LUHLWRFRQÀJXUDQGRDSULPHLUDFRQFHVVmRpost mortem do
título na UFMG. O Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana
PimentelVyIRLHIHWLYDPHQWHGRDGRj8)0*HPDSyVRIDOHFLPHQWR
GRMRUQDOLVWDWUDQVIHULGDSRU-RmR&DOPRQSUHVLGHQWHGR&RQGRPtQLR
GDV(PSUHVDV$VVRFLDGDV$VVLPVRPHQWHDGHMXQKRGHRWHVWD-
mento foi formalmente incorporado ao Acervo do Setor de Obras Raras,
primeiramente localizado no prédio da reitoria da UFMG, no Campus
3DPSXOKD3RVWHULRUPHQWHHPRDFHUYRIRLWUDQVIHULGRSDUDRSUp-
GLRGD%LEOLRWHFD8QLYHUVLWiULD RX%LEOLRWHFD&HQWUDO TXHSDVVRXDVHU
responsável pela sua guarda. Essa transferência foi realizada pela reitoria,
que instalou os livros e os documentos da Galeria Brasiliana em uma sala
HVSHFLDOGRSUpGLRFRPRREMHWLYRGHJDUDQWLUVXDFRQVHUYDomR$SDUWLU
dessa data, o Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel
passou a fazer parte do Acervo do Setor de Obras Raras e está abrigado
no quarto andar, onde, atualmente, se encontram as suas instalações.
O valor histórico desse documento, ainda inédito para o público
em geral e mesmo para o especializado, é imensurável, visto que se trata
GDV GLVSRVLo}HV ÀQDLV GH 0DUWLP $IRQVR GH 6RXVD XP GRV SULPHLURV
H[SORUDGRUHV H FDSLWmHV GRQDWiULRV GR %UDVLO H GH VXD PXOKHU 'RQD
$QD 3LPHQWHO TXH WDPEpP SDUWLFLSRX GD VXD FRORQL]DomR GHSRLV TXH
seu marido foi transferido para a Índia para ocupar o cargo de vice-rei.
Decorre de sua importância histórica e material o fato de o Testamento de
Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel ter sido escolhido para inau-
gurar uma série de ações que visam divulgar as raridades que se encon-
WUDPQHVVHDFHUYR2REMHWLYRpRUJDQL]DUH[SRVLo}HVDQXDLVQR(VSDoR
do Conhecimento da UFMG, localizado na Praça da Liberdade, em

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 9
Belo Horizonte, que faz parte do Circuito Cultural ali instalado, e estas
VHLQLFLDPQRDQRGHFRPDGRWHVWDPHQWR&RQFRPLWDQWHDHVVD
LQLFLDWLYD D (GLWRUD 8)0* ODQoD XPD QRYD FROHomR LQWLWXODGD 2EUDV
Raras, que pretende disponibilizar, doravante, outros documentos desse
SUHFLRVRDFHUYRHTXHVHUYLUiGHFDWiORJRSDUDDVH[SRVLo}HVUHDOL]DGDV
(VWDSXEOLFDomRTXHLQDXJXUDD2EUDV5DUDVVHLQLFLDQDSULPHLUD
SDUWHFRPRV´(VWXGRVFUtWLFRVµHODERUDGRVSRUSHVTXLVDGRUHVHVSHFLD-
OL]DGRV2SULPHLURWH[WRGH-~QLD)HUUHLUD)XUWDGRDERUGDDKLVWyULD
desses dois personagens e também analisa os esforços que encetaram
para colonizar o Brasil e os desígnios que ambos estabeleceram, como
suas últimas vontades, em seu testamento. Em seguida, René Lommez
Gomes e André Onofre Limírio Chaves dissecam o processo de consti-
WXLomRGRDFHUYRGD*DOHULD%UDVLOLDQDHFRPRRWHVWDPHQWRYHLRDLQWH-
grá-la, sob o patronato de Assis Chateaubriand. Diná de Araújo relata a
KLVWyULDGDLQFRUSRUDomRGRVOLYURVHGRFXPHQWRVPDQXVFULWRVGD*DOHULD
Brasiliana, entre eles o testamento, ao Acervo do Setor de Obras Raras
da UFMG, com todos os desdobramentos que se seguiram após a incor-
SRUDomRGHVVDFROHomRDHVVHVHWRUFRPYLVWDVjRUJDQL]DomRWUDWDPHQWR
HFDWDORJDomRGHVVHDFHUYR0iUFLD$OPDGDHQFHUUDHVVDSDUWHFRPXPD
UHÁH[mRVREUHDVPXGDQoDVGRHVWDWXWRVLPEyOLFRGRGRFXPHQWRDSDUWLU
GDDQiOLVHGRVHXHVWDGRGHFRQVHUYDomRHGRVYHVWtJLRVPDWHULDLVLQVFUL-
tos em seu suporte.
A segunda parte abriga a parte documental e inicia-se com a
H[SOLFDomRGRVFULWpULRVGHQRUPDWL]DomRTXHIRUDPDGRWDGRVQDVWUDQV-
crições do Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel, que
vem a seguir. A primeira constitui uma edição crítica, que moderniza o
WH[WRHRWRUQDGHPDLVIiFLOOHLWXUDSDUDRVGLDVGHKRMH(VVDHGLomRIRL
estabelecida por Júnia Ferreira Furtado, a partir da edição diplomática, rea-
OL]DGDSRU5DTXHO$SDUHFLGD3HUHLUDTXHpPDLVÀHODRRULJLQDOGRVpFXOR
;9,WDQWRQDRUWRJUDÀDUHVSHLWDQGRRVDUFDtVPRVJUiÀFRVTXDQWRQD
SRQWXDomR3RUÀPHVWDSDUWHWHUPLQDFRPDVLPDJHQVGLJLWDOL]DGDVGR
original propriamente dito.
Para realizar essa empreitada, foram necessários vários anos de tra-
balho dessa equipe de pesquisadores, que incluiu também os bolsistas de

10 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
LQLFLDomRFLHQWtÀFDGR&13T8)0*9DOTXtULD)HUUHLUDGD6LOYD*DEULHO
Afonso Vieira Chagas, Rafael Vinicius da Fonseca Pereira, Amanda Mes-
seder de Oliveira, Hugo Mateus Gonçalves Rocha e Carolina Vaz de Car-
YDOKR DOpP GR DSRLR GH YiULDV LQVWLWXLo}HV H SHVVRDV 'HL[DPRV DTXL
registrado os nossos agradecimentos especiais à Universidade Federal de
Minas Gerais, especialmente aos reitores Clélio Campolina Diniz e Jaime
Arturo Ramírez, às vice-reitoras Rocksane de Carvalho Norton e Sandra
5HJLQD*RXODUWGH$OPHLGDjVSUyUHLWRUDVGH([WHQVmR(ÀJrQLD)HU-
UHLUDH)HUUHLUDH%HQLJQD0DULDGH2OLYHLUDjGLUHWRUDGH$omR&XOWXUDO
Leda Maria Martins e do seu diretor adjunto, Fernando Antônio Men-
FDUHOOLj6HFUHWDULDGRVÐUJmRVGH'HOLEHUDomR6XSHULRUjELEOLRWHFiULD
Marlene de Fátima Vieira Lopes; à conservadora Moema Nascimento de
Queiroz; e aos editores Wander Melo Miranda e Roberto Said, da Edi-
tora UFMG, que acolheram esse projeto editorial; bem como a toda a
equipe do Espaço do Conhecimento da UFMG, em especial a Ida Gracia
Rossi, Lucas Mello de Souza, Raquel Silva de Moura e Aline Rosa, que
DX[LOLDUDPQDSHVTXLVDHSURGXomRGDH[SRVLomR2DSRLRÀQDQFHLURGD
)DSHPLJHGR&13TIRLLQGLVSHQViYHOSDUDDUHDOL]DomRGHYiULDVHWDSDV
TXHFXOPLQDUDPQHVWDSXEOLFDomR$WRGRVPXLWRREULJDGR

Diná Araújo
Júnia Ferreira Furtado

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 11
PARTE I
Estudos críticos
14 O Testamento de Martim Afonso
de Sousa e de Dona Ana Pimentel
MARTIM AFONSO DE SOUSA
Vida e morte entre Portugal, Brasil e Índia
Júnia Ferreira Furtado

O valente guerreiro
Nos versos de Os Lusíadas, Luís de Camões,
´FRPHQJHQKRHDUWHµH[DOWDHFDQWDDVDYHQWXUDVGRVSRUWXJXHVHVGXUDQWH
RSURFHVVRGHH[SDQVmRPDUtWLPDDSDUWLUGR4XDWURFHQWRV Entre tantos
KHUyLV FXMRV IHLWRV VmR FDQWDGRV SHOR SRHWD Oi HVWi 0DUWLP $IRQVR GH
6RXVDTXHQR%UDVLOIRLRSULPHLURFDSLWmRGRQDWiULR'L]&DP}HVTXH
VHXYDORUIRLGHPRQVWUDGR´QR%UDVLOFRPYHQFHUHFDVWLJDURSLUDWD
)UDQFrVDRPDUXVDGRµ,QIRUPDDLQGDTXHIRL´'HSRLV&DSLWmRPRUGR
ÌQGLFRPDUµ2 sendo que aí se envolveu em diversas guerras contra os reis
locais e demonstrou tal bravura que,
Tendo assim limpa a Índia dos imigos,
Virá depois com ceptro a governá-la.
Sem que ache resistências nem perigos,
Que todos tremem dele e nenhum fala.
Nos versos camonianos, as musas louvam a valentia do guerreiro
Martim Afonso, seja no combate aos inimigos franceses, que ameaça-
vam as costas brasileiras e cobiçavam suas riquezas, seja na guerra contra
RUHLJHQWLRGH&DOLFXWH´TXHDVVLPFRPTXDQWRVYHLR2IDUiUHWLUDU
GH VDQJXH FKHLRµ H ´YHQFHUi co’o IXURU GR IHUUR H IRJRµ4 2 DXWRU QmR
se esquece de que o nome do herói, Martim ou Martinho, é apropria-
damente uma corruptela de Marte, o deus da guerra, e, como já estava
escrito e prognosticado em seu próprio nome, foi ele “em armas ilustre
HPWRGDSDUWHµ0DVQmRVHULDPVRPHQWHHVVDVDVVXDVYLUWXGHV$VPXVDV
FDQWDPDLQGDVXDFDSDFLGDGHDGPLQLVWUDWLYDFRPRFDSLWmRGRÌQGLFRRX
JRYHUQDGRUGDÌQGLDSRLVHUD´WDQWRHPDUPDVLOXVWUHHPWRGDSDUWH
TXDQWRHPFRQVHOKRViELRHEHPFXLGDGRµ
3RUpPVH&DP}HVpSUROtÀFRHPH[DOWDURVIHLWRVGH0DUWLP$IRQVR
de Sousa na Ásia, onde, entre outras tantas proezas, tomou a fortaleza de
Diu, destruiu a cidade de Relim e conquistou, em sangrentas batalhas, as
FLGDGHVGH%HDGDODH%DWLFDOiSRXFRRXTXDVHQDGDGL]GHVXDDWXDomR
no Brasil, que, no entanto, foi marco importante tanto na sua folha de
serviços ao rei, indispensável para angariar as mercês e cargos que alcan-
çou depois, inclusive os postos na Índia, quanto para o início do processo

Martim Afonso de Sousa, por Lisuarte de


Abreu, século XVI (Max Justo Guedes, O
descobrimento do Brasil (1500-1548),
Lisboa, CTC Correios, 2000, p. 100).

16 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
GHFRORQL]DomRGRVSRUWXJXHVHVHPVXDFRQTXLVWDDPHULFDQD$WpPVH
neste último espaço, o poeta a evocar o combate aos piratas franceses que
DPHDoDYDPDVFRVWDVEUDVLV0DVQmRVHHVSDQWHROHLWRUSRLVRPHVPR
IH]RSUySULRTXDQGRQD´%UHYtVVLPDHVXPiULDUHODomRTXHIH]GDVXD
YLGDHREUDRJUDQGH0DUWLP$IRQVRGH6RXVD«µQDTXDOGHL[RXSDUD
a posteridade o relato de seus feitos, quase nada disse sobre sua estada
QR%UDVLOTXHVHHVWHQGHXGHDDSyVWHUVLGRQRPHDGRSRU
'RP-RmR,,,FDSLWmRPRUGDHVTXDGUDTXHGHFLGLXHQYLDUDR%UDVLOSDUD
UHFRQKHFLPHQWRHH[SORUDomRGDFRVWD1RGRFXPHQWRQRTXDOUHOHPEUD
os grandes serviços prestados à Coroa portuguesa, com vistas a alcançar
graças e mercês, se limitou a dedicar apenas umas poucas linhas ao seu
périplo brasileiro, destacando também o combate aos piratas franceses
e o descobrimento de alguns de seus rios. Acentuando os padecimen-
WRV TXH YLYHQFLRX QR %UDVLO DÀUPD TXH DOL ´WDUGHL SHUWR GH WUrV DQRV
passando muitos trabalhos e muitas fomes e muitas tormentas, até por
GHUUDGHLURPHGDUXPDWmRJUDQGHTXHVHSHUGHXDQDXHPTXHHXLDH
HVFDSHLHPXPDWiEXDHPDQGRXPH(O5HLYLUGHOiµ
2XWURVUHODWRVFRHYRVVmRGDPHVPDIRUPDODF{QLFRVDHVVHUHVSHLWR
Em os Ditos portugueses dignos de memória, o autor anônimo, a par do que era
voz corrente no reino português por aquela época, evoca apenas como
sendo célebres os ditos de Martim Afonso relativos ao tempo em que era
alcaide-mor de Bragança, e depois quando foi governador da Índia. Na
Crônica de Dom João III, Francisco de Andrada relata seus feitos quando
DOLVWDGRQRH[pUFLWRGRLPSHUDGRUHVSDQKRO&DUORV9FRQWUD)UDQFLVFR,
da França, e Gaspar Correia, nas Lendas da Índia, chega a insinuar que
D PLVVmR DR %UDVLO QmR FRUUHVSRQGLD D XPD JOyULD PDV D XP GHVWHUUR
DTXHIRUDVXMHLWRSRLV'RP-RmR,,,´HQFDUUHJRX0DUWLP$IRQVRHP
algumas hidas pêra fora, e lhe deu grandes terras do Brasil, para onde El-
Rei condenava muytosGHJUDGDGRVµ$LQGDTXHWDOGHVDWHQomRGHVVHVSUL-
meiros cronistas se deva, em parte, ao maior interesse, nessa época, dos
SRUWXJXHVHVHPUHODomRDVXDVSRVVHVV}HVQR2ULHQWHRQGHDOFDQoDYDP
DVPDLRUHVKRQUDVQDOXWDFRQWUDRVLQÀpLVTXHGHSRLVHUDPFRQYHUWLGDV
em mercês régias, e de onde vinham as almejadas especiarias, sendo que
R%UDVLODLQGDQmRDSUHVHQWDYDPXLWRVDWUDWLYRVFRPHUFLDLVjH[FHomRGR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 17
Martim Afonso de Sousa e os versos de Camões que exaltam seus feitos no Brasil.
Abaixo o desenho das naus de sua expedição. Fonte: Acervo de Cássio Ramiro Mohallem
Cotrim.

18 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
HVFDPERGRSDXEUDVLODH[SHGLomRGH0DUWLP$IRQVRGH6RXVDIRLGHÀ-
nidora da política colonizadora na América portuguesa, pois foi a partir
GHODTXHRVSRQWRVH[WUHPRVVXOHQRUWHIRUDPGHPDUFDGRVSHODSULPHLUD
YH]HLQLFLDUDPVHDH[SORUDomRHFRQ{PLFDHRSRYRDPHQWRVLVWHPiWLFR
do território, cujo marco foi o estabelecimento do sistema de capitanias
KHUHGLWiULDV FDEHQGR D 0DUWLP $IRQVR GH 6RXVD XPD GHODV D GH 6mR
Vicente.

Um fidalgo português na Índia, em Histoire de la navigation, de Jean Hugues de Linscot


(Carlos Malheiro Dias, Roque Gameiro e Conselheiro Ernesto de Vasconcelos, História da
colonização portuguesa do Brasil. Edição monumental comemorativa do primeiro centená-
rio da Independência do Brasil, Rio de Janeiro, Litografia Nacional, 1923, v. 3, p. 4).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 19
Seu testamento, que redigiu junto com sua esposa, Ana Pimentel, um
dos maiores tesouros do Acervo do Setor de Obras Raras da Universi-
GDGH)HGHUDOGH0LQDV*HUDLVIRLRSRQWRGHSDUWLGDGHRQGHVHSX[RX
RÀRGDPHPyULDSDUDURPSHUFRPRVLOrQFLRVRERTXDOVXEPHUJLXVXD
SDVVDJHP SHOR %UDVLO $ HVFULWD GHVVH WH[WR TXH VHUYLX GH EDVH SDUD D
H[SRVLomRVREUHHOHRUJDQL]DGDQR(VSDoRGR&RQKHFLPHQWRGD8)0*
HP  IRL QRUWHDGD SRU FLQFR TXHVW}HV SULQFLSDLV DÀQDO TXHP HUD
Martim Afonso de Sousa? Por que foi mandado ao Brasil e como se saiu
nessa empreitada? Qual o seu papel e o de sua esposa, Ana Pimentel, na
FRORQL]DomREUDVLOHLUD"4XHRXWURVSHUVRQDJHQVSDUWLFLSDUDPGHVVDDYHQ-
WXUDPRPHQWRVLJQLÀFDWLYRGDQRVVDKLVWyULD"(ÀQDOPHQWHHPTXHVHX
testamento pode contribuir para clarear essas e outras questões?

O jovem fidalgo
Martim Afonso de Sousa fazia parte da grande nobreza do reino e
GHVFHQGLDGHGXDVIDPtOLDVGHÀGDOJRV6HXSDL/RSRGH6RXVDžVHQKRU
de Prado,VHUYLUDGHDOFDLGHPRUGRžGXTXHGH%UDJDQoD'RP-DLPH
e de conselheiro do rei Dom Manuel I, o Venturoso, tendo feito parte
do seu Conselho Real. Em épocas passadas, sua família apoiara Dom
$IRQVR+HQULTXHVTXDQGRGDOXWDGHUHFRQTXLVWDFULVWmFRQWUDRVPXOoX-
PDQRVQRVpFXOR;,,TXHUHVXOWDUDQDIXQGDomRGH3RUWXJDORTXHOKH
conferira honra e luzimento, sendo que sua linhagem paterna remontava,
por via bastarda, ao rei Dom Afonso III.6XDPmH%ULWHVGH$OEXTXHU-
que, também pertencia a outra família ilustre, a dos Sás, cujos primogêni-
tos, ou na ausência desses, os varões da família, eram alcaides da cidade
do Porto, considerada A Invicta, pelo importante papel desempenhado
na reconquista do território português do domínio mouro. Sua família
ostentava, portanto, as características que distinguiam a primeira nobreza
GRUHLQR o sangue, a linhagem, a antiguidade, a honra, as bravuras mili-
WDUHVHDSUR[LPLGDGHGRSRGHUUHDOXVXIUXLQGRGHLPSRUWDQWHVPHUFrV
delas decorrentes, o que granjeava domínios senhoriais, como era o caso
do senhorio do Prado para os Sousas.

20 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
$GDWDHRORFDOGHQDVFLPHQWRGH0DUWLP$IRQVRVmRLQFHUWRVWHQGR
RFRUULGR SURYDYHOPHQWH QR DQR GH  e, talvez, em Vila Viçosa,
RQGHÀFDYDRSDoRGRVGXTXHVGH%UDJDQoDDTXHPVHXSDLHQWmRVHUYLD
)RLRSULPRJrQLWRGHFLQFRÀOKRVTXDWURUDSD]HVTXHVHUYLUDPFRPR
FDSLWmHV QDV DUPDGDV UHDLV H XPD PRoD TXH VH WRUQRX UHOLJLRVD 0DLV
WDUGH VHX VHJXQGR LUPmR 3HUR /RSHV R DFRPSDQKRX QD YLDJHP DR
%UDVLO3RUYLDKHUHGLWiULDHVWDYDSRLVDVHUYLoRHGHYLDÀGHOLGDGHDRV
duques de Bragança, e passou sua infância na casa da família em Vila
9LoRVD(PRUHL'RP0DQXHO,FRPRHUDFRVWXPHUHVROYHXGDU
FDVDSUySULDDRHQWmRSUtQFLSHKHUGHLUR'RP-RmR(PTXDQGR
HVWDYDSRUYROWDGRVDQRVJUDoDVjVXDHVWLUSHÀGDOJDHjUHFRPHQGD-
omRGRSUySULRGXTXH por escolha direta de Dom Manuel I, Martim
Afonso foi integrado à corte, fazendo parte do círculo do príncipe her-
GHLURRIXWXUR'RP-RmR,,,TXHWLQKDPDLVRXPHQRVDVXDLGDGH Era,
HQWmRVHJXQGRIUHL/XtVGH6RXVD´XPGRVPRoRVÀGDOJRVTXHRVHU-
YLDPTXHHUDPPXLWRVHRVPHOKRUHVGRUHLQRµ22´([LVWLDPGXDVRUGHQV
GHÀGDOJRVVHQGRDSULPHLUDVXSHULRUjVHJXQGD1DSULPHLUDHVWDYDP

Vila Viçosa, terra de Martim Afonso de Sousa, segundo uma gravura a buril, colorida, exis-
tente no Paço Ducal (Guedes, O descobrimento do Brasil (1500-1548), p. 101).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 21
RÀGDOJRFDYDOHLURÀGDOJRHVFXGHLURHPRoRÀGDOJRµ este último era
o caso de Martim Afonso, o que lhe dava direito de receber mil réis de
foro por mês.24$XPDPLJRTXHHVWUDQKRXHVVDPXGDQoDGHÀGHOLGDGH
HVHUYLoRUHVSRQGHX´RGXTXHSRGHID]HUPHDOFDLGHPRU(O5HLSRGH
ID]HUPHGXTXHµ
$DPL]DGHHQWUHRVGRLVUDSD]HV²RUHLHRPRoRÀGDOJR²VHHVWUHLWRX
HVHJXQGRRSUySULR0DUWLP$IRQVR´ÀTXHLHXVyFRPRSUtQFLSHH
GLJRVyQmRSRUTXHÀFDVVHPPXLWRVFRPHOHPDVSRUTXHGHPLPVHÀDYD
HGHPLPVyIDODYDVXDVFRLVDVµ(VVDDSUR[LPDomRVHHVWUHLWRXSDUWLFX-
ODUPHQWHGHSRLVTXHRUHL'RP0DQXHO,HQWmRYL~YRSHODVHJXQGDYH]
resolveu se casar, em terceiras núpcias, com a princesa espanhola Leonor
GHÉXVWULDLUPmGH&DUORV9TXHHVWDYDSURPHWLGDDRSUtQFLSHKHUGHLUR
e de fato o fez. 2 ÀOKR H VHX FtUFXOR PDLV SUy[LPR HQWUH HOHV 0DU-
tim Afonso, opuseram-se a esse intento. Segundo este último, “estando
alguma coisa diferente El-Rei e o príncipe, e por parecer a El-Rei que
HX R SRGLD LQFOLQDU FRQWUD HOHµ 'RP 0DQXHO LUULWDGR UHVROYHX H[LODU
Martim Afonso da corte, determinando que voltasse para a casa de seu
SDL1mRVHVDEHH[DWDPHQWHRTXHRFRUUHXPDVSDUHFHTXHVHFRQVHJXLX
HYLWDURURPSLPHQWRFRPDFDVDUHDOSRLVRH[tOLRQDFDVDSDWHUQDQmR
FKHJRXDVHHIHWLYDUSHUPDQHFHQGRHQWmRHP/LVERD6HJXQGR0DUWLP
$IRQVR´DODUJRXPHHQWmR(O5HLHÀTXHLVHUYLQGRDWpTXH(O5HL'
0DQXHOIDOHFHXµ

Brasão de Martim Afonso de Sousa (Dias,


Gameiro, Vasconcelos, História da coloniza-
ção portuguesa do Brasil, v. 3, p. 109).

22 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
$SHVDUGHUHVLGLUQDFRUWHGHVGH0DUWLP$IRQVRDLQGDHVWDYDD
serviço dos duques de Bragança, continuando a ser criado dessa casa. Na
FRQFHSomRQRELOLiUTXLFDGDpSRFDXPFULDGRGHRULJHPQREUHHUDDTXHOH
TXHGHYLDODoRVGHÀGHOLGDGHDXPDFDVDPDLVDOWDHQmRXPHPSUHJDGR
RX VHUYLoDO FRPR R WHUPR p KRMH XWLOL]DGR (P  R HQWmR FRQGH
Dom Jaime, mandou chamá-lo de volta à Vila Viçosa para reassumir suas
obrigações junto à sua casa. Martim Afonso atendeu imediatamente a
ordem, mas permaneceu por pouco tempo na vila.6REDSURWHomRGR
SUtQFLSH'RP-RmRHGRUHL'RP0DQXHO,TXHGHFUHWRXVXDPDLRULGDGH
HFRQFHGHXOKHRHVWDWXWRGHÀGDOJRUHQXQFLRXDWRGRVRVIDYRUHVTXH
haviam sido contratados entre seu pai e os Braganças e pediu sua com-
SOHWDGHVYLQFXODomRGHVVDFDVDFRORFDQGRVHGHÀQLWLYDPHQWHDVHUYLoR
do príncipe herdeiro, pois, em suas palavras, “houve El-Rei D. Manuel
por bem que [eu] tornasse a servir o príncipe, onde o servi continua-
PHQWHQRSDoRGRUPLQGRHFRPHQGRQHOHVHPQXQFDGHOHVDLUµ

Martim Afonso de Sousa, segundo a Asia


portuguesa, de Manuel de Faria e Sousa (Dias,
Gameiro, Vasconcelos, História da colonização
portuguesa do Brasil, v. 3, p. 110).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 23
Fac-símile da assinatura de Martim Afonso de Sousa (Dias, Gameiro, Vasconcelos, História
da colonização portuguesa do Brasil, v. 3, p. 105).

Carlos V, pintura de Ticiano (Dias, Gameiro, Vasconcelos, História


da colonização portuguesa do Brasil, v. 3, p. 28).

24 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
2 ÀP GR DQR GH  H RV GRLV DQRV VHJXLQWHV WURX[HUDP PXLWDV
PXGDQoDVHPVXDYLGD(UDHQWmRXPMRYHPDGXOWRFRPFHUFDGHDQRV
quando se iniciou uma nova fase. Em dezembro desse ano, morreu Dom
0DQXHOHVHXVHQKRURSUtQFLSH'RP-RmRIRLFRURDGRUHL(PIRL
a vez de seu pai morrer, e, por direito de primogenitura, tornou-se senhor
do Prado.1RLQtFLRGHIRLGHVLJQDGRSDUDDFRPSDQKDUDUDLQKD
viúva, Dona Leonor de Áustria, de retorno à Castela. Uma vez chegado à
Espanha, por volta de maio, casou-se, logo em seguida, com Ana Pimen-
WHOHPHQRVGHXPPrVGHSRLVMXQWRXVHDRH[pUFLWRTXH&DUORV9 &DU-
ORV,GH(VSDQKD RUJDQL]RXSDUDLQYDGLUD)UDQoDWHQGRSDUWLFLSDGRGH
várias batalhas, como a de Fuenterrabía.
Sobre seu casamento, trata-se, claramente, de uma estratégia, tecida
OHQWDPHQWHSDUDDVVHJXUDUDDVFHQVmRIDPLOLDUYLVWRTXHHQWUHRVQREUHV
o matrimônio era um negócio e visava estabelecer alianças favoráveis aos
seus interesses.0XLWRVHHVSHFXORXQDKLVWRULRJUDÀDVREUHTXHPHUDP
os pais da esposa,PDVWXGRLQGLFDTXHVXDPmHHUD-RDQD3LPHQWHOH
seu pai Arias Maldonado, pertencentes a um ramo familiar com antigas
relações com os Sousas. Os Pimentéis, família a que pertencia sua esposa,
faziam parte da alta nobreza espanhola, ainda que descendessem de um
de seus ramos secundários. O famoso cronista Diogo do Couto, um dos
autores da Decada Quinta da AsiaUHJLVWURXXPDYHUVmRPHQRVKRQURVD
dos bastidores de seu casamento. Contou que “parece que lhe aconteceu
um desastre, ou desgraça, de que envergonhado ele, porque era muito
pontual, fugiu da Corte, & se foi a Salamanca, onde se enamorou de uma
'DPD&DVWHOKDQDFKDPDGD'$QD3LPHQWHOFRPTXHPFDVRX WURX[H
D3RUWXJDOµ0DVHVVDSUHFLSLWDomRGRHQODFHRXRIDWRGHWHULGRIXJLGR
SDUDD(VSDQKDQmRVHVXVWHQWDjOX]GRVDFRQWHFLPHQWRVHGRVFRVWXPHV
da época. O casamento, ainda que tenha se dado em terra estrangeira, era
vantajoso à sua casa, que deve ter participado de arranjos anteriores, e,
certamente, granjeou-lhe benefícios e honras.
6REUH VXD SDUWLFLSDomR QD JXHUUD FRQWUD RV IUDQFHVHV R UDSD]
demonstrou, publicamente, pela primeira vez, seu apreço pelas artes
militares. Camões, ao evocar que seu prenome remetia ao deus da
guerra, insinua que esse pendor já lhe estava destinado desde o berço.
Um outro episódio, que faz parte do anedotário dos feitos marcantes

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 25
de sua vida, acontecido ainda em criança, também destaca essa tendência
para a guerra, como se tal capacidade fosse inata. Ainda em tenra idade,
ganhara de um dos maiores guerreiros e herói dessa época, quando este
visitara a casa de seu pai, uma espada de ouro.42 Tratava-se de “Gonzalo
Fernández de Córdoba ou el Gran Capitán, como fora apelidado pelos
homens que tinham lutado sob suas ordens durante as Guerras de Itá-
OLDµ a serviço de Fernando, o Católico, rei da Espanha. Diogo do Couto
relata que, primeiramente, o Capitán lhe ofereceu um rico colar que tra-
zia consigo, o que ele prontamente recusou, para, em seguida, aceitar
a espada. Segundo os cronistas que descrevem o que se sucedeu, esse
seu ato simbolizaria o seu desprezo pelas riquezas terrenas, em prol das
glórias resultantes dos feitos militares, como bem deveria ser afeito a um
HVStULWRQREUH$ÀQDO´VHUYLUQDJXHUUDHFRPSURYDUVHXVIHLWRVKRQUR-
VRVµHUDPHVVHQFLDLVSDUDDOFDQoDURVWDWXVGHFDYDOHLURÀGDOJRVXSHULRU
HPDLVKRQUDGRTXHRGHPRoRÀGDOJR44 A atestar a possível veracidade
GHVVH DFRQWHFLPHQWR ÀJXUD HQWUH VHXV SHUWHQFHV PDLV SUHFLRVRV XPD
HVSDGDGHRXURTXHGHL[RXHPWHVWDPHQWRSDUDVHXQHWRKRP{QLPR
como se o nome, Martim, e o objeto, espada, fossem capazes de fazer
transmigrar às gerações futuras seu pendor para a guerra.

Francisco I de Valois, rei de França (Dias,


Gameiro, Vasconcelos, História da coloniza-
ção portuguesa do Brasil, v. 3, p. 65).

26 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Sua bravura nas batalhas que travou sob a bandeira espanhola foi
reconhecida pelo próprio imperador Carlos V, que, ainda em solo fran-
cês, chamou Martim Afonso à sua presença e, segundo o próprio, “me
GLVVHSDODYUDVS~EOLFDVPXLWDVHGHWDQWRVJDERVGRTXHHXOiÀ]HUDGLDQWH
GH WRGD D FRUWHµ (P VHJXLGD SHGLX TXH R MRYHP OKH EHLMDVVH D PmR
JHVWRGHVXEPLVVmRPDVTXHGLJQLÀFDYDSXEOLFDPHQWHRDJUDFLDGRSRLV
era sinal de grande honra. Quando retornaram à Espanha, depois das
vitoriosas campanhas contra os franceses em Navarra, Carlos V quis que
o jovem nobre se colocasse ao seu serviço, pois, como o próprio Mar-
tim Afonso contou, o imperador disse que “levaria muito gosto que eu
vivesse com ele, e me faria muita mercê e se serviria de mim em coisas
PXLWRKRQUDGDVµ
3RUpPHPRDJRUDUHL'RP-RmR,,,KDYLDDFHUWDGRRVHXSUy-
SULRFDVDPHQWRFRP'RQD&DWDULQDWDPEpPLQIDQWDGH(VSDQKDLUPm
mais nova de Carlos V, e escreveu a Martim Afonso que ele e sua esposa
acompanhassem e escoltassem sua pretendente até Portugal. Antes de
SDUWLUUHFXVRXDRIHUWDTXHOKHÀ]HUDRLPSHUDGRU'HVFXOSRXVHGL]HQGR
que já “tinha um tal rei por senhor, e com quem eu me criara, que por
RXWUR QHQKXP R GHL[DULDµ H YROWRX SDUD 3RUWXJDO DOL FKHJDQGR HP
 6HP FDEHGDO VXÀFLHQWH SDUD DUFDU FRP RV FXVWRV GHVVD YLDJHP
SHGLXHPSUpVWLPRYXOWRVRDRSUySULR'RP-RmR,,,HDVWHUUDVGH3UDGR
que herdara como primogênito de sua casa, foram dadas como garantia.
Pouco depois, sem ter como pagar essa dívida, acabou vendendo-as ao
SUySULRUHLGRTXHVHUHVVHQWLXTXDVHDWpRÀPGDYLGDÀFDQGR0DUWLP
$IRQVRDSDUWLUGHHQWmRVHPWHUUDVSUySULDVHDUHVLGLUQDFRUWHFRPVXD
jovem esposa. Parece que, para compensá-lo pela perda do senhorio do
Prado, segundo suas próprias palavras, “neste mesmo ano me fez El-Rei
mercê de uma comenda que tenho em Beja, a qual estava arrendada em
FHQWRHRLWHQWDPLOUpLVHPHWLURXRLWHQWDGHWHQoDTXHPHÀFRXGHPHX
SDLµ Tratava-se de uma comenda da Ordem de Cristo, importante
KRQUDULDQRELOLiUTXLFD$FRQFHVVmRTXHOKHIRLGDGDH[LJLDFRPRFRQ-
WUDSDUWLGDVHUYLUGRLVDQRVQR0DUURFRVQDOXWDFRQWUDRVLQÀpLVGRTXH
no entanto, foi dispensado, o que demonstrava mais uma vez os favores
que lhe dirigia o monarca.9LYHXQDFRUWHSRUWXJXHVDDWpTXDQGR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 27
HQWmR'RP-RmR,,,RQRPHRXFDSLWmRPRUGDDUPDGDTXHRUJDQL]DYD
para ir ao Brasil.(UDQRPHDomRGHPXLWDKRQUDHDGHPRQVWUDUQRYD-
PHQWHRDSUHoRGRUHLDGLJQLGDGHGDIXQomRTXHOKHKDYLDVLGRFRQ-
FHGLGDHDÀGDOJXLDGHTXHHVWDYDLQYHVWLGRSRXFRDQWHVGHSDUWLUIRL
nomeado para integrar o Conselho Real, um dos maiores benefícios que
lhe podia ser outorgado na corte régia.

Retrato de Martim Affonso de Souza, por Pedro Barreto de Resende, ca. 1887-1889
(Portugal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, A
construção do Brasil, 1500-1825, [Lisboa], CNCDP, 2000, p. 13).

28 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
O rei piedoso

1mRVHSRGHFRPSUHHQGHUDWUDMHWyULDGH0DUWLP$IRQVRGH6RXVDH
VXDYLQGDSDUDR%UDVLOVHPQRVGHWHUPRVQDWUDMHWyULDGH'RP-RmR,,,
2IXWXURUHLQDVFHXHP/LVERDDGHMXQKRGHÀOKRSULPRJrQLWR
GRVHJXQGRFDVDPHQWRGHVHXSDL'RP0DQXHO,FRP0DULDGH$UDJmR
$VFHQGHX DR WURQR DRV  DQRV HP  GH GH]HPEUR GH  ´GDQGR
início a um dos mais longos reinados da história portuguesa, vindo a fale-
FHUHPµ6HXUHLQDGRÀFRXFRQKHFLGRSHODVPXLWDVUHIRUPDVTXH
SURPRYHXGHOLPLWRXFRPFODUH]DDVIURQWHLUDVGH3RUWXJDOWHQGRVLGR
SURGX]LGDDSULPHLUDFDUWDJHRJUiÀFDGRUHLQRDXPHQWRXDLQWHUIHUrQFLD
régia sobre a esfera religiosa, estabelecendo novas dioceses, e criando, em
D0HVDGD&RQVFLrQFLDH2UGHQVTXHJHUHQFLDYDDHVWUXWXUDHFOH-
siástica dispersa pelo império; refundou a Universidade de Coimbra, em
UHRULHQWDQGRHLPSXOVLRQDQGRRVHVWXGRVXQLYHUVLWiULRV realizou
RSULPHLURF{PSXWRJHUDOGDSRSXODomRGRUHLQRTXHGHXRULJHPDXPD
SURIXQGDUHRUGHQDomRDGPLQLVWUDWLYDHSRUÀPSURPRYHX´XPDUHRU-
JDQL]DomRSROtWLFDGRVWHUULWyULRVLPSHULDLV « GDTXDOUHVXOWRXDUHIRU-
PXODomRGRVIXQGDPHQWRVGDUHODomRDWpHQWmRHVWDEHOHFLGDSHORVUHLVGH
Portugal com as gentes que residiam nos diferentes territórios que esta-
YDPVREVXDMXULVGLomRµ6HXHStWHWRR3LHGRVRVHGHYHXjLQVWDODomR
HP3RUWXJDOGR7ULEXQDOGR6DQWR2ItFLRDWHPtYHO,QTXLVLomRHP
HGD2UGHPGH-HVXVHP$SyVDLQVWDODomRGHVWD~OWLPD'RP-RmR
III abriu as conquistas portuguesas para os missionários jesuítas, os quais
FKHJDUDPjÌQGLDHPDR&RQJRHPDR0DUURFRV&HLOmR
H0ROXFDVHPDR%UDVLOH-DSmRHPj&KLQDHPHj
(WLySLDHP1HVVHVHQWLGRDVVRFLRXFRPRQHQKXPRXWURDFUX]HD
espada, ou seja, os poderes religioso e civil, para consolidar seu poder no
UHLQRHSDUDSURPRYHUHH[SDQGLUDFRORQL]DomRSRUWXJXHVDQRXOWUDPDU
'RP -RmR ,,, KHUGDUD GH VHX SDL XP LPSpULR YDVWtVVLPR TXH SRU
um lado, ele ampliou, incorporando várias conquistas na Ásia, mas,
por outro, fez encolher, ao perder ou abandonar, devido aos altos cus-
WRVGHPDQXWHQomRYiULDVSUDoDVIRUWLÀFDGDVQRQRUWHGDÉIULFD)RLR
TXHRFRUUHXFRP6DQWD&UX]GR&DERGH*Xp6DÀP$]DPRU$OFiFHU

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 29
&HJXHUQR0DUURFRVFRQTXLVWDLQLFLDOGDDYHQWXUDH[SDQVLRQLVWDSRUWX-
guesa. Também teve que enfrentar uma disputa com o imperador Carlos
9SHODV0ROXFDVVLWXDGDVQR3DFtÀFR~QLFDUHJLmRSURGXWRUDGHFUDYR
que acabou sendo solucionada pelo Tratado de Saragoça, assinado em
TXDQGR'RP-RmR,,,FRPSURXRDUTXLSpODJRGRVHVSDQKyLV)RL
DLQGDRUHVSRQViYHOSHORLQtFLRGDSURGXomRGHFDQDGHDo~FDUHP6mR
7RPp HP  TXH GHSRLV VHUi WUDQVSRUWDGD H DFOLPDWDGD HP YiULRV
outros pontos do império, especialmente o Brasil, propiciando o início
GHVXDFRORQL]DomR)RLWDPEpPGXUDQWHVHXUHLQDGRTXHRVWHUULWyULRV
ultramarinos sofreram com a pirataria e o corso encetados pelos france-
VHVVRERDEULJRGRUHL)UDQFLVFR,TXHTXHULDH[WUDLUJDQKRVQRQRYR
PXQGRDWpHQWmRGRPLQDGRSHODVSRWrQFLDVLEpULFDVHVSHFLDOPHQWHQR
Brasil, onde a costa era menos vigiada.&RPRUHDomRDHVVDVLQYHVWLGDV
HOHIRLRJUDQGHUHVSRQViYHOSHODFKDPDGD´FULDomRGR%UDVLOµ que se
FRQFUHWL]RXDSDUWLUGDGHOLPLWDomRGRVVHXVSRQWRVH[WUHPRVHGRHVWD-
EHOHFLPHQWRGHXPDSROtWLFDVLVWHPiWLFDGHSRYRDPHQWRHH[SORUDomRGR
WHUULWyULRFRPRPDSHDPHQWRGDFRVWDDLQWURGXomRGRFXOWLYRGDFDQD
GHDo~FDU D FULDomR GDV FDSLWDQLDV KHUHGLWiULDV R HVWDEHOHFLPHQWR GH
núcleos urbanos permanentes e o envio dos jesuítas, para o que Martim
Afonso de Sousa desempenhou papel destacado. Seu reinado foi ainda
PDUFDGRSHODFRQVROLGDomRHH[SDQVmRGDSUHVHQoDSRUWXJXHVDQDÌQGLD
VLPEROL]DGDSHOD´*RDGRXUDGDµ porta de entrada para o rico comércio
com o Oriente, e pela conquista das praças de Diu e Bombaim, o que
SHUPLWLXDWLQJLU0DFDXQD&KLQDHR-DSmR
A Índia e o Brasil estiveram no centro das principais ações encetadas
SRU'RP-RmR,,,DWHPRUL]DGRSHODDPHDoDIUDQFHVD0DUWLP$IRQVRGH
Sousa, cujo destino, desde tenra idade até sua morte, esteve entrelaçado
ao dele, encontrou, primeiramente no Brasil e depois na Índia, as opor-
tunidades para realizar importantes serviços ao novo rei e, dessa forma,
DQJDULDUDVXDVLPSDWLDFXMDVPHUFrVHUDPLQGLVSHQViYHLVDVXDSURPRomR
QRVVHLRVGDQREUH]DUHLQRO3RUHVVDUD]mRDRFRQWUiULRGH&DP}HVH
de outros cronistas de seu tempo, afastemo-nos do Oriente e centremos
nosso olhar sobre o que se passou na América, pois foi ali que primeiro se
DEULUDPDVSRUWDVSDUDDUHDOL]DomRGRVYDOLRVRVVHUYLoRVTXHPDLVWDUGH
RKDELOLWDUDPDÀJXUDUHQWUHDSULPHLUDQREUH]DGH3RUWXJDO

30 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Os portugueses nas Índias, em Histoire de la navi-
gation, de Jean Hugues de Linscot (Dias, Gameiro,
Vasconcelos, História da colonização portuguesa do
Brasil, v. 3, p. 35).

Dom João III, conhecido como o


Piedoso, por ter promovido a insta-
lação da Inquisição e dos jesuítas
em Portugal. Pintura de Cristóvão
Lopes. Sob seu reinado começou
efetivamente a colonização do Brasil
(Portugal, Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, A construção do Brasil,
1500-1825, p. 85).

Moedas portuguesas do reinado de Dom


João III (Dias, Gameiro, Vasconcelos, Histó-
ria da colonização portuguesa do Brasil, v.
3, p. 11).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 31
O capitão-mor e governador

$FDUWDGH'RP-RmR,,,GDWDGDGHGHQRYHPEURGHGHWHU-
PLQDYD´$TXDQWRVHVVDPLQKDFDUWDGHSRGHUYLUHPIDoRVDEHUTXHHX
HQYLRRUDD0DUWLP$IRQVRGH6RXVDGRPHX&RQVHOKRSRUFDSLWmRPRU
da armada que envio à terra do brasil e assim de todas as terras que ele,
GLWR 0DUWLP $IRQVR QD GLWD WHUUD DFKDU H GHVFREULUµ 3RU HVVH WUHFKR
ÀFDFODUDVXDQRPHDomRTXHRFRUUHUDSRXFRDQWHVGHSDUWLUFRPRFRQ-
VHOKHLURGRUHLXPGRVSRVWRVPDLVLPSRUWDQWHVGDDGPLQLVWUDomRUpJLD
e o que lhe foi conferido junto à armada que partia para o Brasil, o de
FDSLWmRPRUDPDLVDOWDSDWHQWHDERUGR$VHJXLUDFDUWDRUGHQDYDTXH
´DRVFDSLWmHVGDGLWDDUPDGDHÀGDOJRVFDYDOHLURVHVFXGHLURVJHQWHGH
DUPDVSLORWRVPHVWUHVPDUHDQWHVHWRGDVDVRXWUDVSHVVRDVµOKHREHGH-
FHVVHP0DVQmRVy7DPEpPGHWHUPLQDYDTXH´WRGDVDVRXWUDVSHVVRDV
e a quaisquer outras de qualidade que sejam nas ditas terras que ele des-
FREULUÀFDUHPHQHODHVWLYHUHPRXDHODIRUHPSRUWHUµHVWLYHVVHPVRE
VXDMXULVGLomR0DQGDYDDLQGDDYLVDUDWRGRVHPPDURXWHUUD´TXHKDMD
DRGLWR0DUWLP$IRQVRGH6RXVDSRUFDSLWmRPRUGDGLWDDUPDGDHWHU-
ras, e lhe obedeçam em tudo e por tudo o que lhes mandar e cumpram
HJXDUGHPVHXVPDQGDGRVDVVLPHWmRLQWHLUDPHQWHFRPRVHSRUPLP
HPSHVVRDIRVVHPDQGDGRµ2UDYrVHHQWmRSRUHVVHWUHFKRTXHD
0DUWLP$IRQVRIRLFRQIHULGRRSRVWRGHFDSLWmRPRUQmRVyGDDUPDGD
mas também das terras – descobertas e a descobrir. Este último posto
equivalia ao título de governador, que, ao contrário dos dias de hoje,
era um cargo de origem militar e, por isso, os que eram investidos nessa
IXQomR WDPEpP UHFHELDP HVVD SDWHQWH (VVD LQYHVWLGXUD HUD RXWRUJDGD
diretamente pelo rei em pessoa, numa cerimônia chamada de Preito e
Menagem, com origens feudais, coberta de simbolismos, pompa e cir-
FXQVWkQFLDSRLVRFDSLWmRPRUJRYHUQDGRUUHSUHVHQWDULDRUHLRQGHTXHU
que estivesse, e era esse o momento de investir-lhe e outorgar-lhe direta-
mente tal poder.6XDMXULVGLomRDEUDQJLD´DVWHUUDVTXH0DUWLP$IRQVR
de Sousa, do meu Conselho, descobrir na terra do brasil, onde o enviei
SRUPHXFDSLWmRPRUµ Aqui, novamente, aparece o título militar de que
YLQKDLQYHVWLGRQmRDSHQDVGDDUPDGDPDVWDPEpPGDVWHUUDVGHVFR-
bertas e a descobrir. Terra do brasil, com letra minúscula, referindo-se

32 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
DR SDX TXH DOL VH H[SORUDYD p FRPR 'RP -RmR ,,, QRPHLD D $PpULFD
SRUWXJXHVD,QWHUHVVDQWHREVHUYDUTXHDGHQRPLQDomR%UDVLOFRPOHWUD
PDL~VFXODQmRHVWDYDFRQVROLGDGDVHQGRDLQGDPDLVFRUUHQWHDGH7HUUD
GH6DQWD&UX]PDVTXHRUHLQmRHPSUHJD

Carta de grandes poderes dada por Dom João III ao capitão-mor Martim Afonso de
Sousa (Guedes, O descobrimento do Brasil (1500-1548), p. 102).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 33
O regimento que levou, como era comum a todos os governadores,
no qual iam escritas as ordens régias, infelizmente está perdido, mas por
RXWURVGRFXPHQWRVSRGHVHLQIHULUGRTXHFRQVWDYDVXDLQVWUXomR0DU-
WLP$IRQVRDÀUPD´TXHSRU(O5HLWHUQRYDVTXHQR%UDVLOKDYLDPXLWRV
IUDQFHVHV PH PDQGRX Oi HP XPD DUPDGD «  H DVVLP QLVWR FRPR QR
GHVFREULPHQWRGHDOJXQVULRVTXH>DPLP@(O5HLPDQGDYDGHVFREULUµ
$VVLPGHYHULDH[SXOVDURVSLUDWDVHH[SORUDUDJHRJUDÀDORFDOHDVQRYDV
WHUUDV$EXVFDGHQRYRVULRVVHMXVWLÀFDSRUTXHHUDPYLDVSUHIHUHQFLDLV
GHSHQHWUDomRSRVVtYHLVSRUWDVGHHQWUDGDSDUDDWLQJLUDVULTXH]DVPHWD-
líferas, já que se acreditava que as regiões sudeste e sul do Brasil estariam
QDPHVPDDOWXUDHQDVSUR[LPLGDGHVGDVPLQDVGHRXURHSUDWDGR3HUX

Frontispício do livro História da colonização portuguesa, onde se vê abaixo o brasão de Martim


Afonso de Sousa, destacando-se sua importância na expansão marítima portuguesa (Dias,
Gameiro, Vasconcelos, História da colonização portuguesa do Brasil, v. 3, p. 38).

34 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
(P RXWUD FDUWD UpJLD GR PHVPR DQR GH  R UHL OKH FRQFHGHX
o direito de que, “em todas as terras que forem de minha conquista e
GHPDUFDomR TXH HOH DFKDU H GHVFREULU SRVVD PHWHU SDGU}HVµ isto é,
colunas de pedras com as armas da Coroa. Estas eram dos instrumentos
SUHIHUHQFLDLVXVDGRVSHORVSRUWXJXHVHVSDUDDDÀUPDomRHDGHPRQVWUD-
omRGHSRVVHGRVWHUULWyULRVFRQTXLVWDGRVQRDOpPPDU Dois padrões
SULQFLSDLV GHYHULDP HVWDEHOHFHU RV SRQWRV H[WUHPRV GR VXO H GR QRUWH
do Brasil. O primeiro garantia a posse de toda a margem setentrional do
Rio da Prata, de onde, acreditavam, podia-se atingir o Peru, com suas
PLQDVGHSUDWDHRVHJXQGRRHVWXiULRGR5LR0DUDQKmRRX$PD]RQDV
(VVHVVHULDPRVGRLVSRQWRVH[WUHPRVSRURQGHVHDFUHGLWDYDSDVVDUQD
América, o Meridiano de Tordesilhas, o qual delimitava as possessões
portuguesas no ultramar e as separavam das de Espanha. Outros padrões
GHYHULDPVHUFRORFDGRVHPSRQWRVJHRJUiÀFRVHVWUDWpJLFRVSDUDDQDYH-
JDomRFRVWHLUDTXHIRVVHPWDPEpPIDYRUiYHLVjGHIHVDGRQRYRWHUULWyULR
VHUYLQGRGHSRUWDVGHHQWUDGDSDUDDFRORQL]DomRTXHVHSUHWHQGLDLQL-
FLDUHPVHJXLGD7RGDVHVVDVDo}HVH[SORUDWyULDVIRUDPPHQFLRQDGDVSHOR
MHVXtWD6LPmRGH9DVFRQFHORVFRPRWHQGRVLGRUHDOL]DGDV3DUDHOH0DU-
tim Afonso percorreu a costa “descobrindo portos, rios, enseadas, saindo
em terra, pondo marcos, e investigando particularmente a bondade e
TXDOLGDGHGDVJHQWHVµ Nesse último ponto, Vasconcelos aponta para o
DVSHFWRFRORQL]DGRUGDH[SHGLomRSRLVFRQKHFHU´DERQGDGHHTXDOLGDGH
GDVJHQWHVµHUDHVVHQFLDOSDUDHVWUXWXUDUDVDOLDQoDVORFDLVFRPRVQDWLYRV
sobre as quais se estruturaria um projeto de conquista mais duradouro.
Para tanto, como governador do Brasil, lhe foram concedidos amplos
SRGHUHVGHMXULVGLomRHQWUHRVTXDLVFRQVWDYDDSOLFDUDMXVWLoDWDQWRFLYLO
quanto criminal, “incluindo a faculdade de sentenciar à pena de morte,
VHPGLUHLWRjDSHODomRTXDOTXHUVXERUGLQDGRTXHQmRIRVVHGHWHQWRUGH
HVWDWXWRÀGDOJRµQRPHDUWDEHOLmHVHRÀFLDLVGHMXVWLoD e conceder ses-
marias,GDQGRLQtFLRjLQVWLWXFLRQDOL]DomRGDDGPLQLVWUDomRSRUWXJXHVD
local. Enquanto seu representante direto, de cujo poder emanava o de
0DUWLP$IRQVR'RP-RmR,,,RUGHQRXTXHDRVTXHRGHVREHGHFHVVHP
UHFDLULDP´DVSHQDVTXHHOHSXVHUDVTXDLVFRPHIHLWRGDUiDGHYLGDH[H-
FXomRQRVFRUSRVHID]HQGDVGDTXHOHVTXHRQmRTXLVHUHPFXPSULUµ

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 35
Num trecho dessa mesma carta régia, no qual dispôs os grandes pode-
res que haviam sido outorgados a Martim Afonso, o rei escreveu que o
PHVPRWLQKDMXULVGLomRVREUH´WRGDVDVRXWUDVSHVVRDV  TXHVHMDPQDV
GLWDVWHUUDVTXHHOHGHVFREULUÀFDUHPµ Neste último verbo, observa-se
LPSRUWDQWHGHWHUPLQDomRTXHUHFHEHXDGHDVVHQWDUQ~FOHRVHVWiYHLVQD
WHUUDGDQGRLQtFLRDRSRYRDPHQWRHjFRORQL]DomRGR%UDVLO(VVDSROt-
WLFDFRORQL]DGRUDGHWHUPLQDGDSRU'RP-RmR,,,HUDPXLWRPDLVDPSOD
GRTXHDHQFHWDGDSRUH[SHGLo}HVDQWHULRUHVTXHKDYLDPDSHQDVGHL[DGR
poucos e raros degredados, alguns dos quais Martim Afonso encontrou
em seu périplo tropical, juntamente com outros náufragos, que servi-
ram de intérpretes e guias locais. Sobre esse incipiente povoamento, o
JRYHUQDGRUSRGLDH[HUFHURVPDLVDPSORVSRGHUHVGHDGPLQLVWUDomRGH
GLVWULEXLomRGHFDUJRVHSDWHQWHVGHDSOLFDomRGDMXVWLoDHGHGLVWULEXLomR
GHVHVPDULDVIXQGDPHQWDLVSDUDHVWUXWXUDUXPDFRORQL]DomRPDLVSHU-
manente do território.

Pormenor da carta atlântica de Sebastião Lopes, século XVI, com imagem alusiva ao corte
de pau-brasil. Nas extremidades do Brasil, os rios Amazonas e da Prata (Guedes, O desco-
brimento do Brasil (1500-1548), p. 104).

36 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
O mar oceano

Muito do que se sabe sobre o que ocorreu durante a viagem de Mar-


tim Afonso de Sousa ao Brasil deve-se ao Diário da navegação armada que foi
à terra do Brasil em 1530, sob a capitania-mor de Martim Afonso de Sousa, escrito
por seu irmão Pero Lopes de Sousa, que embarcara com ele na nau capitânia.
(P9DUQKDJHQORFDOL]RXWUrVFySLDVGHVVHGLiULRQD%LEOLRWHFDGD
Ajuda,HP/LVERDDVTXDLVXWLOL]RXSDUDHVWDEHOHFHUXPDHGLomRFUtWLFD
que publicou em seguida, mas advertiu seus leitores que todas elas con-
WLQKDP ´HUURV GH GDWDV VDOWRV GH GLDV SiJLQDV GHVDSDUHFLGDVµ Além
dessas inconsistências internas aos documentos, houve momentos em
que as naus se separaram, tomando Pero Lopes e Martim Afonso rumos
diferentes, tendo também retornado a Portugal separadamente, sendo
TXH0DUWLP$IRQVRYROWRXFHUFDGHXPDQRGHSRLVGRVHXLUPmR3RU
essas razões, há muitas lacunas no que diz respeito às atividades do capi-
WmRPRUSULQFLSDOPHQWHTXDQGRDVPHVPDVQmRIRUDPWHVWHPXQKDGDV
por Pero Lopes. Há de se levar em conta, ainda, que a maioria dos fatos
QDUUDGRV GL] PDLV UHVSHLWR j DUWH GD QDYHJDomR ÀP ~OWLPR GR Diário,
ordenando sua escrita, mas aqui e ali se podem pinçar acontecimentos
ocorridos em terra, permitindo reconstituir as iniciativas mais importan-
WHVHQFHWDGDVGXUDQWHDH[SHGLomR
$HVTXDGUDSDUWLXGH/LVERDHPXPViEDGRGHGH]HPEURGH
Nos Anais de D. João IIIIUHL/XtVGH6RXVDDÀUPDTXHDPHVPDHUDFRP-
posta de três naus e quatro caravelas, mas o Diário de Pero Lopes de
6RXVD PDLV FRQÀiYHO LQGLFD GXDV QDXV ² D FDSLWkQLD FRPDQGDGD SRU
HOHQDTXDOLDHPEDUFDGR0DUWLP$IRQVRHD6mR0LJXHOSRU+HLWRUGH
Sousa –,XPJDOHmR6mR9LFHQWHFXMRFDSLWmRHUD3HUR/RSR3LQKHLURH
as caravelas Princesa e Rosa, capitaneadas, respectivamente, por Baltasar
Gonçalves e Diogo Leite –  este último já havia estado no Brasil, na
DUPDGD GH &ULVWyYmR -DFTXHV TXH SDUWLUD GH /LVERD HP  H UHWRU-
QDUDHP Portanto, um total de cinco embarcações. As naus eram
navios de grande porte, com dois a três mastros e várias velas sobrepostas
(Pero Lopes se refere às monetas, da capitânia, como pequenas velas que
SURGX]LDP DFHOHUDomR  sendo que as portuguesas tinham geralmente

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 37
Folha de rosto da Navegação que fez pº Lopes de Sousa no descobrimento da costa do
Brasil…, ca. 1530 (Guedes, O descobrimento do Brasil (1500-1548), p. 102). Fonte: IPPAR/
Biblioteca da Ajuda, Lisboa.

38 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
A armada de Pedro Álvares Cabral, segundo
o Livro das armadas, o que permite conhe-
cer os tipos de embarcações próprias da
era dos descobrimentos portugueses e os
acidentes comuns com essas embarcações
(Guedes, O descobrimento do Brasil (1500-
1548), p. 20).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 39
duas cobertas. Os galeões, de origem espanhola, mais ágeis, eram navios
de guerra, fortemente equipados com muitos canhões e pesada artilharia,
tinham quatro mastros, duas ou três cobertas e um castelo na popa. As
caravelas, de tamanho mediano, desenvolvidas pelos portugueses, foram
as embarcações típicas do período dos descobrimentos, possuíam velas
triangulares, chamadas latinas, e eram rápidas e fáceis de manobrar. Sua
principal característica, devido às velas em forma de triângulo, era ser
FDSD]GHQDYHJDUFRQWUDRYHQWRDQGDQGRHP]LJXH]DJXHRSHUDomRTXH
se chamava bolinar ou barlaventear. Foi o que os navios da armada tive-
UDPTXHID]HUHPYiULDVRFDVL}HVGXUDQWHDYLDJHPFRPRDGHGH]HP-
EURTXDQGRSUHPLGRVSRUXPYHQWRTXHYLQKDGRVXGRHVWHGLUHomRSDUD
a qual deviam se dirigir, segundo o Diário, “barlaventeamos até a noite,
TXHÀFRXRYHQWRHPFDOPDµ

A frota de Vasco da Gama que, 1497-1499, fez pela primeira vez o percurso de Lisboa à
Índia, segundo o códice anônimo conhecido por Livro das armadas (Guedes, O descobri-
mento do Brasil (1500-1548), p. 12).

40 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
$RWRGRFHUFDGHSHVVRDVLDPDERUGR sendo que da maioria
QmR VH FRQKHFH QHP PHVPR R QRPH PDV GH DOJXPDV SRXFDV ÀFDUDP
UHJLVWURV'DVXDIDPtOLDDOpPGHVHXLUPmR3HUR/RSHVGH6RXVDOKH
acompanhou um primo, também embarcado na nau capitânia. Chamava-
VH-RmRGH6RXVDDSHOLGDGRGH5DWHVSRUVHUÀOKRLOHJtWLPRGHXPDEDGH
daquela localidade.0DLVQRWyULRVDOpPGRVFDSLWmHVGRVQDYLRVMiPHQ-
cionados, foram Pero de Gois da Silveira, futuro donatário da capitania
de Paraíba do Sul, e o padre Gonçalo Monteiro. Entre os marinheiros,
conhece-se Vicente Lourenço, piloto-mor;0DQXHO$OSRLPHVFULYmRGD
armada, e Domingo Vaz, bombardeiro. Também, como de costume,
LDP KRPHQV TXH Mi KDYLDP VH DYHQWXUDGR QD UHJLmR TXH VHUYLULDP GH
LQIRUPDQWHVSDUDGDUPDLRUSUHFLVmRjQDYHJDomRHTXDQGRSRVVtYHOGH
línguas, isto é, intérpretes para os contatos com os nativos, como Pedre

Cruzar o Atlântico, entre as costas da África e o Brasil, não era tarefa fácil (José da Costa
Miranda, Carta do Atlântico, 1502, em Ana Maria de Morais Belluzzo, O Brasil dos viajantes,
Rio de Janeiro, Objetiva, 1999, p. 72).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 41
Annes,SLORWRHLQIRUPDQWHSDUDDUHJLmRGR3UDWD(QULTXH0RQWHVH
Pero Capico, este último conhecedor de toda a costa leste.
Cruzar o grande mar oceano, o Atlântico, ou o Mar do Norte, como
RFKDPDYDPjpSRFDQmRHUDWDUHIDIiFLOHH[LJLDPDHVWULDGRVQDYHJDQ-
tes, que enfrentavam tempestades, calmarias, correntes poderosas, ven-
tos contrários e névoas densas./RJRDSyVGHL[DUDERFDGR7HMRRV
navios tomaram o rumo sudoeste, passaram pela ilha da Madeira, pelas
&DQiULDVDSRUWDQGRHP7HQHULIH(PVHJXLGDDSUR[LPDUDPVHGDFRVWD
da África, cruzando o Cabo Bojador, atingindo o Cabo Branco (situado
HQWUH R 0DUURFRV H D 0DXULWkQLD GH KRMH  -i QR GLD  GH GH]HPEUR
passaram a navegar para o leste, afastando-se da África, até chegarem, no
dia do Natal, à ilha do Sal, no arquipélago de Cabo Verde. Nesse arquipé-
ODJRHQWUHHVVDLOKDPDLVDRQRUWHHDGH6DQWLDJRPDLVDRVXOGLUHomR
TXHWRPDUDPHPVHJXLGDHQIUHQWDUDPGLDVGHFHUUDomRGHQVDRTXHGLV-
SHUVRXRVQDYLRV(PSRXFRWHPSRQmRDYLVWDYDPPDLVQHPDFDUDYHOD
3ULQFHVDQHPDQDX6mR0LJXHOTXHVHSHUGHUDPDSHVDUGHDSULPHLUD
levar um farol, para guiar o comboio. A armada só se reuniu novamente

A Carta del Cantino, de 1502, já representa o Brasil, cortado pelo Meridiano do Tratado de
Tordesilhas, mas cujos limites geográficos ainda não são conhecidos (Belluzzo, O Brasil dos
viajantes, p. 67).

42 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
no porto da Ribeira Grande, já na ilha de Santiago. Ali se demoraram um
pouco, abastecendo-se de víveres, para enfrentar a última e mais perigosa
etapa da viagem.
/RJR GHSRLV GD SDUWLGD GHVVD LOKD TXH RFRUUHX D  GH MDQHLUR GH
SRUVHURYHQWRPXLWRIRUWHDFDSLWkQLDWHYHVHXPDVWURSULQFLSDO
quebrado na altura da vela mais alta, a traquete. Mas no dia seguinte,
DLQGDQDYHJDQGRQDGLUHomRVXGHVWHFRPRYHQWRHRPDUPDLVFDOPRV
SXGHUDPFRQVHUWDUHPDOWRPDURPDVWURDYDULDGR(QWUHRVGLDVH
GHMDQHLURDSUR[LPDUDPVHQRYDPHQWHGDÉIULFDQDDOWXUDGH6HUUD
/HRDHQDYHJDUDPMXQWRjFRVWDVHPSUHQDGLUHomRVXO3HUFRUULDPXPD
rota já bastante conhecida dos portugueses, que a vinham navegando
regularmente no seu périplo africano desde o início do século anterior, e
RVSLORWRVWLQKDPEDVWDQWHH[SHULrQFLDLQIRUPDo}HVFDUWDVGHPDUHDUH
SRUWXODQRVSDUDJXLiORV1HVVHGLDWRPDUDPGHÀQLWLYDPHQWHDGLUH-
omR VXGRHVWH HQIUHQWDQGR R PDU DEHUWR TXDVH GHVFRQKHFLGR DWp FKH-
JDUHPSUy[LPRVD)HUQDQGRGH1RURQKDQRGLDGHMDQHLURGH
)LQDOPHQWHDDYLVWDUDPD7HUUDGH6DQWD&UX]HORJRGHSRLVDWLQJL-
ram a costa, na altura do Cabo de Santo Agostinho. De costa a costa, a
WUDYHVVLDGRPDURFHDQRGXUDUDH[DWRVGLDV

Reconstrução de uma armada portuguesa avistando a terra do Brasil (Hugo Weiss


(coord.), Enciclopédia Delta de História do Brasil, Rio de Janeiro, Delta, v. VI, p. 1432).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 43
O Brasil aparece em posição invertida, no lado direito, visto do hemisfério norte. Na pagina
seguinte, pormenor do Brasil com cenas indígenas e da exploração do pau-brasil (carta
atlântica do Atlas luso-francês, ca. 1538, em Guedes, O descobrimento do Brasil (1500-
1548), p. 120).

O navegante

$ QRPHDomR GH 0DUWLP $IRQVR FRPR FDSLWmRPRU GD HVTXDGUD


dizia menos respeito às suas capacidades como navegador, apesar de que
SDUHFHTXHWLQKDDOJXPDGRTXHDVHXHVWDWXWRGHÀGDOJR6HQRVSUL-
meiros tempos da aventura ultramarina, no alvorecer do século XV, esse
SRVWRHUDRFXSDGRSRUKiEHLVQDYHJDQWHVQRÀQDOGHVVHVpFXORDKRQUD
do agraciado passara a ter mais importância do que a prática na hora da
HVFROKDFRPRKDYLDVLGRRFDVRGH3HGURÉOYDUHV&DEUDOHPHHUD
agora o de Martim Afonso.
(PERUDQmRVHVDLEDDRFHUWRVHDQWHVGDYLDJHPHOHSRVVXtDUXGL-
PHQWRVGHFRVPRJUDÀDDVWURQRPLDHFDUWRJUDÀD²DUWHVLQGLVSHQViYHLV
jQDYHJDomR²RXRQGHDVWHULDDSUHQGLGRYHUGDGHpTXHGHPRQVWURX

44 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Esta folha do Atlas Miller, ca. 1519, atribuído a Lopo Homem e a Pedro e Jorge Reinel, repre-
senta parte do Atlântico central e a costa do Brasil. Na legenda em latim situada em cima, à
esquerda, lê-se: “Esta é da região do grande Brasil e do lado ocidental alcança as Antilhas
do Rei de Castela. Quanto à sua gente, é de cor de um tanto escura. Selvagem e crudelís-
sima, alimenta-se de carne humana. Este mesmo povo emprega, de modo notável, o arco
e as setas. Há aqui papagaios multicolores e outras inúmeras aves e feras monstruosas”
(360º Ciência Descoberta, Lisboa, Fundação Calouste Gulbekian, 2013, p. 79).

H GHVHQYROYHX HVVDV KDELOLGDGHV QR FXUVR GD YLDJHP (P  3HGUR
Nunes, cosmógrafo do rei, em seu Tratado da esfera, incluiu um pequeno
´7UDWDGR «  VREUH FHUWDV G~YLGDV GD 1DYHJDomR 'LULJLGR D (O5HL
1RVVR6HQKRUµ em que discorre sobre certas perguntas que lhe tinham
sido postas por Martim Afonso depois de voltar da viagem ao Brasil.
Tais dúvidas só podem ser formuladas por quem tinha domínio sobre a
DUWHGHQDYHJDUe3HGUR1XQHVTXHPFRQWDFRPRVHGHXHVVHHQFRQWUR
1mR Ki PXLWRV GLDV VHQKRU TXH IDODQGR FRP 0DUWLP $IRQVR GH
6RXVDVREUHDQDYHJDomRTXHIH]SDUDDVSDUWHVGRVXOHQWUHRXWUDV
coisas me disse com quanta diligência e por quantas maneiras tomara
DDOWXUD>RXVHMDDODWLWXGH@HRVOXJDUHVHPTXHVHDFKDYDHYHULÀFDUD
as rotas por que fazia seus caminhos.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 45
3RUHVVHWHVWHPXQKRÀFDVHVDEHQGRTXHWLQKDKDELOLGDGHVWtSLFDVGRV
pilotos, pois era capaz de tomar as latitudes em diversos pontos, calcular
a distância percorrida pelo navio e observar os desvios realizados pela
HPEDUFDomRGHFRUUHQWHVSULQFLSDOPHQWHGRYHQWRHGDVRVFLODo}HVGDV
correntes marinhas. Com esses dados, corrigia-se a rota a ser seguida,
procedimento que deveria ser realizado, pelo menos, diariamente. Tomar
as latitudes e as longitudes era tarefa fundamental para que os navios se
GHVORFDVVHPFRPPDLRUVHJXUDQoDQRPDUHSDUDHVWDEHOHFHUDORFDOL]DomR
GDVQRYDVWHUUDVUHJLVWUDQGRDVQXPGLiULRGHQDYHJDomRRXQXPPDSD
– outras estratégias que os portugueses utilizavam para tomarem posse
de suas descobertas, pois era o que possibilitava o seu retorno a essas
FRQTXLVWDV)RLSRUHVVDUD]mRTXHDVFLrQFLDVFRVPRJUiÀFDVGHVHQYROYH-
UDPVHQDHVWHLUDGDH[SDQVmRPDUtWLPDHRVSRUWXJXHVHVVHWRUQDUDPRV
pioneiros e mestres nessa arte ao longo dos séculos XV e XVI.

Os astrolábios planisféricos existiam na O astrolábio náutico é um instrumento


Europa desde a Idade Média. Complexos robusto e simples, adaptado à realização
e delicados instrumentos de observação e de medidas no mar. A navegação orientada
cálculo, indispensáveis às viagens atlânticas pela altura dos astros em relação ao hori-
(360º Ciência Descoberta, p. 23). zonte foi típica dos descobrimentos ultrama-
rinos (360º Ciência Descoberta, p. 23).

46 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
3HGUR 1XQHV UHODWD HQWmR ´DV GXDV FRLVDV >FRP DV TXDLV 0DUWLP
$IRQVR@VHHVSDQWDUDPXLWRTXHHPVXDYLDJHPH[SHULPHQWRXµDRHVWX-
dar e comparar as observações de latitude que realizou. Era “a primeira
que estando o Sol na linha, [isto é, no Equador, ou linha Equinocial,] em
todos os lugares em que se achou [este] lhe nascia em leste e se punha
no mesmo dia em oeste, isto igualmente sem nenhuma diferença, ora se
DFKDVVHGDEDQGDQRUWHRUDGDEDQGDGRVXOµ3HUJXQWRXHQWmRDRFRV-
PyJUDIRSRUTXH´UD]mRVHJRYHUQDPRV>RXVHMDQDYHJDPRVHPGLUHomR@
a leste ou oeste, indo por um paralelo numa mesma altura sempre, sem
nunca podermos chegar à equinocial onde levamos a proa juntamente
FRPROHVWHGDDJXOKDµGHPDUHDURXE~VVROD,VWRpQDYHJDQGRVHPSUH
SDUDOHVWHRXRHVWHDSDUWLUGDREVHUYDomRGDE~VVRODVREXPPHVPR
paralelo, os barcos pareciam dirigir-se para o Equador, mas nunca o atin-
JLDPQDYHUGDGH$VHJXQGDTXHHVWDQGRDžGRKHPLVIpULRVXOTXDQGR
o Sol nascia no trópico de Capricórnio, este se punha na mesma altura
do céu, no sentido oeste, “como [acontece ao mesmo tempo com] os que
YLYHPQDPHVPDDOWXUDGHVWDSDUWHQRQRUWHµ(OHTXHVWLRQDYDSRUTXHR
DVWURQDVFLDHVHSXQKDHPDPERVRVKHPLVIpULRVQDPHVPDSRVLomRHP
UHODomRDRPHVPRVLJQRLQGHSHQGHQWHGDHVWDomRGRDQRHPTXHFDGD
um se encontrava.)D]HQGRDSHUJXQWDGHRXWUDIRUPD6HDVHVWDo}HV
GRDQRVmRUHJXODGDVSHODLQFOLQDomRGD7HUUDHPUHODomRDR6ROSRUTXH
esse astro aparecia, ao mesmo tempo, na mesma altura, nos dois hemis-
IpULRVRVTXDLVHVWDULDPH[SHULPHQWDQGRHVWDo}HVGLIHUHQWHVHSRUWDQWR
HVWDQGRDLQFOLQDomRGD7HUUDRSRVWDHPFDGDSROR"
Essas questões revelam que Martim Afonso foi arguto observador
da trajetória percorrida por sua esquadra, cotejando-a e comparando-a
jOX]GDVPHGLGDVWRPDGDVSHORVLQVWUXPHQWRVFRVPRJUiÀFRV0DLVTXH
isso, foi capaz de perceber as implicações que as aparentes inconsistências
HQWUHRSRQWRGHH[SHFWDWLYDGHFKHJDGDHDWUDMHWyULDUHDOPHQWHSHUFRU-
ULGDSHORQDYLRTXDQGRHVVHVHJXLDXPSRQWRFDUGHDOÀ[RSRGHULDPWHU
WDQWRSDUDDDUWHGDQDYHJDomRTXDQWRSDUDRFRQKHFLPHQWRFRVPRJUi-
ÀFR3RULVVRIRLFDSD]GHHVWDEHOHFHUDVFRUUHODo}HVHQWUHRSDUWLFXODU²D
REVHUYDomRSUiWLFD²HRJHUDO²DWHRULDDEVWUDWD²FRQWULEXLQGRGHVVD
IRUPDSDUDDIRUPXODomRGHQRYDVWHRULDV

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 47
A astronomia e a geometria, partes integrantes da cos-
mografia, eram conhecimentos indispensáveis à nave-
gação para o estabelecimento da posição dos barcos a
partir das medidas de longitude e latitude.

48 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
As dúvidas que levou a Pedro Nunes levaram o cosmógrafo à sua mais
LPSRUWDQWHGHVFREHUWDDFXUYDOR[RGU{PLFDSHODTXDOGLVWLQJXLXDVGXDV
trajetórias possíveis para um navio que se encontra em alto-mar. A pri-
meira, que se refere à distância mínima entre dois pontos, corresponde ao
PDLRUDUFRGHXPFtUFXORHDRXWUDOR[RGU{PLFDpDWUDMHWyULDHVSLUDODGD
que se obtém quando, no mar ou no ar, desloca-se de forma constante,
YROWDQGRDSURDGDHPEDUFDomRVHPSUHSDUDXPPHVPRSRQWRFDUGHDO
Devido à curvatura da Terra, neste último caso, o que ocorre é que a rota,
ao invés de se revelar retilínea, se espirala, levando a que diariamente
RVSLORWRVWLYHVVHPTXHFRUULJLURUXPRDSDUWLUGHQRYDREVHUYDomRGR
6RORXGDVHVWUHODVÀ[DV Essas duas trajetórias se encontram somente
quando se navega, de forma constante, pelo Equador (no sentido leste-
RHVWH RXSRUTXDOTXHUPHULGLDQRGD7HUUD QRUWHVXO )RUDPHVVDVGXDV
possíveis trajetórias que o cosmógrafo distinguiu entre “navegar por arte
HSRUUD]mRµ(VVDGHVFREHUWDGH3HGUR1XQHVSHUPLWLXFRQIHULUPDLRU
SUHFLVmRjVFDUWDVGHPDUHDUHIRLDEDVHSDUDTXH0HUFDWRUHVWDEHOHFHVVH
DVXDIDPRVDSURMHomRFDUWRJUiÀFDHPWRQDQGRVHUHIHUrQFLDSDUD
DFDUWRJUDÀDHXURSHLDTXHVHVHJXLX(VVDGHVFREHUWDpQRVGLDVGHKRMH
IXQGDPHQWDOSDUDRULHQWDUDQDYHJDomRGHQDYLRVHDYL}HV
$VFDUWDVTXH0DUWLP$IRQVRHVFUHYHXDSyVUHWRUQDUDRUHLQRHVWmR
recheadas de informes náuticos, que lhe serviram inclusive como sub-
sídio para propor ao rei mudanças na carreira da Índia. Numa delas,
VHPPRGpVWLDDOJXPDHVFUHYHXD'RP-RmR,,,´1mRVHHVSDQWH9RVVD
$OWH]DGHYRVIDODUWmRVROWDPHQWHQDVFRLVDVGHQDYHJDomRSRUTXHHX
FXLGRTXHWHQGHVSRXFRVHP3RUWXJDOTXHDHQWHQGDPPHOKRUTXHHXµ
Diferentemente de Martim Afonso, de que há dúvidas sobre ou como
VH GHX XP DSUHQGL]DGR SUpYLR VDEHVH TXH VHX LUPmR 3HUR /RSHV GH
6RXVDMiHUDH[tPLRQDYHJDGRUDQWHVGHSDUWLUSDUDR%UDVLOFRPRVH
pode observar nos vários apontamentos constantes do Diário. Se pos-
VXtD FRP FHUWH]D H[SHULrQFLD H FRQKHFLPHQWR DQWHULRUHV QmR VH VDEH
DRFHUWRFRPRRVUHXQLX$H[SUHVVmR´SRUH[SHULrQFLDYHUGDGHLUDµTXH
XWLOL]RXSDUDVHUHIHULUjVFRUUHQWHVTXHDYLVWRXSUy[LPDVD)HUQDQGRGH
Noronha deu azo a que se levantasse a hipótese de já ter navegado ante-
riormente em águas brasileiras.2SDGUH6LPmRGH9DVFRQFHORVDÀUPRX

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 49
A constelação do Cruzeiro do Sul observada e registrada pela primeira vez na viagem de
Pedro Álvares Cabral. O conhecimento dos astros do hemisfério sul foi essencial às grandes
navegações (360º Ciência Descoberta, p. 34). Fonte: Coleção de estampas do Museu
Plantin-Moretus.

50 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
TXHHOHHVWLYHUDQR%UDVLOQDDUPDGDGH&ULVWyYmR-DFTXHV  H
que percorrera toda a costa, aprendendo como navegá-la.
Sem dúvida, Pero Lopes participou ativamente de todas as tarefas de
TXH GHSHQGLD D QDYHJDomR GD HVTXDGUD LQLFLDOPHQWH QD QDX FDSLWkQLD
onde, a princípio, embarcou. Logo após a partida, registra que, ao sair da
barra do Tejo, soprava o vento leste, e tomaram o rumo sudoeste. No dia
seguinte, a despeito de o vento ter mudado, soprando para o norte, conti-
nuaram no mesmo rumo, demonstrando que dominava a arte de navegar,
PHVPR DR FRQWUiULR GR YHQWR R TXH H[LJLD TXH VH EDUODYHQWHDVVH 1R
outro, conta que tomou o Sol, isto é, mediu a latitude em que se encontra-
vam, o que deveria ser feito quando o astro estivesse a pino. Certamente
usou um astrolábio, pois era como comumente se tomava essa medida, o
TXHVLJQLÀFDTXHVDELDRSHUDUHVVHLQVWUXPHQWRWRPDQGRHUHJLVWUDQGR
DDOWXUDGR6RODRPHLRGLDFRQFOXLQGRTXHQDRFDVLmRVHHQFRQWUDYDP
DžHGHODWLWXGHQRUWH Essa tarefa continuou a realizar diaria-
mente, sempre à mesma hora, como era recomendado para estabelecer
XPSDGUmRGHUHIHUrQFLDHPUHODomRjVPHGLGDVHQFRQWUDGDV

Vários instrumentos matemáticos


eram utilizados para estabelecer
a posição dos navios no mar
(Science & Curiosités, p. 171).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 51
Também dominava outros instrumentos náuticos, como o prumo, ou
a sonda de navegantes, um invento simples, usado desde a Antiguidade,
TXHFRQVLVWLDQXP´SHGDoRGHFKXPER « TXHGHRUGLQiULRSHVDDOJXQV
dezoito arráteis. Atado a uma corda, os marinheiros o lançam ao mar
SDUDVHFHUWLÀFDUHPGDDOWXUDHTXDOLGDGHGDSDUDJHPHPTXHHVWmRµ
3HUR/RSHVODQoRXRSUXPRSHODSULPHLUDYH]QRGLDGHGH]HPEUR
quando, devido ao mau tempo, o navio foi empurrado, perigosamente,
SDUDDVSUR[LPLGDGHVGR&DERGDV%DUEDVQDFRVWDDIULFDQDGHSRLVGH
terem cruzado as Canárias e o Cabo Bojador. Noutra feita, em per-
VHJXLomRDQDXVGHSLUDWDVIUDQFHVHVQDYHJDQGRHQWUHR&DERGH6DQWR

Nessa imagem observa-se o piloto e seu ajudante tomando a altura da Lua e do Sol,
utilizando a balestrilha e o astrolábio para estabelecer a posição no navio (Hans Staden,
Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 23).

52 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
$JRVWLQKRHDLOKDGH6DQWR$OHL[RMiQR%UDVLOFRPRDViJXDVHUDP
PXLWR UDVDV FRQWRX TXH ´IXL WRGD D QRLWH FRP R SUXPR QD PmR VRQ-
GDQGRSRUIXQGRGHGR]HEUDoDVµGHL[DQGRFODURTXHIRUDHOHPHVPR
TXHPFXLGDGRVRVHHQFDUUHJDUDGDRSHUDomR
0HGLU D ORQJLWXGH HUD WDUHID PDLV FRPSOH[D H GLItFLO PDV SRU WUrV
YH]HV GHQRYHPEURGHGHPDLRHGHDJRVWRGH  Pero
/RSHVUHJLVWUDTXHWRPRXDOpPGDSRVLomRGR6RODGD/XDHPUHODomR
jVHVWUHODVÀ[DV$SULPHLUDPHGLGDUHVXOWDYDQDODWLWXGHHDVHJXQGDQD
longitude. Para esta última, utilizavam-se pêndulas, pois se calculava
utilizando medidas de tempo. Esse cuidado visava ao estabelecimento
PDLVSUHFLVRGDSRVLomRHPTXHVHHQFRQWUDYDP$VGXDVSULPHLUDVPHGL-
GDVIRUDPUHDOL]DGDVHPWHUUDQR&DERGH6DQWD0DULDHQR5LRGH6mR
Vicente, respectivamente, e a terceira, no mar – esta última era mais difí-
FLODLQGDGHVHUDIHULGDSRLVDVSrQGXODVVHGHVUHJXODYDPFRPDRVFLODomR
dos navios.

O astrolábio foi instrumento essencial na navegação do oceano


Atlântico.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 53
Pero Lopes também sabia reconhecer os sinais necessários para deter-
PLQDUDURWDTXDQGRDQDYHJDomRIRVVHLQFHUWDRXRVTXHLQGLFDYDPD
SUR[LPLGDGHGHWHUUDÀUPH1RSULPHLURFDVRQDVFHUFDQLDVGH)HUQDQGR
Noronha, onde era difícil manter o rumo devido às fortes correntes mari-
QKDVUHFRPHQGRXDRVSLORWRVGDVRXWUDVHPEDUFDo}HV´SRUH[SHULrQFLD
YHUGDGHLUDµ LVWR p SUySULD TXH ´TXDQGR HVWDLV GH EDUODYHQWR vereis
muitas aves, as mais rabifurcados e alcatrazes pretos; e de julavento
YHUHLVPXLSRXFDVDYHVHDVTXHYLUGHVVHUmRDOFDWUD]HVEUDQFRV(RPDU
p PXL FKmR >LVWR p FDOPR@µ (OHV HQWmR GHYHULDP XWLOL]DU HVVHV VLQDLV
YLVXDLVSDUDPDQWHUDGLUHomRGHVHMDGD1RVHJXQGRFDVRUHJLVWURXTXH
DRVHDSUR[LPDUHPGDFRVWDEUDVLOHLUDQRGLDGHMDQHLUR´QmRFRUUHX
pescado nenhum conosco, que é sinal nesta costa de estar perto de terra;
H QHQKXP RXWUR QmR WHP VHQmR HVVHµ (VVDV GXDV DÀUPDo}HV FRUUR-
boram que ou já navegara por essas águas anteriormente, ou que estava
muito bem informado de suas particularidades.
Registrou, diariamente, os ventos e as correntes enfrentadas, pois o
conhecimento de ambos era essencial para navegar, tirando proveito,
quando favoráveis, ou evitando os perigos que eles podiam representar,
já que impactavam diretamente o rumo do navio, mudando-o, apres-
sando-o ou mesmo impedindo-o.6XDYDVWDH[SHULrQFLDUHYHORXVHQDV
várias vezes em que livrou a armada de situações complicadas e poten-
FLDOPHQWHSHULJRVDV&RPRH[HPSORORJRGHSRLVGHVDtUHPGH/LVERDD
GHGH]HPEUR´YHQWRXFRPPXLWDIRUoDHWUD]LDWmRJUDQGHPDUSRUOi
>TXH@DQDXLDWmRPiGHJRYHUQR>H@FRUUtDPRVPXLWRULVFRGHQRVTXH-
EUDURVPDVWURVµ2YHQWRREROLQDUDVFRUUHQWHVHDFXUYDOR[RGU{PLFD
GHVYLDYDPRUXPRGRVQDYLRVDVVLPORJRDGHGH]HPEURWRPDUDP
DODWLWXGHHPWHUUDÀUPHGHVHPEDUFDQGRQDLOKDGD*RPHLUDH´DOLFRU-
ULJLPRVROHPHµ-iQRGLDDRFRQWUiULR´DQGDPRVHPFDOPDVHP
YHQWDUEDIRGHYHQWRVHQmRJUDQGHYDJDGHPDUµRXVHMDWLYHUDPTXHVH
valer das correntes para navegar, devido à calmaria. Mas, passados pou-
FRVGLDVWXGRPXGRXHDGHGH]HPEURMi´RYHQWRFRPHoRXDUHIUHV-
FDUGRQRUWHHFRPHOHID]tDPRVRFDPLQKRDRVXGRHVWHµ Às vezes
FRQMXQo}HVSHULJRVDVVHUHXQLDPFRPRDGHGH]HPEURTXDQGR´R
PDUDQGDYDWmRJURVVRTXHVHQRVQmRYHQWDUDXPSRXFRGHYHQWRQRUWH

54 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
I{UDPRV GH WRGR SHUGLGRV SRUTXH R PDU QRV URODYD SDUD WHUUD H QmR
SRGtDPRVVXUJLU>LVWRpDQFRUDU@SRUTXHRIXQGRHUDGHSHGUDµ Nas
SUR[LPLGDGHVGR&DERGH6DQWR$JRVWLQKRIRLFDSD]GHID]HUQDYHJDU
parte da esquadra depois dela encalhar, sem contar com piloto a bordo
das naus que comandava conjuntamente.
Seus conhecimentos náuticos foram respeitados por seus contempo-
UkQHRV'RP*DUFLDGH1RURQKDYLFHUHLGDÌQGLDSRUYROWDGH
DÀUPRX TXH ´3HUR /RSHV GH 6RXVD >HUD@ D TXHP WRGRV RV SRUWXJXH-
VHVGHYHPRVFRQIHVVDUYDQWDJHPHGDUREHGLrQFLDQRRItFLRGRPDUµ
'HSRLVGHYROWDUGR%UDVLOGHYLGRjYDVWDH[SHULrQFLDQiXWLFDTXHDFX-
PXORXQDYLDJHPVHUYLXFRPRFDSLWmRQRVQDYLRVGDFDUUHLUDGDÌQGLD
mais importante por essa época do que as frotas que iam para o Brasil,
por trazerem embarcadas as preciosas especiarias do Oriente.

No Mapa da costa do Brasil entre o Cabo


de S. Tomé e o Morro de João Moreno, de
João Teixeira Albernaz I, de 1642, aparecem
vários registros de profundidade da costa
tomada pelas sondas. Essas informações
eram vitais para a navegação.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 55
O caçador de piratas

No Cabo de Santo Agostinho, iniciou-se a primeira tarefa da armada


GHVLJQDGDQDVRUGHQVUpJLDVDSUHHQGHURVSLUDWDVIUDQFHVHVTXHFRQWUD-
EDQGHDYDPSDXEUDVLO(VVDWDUHIDKDYLDVLGRGHFLVLYDQDSUHSDUDomRGD
H[SHGLomRGH0DUWLP$IRQVRDVHJXQGDRÀFLDOTXH'RP-RmR,,,HQYLRX
DR%UDVLOSRLVDTXHOKHDQWHFHGHUDDGH&ULVWyYmR-DFTXHVFXMRVQDYLRV
KDYLDPUHWRUQDGRHQWUHHGHUDDVSULPHLUDVQRWtFLDVGDVLQYHV-
tidas francesas no litoral brasileiro.
2 SULPHLUR HQFRQWUR ² VH p TXH VH SRGH DÀUPDU WHU VLGR HVVH XP
encontro – com os piratas ocorreu no dia da chegada à costa brasileira,
DžGHIHYHUHLURSRXFRDRQRUWHGR&DERGH6DQWR$JRVWLQKR$YLVWD-
ram a distância uma nau e levantaram todas as velas para aumentar a sua
YHORFLGDGHVDLQGRHPSHUVHJXLomRGRVLQLPLJRV'RLVQDYLRVGDDUPDGD

Os piratas franceses foram uma grande ameaça ao domínio português no Brasil, interes-
sados na exploração do pau-brasil. Na Cosmographie Universelle, do francês Guillaume Le
Testu, a flor-de-lis da casa real francesa aparece representada sobre o Brasil.

56 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
foram pelo sul e dois pelo norte, e, vendo-se cercados pelos dois lados,
os franceses tomaram o rumo da terra, ancorando à meia légua da costa,
IXJLQGRWRGDVXDWULSXODomRHPXPEDWHO ERWH 'DFDUDYHOD3ULQFHVD
SDUWLX HP SHUVHJXLomR XP EDWHO SRUWXJXrV PDV TXDQGR FKHJDUDP j
praia, os piratas já tinham fugido terra adentro, onde se embrenharam na
PDWDQmRVHPDQWHVGHVWUXLUVHXSUySULRERWH$ERUGRGDQDXIUDQFHVD
encontraram apenas um homem, muita pólvora e artilharia, bem como
grande carregamento de pau-brasil. De tudo tomaram posse em nome de
El-Rei.
No mesmo dia, já ao sul do cabo, apreenderam outra nau francesa,
GDPHVPDIRUPDDEDVWHFLGDGHSDXEUDVLOPDV3HUR/RSHVQmRGHWDOKD
como se deu essa abordagem. Desse ponto, ele foi enviado, no comando
GDVGXDVFDUDYHODVSRUWXJXHVDVjLOKDGH6DQWR$OHL[R´SRUTXHWtQKDPRV
LQIRUPDomR TXH HVWDYDP DOL >PDLV@ GXDV QDXV IUDQFHVDVµ GHYHP WHU VH
YDOLGRGHLQIRUPDo}HVGDGDVSHORIUDQFrVDSULVLRQDGRQRERWH TXHGH
fato, no dia seguinte, foram avistadas. Uma delas parece ter conseguido

Os indígenas cortavam e carregavam o pau-brasil para os piratas


franceses (Weiss (coord.), Enciclopédia Delta de história do Brasil, v. VI,
p. 1445).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 57
fugir, pois a escaramuça que descreve aconteceu apenas com uma dessas
QDXV DOFDQoDGD QR ÀP GD WDUGH H FRP D TXDO SHOHMRX KDYHQGR IDUWD
troca de tiros durante todo o dia seguinte, 2 de fevereiro. Depois de
ORQJDEDWDOKDRVSRUWXJXHVHVÀQDOPHQWHFRQVHJXLUDPWRPiODSRUTXH
a pólvora dos inimigos acabou. Martim Afonso, que havia lhe seguido
FRPRJDOHmR6mR9LFHQWHDQDX6mR0LJXHO PDVHVVDVHSHUGHXQRFDPL-
QKR HFRPXPDGDVIUDQFHVDVMiDSUHHQGLGDV ajudou-lhe na abordagem
ÀQDOGHVVDQDXLQLPLJD&RPRUHVXOWDGRGHVVHHPEDWHDFDUDYHODGH3HUR
/RSHVD5RVDIRLDWLQJLGDSRUWLURVTXHUHVXOWDUDPQRURPSLPHQWR
de todas as velas e em estragos diversos, mas nenhum homem se feriu.
Já entre os franceses, todos aprisionados, houve seis feridos e apreen-
deram mais pólvora, artilharia e pau-brasil. $ SDUWLU GH HQWmR 0DU-
WLP$IRQVRDVVXPHDQDYHJDomRGDFDSLWkQLDH3HUR/RSHVpGHVORFDGR
dependendo das necessidades, para algum dos outros navios.
'HSRLVGHVVDUHIUHJDDHVTXDGUDYROWDDVHDSUR[LPDUGDFRVWDQDYH-
JDQGRSRURQGHR´PDUHUDPWXGREDUUHLUDVYHUPHOKDVDWHUUDWRGDFKm
FKHLD GH DUYRUHGRVµ 0DV R YHQWR DSUR[LPRXRV GHPDLV GD FRVWD H D
PDLRULDGRVQDYLRVHQFDOKRX)L]HUDPQHVVDRFDVLmRRVSULPHLURVFRQWD-
tos com os nativos, que vieram a bordo oferecer pau-brasil. Quando foi a
vez dos portugueses descerem à terra, tentando conseguir água em troca
GHDOJXPDVPHUFDGRULDVVHYLUDPIUXVWUDGRV´SRUOKDQmRTXHUHUGDUD
JHQWHGDWHUUDµ
Nesse ponto, Martim Afonso e Pero Lopes se separaram pela primeira
vez. O primeiro partiu na caravela Rosa, a única que, devido às habili-
GDGHVGR~OWLPRTXDQGRHVWHYHQRVHXFRPDQGRQmRHVWDYDHQFDOKDGD
HRVHJXQGRÀFRXHVSHUDQGRDPDUpVXELUSDUDVHJXLUFRPRUHVWDQWHGD
armada. Novamente os navios se desencontram. Pero Lopes chegou de
YROWDDRSRUWRGH3HUQDPEXFRVRPHQWHQRGLDGHIHYHUHLURPDVDR
aportar foi informado que a primeira nau que tinham tomado dos fran-
FHVHVHTXHKDYLDÀFDGRQRSRUWRKDYLDSDUWLGRSDUD5LRGH3HUQDPEXFR
5LR,JDUDoXMXQWRjLOKDGH,WDPDUDFi SDUDRQGHWDPEpPVHGLULJLUD
0DUWLP$IRQVR/iÀFDYDXPDIRUWDOH]DSRUWXJXHVDIXQGDGDSRU&ULVWy-
YmR-DFTXHV que, a cerca de dois meses, havia sido saqueada por piratas
franceses e abandonada por seu comandante português, que embarcara

58 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
HPGLUHomRDR5LRGH-DQHLURQXPQDYLRTXHSRUDOLSDVVDUDLQGRSDUD
6RIDOD0DUWLP$IRQVRUHWRUQRXDRSRUWRGH3HUQDPEXFRQRGLDFKH-
JDQGRDSHQDVFRPDFDUDYHOD5RVDSRLVDQDX6mR0LJXHOFRP+HLWRU
de Sousa no comando, continuava perdida, já tendo se passado oito dias
sem que se soubessem notícias dela. O rescaldo humano dessa etapa da
viagem foram sete mortos da capitânia, afogados na barra do recife, e
muitos doentes, que foram desembarcados por Martim Afonso, numa
IHLWRULD TXH RV IUDQFHVHV KDYLDP OHYDQWDGR QDV SUR[LPLGDGHV WRPDGD
VHPGLÀFXOGDGHVSHORVSRUWXJXHVHVSRLVRVLQLPLJRVMiDKDYLDPDEDQ-
donado quando ali chegaram. Há várias discordâncias sobre a localiza-
omRH[DWDGHVVDIHLWRULDVHQGRTXHDOJXQVGHIHQGHPTXHVHWUDWDYDGDGR
Rio de Pernambuco e outros de uma outra fortaleza.

Roteiro da expedição de Martim Afonso de


Sousa (Weiss (coord.), Enciclopédia Delta de
história do Brasil, v. VI, p. 1450).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 59
Depois de a esquadra ter sido abastecida de víveres e água, Mar-
tim Afonso decidiu dar diferentes destinos às diversas embarcações, a
SDUWLU GR SRUWR GH 3HUQDPEXFR DV GXDV FDUDYHODV SRUWXJXHVDV VRE R
comando de Baltasar Gonçalves e Diogo Leite, respectivamente, foram
PDQGDGDVDR5LR0DUDQKmRSDUDGHVFREULORHWRPDUSRVVHHPQRPH
do rei. Uma das naus francesas foi enviada de volta a Portugal, comanda
SRUVHXSULPR-RmRGH6RXVD5DWHVFRPDVQRYDVGDH[SHGLomR No
UHLQRFDUUHJDGDGHSDXEUDVLOHPDLVGHSULVLRQHLURVIUDQFHVHVHVVD
nau e sua carga foram vendidas por bom preço.1RGLDžGHPDUoR
SDUWHGDDUPDGD DFDSLWkQLDRJDOHmR6mR9LFHQWHFRPRFDSLWmR3HUR
Lopo Pinheiro; e a última das naus francesas aprisionadas, capitaneada
por Pero Lopes, que a batizou de Nossa Senhora das Candeas, padroeira
GRGLDGHIHYHUHLURGDWDHPTXHIRLDSUHVDGD SDUWLXSDUDRVXO$QDX
6mR0LJXHOFRQWLQXRXGHVDSDUHFLGDHQmRPDLVVHXQLXjVGHPDLVQmRVH
conhecendo o seu fatídico destino.

O explorador

7RPDUSRVVHSDUDRVSRUWXJXHVHVVLJQLÀFDYDHQWUHRXWUDVFHULP{QLDV
assentar marcos de pedra com os brasões régios esculpidos, o que tornava
pública sua descoberta sob a bandeira de seu rei. Esses padrões também
VHWRUQDYDPSRQWRVPDUFDGRUHVGHUHIHUrQFLDFRVPRJUiÀFRVHVVHQFLDLV
SDUDHVWDEHOHFHUDSRVLomRGHVVDVGHVFREHUWDVSHUPLWLQGRLQVHULODVQDV
cartas náuticas portuguesas, utilizadas pelos futuros navegantes quando
VHGLVSXVHVVHPDUHID]HURWUDMHWRHDHODVUHWRUQDU3RUHVVDUD]mRTXDQGR
a armada aportou na Baía de Todos os Santos, Pero Lopes, “em terra, na
SRQWDGRSDGUmRWRP>RX@R6ROµ Observa-se, por esse registro, que um
desses marcadores já havia sido ali assentado e que servia de referência
aos navegantes portugueses que por ali passassem.
2PHVPRQmRDFRQWHFLDQRVOLPLWHVQRUWHHVXOGR%UDVLOTXHKDYLDP
VLGR GHÀQLGRV SHOR 7UDWDGR GH 7RUGHVLOKDV DVVLQDGR HQWUH 3RUWXJDO H
(VSDQKDDGHMXQKRGHPDVTXHDLQGDHUDPSRXFRFRQKHFLGRV
HSRULVVRLPSUHFLVRV(VVDLPSUHFLVmRGHFRUULDWDPEpPGRIDWRGHTXH

60 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
HPERUDVHWHQKDHVWDEHOHFLGRTXHRPHULGLDQRGHGLYLVmRGDVSRVVHVV}HV
HQWUH DV GXDV &RURDV HVWDULD D XPD GLVWkQFLD GH  OpJXDV D RHVWH GR
DUTXLSpODJRGH&DER9HUGHQmRIRLHVSHFLÀFDGDDLOKDDSDUWLUGDTXDO
se tomaria essa medida. Para os portugueses, nessa época, o limite norte
GHYHULDVHUÀ[DGRQDIR]GR5LR0DUDQKmR RX$PD]RQDV  Por essa
UD]mRTXDQGRDQDXFDSLWkQLDHQFRQWURXQDLOKDGH7HQHULIHFRPXPD
chalupa espanhola e seus tripulantes informaram que iam à foz do Mara-
QKmR0DUWLP$IRQVR´PDQGRXUHTXHUHUTXHHOHVQmRIRVVHPDRGLWRULR
SRUTXDQWRHUDG·(O5HLQRVVRVHQKRUHGHQWURGDVXDGHPDUFDomRµ
Pouco se sabe como se deu a viagem das duas caravelas que foram
HQYLDGDVDR0DUDQKmRSRLVFRPR3HUR/RSHVQmRIRLWHVWHPXQKDRFX-
ODUGDVPHVPDVVHXGLiULRQmRGHVFUHYHVHXSpULSOR6DEHVHDSHQDVTXH
UHWRUQDUDPD/LVERDDLQGDHPWHQGRFRPSOHWDGRVXDPLVVmRDVVHQ-
WDQGRRVPDUFRVGHSHGUDQDIR]GRULR$GHVHWHPEURRHPEDL[DGRU
espanhol Lope Hurtado informa à Castela que, estando já de volta três
GRV QDYLRV GD H[SHGLomR GH 0DUWLP $IRQVR DV GXDV QDXV TXH IRUDP
DR0DUDQKmRHDIUDQFHVDVRERFRPDQGRGH-RmRGH6RXVD5DWHVTXH
FKHJDUDHPÀQVGHDEULO ´GHVFREULUDPXPULRPXLWRJUDQGH>HP@TXH
havia muitas planícies, grande cópia de madeiras e muita diferença de
DYHVHFXMLMRV>VLF@TXHRVGDWHUUDPRVWUDYDPFRQWHQWDPHQWRGHVHUVHXVµ
2ULRDTXHRHPEDL[DGRUVHUHIHUHGHYHVHUFRPFHUWH]DR0DUDQKmR
TXH 0DUWLP $IRQVR PDQGDUD GHVFREULU 0DV FRQWLQXD R HPEDL[DGRU
SDUDGHFHSomRGRVSRUWXJXHVHV´QmRWUD]HPFRLVDGHVXEVWkQFLD>QHP@
GHRXURQHPGHSUDWDµ
(QTXDQWRDVGXDVQDXVVHJXLDPSDUDR0DUDQKmR0DUWLP$IRQVRH
3HUR/RSHVQDYHJDYDPHPGLUHomRj%DtDGH7RGRVRV6DQWRVRQGHDSRU-
WDUDPDGHPDUoRGHSRLVGHSDVVDUHPSHODIR]GR5LR6mR)UDQFLVFR
dois dias antes. Avistaram as três ilhas na entrada da baía (hoje Itaparica,
0DUpH)UDGH HHPVXDViJXDVFDOPDVVHDEULJDUDPSDUDUHDOL]DUFRQVHU-
tos nos navios, castigados pelas fortes intempéries deste último trecho,
quando enfrentaram até chuva de pedra, e para se abastecerem de água e
lenha.$OLÀFDUDPDWpRGLDUHID]HQGRVHGDYLDJHPDEDVWHFHQGRVH
de víveres, graças aos nativos que ali viviam. Antes de partirem, Martim
$IRQVRGHL[RXSDUDYLYHUHPFRPRVVHOYDJHQV´GRLVKRPHQVSDUDID]H-
UHPH[SHULrQFLDGRTXHDWHUUDGDYDHOKHVGHL[RXPXLWDVVHPHQWHVµ

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 61
Fac-símile do Tratado
de Martimde Tordesilhas.
O Testamento
62 Fonte: Acervo
de Sousa ede
de Dona
Afonso
Ana Pimentel
Cássio Ramiro Mohallem Cotrim.
Jacques de Vau de Claye, Carte du Nort-est du Brésil, 1579. Nesse mapa, é retratada uma
cena de canibalismo entre os indígenas brasileiros (Belluzzo, O Brasil dos viajantes, p. 71).

$GHPDUoRYLUDPDGLVWkQFLD um navio, sem poderem divisar


sua bandeira. Tratava-se de uma caravela inimiga e dela saiu um batel,
TXHDWUDFRXMXQWRjQDXFDSLWkQLDGH0DUWLP$IRQVROHYDQGRRFDSLWmR
da caravela que se destinava a Sofala e o feitor Diogo Dias, que abando-
nara a feitoria do Rio de Pernambuco, ambos feitos prisioneiros. Martim
$IRQVRDERUGRXDHPEDUFDomRGRVIUDQFHVHVHGHSRLVGHVROWDURSLORWR
HGHL[DUHPWHUUDRXWURVHVFUDYRVTXHLDPSUHVRVFHUWDPHQWHtQGLRVD
WRPRXFRQVLJRFRPRUHVWDQWHGDWULSXODomR´SRLVVHULDQHFHVViULDSDUD
D YLDJHPµ (VVD HPEDUFDomR IRL UHQRPHDGD 6DQWD 0DULD GR &DER
4XDQGRDWLQJLUDPRVEDL[RVGH$EUROKRVSRUYROWDGRGLDGHDEULO
Pero Lopes foi falar com Martim Afonso, na capitânia, pois, devido ao
YHQWRH[FHVVLYRGDYpVSHUDVXDQDXD1RVVD6HQKRUDGDV&DQGHDVWLYHUD
o mastro quebrado, e este queria voltar à Baía de Todos os Santos, por
temer ter de enfrentar essas águas rasas sem o total domínio do navio.
Cuidadosos, todos os pilotos iam jogando as sondas, a cada volta do reló-
gio, mas Martim Afonso determinou que todos continuassem a navegar
juntos para o sul.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 63
Baía de Todos os Santos, no
Roteiro de todos os sinais que
há na costa do Brasil, de Luís
Teixeira, ca. 1585-1590 (Max
Justo Guedes, O descobri-
mento do Brasil (1500-1548),
p. 141), e no Mapa da costa do
Brasil entre a Ponta de Agua-
suipe e o Rio dos Frades, de
João Teixeira Albernaz I, 1642,
aparece desenhada a região
de Abrolhos e os recifes que
cobriam a costa dessa região,
dificultando a navegação.

64 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Jacques de Vau de Claye, Carte de Rio de Janeiro, 1579, onde aparecem aldeias indígenas
e construções europeias na baía do Rio de Janeiro, inclusive a casa de pedra de Martim
Afonso de Sousa (Belluzzo, O Brasil dos viajantes, p. 71).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 65
'HSRLV GH YiULRV GLDV DYLVWDQGR QD FRVWD WHUUDV TXH GH WmR DOWDV
HUDP´DPDUDYLOKDµRXWUDV´PXLFKmVVHPDUYRUHGRµH´QRVHUWmRVHUUDV
PXLDOWDVHIRUPRVDVµHSDVVDUSHOR&DER)ULRDWLQJLUDP´DERFDGR5LR
GH-DQHLURµDGHDEULOXPViEDGRRQGHIXQGHDUDPHPVHJXUDQoD
WRGDVDVHPEDUFDo}HV$OLUHODWDPH[LVWLURLWRLOKDVHPXLWRVDEULJRVH
QRPHLRGDERFDGDEDUUD´XPDLOKDGHSHGUDUDVDFRPRPDUµ&RPR
seus predecessores que a haviam batizado, Martim Afonso tomou a baía
SRUXPULRHDÀUPRXTXH´DVPHOKRUHViJXDVKiQHVWHULRTXHSRGHP
VHUµHVHXHQWRUQR´pGHPRQWDQKDVHVHUUDVPXLDOWDVµ0DQGRXHQWmR
os homens descerem a terra e construírem uma casa forte, com uma
cerca ao redor, e ali levantarem uma ferraria para “fazermos coisas de
TXHWtQKDPRVQHFHVVLGDGHµ(VVHORFDORQGHHVWDEHOHFHUDPXPSHTXHQR
SRXVRÀFRXFRQKHFLGRFRPRSRUWRGH0DUWLP$IRQVR$H[SHGLomR
FRPSRVWDQHVVDpSRFDSRUFHUFDGHKRPHQVÀFRXHVWDFLRQDGDSRU
WUrVPHVHVDWpžGHDJRVWRHQTXDQWRDEDVWHFLDPVHGHiJXDHGHPDQ-
WLPHQWRVSDUDHQIUHQWDUHPRSUy[LPRDQR1HVVHSHUtRGRFRQVWUXtUDP
GRLVEHUJDQWLQV´HPEDUFDomREDL[DGHUHPRµHYHODV com quinze ban-
cos cada,TXHUHYHODPDLQWHQomRGHQDYHJDUDOJXQVULRVTXHSHQHWUD-
vam pelo interior, conforme as instruções régias.
1DYHJDQGRVHPSUHHPGLUHomRDRVXODFRPHWHXOKHVTXDVHWRGRR
WHPSR XPD FHUUDomR WmR IRUWH ´TXH ID]LD SRXFD GLIHUHQoD GD QRLWH DR
GLDµGLÀFXOWDQGRDYLDJHPHRHVWDEHOHFLPHQWRGDVXDSRVLomRSRUOKHV
IDOWDUR6RO6REHVVDLQFHUWH]DDGHDJRVWR0DUWLP$IRQVRPDQGRX
um dos bergantins à costa, com um língua embarcado, para ver se seus
homens encontravam nativos que pudessem informar onde se encontra-
YDPRXSHORPHQRVFRQVHJXLUHVWDEHOHFHUVXDSRVLomRDSDUWLUGDWHUUD
0DV QmR IRUDP EHPVXFHGLGRV HP QHQKXPD GDV GXDV WDUHIDV 1R GLD
seguinte, quase naufragaram ao se acercarem demais de uma ilha (a dos
$OFDWUD]HV TXHQmRSXGHUDPDYLVWDUGHYLGRjQHEOLQD1HOD3HUR/RSHV
Martim Afonso e seus homens caçaram fragatas e alcatrazes, “que eram
WDQWRV TXH FREULDP D LOKDµ PDV WRGRV WRPDUDP XP YHQWR WmR TXHQWH
TXH ÀFDUDP FRP IHEUH $QWHV GH DEDQGRQDU D LOKD 3HUR /RSHV DWHRX
lhe fogo, provavelmente para orientar os navios que estavam navegando
TXDVHjVFHJDVGHYLGRDRQHYRHLUR$LQGDVREIRUWHFHUUDomRDDUPDGD
FKHJRXQRGLDjLOKDGD&DQDQHLD DWXDO%RP$EULJR 

66 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Diogo Homem, Quarta Orbis Plars. Mundus Novus, 1558. No mapa há várias represen-
tações dos indígenas brasileiros, inclusive cena de canibalismo (Belluzzo, O Brasil dos
viajantes, p. 69).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 67
Permaneceram em Cananeia por 44 dias, sem jamais avistarem o Sol.
Sob os efeitos do vento sudoeste, chovia “sempre com muitas trovadas e
UHOkPSDJRVµRTXHOKHVÀ]HUDPSHUGHUPXLWDVkQFRUDVSRUOKHVTXHEUD-
rem os cabos que as atavam aos navios. Tudo indica que ali levantaram
XPSDGUmRDUHJLVWUDUDSRVVHSRUWXJXHVDDSHVDUGHRDiárioQmRID]HU
referência a esse feito. Essa inferência se faz porque esse local, a partir
GHHQWmRÀFRXFRQKHFLGRFRPR3RQWDGR3DGUmR)LQDOPHQWHDGH
setembro, partiram, rumando novamente para o sul. O objetivo era atin-
girem o Rio de Santa Maria, chamado, pelos espanhóis, de Rio de Solis
ou da Prata.
$FKXYDFRQWLQXDYDIRUWHHQDQRLWHGHGHVHWHPEURGHSRLVGHR
navio de Pero Lopes quase ter ir dado à costa, os bergantins perderam-
se do restante da armada. No dia seguinte, avistaram e reconheceram,
DR ORQJH D /DJRD GRV 3DWRV 2 PDX WHPSR GLÀFXOWDYD DV PDQREUDV
frustrando-os de acercarem-se da terra para descer a bom porto, como
desejou Martim Afonso, e os navios e os bergantins encontravam-se e
desencontravam-se no mar, jogados pelos ventos e correntezas fortes. O
PDUÀFRXWmRDJLWDGRTXHD1RVVD6HQKRUDGDV&DQGHDVFDSLWDQHDGDSRU
3HUR/RSHVÀFRXDODJDGDHDVGXDVERPEDVGHERUGRWLYHUDPTXHVHU
DFLRQDGDVSDUDHVJRWDUDiJXD4XDQGRÀQDOPHQWHRWHPSRVHUHQRXD
GHRXWXEURS{GHVHDYLVWDUDWHUUD´TXHHUDPXLWREDL[DµVHPQHQKXP
sinal conhecido que pudesse lhes indicar onde estavam. Apesar da incer-
WH]DRPDUHUDIpUWLOIRQWHGHDOLPHQWRV$VVLPVHQGRQRGLDVHJXLQWH
GHRXWXEURSHVFDUDPPXLWRVSHL[HVHQRRXWURMiDžGHODWLWXGHVXO
mataram muitos lobos-marinhos, em três ilhas de pedra. Ao descerem
QDWHUUDÀUPHSRXFRDOpPGHVVDVLOKDVHVWDOKHVSDUHFHX´PXLIRUPRVD
>FRP@PXLWRVULEHLURVG·iJXDHPXLWDVHUYDVHÁRUHVFRPRDVGH3RUWX-
JDOµHDOLDYLVWDUDPGXDVRQoDVJUDQGHV(PVXDKRPHQDJHPEDWL]DUDP
as três ilhas com o nome de das Onças.
$  GH RXWXEUR FKHJDUDP ÀQDOPHQWH DR TXH DFUHGLWDUDP VHU R
Cabo de Santa Maria, mas tudo indica ter sido a Ponta de Maldonado,
um pouco mais ao sul, na embocadura do Rio da Prata, que era o ponto
H[WUHPRTXHVXDVRUGHQVGHWHUPLQDYDPTXHGHYLDPDOFDQoDU&RPHoD-
ram a buscar um porto seguro para o desembarque, com vistas a assentar

68 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
os padrões portugueses. Encontraram uma pequena ilha, que denomina-
ram das Palmas,RQGHÀQFDUDPXPDFUX](QWUHHGRPHVPRPrV
VHJXLUDPVHGLDVGHWHPSRWXUEXOHQWRHLQVWiYHOTXHQmRVyGLVSHUVDUDP
mas também colocaram em perigo todas as embarcações, infringindo-
OKHVVpULRVGDQRV$WHPSHVWDGHIRLYLROHQWDRYHQWRQmRGDYDWUpJXDH
enormes ondas quebravam nos conveses das embarcações. Pero Lopes
usava de toda a sua maestria para conduzir a nau sob seu comando, e os
PDUXMRV VH GHVHVSHUDYDP D XQV SDUHFLD TXH R QDXIUiJLR HUD LPLQHQWH
´RXWURVEUDGDYDPTXHDUULEDVVH>P@>H@HUDWmRJUDQGHUHYROWD « TXHQmR
>VH@HQWHGLD>P@µ3HUGHUDPVHEDWpLVHkQFRUDVPDVWURVSDUWLUDPVHYHODV
UDVJDUDPVH4XDQGRÀQDOPHQWHRWHPSRDFDOPRX3HUR/RSHVPDQGRX
alguns homens à terra a ver se conseguiam ter notícias ou avistar a capi-
tânia. A 2 de novembro, soube por eles que a mesma naufragara, pois,
GHVJRYHUQDGDIRLGDU´jFRVWDSRUIDOWDGHDPDUUDVµPDVTXHRFDSLWmRH
DWULSXODomRVHVDOYDUDPDQDGRPRUUHQGRVRPHQWH´VHWHSHVVRDV>VHQGR@
VHLVDIRJDGRVHXPTXHPRUUHXGHSDVPRµ Como Martim Afonso con-
WRXPDLVWDUGHQD´%UHYtVVLPDHVXPiULDUHODomRTXHIH]GDVXDYLGDH
REUDµGXUDQWHVXDHVWDGDQR%UDVLOHQIUHQWDUD´PXLWDVWRUPHQWDVDWpSRU
GHUUDGHLURPHGDUXPDWmRJUDQGHTXHVHSHUGHXDQDXHPTXHHXLDH
HVFDSHLHPXPDWiEXDµ

Costa entre a baía de


Guanabara e a entrada de
Santos e São Vicente, no
Roteiro de todos os sinais
que há na costa do Brasil, de
Luís Teixeira, ca. 1585-1590
(Guedes, O descobrimento do
Brasil (1500-1548), p. 114).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 69
1RGLDGHQRYHPEURQXPDLOKDDTXDWUROpJXDVGDFRVWD0DUWLP
Afonso reuniu um conselho, composto pelos pilotos, mestres e conhe-
FHGRUHV GD UHJLmR SDUD GHFLGLU VH SDUWLULD SDUD H[SORUDU R JUDQGH 5LR
da Prata. Decidiu permanecer nessa ilha e enviar somente Pero Lopes,
FRP  KRPHQV ULR DFLPD SDUD ´S{U XQV SDGU}HV H WRPDU SRVVH GR
GLWR5LRSRU(O5HLQRVVRVHQKRUµ'HWHUPLQRXTXHHVVDH[SHGLomRQmR
GHPRUDVVHPDLVTXHGLDV2IDWRGH0DUWLP$IRQVRWHUGHVLVWLGRGH
VXELURULRWHQGRHQYLDGRDSHQDVVHXLUPmRFRPDOJXQVSRXFRVKRPHQV
limitando a jornada a um curto espaço de tempo, revela que as muitas
riquezas minerais que há muito os portugueses sonhavam ter acesso por
meio do Rio da Prata, em cujas cercanias acreditavam estarem locali-
]DGDVGHL[DUDGHVHURREMHWLYRSULQFLSDOGHVVDSDUWHGDYLDJHPTXHVH
restringiu a fazer um reconhecimento do rio e suas margens e a assentar
RVPDUFRVGHSHGUD3HUR/RSHVUHWRUQRXGHVVDH[SHGLomRFRPWRGRVRV
TXHKDYLDPOKHDFRPSDQKDGRDGHGH]HPEURWHQGRVHHQFRQWUDGR
com Martim Afonso na ilha das Palmas, onde este os aguardava.
1HVVHLQWHUYDORGHWHPSRQmRVHVDEHPXLWREHPRTXHRFRUUHXFRP
Martim Afonso, já que o Diário se atém a narrar a jornada rio acima.
3DUHFHTXHRFDSLWmRQDYHJRXDWpRDWXDO5LR*UDQGHGR6XOID]HQGRR
reconhecimento da costa, quando teria descoberto e visitado a “barra do
5LR*UDQGHDTXHFKDPRX6mR3HGURµ(VVDLQIHUrQFLDVHGHQRWDSHOR
IDWR GH TXH HVVD GHQRPLQDomR TXH HVFROKHX SDUD HVVH VtWLR FDLX ORJR
depois, em desuso e, por algum tempo, esse local foi denominado de Rio
Martim Afonso de Sousa, a indicar que teria sido ele seu descobridor.
(QWUH  GH GH]HPEUR H o de janeiro, estando nesse primeiro dia
WRGRV Mi UHXQLGRV ÀFDUDP HVWDFLRQDGRV QD LOKD GDV 3DOPDV SRLV 3HUR
/RSHVHVHXVKRPHQVSUHFLVDYDPVHUHFXSHUDUGDH[SHGLomRGHRQGHFKH-
JDUDP HVWURSLDGRV SULQFLSDOPHQWH GHSRLV TXH Mi QDV SUR[LPLGDGHV GD
foz do Prata, o bergantim naufragara sob pesada chuva. Apesar da perda
GDHPEDUFDomRWRGRVFRQVHJXLUDPVHVDOYDU$žGHMDQHLURDHVTXDGUD
reunida partiu, rumando para o norte, sempre junto à costa até atingir o
SRUWRGH6mR9LFHQWHKRMHEDtDGH6DQWRVQRGRPLQJRGHMDQHLURGH
 Estavam assentados os padrões que representavam a posse por-
WXJXHVDGRH[WUHPRVXOGR%UDVLO

70 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Costa do descobrimento, no Roteiro de todos os sinais que há na costa
do Brasil, de Luís Teixeira, ca. 1585-1590 (Guedes, O descobrimento do
Brasil (1500-1548), p. 139.). No Mapa da costa do Brasil entre o Cabo de
Santa Maria e a Lagoa do Rio Grande, de João Teixeira Albernaz I, 1642,
pode-se observar retratado o Rio de Martim Afonso de Sousa.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 71
Os línguas

Pouquíssimos europeus viviam no Brasil antes da chegada da armada


de Martim Afonso e o Diário relata os encontros que tiveram com alguns
GHVVHVKRPHQV$OJXQVHUDPQiXIUDJRVRXWURVIRUDPGHL[DGRVDRORQJR
GD FRVWD LQWHQFLRQDOPHQWH SRU H[SHGLo}HV DQWHULRUHV HVSDQKRODV RX
SRUWXJXHVDV$LQGDTXHIRVVHPÀJXUDVSRUYH]HVSHULJRVDVRXPLVWHULR-
sas, pois a maioria havia sido condenada ao degredo, acusada de algum
crime no reino, se sobrevivessem aos nativos e ao clima, esses europeus
deveriam servir de línguas nos futuros contatos com os índios, isto é,
intérpretes, atuando como go-betweensPHGLDGRUHV entre as duas cultu-
UDVDOpPGHLQIRUPDQWHVGDJHRJUDÀDORFDO
$H[SHGLomRGH&DEUDOTXHOHYDYDDERUGRFHUFDGHGHJUHGDGRV
IRLDSULPHLUDDGHL[DUQR%UDVLOPDLVSUHFLVDPHQWHQDFRVWDGD%DKLD
pelo menos dois deles, além de dois marinheiros que fugiram para terra

Como Hans Staden, que foi capturado pelos nativos, os


portugueses deixavam degredados para, convivendo com
eles, aprender sua língua e costumes (Hans Staden, Warhafrig
historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 65).

72 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
na noite anterior à partida da esquadra para a Índia. Os cronistas dessa
viagem descrevem o contato com os nativos como tendo sido amistoso,
PDVDH[SHGLomRVHJXLQWHTXH'RP0DQXHO,HQYLRXHPDGH*RQ-
çalo Coelho, da qual Américo Vespúcio participou e relatou os seus acon-
WHFLPHQWRVHPVXDVFDUWDVQmRWHYHDPHVPDVRUWH'RVWUrVKRPHQVTXH
IRUDPPDQGDGRVSDUDFRQWDWDURVtQGLRVQDUHJLmRGRDWXDO5LR*UDQGH
GR1RUWHGRLVGHVDSDUHFHUDPHXPIRLVDFULÀFDGRHFRPLGRQDSUDLD
FRPDWULSXODomRHVWXSHIDWDDVVLVWLQGRDWXGRGRVEDUFRVDQFRUDGRVD
SRXFDGLVWkQFLD2VHJXQGRFRQWDWRFRPRVQDWLYRVMiQDVSUR[LPLGDGHV
GD%DKLDIRLPDLVDPLJiYHOHDSHVDUGH9HVS~FLRQmRVHUHIHULUGLUHWD-
PHQWHDWHUHQFRQWUDGRDOJXQVGRVKRPHQVGHL[DGRVSRU&DEUDOKiLQGt-
cios que foi o que aconteceu, pois diversas vezes narra que teriam tido
conversas com os índios, o que, certamente, demandaria intérpretes, e
descreve com relativo conhecimento muitos de seus costumes.

O navio de Hans Staden naufragou nas costas de São Vicente.


Como ele, os primeiros náufragos serviram de línguas para
os portugueses que vieram nas expedições posteriores (Hans
Staden, Warhafrig historia and besscbreibung enner landt,
1557, p. 47).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 73
A utilidade desses línguas foi rapidamente percebida pelas diversas
H[SHGLo}HV TXH VH VHJXLUDP Foi o que aconteceu com a de Martim
Afonso, que levou alguns que já tinham retornado ao reino e se deparou
H VHUYLXVH GH RXWURV GHL[DGRV SRU H[SHGLo}HV DQWHULRUHV FRPR DV GH
*RQoDOR&RHOKR H &ULVWyYmR-DFTXHV  
H6HEDVWLmR&DERWR  DOpPGHUHPDQHVFHQWHVGHXPQDYLRGD
HVTXDGUDHVSDQKRODGH-RmR'LD]GH6ROLV  TXHQDXIUDJDUD
Na Baía de Todos os Santos, acharam “um homem português, que
KDYLD YLQWH H GRLV DQRV TXH HVWDYD QHVVD WHUUDµ Tratava-se de Diogo
ÉOYDUHVR&DUDPXUX1mRVHVDEHH[DWDPHQWHFRPRIRLSDUDUDOLPDVHUD
a segunda vez que era avistado, sendo a primeira pelo espanhol Francisco
G·$YLODXPGRVSLORWRVGDH[SHGLomRGH'RP5RGULJRG·$FXxDTXHDOL
KDYLDDSRUWDGRHP De acordo com o navegador espanhol Juan
GH0RULRWHUFHLURTXHRHQFRQWURXHPDOJXQVDQRVGHSRLVGDSDV-
sagem de Martim Afonso, “havia vinte e cinco anos, que estava entre os
índios, [com] outros oito que ali quedaram de um naufrágio da armada
3RUWXJXHVDµ Essas informações remontam a chegada de Caramuru ao
%UDVLOHQWUHH
Juan de Mori conta, ainda, que Caramuru “tinha consigo a sua
PXOKHUTXHHUDtQGLDGDTXDOKRXYHUDPXLWRVÀOKRVHGXDVÀOKDVFDVD-
GDVFRPGRLVHVSDQKyLVTXHDtHVWDYDPµ De acordo com o historia-
dor português Varnhagen, tratavam-se, na verdade, de portugueses,
XPGHOHVXPGRVWUrVKRPHQVTXH0DUWLP$IRQVRKDYLDGHL[DGRQHVVD
terra, de nome Afonso Rodrigues, cuja esposa chamava-se Magda-
OHQD$PXOKHUGH&DUDPXUXHUDDtQGLD3DUDJXDoXÀOKDGRFKHIHTXH
VHJXQGRIUHL9LFHQWHGR6DOYDGRUDSDL[RQDGDWHULDVLGRTXHPOKHVDO-
YRXDYLGDTXDQGRHOHDtIRLGHL[DGR Para Varnhagen, seu nome cris-
WmRGHEDWLVPRVHULD&DWDULQDFRPRTXDOSDVVRXSDUDDKLVWyULDMiSDUD
o Frei, que a teria conhecido, de fato, ela se chamava Luisa. Ainda
segundo Juan de Mori, o Caramuru “se achava mui bem com os índios
>TX@HRWLQKDPSRUVHXFDSLWmROKHHUDPPXLREHGLHQWHVHRVWLQKDWmR
sujeitos e lhe guardavam tanto acatamento como se nascera senhor
GHOHVµ9LYLDQXPDDOGHLDXPDMXQWDPHQWRGHFHUFDGH´FDVDVµTXH
DEULJDYD SRU YROWD GH PLO tQGLRV 3DUD TXH D H[SHGLomR GH 0RUL IRVVH

74 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
bem recebida entre eles e lhes fornecessem víveres nativos – “mandioca,
EDWDWDVHUDt]HVµ² os espanhóis lhes deram em troca uma chalupa e
pipas de vinho.0DUWLP$IRQVRWDPEpPXWLOL]RXHVVHH[SHGLHQWHGH
troca de presentes para estabelecer amizade e barganha com os mesmos.
Pero Lopes conta que, enquanto estiveram na Baía de Todos os Santos,
entre eles, houve trocas de muitos presentes, “intercâmbio simbólico
HPIRUPDGHWURFDUHFtSURFDGHGiGLYDVµ Os índios deram-lhes fartos
mantimentos e Martim Afonso ofereceu-lhes as bugigangas costumeiras
– contas, chocalhos etc. Além de intermediar o contato com os nativos,
Caramuru serviu-lhes de informante do que havia nessas terras e, por
seu intermédio, “os principais homens da terra vieram fazer obediência
DRFDSLWmR>0DUWLP$IRQVR@ « HÀ]HUDPJUDQGHVIHVWDVHEDLORVDPRV-
WUDQGRPXLWRSUD]HUSRUVHUPRVDTXLYLQGRVµ

Em sua primeira viagem ao Brasil, em 1557, Hans Staden se


encontrou com alguns línguas portugueses 18 léguas ao sul de
São Vicente, num local que ele chamou de Supraway (sic) (Hans
Staden, Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557,
p. 38).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 75
2 SLORWR 3HGUH $QQHV TXH HUD SDUWH GD WULSXODomR FXMR FRQKHFL-
mento prévio da costa brasileira, principalmente da sul, seria inestimável
SDUDRVXFHVVRGDYLDJHPIRLRXWUROtQJXDGHTXHDH[SHGLomRVHVHUYLX
1DLOKDGH&DQDQHLD DWXDO%RP$EULJR 0DUWLP$IRQVRRUGHQRXTXH
$QQHVVXELVVHRULRGHQRPH´0DU3HTXHQRµH´TXHIRVVHKDYHUIDODGRV
ÌQGLRVµMiTXH´HUDOtQJXDGDWHUUDµ3RXFRVHVDEHVREUHHOHRXTXDQGRH
como estivera anteriormente no Brasil, mas sua escolha para empreender
HVVDH[SHGLomRLQVLQXDTXHMiYLYHUDQHVVDUHJLmRHTXHWHULDVLGRHOHTXHP
UHFRQKHFHXDLOKDGH&DQDQHLD´TXHWHPHPUHGRQGRXPDOpJXDµHHVWi
GD´WHUUDÀUPH>D@XPTXDUWRGHOpJXDµDSHVDUGDQHEOLQDHVSHVVDTXHD
DUPDGDHQIUHQWRXTXDQGRQDYHJDYDQDVVXDVSUR[LPLGDGHV Demorou-se
$QQHVFLQFRGLDVHQWUHHGHDJRVWRGHSHORLQWHULRUGDLOKD
Quando retornou estava acompanhado de dois portugueses, “Francisco
&KDYHVHREDFKDUHOHFLQFRRXVHLVFDVWHOKDQRVµ6HJXQGR3HUR/RSHV
REDFKDUHOKDYLDVLGRGHJUHGDGRKiDQRVH&KDYHVHUD´JUDQGHOtQJXD
GHVVDWHUUDµ Já os cinco ou seis castelhanos pareciam ser remanescentes

A captura de um europeu pelos indígenas nas imediações de Santo Amaro (Jorge Couto, A
América portuguesa nas coleções da Biblioteca Nacional, Lisboa, BNP, 2008, p. 25).

76 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
GHXPJUXSRTXH6HEDVWLmR&DERWRGHL[DUDQRSRUWRGH6mR9LFHQWHH
que, segundo Alonso de Santa Cruz, teriam depois ido para Cananeia.
$OJXQVGL]HPTXH)UDQFLVFR&KDYHVKDYLDIHLWRSDUWHGDH[SHGLomR
HVSDQKRODFDSLWDQHDGDSRU-RmR'LD]GH6ROLVTXHH[SORUDUDR5LRGD
3UDWDHQWUHH2XWURVTXHSHUWHQFLDjDUPDGDGH*DUFLD-RIUp
GH/RDLVDTXHHPGHL[DUDQHVVDVSDUDJHQVFLQFRWULSXODQWHVGD
QDX 6DQ *DEULHO FRPDQGDGD SRU 'RP 5RGULJR $FXxD Há indícios
GHTXH3HGUH$QQHVWHQKDVHHQJDMDGRHPDOJXPDGHVVDVH[SHGLo}HVRX
pelo menos na de Caboto, que foi destinada às mesmas paragens. Essas
esquadras espanholas levavam entre seus tripulantes alguns portugueses,
como era o caso de Annes, e encetaram contatos com outros europeus
TXHMiKDYLDPVLGRGHL[DGRVQR%UDVLOSRUH[SHGLo}HVSRUWXJXHVDVDQWH-
ULRUHV 2 FHUWR p TXH 3HGUH $QQHV Mi WLYHUD XPD SDVVDJHP QmR PXLWR
FXUWDHDQWHULRUSRU&DQDQHLDSRLVGRPLQDYDDJHRJUDÀDHDOtQJXDGRV
LQGtJHQDVORFDLVHQmRpLPSURYiYHOTXHMiFRQKHFHVVH)UDQFLVFR&KDYHV
e o bacharel. O DiárioGH3HUR/RSHVQmRIDODFODUDPHQWHPDVGHL[DLQVL-
nuar esse conhecimento prévio, como também o fato de que ele conhecia
HVDELDFRPRHQFRQWUDUHVVHVGHJUHGDGRVDOLUHVLGHQWHVRTXHH[SOLFDULDR
desejo de Martim Afonso de ancorar em Cananeia e da escolha de Annes
SDUDDPLVVmRGHSHQHWUDUQDLOKD

Hans Staden, que passou a morar na ilha de Santo Amaro, foi capturado pelos nativos
quando saiu para caçar. Vivendo entre os índios, tornou-se um língua, versado nos seus cos-
tumes (Hans Staden, Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 68, 75).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 77
Quanto ao bacharel de Cananeia, muito se escreveu e se polemizou
a seu respeito. Pero Lopes informa que estava no Brasil há pelo menos
DQRV$SDUWLUGHVVDUHIHUrQFLDFDOFXODVHTXHWHQKDVLGRGHL[DGRQD
UHJLmRSHODH[SHGLomRGH*RQoDOR&RHOKRTXHDOLDSRUWRXHPFRPR
SRGHVHUFRQÀUPDGRSRU$PpULFR9HVS~FLRDRDÀUPDUHPVXDVFDUWDV
que, nesse ano, essa armada parou em Cananeia para se reabastecer de
água, H QmR p LPSURYiYHO TXH WHQKD GHL[DGR FRPR HUD GH FRVWXPH
DOJXP GHJUHGDGR $QWHV GH 0DUWLP $IRQVR D H[SHGLomR GH 6HEDVWLmR
&DERWRWHULDVHHQFRQWUDGRFRPREDFKDUHOHP&DQDQHLDHPSRU-
tanto cinco anos antes ele já estaria lá. Quem conta é o cronista espanhol
Antonio de Herrera, em sua Historia General de los Hechos de los Castellanos en
las Islas y Tierra Firme del Mar Océano  DSDUWLUGDQDUUDWLYDGHXP
de seus tripulantes, de nome Diogo Garcia, após sua volta à Espanha.
*DUFLDFRQWRXTXHQDLOKDUHVLGLDP´XPEDFKDUHOHVHXVJHQURVµXP
deles de nome Gonçalo da Costa. Várias tentativas foram feitas pelos
historiadores para saber a identidade do bacharel, mas a hipótese mais
plausível é a de ser um tal Cosme Fernandes Pessoa, judeu convertido.
Além de Pedre Annes, Henrique ou Enrique Montes foi outro mari-
QKHLUR SRUWXJXrV UHPDQHVFHQWH GD H[SHGLomR GH 6ROLV TXH LD HPEDU-
cado na esquadra de Martim Afonso como provedor de mantimentos da
armada,WHQGRVLGRDQWHVGDSDUWLGD´IHLWRFDYDOHLURGDFDVDUHDOµ
Ter a bordo esses navegantes que já haviam viajado por essas paragens
era maneira de conseguir informações mais seguras da terra e do mar
TXDVHGHVFRQKHFLGRVLQGLVSHQViYHLVDRVXFHVVRGDQDYHJDomRSDUDHVWD-
belecer contato com os poucos europeus já aí residentes e, por meio deles,
com os indígenas.
3DUD DV WHUUDV GR LQWHULRU QDV SUR[LPLGDGHV GH 6mR 9LFHQWH R JXLD
GH0DUWLP$IRQVRIRL-RmR5DPDOKRRXWUROtQJXDTXHMiYLYLDQR%UD-
VLOTXHIRLRPHGLDGRUFRPRVLQGtJHQDVGDUHJLmRHVHUYLXOKHGHJXLD
quando o primeiro subiu a serra litorânea de Paranapiacaba para atin-
JLURDWXDOSODQDOWRGH6mR3DXOR(PVHXWHVWDPHQWR-RmR5DPDOKR
DÀUPDVHUQDWXUDOGDFRPDUFDGH9LVHX mas Tomé de Sousa, primeiro
governador geral do Brasil, diz que era de Coimbra, o que seria mais
improvável. 'HYH WHU FKHJDGR DR %UDVLO SRU YROWD GH  sendo

78 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
que, no reino, já era casado. Um cronista de Mogi das Cruzes, padre
-RUJH0RUHLUDGH*RGR\HVFUHYHXHPTXH5DPDOKRKDYLDYLQGR
na armada de Pedro Álvares Cabral, junto com Antônio Rodrigues, 
GHTXHPVHIDODUiDGLDQWHPDVHVVDLQIRUPDomRpFRQWURYHUVD Sabe-se
TXH XPD YH] HP WHUUDV EUDVLOHLUDV ´FDVRXVHµ FRP XPD GDV ÀOKDV GR
chefe indígena local, Tibiriçá, conhecida como Bartira, batizada com o
QRPHFULVWmRGH,VDEHO7RPpGH6RXVDHPFDUWDDRUHLGHLQIRU-
PRXTXHHOHWLQKD´¶WDQWRVÀOKRVHQHWRVELVQHWRVHGHVFHQGHQWHV·TXH

Frontispício do Mundus Novus, de Américo Vespucci, 1503-1504, que descreve suas viagens
ao Brasil (Portugal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portu-
gueses, A construção do Brasil, 1500-1825, p. 86).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 79
QmRRXVDYDFRPXQLFDUOKHµ'HVFUHYHRFRPRXPKRPHPIRUWHFDSD]
GHDQGDUQRYHOpJXDVDSpDQWHVGHMDQWDUHMRYLDOSRLV´QmRWHPFmDQD
FDEHoD QHP QR URVWRµ LVWR p QmR SRVVXtD RV FDEHORV EUDQFRV O
padre jesuíta Antônio da Nóbrega o conheceu nesse mesmo ano e, sobre
HOHGLVVHTXH´pPXLWRFRQKHFLGRHYHQHUDGRHQWUHRVJHQWLRVHWHPÀOKDV
FDVDGDVFRPRVSULQFLSDLVKRPHQVGHVWDFDSLWDQLDµ Chamando-o pela
corruptela de Juan Rainville, o germânico Ulrico Schmidl o encontrou
GXUDQWHVHXSpULSORSHOD$PpULFDGR6XORQGHFKHJRXHPFRPR
SDUWLFLSDQWHGDH[SHGLomRGH3HGURGH0HQGR]DWHQGRSHUPDQHFLGRQD
UHJLmRGDEDFLDGR5LRGD3UDWDDWpTXDQGRHQWmRGLULJLXVHPDLV
SDUDRQRUWHSDUDQGRQDLOKDGH6mR9LFHQWH(PVHXUHODWRSXEOLFDGR
HPFRQWDTXH5DPDOKRPRUDYDQDVSUR[LPLGDGHVVHUUDDFLPD
KDYLD  DQRV H TXH WLQKD ´JXHUUHDGR H SDFLÀFDGR D SURYtQFLD FKH-
JDQGRDPRELOL]DUtQGLRVHQTXDQWRRUHLGH3RUWXJDOVyPRELOL]DYD
µ -i HP  R MHVXtWD %DOWDVDU )HUQDQGHV R GHVFUHYHX FRPR
um homem branco, que vivia apartado de Deus. Segundo ele, Ramalho
WLQKDQHVVDpSRFDSHUWRGHDQRVGHOHVYLYLGRVQR%UDVLOHDLQGD
usufruía de boa saúde, sofrendo apenas de algumas pontadas e corri-
mentos.7HULDPXLWRSURYDYHOPHQWHVLGRGHL[DGRSHODH[SHGLomRGH
Gonçalo Coelho.
6HJXQGRRFRVPyJUDIR$ORQVRGH6DQWD&UX]SDUWtFLSHGDH[SHGLomR
GH&DERWRTXHDOLDSRUWRXSRUYROWDGHQDLOKDGH6mR9LFHQWHMi
H[LVWLDXPSHTXHQRDOGHDPHQWRGHPHVPRQRPHORFDOL]DGRQDSUDLDGH
Tumiarú, onde o bacharel, seus genros e outros europeus se abrigavam.
Um desses europeus era Antônio Rodrigues. Antes de partir, Martim
$IRQVRRUHFRPSHQVRXFRPXPDVHVPDULDQDLOKDHHPIRLHVFR-
lhido almotacé da Câmara local. Rodrigues casou-se com Antônia
5RGULJXHVÀOKDGRFDFLTXH3LTXLUREvGDWULER´+XUXUDr sic µWDPEpP
assentada nos campos de Piratininga.
$LQGD TXH D ELRJUDÀD H D IRUPD FRPR HVVHV SULPLWLYRV KDELWDQWHV
HXURSHXV GR %UDVLO FKHJDUDP DR %UDVLO VHMDP QHEXORVDV D FRRSHUDomR
GHVVDVPLVWHULRVDVÀJXUDVFRPRIRLRFDVRGR&DUDPXUXGREDFKDUHOGD
&DQDQHLDRXGH-RmR5DPDOKRIRLIXQGDPHQWDOSDUDTXH0DUWLP$IRQVR
realizasse muitas das tarefas que lhe incumbira o rei. Foram essenciais

80 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
SDUD HQFHWDU DV H[SHGLo}HV WHUUD RX ULRV DGHQWUR VHUYLQGR GH JXLDV H
LQIRUPDQWHVGDJHRJUDÀDORFDOSDUDHVWDEHOHFHUFRQWDWRFRPRVQDWLYRV
pois falavam as línguas locais, atuando como go-betweens,HÀQDOPHQWH
PDVQmRPHQRVLPSRUWDQWHSDUDDMXGDUDHVWDEHOHFHURVQ~FOHRVGHLQL-
FLDLVSRYRDPHQWRFRPRHP6mR9LFHQWHH6DOYDGRUVHQGRTXHHPWURFD
de seus serviços, Martim Afonso os recompensou com mercês régias,
LQVHULQGRRVQDHVIHUDGDFRORQL]DomRSRUWXJXHVDTXHVHH[SDQGLDSDUD
assegurar a posse da América portuguesa.

Em sua primeira viagem ao Brasil, em 1557, Hans Staden avistou uma cruz, fincada na
ilha de Santa Catarina, onde se encontrou com cinco náufragos espanhóis (Hans Staden,
Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 41).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 81
O semeador214
$QRPHDomRGH0DUWLP$IRQVRGH6RXVDFRPRFDSLWmRPRUGDVWHUUDV
GR%UDVLOLQFOXtD´WRGDVDVWHUUDVTXHHOH « QDGLWDWHUUDDFKDUHGHVFREULUµ
Apesar dos documentos que chegaram até nós sobre as ordens que rece-
EHXQmRGHL[DUHPFODURHVVDVWHUUDVDGHVFREULUQmRVHVLWXDYDPDSHQDVQD
FRVWDHQWUHR5LR0DUDQKmRHRGR3UDWDPDVWDPEpPQRLQWHULRUHSRU
isso, por quatro vezes, ao longo da viagem, homens foram enviados para
H[SORUiOR$LQGDTXHRVGLiULRVGH3HUR/RSHVQHPVHPSUHDSRQWDUHP
FODUDPHQWHTXDVHWRGDVHVVDVH[SHGLo}HVLQWHULRUHVWLYHUDPFRPRREMHWLYR

Pierre Descelliers, Planisphère, Arques, 1550 (Belluzzo, O Brasil dos viajantes, p. 72).

82 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
GHVFREULU PHWDLV H SHGUDV SUHFLRVDV H HVWHQGHU DR Pi[LPR D SHQHWUDomR
portuguesa a oeste, acercando-se do Meridiano de Tordesilhas. Essa busca
ancorava-se nas notícias que passaram a chegar a Portugal de que, “para o
6XOGH&DQDQHLD « VHHVWHQGLDDFRVWDFKDPDGD¶GRRXURHGDSUDWD·SHORV
navegantes antigos, devido à grande quantidade desses metais que diziam
KDYHUWHUUDDGHQWURµ As primeiras notícias dessas riquezas parecem ter
FKHJDGRj(XURSDHPTXDQGRQDYHJDQWHVGHXPDHVTXDGUDSRUWX-
JXHVDFDSLWDQHDGDSRU'RP1XQR0DQRHODÀUPDUDPTXHWHUUDDGHQWUR
habitava “um misterioso povo serrano que tinha muito ouro e levava ‘ouro
batido a modo de arnêsQDIURQWHHQRSHLWR·µ

5HPDQHVFHQWHV GD H[SHGLomR GH -RmR 'LD] GH


6ROLVIRUDPRXWUDIRQWHLPSRUWDQWHGHGLVVHPLQDomR
GHVVD FUHQoD (VVD H[SHGLomR HVSDQKROD KDYLD VLGR
RUJDQL]DGDSDUDH[SORUDUDSDVVDJHPVXOSDUDR2FH-
DQR 3DFtÀFR PDV 6ROLV DFDERX VHQGR PRUWR SHORV
índios, numa ilha, antes de retornar à Espanha. Na
volta, um dos galeões da armada naufragou nas pro-
[LPLGDGHVGDLOKDGH6DQWD&DWDULQDQXPDORFDOLGDGH
TXH ÀFRX FRQKHFLGD FRPR 3RUWR GRV 3DWRV (QWUH
os sobreviventes, além de Enrique Montes, estavam
$OHL[R*DUFLDXPPXODWRGHQRPH3DFKHFRH0HO-
chior Ramirez, sendo o último espanhol e os demais
portugueses. Enrique Montes e Melchior Rami-
UH] UHWRUQDUDP j (XURSD QD H[SHGLomR GH &DERWR
TXH RV HQFRQWUDUD QR 3RUWR GRV 3DWRV HP 
Segundo o relato desses dois retornados, no ano
DQWHULRU$OHL[R*DUFLDHRPXODWR3DFKHFRDSDUWLU
desse porto, teriam subido “o Rio Paraná e galgado
DVHUUDQXPSHUFXUVRGHGX]HQWDVOpJXDVµJXLDGRV
por índios conhecedores dos caminhos andinos.
´6HUUD DFLPDµ HQFRQWUDUDP QDV WHUUDV GR 3HUX XP
“rei branco, trazendo barba e vestidos como os civi-
OL]DGRVµHRXWURVtQGLRVTXH´XVDYDPjFDEHoDXPDV

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 83
coroas de prata; às orelhas e ao pescoço e pendentes deles, umas chapas
GHRXURFRPRGDFLQWXUDFXVWRVDVFLQWDVµ1RUHJUHVVRQDUHJLmRGR
Paraguai, Garcia foi morto pelos índios, mas antes conseguiu enviar, ao
3RUWRGRV3DWRVHPLVViULRVFRPQRWtFLDVGDH[SHGLomRHXPSRXFRGH
prata e ouro. Quando Caboto encontrou-se com Enrique Montes e Mel-
chior Ramirez, eles ainda tinham, “além de um pouco de prata, umas
FRQWDVGHRXURTXHWLQKDPUHVHUYDGRSDUDD6HQKRUDGH*XDGDOXSHµH
foram os principais responsáveis por disseminar, na Europa, a lenda das
ULTXH]DVPHWDOtIHUDVGRLQWHULRUGDUHJLmRGR5LRGD3UDWD222

Esta gravura acompanhou uma das edições das cartas de Américo Vespúcio e mostra os
primeiros europeus que se encontraram com “povos bravos e nus, previamente desconheci-
dos”. Alguns deles são amistosos, outros reagem com violência (Revista Camões, p. 41).

84 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Eram essas crenças que imprimiam aos portugueses a certeza de que,
no interior do centro-sul do Brasil, deveriam se situar enormes depósitos
GHRXURHSUDWDSURYDYHOPHQWHQmRPXLWRGLVWDQWHVGROLWRUDOQDVSUR[L-
PLGDGHVGH6mR9LFHQWHHQWUHR3RUWRGRV3DWRVHDLOKDGH&DQDQHLDQmR
SRUDFDVRRVSRQWRVGHHQWUDGDSDUDDVH[SHGLo}HVTXH0DUWLP$IRQVR
HQYLRXSDUDRLQWHULRU(VVDHVFROKDUHIRUoDDFRQYLFomRQmRVyGHTXHRV
SRUWXJXHVHVVHÀDUDPQHVVHVUHODWRVFRPRDGHTXHRSULQFLSDOGHVHMRGH
'RP-RmR,,,HUDTXH0DUWLP$IRQVRFRQVHJXLVVHDWLQJLUHVVHVWHVRX-
ros e fazer torná-los acessíveis aos portugueses, como já ocorria com os
HVSDQKyLVQDiUHDDQGLQDHH[SOLFDDGHFHSomRGRVSRUWXJXHVHVTXDQGRD
SULPHLUDQDXGDH[SHGLomRUHWRUQRXD/LVERDDSyVDVVHQWDURVPDUFRVQR
5LR0DUDQKmRVHPWHUHQFRQWUDGRRXURRXSUDWDFRQIRUPHQRWLFLDUDR
HPEDL[DGRUHVSDQKROHPVHUYLoRQHVVDFLGDGH
$SULPHLUDH[SHGLomRRFRUUHXDSDUWLUGR5LRGH-DQHLURRQGHORJR
depois de chegarem, Martim Afonso “enviou quatro homens terra a den-
WURµ 'HSRLV GH GRLV PHVHV HOHV YROWDUDP DSyV DQGDUHP  OpJXDV
SHORLQWHULRU'HVFUHYHUDPTXHDVSULPHLUDVFDPLQKDUDP´SRUPRQ-
WDQKDVPXLJUDQGHVHDVIRUDPSRUXPFDPSRPXLJUDQGHµ$H[SH-
GLomRUHWRUQRXDR5LRGH-DQHLUR´FRPFULVWDLVµHGHUDPQRWtFLDVGHTXH
´QR5LRGH3HUDJXD\>3DUDJXDL@KDYLDPXLWRRXURHSUDWDµ224
1D UHJLmR GH &DQDQHLD 0DUWLP $IRQVR GHFLGLX RUJDQL]DU XPD
VHJXQGDH[SHGLomR$VLQIRUPDo}HVTXH(QULTXH0RQWHVREDFKDUHOH
Francisco Chaves lhe forneceram o fez decidir por armar oitenta homens
 EHVWHLURV H  HVSLQJDUGHLURV  desta feita capitaneada por Pero
/RER 3LQKHLUR FDSLWmR GR JDOHmR 6mR 9LFHQWH SDUD TXH ´IRVVHP GHV-
FREULUSHODWHUUDGHQWURµ)LFDFODURTXH0DUWLP$IRQVRFRQÀRXSOHQD-
mente nas informações desses línguas. Chaves lhe prometera que voltaria
GHQWURGHPHVHV´FRPTXDWURFHQWRVHVFUDYRVFDUUHJDGRVGHSUDWDH
RXURµ3DUWLUDPQRGLDžGHVHWHPEURGHVHPQRHQWDQWRMDPDLV
UHWRUQDUHP)UHL*DVSDUGD0DGUHGH'HXVDÀUPDTXHHP´QDV
vésperas do embarque de Martim Afonso [para o reino], chegaram a S.
9LFHQWHDVQRWtFLDVGHVVDGHUURWDµHVHÀFRXVDEHQGRTXH´RVEiUEDURV
FDULMyVVHQKRUHVGRSDtVH[LVWHQWHDRVXOGRULRGH&DQDQHLDPDWDUDPRV
H[SORUDGRUHVGDVPLQDVDQWHVGHDVGHVFREULUHPµ

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 85
A baía do Rio de Janeiro, no Roteiro de todos os sinais que há na Costa do Brasil, de Luís
Teixeira, ca. 1585-1590. Observa-se a aldeia de Martim Afonso de Sousa (Dias, Gameiro,
Vasconcelos, História da colonização portuguesa do Brasil, v. 3, p. 230).

86 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Rio de Janeiro retratado por Hans Staden (Hans Staden, Warhafrig
historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 125).

$ WHUFHLUD H[SHGLomR SDUWLX GR HVWXiULR GR 3UDWD VXELQGR HVVH ULR
H IRL FRPDQGDGD SRU 3HUR /RSHV GH 6RXVD &RQVWDYD GH  KRPHQV
embarcados em um bergantim, destinada “a pôr uns padrões, e tomar
SRVVHGRGLWRULRSRU(O5HLµ1mRVHVDEHH[DWDPHQWHTXHPIRUDPHVVHV
homens que acompanharam Pero Lopes nessa empreitada, mas o Diário
UHIHUHVHD´DOHPmHVLWDOLDQRVHKRPHQVTXHIRUDPjÌQGLDHIUDQFHVHVµ
aprisionados entre os piratas encontrados na costa. Martim Afonso
RUGHQRX TXH HOH QmR VH GHPRUDVVH PDLV TXH  GLDV HQWUH LGD H YROWD
2SULPHLURSDGUmRIRLDVVHQWDGRQXP´DOWRPRQWHµRTXDO3HUR/RSHV
EDWL]RXGH6mR3HGUR DWXDO0RQWHYLGpX VLWXDGRQDVSUR[LPLGDGHVGD
IR]GR3UDWDQDVXDSRUomRPHULGLRQDO3UHWHQGLDFRQIRUPHDVRUGHQV
régias, que sinalizasse o limite sul da Terra de Santa Cruz. Nesse ponto, o
rio tornou-se de água doce, mas Pero Lopes ainda acreditava se encontrar
QRPDUSRLV´HUDWmRJUDQGHTXHQmRPHSRGLDSDUHFHUTXHHUDULRµ

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 87
Mapa do Rio da Prata, no Roteiro de
todos os sinais que há na Costa do
Brasil, de Luís Teixeira, ca. 1585-1590.

$UHJLmRH[WDVLRXRVQDXWDVSRLV´DWHUUDpPDLVIRUPRVDHDSUD]tYHO
TXHMDPDLVFXLGHLGHYHUQmRKDYLDKRPHPTXHVHIDUWDVVHGHROKDURV
FDPSRVHDIRUPRVXUDGHOHVµ2VDUUHGRUHVIRUQHFHUDPRVYtYHUHVSDUD
DPDQXWHQomRGRVH[SHGLFLRQiULRV²SHL[HVRVPDLVVDERURVRVYHDGRV
FDoDVRYRVGHHPDVPHOFDUGRV´TXHpPXLWRERPPDQWLPHQWRµDYHV
WDQWDV ´TXH FRP SDXV DV PDWiYDPRVµ ² SULQFLSDOPHQWH GHSRLV TXH RV
víveres que traziam a bordo se perderam, molhados de chuva. Era tanta
IDUWXUD´HDFKiYDPRVWDQWRTXHRQmRTXHUtDPRVµ'HVFUHYHXTXHDVDYHV
HRVSHL[HVQmRHUDPFRPRRVGH3RUWXJDODOJXQVWLQKDPD´DOWXUDGH
um homem, amarelos e outros pretos com pintas vermelhas, - os mais
VDERURVRVGRPXQGRµ(QWUHGHQRYHPEURHGRPrVVHJXLQWHQDYH-
JDUDPSHORULRH[SORUDQGRVXDVPDUJHQV
0DVDTXDUWDHPDLVLPSRUWDQWHHQWUDGDSRLVGHL[RXRVIUXWRVPDLV
duradouros, foi a segunda que Martim Afonso enviou a partir da capitania
GH6mR9LFHQWHRFRUULGDTXDQGRDH[SHGLomRYROWDYDGRVXOGR%UDVLOH
novamente, buscou esse sítio. Sobre ela se falará mais detidamente adiante.

88 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Os nativos

2 MHVXtWD 6LPmR GH 9DVFRQFHORV DÀUPRX TXH 0DUWLP $IRQVR DR


percorrer a costa, “investig[ou] particularmente a bondade e qualidade
GDVJHQWHVµ3RUWUiVGRTXDOLÀFDWLYRERQGDGHRSDGUHSUHWHQGLDID]HU
referência aos índios que aceitassem, sem grandes resistências, o contato
FRPRVSRUWXJXHVHVHOKHVVHUYLVVHPSDUDODQoDUDVEDVHVGDFRORQL]DomR
De fato, a partir do Diário de Pero Lopes, observa-se que, ao longo da
viagem, foram realizados muitos encontros com os nativos e que esses
já haviam sido previstos, uma vez que a presença dos línguas trazidos a
bordo dos navios, ou buscados na Baía de Todos os Santos, em Cananeia
e no Porto dos Patos, denotava que se esperava que esses servissem de
PHLRV GH FRPXQLFDomR HQWUH RV GRLV SRYRV ,QLFLDOPHQWH R DXWRU QmR
SDUHFHPXLWRSUHRFXSDGRHPID]HUXPDGHVFULomRSRUPHQRUL]DGDSRLV
RVtQGLRV´QmRHUDPREMHWRVGHLQWHUHVVHHPVLµPDVVLP´RFXSDPXP

A aborígene brasileira e o aborígene brasileiro, no Recueil de la diversité des habits, 1562


(Dias, Gameiro, Vasconcelos, História da colonização portuguesa do Brasil, v. 3, p. 78, 81).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 89
SDSHOSHULIpULFRVHQGRLQWHJUDGRVDRREMHWLYRPDLRUGDH[SHGLomRTXH
pFRQVWLWXtGR¶SHORSURMHWRGHH[SORUDomR·µ1DPDLRULDGDVYH]HV´VmR
procurados [apenas] como informantes, transmissores de conhecimentos
DFHUFDGDWHUUDRXFRPRLQWpUSUHWHVµ É a partir desses papéis que, aqui
e ali, eles começam a emergir nas páginas do relato.
3RUpPDRVSRXFRVGHVLPSOHVLQVWUXPHQWRVSDUDHIHWLYDUDH[SORUD-
omRGDWHUUDRVLQGtJHQDVYmRVHWRUQDQGRREMHWRGHLQWHUHVVHSDUWLFX-
lar. Isso ocorre principalmente no sul do Brasil, já no meio da viagem,
GXUDQWHDH[SHGLomRGH3HUR/RSHV5LRGD3UDWDDFLPD1HVVDSDUWHGR
relato, começam a abundar as descrições sobre a aparência, a diversidade
de costumes e os hábitos das tribos indígenas com que entraram em
FRQWDWR 3HUR /RSHV FKHJD D ´HVWDEHOHFHU FRPSDUDo}HVµ ´LQFOXVLYH GR
SRQWRGHYLVWDGRVHXHVWDGRVXEMHWLYRµ ²VHVmRDOHJUHVRXWULVWHVVH
WrPPHGRRXVmRIHUR]HV$VSiJLQDVSDVVDPDFRQWHUULFDVGHVFULo}HV
GRVQDWLYRVGHFDUiWHUHWQRJUiÀFRDLQGDTXHSODVPDGDVSHORROKDUGR
europeu, ou seja, do outro.
O primeiro encontro mais efetivo entre a armada e os índios deu-se
com os Tupi, na Baía de Todos os Santos, contato intermediado por Cara-
muru. Pero Lopes os descreveu como uma gente “toda alva; os homens
PXLEHPGLVSRVWRVHDVPXOKHUHVPXLIRUPRVDVµ2VtQGLRVIRUDPFRQ-
siderados bem amistosos, o que parece ter ocorrido graças ao Caramuru,
apontando para a importância desses mediadores no trato entre euro-
SHXVHLQGtJHQDV3UHVHQWHVIRUDPWURFDGRVHRVQDWLYRV´À]HUDPJUDQGHV
IHVWDVHEDLORVµSDUDUHFHErORV7RGRVHVVHVJHVWRVIRUDPLQWHUSUHWDGRV
XQLODWHUDOPHQWHSHORVSRUWXJXHVHVFRPRGHPRQVWUDomRGR´PXLWRSUD-
]HU>TXHVHQWLDP@SRUVHUPRVDTXLYLQGRVµ2XVHMDRIDWRGHQmRVH
sentirem ameaçados, e sim acolhidos, foi lido como uma mensagem de
boas vindas, como se os índios estivessem à espera do contato, sempre
EHQpÀFRFRPDFLYLOL]DomRHXURSHLD6XDVDUPDVHUDPRDUFRHDÁHFKDH
viviam em guerra com outra tribo inimiga, distante apenas duas léguas.
$ H[SHGLomR GH 0DUWLP $IRQVR DVVLVWLX D XPD GH VXDV EDWDOKDV
ocorrida em meio às águas da baía, entre o meio-dia e o pôr do sol de
DOJXPGLDGHDGHPDUoRGHTXDQGRHVWLYHUDPDOLHVWDFLRQD-
GRV(UDPGHFDGDODGRtQGLRVHPEDUFDGRVHPLJDUDV FDQRDV 

90 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
armados de escudos pintados para a guerra. Os vencedores foram os
DOLDGRVGH&DUDPXUXHÀQGDDOXWDHVVHV´WURX[HUDPPXLWRVGRVRXWURV
cativos, e os matavam com grandes cerimônias, presos por cordas, e
GHSRLVGHPRUWRVRVDVVDYDPHFRPLDPµ Apesar dos ameríndios bra-
VLOHLURVQmRVHUHPRVSURWDJRQLVWDVGHVVDSDUWHGRDiário, mais rico em
LQIRUPDomRUHIHUHQWHVjQDYHJDomRHVVHIRLXPGRVSULPHLURVUHODWRVTXH
GHVFUHYHXDOpPGDDQWURSRIDJLDRKiELWRGRIXPRSDUDÀQVFHULPRQLDLV
o qual, mais tarde, seria introduzido, na Europa.
2 VHJXQGR HQFRQWUR FRP RV VLOYtFRODV RFRUUHX QDV SUR[LPLGDGHV
GR 5LR GH -DQHLUR $ H[SHGLomR TXH 0DUWLP $IRQVR HQYLDUD D SDUWLU
GHVVDEDtDDRLQWHULRUGHSDUDUDVHDRÀQDOGDMRUQDGDFRPXPDWULERQR
planalto, provavelmente de Tamoios, que tinha “um grande rei, senhor
GH WRGRV DTXHOHV FDPSRV H >TXH@ OKHV IH] PXLWDV KRQUDVµ (VWH H VHXV
homens decidiram ir com os portugueses até a costa para se encontrar
com Martim Afonso, que os recebeu com honras, ofereceu-lhes muitos
SUHVHQWHVHGHSRLVRVPDQGRXGHYROWDDVXDVWHUUDV$GHVFULomRGHVVHV
QDWLYRVpPDLVEUHYHDLQGD3HUR/RSHVDÀUPDTXHHUDPLJXDLVDRVGD
%DKLDSRUpP´pPDLVJHQWLOJHQWHµ

Hans Staden descreveu os costumes guerreiros dos indígenas brasileiros (Hans Staden,
Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 78).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 91
Hans Staden foi o primeiro a divulgar na Europa imagens dos canibais brasileiros e do
hábito do fumo entre esses indígenas (Hans Staden, Warhafrig historia and besscbreibung
enner landt, 1557, p. 60 e 80; e Revista Camões, p. 21).

92 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
0XLWDVYH]HVRVLQGtJHQDVVmRDSHQDVSUHVHQoDVIXJLGLDVFRPRRFRU-
reu ao longo da costa sul do Brasil, onde Pero Lopes conta que, enquanto
navegavam, avistavam muitos fumos em terra. Os navegantes europeus
interpretavam essas fumaças como sinais intencionais, produzidos
pelos silvícolas, dirigidos aos europeus, a lhes indicar onde estavam e
que os fossem encontrar, o que já havia ocorrido em outras ocasiões
GXUDQWHDVSULPHLUDVH[SORUDo}HVGR1RYR0XQGR)RLRTXHYLYHQFLRX
SRUH[HPSORRVPHPEURVGDH[SHGLomRGH*RQoDOR&RHOKR  
Para tentar estabelecer o primeiro contato com os índios, que fugiam a
FDGDWHQWDWLYDGHDSUR[LPDomRUHVROYHUDPGHL[DUOKHVHVSHOKRVHRXWUDV
bugigangas, que os nativos recolheram assim que os europeus voltaram
para seus barcos. No dia seguinte, quando viram sinais de fumaça feitos
pelos silvícolas, acreditaram que eles os estavam chamando para a praia.
1RHQWDQWRDLQWHUSUHWDomRTXHÀ]HUDPGHVVHVLQDOHVWDYDHTXLYRFDGDH
FRPRMiGLWRRVWUrVPDULQKHLURVTXHIRUDPHQWmRHQYLDGRVDWHUUDWLYH-
ram destino trágico, sendo comidos depois de aportarem.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 93
$RDQDOLVDURHQFRQWURGDFXOWXUDHXURSHLDHLQGtJHQDQRFRQWH[WRGD
H[SDQVmRPDUtWLPDLEpULFD7]YHWDQ7RGRURYIDODGDTXDVHLPSRVVLELOL-
GDGHGRGLiORJRRXGRPRQyORJRDXWRUUHIHUHQWHGRVHXURSHXVHPUHODomR
DRVQDWLYRVDPHULFDQRV6REUH&RORPERDÀUPDTXHHOH´QmRFRPSUH-
HQGHRVtQGLRVPHOKRUDJRUDQDYHUGDGHQXQFDVDLGHVLPHVPRµ O
PHVPR RFRUUH FRP RV H[SHGLFLRQiULRV GH 0DUWLP $IRQVR HP UHODomR
DRV VLQDLV GH IXPDoD GRV tQGLRV &RPR HP RXWUDV RFDVL}HV QR GLD 
GHRXWXEURGHGHFLGHPGHVFHUHPWHUUD´SRUQRVID]HUHPPXLWRV
IXPRVµDFUHGLWDQGRTXHHVVHVHUDPPRVWUDVGHRVTXHFKDPDYDPSDUD
um encontro. Mas tornaram à nau, mais uma vez, sem ver gente alguma,
o que revela que interpretavam esses sinais como bem entendiam, tendo
FRPRSDGUmRGHUHIHUrQFLDDVXDSUySULDFXOWXUD242
As descrições mais minuciosas sobre tribos indígenas ocorreram
GXUDQWHDH[SHGLomRGHVXELGDGR5LRGD3UDWDHHVWDVYmRÀFDQGRPDLV
ricas à medida que Pero Lopes e seus homens entram em contato com
um maior número de povos, o que lhes permite estabelecer compara-
o}HVHQWUHRVPHVPRV2VYiULRVHQFRQWURVFRPRVQDWLYRVVmRTXDVHQD
totalidade, descritos como amigáveis, outro sinal do monólogo solitário
que os europeus construíam sobre os silvícolas com quem entravam em
FRQWDWR2SULPHLURRFRUUHXQRGLDGHRXWXEURTXDQGR3HUR/RSHV
IXQGHDGRQDLOKDGDV3DOPDVHQYLRXKRPHQVEHPDUPDGRVjWHUUD
depois de se safar de um temporal. Quando chegaram, acudiu “muita
JHQWHHSXQKDPVHGHORQJHVHPTXHUHUHPFKHJDUµ'RLVGRVKRPHQV
foram até eles “e logo chegaram e abraçaram a todos com grandes cho-
URVHFDQWLJDVPXLWULVWHVµ$GHVFULomRGHVVDFHULP{QLDFKRURVDFRP
que os nativos recebiam os visitantes foi, posteriormente, descrita pelos
viajantes franceses, André Thevet e Jean de Lery, que viveram por algum
tempo na baía da Guanabara.244 Dois dias depois, novo encontro, e os
índios deram-lhes “muito pescado e taçalhos GH YHDGRµ sinal que
eles, mais uma vez, entenderam como de amizade e acolhimento.
À medida que Pero Lopes e o grupo subiam o Prata, tomavam conhe-
FLPHQWRGHRXWURVSRYRVTXHKDELWDYDPVXDVPDUJHQV$GHQRYHPEUR
SRXFRGHSRLVGHWHUHPGHL[DGRSDUDWUiVRPRUURGH6mR3HGURIRUDP
DERUGDGRVSRUXPJUXSRGHtQGLRVTXHQDYHJDYDPHPTXDWURFDQRDV

94 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Hans Staden retratou vários hábitos e artefatos dos indígenas (Hans Staden, Warhafrig
historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 139, 140, 141, 142, 80).

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ORGANIZADORA 95
H´UHPDYDP « WDQWRTXHSDUHFLDTXHYRDYDPµ(VWDYDPEHPDUPDGRV
SRLV´WUD]LDPDUFRVHÁHFKDVHD]DJDLDVGHSDXWRVWDGRµHVWDYDPDGRUQD-
GRV´FRPPXLWRVSHQDFKRVWRGRVSLQWDGRVGHPLOFRUHVµHDQGDYDPQXV
Apesar dessa aparência ameaçadora, segundo o cronista, “chegaram logo
VHPPRVWUDUHPTXHKDYLDPHGRVHQmRFRPPXLWRSUD]HUDEUDoDQGRQRV
DWRGRVµ$RWHQWDUHPVHFRPXQLFDUSHUFHEHUDPTXHIDODYDPXPDOtQ-
gua diferente das tribos do litoral e estranharam a sua sonoridade, pois
´IDODYDP GR SDSR FRPR PRXURVµ H HVWD ´QmR HUD FRPR D >OtQJXD@ GR
%UDVLOµ3RUHVVDUD]mRQmRRVSXGHUDPHQWHQGHUDSHVDUGHTXHWLQKDP
levado línguas para poderem conversar com os nativos, mas que domi-
navam apenas o Tupi-Guarani falado na costa. O DiárioQmRGHQRPLQD
quais eram os nomes desses intérpretes, mas um deles devia ser Enrique
0RQWHVTXHMiYLDMDUDSHODUHJLmR0HVPRQmRVHQGRFDSD]HVGHHQWHQGHU
RTXHGL]LDPFRPRHUDDIHLWRDRVH[SORUDGRUHVHXURSHXVLQWHUSUHWDUDP
os sinais que faziam como convites para que visitassem sua aldeia, que
SRGLDVHUDYLVWDGDQDPDUJHP0DVSUXGHQWHVFRPRVHDSUR[LPDYDD
noite, preferiram dormir a bordo do bergantim, fundeado no meio do
ULR2VQDWLYRVHQWmRPDQGDUDPXPDFDQRDEXVFDUSHVFDGRHHPWURFD
eles lhes deram “cascavéis, [isto é, chocalhos] e [pedras] cristalinas e
FRQWDVµ0DLVXPDYH]RVHXURSHXVHQWHQGHUDPFRPRTXLVHUDPDVUHD-
ções dos nativos. Avaliaram que, em vista desses presentes, os selvagens
´ÀFDUDPWmRFRQWHQWHVHPRVWUDUDPWDPDQKRSUD]HUTXHSDUHFLDPTXH
TXHULDPVDLUIRUDGRVHXVLVRµ Tratava-se, provavelmente, de povos da
IDPtOLD%HJRi&KDQi7LPE~TXHKiPXLWRKDELWDYDPDUHJLmR
-iRVLQGtJHQDVGDSUR[LPLGDGHGDIR]GRULR3HURGH6RXVDSDUHFH
ter tido maior contato, certamente facilitado pela presença dos línguas
que trazia a bordo, o que permitiu registrar alguns de seus costumes.
2VGHVFUHYHXFRPRXPSRYR´PXLWULVWHRPDLVGRWHPSRFKRUDP « 
com nenhuma coisa nossa folgavam, nem mostravam contentamento
FRPQDGDµ(UDPIHLRV´PXLQHUYXGRVHJUDQGHVµ6HXVFDEHORVHUDP
compridos, furavam os narizes, onde metiam pedaços de cobre brilhante
e cobriam-se com peles. Suas armas de caça eram redes, uma espécie de
funda e zagaias. De acordo com o relato, aceitavam, passivamente, os
presentes que os europeus ofertavam, mas sem demonstrar alegria – ao

96 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
FRQWUiULR´VXVSLUDYDPVHPSUHHQXQFDID]LDPPRGRVHQmRGHWULVWH]D
QHPPHSDUHFHTXHIROJDYDPFRPRXWUDFRLVDµ(VSDQWRXOKHRVKiELWRV
FRPTXHFHUFDYDPROXWRSRLV´TXDQGRPRUUHDOJXPGHOHV « FRUWDP
os dedos – por cada parente uma junta; e vi muitos homens velhos, que
QmRWLQKDPVHQmRRGHGRSROHJDUµ8PSRXFRGLVWDQWHGDDOGHLDGHSDUD-
UDPVHFRPXPGRVVHXVVtWLRVIXQHUiULRVFHUFDGRSRUUHGHVGHSURWHomR
$V  FRYDV GLVSRVWDV HP FtUFXOR HVWDYDP FREHUWDV FRP RV DGHUHoRV
TXHHOHVLGHQWLÀFDUDPFRPRVHQGRGRPRUWRWDLVTXDLVSHOHVPDoDVGH
pau, azagaias, redes de pesca ou de caça. Os que se debruçaram sobre
HVVDVGHVFULo}HVRVLGHQWLÀFDUDPFRPRVHQGR&KDUUXDVGHYLGRjVVXDV
cerimônias mortuárias.
Rio adentro, ao tomar um dos seus riachos tributários, foram infor-
PDGRVTXHWLQKDPDWLQJLGRD´WHUUDGRV&DUDQGLUXVµRTXHGHQRWDTXH
puderam estabelecer algum diálogo com os índios locais. Nesse lugar,
QD´ERFDGHVVHHVWUHLWRµDVVHQWDUDP´GRLVSDGU}HVGDVDUPDVG·(O5HLµ

Interior de uma habitação indígena, com redes, cestos e


outros utensílios. O tipiti, espécie de cilindro de palha, usado
para secar a mandioca e eliminar seu suco venenoso, é o ter-
ceiro objeto de baixo para cima (Hugo Weis (coord.), Enciclopé-
dia Delta de história do Brasil, p. 1499).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 97
7UDWDYDVHGRSRQWRH[WUHPRDVXGRHVWHTXHSUHWHQGLDPDWLQJLUHWRPD-
UDP´SRVVHGDWHUUDµSDUDGDtYROWDUHPDRJUDQGHULR1DYROWDRXYLUDP
´JUDQGHVEUDGRVµHIRUDPEXVFDUTXHPRVHPLWLD'HSDUDUDPVHFRPXP
´KRPHPjERUGDGRULRFREHUWRFRPSHOHVFRPDUFRHÁHFKDVQDPmRµ
&RPRIDORXDOJXPDVSDODYUDVTXHRVOtQJXDVLGHQWLÀFDUDPFRPRVHQGR
Guarani, e como estes últimos tinham línguas que podiam falar esse
LGLRPDSXGHUDPVHFRPXQLFDUHQWUHVLDLQGDTXHFRPFHUWDGLÀFXOGDGH
Acercaram-lhes mais três homens e uma mulher e os navegantes lhes
deram os presentes costumeiros, além de um barrete vermelho, a cada
XP H XPD FDPLVD SDUD D PXOKHU ´GH TXH IRUDP PXL FRQWHQWHVµ (P
WURFDRVQDWLYRVGHUDPOKHVSHL[HVFDUQHGHYHDGRHGHRYHOKD
4XDQGRUHWRUQDYDPjIR]GRULRDGHGH]HPEURGHXVHR~OWLPR
HQFRQWURFRPRVtQGLRVGHVVDUHJLmRRFRUULGRQXPORFDOTXHEDWL]DUDP
GH6mR-RmRHPKRPHQDJHPDRVDQWRGRGLD-iKDYLDPDYLVWDGRHVVH
SRYR QD LGD ULR DFLPD PDV QHVVD SULPHLUD RFDVLmR QmR HVWDEHOHFHUDP
FRQWDWR 7UDWDYDVH GH XP JUXSR GH FHUFD GH  tQGLRV FXMD DOGHLD
que podiam avistar nas margens, era composta por tendas quadradas,
abertas no topo, no interior das quais penduravam redes para dormir.
$OJXQVSXODUDPQRULRSDUDFKHJDUDWpREHUJDQWLPH3HUR/RSHVDÀU-
PRXTXHHUDPH[tPLRVQHVVDDUWHSRLV´QDGDPPDLVTXHJROÀQKRV « 
WDQWRTXDQWRQyVDQGD>PRV@µ2VGHVFUHYHXFRPRVHQGR´JUDQGHVHQHU-
YXGRV H SDUHFH TXH WrP PXLWD IRUoDµ 1R OXWR WDPEpP FRUWDYDP RV
GHGRVPDVQmRRVFRQVLGHURXWmRWULVWHVFRPRRVTXHWLQKDPDFDEDGR
GH HQFRQWUDU 3HUR /RSHV GHFLGLX QmR GHVHPEDUFDU DÀUPDQGR TXH RV
tQGLRVHUDPPXLWRVHTXHQmRVHFRQVLGHURXVHJXUR(OHQmRGHVFUHYH
TXDLVVLQDLVLPSULPLUDPOKHHVVDVHQVDomRDSHVDUGHDOJXQVGHOHVWHUHP
nadado espontaneamente até o bote. Terminam aí as descrições das apa-
rências e as tentativas do autor de compreender os costumes e ritos dos
QDWLYRV 1D UHJLmR GH 6mR 9LFHQWH RQGH RV tQGLRV IRUDP LPSRUWDQWHV
aliados, Pero Lopes se cala, eles foram apenas propiciadores para o esta-
EHOHFLPHQWRGDVSULPHLUDVVHPHQWHVGDFRORQL]DomRSRUWXJXHVD

98 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
O ladrilhador

9ROWHPRVDRGLDGHMDQHLURGHTXDQGRDH[SHGLomRDGHQWURX
SHODVHJXQGDYH]DUHJLmRGH6mR9LFHQWH1RGLDVHJXLQWHSHODPDQKm
0DUWLP$IRQVRIXQGHRXVHXVQDYLRVQDLOKDGR6RO KRMH6DQWR$PDUR 
a mais a leste da baía. De lá, no dia 22, num batel, foi desembarcar no
DQWLJRSRUWRGH6mR9LFHQWH já utilizado pelo bacharel e seus genros
SDUDQHJRFLDUHVFUDYRVLQGtJHQDVFRPH[SHGLo}HVTXHSRUDOLKDYLDPSDV-
sado, como a de Diego Garcia, sendo já conhecido como Porto de Escra-
YRVGH6mR9LFHQWH(VVHSRUWRHVWDYDVLWXDGRQDLOKDGHPHVPRQRPH
hoje ilha de Santos. Completava um ano que os navegantes haviam
chegado ao Brasil e um ano e dois meses desde a saída de Portugal. Era
KRUDGHDVVHQWDUUDt]HVPDLVSURIXQGDVLQLFLDUXPDFRORQL]DomRGHIDWR
como estipulado nas ordens régias, que iam muito além de somente colo-
FDU PDUFRV QRV SRQWRV H[WUHPRV GD $PpULFD SRUWXJXHVD RX UHDOL]DU
entradas no território com o intuito de encontrar suas riquezas.

Os mapas St. Vicente mostram a enseada, onde aportou Martim Afonso, as ilhas que compu-
nham a região de São Vicente e as construções portuguesas dos arredores (Nestor Goulart
Reis, Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial, São Paulo, Edusp, 2001, p. 193).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 99
)RLQDVSUR[LPLGDGHVGRDQWLJRSRUWRGH6mR9LFHQWHQRFDQDOTXH
VHSDUDDLOKDGRFRQWLQHQWHFRQVLGHUDGRSRUHOHV´XPULRVHJXURµTXHR
FDSLWmRPDQGRXIXQGHDUWRGDVDVHPEDUFDo}HVSRLVHUDORFDOPDLVDEUL-
JDGRGRVYHQWRV1DVVXDVSUR[LPLGDGHVQDSUDLDGH7XPLDU~0DUWLP
Afonso de Sousa mandou “fazer uma casa em terra para meter as velas

Quadro a óleo, de Benedicto Calixto, procurou retratar a frota de Martim Afonso de Sousa
aproximando-se de São Vicente, em 1532. Fonte: Acervo da Prefeitura de São Vicente-SP.

Benedicto Calixto também procurou reproduzir, em duas telas, o desembarque de Martim


A. de Sousa no porto de Tumiaru e no porto das naus. Óleo de Benedicto Calixto. Fonte:
Acervo da Prefeitura de São Vicente-SP e Acervo da Prefeitura de São Vicente-SP.

100 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
HHQ[DUFLDµ isto é, toda a cordoaria dos navios.'HWHUPLQRXHQWmR
que ali se encalhasse a nau Nossa Senhora das Candeias para reparos em
VHXFDVFR2VDQWLJRVKDELWDQWHVHXURSHXVGDLOKDWLQKDPHGLÀFDGRWDO-
vez nesse mesmo local, um pequeno estaleiro, onde já haviam construído
SHORPHQRVXPEHUJDQWLPTXHSDUDH[SORUDUR5LRGD3UDWDDH[SHGLomR
de Diego Garcia comprara, certamente em troca de produtos europeus.
$GHMDQHLURGH0DUWLP$IRQVRGHXLQtFLRjVXDREUDPDLV
LPSRUWDQWHDIXQGDomRGDSULPHLUDYLODEUDVLOHLUD)XQGDUXPDYLODHUD
ato revestido de importante simbolismo. Um pelourinho era erigido no
FHQWURGRSRYRDGRVLPEROL]DQGRDVXEPLVVmRHREHGLrQFLDj&RURDH
a pertença ao império português. Pero Lopes conta como se deu essa
IXQGDomR´$WRGRVQRVSDUHFHXWmREHPHVWDWHUUDTXHRFDSLWmR « 
determinou de a povoar, e deu a todos os homens terras para fazerem
ID]HQGDVHIH]XPDYLODQDLOKDGH6mR9LFHQWHµ e a batizou com esse
PHVPRQRPH(UDXPDKRPHQDJHPD6mR9LFHQWH0iUWLUUHDÀUPDQGR
o nome que fora dado a esse lugar por Gaspar de Lemos, quando este

Na Fundação da vila de S. Vicente por Martim Afonso de Sousa, em 1532, Benedicto


Calixto, reuniu os elementos principais presentes na cena: os recém-chegados, os línguas
e os indígenas. Ao fundo, a cruz simbolizava o domínio português. Fonte: Acervo do Clube
Naval, Rio de Janeiro.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 101
DOLFKHJDUDDGHMDQHLURGHGLDGHVVHVDQWR2Q~FOHRIRLHVWD-
EHOHFLGR QR ÀP GD SUDLD GH 7XPLDU~ DSURYHLWDQGRVH GR Mi H[LVWHQWH
que abrigava os portugueses degredados que ali residiam. Esse antigo
SRYRDPHQWRHUDFRPSRVWRGHRXFDVDVXPDGHODVGHSHGUDFRP
seus telhados, de “uma torre para defensa dos índios em tempo de neces-
VLGDGHµ$DSDUrQFLDGRSRYRDGRSRXFRGHYHWHUPXGDGRQHVVHSULPHLUR
momento fundador, mas seu status sim. De misto de aldeia indígena e
refúgio de degredados e náufragos, era agora uma vila do império por-
tuguês.
Por conta do que os nativos e os europeus já produziam localmente
HGRLQWHUFkPELRTXHKDYLDPIHLWRFRPH[SHGLo}HVDQWHULRUHVDOpPGR
TXH WURX[H D ERUGR 0DUWLP $IRQVR RV SULPHLURV PRUDGRUHV HVWDYDP
“providos de coisas da terra, de galinhas e porcos de Espanha em muita
DEXQGkQFLDHKRUWDOLoDµ6HUHOHYDGDjYLODH[LJLDDIXQGDomRGHQRYDV
instituições, que faziam parte da governança do império, o que provo-
FDYDLPSDFWRQRGHVHQKRRULJLQDOGRSRYRDGRMiTXHQRYDVHGLÀFDo}HV
WLQKDP TXH VHU FRQVWUXtGDV (QWmR 0DUWLP $IRQVR ´SDUD >LQVWDODU D@
PDWUL]HULJLXXPDLJUHMDFRPWtWXORGH16GD$VVXQomRIH]FDGHLDFDVD
GH&RQVHOKRHWRGDVDVPDLVREUDVS~EOLFDVQHFHVViULDVµSDUDDEULJDUD
DGPLQLVWUDomRFLYLOHHFOHVLiVWLFDTXHLDVHQGRLQVWDODGD Foi o primeiro
pároco da vila, Gonçalo Monteiro, que viera embarcado na armada. O
FDSLWmRWDPEpPOHYDQWRXXPDIRUWDOH]DHWULQFKHLUDVSDUDGHIHVDFRQWUD
tQGLRVKRVWLVHSLUDWDV6HJXQGR6LPmRGH9DVFRQFHORV0DUWLP$IRQVR
assenhorou-se das duas ilhas que estavam situadas na barra de Santos, “a
GR1RUWHIRUWLÀFRXFRPXPDWRUUHTXHFKDPDPGD%LULWRJD>%HUWLRJD@
DGRVXOFRPRXWURIRUWHµ
$GHIHYHUHLURDERUGRGDFDUDYHOD6DQWD0DULDGR&DERFKHJDUDP
D6mR9LFHQWHUHPDQHVFHQWHVGHH[SHGLo}HVDQWHULRUHVTXHKDELWDYDPR
Porto dos Patos, e que Martim Afonso mandara buscar, com o intuito
de povoar a terra. Alguns desses homens, que eram castelhanos, “deram
QRYDVDRFDSLWmR « GHPXLWRRXURHSUDWDTXHGHQWURGRVHUWmRKDYLDH
WUD]LDPPRVWUDVGRTXHGL]LDPHDÀUPDYDPVHUPXLORQJHµ
0DUWLP $IRQVR UHVROYHX HQWmR VXELU DR SODQDOWR GH 3LUDWLQLQJD
WHQGRFRPRJXLDV-RmR5DPDOKRH$QW{QLR5RGULJXHVTXHOHYRXFRQ-

102 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
sigo como línguas. Atravessou o canal que separava a ilha do conti-
nente e desembarcou num porto, que denominou de Santa Cruz, mais
tarde chamado de Cubatões. A partir dali, seguiu uma trilha indígena
TXHIRLXWLOL]DGDDWpSHODTXDOVXELXDVHUUDGH3DUDQDSLDFDEDTXH
´TXHUGL]HUVtWLRGRQGHVHYrRPDUµDWLQJLQGRVHXFXPHHGHSRLVFUX-
]DQGRPRQWHV´FRPRTXHPVREHSRUGHJUDXVXPDHVFDGDµFKHJDQGR
DRVFDPSRVGH3LUDWLQLQJD$OLÀFDYDDDOGHLDGH7LELULoiFKHIHGRV*RLD-
nazes, junto ao Rio de Piratininga. Nesse local, fundou outra vila, para
D TXDO VH PXGDUDP -RmR 5DPDOKR H VXD SUROH WHQGR 0DUWLP $IRQVR
OKHRXWRUJDGRRWtWXORFDSLWmRPRUGDPHVPD6HJXQGRIUHL*DVSDUGD
0DGUHGH'HXVHVVD´DOGHLDGH-RmR5DPDOKRµÀFDYDVLWXDGD´PHLDOpJXD
distante da Borda do CampoQROXJDURQGH>HQWmRH[LVWLD@D&DSHODGH6mR
%HUQDUGRµ Em seguida, para garantir a aliança de Tibiriçá com os por-
tugueses, essencial para a conquista e povoamento do planalto, Martim
$IRQVR HPLWLX XPD RUGHP SURLELQGR TXH WRGRV RV EUDQFRV D QmR VHU
FRPOLFHQoDVXDHjH[FHomRGH-RmR5DPDOKRSXGHVVHPLUDHVVHVFDP-
pos resgatar escravos.
O Diário torna-se muito sucinto nesse ponto e muito tem discutido a
KLVWRULRJUDÀDVREUHTXDOVHULDDYLODTXH0DUWLP$IRQVRIXQGRXQRSOD-
nalto de Piratininga.3HUR/RSHVFRQWDDSHQDVTXHRFDSLWmRHULJLXXPD

Hans Staden também visitou São Vicente, Santo Amaro e o engenho de açúcar do Governa-
dor. Fonte: Hans Staden, Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557, p. 50, 56.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 103
RXWUDYLODQRLQWHULRUVLWXDGD´QRYHOpJXDVGHQWURSHORVHUWmRjERUGD
GHXPULRTXHVHFKDPD3LUDWLQLQJDµORFDOL]DGDQDVSUR[LPLGDGHVGD
DOGHLDGRFDFLTXH7LELULoi1RWHVHTXHHOHVHUHIHUHDVHUXPDYLODHQmR
DSHQDVXPDVLPSOHVSRYRDomRRXDUUDLDOPDVFRPRRDiárioQmRUHJLVWUD
seu nome, permanece a dúvida de qual seria ela. Uma hipótese é que se
WUDWDYDGH6DQWR$QGUpGD%RUGDGR&DPSRRQGH-RmR5DPDOKRSDVVRX
a residir. Essa possibilidade se fragiliza quando se observa que fontes coe-
YDVUHIHUHPVHDHVVHSRYRDGRFRPRVHQGRD´DOGHLDGH-RmR5DPDOKRµ
HVRPHQWHHP6DQWR$QGUpIRLGHIDWRHOHYDGDDYLODSRU7RPpGH
Sousa, governador-geral. Outra vertente defende que seria uma vila dis-
WLQWDHTXHFRUUHVSRQGHULDDXPDSULPHLUDIXQGDomRGDYLODGH6mR3DXOR
É o que sustenta VarnhagenHRTXHUHWUDWRX%HQHGLWR&DOL[WRHPWHOD
monumental,RTXHFRQÀJXUDULDXPDSURWR6mR3DXORDQWHULRUDRTXH
pFRQVLGHUDGRRÀFLDOPHQWHVXDIXQGDomRHP2FRUUHTXH6mR

As ilhas de São Vicente e de Santo Amaro, Itanhaen e a Bertioga


numa gravura de uma das edições da viagem de Hans Staden (Hans
Staden, Warhafrig historia and besscbreibung enner landt, 1557).

104 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
3DXORVXUJLXGDLQVWDODomRQHVVH~OWLPRDQRGR&ROpJLRGD&RPSDQKLD
GH-HVXVVRELQYRFDomRGHVVHVDQWRHDVIRQWHVMHVXtWDVQmRVHUHIHUHPj
SUpYLDH[LVWrQFLDGHXPDYLODQRORFDO8PDWHUFHLUDSRVVLELOLGDGHpTXH
VHULDXPDRXWUDSRYRDomRGHQRPLQDGD3LUDWLQLQJDKRMHMiGHVDSDUHFLGD
'LÀFXOGDGHSDUDVXVWHQWDUHVVD~OWLPDKLSyWHVHUHVLGHQRIDWRGHTXHRV
GRFXPHQWRVORJRSRVWHULRUHVjSDUWLGDGH0DUWLP$IRQVRQmRXWLOL]DP
HVVDGHVLJQDomRSDUDVHUHIHUHQFLDUDHVVDYLODQHPDSDUHFHPPDLVQRPH-
Do}HVGHFDSLWmRPRUSDUDDPHVPD3LUDWLQLQJDpDGHVLJQDomRTXHVHGi
QDpSRFDDRSODQDOWRGRTXDO5DPDOKRVHWRUQDFDSLWmRPRUSRURUGHP
de Martim Afonso, apesar de esse cargo ser de natureza municipal, o que
GHQRWDDH[LVWrQFLDGHXPDYLOD4XDOVHULDHRQGHHVWDULDHQWmRORFDOL]DGD
HVVDYLODGH-RmR5DPDOKR"$VIRQWHVVmRLQFRQJUXHQWHVHPXLWDVYH]HV
LQFRQVLVWHQWHVGHPDLVSDUDTXHVHSRVVDGDUXPDUHVSRVWDGHÀQLWLYD)LFD
o mistério!
Se o DiárioGHL[DSRXFDVSLVWDVVREUHHVVDORFDOLGDGHFHUWRpTXHDR
UHWRUQDUD6mR9LFHQWHGHSRLVGDH[SHGLomRVHUUDDFLPD0DUWLP$IRQVR
´UHSDUWLXDJHQWHQHVWDVGXDVYLODVµHFRQIRUPHVXDVRUGHQVDVVHQWRXDV
EDVHVDGPLQLVWUDWLYDVSDUDHIHWLYDUDFRORQL]DomRSRLV´IH]QHODVRÀFLDLV
HS{VWXGRHPERDREUDGHMXVWLoDµ­VHPHOKDQoDGRUHLQR´DJHQWHWRGD
WRPRXPXLWDFRQVRODomRFRPYHUHPSRYRDUYLODVHWHUOHLVHVDFULItFLRV
HFHOHEUDUPDWULP{QLRVHYLYHUHPHPFRPXQLFDomRGDVDUWHVHVHUFDGD
XPVHQKRUGRVHX « HWHUWRGRVRVRXWURVEHQVGDYLGDVHJXUDHFRQ-
YHUViYHOµ (VVD DÀUPDomR GH 3HUR /RSHV QmR GHL[D GH VHU UHWyULFD H
HVFRQGHRVFRQÁLWRVTXHHPHUJLUmRHPGRFXPHQWRVSRVWHULRUHVHQWUHR
ULJRUGDFLYLOL]DomRTXHRVSRUWXJXHVHVGHVHMDYDPFRQVWUXLUQRVWUySLFRV
VREDpJLGHGD&RURDHGD,JUHMD&DWyOLFDHRUHOD[DPHQWRHGLIHUHQoDVGH
FRVWXPHVGRVLQGtJHQDVHGHJUHGDGRVHPUHODomRDHVWD
'HSRLVGHGRLVPHVHVQHVVDORFDOLGDGHLVWRpSRUYROWDGRÀPGHPDUoR
GH0DUWLP$IRQVRUHVROYHXQRYDPHQWHUHXQLUVHX&RQVHOKRSDUD
GHFLGLURVSUy[LPRVSDVVRVHFRPRUHVXOWDGRSRXFRGHSRLVRVPHPEURV
GDHVTXDGUDVHVHSDUDPGHÀQLWLYDPHQWH$JHQWHGRPDUMiHVWDYDVHP
soldo, cansada de viver dos víveres da terra e seus navios se encontravam
PXLWRPDOWUDWDGRV3HUR/RSHVFRPRJDOHmR6mR9LFHQWHHDQDX1RVVD
6HQKRUDGDV&DQGHLDVIRLHQWmRHQYLDGR´SDUD3RUWXJDOFRPDJHQWHGR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 105
PDUµH´RFDSLWmR « FRPDPDLVJHQWHHPVXDVGXDVYLODVTXHWLQKD
IXQGDGDVµGHFLGLXHVSHUDU´DWpYHUUHFDGRGDJHQWHTXHWLQKDPDQGDGRD
GHVFREULUWHUUDGHQWURµ7UDWDYDVHGDH[SHGLomRPDQGDGDGHVGH&DQD-
neia no ano anterior, que, como já foi dito, jamais retornará.
&RP D /XD HP &DSULFyUQLR 3HUR /RSHV SDUWLX QR JDOHmR FRP 
KRPHQV D ERUGR QR GLD  GH PDLR GH  FRP GHVWLQR DR 5LR GH
-DQHLURRQGHÀFRXIXQGHDGRSRUWUrVPHVHVDEDVWHFHQGRVHGHYtYHUHV
A nau, que ainda estava sendo consertada para a viagem, seguiria poucos
dias depois. Todos já reunidos, em meados de julho, atingiram a Baía de
7RGRVRV6DQWRVH3HUR/RSHVWRPRXDVPHGLGDVGHVXDSRVLomRDSDUWLU
GRSDGUmROiHVWDEHOHFLGR'XUDQWHGLDVÀ]HUDPUHSDURVQRVQDYLRVH
recolheram víveres para o restante da viagem. Antes de partir, tentaram
FRQWDWDURVGRLVKRPHQVTXHKDYLDPVLGRGHL[DGRVQRDQRDQWHULRUSDUD
YLYHUMXQWRDRVtQGLRVPDVQmRFRQVHJXLUDPSRUTXHVHJXQGRHOHVRV
QDWLYRVRVHVFRQGHUDP1RYDPHQWHXPDLQWHUSUHWDomRXQLODWHUDOGDUHD-
omRGRVQDWLYRVHPUHODomRDRVHXURSHXV
&KHJDQGRD3HUQDPEXFRSRUYROWDGHDJRVWRDH[SHGLomRGHSDURX
se com mais uma nau francesa.$VXDSUHVHQoDQHVVDViJXDVVHH[SOLFD
por que, desde o ano anterior, pouco depois da passagem de Martim
$IRQVRSRUDOLRVIUDQFHVHVKDYLDPGHÁDJUDGRQRYDLQYHVWLGDjIRUWDOH]D
de Pernambuco, que foi atacada com os reforços que chegaram numa
nau que se chamava La Pèlerine, comandada por Du Perret, equipada
FRPFDQK}HVHWUD]HQGRDERUGRKRPHQV Os portugueses ali
HVWDEHOHFLGRVQmRKDYLDPFRQVHJXLGRUHVLVWLUDHVVHDWDTXHSRLVVXDVIRU-
ças praticamente se limitavam aos seis marinheiros que Martim Afonso
GHL[DUDVHUHVWDEHOHFHQGRGHGRHQoDVTXHKDYLDPFRQWUDtGRDERUGRQD
viagem de ida. O Diário QmR Gi PXLWRV GHWDOKHV GR TXH VH VXFHGHX D
seguir, mas acercou-se Pero Lopes da nau inimiga, encetando com ela
FRPEDWH UHQKLGR GR TXDO VDLX YLWRULRVR VHQGR D HPEDUFDomR DSULVLR-
nada e incorporada à esquadra portuguesa. Apesar de ainda estar em
desvantagem de forças, Pero Lopes conseguiu estabelecer um bloqueio
à fortaleza, que se encontrava sob o comando de La Motte, impedindo-
a de receber víveres ou reforços e, em seguida, desferiu um ataque com
RVFDQK}HVGRVVHXVWUrVQDYLRV DQDXIUDQFHVDDSULVLRQDGDDtLQFOXtGD 

106 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
tomando-a de volta para os portugueses. Os sobreviventes entre os fran-
FHVHV²KRPHQVHRFDSLWmR²IRUDPIHLWRVSULVLRQHLURVHOHYDGRVSDUD
R UHLQR 2V WUrV QDYLRV SDUWLUDP D  GH QRYHPEUR GHL[DQGR 9LFHQWH
0DUWLQV)HUUHLUDFRPRFDSLWmRGDIRUWDOH]D1RGLDSDVVDUDPDR
ODUJRGDLOKDGH)HUQDQGRGH1RURQKDGHL[DQGRÀQDOPHQWHDVWHUUDVGR
Brasil. Aqui termina o Diário de Pero Lopes, mas sabe-se que chegou a
/LVERDQRVSULPHLURVGLDVGHHVmRRXWUDVDVIRQWHVTXHQRVLQIRU-
mam o que se sucedeu com Martim Afonso. Voltemos ao que se passava
HP6mR9LFHQWH

São Vicente, Santos e Santo Amaro, no Roteiro de todos os sinais que há na costa do Brasil,
de Luís Teixeira, ca. 1585-1590 (Dias, Gameiro, Vasconcelos, História da colonização por-
tuguesa do Brasil, v. 3, p. 229). No mapa Litoral do Brasil entre o Rio de Janeiro e a Ilha de
Cananeia, de João Teixeira Albernaz I, de 1642, aparece indicada a primeira vila fundada na
capitania de São Vicente.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 107
As sementes da colonização

3DUDLQFUHPHQWDUDSURGXomRGHJrQHURVQRORFDOHSURPRYHUDDJUL-
cultura, que já produzia gêneros da terra, hortaliças e criavam-se porcos
e galinhas, Martim Afonso utilizou-se da prerrogativa que o rei lhe con-
cedera de que pudesse dar terras “às pessoas que consigo levar, as que na
dita terra quiserem viver e povoar aquela parte das terras que aí achar e
descobrir que lhe parecer e segundo o merecessem às ditas pessoas por
VHXVVHUYLoRVHTXDOLGDGHVµ$LQWHQomRHUDTXHWRUQDVVHPDVWHUUDVSUR-
GXWLYDVLVWRp´DVDSURYHLWDUHPµ´SRVVLELOLWDQGRDVVLPDÀ[DomRGH
PRUDGRUHVQDWHUUDID]H>QGR@SODQWDo}HVGHPDQHLUDTXH¶TXDQGRYLHU
JHQWHDFKHMiTXHFRPHU·µ(PRXWXEURGHTXDQGRDLQGDHVWDYD
nos planaltos de Piratininga, Martim Afonso concedeu a primeira sesma-
ULDTXHIRLGDGDD3HURGH*yLVGD6LOYHLUDÀGDOJRTXHYLHUDQDDUPDGD
DTXDOIRLODYUDGDSRU3HUR&DSLFRSRUHVVDDOWXUDQRPHDGRHVFULYmRGR
rei. $V WHUUDV IRUDP FRQFHGLGDV ´GHQWUR QD IRUWDOH]D GD LOKD GH 6mR
9LFHQWHµ QD UHJLmR GHQRPLQDGD 7HFRDSDUD MXQWR DR ULR *HULEDWLED
onde Pero de Góis levantou o Engenho da Madre de Deus e uma capela
FRPHVVDLQYRFDomR$GHIHYHUHLURGHIRLIHLWDRXWUDGRDomR
desta feita a Rui Pinto. Martim Afonso também destinou terras de rossio,
LVWR p SDUD DJULFXOWXUD HRX SHFXiULD jV GXDV FkPDUDV PXQLFLSDLV GDV
duas vilas que fundara. 7DLV WHUUDV DOpP GH JDUDQWLU D SURGXomR GH
gêneros de primeira necessidade para os núcleos urbanos, eram garan-
tias de rendimentos para as mesmas, pois eram aforadas a particulares,
PHGLDQWHSDJDPHQWRGHLPSRVWRV RIRUR $~OWLPDFRQFHVVmRUHDOL]DGD
diretamente por Martim Afonso ocorreu a 4 de março desse mesmo ano,
sendo o agraciado Francisco Pinto, cujas terras abrangeram desde o porto
das Almadias, até a serra de Paranapiacaba. Como determinava a carta
UpJLDTXHWURX[HUDGH3RUWXJDOWRGDVDVGRDo}HVDSDUWLFXODUHVIRUDPIHL-
tas apenas em vida dos agraciados, e as terras teriam que ser devolvidas
j&RURDFDVRQmRFRPHoDVVHPDSURGX]LUQXPSHUtRGRPi[LPRGHDWp
seis anos.
O Brasil dividido em capitanias, segundo o Roteiro de todos os sinais que há na Costa do
Brasil, de Luís Teixeira, ca. 1586 (Guedes, O descobrimento do Brasil (1500-1548), p. 124).

108 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
JÚNIA FERREIRA FURTADO
ORGANIZADORA 109
1DLOKDGH6mR9LFHQWH0DUWLP$IRQVRPDQGRXTXHIRVVHPSODQ-
WDGDV PXGDV GH FDQDGHDo~FDU TXH KDYLD WUD]LGR D ERUGR H HP 
GHWHUPLQRXTXHVHHGLÀFDVVHRSULPHLURHQJHQKRSDUDEHQHÀFLiODV6XD
FRQVWUXomRIRLFXVWRVDHSDUDWDQWRFRQWRXQmRVyFRPDDMXGDGHVGH
Lisboa, de sua esposa, como da do holandês Johan van Hielst. No século
;9,,, IUHL *DVSDU GD 0DGUH GH 'HXV HQFRQWURX QR FDUWyULR GH 6mR
Paulo, o registro de duas escrituras lavradas em Lisboa, entre Martim
Afonso, Pero Lopes, Hielst, Francisco Lôbo e “o piloto-mor Vicente
*RQoDOYHV SDUD HIHLWR GH VH OHYDQWDUHP GRLV HQJHQKRVµ &DGD LUPmR
seria sócio de apenas um dos engenhos, detendo, cada um, um quarto de
cada, os demais participariam dos dois empreendimentos, detendo, cada
um, um quarto de ambas as sociedades. O engenho de Pero Lopes foi
construído em Itamaracá, já o de Martim Afonso numas terras na ilha
GH6mR9LFHQWHDTXHGHQRPLQRX6mR-RUJHSRLVDOLHULJLXXPDFDSHOD
em homenagem a esse santo. Inicialmente, foi chamado de Engenho do
Governador.
“Para fomentar o comércio, instituiu Martim Afonso uma socie-
dade mercantil e aos acionistas desta companhia chamavam Armadores do
tratoµ2REMHWLYRGHVVDVRFLHGDGHIRLSURPRYHUDLPSRUWDomRGRVSUR-
GXWRVGRUHLQRHDH[SRUWDomRGRDo~FDUTXHFRPHoDYDDVHUSURGX]LGR
localmente. Nesse negócio, pouca moeda circulava e a que chegava do
reino era, em grande parte, utilizada para pagar os funcionários locais. A
sociedade também negociava com os nativos e, a esses, pagava com “fer-
UDPHQWDVFRQWDVGHYLGURE~]LRVHRXWUDVEDJDWHODVµQXPVLVWHPDFKD-
mado de resgate. Isto é, trocavam bugigangas por escravos indígenas, que
eram aprisionados a partir do planalto paulista. Os produtos negociados
HQWUHRVGRLVODGRVHUDPWDEHODGRVSHODFkPDUDGH6mR9LFHQWHHVSHFLDO-
mente escravos, com os preços estando sempre a favor dos europeus.
3RUYROWDGRÀPGRDQRGHVHPTXHVHVDLEDDGDWDH[DWD0DU-
WLP$IRQVRUHFHEHXDFDUWDUpJLDTXHKDYLDVLGRH[DUDGDQRUHLQRDGH
setembro, na qual o rei o informava ter recebido as notícias que enviara
SRU VHX SULPR -RmR GH 6RXVD H TXH VH GHFLGLUD SHOD LPSODQWDomR GR
VLVWHPD GH FDSLWDQLDV KHUHGLWiULDV SDUD D FRORQL]DomR EUDVLOHLUD (VWDV
GHYHULDP VH HVWHQGHU ´GH 3HUQDPEXFR DWp R 5LR GD 3UDWDµ D H[HPSOR

110 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
GRTXHMiKDYLDVHH[SHULPHQWDGRFRPVXFHVVRQDVLOKDVDWOkQWLFDV(VVD
FDUWDIRLWUD]LGDSHORPHVPR-RmRGH6RXVDFRPDQGDQGRXPDQDXHGXDV
FDUDYHODVTXH'RP-RmR,,,DUPRXSDUDUHWRUQDUDR%UDVLO1HODRUHL
também dá notícias das novas investidas dos franceses em Pernambuco
GHTXHUHFHQWHPHQWHWRPDUDFRQKHFLPHQWR$VQRWtFLDVGHVVDLQYDVmR D
TXH3HUR/RSHVVHGHSDURXHPVXDYLDJHPGHYROWD FKHJDUDPDRUHLQR
via Andaluzia, onde a nau francesa, La Pèlerine, já de volta à Europa, car-
regada do pau-brasil que contrabandeara de Pernambuco, acabou sendo
aprisionada.
A notícia de que os franceses haviam tomado a feitoria portuguesa que
0DUWLP$IRQVRKDYLDUHFXSHUDGRHTXHDOLKDYLDPGHL[DGRKRPHQV
DVVXVWRXDFRUWH&RPRRVQDYLRVGH3HUR/RSHVDLQGDQmRKDYLDPDWLQ-
JLGR/LVERDTXDQGRGHOiSDUWLXSRUYROWDGRÀPGHVHWHPEUR-RmRGH
6RXVDFRPGHVWLQRD6mR9LFHQWHQmRVHVDELDQR5HLQRTXHRSULPHLUR
MiKDYLDUHFKDoDGRHPDJRVWRHVVHVUHPDQHVFHQWHVGHVVDH[SHGLomRTXH
haviam tomado o forte de Pernambuco. Logo se conjecturou que tal
Q~PHUR GH KRPHQV WLQKD FRPR PLVVmR QmR DSHQDV D GHIHVD GD IRUWD-
OH]DPDVSULQFLSDOPHQWHDLQWHQomR´GHSRYRDUHPDWHUUDµRTXHIH]R
rei precipitar-se e decidir tomar medidas mais drásticas para favorecer
o povoamento do Brasil, antes mesmo do retorno de Martim Afonso.
Para tanto, determinou “mandar demarcar de Pernambuco até o Rio da
3UDWDµH[DWDPHQWHRWHUULWyULRTXHUHLYLQGLFDYDFRPRVHQGRD$PpULFD
portuguesa e que Martim Afonso estabelecera os limites, assentando os
marcos de pedra, fatias de território correspondendo, cada um, a “cin-
TXHQWDOpJXDVGHFRVWDµRTXHFRQÀJXUDULDDH[WHQVmRGH´FDGDFDSLWD-
QLDµ,QIRUPRXDLQGDTXH´DOJXPDVSHVVRDVPHUHTXHULDPFDSLWDQLDVµ
QDVWHUUDVGR%UDVLOPDV´DQWHVGHVHGDUDQHQKXPDSHVVRDµGHFLGLUD
conceder as duas primeiras a Martim Afonso de Sousa e a Pero Lopes de
6RXVD2SULPHLURUHFHEHXXPDIDL[DGHOpJXDVGHWHUUDQDFRVWDTXH
IRLGHQRPLQDGD6mR9LFHQWHHRVHJXQGROpJXDVTXHIRLFKDPDGD
Santo Amaro.6HHVWD~OWLPDQmRSURVSHURXDGH´6mR9LFHQWHWRUQDU
VHiGXUDQWHPXLWRWHPSRRJUDQGHQ~FOHRGHUHVLVWrQFLDDWRGDLQYDVmR
HVWUDQJHLUDHIRFRGHH[SDQVmRQDVUHJL}HVDXVWUDLVµ

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 111
(VVD FDUWD UpJLD WDPEpP GHWHUPLQRX TXH ´VH YRV SDUHFHU TXH QmR
pQHFHVViULRHVWDUGHVOiPDLVSRGHUYRVHLVYLUµRTXHpFRQÀUPDGR
SRU0DUWLP$IRQVRTXHFRQWDTXHQR%UDVLO´WDUGHLSHUWRGHWUrVDQRVµ
DWp TXH ´PDQGRXPH (O5HL YLU GH Oiµ 'H SRVVH GD DXWRUL]DomR GR
UHLPDVVRPHQWHGHSRLVGHGHPDUoRGHGDWDHPTXHDLQGDHP
6mR9LFHQWHFRQFHGHXD~OWLPDVHVPDULDD)UDQFLVFR3LQWRUHWRUQRXD

Desenhos com a distribuição das donatarias, o segundo


atualizado por Jorge Pimentel Cintra, em 2014 (Dias,
Gameiro, Vasconcelos, História da colonização portuguesa
do Brasil, v. 3, p. 223).

112 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
/LVERD6XDV~OWLPDVPHGLGDVIRUDPDQRPHDomRGH-RmR5DPDOKR´QR
FDUJRGHFDSLWmRPRUGDERUGDHG·DOpPFDPSRµLVWRpGDVWHUUDVGRSOD-
nalto de Piratininga, e a do padre Gonçalo Monteiro, no da vila e ilha de
6mR9LFHQWH'HWHUPLQRXWDPEpPTXHXPDQRYDH[SHGLomRIRVVHSDUD
o interior, capitaneada por Pero de Góis da Silveira e Rui Pinto, a ver se
tinha notícias da que partira no ano anterior, e a combater os índios Cari-
jós que, segundo notícias recém-chegadas, a haviam dizimado.

Carta de brasão de armas de Nicolau Coelho, um dos capitães donatários, Lisboa, 20 de


maio de 1503 (Portugal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, A construção do Brasil, 1500-1825, p.76).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 113
Nos Açores, no porto da ilha Terceira, Martim Afonso encontrou-se
com a armada de Duarte Coelho, que retornava de Pernambuco. Ela
havia sido enviada, depois da chegada de Pero Lopes a Lisboa, com o
intuito de reforçar com homens a fortaleza local, que o último havia
recapturado dos franceses. A partir desse arquipélago, as duas armadas
navegaram juntas até atingirem Portugal, chegando ao porto de Lisboa,
SRUYROWDGHDJRVWRGH Se Martim Afonso levava a bordo quatro
LQGtJHQDVEUDVLOHLURVQDVGXDVYLODVTXHHGLÀFDUDHP6mR9LFHQWHGHL[DUD
PDLVGHKRPHQVHQWUHRVUHPDQHVFHQWHVGHVXDH[SHGLomRHRVRULXQ-
GRVGR3RUWRGRV3DWRVHGH&DQDQHLD3ODQWDUDQmRVRPHQWHDVSULPHLUDV
PXGDVGHFDQDGHDo~FDUPDVDVVHPHQWHVGDFRORQL]DomREUDVLOHLUD

A colonizadora

1RDQRVHJXLQWHjVXDFKHJDGDD/LVERDHP0DUWLP$IRQVR
foi enviado para a Índia, posto e local que, como revelam seus cronistas,
auferiam muito mais honra e prestígio do que os desempenhados no Bra-
sil. Consciente da prolongada ausência que se lhe anunciava, antes de par-
WLULQVWLWXLXDGHPDUoRGHVVHPHVPRDQRVXDHVSRVD$QD3LPHQWHO
FRPRDGPLQLVWUDGRUDGDFDSLWDQLDGH6mR9LFHQWH De maneira quase
DQWHFLSDWyULDVDELDTXHR2ULHQWHOKHREOLWHUDULDDVDWHQo}HVHPUHODomR
ao Atlântico. Já na Índia, informado que o Conde de Castanheira estava
interessado em sua capitania, escreveu a sua esposa, em dezembro de
TXH´PDQGHDWRPDUWRGDRXDTXHTXLVHUTXHHVVDVHUiSDUDPLP
DPDLRUPHUFrHDPDLRUKRQUDGRPXQGRµ
1R HQWDQWR $QD 3LPHQWHO QmR DSHQDV GHVREHGHFHX DV RUGHQV GR
PDULGRFRPRDRFRQWUiULRGHYHQGHU6mR9LFHQWHWRUQRXVHSHoDYLWDO
para a prosperidade que a mesma alcançou nos anos seguintes à par-
WLGDGH0DUWLP$IRQVRSDUDDÌQGLD$DomRGH'RQD$QD3LPHQWHOHP
UHODomRDR%UDVLOQmRFRUUHVSRQGHjLPDJHPGHHVSRVDVVXEPLVVDVTXH
usualmente se tem das mulheres à época. Como muitas outras, por todo
RLPSpULRDRORQJRGDH[SDQVmRPDUtWLPDSRUWXJXHVD desempenhou
papel ativo nos destinos da capitania e, enquanto procuradora a represen-

114 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
tar seu marido junto à mesma, foi
UHVSRQViYHOSRUIUXWLÀFDUDVHPHQWH
colonizadora que ele havia plan-
WDGR GXUDQWH D H[SHGLomR GH 
D  $VVLP TXH WRPRX SRVVH
do cargo de administradora, insti-
WXLXFRPRFDSLWmRGH6mR9LFHQWHD
Gonçalo Monteiro, “o qual gover-
QRX SRU DOJXQV DQRVµ H WDPEpP
IH] LQWURGX]LU RV SULPHLURV H[HP-
plares de gado vacum, trazidos de
Cabo Verde, dando início à pecuá-
ULDRTXHHVWLPXORXDFRORQL]DomR
local. Além do gado e dos porcos e
galinhas que já eram criados pelos
primitivos moradores, também
LPSODQWRXDFULDomRGHHTXLQRVR
que fez o jesuíta frei Vicente do Marco de Sesmaria, anônimo, século XVI,
6DOYDGRUDÀUPDUHPTXHDOL pedra gravada, 74 x 23 x 19 cm, São Paulo,
“cavalos há tantos que vale cada um Museu Paulista da Universidade de São
Paulo, inv. nº RG 772 (Portugal, Comissão
FLQFR RX VHLV WRVW}HVµ Também Nacional para as Comemorações dos Des-
mandou vir, de Portugal, mudas de cobrimentos Portugueses, A construção do
Brasil, 1500-1825, p. 87).
arroz, trigo e laranja, introduzindo
essas culturas de subsistência indis-
pensáveis para sustentar uma colo-
QL]DomRHVWiYHO
Para dar continuidade à política do marido, Dona Ana distribuiu
YiULDVVHVPDULDVFRPRDTXHGHVWLQRXD/XtV$IRQVR´PRUDGRUGH6mR
Vicente, para estabelecer fazenda e um terreno para casas, livre de todo
RWULEXWRµ ou a Vicente da Fonseca, a quem concedeu a ilha Grande,
situada na boca de Angra dos Reis, para ali levantar um engenho de
açúcar; ou ainda a Antônio de Oliveira, que construiu, em Enguá-
JXDoXRSULPHLURPRQMROR SLOmRGHiJXD SDUDDSURGXomRGHIDULQKD
de mandioca e de trigo.(PIRLDYH]GH%UiV&XEDVFULDGRGD

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 115
casa de Martim Afonso, que recebeu as terras de Geribatiba. Para tomar
SRVVHGDFRQFHVVmRHDGPLQLVWUiODSULPHLUDPHQWHHVWHPDQGRXVHXSDL
-RmR3LUHV&XEDVPDVHVVHHQIUHQWRXPXLWDVGLÀFXOGDGHVSRUTXHDVWHU-
UDVHVWDYDPLQIHVWDGDVGHtQGLRVKRVWLV3DUDDX[LOLiORQDGLItFLOWDUHID
GD FRORQL]DomR GH VXD VHVPDULD %UiV &XEDV GHFLGLX LU SHVVRDOPHQWH D
6mR9LFHQWHRQGHFKHJRXHP Na capitania, teve papel destacado
nos anos que se seguiram, ocupando importantes cargos. Para permitir
DH[SORUDomRHFRQ{PLFDGHVXDVWHUUDVPDQGRXDEULUXPFDPLQKRDWpD
YLODGH6mR9LFHQWHGHXLQtFLRDXPDURoDHLQVWDORXXPDSHTXHQDSRYR-
DomRQRORFDOTXHPDLVWDUGHGHXRULJHPjYLODGH6DQWRV(P
consolidando a política colonizadora de Dona Ana Pimentel, e a partir
de ordens suas, chegou “o primeiro homem que a esta capitania veio
FRPPXOKHUFDVDGRVyFRPGHWHUPLQDomRGHSRYRDUµ7UDWDYDVHGHXP
WDO-RmR*RQoDOYHV$YLQGDGHFDVDLVDSDUWLUGHHQWmREXVFDYDWUD-
zer estabilidade e diminuir os relacionamentos entre homens brancos e
mulheres índias, que se regravam por costumes diferentes dos europeus.
(PRXWXEURGH'RQD$QDQRPHRXVXFHGHQGRD0RQWHLUR$QW{-
QLRGH2OLYHLUDFRPRQRYRFDSLWmRPRUGH6mR9LFHQWHRTXDOSDVVRXD
acumular o cargo de ouvidor da capitania. Oliveira foi responsável por
acelerar o processo de concessões de sesmarias, com o intuito de consoli-
dar o povoamento, repartindo “a Ilha de S. Vicente pelos moradores, os
TXDLVDQWHVGLVVRSODQWDYDPVHPFDUWDVGHVHVPDULDVµ$VSULPHLUDVGHODV
foram passadas a Pascoal Fernandes, Domingos Pires e André Botelho.
(QWUHH&ULVWyYmR$JXLDUGH$OWHURGLULJLXFRPRIHLWRUGD
fazenda, a sociedade dos Armadores do Trato.$SDUWLUGHHQWmRHVVD
sociedade passou a administrar o Engenho do Governador, que, por essa
UD]mRÀFRXFRQKHFLGRjpSRFDFRPR(QJHQKRGR7UDWRRXGRV$UPD-
dores.(PHVVHHQJHQKRIRLFRPSUDGRGRVTXDWURVyFLRVLQLFLDLV
0DUWLP$IRQVRLQFOXVLYHSRU(UDVPXV6FKHW]ÀQDQFLVWDGD$QWXpUSLD
HUHVXOWDQWHGHVVDDTXLVLomRDFDERXVHQGRFKDPDGRGH(QJHQKRGH6mR
Jorge dos Erasmos. Transformado em museu, atualmente é administrado
SHOD8QLYHUVLGDGHGH6mR3DXOR
3RUHVVDpSRFDXPDJUDQGHUHVVDFDGRPDUDUUXLQRXYiULDVHGLÀFD-
o}HVGDYLODGH6mR9LFHQWHLQFOXVLYHDFDVDGDFkPDUDHRSHORXULQKR

116 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Colono português, de origem Soldado português (besteiro) com
humilde, na época do início das sua besta, arma típica dos séculos
capitanias (Weiss (coord.), Enciclo- XV e XVI (Weiss (coord.), Enciclopé-
pédia Delta de história do Brasil, v. dia Delta de história do Brasil, v. VI,
VI, p. 1463). p. 1462).

Sua progressiva ruína, fustigada pelas águas oceânicas, e problemas com


RSRUWRORFDOTXHFRPHoRXDDVVRUHDUÀ]HUDPFRPTXHDRVSRXFRVHVVH
SULPHLURORFDORQGHHVWLYHUDVLWXDGDDYLODIRVVHVHQGRDEDQGRQDGR6mR
9LFHQWHHQWmRPXGRXGHVtWLRUHFRQVWUXtGDWHUUDDGHQWUR1RHQWDQWR
XPDJUDQGHSDUWHGDVXDSRSXODomRGHFLGLXPXGDUVHQmRSDUDHVVHQRYR
sítio, mas sim para o outro lado na ilha, distante apenas duas léguas, onde
Santos se desenvolvia rapidamente.
(PDSHGLGRGH%UiV&XEDV'RQD$QDÁH[LELOL]RXXPSRXFR
DVRUGHQVH[DUDGDVSRUVHXPDULGRQDGpFDGDDQWHULRUTXHSURLELDPRV
PRUDGRUHVGH6mR9LFHQWHGHLUHPID]HUUHVJDVWHGHHVFUDYRVQRVFDPSRV
GH3LUDWLQLQJD$WpHQWmRFRQIRUPHGHWHUPLQDUD0DUWLP$IRQVRDQWHV
GHSDUWLUVRPHQWH-RmR5DPDOKRTXHYLYLDVHUUDDFLPDSRGLDID]rOR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 117
'RQD$QDPDQWHYHHVVDSURLELomRDSHQDVSDUDRVSHUtRGRVQRVTXDLVRV
índios celebravam as suas santidades, “por ser informada, que é grande
SHULJRSDUDDGLWDWHUUDLUHPOiHPWDOWHPSRµ)RUDGHVVDpSRFDEDVWDYD
XPD´OLFHQoDGRFDSLWmRRXTXHPRWDOFDUJRWLYHUµ1RVpFXOR;9,,,
frei Gaspar da Madre de Deus avaliava que as consequências dessa ordem
haviam sido funestas para a capitania, pois os brancos foram habitar o
VHUWmR D FRVWD VH GHVSRYRRX H DV JXHUUDV FRP RV tQGLRV DXPHQWDUDP
resultando em constantes ataques dos silvícolas, o que colocava em cons-
tante perigo as povoações locais.
$GHMXQKRGH%UiV&XEDVIRLQRPHDGRSRU'RQD$QDFDSLWmR
mor e ouvidor-mor da capitania. Uma de suas medidas mais importantes
IRLDHOHYDomRQRDQRVHJXLQWHGH6DQWRVjFDWHJRULDGHYLOD Como esse
Q~FOHRGHSRYRDPHQWRYLQKDSURVSHUDQGRPXLWRPDLVTXH6mR9LFHQWH
%UiV&XEDVH$QW{QLRGH2OLYHLUDHGLÀFDUDPQRORFDOXPKRVSLWDOHXPD
6DQWD&DVDGH0LVHULFyUGLDSDUDDVVLVWrQFLDGDSRSXODomR

Num trípitico decorativo, a Fundação da vila de Santos pelo capitão Brás Cubas, de Bene-
dicto Calixto, retrata os aspectos do dia a dia da colonização de São Vicente e a edificação
do pelourinho. Fonte: Bolsa Oficial do Café, Santos-SP.

118 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
3DVVDGRV TXDVH  DQRV GHVGH D FKHJDGD GH 0DUWLP $IRQVR D 6mR
Vicente, a capitania desenvolvia e prosperava, diferente da maioria das
demais, cujos donatários pautaram-se pela ausência e pelo descompro-
PLVVRFRPDDomRFRORQL]DGRUD(PVHJXQGR/XtVGH*yLVÀOKR
de Pero Góis, a donataria contabilizava seis engenhos, mais de seiscentos
FRORQRV´HQWUHKRPHQVHPXOKHUHVHPHQLQRVµHPDLVGHHVFUDYRV
tQGLRVQDWXUDOPHQWH$OpPGDVYLODVSULQFLSDLV6mR9LFHQWH6DQWR$QGUp
e Santos, destacavam-se as aldeias de Peruíbe e Itanhaém.$PLVVmRGR
VHPHDGRUHGRODGULOKDGRUVHFRPSOHWDYDFRPRDX[tOLRYDOLRVRGHVXD
esposa.

O jesuíta

(PFKHJRXDR%UDVLODSULPHLUDPLVVmRMHVXtWLFDHQYLDGDSRU
'RP-RmR,,,DR%UDVLO9LQKDQDFRPLWLYDGRQRYRJRYHUQDGRUJHUDO
Tomé de Sousa, SULPR GH 0DUWLP $IRQVR $ PLVVmR IRL FKHÀDGD
por Manoel da Nóbrega e se compunha também dos padres Leonardo
1XQHV-RmRGH$]SLOFXHWD1DYDUUR$QW{QLR3LUHV9LFHQWH5RGULJXHV
H'LRJR-iFRPH6HHP0DUWLP$IRQVRHUDJRYHUQDGRUGDÌQGLD
TXDQGRDOLDSRUWDUDPRVMHVXtWDVSHODSULPHLUDYH]VREDGLUHomRGH)UDQ-
cisco Xavier, era outro membro de sua família quem servia de apoio à
LQVWDODomRGD&RPSDQKLDGH-HVXVQR%UDVLORTXHDSRQWDSDUDRLPSRU-
WDQWHDSRLRTXHRVVHXVGHUDPjH[SDQVmRGD2UGHPSHORLPSpULR A
VLPELRVHHQWUHRV6RXVDVHD2UGHPGH-HVXVIRLH[SUHVVDQXPDFDUWDQD
TXDO0DQXHOGD1REUHJDDÀUPRXTXH´7RPpGH6RXVDHXRWHQKRSRU
WmRYLUWXRVRHHQWHQGHWmREHPRHVStULWRGD&RPSDQKLDTXHOKHIDOWD
SRXFDSDUDVHUGHODµ
Os jesuítas se instalaram primeiramente na Bahia, onde também se
HVWDEHOHFHX R JRYHUQDGRUJHUDO 0DV VHJXQGR R 3DGUH 6LPmR GH 9DV-
FRQFHORVDHOHVORJR´FKHJDUDPQRYDVTXHQDFDSLWDQLDGH6mR9LFHQWH
«  KDYLD PXLWR GHVDPSDUR GD GRXWULQD FULVWm SRUTXH RV SRUWXJXHVHV
que ali estavam e começavam a povoar lugares viviam a modo de gen-
WLRVHRVJHQWLRVFRPRH[HPSORGHVWHVLDPID]HQGRPHQRVFRQFHLWRGD

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 119
OHLGRVFULVWmRVµ&RPRUHPpGLRSDUDWDQWRVPDOHVLQFOXVLYHDFRQWtQXD
HVFUDYL]DomRGHLQGtJHQDVSUiWLFDUHFULPLQDGDSHOD&RPSDQKLDDVDXWR-
ridades locais pediam a presença desses missionários. Como eram seis,
Nóbrega resolveu enviar dois deles, Leonardo Nunes e Diogo Jácome,
SDUD6mR9LFHQWHDRQGHFKHJDUDPQRLQtFLRGRDQRGH1RFDPL-
nho, na capitania do Espírito Santo, em que pararam por breve período,
ainda arregimentaram o noviço Matheus Nogueira.
,QLFLDOPHQWHRVMHVXtWDVUHVLGLUDPQDYLODGH6mR9LFHQWHWHQGRVLGR
EHP UHFHELGRV ´FRP JUDQGH DOYRURoR GH WRGRVµ H DVVLP TXH GHVHP-
barcaram em terra, “foram levados com aplauso de grandes e peque-
QRV « FRPRKRPHQVYLQGRVGRFpXSDUDUHPpGLRVHXµ Tais formas
GHUHFHSomRDLQGLFDURHVWDEHOHFLPHQWRGH´UHODo}HVVRFLDLVSRVLWLYDVµ
eram consideradas, pelos membros da Ordem, como “favorece[doras d]
R SURFHVVR GH FRQYHUVmRµ 3RU HVVD UD]mR GHVGH D VXD LQVWDODomR QR
Brasil, seus membros buscaram interagir e conquistar o apoio dos mora-
GRUHVORFDLV)RLRTXHDFRQWHFHXHP6mR9LFHQWHRQGHFRPDDMXGDGRV
últimos, que forneceram madeira e outros materiais, além de seu próprio
WUDEDOKRRVMHVXtWDVORJRFRQVWUXtUDPXPDLJUHMDFRPVXDFDVDDQH[D

Manuel da Nóbrega, desenho de Armando


Maciel (Roberto Pompeu de Toledo, A
capital da solidão, Rio de Janeiro, Objetiva,
2003, p. 72).

120 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Essas casas, que serviam para abrigar os membros da Companhia e de
FROpJLRVRQGHHQVLQDYDPDGRXWULQDFULVWmGHYHULDPVHUOHYDQWDGDVQRV
povoados e nas aldeias indígenas, e foram “concebid[as] por Nóbrega
FRPRLQVWUXPHQWR>V@SHUPDQHQWH>V@GRSURMHWRPLVVLRQiULRGRVMHVXtWDVµ
6HJXQGRHOHDVPHVPDVGHYHULDPH[LVWLU´HQTXDQWRRPXQGRGXUDUµ
2VGRLVMHVXtWDVUHFpPFKHJDGRVD6mR9LFHQWHGHFLGLUDPSULPHL-
UDPHQWHWUDWDUGDGRXWULQDomRGRVFRORQRVORFDLVWDORGHVDPSDURTXH
HVVHVVHHQFRQWUDYDPHPUHODomRjIpFULVWm&RPHoDUDPHQWmRDUHFUXWDU
os primeiros noviços, inicialmente entre os principais da terra, como foi
o caso de Pedro Corrêa e Manoel Chaves, grandes línguas, o que, pos-
teriormente, facilitaria o contato com os nativos; a seguir, entre os mais
jovens, fossem brancos ou mestiços, dos quais se destacaram Leonardo
GR9DOOHH*DVSDU/RXUHQoR3DUDIDFLOLWDUDGRXWULQDomRHGDULQtFLRj
FULVWLDQL]DomRGRVQDWLYRV3HGUR&RUUrDFRPHoRXDYHUWHURFDWHFLVPR
para a língua da terra, e Leonardo do Valle, com a ajuda de línguas locais,
subiu a serra para buscar jovens índios e trazê-los para serem doutrina-
GRVYLVWRTXHQmRKDYLDPDLVDOGHLDVLQGtJHQDVQDVUHGRQGH]DVGDYLOD

Pintura reconstrói a primeira missa celebrada pelos jesuítas em São Vicente (Les Portugais
au Bresil: l’art dans la vie quotidienne, Bruxelles, Europalia, 1991, p. 55).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 121
$VVLPTXHFKHJDUDPDR%UDVLORVMHVXtWDVSHUFHEHUDPDGLÀFXOGDGHHP
converter os nativos mais velhos e resolveram concentrar seus esfor-
oRVQDVFULDQoDVHMRYHQV6HJXLQGRHVVDSUiWLFD´RSDGUHRVWURX[HHP
JUDQGHQ~PHURTXDLVRYHOKLQKDVjFDVDGH6mR9LFHQWHHPDTXDOFRP
RXWURVPHVWLoRVGDWHUUDHDOJXQVyUImRVYLQGRVGH3RUWXJDOIRUPRXXP
VHPLQiULRµ 1HVVD LQVWLWXLomR ² D FDVD ² HQVLQDYDP SRUWXJXrV D OHU H
HVFUHYHUODWLPPRUDOFRVWXPHVHDGRXWULQDFULVWm
,QLFLDOPHQWH D UHODomR HQWUH RV FRORQRV H RV PLVVLRQiULRV IRL KDU-
PRQLRVDHRUHEDQKRFULVWmRVREDOLGHUDQoDGRVMHVXtWDVIRLFUHVFHQGR
mas, aos poucos, a outrora harmonia entre os dois lados começou a aze-
dar. Isso ocorreu, principalmente, porque os missionários traziam uma
ordem do governador-geral para libertar todos os índios escravizados.
Apelando para a consciência religiosa dos colonos, alguns deles imedia-
tamente libertaram seus cativos sem grandes resistências, mas, à medida
TXHRVUHOLJLRVRVHQGXUHFLDPRGLVFXUVRHDVDo}HVFRQWUDDHVFUDYLGmR
dos silvícolas, os moradores começaram a tecer duras críticas aos mem-
EURVGD&RPSDQKLD´6HRVSDGUHV GL]LDPHOHV YrPDWUDWDUGDVDOPDV
SRUTXHQmRWUDWDPGHODVHGHVHXLQVWLWXWRVRPHQWH"3RUTXHVHPHWHP
FRPRVtQGLRVGRVSREUHV"3RUTXHOKHVKmRGHWLUDUVHXUHPpGLR"4XH-
UHPTXHYmRVXDVPXOKHUHVjIRQWHHULR"µ2XWURSRQWRGHWHQVmRHUDD
reprimenda dos inacianos dizia respeito aos costumes locais, os “vícios
GDFDUQHµSULQFLSDOPHQWHDPDQFHELDHDVUHODo}HVLQFHVWXRVDV´SRUWDV
DGHQWURµTXHPLPHWL]DYDPGRVLQGtJHQDVFRPFXMDVPXOKHUHVVHUHOD-
cionavam em grande número, devido à escassez de mulheres europeias.
$SULPHLUDHYLGrQFLDGDLQGLVSRVLomRGRVPRUDGRUHVIRLDGLPLQXLomRGD
FRQFHVVmRGHHVPRODVEDVHGHVXVWHQWRGRVPLVVLRQiULRVHGHVXDVDWLYL-
dades.
(PMDQHLURGH0DQXHOGD1yEUHJDMiHQWmRSULPD]GD2UGHP
GR%UDVLOHFHUWDPHQWHVDEHGRUGDVWHQV}HVTXHVHDFXPXODYDPHP6mR
Vicente, se pôs a caminho da capitania, juntamente com o governador-
JHUDO8PGRVHSLFHQWURVGDGLVFyUGLDHUD-RmR5DPDOKRTXHKDYLDVLGR
H[FRPXQJDGRSHORYLJiULRORFDOGHSRLVGHWHUVLGRH[SXOVRGDLJUHMDSHOR
jesuíta Leonardo Nunes. Na comitiva que partira de Salvador, ia um
MHVXtWDFKDPDGR)UDQFLVFR3LUHVDOpPGHTXDWURMRYHQVyUImRVQRYLoRV

122 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
7XGRLQGLFDTXHDHVFROKDGH3LUHVQmRHUDPHURDFDVRSRLVRPHVPR
´SDUDPDLVDMXGDµHUDSDUHQWHGH-RmR5DPDOKR´RPDLVDQWLJRKRPHP
TXH HVWi QHVVD WHUUDµ DLQGD TXH QmR VH FRQKHFHVVHP 3DUD UHFRQTXLV-
WDUDFRQÀDQoDGRVFRORQRVHLQLFLDUDFRQYHUVmRGRVtQGLRVQRSODQDOWR
de Piratininga, Nóbrega compreendeu que, apesar de seu gênio forte e
insubmisso, era indispensável cooptar Ramalho, pois ele era o ponto de
FRQWDWRHQWUHRVHXURSHXVGH6mR9LFHQWHHRVQDWLYRVGRSODQDOWR6LP-
bolicamente, reatando a aliança espiritual entre a Companhia e os colo-
QRVDVVLPTXHGHVHPEDUFRX1yEUHJD´IRLOHYDGRjYLODGH6mR9LFHQWH
SHODVUXDVHSUDoDVFRPDSODXVRGRSRYRHFLGDGmRVHQmRPHQRUDOHJULD
dos padres, que o receberam com Te Deum laudamus, como a [um] homem
FRQFHGLGRGRFpXµ

No mapa de D’Anville, ca. 1740, aparecem representadas a região de São Vicente e a Serra
de Paranapiacaba, separando-a do planalto onde os jesuítas instalaram suas missões,
junto às aldeias de João Ramalho. Fonte: Acervo de Júnia Ferreira Furtado.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 123
-RmR5DPDOKRHUDDPLJDGRFRPXPDGDVÀOKDV´GRVPDLRUHVHSULQ-
FLSDLVGHVWDWHUUDµRFDFLTXH7LELULoiHHUD´PXLWRFRQKHFLGRHYHQHUDGR
HQWUHRVJHQWLRVµVHQGRWDPEpPDVÀOKDVGHOH´FDVDGDVFRPRVSULQFL-
SDLV GHVWD &DSLWDQLDµ 1yEUHJD SHUFHEHX TXH FRQTXLVWDU VHX DSRLR HUD
LQGLVSHQViYHOSDUDDDomRGHFDWHTXHVHGD&RPSDQKLDSRLV´QHOHQHOD
>VXD PXOKHU@ H HP VHXV ÀOKRV HVSHUDPRV WHU JUDQGH PHLR SDUD D FRQ-
YHUVmRGHVWHVJHQWLRVµ Sabia que, para tanto, era necessário suspender
VXDH[FRPXQKmRHOHJDOL]DUVXDUHODomRPDULWDODVVLPFRPRDVGHPXL-
WRV GRV PRUDGRUHV ORFDLV SRLV HVVHV QmR VH FDVDYDP RÀFLDOPHQWH FRP
suas companheiras índias, segundo os ritos católicos, em grande parte
devido aos impedimentos canônicos, por haver consanguinidade entre
os nubentes, costume que grassava entre os nativos e que os europeus
ORJRDVVLPLODUDPQRVVHXVUHODFLRQDPHQWRV-RmR5DPDOKRQmRVyKDYLD
GHL[DGRXPDHVSRVDQRUHLQRPDVFRPRHUDFRVWXPHQDWHUUDMiKDYLD
VHUHODFLRQDGRFRPDLUPmGHVXDDWXDOFRPSDQKHLUDtQGLDRTXHQDVOHLV
canônicas gerava consanguinidade entre os dois. Portanto, segundo o
9DWLFDQRKDYLDGRLVLPSHGLPHQWRVSDUDDRÀFLDOL]DomRGHVVDQRYDXQLmR
Nóbrega suplicou ao seu superior que conseguisse, o mais brevemente
possível, as dispensas do papa para que pudesse realizar o casamento dos
dois e dos demais colonos amigados com as índias. Ele contra-argumen-
tava que “para tudo e para remédio
de muitos se deveria isto impetrar
SDUDVRVVHJRHTXLHWDomRGHPXLWDV
FRQVFLrQFLDVµ 2 MHVXtWD HQWmR
VXELXDVHUUDFRPXPGRVÀOKRVGH
-RmR 5DPDOKR SDUD FRPHoDU XP
diálogo com ele, e lhe pediu que
´DXWRUL]D>VVH@ R QRVVR PLQLVWpULRµ
junto aos selvagens, isto é, que os
inacianos pudessem catequizar os
índios do planalto.

O padre Anchieta (Toledo, A capital da


solidão, p. 96).

124 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
0DVFRPRVHGL]XPDPmRODYDDRXWUD«5DPDOKRSRUVXDYH]
rapidamente compreendeu que as forças locais tinham se alterado, novas
articulações eram necessárias e a aliança com os jesuítas e com as novas
DXWRULGDGHVSRUWXJXHVDVHUDHVVHQFLDO$FRORQL]DomRSRUWXJXHVDQDLOKD
GH6mR9LFHQWHSURVSHUDYDQRYRVFRORQRVFKHJDYDPHDSRSXODomRHXUR-
SHLDFUHVFLDD&RPSDQKLDGH-HVXVWLQKDYLQGRSDUDÀFDUDLQVWLWXLomRGR
governo-geral impunha mudanças; e, com elas, o poder régio e de seus
DGPLQLVWUDGRUHVORFDLVDXPHQWDYD'HVGH5DPDOKRKDYLDSHUGLGR
o monopólio do resgate dos índios, por instâncias de Brás Cubas, que,
QRDQRVHJXLQWHVHWRUQDULDFDSLWmRPRUHRXYLGRUPRUGHWRGDDFDSL-
WDQLDDPSOLDQGRVXDMXULVGLomRWDPEpPVREUHRSODQDOWRSRUQRPHDomR
de Dona Ana Pimentel. Dessa forma, seu papel de mediador entre os
europeus e os índios se fragilizava e impunha novas alianças. A atestar
as que Ramalho encetou com o poder régio e que permitiram a continui-
GDGHGHVHXSRGHUHP7RPpGH6RXVDFRQFHGHXRHVWDWXWRGHYLOD
D6DQWR$QGUpFRQÀUPDQGRRQRSRVWRGHVHXDOFDLGHRTXHFRQWLQXRX
a assegurar a Ramalho o domínio sobre o planalto.
$RFRQTXLVWDURDSRLRGH5DPDOKRSDUDDFRQYHUVmRGRVtQGLRV
1yEUHJDHVFUHYHXD6LPmR5RGULJXHVSURYLQFLDOGDRUGHPHP3RUWXJDO
e despachou o padre Leonardo Nunes, para Salvador, com o objetivo de
DPSOLDURVTXDGURVGD&RPSDQKLDHGHSRLVHQYLiORVSDUD6mR9LFHQWH
HGHVVDIRUPDLUUDGLDUVXDDomRPLVVLRQiULD6XDVRUGHQVGL]LDP´4XH
FULHPHPDQGHP¶PXLWRVÀOKRVSDUDFiTXHWRGRVVmRQHFHVViULRV·µ A
VHJXLU 1yEUHJD H[SHULPHQWRX XPD SULPHLUD LQYHVWLGD QD PLVVLRQDomR
GRVtQGLRVGRSODQDOWRDRIXQGDUXPDFDVDGD2UGHPHP0DQLoRED
OpJXDVVHUWmRDGHQWURMXQWRDRVFDPSRVGH3LUDWLQLQJD$DOLDQoDFRP
Ramalho dava seus primeiros frutos. Segundo os jesuítas, ao abraçarem
RFDWROLFLVPRRVtQGLRVYLDPVXDV´DOPDV « YRD>UHP@DR&pXµ Para
WDQWR IRL IXQGDPHQWDO D SDUWLFLSDomR GH $QW{QLR 5RGULJXHV UHFpP
noviço, que serviu de língua e guia, pois “havia sido soldado nas partes
GR3DUDJXDLHPXLYHUVDGRQRVFRVWXPHVGDJHQWH&DULMyµ
O resultado mais evidente da política de Nóbrega de recrutar novos
PLVVLRQiULRV SDUD ID]HU DYDQoDU H FRQVROLGDU D DWXDomR GD &RPSDQKLD
MXQWR DRV QDWLYRV IRL D FKHJDGD D 6DOYDGRU D  GH MXOKR GH  GR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 125
Os jesuítas buscaram dominar a língua dos índios para facilitar a conversão.
O padre Anchieta, em 1595, redigiu A arte da gramática da língua mais usada
na costa do Brasil (Portugal, Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, A construção do Brasil, 1500-1825, p. 96).

126 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
padre José de Anchieta. Em agosto, juntamente com o padre Leonardo
1XQHV$QFKLHWDSDUWLXSDUD6mR9LFHQWHRQGHDWXDULDMXQWRDRVtQGLRV
QRV  DQRV VHJXLQWHV &KHJRX HP GH]HPEUR jV YpVSHUDV GR 1DWDO H
HQFRQWURX1yEUHJDQRDImGHUHXQLUDOJXPDVWULERVGRSODQDOWRHPXP
~QLFRSRQWRQDVSUR[LPLGDGHVGDYLODGH6DQWR$QGUpRQGHSUHWHQGLD
levantar uma casa.
(PDGHMDQHLURGDWDGDFRQYHUVmRGH6mR3DXORDRFDWR-
licismo, Nóbrega e Anchieta fundaram, entre os rios Anhangabaú e
7DPDQGXDWHt R &ROpJLR GH 6mR 3DXOR TXH PDLV WDUGH GHX RULJHP j
YLOD GH PHVPR QRPH 1mR GHL[D GH VHU LQWHUHVVDQWH GHVWDFDU R SRGHU
VLPEyOLFRGHVVHDWRYLVWRTXH´DGDWDGDIXQGDomRGH6mR3DXOR>p@QD
KLVWRULRJUDÀDEUDVLOHLUDHQmRFRPRHPWRGDVDVYLODVGDFRO{QLD
DGDWDIRUPDOGDLQVWDODomRGRSHORXULQKRHGRLQtFLRGDVDWLYLGDGHVGD
&kPDUDRTXHVyRFRUUHXHPµ A despeito dessa discrepância, é
IDWRTXHHVWDYDODQoDGDDSHGUDDQJXODUGRSRYRDPHQWRHGDFRQYHUVmR
GRVLQGtJHQDVGRLQWHULRU$IXQGDomRGH6mR3DXORVLPEROL]RX mais
GRTXHTXDOTXHURXWUDORFDOLGDGHDFRQVXEVWDQFLDomRLQGLVVRFLiYHOTXH
VHHVWDEHOHFHXHQWUHDFUX]HDHVSDGDSDUDHIHWLYDUDH[SDQVmRGDFROR-
QL]DomRSRUWXJXHVDQR%UDVLOVREDpJLGHGH'RP-RmR,,,HTXHWHYH
HP6mR9LFHQWHGH0DUWLP$IRQVRH$QD3LPHQWHOXPGRVVHXVPDLV
importantes epicentros.

“La villa de San Pablo”, de Luís Céspedes Xeria, 1628 (Toledo, A capital da solidão, p. 124).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 127
O morto

$PDUoRGH0DUWLP$IRQVRGH6RXVDH'RQD$QD3LPHQWHO
redigiram, na casa em que viviam, em Lisboa, um testamento conjunto.
1mR VH WUDWDYD GH XPD HGLÀFDomR TXDOTXHU 4XDQGR DLQGD HVWDYD VHU-
vindo na Índia, Martim Afonso havia dado ordens para que sua esposa
GHVVHLQtFLRjFRQVWUXomRGH´XPDVFDVDVPXLWRJUDQGHVµ­PHGLGDTXH
HVWDVÀFDYDPSURQWDVHUDWDOVXDLPSRQrQFLDTXHDUDLQKDDRVHHQFRQ-
WUDUFRP'RQD$QD3LPHQWHO´QR3DoRHLPSUHVVLRQDGDFRPDGLPHQVmR
TXHDREUDWRPDYDLQTXLULXDVREUHDPHVPDDRTXHHODUHVSRQGHXOKH
‘Senhora, se Martim Afonso vier pobre, aquelas casas bastam; e se vier
ULFR Dt HVWi R >VHX@ FDVWHOR·µ De fato, ele havia determinado ao seu
primo, o conde de Castanheira, que supervisionava os trabalhos de cons-
WUXomRTXHRPHVPRQmRSRXSDVVHQRVJDVWRVSRLVTXHULDQHODRVWHQ-
WDU´JUDQGHVHVFXGRVGHDUPDVGHSHGUDULDµHTXHULD´FRPSHWLUFRPR
infante D. FernandoVH>HVWH@IRUDRPHXYL]LQKRQDVVXDVFDVDVµ Ao
querer rivalizar até mesmo com o palácio do príncipe, seu palácio pro-
jetaria, junto à corte, a importância que adquirira como um dos homens
GHFRQÀDQoDHSUR[LPLGDGHGRUHL3RUHVVDUD]mRDFDVDIRLHGLÀFDGDHP
IUHQWH´DXPGRVSULQFLSDLVFRPSOH[RVUHOLJLRVRVGDFDSLWDORFRQYHQWRH
a igreja de S. Francisco, na prestigiante vizinhança da Ribeira das Naus e
de uma série de outros palácios, entre os quais se salientavam a morada
OLVERHWD GRV GXTXHV GH %UDJDQoD H R 3DoR 5HDOµ ,QIHOL]PHQWH QmR
sobreviveu até os dias de hoje.
Os testamentos, como este de Martim Afonso e de Ana Pimen-
tel, eram declarações de últimas vontades e disposições sobre os desti-
QRVGHVHXVEHQVDVHUHPH[HFXWDGRVGHSRLVGDPRUWHGRVLQVWLWXLQWHV
Pelas Ordenações ManuelinasHQWmRYLJHQWHVDQmRVHUTXHWHQKDVLGRSUH-
YLDPHQWHDFRUGDGRSRUPHLRGHXPSDFWRSUpQXSFLDORTXHQmRIRLR
FDVRGRVGRLVWRGRVRVFDVDPHQWRVFRQWUDtGRVQRUHLQRHSRUH[WHQVmR
nas conquistas ultramarinas, eram feitos por carta de ametade. Isso sig-
QLÀFDYD TXH RV F{QMXJHV HUDP meeiros dos bens do casal e titulares da
metade do espólio quando da morte de um deles. Como eram meeiros
dos seus bens, Martim Afonso e Dona Ana resolveram redigir um único

128 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Martim Afonso de Sousa. Fonte: Acervo de Júnia Ferreira Furtado.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 129
WHVWDPHQWRPDVHPDOJXQVSRQWRVÀ]HUDPUHVVDOYDVGRGHVWLQRGRVVHXV
EHQVVHXPYLHVVHDVREUHYLYHUDRRXWUR OHPEUDQGRTXHQHVVDVLWXDomR
PHWDGHGRDUUHFDGDGRMiVHULDGRVREUHYLYHQWH 
&DELD DR WHVWDPHQWHLUR LQGLFDGR D REULJDomR GH FXPSULU DV GHWHU-
minações estipuladas pelos dois. Para tanto, escolheram, em primeiro
OXJDU ´DR SURYHGRU H >DRV@ LUPmRV GD 6DQWD 0LVHULFyUGLD GHVWD FLGDGH
TXHIRUHPDRWHPSRGHQRVVRVIDOHFLPHQWRVµ3HGLUDPDHVVHVTXH´TXHL-
UDPDFHLWDURTXHOKHDTXLSHGLPRV « FRPRFRVWXPDPID]HUDWRGDV
DVREUDVVDQWDVHYLUWXRVDVTXHH[HUFLWDPµ$LQGDTXHHVSHUDVVHPTXH
QmR IDOWDVVHP HVSRQWDQHDPHQWH D HVVD REUD GH FDULGDGH FRP RV GRLV
garantiram-lhes uma recompensa determinando que, “pelo trabalho que
QLVVRKmRGHOHYDU « OKHGHL[DPRVFHPFUX]DGRVRVTXDLVSRGHUmRJDV-
tar, no que mais serviço a Deus Nosso Senhor lhes parecer, que cremos
LQWHLUDPHQWHTXHFXPSULUmRFRPRHVSHUDPRVµ&DVRXPGHOHVPRUUHVVH
primeiro, aos membros da Santa Casa da Misericórdia deveria se juntar,
FRPRWHVWDPHQWHLUR´RTXHGHQyVÀFDUYLYRµÀFDQGRHVWHHQWmRFRPR
principal testamenteiro. Para tanto, juraram, um ao outro, que “promete-
mos nós ditos, Martin Afonso de Sousa e Dona Ana Pimentel, testadores,
um ao outro, em memória de nosso bem tratado matrimônio de assim
FXPSULPRVHVWHWHVWDPHQWRHFOiXVXODVGHOHVHPIDOWDVQHPGLPLQXLomR
DOJXPDµ3RU~OWLPRDSRQWDUDPDLQGDXPGRVFULDGRVGDFDVDGHQRPH
´$QGUp /XLV «  SHOD FRQÀDQoD H H[SHULrQFLDµ TXH QHOH GHSRVLWDYDP
Infelizmente, nada se sabe sobre quem seria esse criado. Tudo indica que
WLQKDWUDWRFRPTXHVW}HVMXUtGLFDVUD]mRSHODTXDORFDVDOOKHFRQFHGHX
amplos poderes, para que, na qualidade de “testamenteiro, solicitador e
lembradorGDVFDXVDVGHOHµ´LQWHLUDPHQWHSRVVDUHTXHUHUHGHPDQGDU
WXGRRTXHSRUGHVFDUJRGHQRVVDVDOPDVFRQYLHUµ
0DUWLP$IRQVRH'RQD$QDWLYHUDPSHORPHQRVVHLVÀOKRVOHJtWLPRV
sendo quatro homens e duas mulheres. No momento em que redigiram
RWHVWDPHQWR´DSHQDVWUrVÀOKRVGRFDVDOHUDPFLWDGRVFRPRYLYRVµ
o primogênito Pero Lopes de Sousa, que se casou com Dona Ana da
*XHUUDÀOKDGRHVFULYmRGDSXULGDGHGRLQIDQWH'RP/XtV'RQD,QrV
de Sousa, “casada com Dom Antônio de Castro, senhor da casa de Mon-
VDQWRµ H 5RGULJR $IRQVR GH 6RXVD TXH VH WRUQRX FOpULJR WHQGR VLGR

130 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
DGPLWLGRQRFRQYHQWRGH6mR'RPLQJRVGH/LVERDHPTXDQGR
passou a se chamar frei Antônio de Sousa; além de um bastardo de
0DUWLP$IRQVRGHQRPH7ULVWmRGH6RXVD
$PDLRULDGDVYRQWDGHVTXHH[SUHVVDUDPQRVHXWHVWDPHQWRGL]LDUHV-
peito, primeiramente, aos ritos fúnebres e religiosos a serem realizados
SRULQWHQomRGHVXDVDOPDVHPVHJXQGROXJDUDRGHVWLQRGHVHXVSULQ-
cipais bens, inclusive dos escravos da casa; e, por último, aos direitos de
VXFHVVmRQDGLUHomRGDFDVDHQWHQGLGDDtFRPR´JHUDomRRXIDPtOLDµ
Vamos ao primeiro.

A alma

1RVHLRGDUHOLJLmRFDWyOLFDDSUHRFXSDomRFRPRGHVWLQRGDDOPDHUD
XPDGDVTXHVW}HVFHQWUDLV2FDWROLFLVPRDRSDVVDUDSURSDJDUDH[LVWrQ-
cia do purgatório, onde os pecadores podiam ter seus pecados redimidos,
indicou uma série de sufrágios, constituídos de atos piedosos ou miseri-
cordiosos e de ritos após a morte, que se tornavam fundamentais para
TXHDDOPDGRPRUWRVXELVVHDRSDUDtVR3RUHVVDUD]mRRVWHVWDPHQWRV
se tornaram o último local em que se podia determinar quais ritos e atos
FRPHVVDLQWHQomRHUDPGHVHMDGRVSHORPRUWRHFRPRRVPHVPRVGHYH-
riam ser realizados.1HVVDSHUVSHFWLYDVmRYDOLRVRVUHJLVWURVGHL[DGRV
para a posteridade, da religiosidade de seus autores, dos santos e anjos
GHVXDGHYRomRGDVLUPDQGDGHVDÀOLDGDVGRVULWRVHVFROKLGRVSDUDDHOH-
YDomRGDDOPDGDVFHULP{QLDVGHHQWHUUDPHQWRGDVHVPRODVSLDVHQWUH
RXWURV²WXGRFRPYLVWDVDJDUDQWLU´DERDPRUWHµLVWRpTXHDPHVPD
IRVVH FHUFDGD GRV ULWRV PLVVDV YHODV SURFLVV}HV HWF  H DWRV HVPRODV 
necessários para encaminhar a alma aos céus.
Como era costume, o testamento de Martim Afonso e Dona Ana se
inicia invocando o “nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito
6DQWRWUrVSHVVRDVXPVy'HXVWRGRSRGHURVRµTXHRVGRLVDÀUPDP
FUHU´FRPRYHUGDGHLURVFULVWmRVTXHVRPRVµ(PVHJXLGDHQFRPHQGDP
VXDVDOPDV´DQRVVR6HQKRU-HVXV&ULVWR'HXVYHUGDGHLURTXHDVFULRXµ
(VVH SHGLGR VH MXVWLÀFDYD SRLV -HVXV WHQGR GHUUDPDGR ´VHX SUHFLRVR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 131
VDQJXHµ QD FUX] WHULD UHPLGR RV SHFDGRV GRV TXH QHOH FUHVVHP (VVD
IyUPXODSDGUmRWUDGX]LDRGHVSUH]RTXHRVFDWyOLFRVGHYHULDPVHQWLUSHOD
YLGDWHUUHQDSHORTXHHOHVSUySULRVKDYLDPUHDOL]DGRMiTXHDVDOYDomR
GDDOPDVHULDDOFDQoDGDPDLVSHORVDFULItFLRTXH-HVXVÀ]HUDSDUDSHUGmR
dos pecados da humanidade do que pelas suas ações em vida, além dos
VXIUiJLRVHPLQWHQomRGHVXDVDOPDV
2V WHVWDGRUHV JHUDOPHQWH LQYRFDYDP D LQWHUFHVVmR GRV VHXV VDQWRV
GH GHYRomR H GRV GH VXD IDPtOLD SDUD TXH HVWHV DMXGDVVHP D HQFDPL-
nhar suas almas do purgatório, lugar de passagem, para o paraíso, con-
WULEXLQGRSDUDDUHPLVVmRGHVHXVSHFDGRV)RLRTXHÀ]HUDP0DUWLP
Afonso e Ana Pimentel, que pediram, como advogada do casal “diante
GRVHXEHQWR)LOKRµD´JORULRVD9LUJHP0DULDVXDEHQWDPDGUH1RVVD
6HQKRUDµH´DREHPDYHQWXUDGRÀDGRU6mR3HGURTXHSRUVHXVHQVLQD-
PHQWRVQRVDOFDQoDRSHUGmRGHQRVVRVSHFDGRVµ$OpPGH0DULDH6mR
Pedro, observa-se em vários trechos que os dois também eram devotos
GH6mR)UDQFLVFRSRLVIRL´QRPRVWHLURGH6mR)UDQFLVFRGHVWDFLGDGH
GH/LVERDµTXHÀFDYDQDVSUR[LPLGDGHVGHVXDFDVDTXHSHGLUDPTXH
VHXVFRUSRVIRVVHPVHSXOWDGRVHGHL[DUDPHVPRODVSDUDHVVD2UGHP3RU
essa época, esse convento, originalmente construído no século XII, pas-
VDYD SRU YiULDV WUDQVIRUPDo}HV TXH R À]HUDP DWLQJLU VHX HVSOHQGRU
Entre as obras que eram levadas a cabo, no interior da sua igreja, os
GRLV PDQGDUDP HGLÀFDU jV VXDV FXVWDV XPD FDSHOD VLWXDGD ´MXQWR GD
FDSHODPRUµ ² D SDUWH PDLV LPSRUWDQWH GD LJUHMD ² H QHOD FRQVWUXLU H
DVVHQWDUXPUHWiEXORTXHDLQGDQmRHVWDYDÀQDOL]DGRTXDQGRUHGLJLUDP
RWHVWDPHQWRHP)RLQHVVDFDSHODTXHSHGLUDPTXHVHXVFRUSRV
fossem enterrados, um ao lado do outro, provavelmente, em cova rasa.
$LQVWLWXLomRGHXPDFDSHODFRQFRUULD´SDUDDVDOYDomRGDVDOPDVHSDUD
FXOWRGDPHPyULDGDHVWLUSHµ Por isso, esperavam que a mesma tam-
EpPVHUYLVVH´GHMD]LJRGHQRVVRVÀOKRVHGHVFHQGHQWHVµPDVSURLELUDP
TXHHVWHVÀ]HVVHP´VHSXOWXUDDOWDVHQmRUDVDFRPRFKmRFRPR>WRGR
ERP@FULVWmRFDWyOLFRµ'HVVDIRUPDSUHWHQGLDPLPRUWDOL]DUDVLHjVXD
OLQKDJHPDRDEULJDUVHXVFRUSRVQDVSUR[LPLGDGHVGRDOWDUSULQFLSDOGH
um dos mais importantes templos da cidade, evidência pública de seu
prestígio e poder.

132 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Não existem retratos de Dona Ana Pimentel, mas uma da imperatriz Dona Isabel, filha do
rei Dom Manuel, casada com o imperador Carlos V, fornece pista da indumentária dessas
mulheres. Pintura de Ticiano (Dias, Gameiro, Vasconcelos, História da colonização portu-
guesa do Brasil, v. 3, p. 13).

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 133
Como o local do enterramento, a pompa fúnebre era também signo
H[WHUQRGHGLVWLQomR,VWRpTXDQWRPDLRUROX[RGDFHULP{QLDPDQLIHV-
WDGRQRQ~PHURGHYHODVGHPLVVDVHPLQWHQomRGDDOPDGHVDFHUGRWHV
envolvidos nas celebrações e no tipo de hábito com que se era enterrado,
maior era a importância do morto junto ao grupo a que pertencera em
vida, e, por isso, muitas vezes, nos testamentos, esses ritos eram des-
FULWRV HP PLQ~FLDV 0DV HVVH QmR IRL R FDVR GH 0DUWLP $IRQVR H VXD
esposa. Ambos se limitaram a dizer que, “quanto ao que se há de fazer
>Q@RGLDGRHQWHUUDPHQWRGHFDGDXPGHQyVµRV´EHQLJQRVVLQDLVµQmR
fossem “mais que o que neste reino se costuma fazer às pessoas de nossa
TXDOLGDGHµ$SHVDUGDHFRQRPLDGHSDODYUDVSRPSDHUDRTXHVHSRGLD
HVSHUDUSRLVFRPRPHPEURVGDSULPHLUDQREUH]DÀGDOJDRVVLJQRVTXH
costumeiramente denotavam honra e o papel social que desempenha-
vam junto aos grandes do reino era o que estaria presente em seus ofí-
cios fúnebres. Temerosos que um dos dois estivesse ausente de Lisboa na
hora de seu próprio passamento, determinaram que seus corpos, ou seus
ossos, dependendo da distância, fossem levados, o quanto antes, para a
capela que haviam construído, pois queriam que, para a eternidade, seus
restos descansassem um ao lado do outro.
2Q~PHURGHPLVVDVHUDRXWURGHVVHVVLJQRVGHGLVWLQomRHWDPEpP
GRVPDLVLPSRUWDQWHVULWRVSDUDDDVFHQVmRGDVDOPDVFRQIRUPHDHVFDWR-
logia católica. Se os dois haviam sido vagos ao descreverem os ritos que
GHYLDPFHUFDUVHXVHQWHUURVQmRIRUDPSDUFRVHPGHWHUPLQDURQ~PHUR
de missas desejado. Pediram que, “ao dia logo seguinte do falecimento de
FDGDXPGHQyVVHGLUmRDOpPGRRItFLRRUGLQiULRµ²RRItFLRGHFRUSR
SUHVHQWH²´FLQTXHQWDPLVVDVGDVFKDJDVµ&XLGDGRVRVDGYHUWLUDPTXH
SRU VHUHP WDQWDV HP ´QmR VH SRGHQGR GL]HU WRGDV DTXHOH GLD DV TXH
ÀFDUHPVHGLUmRDRRXWURGLDµ$OpPGHVVDVGHWHUPLQDUDPTXHIRVVHP
UH]DGDV´RXWUDVFLQTXHQWDµHPLQWHQomRGH1RVVD6HQKRUDGD&RQFHLomR
VHQGRHVVDVRÀFLDGDV´QRPHVPR0RVWHLURGH6mR)UDQFLVFRVDLQGRFRP
responsoVREUHQRVVDVVHSXOWXUDVµRXWUDVFLQTXHQWDSHOD´HQFDUQDomR
QRPRVWHLURGH$OHQTXHUµH´PDLVRXWUDVFHPPLVVDVDRVIUHLVGDG>DV@
no mosteiro que mais necessidade tiver, contanto que seja da Ordem de
6mR )UDQFLVFRµ $VVLP FRPR FULVWmRV WHPHQWHV GR MXOJDPHQWR GLYLQR

134 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
GHWHUPLQDUDPXPWRWDOGHPLVVDVDOpPGDGHFRUSRSUHVHQWHHP
LQWHQomRGHVXDVDOPDV
$FDULGDGHHUDRXWUDPDQHLUDGHH[SUHVVDUSXEOLFDPHQWHDLPSRUWkQ-
FLDHJUDQGH]DGRRIHUWDQWHHH[SLDUDVFXOSDVWHUUHQDVFRQWULEXLQGRSDUD
redimir os pecados. O casal escolheu como obras pias “que nos tire de
FDWLYRGHSRGHUGHLQÀpLVFLQFRPRoDVSHTXHQDVDVPDLVGHVDPSDUDGDVH
TXHSDGHoDPPDLVQHFHVVLGDGHµH´TXHQRVFDVHPQRYHyUImVSRUQRVVDV
DOPDVµ2VLQÀpLVHUDPRVPXOoXPDQRVTXHDWDFDYDPQDYLRVRXIRUWD-
OH]DVSRUWXJXHVDVQRQRUWHGDÉIULFDID]HQGRGHHVFUDYRVRVFULVWmRVDOL
DSULVLRQDGRV3DUDDVPRoDVFDWLYDVHGHVDPSDUDGDVGHL[DUDPSDUDRVWHV-
WDPHQWHLURVGHWHUPLQDUHP´RTXHVHGDUiµDFDXWHODQGRRVTXHGHVVHP
R TXH OKHV ´ERDPHQWH SDUHFHUµ 3DUD R FDVDPHQWR GDV yUImV KRQHVWDV
determinaram “que se dê a cada uma trinta mil cruzados, o que se fará
SRU H[DPH H RUGHQDQoD GD 6DQWD 0LVHULFyUGLD GHVWD GLWD FLGDGH H VHXV
RÀFLDLVµ4XDQWRDHVVDV~OWLPDVGHL[DUDPDOJXPDVLQVWUXo}HVHSHGLUDP
´TXHKDYHQGRPRoDVyUImVKRQHVWDVHP$OFRHQWUHRXHPVHXWHUPRVH
FDVHPDtHQmRDVKDYHQGRVHEXVFDUmRQHVWDFLGDGHµ$YLODGH$OFRHQ-
WUHQmRIRLHVFROKLGDSRUDFDVR$OpPGDFDSLWDQLDGH6mR9LFHQWHQR%UD-
VLOHP'RP-RmR,,,IH]PHUFrD0DUWLP$IRQVRGH6RXVDGHVVD
vila, como recompensa pela perda do senhorio do Prado, cujas terras
haviam sido vendidas a ele. Assim, no testamento, os dois se referem à
´QRVVDYLODGH$OFRHQWUHµ(VWDÀFDYDQRGLVWULWRGH/LVERDLQWHJUDQGRR
conselho de Azambuja.
Advertiram que se, após a morte dos dois, aparecesse “dívida a alguma
pessoa, de que apareçam escrituras públicas ou escritos nossos rasos,
ou prova legítima e autêntica de testemunhas a que, por direito, se deva
GDUFUpGLWRTXHWXGRVHSDJXHORJRVHPGLODomRDOJXPDµ$SUHVWH]DQR
pagamento das dívidas contraídas em vida era outra forma de descarregar
DDOPDHH[HUFLWDUDFDULGDGHTXHWDPEpPSRGLDVHUGLUHFLRQDGDQmRDSH-
QDVDRVQHFHVVLWDGRVPDVDRVTXHOKHVIRUDPÀpLVFRPRVHXVFUHGRUHVRV
TXHRVKDYLDPDX[LOLDGRQDKRUDGRDSHUWRHTXHDJRUDHUDPIDYRUHFLGRV
com a presteza do seu pagamento. Dessa forma, demonstravam sua gra-
WLGmRDTXHPRVKRQUDUDHPYLGD
2XWUR DOYR GH FDULGDGH HUD GLULJLGR D TXHP OKHV VHUYLUD ÀHOPHQWH
FRPRRVFULDGRVHHVFUDYRV(PUHODomRDRVSULPHLURVGHÀQLUDPTXH

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 135
TXDQWR´DRVQRVVRVFULDGRVHFULDGDVVHUmRSDJRVFRQIRUPHRFRVWXPH
GRUHLQRµLVWRpDFDGDXPVHJXQGRVXDTXDOLGDGHHFRQGLomRVHPTXH
nenhum outro benefício fosse acrescentado. Era comum que parte das
mercês concedidas aos nobres pela Coroa, em pagamento pelos serviços
por eles prestados, fosse dada na forma de ofícios régios. Esses nobres
recebiam os rendimentos desses postos, mas transferiam o serviço deles
DRVFULDGRVGHVXDFDVD(VWHV~OWLPRVÀFDYDPFRPSDUWHGRSDJDPHQWR
FRQFHGLGRSHORUHLHHPWURFDSDVVDYDPDGHYHUÀGHOLGDGHDTXHPOKHV
trespassava o ofício, orbitando na esfera desse senhor, como era o caso
de Martim Afonso. Esse estratagema constituía uma forma de venda
GHVVHVFDUJRVRVTXDLVSDVVDYDPDÀFDUDPHLRFDPLQKRHQWUHDHVIHUD
pública e privada, pois se tornavam propriedade do nobre que o rece-
beu. Sobre quem servia nos ofícios que recebera do rei, Martim Afonso
GH6RXVDGHÀQLXTXH´WDPEpPVHKDYHUiUHVSHLWRQDSDJDGRVHUYLoRDRV
FULDGRVTXHWHQKRGDGRD(O5HLHDVVLPDRVTXHWHQKRKDYLGRRItFLRVµ
HTXHDHVVHVSRUVHUHPOHWUDGRVVHIDUiR´SDJDPHQWR « FRQIRUPH
RGLUHLWRµRXVHMDGHDFRUGRFRPRSRVWRTXHRFXSDYDP(PUHODomRD
HVVHVVHUYHQWXiULRVH[FHWXRXRV´TXHOHYHLGDTXLSDUDÌQGLDTXDQGROiIXL
por governador, e estiveram em minha casa até minha partida para este
UHLQRµ3DUHFHXOKHTXHDHVVHVQmRGHYLDREULJDomRDOJXPD´SRLVQmR
DFHLWDUDPYLYHQGDFRPLJRµH´SRUTXHQmRVHUmRPDLVPHXVTXHHQTXDQWR
>Q@RGLWRFDUJRGXUDUHPHSRLVOHYDUmRVROGRG·(O5HLHRVHUYLUmRµ
Também como forma de caridade, na hora de sua morte, era comum
as pessoas alforriarem pelo menos parte da escravatura, demonstrando
D JUDWLGmR SHORV WUDEDOKRV H SHOD ÀGHOLGDGH SUHVWDGRV DLQGD TXH SRU
vezes, prejudicassem o montante que os herdeiros iriam receber. Mar-
tim Afonso e Ana Pimentel apiedaram-se de alguns deles, “por favor da
OLEHUGDGHWmRGHYLGDDRVKXPDQRVµPHVPRTXHRVHVFUDYRVIRVVHPEHQV
como quaisquer outros, arrolados nos inventários entre os semoventes,
ou seja, as coisas que se movem, tais quais os animais. Por essa época,
KDYLDPXLWRVFDWLYRVHP3RUWXJDODLQGDTXHVHXQ~PHURQmRIRVVHPXLWR
VLJQLÀFDWLYR TXDQGR WRPDGR QR FRQMXQWR GD SRSXODomR PDV PXLWR
maior do que qualquer outro país europeu à mesma época. Esses, em
sua maioria, residiam nas cidades e eram empregados como domésticos,

136 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
DUWtÀFHVRXMRUQDOHLURVTXHHUDPRVTXHWUDEDOKDYDPQDUXDSRUGLDH
recebiam como pagamento por seus serviços os jornais, que, em seguida,
eram repassados a seus senhores. Escravizava-se gente oriunda de
quase todos os povos com que os portugueses vinham tomando contato
QRPXQGRH[WUDHXURSHXFRPRDUJXPHQWRGHTXHHUDPSULVLRQHLURVGH
JXHUUDMXVWDMiTXHHUDPLQÀpLVVREUHTXHPUHFDtDDPDOGLomRGH&DP
Havia escravos mulçumanos, apreendidos nas guerras religiosas no norte
da África; escravos negros, que começaram a ser aprisionados à medida
TXHDH[SDQVmRPDUtWLPDVHGHVORFDYDSDUDRVXOGHVVHFRQWLQHQWHHPDLV
recentemente, indianos, chineses e outros povos do oriente asiático; além
GHtQGLRVYLQGRVGR%UDVLODSHVDUGHTXHHVVHVQmRHUDPFRQVLGHUDGRV
LQÀpLV PDV SDJmRV LVWR p QmR WHULDP UHOLJLmR 1mR VH VDEH D RULJHP
dos escravos de Martim Afonso, provavelmente havia um pouco de cada
UHJLmR FRP SUHGRPLQkQFLD GRV RULXQGRV GD ÌQGLD RQGH VHUYLUD FRPR
YLFHUHLHGR%UDVLO´MiTXHDVFDUWDVGHGRDomRGDVFDSLWDQLDVHVWLSXOD-
vam uniformemente que os donatários poderiam mandar para o reino 24
HVFUDYRVtQGLRVFDGDDQRµHFRPRGRQDWiULRGH6mR9LFHQWHHOHWLQKD
esse direito.
2FDVDOGLVWLQJXLXRGHVWLQRGRVHVFUDYRVFULVWmRVGRVQmRFULVWmRV
RTXHVLJQLÀFDTXHQRFDWLYHLURDOJXQVKDYLDPVHFRQYHUWLGRDRFULV-
tianismo e outros permaneceram apegados à sua fé de origem. O casal
alforriou, após a sua morte, apenas os primeiros. Mandaram “que todos
QRVVRVHVFUDYRVTXHIRUHPFULVWmRVÀTXHPIRUURVSRUIDOHFLPHQWRGRGHU-
UDGHLURTXHGHQyVIDOHFHUµLVWRpHQTXDQWRXPGRVGRLVHVWLYHVVHYLYR
HOHVDLQGDRGHYHULDPVHUYLU´HPWRGRVRVGLDVGHQRVVDVYLGDVµ([FHomR
IRLIHLWDDRVPHQRUHVGHDQRVHDRV´SDUWRVG>HVVDV@HVFUDYDVIrPHDV
« TXHSDULU>HP@QRPHLRWHPSRGHVHXVHUYLoRRVTXDLVGHYHULDPVHU-
YLU´RUDDQyVRUDDQRVVRVÀOKRVµDWpFRPSOHWDUHPHVVDLGDGHHVyDSDU-
WLU´GDtSRUGLDQWHÀFDUmRIRUURVHOLYUHVFRPRRVRXWURVµ2XWUDH[FHomR
IRLHVWDEHOHFLGDSDUDRV´HVFUDYRVFKDUDPHODVHVDFDEX[DVµRXVHMDRV
que tocavam esses dois instrumentos musicais. A charamela era “de asso-
SURDPRGRGHWURPEHWDµHDVDFDEX[DXP´SQHXPiWLFRGHPHWDOGD
IHLomRGHXPDWURPEHWDH[FHWRTXHpPDLVFRPSULGRHVHHVWHQGHHVH
HQFROKHHPVLPHVPRGHFLPDSDUDEDL[Rµ sendo ambos usados para

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 137
anunciar a entrada de pessoas muito importantes, como eram os nobres
GRHQWRUQRGRUHL0DUWLP$IRQVRGHFLGLXTXH´HVWHVÀFDUmRORJRIRU-
URVµPDVVRPHQWHVHHOHPRUUHVVHSULPHLURSRUTXHDVHXVROKRVQmR
seria próprio à sua esposa ou a seus descendentes ter escravos desse tipo,
mas esses deviam servir a ele até o momento da sua morte, pois eram
VLJQRVS~EOLFRVGHVXDGLVWLQomR$HOHVDOpPGDOLEHUGDGHVH´GDUmRPDLV
VHXVLQVWUXPHQWRVFRPTXHJDQKDUGHFRPHUµ$WRGRVRVVHXVHVFUDYRV
HHVFUDYDV´GHYLQWHDQRVFRPSOHWDGRVµVHXVWHVWDPHQWHLURVDLQGDGHYH-
ULDPGDU´HPGLUHLWRGRLVPLOUpLVµHURXSDVVHQGR´DRVPDFKRVFDSDV
e saios [veste antiga masculina]; e às fêmeas das portas adentro, saias e
PDQWRVHjVGDVSRUWDVDIRUDVDLDVVRPHQWHµ6RPHQWHDGXDVHVFUDYDV
os dois se referiram pelo nome. Tratavam-se de Francisca e Lucrécia, cer-
WDPHQWHÀpLVVHUYLGRUDVGRPpVWLFDVRTXHJHUDOPHQWHDWUDtDPDLVDIHLomR
dos senhores do que os demais, principalmente as cozinheiras, ou as que
DOHLWDYDPHFULDYDPDVFULDQoDVGDFDVD$VGXDVGHYHULDPJDQKDU
UpLVHQmRFRPRRVGHPDLV2PHVPRVHREVHUYDWDPEpPQDGLV-
WLQomRGHURXSDVTXHIRUDPGDGDVjVHVFUDYDVGHGHQWURHGHIRUDVHQGR
as de dentro, as de maior convívio pessoal, mais aquinhoadas.
Para se conseguir efetivar todos os legados pios, era comum dispor
EHQV H[FOXVLYDPHQWH SDUD HVVH ÀP 'HVVH FRVWXPH VXUJLX D H[SUHVVmR
´GHL[DUVXDDOPDSRUKHUGHLUDµ(VVDHVWUDWpJLDHVWDYDSUHYLVWDQDOHJLVOD-
omRTXHSHUPLWLDTXHTXDQGRQmRKRXYHVVHKHUGHLURVRWHVWDGRUSRGLD
GHSRLVGHVHUHPSDJDVDVVXDVGtYLGDVGHL[DUWRGRVRVVHXVEHQVSDUDRV
VXIUiJLRV HP LQWHQomR GD VXD VDOYDomR 0DV QD SUHVHQoD GH KHUGHLURV
podia-se dispor livremente de até somente um terço de sua herança para
HVVHÀP)RLGHYLGRDHVVDOLPLWDomRTXHHVVHPRQWDQWHDFDERXVHQGR
denominado de terça. Para efetivá-la, avaliava-se o valor total dos bens, o
que passava a constituir o monte-mor, a partir do qual, depois de tirada
a metade do cônjuge quando o morto era casado, abatidas as dívidas, seu
valor era calculado, respeitando o limite de um terço, e o restante era
dividido entre os herdeiros (descendentes ou ascendentes na ausência dos
SULPHLURV 0DUWLP$IRQVRH$QD3LPHQWHOQmRDUURODUDPQRPLQDOPHQWH
seus bens, o que era comum nesse tipo de documento, os únicos a que
VHUHIHULUDPH[SOLFLWDPHQWHIRUDPDFDVDOLVERHWDDFDSHODQR0RVWHLUR

138 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
GH6mR)UDQFLVFRHDYLODGH$OFRHQWUHSRLVGLVSXVHUDPUHJUDVVREUHD
VXFHVVmRGHVVHVEHQV6REUHHOHV0DUWLP$IRQVRGH6RXVDDGYHUWLXTXH
´HVWHV EHQV GH TXH DTXL RUGHQDPRV D VXFHVVmR H SRU SHUSHWXDomR GH
QRVVRQRPHHFDVDHX « RVDGTXLULQDJXHUUDGRVLQÀpLVHPH[HUFtFLR
PLOLWDUFRPJUDQGHVULVFRVGHPLQKDSHVVRDµSDUHFHQGRVHUHIHULUSULR-
ULWDULDPHQWHDRVVHUYLoRVSUHVWDGRVQDÌQGLDRTXHQmRHUDLQWHLUDPHQWH
verdade, pois grande parte de sua fortuna era oriunda dos rendimentos
JHUDGRVSHODFDSLWDQLDGH6mR9LFHQWH
Em linhas gerais, quanto ao destino de seu patrimônio, segunda
PRWLYDomRGDIHLWXUDGHVHXWHVWDPHQWRGHFLGLUDPTXHSULPHLURFRPR
era o costume, deveriam ser pagas as dívidas e, depois, retirada a terça,
pois a mesma deveria garantir que seus legados pios fossem cumpridos.
O restante dos bens – a legítima –, após a morte dos dois, teoricamente,
VHULDGLYLGLGRLJXDOPHQWHHQWUHRVWUrVÀOKRV3HURGH6RXVD'RQD,QrV
H IUHL $QW{QLR 0DV YLVWR TXH R ÀOKR UHOLJLRVR SRU EHQHSOiFLWR UpJLR
“renunciara a qualquer legado paterno antes de entrar na vida religiosa,
FRPDFRQGLomR~QLFDGHTXHIRVVHPGRDGRVFUX]DGRVDR0RVWHLUR
GH6'RPLQJRVµHOHQmRWLQKDGLUHLWRjKHUDQoD&XLGDGRVRVGHWHU-
PLQDUDPTXHVHHVVDGtYLGDDLQGDQmRWLYHVVHVLGRTXLWDGDVHXVWHVWD-
PHQWHLURVRÀ]HVVHPLPHGLDWDPHQWH4XDQWRDRVGHPDLVEHQVTXHOKHV
SHUWHQFHULDPSRUGLUHLWRHVWHVVHULDPGHVWLQDGRVSDUDDFULDomRGHXP
morgado que os reuniria, bem como o montante destinado à terça. Como
MiGLWRQRTXHGL]LDUHVSHLWRDRVHVFUDYRVRVFULVWmRVVHULDPDOIRUULDGRV
VHP FRQWUDSDUWLGD GHSRLV GD PRUWH GRV GRLV H[FHomR DRV PHQRUHV GH
DQRVHVHXVGHVFHQGHQWHVTXHFRQWLQXDULDPVHUYLQGRVHXVÀOKRVDWp
alcançada essa idade.

O morgado

O morgadio consistia em um compromisso assumido entre os que


os instituíam, os grandes e os poderosos, e a Coroa, tratando-se de um
SDJDPHQWR´>D@RVERQVVHUYLoRVTXHRVSULPHLURVÀ]HUDPDRVUHLV « 
SHORV TXDLV PHUHFHUDP GHOHV VHUHP KRQUDGRV H DFUHVFHQWDGRVµ Era,

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 139
SRUWDQWRXPDFRQFHVVmRUHDOHGHVGHHVWDYDUHJLGRSRUOHLHVSH-
FtÀFDD/HL0HQWDOHGLWDGDQDTXHOHDQRTXHGHWHUPLQDYDTXHHUDSUHU-
rogativa dos nobres de alta estirpe, ou seja, da alta nobreza, constituída
SHORVÀGDOJRVFRPRUHWULEXLomRDRVVHUYLoRVGRVPDLVOHDLVHKRQUDGRV
Por um lado, um morgado visava tornar parte dos bens nobiliárquicos,
concedidos como mercê régia, vinculados e indivisíveis, fazendo valer
RV GLUHLWRV GH SURJHQLWXUD YLVWR TXH D OHJLVODomR SRUWXJXHVD GD pSRFD
GLWDYDTXHWRGRVRVÀOKRVSRVVXtDPGLUHLWRVLJXDLVVREUHDKHUDQoDGH
seus pais. Por outro, caracterizava-se pelo desejo do fundador de preser-
YDUVHXQRPHGHIDPtOLDH[SUHVVRQRVEUDV}HVLPRUWDOL]DQGRRVIHLWRV
dos antepassados. Dessa forma, o patrimônio e o título nobiliárquico,
KHUGDGRDSHQDVSHORVSULPRJrQLWRVYDU}HVQmRVHGLVSHUVDYDPDRORQJR
das gerações subsequentes. Foram esses claramente os desejos de Martim
$IRQVRHGH'RQD$QDDRGHFODUDUHP´TXHQRVVDLQWHQomRpTXHHVWH
QRVVRPRUJDGRÀTXHSDUDVHPSUHSRUQRVVDPHPyULDµHTXHEXVFDYDP
D ´FRQVHUYDomR H SHUSHWXDomR H DFUHVFHQWDPHQWR GHOH >PRUJDGR@ H GD
FRQVHUYDomRGHQRVVDFDVDHIDPtOLDTXHWDQWRQyVDTXLFRQVLGHUDPRVµ
O casal determinou que, após a morte dos dois, a sua terça deveria ser
DQH[DGD´HPPRUJDGRSDUDVHPSUH>GHVWLQDGR@D3HUR/RSHVGH6RXVD
QRVVRÀOKRPDLVYHOKRHDRVVHXVGHVFHQGHQWHVYDU}HVQDVFLGRVGHOHJt-
WLPRPDWULP{QLRµ$HVVHSDWULP{QLRVHULDPDJUHJDGDV´DVOHJtWLPDVTXH
RGLWRQRVVRÀOKR3HUR/RSHVGH6RXVDKiGHKHUGDUSRUQRVVDVPRUWHVµ
além dos bens que frei Antônio renunciara ao professar seus votos no
PRVWHLUR$GHFLVmRGHMXQWDUHPPRUJDGRDWHUoDHDKHUDQoDGRSULPR-
gênito e a de frei Antônio se devia ao fato de que, “andando sempre jun-
WRVHPXPFRUSRPRUJDGR « HHPXPDVySHVVRDHVWHVQRVVRVEHQV
SDWULPRQLDLVH>RV@GD&RURDÀFDUiQRVVDPHPyULDHGHQRVVRVÀOKRVH
GHVFHQGHQWHVPDLVYLYDµ
&RPRHUDVHXGHVHMR'RP-RmR,,,FRQFHGHXDHOHRPRUJDGLRSRLV
considerou ser “justa coisa que sempre haja memória e lembrança daque-
OHVTXHWmREHPHWmRKRQUDGDPHQWHVHUYLUDPFRPRIH]RGLWR0DUWLP
$IRQVRµ$VVLPVREREHQHSOiFLWRGD&RURDRV6RXVDVÀFDULDPLPRU-
talizados, já que o casal estipulou no testamento que os bens vinculados
seriam herdados somente por sucessor que “se chame de Sousa, e traga as

140 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
PLQKDVDUPDVµ-iDTXHOHVTXHDSHVDUGRGLUHLWRVHUHFXVDVVHDRVWHQWDU
o nome da família ou a trazer suas armas, eles o teriam “por indigno, da
GLWDVXFHVVmRHPRUJDGRHRKDYHPRVORJRSRUH[FOXVRHGHVHUGDGRGHOH
FRPRVHQXQFDDHOHSRUHVWHQRVVRWHVWDPHQWRIRUDFKDPDGRµ
Um morgado assentava-se no domínio de bens fundiários, que pas-
VDYDPHQWmRDVHUUHJXODPHQWDGRVHYLQFXODGRVHQWUHVLSRLV´DWHUUDHUD
IRQWHGHUHQGLPHQWRHGHSUHVWtJLRVRFLDOµ Esses bens se tornavam per-
PDQHQWHHLQGLVVROXYHOPHQWHOLJDGRVHSRUHVVDUD]mRQmRSRGLDPVHU
vendidos, alienados, nem diminuídos, sendo que, deles, seu administrador
teria apenas o usufruto de seus rendimentos. Como o casal vinculou os
bens da sua terça para constituir o seu morgado, esse mecanismo tornou-
VHHVWUDWpJLDSDUDDPSOLDUQmRVyDUHPHPRUDomRGHVXDSDVVDJHPSHOD
WHUUDHSHUSHWXDomRGDIDPtOLDPDVSDUDGDUPDLRUORQJHYLGDGHDRVDWRV
FDULGRVRVGHVWLQDGRVjHOHYDomRGHVXDVDOPDVHGHVVDIRUPDWDPEpPWHU
“mais força e poder para favorecer e ajudar, e socorrer aos parentes mais
SREUHVTXHGHQyVGHVFHQGHUµ1DRFDVLmRGDIHLWXUDGRWHVWDPHQWRXP
único bem de raiz foi diretamente vinculado, sendo ele “as nossas casas
TXHHVWmRMXQWRDR0RVWHLURGH6mR)UDQFLVFRGHVWDFLGDGHGH/LVERDµ
e os demais bens dependeriam do que fosse apurado no espólio. Essa
GHFLVmR UHYHOD R SDSHO VLPEyOLFR TXH HVVH HGLItFLR UHSUHVHQWDYD SDUD D
família, depois da perda do senhorio do Prado, pois, estando situado
HPOXJDUGHGHVWDTXHQDFLGDGHGDYDYLVLELOLGDGHSRUPHLRGREUDVmR
de pedra que ostentava na fachada, à importância dos Sousas no seio da
ÀGDOJXLDUHLQRO3RUHVVDpSRFDDOpPGDYLODGH$OFRHQWUHRUHLWDPEpP
MiOKHÀ]HUDPHUFrGRUHJXHQJRGR9HUGHOKRHGHRXWUDVWHUUDVQRFDPSR
de Santarém.
$SHVDUGHQmRWHUHPHOHQFDGRWRGRVRVEHQVTXHVHULDPYLQFXODGRV
FXLGDGRVRVPDQGDUDPHQWmR´TXHDRWHPSRGDVHSDUDomRHDSDUWDPHQWR
GHQRVVDVWHUoDVGDVXDOHJtWLPDVHDYDOL>DVVH@µRYDORUGHVHXPRQWDQWH
podendo ser temporariamente convertido em dinheiro ou em renda de
juros. Mas, o mais prontamente possível, deveriam ser transformados
HPEHQVGH´UDL]HQDGDHPPRQWHSRLVDVVLPKiGHÀFDUYLQFXODGDSDUD
VHPSUHVHPQXQFDVHSRGHUDOKHDURTXHQmRSRGHUiHIHWXDUVH>QHP@
QRPRQWHFRPRQDUDL]µ&DVRQmRKRXYHVVHEHQVGHUDL]VXÀFLHQWHVQR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 141
HVSyOLR SDUD HIHWXDU HVVD FRQYHUVmR ORJR TXH SRVVtYHO RV EHQV PyYHLV
correspondentes ao seu valor deveriam ser vendidos, e o produto dessa
YHQGD´GHSRVLWDGRHPPmRGHXPDSHVVRDEHPOHDOHVHJXUDµSDUDTXH
o mais rapidamente possível, fosse efetuada “a compra dos ditos bens de
UDL]µ)HOL]PHQWHDLQGDHPYLGDGH0DUWLP$IRQVRPDVDSyVDIHLWXUD
GRWHVWDPHQWRHPHOHFRQVHJXLXGHYROWDGRUHL´DGRDomRGDYLOD
HWHUUDGR3UDGRµFRP´DIDFXOGDGHGHWUDQVPLVVmRKHUHGLWiULDµHWDP-
EpP´SRUVHXVPXLWRVPHUHFLPHQWRVHVHUYLoRVµUHFRQTXLVWRX´DPHUFr
YLWDOtFLDGRWtWXORGHVHQKRUGDYLODGR3UDGRµ Agora, Martim Afonso
podia descansar, pois os bens de família que ele dissipara estavam reasse-
gurados, perpetuando o local de origem dos Sousas – as terras do Prado.
&RPRLQWXLWRGHJDUDQWLUDSHUSHWXDomRDQmRDOLHQDomRHDPHPyULD
do que constituía esse patrimônio vinculado ao morgado, pediram “que,
de todas as propriedades de nossa terça, se fará um tombo bem declarado
HPTXHVHQRPHLHFDGDSHoDGHSRUVLFRPRVQRPHVHFRQIURQWDo}HVµ
LVWR p TXDLV VHULDP DV WHUUDV YL]LQKDV jV VXDV TXH HUD FRPR HQWmR VH
GHPDUFDYDDH[WHQVmRGRVWHUUHQRV6HULDPIHLWDVWUrVFySLDVGHVVHGRFX-
mento, sendo uma depositada na câmara da vila de Alcoentre, outra no
WHVRXURGDFDSHODTXHKDYLDPHGLÀFDGRHRXWUDQDVPmRVGRDGPLQLV-
trador de seu morgado, para “que, pelos tempos, for [servir] para lume e
FHUWH]DGDVSHoDVGHOHµ'HL[DUDPFODURTXHRVEHQVFRQVWDQWHVGDWHUoD
“nunca em tempo algum, possa[m] ser vendid[os], nem alhead[os], e se
fosse necessário vender algum bem de raiz se obrigue e meta [o sucessor]
RXWUDPDLVSUHFLRVDTXHSDUHoD>GH@PDLVSURYHLWRµ)RLWDPEpPSURL-
bido aforar essas terras para além da vida do administrador, para “evitar
FRQOXLRVHDOKHDo}HVHQJDQRVDVGDVSHoDVGRGLWRPRUJDGRµ&DVRDR
WHPSRGDPRUWHGRVGRLVRUHWiEXORTXHDGRUQDYDDFDSHODPRUWXiULDQmR
estivesse ainda pronto, parte do monte-mor deveria custear seu término,
DOHUWDQGRTXHRPHVPR´VHDFDEHORJRGHQWURHPXPDQRµ'HL[DUDP
UHFDLU HVVD ´REULJDomR D QRVVR KHUGHLURµ H SHGLUDP DR WHVWDPHQWHLUR
“que o façam cumprir como legado, piedoso, que pomos sobre nossa
WHUoDµ

142 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
A linhagem

8PPRUJDGRWDPEpPVLJQLÀFDYDGLWDUHLPSRUVXDVYRQWDGHVVREUH
RVVXFHVVRUHVGDFDVDHQFHUUDQGRRVQXPDFDGHLDLQH[WLQJXtYHOGHGHYH-
UHV1mRVHWUDWDYDVRPHQWHGHUHJXODPHQWDURGHVWLQRHDDGPLQLVWUDomR
GRVEHQVWHUUHQRVDRSHUHQL]DURVIHLWRVGRVDQWHSDVVDGRVFULDYDVHXPD
teia de compromissos entre as gerações e impunha uma série de condutas
DRVVXFHVVRUHVFRPRLQWXLWRGHKRQUDUHJORULÀFDURQRPHGDIDPtOLD
TXHÀFDULDGHVVDIRUPDLPRUWDOL]DGR0DUWLP$IRQVRH$QD3LPHQWHO
GLWDUDP TXH ´VHJXQGR DV FOiXVXODV GHVWH QRVVR WHVWDPHQWR «  DVVLP
PDQGDPRVFXPSULUHPHIHLWRµFRPYLVWDVDTXH´HVWHQRVVRPRUJDGR
ÀTXHSDUDVHPSUHSRUQRVVDPHPyULDHTXHYiHPGLDQWHHPDXPHQWR
HQmRHPGLPLQXLomRµ3DUDWDQWRURJDUDPD1RVVR6HQKRUTXHVHXV
VXFHVVRUHVIRVVHPVHPSUHÀGDOJRVQREUHVGLJQLÀFDQGRFDGDYH]PDLVD
família e a casa.
Sobre o patrimônio que vincularam ao morgado, visando ao enri-
TXHFLPHQWRHjSHUHQL]DomRGDFDVDHPWRGDVDVJHUDo}HVVXEVHTXHQWHV
mandaram que “a pessoa que o herdar e suceder se[ria] obrigada [a] dei-
[DUDPHWDGHGHVXDWHUoDGHKHUDQoDYLQFXODGDHXQLGDDHVWHGLWRQRVVR
PRUJDGRµ,VVR´SRUTXHQDFRQVHUYDomRGHQRVVDPHPyULDHIDPtOLDHVWi
DVXDTXHVHPSUHDQGDUiPDLVYLYDHFRPPRUDXPHQWRSRUFRQMXQomR
H XQLmR H DFUHVFHQWDPHQWR GH VXDV OHJtWLPDV FRP QRVVDV WHUoDV R TXH
PXLWRDTXLFRQVLGHUDPRVHPXLWROKHHQFRPHQGDPRVµ
3DUDJDUDQWLUDKRQUDGH]HGLVWLQomRGHVXDOLQKDJHPJDUDQWLQGRVHX
posicionamento entre as grandes casas do reino, determinaram que seus
sucessores deveriam ser “sempre nascidos de legítimo matrimônio, e as
IrPHDVQmRVHMDPYLVRXQRWDGDVGDOJXPDWDOLQIkPLDµRX´GHWRUSH]Dµ
&DVRFRQWUiULRQmRSRGHULDPHQWUDU´QDVXFHVVmRGHQRVVDFDVDHSUR-
SDJDomR GH QRVVR QRPH H PHPyULD SRUTXH WDLV IrPHDV LQIDPDGDV H
QRWDGDV GH WRUSH]D KDYHPRV SRU LQGLJQDV H LQFDSD]HV GD VXFHVVmR GH
nosso morgado, e casa, o que havemos por repetido em todos os casos
H WHPSRVµ ([LJLUDP DLQGD TXH VHXV VXFHVVRUHV IRVVHP OHDLV j &RURD
HH[FOXtUDP´DSHVVRDTXHIRUWUHGRU>LVWRpWUDLGRU@jSHVVRDGRUHLRX
GRUHLQRµSRLV´QmRVHULDF{QJUXRDQWHVUHSXOVD>j@UD]mRQDWXUDOH

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 143
política do direito positivo, serem tais bens possuídos por tredor a seu
UHLHSiWULDSRUWDQWRG>HVGH@DJRUDSDUDHQWmR>R@KDYHPRVSRULQGLJQR
H LQFDSD]µ )LpLV DRV PRQDUFDV IRQWH GH DFUpVFLPR j FDVD UHSURYDUDP
´H[SUHVVDPHQWH TXH QRVVR PRUJDGR H VXFHVVmR GH QRVVD FDVD H SHUSH-
WXDomRGHQRVVRQRPHHSDUHQWHODDQGHHPSHVVRDVLQIDPDGDVGHWmR
QHIDQGRQRPHHFULPHµ´SRLVVXDIDPDHQRPH>VmR@GDQDGR>V@µ,QWH-
ressante aqui notar que a fama pública de homens e mulheres se dava
SRUGLIHUHQWHVUD]}HVHVHH[SUHVVDYDGHGLIHUHQWHVPDQHLUDV(QTXDQWRD
honra masculina e a perda dela se alcançavam de maneira ativa, pelos atos
por eles perpetrados, seja na guerra, no primeiro caso, e, no seu contrário,
QRVHJXQGRFDVRQDWUDLomRDRUHLHDRUHLQRDIHPLQLQDHUDDVVHJXUDGD
de forma passiva, pela imagem que a sociedade delas faziam. Por isso,
RVGRLVGHWHUPLQDUDPTXHVXDVVXFHVVRUDVQmRIRVVHP´QRWDGDVµLVWRp
percebidas, pelos outros como infames, impuras ou torpes.
Martim Afonso e Ana Pimentel declararam que instituíam seu mor-
JDGR´SRUFRQVHUYDomRHDXPHQWRSDUDVHPSUHGHVHXVGHVFHQGHQWHVH
GHQRVVDFDVDHOLQKDJHPµ&RPRDVVHJXUDUHVVD~OWLPDHUDDEDVHGDSHU-
SHWXDomRGHXPPRUJDGLRGHL[DUDPUHJUDVHVWULWDVVREUHFRPRVHIDULD
DVXFHVVmRQDVGLYHUVDVJHUDo}HVHSRUHVVDUD]mRJUDQGHSDUWHGRWHVWD-
mento foi dirigido a esse tema, determinando, minuciosamente, todas as
YLDVSUHIHUHQFLDLVGHVXFHVVmRQDVJHUDo}HVVXEVHTXHQWHV6XDVSULPHLUDV
GHWHUPLQDo}HVGL]LDPUHVSHLWRDVHXVWUrVÀOKRVOHJtWLPRVHDRLOHJtWLPR
GH0DUWLP$IRQVR7ULVWmRGD&XQKDRXVHMDRVTXHHVWDYDPYLYRVHP
$VGHPDLVHUDPUHJUDVGHWUDQVPLVVmRHSUHFHGrQFLDDVHUHPVHJXL-
GDVQDVJHUDo}HVVHJXLQWHVDLQGDQmRQDVFLGDVSRUHVVDpSRFD
$VXFHVVmRGRVPRUJDGRVHUDUHJXODGDGHIRUPDHVWULWDSHODOHJLVOD-
omRYLVWRTXHVHWUDWDYDGHXPSDWULP{QLRUpJLRFXMDSRVVHHUDRXWRUJDGD
ao titular, que o podia legar a seus descendentes, desde que respeitadas
as leis em vigor. Para tanto, desde o primeiro quartel do século XV, foi
LQVWLWXtGDD/HL0HQWDOTXHIRLFODUDHPGHWHUPLQDUTXHDVXFHVVmRQRV
morgados deveria ocorrer em linha direta, isto é, pelo primogênito mas-
culino, ou, na sua morte, segundo a ordem de nascimento dos demais
YDU}HVQDPHVPDJHUDomRH[FOXLQGRVHDVVLPDVPXOKHUHVRVLOHJtWLPRV
HDOLQKDJHPFRODWHUDO$SHQDVXPÀOKRKRPHPSUHHQFKLDHVVHUHTXLVLWR

144 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Pero Lopes de Sousa, já que religiosos, como era o caso de frei Antônio,
HLOHJLWLPLGDGHFDVRGH7ULVWmRHUDPLPSHGLPHQWRVOHJDLV
3RUGLUHLWRGHVXFHVVmRRGHWHQWRUGRPRUJDGRFDVRHVWLYHVVHYLYR
HUDHQWmRRÀOKRPDLVYHOKR3HUR/RSHVGH6RXVD3RUpPRFDVDOVH
PRVWURXWHPHURVRTXHHOHRXVHXVVXFHVVRUHVQmRFXPSULVVHPVXDVGHWHU-
PLQDo}HVWHVWDPHQWiULDVHGHL[RXFODURTXH´VRPRVFHUWRVTXHRVSRV-
VXLGRUHV GRV PRUJDGRV VmR XQV PXLWRV XVXIUXWXiULRV >GRV VHXV EHQV@
que os têm somente em suas vidas, e como grandes dissipadores, saem
a fazer conluios e alienações desnecessárias em grande dano dos futu-
URV VXFHVVRUHVµ 3DUWH GHVVH WHPRU SURYLQKD GD GHVFRQÀDQoD TXH VHQ-
WLDPHPUHODomRDRVHXSULPRJrQLWR3HURGH6RXVDTXHDLQGDGXUDQWHD
vida de Martim Afonso se casara com Ana da Guerra, desrespeitando as
estratégias familiares por ele traçadas. Parece que a moça foi desvirtuada
SHORUDSD]H0DUWLP$IRQVRUHVVHQWLGRVHTXHL[RXTXH´VHPHXÀOKRVH
FDVDUDSRUDPRUHVQmRPHDJDVWDUDSRUTXHpFRXVDGHKRPHQVPDVRTXH
VHID]HVWDUUDLYRVRGHOHpSRUTXHVHFDVRXSRUFRQFHUWRµ
7DOYH] R YDUmR WLYHVVH D VD~GH PXLWR IUiJLO R FHUWR p TXH 0DUWLP
$IRQVRWHPHXTXHVHXPRUJDGRQmRYLHVVHDVHUFRQVWLWXtGRSRUIDOWDGH
GHVFHQGHQWHVKRPHQVOHJtWLPRVSRUOLQKDGLUHWDMiQDSULPHLUDJHUDomR
2 TXH HUD SLRU D OHL GHWHUPLQDYD TXH XPD YH] FRQVWLWXtGR XP PRU-
JDGR VH QmR KRXYHVVH VXFHVVRUHV OHJDLV RV EHQV YLQFXODGRV YROWDULDP
imediatamente ao patrimônio da Coroa. Era preciso evitar esses riscos.
'LDQWHGHVVDLQFHUWH]DURJDUDP´TXH1RVVR6HQKRUQmRSHUPLWDTXHR
GLWRQRVVRÀOKR3HUR/RSHVIDOHoDGDYLGDGHVWHPXQGRVHPÀOKRYDUmR
QDVFLGRGHOHJtWLPRPDWULP{QLRµ
A importância de Martim Afonso, a qualidade de seus serviços e sua
SUR[LPLGDGHGRWURQRSRGHPVHUPHGLGDVSHORIDWRGHWHUFRQVHJXLGR
´$OYDUi GH (O5HL 'RP -RmR R WHUFHLURµ HP  SDUD TXH QD IDOWD
GRÀOKRYDUmRFRQWUDULDQGRD/HL0HQWDOVXDÀOKDHRVGHVFHQGHQWHV
dela pudessem herdar o morgado e, na falta de herdeiros legítimos nessas
GXDVJHUDo}HVVXEVHTXHQWHVTXH7ULVWmRGD&XQKDVHXÀOKRLOHJtWLPR
IRVVHRVXFHVVRUGRPRUJDGR0DVDVH[FHo}HVTXHOKHIRUDPJDUDQWLGDV
QHVVHDOYDUiQmRVHOLPLWDPjSULPHLUDJHUDomRWHQGRDOFDQoDGRRSULYL-
OpJLRGHTXHDVXFHVVmRSXGHVVHVHPSUHVHUIHLWDSHODOLQKDIHPLQLQDHRX

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 145
FRODWHUDORTXHHUDJDUDQWLDTXHGLÀFLOPHQWHRVEHQVYLQFXODGRVYROWDV-
sem ao patrimônio régio. Por ter alcançado o privilégio de estabelecer
YiULDVH[FHo}HVjOHLJUDQGHSDUWHGRWHVWDPHQWRGRFDVDOpGHGLFDGDD
OLVWDUPLQXFLRVDPHQWHWRGDVDVUHJUDVVXFHVVyULDVTXHLPSXVHUDPDRFOm
nas sucessões seguintes.
$HVWULWDREHGLrQFLDDHVVDVQRUPDVHUDRIDWRUTXHJDUDQWLULDQmRVy
DSRVVHGRVEHQVYLQFXODGRVSHORKHUGHLUR D GHGLUHLWRFRPRDFKHÀD
GRFOmFRQGLo}HVSDUDDLPRUWDOLGDGHGRQRPHGDIDPtOLD Para tanto,
URJDUDPHPDQGDUDPTXHVHXVXFHVVRUQDWXUDOHLPHGLDWRVHXÀOKRYDUmR
Pero Lopes de Sousa, lhes obedecesse em tudo que haviam determinado
e “que o haja assim por bem, e em nenhum tempo o contradiga, o que
dele esperamos sem dúvida, porque também fazemos isto, por seu pro-
YHLWRµ&DVRHOHGHVUHVSHLWDVVHDVUHJUDVLPSRVWDVRXQDVXDIDOWDGHFL-
GLULDPTXHDVXFHVVmRVHIDULDSRUVXDÀOKD'RQD,QrVVHHVWDDLQGDVH
encontrasse viva. Para o caso de Dona Inês, ou de qualquer mulher que
viesse a herdar, nas gerações subsequentes, já fosse casada no momento
GDVXFHVVmRHSRUHVVDUD]mR´QmRVHFKDPHGH6RXVDQHPWHQKDDSH-
OLGRQHPDUPDVGRV6RXVDµRUGHQDUDPTXHORJRRFDVDO´PXGHRDSHOLGR
HVHFKDPHGH6RXVDHWUDJDDVPLQKDVDUPDVµSRLVDSHUSHWXDomRGH
seu nome era imperativo para que a mesma herdasse o morgado. Porém,
se o marido fosse o herdeiro de outro morgado (foi o que aconteceu com
'RQD,QrV HSRUHVVDUD]mRQmRSXGHVVHDEULUPmRGRVREUHQRPHGH
VXDFDVDTXHWURX[HVVHDVDUPDVGHDPEDVODGRDODGRPDVFODUDPHQWH
distintas entre si.
Se Dona Inês viesse, de fato, a ser a herdeira do morgado, na gera-
omRVHJXLQWHSDUDTXHQmRFRQWLQXDVVHDVXSHUSRVLomRGRPRUJDGRGRV
Sousa, com o de Monsanto, que era por direito de seu marido e, por
FRQVHJXLQWHGRÀOKRPDLVYHOKRGRVGRLVDVXFHVVmRGHYHULDVHGDUSUH-
IHULYHOPHQWHSHORÀOKRVHJXQGRGRFDVDOHQmRSHORSULPHLUR2XWUDSRV-
sibilidade que consideraram foi de nem Pero de Sousa, nem Dona Inês
estivessem vivos à hora de sua morte, e que o primeiro tivesse apenas
ÀOKDVPXOKHUHV1HVVHFDVRDVXFHVVmRVHULDIHLWDGLUHWDPHQWHSRUVHXV
QHWRVKRPHQVVHQGRHVVHGLUHLWRFRQFHGLGRDHVVHVHJXQGRÀOKRKRPHP
GH'RQD,QrVVHYLYRIRVVH0DVVHHVVDWLYHVVHDSHQDVXPÀOKRYDUmR

146 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
seria ele o herdeiro, ainda que esse também herdasse o morgado da casa
de seu pai, o de Monsanto. Se isso viesse a ocorrer, esse rapaz teria que
FDUUHJDURVHVFXGRVGDVGXDVFDVDVPDVSDUDQmRTXHQmRKRXYHVVHPLV-
tura das armas, Martim Afonso advertiu que “as minhas traga da banda
GLUHLWDFRPWDOGLYLVDTXHVHPSUHVHFRQKHoDHVWDGLIHUHQoDHVLQDOµ0DV
VH'RQD,QrVQmRYLHVVHDGHL[DUGHVFHQGHQWHVYDU}HVVHULDDÀOKDPDLV
velha de Pero Lopes de Sousa, a herdeira, optando-se novamente pela
OLQKDJHPIHPLQLQD)HOL]PHQWHSDUDDLPRUWDOL]DomRGRQRPHGRV6RX-
VDVDVXFHVVmRDFDERXVHQGRIHLWDQDVGXDVSULPHLUDVJHUDo}HVSHORVSUL-
PRJrQLWRVPDVFXOLQRV3HUR/RSHVGH6RXVDVREUHYLYHXDRSDLKHUGDQGR
RPRUJDGRHGHL[RXXPÀOKRYDUmR0DUWLP$IRQVRGH6RXVDKRP{-
QLPRGRDY{TXHIRLVHXVXFHVVRU'HVVDIRUPDRÀOKRSULPRJrQLWRGH
Dona Inês herdou somente o morgado dos Monsanto. Chamava-se Luís
de Castro.
O casal estava consciente de que a ilegitimidade era fator que macu-
ODYDDKRQUDGRFOmIDPLOLDUHSRULVVRDGYHUWLXDRVVHXVVXFHVVRUHVTXH
deveriam sempre assegurar descendência legítima, tal qual prescrevia a
/HL0HQWDO'HVVDIRUPDREVHUYDVHTXHRXWUDFRQGLomRTXHLPSXVHUDP
aos seus sucessores foi o estabelecimento de laços matrimoniais legíti-
mos, o que, no caso do império português, implicava ser consagrado
pela Igreja Católica. Martim Afonso, ao se referir a um dos seus parentes
EDVWDUGRVDÀUPDUDDQWHULRUPHQWHTXHQmRVDELDVHWDOFRQGLomRQmRVHULD
SLRUGRTXHDGHVHUÀOKRGHXPDEDGHRTXHSHODOHJLVODomRYLJHQWH
QmR HUD QHFHVVDULDPHQWH YHUGDGH 2V ÀOKRV GH HFOHVLiVWLFRV HUDP FRQ-
siderados espúrios e proibidos de herdar; os ilegítimos de homens ou
PXOKHUHVFDVDGRVWDPEpPQmRPDVRVGRVVROWHLURVHUDPFRQVLGHUDGRV
QDWXUDLVHSRGLDPKHUGDU1mRVHVDEHHPTXDOPRPHQWR0DUWLP$IRQVR
FRQFHEHX7ULVWmRGD&XQKDVHXÀOKRLOHJtWLPRPDVPHVPRFRPHVVD
FRQGHQDomR PRUDO DSURYHLWDQGRVH GD SUHUURJDWLYD TXH OKH FRQFHGHUD
'RP-RmR,,,HPUHODomRj/HL0HQWDO²WHPHURVRTXH3HURGH6RXVD
H 'RQD ,QrV PRUUHVVHP VHP GHL[DU ÀOKRV H TXH QmR KRXYHVVH QHWRV
YLYRVGRVGRLV²UHVROYHXTXHQHVVHFDVR´DVXFHVVmRGHVWHQRVVRPRU-
JDGRGHYD>D@HOHSHUWHQFHUµHDVHJXLUDVHXVÀOKRVHÀOKDVPDVGHVVD
IHLWDVRPHQWHVH´QDVFLGRVGHOHJtWLPRPDWULP{QLRµ$LOHJLWLPLGDGHIRL

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 147
WROHUDGDSHORVGRLVDSHQDVQHVVDSULPHLUDVXFHVVmRHQXQFDPDLVQDVJHUD-
o}HVVHJXLQWHVHSDUDTXH7ULVWmRSXGHVVHKHUGDURPRUJDGRLPSXVHUDP
lhe que estabelecesse matrimônio legítimo, buscando limpar a família
GHVVDPDQFKDQDVJHUDo}HVVXEVHTXHQWHV&RPYLVWDVDTXHÀ]HVVHXP
FDVDPHQWR TXH QmR IRVVH DSHQDV OHJtWLPR PDV GLJQLÀFDVVH H KRQUDVVH
DFDVDDLQGDGHWHUPLQDUDP´TXHQmRFDVHQDÌQGLDDLQGDTXHVHMDFRP
mulher deste reino, porque em tal caso o havemos por incapaz e indigno
GD VXFHVVmR GH QRVVD FDVD H GHVWH QRVVR PRUJDGR H SRU HVVH PHVPR
HIHLWRRKDYHPRVSRUH[FOXVRHUHSHOLGRSRUGHVHUGDGRµ
0DUWLP $IRQVR IH] PDLV XPD GHWHUPLQDomR TXH FRQWUDULDYD D /HL
0HQWDOFDVR7ULVWmRGH6RXVDQmRHVWLYHVVHYLYRRXYLHVVHDQmRWHUKHU-
GHLURVOHJtWLPRVSDUDVXFHGrORVXDVXFHVVmRVHIDULDSRUOLQKDFRODWHUDO
VHQGRRHVFROKLGRVHXVREULQKR0DUWLP$IRQVRGH6RXVDÀOKRGHVHX
LUPmR 3HUR /RSHV GH 6RXVD Mi PRUWR SRU HVVD pSRFD  H GHSRLV GHOH
RVÀOKRVHÀOKDVGHOHPDVVHPSUHQDVFLGRVGHOHJtWLPRPDWULP{QLR2
PHVPR GHYHULD RFRUUHU HP RXWUDV JHUDo}HV TXDQGR QmR KRXYHVVH KHU-
GHLURSRUOLQKDGLUHWD1HVVHFDVR´KHUGDUiHKDYHUiRSDUHQWHYDUmRQDV-
cido de legítimo matrimônio, procedido do tronco dos Sousas, de minha
OLQKDJHPTXHIRUPDLVSUy[LPRHFKHJDGRSRUYLDPDVFXOLQDHVDQJXH
HPJUDXHSDUHQWHVFRDR~OWLPRSRVVXLGRUµ
Em linhas gerais, as regras que ditaram nas gerações subsequentes
VHJXHPXPDPHVPDOyJLFDDVXFHVVmRGHYHULDVHGDUSULRULWDULDPHQWH
PDV QmR H[FOXVLYDPHQWH SRU OLQKD GLUHWD ÀOKRV H QHWRV  HYLWDQGR RV
WUDQVYHUVDLV LUPmRVVREULQKRVHSULPRV VHPSUHSHORWURQFROHJtWLPR
pois o desejo dos dois era “propagar e conservar nosso nome e família,
SDUDVHPSUHSRUPDFKRVSURFHGLGRVGHOLQKDPDVFXOLQDµ2VLOHJtWLPRV
HVWDYDP H[FOXtGRV D QmR VHU TXH QD SULPHLUD JHUDomR LQH[LVWLVVH FDQ-
GLGDWR TXH FXPSULVVH HVVHV UHTXLVLWRV QHVVH FDVR R LOHJtWLPR 7ULVWmR
em primeiro lugar, ou a linha colateral, em segundo, seria acionada. Os
homens eram sempre preferíveis às mulheres, mas estas podiam herdar,
na ausência dos primeiros, o que deveria, no entanto, ser corrigido, sem-
SUHTXHSRVVtYHOQDJHUDomRVHJXLQWH$ÀUPDUDPTXH´QRVVDLQWHQomR
é propagar e conservar nosso nome e família, para sempre, por machos
SURFHGLGRVGHOLQKDPDVFXOLQDµRTXHQHPVHPSUHLQIHOL]PHQWHVHULD

148 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
possível, por isso todas as prerrogativas sucessórias que foram concedi-
GDVSRU'RP-RmR,,,,(VVDVWRUQDUDPSUDWLFDPHQWHLPSRVVtYHOTXHRV
bens que Martim Afonso de Sousa e Dona Ana Pimentel vincularam no
PRUJDGRYROWDVVHPjVPmRVGD&RURD
Na certeza de que tinha estabelecido as garantias para imortalizar,
para além do tempo, seu patrimônio e sua casa, Martim Afonso de Sousa,
FREHUWRGHJOyULDVPRUUHXHP/LVERDDGHMXOKRGHWHQGRVLGR
VHSXOWDGRQDFDSHODTXHRFDVDOHGLÀFDUDQRFRQYHQWRGH6mR)UDQFLVFR
Ali, ao lado de Dona Ana Pimentel, descansando o sono eterno, viu seu
nome ser cantado por Camões e, para sempre eternizado na memória
OXVREUDVLOHLUDPDVQmRSRUSHUWHQFHUDRVJUDQGHVGRUHLQR²´RV%DU}HV
DVVLQDODGRVµ²PDVVLPSRUÀJXUDUHQWUHDTXHOHVTXH´SRUPDUHVQXQFD
GHDQWHVQDYHJDGRVµFRPVHXVIHLWRVQR%UDVLOHQDÌQGLD´IRUDPGLOD-
WDQGR$)pR,PSpULRµ´(HQWUHJHQWHUHPRWDHGLÀFDUDP1RYRUHLQR
TXHWDQWRVXEOLPDUDPµ

Notas
1 “(…) cantando espalharei por toda parte, / Se em <http://www.arqnet.pt/portal/pessoais/
a tanto me ajudar engenho e arte” (Luís de sousa_autobio.html>, acesso em: set. 2014).
Camões, Os Lusíadas, Lisboa, Ulisseia, 1977, 7 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
canto I, est. 2. da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
2 Camões, Os Lusíadas, canto X, est. 63. Sousa…
3 Ibidem, canto X, est. 66, grifos meus. 8 José Hermano Saraiva (org.), Ditos portugue-
4 Ibidem, canto X, est. 64 e 65, grifos meus. ses dignos de memória, Portugal, Publicações
Europa-América, 1997, p. 303-305.
5 Ibidem, canto X, est. 67.
9 Francisco de Andrada, Crônica de Dom João III,
6 “(…) que por El Rei ter novas que no Brasil
Porto, Lello & Irmão, 1976.
havia muitos franceses, me mandou lá em
uma armada, onde lhes tomei quatro naus, 10 Ibidem, v. I, cap. XXXIX.
que todas se defenderam muito valentemente 11 Gaspar Correia, Lendas da Índia, Porto, Lello
e me feriram muita gente; e assim nisto como & Irmão, 1975, v. 1, p. 580, grifos meus. Ale-
no descobrimento de alguns rios, que me El xandra Maria Pinheiro Pelúcia, A linhagem dos
Rei mandava descobrir” (Martim Afonso de Sousas: construção de uma rede de influência
Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez ultramarina, em Seminário Internacional de
da sua vida e obra o grande Martim Afonso História Indo-portuguesa: a Bahia e a carreira
de Sousa…, em Luís de Albuquerque (dir.), das Índias, 10., Comunicação… Salvador, 5-9
Martim Afonso de Sousa, texto modernizado dez. 2000, mimeografado, p. 7.
por Luís de Albuquerque e comentário final de 12 Esse senhorio foi-lhe concedido por Dom
Maria do Anjo Ramos Lisboa, Alfa/Biblioteca Manuel I (Alexandra Pelúcia, Martim Afonso de
da Expansão Portuguesa, p. 69, disponível Sousa e a sua linhagem: trajectórias de uma

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 149
elite no império de D. João III e de D. Sebastião, tugueses dignos de memória, n. 823, p. 303.
Lisboa, CHAM, 2009, p. 53). Segundo essa tradição, teria dito: “Porque o
13 Alexandra Maria Pinheiro Pelúcia, Martim duque de Bragança não me podia fazer mais
Afonso de Sousa e a sua linhagem: a elite diri- que dar-me seiscentos reais de renda e el-rei
gente do império português nos reinados de pode-me fazer duque.”
D. João III e de D. Sebastião, tese (doutorado 26 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
em História), Faculdade de Ciências Sociais da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Sousa…
Lisboa, 2007, p. 80. 27 A primeira esposa de Dom Manuel foi Isabel
14 Seu ascendente, Mem Garcia de Sousa, casara de Aragão, a segunda, Maria de Aragão e a
duas filhas suas com bastardos de Afonso III terceira, Leonor da Áustria, irmã de Carlos V –
(Pelúcia, A linhagem dos Sousas, p. 2). todas três infantas de Espanha.
15 Pelúcia, A linhagem dos Sousas, p. 4. 28 Ver: Buescu, D. João III (1502-1557), p. 83-87;
16 Para compreender o que eram os atributos Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua linha-
de distinção da grande nobreza do reino, ver: gem, 2009, p. 93-94.
Mafalda Soares da Cunha Cunha, Governo e 29 Sobre esse incidente, ver: Sousa, Brevíssima
governantes do império português do Atlântico e sumária relação que fez da sua vida e obra o
(século XVII), em Maria Fernanda Bicalho e grande Martim Afonso de Sousa…
Vera Lúcia Amaral Ferlini (org.), Modos de 30 Sobre esse episódio e o estabelecimento da
governar: ideias e práticas políticas no império data de 1520 para o ocorrido, ver: Pelúcia,
português (séc. XVI a XIX), São Paulo, Alameda, Martim Afonso de Sousa e a sua linhagem,
2005, p. 76. 2009, p. 96-97. Diogo do Couto recua esse
17 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua linha- acontecimento para depois da morte de seu
gem, 2009, p. 80-81. pai, o que ocorreu somente em 1522 (Diogo do
18 Luis de Albuquerque chega a essas duas con- Couto, Decada Quinta da Asia. Dos feitos que
clusões baseando-se no texto da “Brevíssima os portugueses fizerão no descobrimento dos
e sumária relação que fez da sua vida e obra o mares, & conquista das terras do Oriente...,
grande Martim Afonso de Sousa…” e nos apon- Lisboa, Pedro Crasbeeck, 1612, capítulo XI, p.
tamentos de Barbosa Machado, em sua Biblio- 230).
teca lusitana (Luís de Albuquerque, Martim 31 “E porque eu levava muito gosto de servir o
Afonso de Sousa: o Brasil e a Índia, dois polos príncipe, e mo ele também mandar, me fui a
de uma expansão, em Navegantes, viajantes Vila Viçosa e disse ao duque que eu não havia
e aventureiros portugueses, Lisboa, Caminho, de viver com ele, que se o havia pelo que dele
1987, p. 270. tinha, que eu lho renunciava, e renunciei logo;
19 Ana Isabel Buescu, D. João III (1502-1557), e como eu era moço, el-rei D. Manuel me fez
Lisboa, Círculo de Leitores/Temas e Debates, velho para ter vigor a dita renunciação; e daqui
p. 61-66, 2008; Pelúcia, Martim Afonso de fiquei sabendo que ninguém tinha poder para
Sousa e sua linhagem, 2009, p. 91-92. fazer homens velhos ante tempo, senão reis”
(Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
20 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e sua linha-
da sua vida e obra o grande Martim Afonso
gem, 2009, p. 91-92.
de Sousa…). A data de 1522 estabelecida por
21 Idem, A linhagem dos Sousas, p. 4. Diogo do Couto para esse episódio fica descar-
22 Frei Luís Sousa, Anais de D. João III, Lisboa, tada com a afirmação de Martim Afonso que
Sá da Costa, 1938, v. 1, p. 17 apud Pelúcia, A sua maioridade foi decretada por Dom Manuel,
linhagem dos Sousas, p. 4. visto que esse morreu em dezembro de 1521.
23 Ronald Raminelli, Nobrezas do Novo Mundo: 32 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
XVIII, Rio de Jnaeiro, FGV Editora/FAPERJ, Sousa…
2015, p. 33. 33 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua linha-
24 Ibidem, p. 33. gem, 2009, p. 53.
25 Lisboa, Arquivos Nacionais da Torre do Tombo 34 Albuquerque, Martim Afonso de Sousa: o Brasil
(ANTT), Manuscritos do Brasil (MB), códice 13, e a Índia, dois polos de uma expansão, p. 270.
f. 35. Ver, também: Saraiva (org.), Ditos por-

150 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
35 “E casado de um mês fez o imperador um exér- me escreveu vir com Vossa Alteza e trazer
cito para entrar por França ele em pessoa; não minha mulher em sua companhia, o que fiz
me pareceu bem que ficasse guardando as com muito gasto de minha fazenda e da alheia,
pousadas dos outros, e me fiz prestes e me fui que me emprestaram, porque eu então tinha
com ele” (Sousa, Brevíssima e sumária relação pouca; e chegámos a Évora na era de vinte e
que fez da sua vida e obra o grande Martim cinco” (Sousa, Brevíssima e sumária relação
Afonso de Sousa…). Como a coluna se pôs em que fez da sua vida e obra o grande Martim
movimento em agosto, deve ter se casado no Afonso de Sousa…).
mês de julho. 49 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
36 Essa é a posição de Pelúcia, Martim Afonso de da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
Sousa e a sua linhagem, 2009, p. 99-100. Sousa…
37 Ver: Schuma Schumaher e Érico V. Brazil, Ana 50 Luís de Albuquerque informa que a documen-
Pimentel (séc. XVI), em Dicionário Mulheres do tação relativa a esse empréstimo, que impor-
Brasil, Rio de Janeiro, Zahar, 2000, p. 63. tou 4.000 cruzados, foi encontrada por João
38 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua linha- de Freitas nos Arquivos da Torre do Tombo.
gem, 2009, p. 84-87. As terras do Prado foram vendidas por 5.400,
ficando Martim Afonso de posse do saldo no
39 Couto, Decada Quinta da Asia, capítulo XI,
valor de 1.400 cruzados (Albuquerque, Martim
p. 230.
Afonso de Sousa: o Brasil e a Índia, dois polos
40 É o que afirma com perspicácia Pelúcia, de uma expansão, p. 272).
Martim Afonso de Sousa e a sua linhagem,
51 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua linha-
2009, p. 110-113.
gem, 2009, p. 122.
41 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua linha-
52 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
gem, 2009, p. 81-82 e 114-116.
da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
42 Esse episódio foi primeiramente contado por Sousa…
Couto, Decada Quinta da Asia, capítulo XI,
53 A Ordem de Cristo foi criada a partir da nacio-
p. 230, e está descrito em Pelúcia, Martim
nalização dos bens dos templários existentes
Afonso de Sousa e a sua linhagem, 2009, p.
em Portugal, após sua extinção pelo papa,
81-83.
sendo que os reis de Portugal ocupavam o
43 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e sua linha- cargo de grão-mestre da Ordem de Cristo.
gem, 2009, p. 82. Tinha um caráter religioso militar e nos seus
44 Raminelli, Nobrezas do Novo Mundo, p.33. primeiros séculos apenas nobres podiam ser
armados cavaleiros.
45 “Num um codicilo ao seu testamento, lavrado
em Lisboa, a 14 de Agosto de 1570, Martim 54 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua linha-
Afonso cita uma única espada, feita de ouro, gem, 2009, p. 122-123.
que legou ao neto homónimo, filho do seu 55 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
primogénito, Pero Lopes de Sousa” (Pelúcia, da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
Martim Afonso de Sousa e a sua linhagem, Sousa…
2009, p. 82, nota 310). Ver: ANTT, Convento de
56 Albuquerque, Martim Afonso de Sousa: o Brasil
S. Francisco de Lisboa, Tombos de Instituição
e a Índia, dois polos de uma expansão, p. 272.
de Capelas, Livro 4, Cappella de Martim
Affonso de Souza e sua mulher Dona Anna 57 Buescu, D. João III (1502-1557), p. 9.
Pimentel, anno 1570, f. 1. 58 Ibidem, p. 227-239.
46 “(…) de que eu podia ter muita vaidade, e todo 59 Ângela Barreto Xavier, A invenção de Goa:
senhor levar gosto de se dizerem a um criado poder imperial e conversões culturais nos
que ele criara” (Sousa, Brevíssima e sumária séculos XVI e XVII, Lisboa, ICS, 2008, p. 31.
relação que fez da sua vida e obra o grande 60 Em abril de 1540, chega a Lisboa o jesuíta
Martim Afonso de Sousa…). Simão Rodrigues; em junho é a vez de Fran-
47 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez cisco Xavier, que parte para a Índia em 1541,
da sua vida e obra o grande Martim Afonso de ali chegando em 1542, mesmo ano da funda-
Sousa… ção do Colégio de Jesus, em Coimbra (Buescu,
48 “E neste tempo se concertou o casamento de D. João III (1502-1557), p. 375-376).
Vossa Alteza com El-Rei Nosso Senhor, e ele 61 Data da chegada de Francisco Xavier.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 151
62 “Essa homologia entre cristianização e conser- 72 Os navegadores portugueses, “após atraves-
vação do poder na ordem local parece cons- sarem o equador, iniciaram a prática carac-
tituir, assim, um dos traços das experiências terística de registrar o ponto sul de suas des-
portuguesas naqueles territórios” (Xavier, A cobertas náuticas, plantando altos pilares de
invenção de Goa, p. 444). pedra” (Patrícia Seed, Cerimônias de posse
63 Buescu, D. João III (1502-1557), p. 156-157. na conquista europeia do Novo Mundo (1492-
Francisco I deu início também à conquista de 1640), São Paulo, Unesp, 1999, p. 170-173).
terras no Novo Mundo, enviando as expedi- 73 Simão Vasconcelos [1663], Chronica da Com-
ções de Giovanni Verrazano e Jacques Cartier panhia de Jesus do Estado do Brasil, 2. ed.,
à América do Norte. Rio de Janeiro, Typographia de João Inácio da
64 Buescu, D. João III (1502-1557), p. 279. Silva, 1864, p. 15.
65 Ângela Barreto Xavier denomina esse pro- 74 Carta de grandes poderes ao capitão-mor,
cesso de “a ‘capitalização’ da cidade de Goa e a quem ficasse em seu lugar (20.XI.1530)
(…), tornando o Estado da Índia muito seme- apud Varnhagen (org.), Diário da navegação da
lhante ao reino de Portugal, com as mesmas armada…, p. 63.
instituições, e virtualmente com o mesmo tipo 75 Os fidalgos tinham o privilégio de foro espe-
de sociedade” (Xavier, A invenção de Goa, p. cial e de não serem julgados ou presos pela
71). justiça comum (Albuquerque, Martim Afonso
66 Carta de grandes poderes ao capitão-mor, e a de Sousa, p. 273).
quem ficasse em seu lugar (20.XI.1530) apud 76 Carta de poder para o capitão mor criar tabe-
Francisco Adolfo Varnhagen (org.), Diário da liões e mais oficiais de justiça apud Varnha-
navegação da armada que foi à terra do Brasil gen (org.), Diário da navegação armada…, p.
em 1530, sob a capitania-mor de Martim 64-65. Está depositada no ANTT, chancelaria
Afonso de Sousa, escripto por seu irmão Pero de Dom João III, Livro 41, f. 103.
Lopes de Sousa, Lisboa, Typographia da Socie- 77 Carta para o capitão-mor dar terras de sesma-
dade Propagadores dos Conhecimentos Uteis, ria apud Varnhagen (org.), Diário da navegação
1839, p. 62-64. Está depositada no ANTT, da armada…, p. 65-66.
Chancelaria de Dom João III, Livro 41, f. 105.
78 Anne-Marie Quint, Du Brésil a l’Inde: Martim
67 Francisco Carlos Cosentino, Governadores Afonso de Sousa, em Nicolas Balutet, Paloma
gerais do Estado do Brasil (séculos XVI-XVII): Otaola e Delphine Tempère (coord.), Contra-
ofício, regimentos, governação e trajetórias, bandista entre mundos fronterizos, Paris, EPU,
São Paulo, Annablume, 2009. 2010, p. 247-264.
68 Ver: Carta para o capitão-mor das terras de 79 Carta de grandes poderes ao capitão mor,
sesmaria apud Francisco Adolfo Varnhagen e a quem ficasse em seu lugar (20.XI.1530)
(org.), Diário da navegação da armada que foi apud Varnhagen (org.), Diário da navegação
à terra do Brasil em 1530, sob a capitania-mor armada…, p. 63.
de Martim Afonso de Sousa, escripto por seu
80 Carta de grandes poderes ao capitão-mor,
irmão Pero Lopes de Sousa, Lisboa, Typogra-
e a quem ficasse em seu lugar (20.XI.1530)
phia da Sociedade Propagadores dos Conhe-
apud Varnhagen (org.), Diário da navegação
cimentos Uteis, 1839, p. 65-66. Está depo-
armada…, p. 63, grifo meu.
sitada no ANTT, Chancelaria de Dom João III,
Livro 41, f. 103, grifo meu. 81 Sobre as suas principais ações no Brasil, de
acordo com a política de Dom João III, ver:
69 Ver, também, o atributo de governador que lhe
Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua linha-
é dado na carta de sesmaria concedia a Pedro
gem, 2009, p. 153-154.
de Góis, em São Vicente (Lisboa, ANTT, MB,
códice 13, f. 35). 82 Relação da navegação de Pero Lopes de
Sousa (1530-32), em Luís de Albuquerque
70 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
(dir.), Martim Afonso de Sousa, texto moder-
da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
nizado por Luís de Albuquerque e comentário
Sousa…
final de Maria do Anjo Ramos Lisboa, Alfa/
71 Carta de grandes poderes ao capitão-mor, Biblioteca da Expansão Portuguesa, 1989.
e a quem ficasse em seu lugar (20.XI.1530)
83 Francisco Adolfo Varnhagen, Advertência pre-
apud Varnhagen (org.), Diário da navegação da
liminar, em ___ (org.), Diário da navegação da
armada…, p. 63.

152 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
armada que foi à terra do Brasil em 1530, sob 97 Marinheiro responsável pela bombarda – peça
a capitania-mor de Martim Afonso de Sousa, de artilharia, de cano curto e grosso calibre –,
escripto por seu irmão Pero Lopes de Sousa, que atirava bolas de ferro ou de pedra.
Lisboa, Typographia da Sociedade Propagado- 98 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
res dos Conhecimentos Uteis, 1839, p. xix-xxiii. armada…, p. 29.
84 J. Capistrano de Abreu, Prefácio, em Coman- 99 Castro, Introdução, v. 1, p. 32.
dante Eugenio de Castro (org.), Diário de nave-
100 Paulo Miceli, O ponto onde estamos: viagens
gação de Pero Lopes de Sousa (1530-1532),
e viajantes na história da expansão e da con-
2. ed., Rio de Janeiro, Comissão Brasileira dos
quista, São Paulo, Scritta, 1994.
Centenários Portugueses, v. 1, 1940, [s.p.].
101 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
85 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada..., p. 1-10.
armada…, p. 1; Pelúcia, Martim Afonso de
Sousa e a sua linhagem, 2009, p. 127. 102 Albuquerque, Martim Afonso de Sousa: o
Brasil e a Índia, dois polos de uma expansão,
86 Albuquerque, Martim Afonso de Sousa: o Brasil
p. 272.
e a Índia, dois polos de uma expansão, p. 272.
103 Sobre a arte da cosmografia, ver: Júnia
87 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
Ferreira Furtado, Oráculos da geografia ilu-
armada…, p. 6.
minista: Dom Luís da Cunha e Jean Baptiste
88 Ibidem. Bourguignon D’Anville na construção da car-
89 Ibidem, p. 4-5. tografia do Brasil, Belo Horizonte, Ed.UFMG,
90 Francisco Adolfo Varnhagen, História geral do 2012, p. 147-150.
Brasil, 7. ed., São Paulo, Edições Melhoramen- 104 Pedro Nunes, Tratado que o doutor Pedro
tos, 1959, v. 1, p. 108. Nunes fez sobre certas dúvidas da navegação:
91 “Eles arriaram as monetas por terem atingido a dirigido a El-Rei Nosso Senhor, em Tratado da
ilha de Tenerife, na noite do dia 9 de dezembro, esfera, Lisboa, Oficina de Simão Galhardo,
e como pretendiam descer em terra teriam que dez. 1537, disponível em: <http://www.apm.
esperar o dia seguinte. Com esse expediente, pt/g t/g them/PedroNunes/duvidas.htm>,
diminuíram a velocidade da nau” (Varnhagen acesso em 5 ago. 2014.
(org.), Diário da navegação da armada…, p. 4). 105 Albuquerque, Martim Afonso de Sousa: o
92 Para mais informações, ver: Comandante Brasil e a Índia, dois polos de uma expansão,
Eugenio de Castro, A arte de navegar e os p. 272.
tipos dos navios na expedição de 1530, em 106 Apud Albuquerque, Martim Afonso de Sousa:
___ (org.), Diário de navegação de Pero Lopes o Brasil e a Índia, dois polos de uma expansão,
de Sousa (1530-1532), 2. ed., Rio de Janeiro, p. 272.
Comissão Brasileira dos Centenários Portu- 107 Seed, Cerimônias de posse na conquista
gueses, 1940, v. 1, p. 79-84. europeia do Novo Mundo (1492-1640), p. 143-
93 Varnhagen (org.), Diário da navegação da 167.
armada…, p. 4. Ver: Seed, Cerimônias de 108 Os 12 signos do zodíaco eram chamados de
posse na conquista europeia do Novo Mundo Casas do Sol (Castro, A arte de navegar e os
(1492-1640), p. 152-153. tipos dos navios na expedição de 1530, v. 1, p.
94 Varnhagen (org.), Diário da navegação da 39).
armada…, p. 26; Comandante Eugenio de 109 Nunes, Tratado que o doutor Pedro Nunes fez
Castro, Introdução, em ___ (org.), Diário de sobre certas dúvidas da navegação.
navegação de Pero Lopes de Sousa (1530-
110 Em miúdos, uma linha reta, quando colocada
1532), 2. ed., Rio de Janeiro, Comissão Brasi-
sobre uma superfície esférica, tende a se espi-
leira dos Centenários Portugueses, v. 1, 1940,
ralar em direção aos polos.
p. 32.
111 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua
95 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua linha-
linhagem, 2007, p. 155.
gem, 2009, p. 128.
112 Apud Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a
96 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
sua linhagem, 2007, p. 155, nota 83.
armada…, p. 33.
113 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada…

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 153
114 Francisco Adolfo Varnhagen, Notícia do autor, 130 Ibidem, p. 3-5.
em ___ (org.), Diário da navegação da armada 131 Ibidem, p. 6.
que foi à terra do Brasil em 1530, sob a capita-
132 Ibidem, p. 13.
nia-mor de Martim Afonso de Sousa, escripto
por seu irmão Pero Lopes de Sousa, Lisboa, 133 Levantaram-se as hipóteses de ter partici-
Typographia da Sociedade Propagadores dos pado previamente de atividades de caça ao
Conhecimentos Uteis, 1839, p. x. corso, de ter frequentado aulas régias de nave-
gação ou, ainda, de já ter ido ao Brasil. Ver:
115 Vasconcelos, Chronica da Companhia de
Albuquerque, Martim Afonso de Sousa: o Brasil
Jesus do Estado do Brasil, p. 15.
e a Índia, dois polos de uma expansão, p. 273;
116 Varnhagen (org.), Diário da navegação da Castro, A arte de navegar e os tipos dos navios
armada..., p. 1. na expedição de 1530, v. 1, p. 78.
117 No século XV, os portugueses haviam modi- 134 Albuquerque, Martim Afonso de Sousa: o
ficado o astrolábio, instrumento inventado Brasil e a Índia, dois polos de uma expansão,
provavelmente pelos gregos, originalmente uti- p. 272.
lizado para observar, à noite, as constelações
135 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
e determinar as horas. Depois de cruzarem o
armada..., p. 10-11.
equador, adaptaram-no e transformaram-no
num instrumento de observação diurno, uti- 136 A capitânia e a outra nau francesa ficaram
lizando o Sol para calcular a latitude onde se fundeadas no Cabo de Santo Agostinho.
encontravam, sempre tomada ao meio-dia. Ini- 137 Os franceses foram enviados prisioneiros
cialmente, era usado apenas em terra firme, ao reino. Ver: Comandante Eugenio de Castro,
mas, em 1502, conseguiram transforma-lo Cartas de D. João III a D. Antônio de Ataíde…,
para ser utilizado em alto-mar, como pode em ___ (org.), Diário de navegação de Pero
ser observado nas anotações de Pero Lopes, Lopes de Sousa (1530-1532), v. 2, p. 19-20.
dando maior segurança à navegação. Ver:
138 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
Seed, Cerimônias de posse na conquista euro-
armada…, p. 11-12.
peia do Novo Mundo, p. 161-167.
139 Ibidem, p. 12.
118 Arrátel era uma medida de peso equivalente
a cerca de 0,459 kg. 140 Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p.
108.
119 Rafael Bluteau, Vocabulario portuguez &
latino: aulico, anatomico, architectonico, 141 “(…) correndo a costa do Brasil, veio a ter a
Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Pernambuco, onde achou os franceses que
Jesus, 1712-1728, 8 v., v. 4, p. 720. tinham feito fortaleza e lha tomou e os tomou
a eles e ficou pacificamente em poder dos por-
120 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
tugueses” (Castro (org.), Cartas de D. João III a
armada..., p. 4-5.
D. Antônio de Ataíde…, v. 2, p. 20).
121 Ibidem, p. 11.
142 A descrição completa dessa nau e do que
122 Ibidem, p. 38, 109. continha pode ser vista em: Artur Teodoro
123 Outra forma de medir a longitude era a partir Matos, O livro da descarga da nau francesa
da observação dos satélites de Júpiter. apresada por Martim Afonso de Sousa na
costa do Brasil em 1531, Mare Liberum,
124 Barlavento: voltado para a direção de onde
Lisboa, v. 20, p. 133-156, 2000; Comandante
sopra o vento.
Eugenio de Castro (org.), Documento sobre a
125 Pássaro com rabo bifurcado, tratando-se nau tomada aos franceses…, em ___ (org.),
provavelmente de fragatas. Diário de navegação de Pero Lopes de Sousa
126 Julavento ou sotavento: voltado a favor do (1530-1532), v. 2, p. 18-19.
vento. 143 Albuquerque, Martim Afonso de Sousa: o
127 Varnhagen (org.), Diário da navegação da Brasil e a Índia, dois polos de uma expansão,
armada…, p. 10. p. 276.
128 Seed, Cerimônias de posse na conquista 144 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
europeia do Novo Mundo, p. 152-154. armada…, p. 12-15.
129 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada…, p. 3.

154 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
145 Seed, Cerimônias de posse na conquista por iniciativa do Barão de Capanema (Varnha-
europeia do Novo Mundo (1492-1640), p. 170- gen (org.), Diário da navegação da armada…, p.
171. 29).
146 Varnhagen (org.), Diário da navegação da 164 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada…, p. 17. armada…, p. 30-32.
147 Sobre as diferentes denominações que esse 165 Punta Rocha ou Cabo de Santa Maria, no
rio tomou, para espanhóis e portugueses, até a Uruguai.
fixação do topônimo Amazonas, ver: Júnia Fer- 166 Hoje Gorrit, em frente a Punta del Leste.
reira Furtado, O mapa que inventou o Brasil,
167 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
São Paulo, Odebrecht, Rio de Janeiro, Versal,
armada…, p. 36-37.
2013, p. 262-268.
168 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
148 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
armada…, p. 6.
Sousa…
149 “(...) descubrieron un rio muy grande, que
169 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
habia muchos llanos gran copia de maderas
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 333.
y mucha diferencia de aves y cujijos [sic], que
los de la tierra tenían contentamiento de ser 170 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
suyos (...) no traen cosa de sustancia de oro armada…, p. 38-57.
ni de plata” (Sevilha, Archivo de Indias, 143-3- 171 J. F. de Prado, Povoadores europeus pré-
11). coloniais, em Primeiros povoadores do Brasil
150 Varnhagen (org.), Diário da navegação da (1500-1530), São Paulo, Companhia Editora
armada…, p. 17. Nacional, 1940, p. 68-140.
151 Ibidem, p. 17-18. 172 Alida Metcalf, Go-betweens and the coloniza-
tion of Brazil (1500-1600), Austin, University of
152 Pero Lopes se refere ser a boca da Baía de
Texas Press, 2005.
Todos os Santos, mas, a essa altura, já se
encontravam nas cercanias do Morro de São 173 Ibidem, p. 33-34, 38.
Paulo, pouco mais ao sul. 174 Ibidem, p. 36-37.
153 Varnhagen (org.), Diário da navegação da 175 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada…, p. 20. armada…, p. 29; Jaime Cortesão, História
154 Castro (org.), Diário de navegação de Pero da expansão portuguesa, Lisboa, Imprensa
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 163. Nacional Casa da Moeda, 1993, p. 328-329.
155 Varnhagen (org.), Diário da navegação da 176 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada…, p. 22. armada…, p. 17.
156 Ficou conhecida como a casa de pedra de 177 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
Martim Afonso e estava situada junto ao rio da Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 153.
Carioca. 178 Apud Varnhagen (org.), Diário da navegação
157 Varnhagen (org.), Diário da navegação da da armada…, p. 84. Essas informações são de
armada…, p. 24-26. Antonio de Herrera, em sua Historia general
de los hechos de los castellanos en las Islas
158 Bluteau, Vocabulario portuguez & latino, v. 1,
y Tierra Firme del Mar Océano, Madrid, 1601-
p. 51.
1615, em 8 volumes.
159 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
179 Oviedo e Valdés, Historia general y natural
armada…, p. 26.
de las Indias, Madrid, Imprenta de la Real
160 Ibidem, p. 27-28. Academia de la Historia, 1852, t. 1, parte 2,
161 No original do Diário, cabres (Varnhagen p.165-166. Ver, também: Castro (org.), Diário
(org.), Diário da navegação da armada…, p. de navegação de Pero Lopes de Sousa (1530-
27). 1532), v. 1, p. 160.
162 Castro (org.), Diário de navegação de Pero 180 Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p.
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 415-416. 125.
163 Parece ser esse o que foi recolhido, em 1866,
pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 155
181 Frei Vicente do Salvador, História do Brasil 196 Frei Gaspar da Madre de Deus, Memórias
(1500-1627), 5. ed., São Paulo, Melhoramen- para a história da capitania de São Vicente,
tos, 1965, p. 160. Belo Horizonte, Itatiaia, 1995, p. 89.
182 Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p. 197 Prado, Povoadores europeus pré-coloniais,
125; Salvador, História do Brasil (1500-1627), p. 110.
p. 160-161. Segundo esse autor, ela teria sido 198 Ibidem, p. 113.
batizada na França, para onde depois fugiu
199 Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p.
com o Caramuru, tendo posteriormente ambos
99.
voltado à Bahia. E atesta dizendo: “(…) e a
ela alcancei eu, morto já o marido, viúva mui 200 Prado, Povoadores europeus pré-coloniais,
honrada, amiga de fazer esmolas aos pobres e p. 107-108.
outras obras de piedade.” 201 ANTT, MB, códice 13, f. 9.
183 Apud Varnhagen (org.), Diário da navegação 202 Cabral deixou dois degredados em Porto
da armada…, p. 85. Essas informações são de Seguro, mas esses foram resgatados por Fer-
Herrera, em sua Historia general de los hechos nando de Noronha 20 meses depois. Vespúcio
de los castellanos en las Islas y Tierra Firme deixou 24 homens em Cabo Frio, em 1502
del Mar Océano. (Prado, Povoadores europeus pré-coloniais, p.
184 Oviedo e Valdés, Historia general y natural de 69-71).
las Indias, t. 1, parte 2, p. 165-166. 203 Prado, Povoadores europeus pré-coloniais,
185 Marina Massimi et al., Encontros e desencon- p. 118.
tros na navegação de Pero Lopes, em Navega- 204 Apud Castro (org.), Diário de navegação de
dores, colonos, missionários na terra de Santa Pero Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p.
Cruz: um estudo psicológico da correspondên- 439; Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1,
cia epistolar, São Paulo, Edições Loyola, 1997, p. 100.
p. 44.
205 “Cãas. Cabelos brancos da cabeça. (…) Que
186 Varnhagen (org.), Diário da navegação da tem cãas na cabeça , & na barba” (Bluteau,
armada…, p. 17-18. Vocabulario portuguez & latino, v. 1, p. 3).
187 Ibidem, p. 29. 206 Prado, Povoadores europeus pré-coloniais,
188 Castro (org.), Diário de navegação de Pero p. 107.
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 208 e 207 Ulrico Schmidl, Ander theil dieses Weltbuchs
221-223. von Schiffahrten, Frankfurt, Meno, Teodoro de
189 Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Bry, 1567.
paraíso: os motivos edênicos no descobri- 208 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
mento e colonização do Brasil, São Paulo, Bra- Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 430.
siliense, 1994, p. 73.
209 Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p.
190 Varnhagen (org.), Diário da navegação da 99.
armada…, p. 92.
210 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
191 Apud Varnhagen (org.), Diário da navegação Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 351-352
da armada…, p. 92. e 407-408.
192 Castro (org.), Diário de navegação de Pero 211 Madre de Deus, Memórias para a história da
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 405. capitania de São Vicente, p. 120. Ver, também:
193 Varnhagen levanta as hipóteses “de ter sido ANTT, MB, códice13, f. 10.
ou João Ramalho, ou Antonio Rodrigues, o em 212 ANTT, MB, códice13, f. 12. O autor discorda
ultimo caso, o Duarte Peres, de Charlevoix” de ter ele se casado com uma filha de Tibiriçá.
(Varnhagen (org.), Diário da navegação da
213 Metcalf, Go-betweens and the colonization of
armada…, p. 92-93).
Brazil (1500-1600), p. 33-38.
194 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
214 No clássico Raízes do Brasil, Sérgio Buarque
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 208;
de Holanda distingue o modelo colonizador
Holanda, Visão do paraíso, p. 81.
dos portugueses do dos espanhóis. Chama
195 Holanda, Visão do paraíso, p. 82. os primeiros de semeador, pois adotaram um
modelo esparso de colonização, assentado em

156 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
feitorias, e os segundos de ladrilhadores, pois 235 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
ocupavam todo o território a partir da edifica- armada..., p. 17-18.
ção de cidades (Sérgio Buarque de Holanda, O 236 Ibidem, p. 18.
semeador e o ladrilhador, em Raízes do Brasil,
237 Júnia Ferreira Furtado, Le merveilleux, le
25. ed., São Paulo, José Olympio, 1993, p.
monstrueux et le singulier dans la cosmogra-
61-100).
phie de la terre d’Andre Thevet, em Johan Ver-
215 Holanda, Visão do paraíso, p. 72. berckmoes e Werner Thomas (org.), Naturalia,
216 Arnês: armadura. mirabilia & monstruosa en los imperios ibéri-
217 Holanda, Visão do paraíso, p. 72. cos (siglos XVI-XIX), Leuven, University Press,
2006, p. 193-212, (Avisos de Flandes, v. 12).
218 Ibidem, p. 73.
Thevet chama o fumo de petum. Ver: André
219 Castro (org.), Diário de navegação de Pero Thevet, A cosmografia universal, Recife, Fun-
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 218-219. dação Darcy Ribeiro, 2009, p. 95-97.
220 Também conhecido, mais tarde, como 238 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
caminho do Peabiru, ligaria a região do Prata armada…, p. 26.
aos Andes, e seria secularmente utilizado
239 Sobre a linguagem desses fumos, ver:
pelos indígenas locais.
Massimi et al., Encontros e desencontros na
221 Castro (org.), Diário de navegação de Pero navegação de Pero Lopes, p. 45-46.
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 219.
240 Metcalf, Go-betweens and the colonization of
222 Holanda, Visão do paraíso, p. 73. Brazil (1500-1600), p. 36.
223 Varnhagen (org.), Diário da navegação da 241 Tzvetan Todorov, A conquista da América: a
armada..., p. 25. questão do outro, São Paulo, Martins Fontes,
224 Ibidem, p. 25-26. 1983, p. 39.
225 Castro (org.), Diário de Navegação de Pero 242 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 209. armada…, p. 32.
226 Varnhagen (org.), Diário da navegação da 243 Ibidem, p. 36.
armada..., p. 29. 244 Thevet, A cosmografia universal, p. 103-104.
227 Madre de Deus, Memórias para a história da 245 Pedaço de carne (Bluteau, Vocabulario portu-
capitania de São Vicente, p. 100. Ver, também: guez & latino, v. 5, p. 14).
Holanda, Visão do paraíso, p. 83.
246 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
228 Parece ser um bergantim que foi encon- armada…, p. 37.
trado na mesma praia, “de cedro, muito bem
247 “Bolinha de metal, do tamanho de uma avelã,
feito”, onde os náufragos da capitânia foram
oca & furada com um bocadinho de ferro, ou
dar. Eugenio de Castro acredita ser o bergan-
de outra coisa dura por dentro, que causa um
tim de Montoyo, da expedição de Caboto, mas
tinido alegre” (Bluteau, Vocabulario portuguez
os expedicionários já levavam outro bergatim
& latino, v. 1, p. 179).
que foi dar à mesma praia “para entrar pelo
rio adentro” (Castro (org.), Diário de navegação 248 Contas de cristal, ou transparente como
de Pero Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. o cristal (Bluteau, Vocabulario portuguez &
268; Varnhagen (org.), Diário da navegação da latino, v. 1, p. 614).
armada..., p. 37). 249 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
229 Varnhagen (org.), Diário da navegação da armada…, p. 41.
armada..., p. 47. 250 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
230 Ibidem, p. 40. Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 316.
231 Ibidem, p. 39-54. 251 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada..., p. 54-55.
232 Vasconcelos, Chronica da Companhia de
Jesus do Estado do Brasil, p. 15. 252 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 328.
233 Massimi et al., Encontros e desencontros na
navegação de Pero Lopes, p. 41. 253 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada..., p. 42-43.
234 Ibidem, p. 44.
254 Ibidem, p. 49-50.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 157
255 Ibidem, p. 57-58. buco, 4 morreram de maus-tratos e somente
256 Ibidem, p. 57. alguns poucos libertados.
257 Ibidem, p. 58. 280 Carta para o capitão-mor dar terras de ses-
maria apud Varnhagen (org.), Diário da navega-
258 Bluteau, Vocabulario portuguez & latino, v. 2,
ção da armada…, p. 65-66.
p. 164.
281 Marina Massimi et al., Os engenhos de Pedro
259 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
de Góis, em Navegadores, colonos, missioná-
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 405-407.
rios na terra de Santa Cruz: um estudo psicoló-
260 Varnhagen (org.), Diário da navegação da gico da correspondência epistolar, São Paulo,
armada..., p. 58. Edições Loyola, 1997, p. 57.
261 Castro (org.), Diário de navegação de Pero 282 Madre de Deus, Memórias para a história da
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 351-352 capitania de São Vicente, p. 89-91.
e 407-408.
283 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
262 Madre de Deus, Memórias para a história da Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 431.
capitania de São Vicente, p. 61.
284 ANTT, MB, códice 13, f. 35; Madre de Deus,
263 Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p. Memórias para a história da capitania de São
167. Vicente, p. 65. Essas terras eram fronteiras às
264 Vasconcelos, Chronica da Companhia de que Antônio Oliveira em Enguaguaçu. Algum
Jesus do Estado do Brasil, p. 39; ANTT, MB, tempo depois, Pero Góis retornou ao reino,
códice 13, f. 11. onde recebeu a capitania de São Tomé, vol-
tando ao Brasil em 1553.
265 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada..., p. 58-59. 285 Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p.
132.
266 Prado, Povoadores europeus pré-coloniais,
p. 116. 286 Madre de Deus, Memórias para a história da
capitania de São Vicente, p. 144.
267 Madre de Deus, Memórias para a história da
capitania de São Vicente, p. 120. 287 Varnhagen (org.), Diário da navegação da
armada…, p. 66-67.
268 Ibidem, p. 91, grifo do autor.
288 Madre de Deus, Memórias para a história
269 Ibidem, p. 91.
da capitania de São Vicente, p. 85. O copista
270 Cylane Maria das Neves, A vila de São Paulo grafou erroneamente, ou aportuguesada-
de Piratininga: fundação e representação, São mente, o nome de Johan van Hielst, como João
Paulo, Annablume, 2007, p. 195-230. Veniste.
271 Varnhagen (org.), Diário da navegação da 289 Madre de Deus, Memórias para a história da
armada..., p. 58. capitania de São Vicente, p. 84.
272 Idem, História geral do Brasil, v. 1, p. 131. 290 Ibidem, p. 87.
273 Museu Paulista, Fundação de São Paulo, 291 Ibidem.
quadro a óleo, de Benedito Calixto.
292 Apud Varnhagen (org.), Diário da navegação
274 Roberto Pompeu de Toledo, A capital da da armada..., p. 81-83.
solidão, São Paulo, Objetiva, 2003, p. 64.
293 Cortesão, História da expansão portuguesa,
275 Varnhagen (org.), Diário da navegação da p. 344.
armada..., p. 58.
294 Apud Varnhagen (org.), Diário da navegação
276 Ibidem, p. 59. da armada..., p. 82.
277 Ibidem, p. 109-116. 295 Sousa, Brevíssima e sumária relação que fez
278 Ibidem, p. 82. da sua vida e obra o grande Martim Afonso de
279 Castro (org.), Diário de navegação de Pero Sousa…
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 377- 296 Castro (org.), Diário de navegação de Pero
388. Apesar de Pero Lopes ter prometido, nos Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 438; Var-
termos da rendição aceitada pelos franceses, nhagen, História geral do Brasil, v. 1, p. 165.
que todos seriam levados a local seguro e
libertados, 11 foram enforcados em Pernam-

158 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
297 Castro (org.), Diário de navegação de Pero 316 Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p.
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 438; 169.
ANTT, Papéis do Brasil, códice 4, f. 13-14. 317 Ibidem, v. 1, p. 168.
298 Castro (org.), Diário de navegação de Pero 318 Era filho bastardo do abade de Rates com
Lopes de Sousa (1530-1532), v. 1, p. 441. sua amante, Mércia Rodrigues, e, portanto,
299 Madre de Deus, Memórias para a história da irmão de João de Sousa Rates, que viera na
capitania de São Vicente, p. 112. expedição de Martim Afonso (Pelúcia, Martim
300 Salvador, História do Brasil (1500-1627), p. Afonso de Sousa e a sua linhagem, 2009, p.
106. 247).
301 Júnia Ferreira Furtado, Lives on the Seas: 319 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua
Women’s Trajectories in Port Cities of the Por- linhagem, 2009, p. 246.
tuguese Overseas Empire, em Douglas Catter- 320 Ibidem, p. 246, nota 614.
all e Jodi Campbell (eds.), Women in Port: Gen- 321 Vasconcelos, Chronica da Companhia de
dering Communities, Economies, and Social Jesus do Estado do Brasil, p. 37.
Networks in Atlantic Port Cities, 1500-1800,
322 Ibidem, p. 38.
Leiden, Boston, Brill, 2012, p. 251-286.
323 Ibidem, p. 40.
302 Salvador, História do Brasil (1500-1627), p.
115. 324 Marina Massimi et al., A “Companhia” como
sujeito de ação no contexto social da nova
303 Schumaher e Brazil, Ana Pimentel (séc. XVI),
terra na perspectiva de Manoel da Nóbrega,
p. 63-64. Equivoca-se, no entanto, quem
em Navegadores, colonos, missionários na
afirma que a introdução da laranja tinha o
terra de Santa Cruz: um estudo psicológico da
intuito de combater o escorbuto, visto que
correspondência epistolar, São Paulo, Edições
a relação entre frutas e verduras com a cura
Loyola, 1997, p. 91.
desse mal só ocorreu a partir do século XVIII.
325 Ibidem, p. 87.
304 ANTT, Papéis do Brasil, códice 4, f. 15.
326 Vasconcelos, Chronica da Companhia de
305 ANTT, Papéis do Brasil, códice 4, f. 15.
Jesus do Estado do Brasil, p. 40-42.
306 Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p.
327 Ibidem, p. 43-44.
167.
328 A escrita de cartas, as Cartas Ânuas, era
307 Schumaher e Brazil, Ana Pimentel (séc. XVI),
dever dos membros da Ordem, que não podia
p. 64.
ser descuidado, e se tratava de importante
308 Madre de Deus, Memórias para a história da e eficiente método de comunicação entre os
capitania de São Vicente, p. 113-114. jesuítas.
309 Prado, Povoadores europeus pré-coloniais, 329 Vasconcelos, Chronica da Companhia de
p. 99. Jesus do Estado do Brasil, p. 45-46.
310 Madre de Deus, Memórias para a história da 330 Ibidem, p. 69-70.
capitania de São Vicente, p. 112.
331 Ibidem, p. 70.
311 Ibidem, p. 87.
332 Carta de Nóbrega a Luís Gonçalves da
312 Fernando Martins Lichti, Histórias e lendas Câmara, de 31 de agosto de 1553 apud Prado,
de Santos – amargo açúcar. Um dos primei- Povoadores europeus pré-coloniais, p. 107.
ros engenhos, 1986, disponível em <http://
333 Ibidem, p. 108.
www.novomilenio.inf.br/santos/h0133g.htm>,
acesso em 14 dez. 2006. 334 O poder de Brás Cubas só iria crescer nos
anos seguintes, e Ramalho via seu poder, de
313 Vallandro Keating e Ricardo Maranhão,
certa forma, eclipsar-se (Maria Beatriz Nizza
Diário de navegação: Pero Lopes e a expedição
da Silva, História de São Paulo colonial, São
de Martim Afonso de Sousa (1530-1534), São
Paulo, Editora Unesp, 2009, p. 21).
Paulo, Editora Terceiro Nome, 2011, p. 203-
204. 335 John M. Monteiro, Dos campos de Piratininga
ao Morro das Saudades: a presença indígena
314 Madre de Deus, Memórias para a história da
na história de São Paulo, em Antonio Arnoni
capitania de São Vicente, p. 91-93.
Prado et al., História da cidade de São Paulo:
315 Ibidem, p. 117.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 159
a cidade colonial (1554-1822), Rio de Janeiro, 355 Bluteau, Vocabulario portuguez & latino, v. 1,
Paz e Terra, 2004, p. 30. p. 174.
336 Vasconcelos,. Chronica da Companhia de 356 Michel Vovelle, A história dos homens no
Jesus do Estado do Brasil, p. 71. espelho da morte, em Herman Braet e Werner
337 Carta de Manoel da Nóbrega a Simão Rodri- Verbeke. (org.), A morte na Idade Média, São
gues de 10 de julho de 1552 apud Massimi et Paulo, Edusp, 1996, p. 11-26. Para o Brasil
al., A “Companhia” como sujeito de ação no colonial, ver: Alexandre Pereira Daves, Vaida-
contexto social da nova terra na perspectiva des das vaidades: os homens, a morte e a reli-
de Manoel da Nóbrega, p. 84. gião nos testamentos da Comarca do Rio das
Velhas (1716-1755), dissertação (mestrado
338 Vasconcelos, Chronica da Companhia de
em História), Faculdade de Filosofia e Ciên-
Jesus do Estado do Brasil, p. 73.
cias Humanas, Universidade Federal de Minas
339 Ibidem, p. 73. Gerais, Belo Horizonte, 1998.
340 Toledo, A capital da solidão, p. 98. 357 O convento foi praticamente destruído pelo
341 Silva, História de São Paulo colonial, p. 35. terremoto de 1755, sofrendo na ocasião um
vasto incêndio. Suas colunas jônicas hoje
342 Luis Augusto Bicalho Kehl, Simbolismo e
enfeitam a fachada do Teatro Nacional Dona
profecia na fundação de São Paulo: a casa de
Maria I.
Piratininga, São Paulo, Editora Terceiro Nome,
2005. 358 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua
linhagem, 2009, p. 275.
343 Belo Horizonte, UFMG, Biblioteca Universi-
tária, Obras Raras. 94(81).017 S725t 1533- 359 Responso: “O que se diz aos defuntos, antes
1538 OR. que o sacerdote diga a oração”. Como uma
forma de canto (Bluteau, Vocabulario portu-
344 Saraiva (org.), Ditos portugueses dignos de
guez & latino, v. 3, p. 193).
memória, n. 830, p. 305.
360 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua
345 Filho do rei Dom Manuel I e da sua segunda
linhagem, 2007, p. 54. Cf. ANTT, Chancelaria
esposa, a rainha Dona Maria de Aragão e
de D. João III, Livro 38, f. 57-58v, Carta de
Castela, Dom Fernando era infante de Portu-
doação, Lisboa, 28/3/1542; ANTT, Chance-
gal, I Duque da Guarda e I Senhor de Trancoso.
laria de D. João III, Livro 10, f. 19v, Carta de
346 Cf. Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua doação, Évora, 6/10/1534.
linhagem, 2009, p. 267.
361 Raso: termo jurídico que significa sem forma-
347 Ibidem, p. 268. lidades, simples.
348 Sobre a feitura e função dos testamentos, 362 Júnia Ferreira Furtado, Homens de negócio:
bem como de seu uso como fonte histórica, a interiorização da metrópole e do comércio
ver: Júnia Ferreira Furtado, A morte como tes- nas Minas setecentistas, São Paulo, Hucitec,
temunho da vida, em Carla Bassanezi Pinsky 1999, p. 72-86.
e Tania R. de Luca (org.), O historiador e suas
363 Ibidem, p. 46-57.
fontes, São Paulo, Contexto, 2009, p. 93-118.
364 Roberta Giannubilo Stumpf, Os provimentos
349 Bluteau, Vocabulario portuguez & latino, v. 8,
de ofícios: a questão da propriedade no Antigo
p. 132.
Regime português, Topoi: Revista de História,
350 Ordenações Manuelinas, Livro IV, título VIII. v. 15, p. 612-634, 2014.
351 Alembrador ou lembrador: aquele que 365 A. C. de C. M Saundres, História social dos
lembra; derivado do verbo alembrar ou escravos e libertos negros em Portugal (1441-
lembrar. 1555), Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da
352 À época do testamento estavam mortos Moeda, 1982, p. 22.
Lopo Rodrigues de Sousa, Gonçalo Rodrigues 366 Saundres, História social dos escravos e
de Sousa e D. Brites Pimentel (Pelúcia, Martim libertos negros em Portugal, p. 64.
Afonso de Sousa e a sua linhagem, 2009,
367 Apud Renato Pinto Venâncio, Cativos do
p.279).
reino: a circulação de escravos entre Portugal
353 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua e Brasil, séculos 18 e 19, São Paulo, Alameda,
linhagem, 2009, p. 278-279. 2012, p. 27.
354 Ibidem, p. 279-280.

160 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
368 Bluteau, Vocabulario portuguez & latino, v. 4,
p. 417.
369 Os inventários são mais próprios para esse
fim. Ver: Furtado, A morte como testemunho
da vida.
370 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua
linhagem, 2009, p. 286.
371 Ordenações Filipinas, Livro iv, título 100, § 5.
372 Apud Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a
sua linhagem, 2009, p. 284.
373 Margarida Sobral Neto, A persistência do
poder senhorial, em José Mattoso (coord.), His-
tória de Portugal, Lisboa, Editorial Estampa,
1993, v. 3, p. 174.
374 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua
linhagem, 2009, p. 284.
375 Ibidem, p. 273-274.
376 Boa obra, digna de prêmio.
377 Sobre os conceitos de honra e pureza na
época, ver: Júnia Ferreira Furtado, O cristão
e o converso ou uma parábola genealógica
no sertão de Pernambuco, em Lilia Moritz
Schwartz (org.), Leituras críticas sobre Evaldo
Cabral de Mello, São Paulo, Ed. Fundação
Perseu Abramo, Belo Horizonte, Editora UFMG,
2008, p. 57-85.
378 Apud Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a
sua linhagem, 2009, p. 282.
379 Maria de Lurdes Rosa, O morgadio em Portu-
gal – sécs. XIV-XV, 1995, p. 19-20.
380 Pero Lopes de Sousa, que se casou com
Ana da Guerra, teve quatro filhos e uma filha:
Martim Afonso de Sousa, Lopo de Sousa, frei
Antônio de Sousa, Miguel de Sousa e Dona
Mariana de Sousa da Guerra. Dona Inês
deixou três filhos homens: Dom Luís de Castro,
Martim Afonso de Castro e Dom Álvaro de
Castro. Tristão de Sousa deixou um filho, frei
Luís de Sousa.
381 Pelúcia, Martim Afonso de Sousa e a sua
linhagem, 2009, p. 247.
382 Camões, Os Lusíadas, canto I, ests. 1 e 2.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 161
162 O Testamento de Martim Afonso
de Sousa e de Dona Ana Pimentel
PEDRA FUNDAMENTAL
O Testamento de Martim Afonso de Sousa e
de Dona Ana Pimentel na Galeria Brasiliana
René Lommez Gomes
André Onofre Limírio Chaves

“BHOR+RUL]RQWHYDLWHUXPPXVHXµ
assim o jornal Estado de S. PauloDQXQFLRXDLQDXJXUDomRGD*DOHULD%UD-
siliana, em Belo Horizonte.2HYHQWRRFRUUHXjVKGRViEDGRGH
MDQHLURGH$VSULPHLUDVSHoDVTXHFRPSRULDPRDFHUYRGRIXWXUR
PXVHXIRUDPH[LELGDVQRhall da Biblioteca Pública Estadual.2(PH[SR-
VLomRHVWDYDPLWHQVGRVTXHFKHJDUDPjFLGDGHWUD]LGRVGH6mR
3DXOR$FROHomRFRPSOHWDLQFOXtDSLQWXUDVHVFXOWXUDVREMHWRV
JUDYXUDHOLYURVUDURVHGRFXPHQWRVPDQXVFULWRV Havia, ainda, uma
FROHomRGHFDUWDVPDQXVFULWDVSRU&DPLOR&DVWHOR%UDQFRRIHUHFLGDV
jFROHomRSHORLQGXVWULDO$XJXVWRGH$]HYHGR1XQHV4
1D H[SRVLomR R DFHUYR KHWHURJrQHR SDUHFLD WHU VLGR H[SRVWR GH
DFRUGR FRP DÀQLGDGHV SHUFHELGDV HQWUH DV SHoDV ´8P GRV FRQMXQWRV
é formado por uma pia batismal em jacarandá, da matriz de Bragança,
GD>SULPHLUD@PHWDGHGRVpFXOR;9,,,VREXPFUXFLÀ[RGHDUWHEDLDQD
GDPHVPDpSRFDFRPLQÁX[RGDDUWHGH*RDµ2DUUDQMRHUDVLPHWULFD-
mente emoldurado por duas pinturas. Uma paisagem do Rio de Janeiro,
IHLWDSRU+HQUL9LQHWHPHVWDYDSHQGXUDGDjHVTXHUGD'RODGR
RSRVWRÀFDYD´XPDYLVWDGD$PD]{QLDGHDXWRULDGRLWDOLDQR*LXVHSSH
/HRQH5LJKLQLGDWDGDGHµ5
2FUXFLÀ[REDLDQRGRDGRSHODHPSUHVDGHDYLDomR9DULJIRLDSUHVHQ-
WDGRSHORVRUJDQL]DGRUHVGDFROHomRFRPRXPD´SHoDUDUDµTXH´GRFX-
PHQWDDVUHODo}HVHQWUH%UDVLOHÌQGLDµ´2&ULVWRpHVFXOSLGRHPPDGHLUD
jPDQHLUDTXHHP*RDVHHVFXOSLDRPDUÀPµ-iDSLDEDWLVPDOHUDSUR-
FHGHQWH GD 0DWUL] GH %UDJDQoD 6mR 3DXOR  TXH WLQKD VLGR UHIRUPDGD
HP'RDQWLJRWHPSORSRXFRUHVWDUD2VLQFHQViULRVKDYLDPVLGR
descobertos e vendidos. E, agora, a pia batismal era integrada à Galeria
%UDVLOLDQDSRUXPDRIHUWDGRSUHVLGHQWHGR0XVHXGH$UWHGH6mR3DXOR
0$63 0D[/RZHQVWHLQ(OHWDPEpPWURX[HSDUDDFROHomRXPDYLVWD
GD%DtDGH*XDQDEDUDSLQWDGDSRU&DUORV%DOOLHVWHUHP
A obra de Vinet havia sido cedida pelo empresário Alberto Lee, um
dos idealizadores da Brasiliana. Já a tela de Righini foi doada por Daniel
:LOGHQVWHLQÀOKRGRmarchand Georges Wildenstein. A família era pro-
prietária de uma galeria de arte, em Nova York, em que Chateaubriand e
Pietro Maria Bardi, diretor e curador do MASP, eram clientes.
(PXPD´SDUHGHGHOLYURVUDURVGRVžHžUHLQDGRVµVHHQFRQWUD-
YDPD&ROHomR&DPLOLDQDHRTestamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona
Ana Pimentel, um documento escrito em pergaminho e encadernado, que
fora adquirido na Inglaterra. O documento foi doado ao acervo pelo
EDQFiULRHHPSUHViULR6HEDVWLmR3DHV$OPHLGDSRULQWHUPpGLRGD6RFLH-
dade de Estudos Históricos Brasileiros Dom Pedro II.
$H[SRJUDÀDQmRJXDUGDYDVHPHOKDQoDVFRPDVPRQWDJHQVUHDOL]D-
GDVSHORFDVDO/LQD%RH3LHWUR0DULD%DUGLSDUDH[SRVLo}HVRUJDQL]D-
GDVSHORV'LiULRV$VVRFLDGRV2VH[FHVVRVGDGHFRUDomRIHVWLYDUHÁHWLD
DLQH[SHULrQFLDGRVEHORKRUL]RQWLQRVQRFDPSRPXVHROyJLFR2VDJXmR
da biblioteca foi decorado pelo paisagista José Afonso Vilela César, que
GHXSRXFDDWHQomRjVREUDVHSULYLOHJLRXXPDDPELHQWDomRIRUoRVDPHQWH
PDUFDGDSRU´PRWLYRVEHPEUDVLOHLURV²ÁRUHVWURSLFDLVRUTXtGHDVEDV-
WmRGRLPSHUDGRUHDYHVGRSDUDtVRµ)RUMDQGRUHIHUrQFLDVKLVWyULFDV´RV
arranjos, feitos em vasos de cobre martelado, do artesanato mineiro, real-
çando a beleza das arcas e vasos antigos de madeira, enchiam o ambiente
GDVXJHVWmRGDVGHFRUDo}HVGRSDVVDGRµ

164 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Público presente na solenidade de inauguração, admirando as peças da Galeria Brasiliana.
Ao centro, a pia batismal da Igreja Matriz de Bragança, doada por Max Lowenstein; na parte
superior, o crucifixo de arte baiana, doado pela extinta empresa de aviação, Varig. No canto
direito, o quadro Vista da Amazônia, de G. L. Righini, doado por Daniel Wildenstein. E, do
lado oposto, Paisagem do Rio de Janeiro, de autoria de Henri Vinet, doada pelo empresário
Alberto Lee. Fonte: Acervo Jornal Estado de Minas. Foto: José Nicolau, 21 jan. 1966.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 165
$ FHULP{QLD GH LQDXJXUDomR ´FRQWRX FRP D SUHVHQoD GR JRYHUQD-
GRU0DJDOKmHV3LQWRGHDXWRULGDGHVFLYLVHPLOLWDUHVHGHSHUVRQDOLGDGHV
GRV PHLRV ÀQDQFHLURV H GD SURGXomRµ O jornal paulista, no entanto,
dava todo o destaque à presença do criador dos Diários Associados,
Francisco de Assis Chateaubriand, o apresentando como promotor do
HYHQWR H FULDGRU GD *DOHULD %UDVLOLDQD (UD ´SRU VXD LQLFLDWLYDµ TXH DV
SHoDVTXHLQWHJUDYDPRDFHUYRKDYLDPVLGR´GRDGDVSRUH[SUHVV}HVGR
PHLRHFRQ{PLFRSDXOLVWDµSDUDFRPSRURQ~FOHRLQLFLDOGRPXVHXTXH
ele ambicionava construir na capital mineira. O célebre jornalista estava
DFRPSDQKDGRSRU´YiULDVSHUVRQDOLGDGHVGH6mR3DXORµFRPRRSUySULR
0D[ /RZHQVWHLQ 3LHWUR 0DULD %DUGL <RODQGD 3HQWHDGR H R GHSXWDGR
-RmR &DOPRQ Com a saúde muito debilitada, em decorrência de um
GHUUDPH &KDWHDXEULDQG QmR WLQKD PDLV IRUoDV SDUD DQGDU 3RU LVVR Mi
KiDOJXPWHPSRVHORFRPRYLDHPXPDFDGHLUDGHURGDVFRPRDX[tOLR
GHXPDHQIHUPHLUDRXXPDFRPSDQKDQWH$GLÀFXOGDGHSDUDIDODUID]LD
com que, em ocasiões como essa, uma pessoa fosse incumbida de ler seus
discursos.
O magnata das comunicações compareceu à solenidade trajando um
quepe e um uniforme de brim cáqui.(VVDHUDD´URXSDGHJDODµTXH
HOHXVDULD´HPWRGRVRVDWRVVROHQHVDTXHFRPSDUHFHULDµGHVGHTXHIRUD
condecorado como coronel honorário da Polícia Militar de Minas Gerais.
$VVLV&KDWHDXEULDQGKDYLDUHFHELGRDIDUGDHDSDWHQWHPLOLWDUGDVPmRV
GH0DJDOKmHV3LQWRKiSRXFRPDLVGHXPDQR$FRQYLWHGRJRYHUQD-
dor, ele havia ido a Belo Horizonte para as comemorações do primeiro
DQLYHUViULRGRJRYHUQRPLOLWDU1DRFDVLmRDVVLVWLXDXPGHVÀOHPLOLWDU
ao lado do presidente marechal Castelo Branco. O magnata, apesar de
ter ajudado os militares a ascenderem ao poder com o golpe de Estado,
cultivava divergências políticas com o presidente. Diuturnamente, escre-
YLDDUWLJRVLQVROHQWHVH´DQGDYDjVWXUUDVµFRPRPDUHFKDO3RULVVRD
FRQFHVVmRGDGLYLVDDWUDYpVGHXPGHFUHWRGRJRYHUQDGRUDVVLQDGRQD
presença de Castelo Branco, deveria ter soado como uma pequena vitória
SDUDHOH$SDUWLUGHHQWmR&KDWHDXEULDQGH[LELULDVXDQRYDSDWHQWHPLOL-
tar sempre que podia.

166 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
O ex-governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto e sua esposa, Berenice Catão
de Magalhães Pinto, na solenidade de inauguração da Galeria Brasiliana na Biblioteca
Pública Estadual (atual Biblioteca Pública Luiz de Bessa). Fonte: Acervo Jornal Estado de
Minas. Foto: José Nicolau, 21 jan. 1966.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 167
O prefeito de Belo Horizonte e o vice-presidente da Galeria Brasiliana, Oswaldo Pierucetti
(no centro), na solenidade de inauguração da galeria na Biblioteca Pública Estadual (atual
Biblioteca Pública Luiz de Bessa). Estavam presentes na cerimônia o jornalista Assis Cha-
teaubriand (no canto direito), o ex-governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto
(canto esquerdo), entre outros. Fonte: Acervo Jornal Estado de Minas. Foto: José Nicolau, 21
jan. 1966.

168 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
$FHULP{QLDDJRUDQmRHUDH[DWDPHQWHRÀFLDO$SHVDUGLVVR&KDWH-
DXEULDQGQmRGHL[DULDGHWUDWiODFRPGHVYHOR3DUDSUHVLGLUDVROHQLGDGH
FRQYLGRXRSUHIHLWRGH%HOR+RUL]RQWH2VZDOGR3LHUXFHWWLHPSRVVDGR
como primeiro vice-presidente da Galeria Brasiliana, à época da compra
do Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel. Os Dra-
J}HV GD ,QFRQÀGrQFLD PRQWDUDP D JXDUGD HP XQLIRUPHV GH JDOD ´$
EDQGDGHP~VLFDGD3ROtFLD0LOLWDUGHXRWRTXHIHVWLYRµ
2V FXLGDGRV GH &KDWHDXEULDQG WLQKDP VXD UD]mR GH VHU 1DTXHOH
momento, era inaugurado o segundo – e talvez o mais esperado – fruto
de seu último empreendimento cultural, a Campanha Nacional dos
Museus Regionais. Concebida por ele próprio e divulgada pelos Diários
Associados, a campanha era presidida por sua amiga Yolanda Penteado.
6HXREMHWLYRHUDRGH´FULDUPXVHXV « HPUHJL}HVRQGHQmRKDYLDLQVWL-
WXLo}HVGHVVDQDWXUH]Dµ através das doações de obras por ricos mecenas
ou por artistas. Aos governos locais, na maioria dos casos, caberia a cria-
omRGDVLQVWLWXLo}HVTXHDFROKHULDPHH[LELULDPRVDFHUYRVIRUPDGRV
Por meio dos veículos de imprensa dos Diários Associados, matérias rei-
WHUDYDPDLQWHQomRGDFDPSDQKDHVWHQGHUDIRUPDomRGHFROHo}HVDWRGR
o território nacional, aglutinando produções artísticas locais e as fazendo
circular em outras partes do país.
+iDSHQDVDOJXQVGLDVHPGHGH]HPEURGHKDYLDVLGRDEHUWD
DSULPHLUDLQVWLWXLomRUHJLRQDOR0XVHX'%HMDHP$UD[i$LQVWLWXLomR
IRLXPSUHVHQWHSDUDDFLGDGHPLQHLUDTXHFRPSOHWDYDDQRV Após
ele, outros museus estavam por vir.
Os planos de Chateaubriand para a Galeria Brasiliana eram grandio-
VRV7mRRXPDLVJUDQGLRVRVWDOYH]TXDQWRjIRUPDFRPRGHVFUHYLDVHX
DFHUYRH[DOWDQGRDVTXDOLGDGHVDUDULGDGHHRSUHoRSDJRSRUFDGDXP
de seus itens. Desde há mais de um ano, periodicamente, o jornalista se
assentava em frente à sua maquina IBM e datilografava artigos sobre a
FROHomR2VWH[WRVHUDPSXEOLFDGRVQRVMRUQDLVGRV'LiULRV$VVRFLDGRV
de norte a sul do país. Assim, a galeria de Belo Horizonte foi citada em
mais de duas dezenas de bem-humoradas reportagens. Pouco a pouco, os
leitores dos jornais acompanhavam as peripécias da equipe da campanha
na caça às peças, se inteiravam sobre as avultadas contribuições de cada

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 169
doador – ou padrinho, como Chatô os chamava – e tinham notícias dos
SODQRVSDUDDFULDomRGRPXVHXTXHDVHGLDULD/HQWDPHQWHFUHVFLDPR
LQWHUHVVHSHODFDPSDQKDHDH[SHFWDWLYDSHODFULDomRGRVRXWURVÀOKRWHV
do MASP.
Era uma estratégia que dava certo. O clima gerado pelas notícias
IHFXQGDYD QRYDV H LQHVSHUDGDV GRDo}HV SDUD D IRUPDomR GRV PXVHXV
UHJLRQDLV(PFOLPDXIDQLVWDDQDUUDWLYDGDGHVFREHUWDHDTXLVLomRGR
Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel foi tema de mui-
tos artigos de Chateaubriand. Arrefecido o encantamento com a compra
GDSHGUDIXQGDPHQWDOGRDFHUYRYLULDPRXWUDVYHGHWHVDSULPHLUDHGLomR
GROLYURGH*DVSDU%DUOHXVVREUHDRFXSDomRKRODQGHVDGR%UDVLOJUDYX-
ras e pinturas de Debret e Rugendas, uma carta de sesmaria assinada por
0HPGH6iRFRFKHXVDGRQDFRURDomRGH'RP3HGUR,'HWHPSRVHP
WHPSRVHUDPUHQRYDGRVRVVRQKRVFRPDPDJQLÀFrQFLDGDFROHomRTXH
se formava. Paulatinamente, surgiam mais dinheiro e mais peças para
incrementar seu acervo e iniciar outras coleções. A Brasiliana seguia se
fortalecendo e alavancando os futuros museus regionais.
$TXHOD H[SRVLomR LQDXJXUDO ID]LD SDUWH GR DUGLO GH &KDWHDXEULDQG
(ODQmRGXURXPDLVTXHGRLVGLDVHGHMDQHLUR'HSRLVIRLGHV-
montada.22 Seria um festival – nome que o “Chateaubriand, criador de
PXVHXVµGDYDDHVVDHYROXomRGDWpFQLFDDQWHULRUPHQWHXVDGDSDUDSUR-
PRYHURDFHUYRGR0$63HPIRUPDomR´([LELDPVHDVREUDVGRDGDV
sendo estas batizadas por paraninfos e madrinhas, evidentemente tudo
GRFXPHQWDGRSHODVUHGHVDVVRFLDGDVµHDUTXLWHWDGRSDUDSURMHWDURQRPH
HHOHYDURGHVHMRGHGLVWLQomRGRVGRDGRUHV
Esses festivais documentam uma face curiosa da cultura brasileira,
SRUTXDQWRRJROSHGHWUD]DSUR[LPDo}HVYLVtYHLVHQWUHRVPLOLWD-
UHVSROtWLFRVHXPVHJPHQWRHPDVFHQVmRHFRQ{PLFDSDUWLFXODUPHQWH
da indústria, dos bancos e do comércio. Chateaubriand sabe captar o
momento e convida-os para cerimônias, armadas para implementar
YDLGDGHVXVDQGRWRGRVRVH[SHGLHQWHV6HXVQRPHVVmRLPSUHVVRVHP
placas e na mídia, batizam e doam obras, proferem discursos nos cer-
WDPHV´SDUDQLQIDPµSUHVLGHPH « DWpGLULJHPPXVHXV24

170 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
(DVVLPIRL(PPHLRjIHVWD3DXOR&DEUDODQXQFLRXDVHQKRUD/LOL
/RZHQVWHLQHVSRVDGRSUHVLGHQWHGR0$63´DFDEDYDGHID]HUDGRDomR
GHPLOK}HVGHFUX]HLURVSDUDDLQVWDODomRGR0XVHX&DPSLQD*UDQGH
QR (VWDGR GD 3DUDtEDµ 2 EDQTXHLUR 1HZWRQ 9LHLUD 5LTXH QDWLYR GH
Campina Grande, recebeu o donativo a pedido de Chateaubriand. Em
seguida, o magnata solicitou à esposa do industrial Odilon Souza que
HQWUHJDVVHDRJRYHUQDGRU0DJDOKmHV3LQWRRTestamento de Martim Afonso
de Sousa e de Dona Ana Pimentel.
Após os atos simbólicos, foram aos discursos. A fala de Chateau-
briand foi lida por um mestre de cerimônias improvisado, o diretor-geral
dos Diários Associados em Minas Gerais, Paulo Cabral. Em nome da
comitiva paulista, o jornalista Carlos Rizzini tomou a palavra. Agrade-
ceu pela forma como haviam sido acolhidos pelo reitor Aluísio Pimenta,
GD8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGH0LQDV*HUDLV 8)0* 2SURIHVVRUQmRVH
encontrava no evento. Por isso, era representado pelo professor Jacques
%UDQGmRFKHIHGR'HSDUWDPHQWR$UWtVWLFRH&XOWXUDOGDXQLYHUVLGDGH
$SyVHORJLDUDLQVWLWXLomRRRUDGRUDSUHVHQWRXDVSHoDVGD*DOHULD%UD-
siliana, suas particularidades e história. 0DLV WDUGH 0DJDOKmHV 3LQWR
receberia Assis Chateaubriand e seus companheiros para um jantar no
VDOmRQREUHGR3DOiFLRGD/LEHUGDGH
$VREUDVWUD]LGDVSDUDPRVWUDQmRFRUUHVSRQGLDPjWRWDOLGDGHGR
acervo adquirido para a Galeria Brasiliana. Outras aquisições já haviam
sido noticiadas e os objetos em breve seriam entregues em Belo Hori-
]RQWH $OJXPDV QXQFD FKHJDULDP $ H[SRVLomR RUJDQL]DGD jV SUHVVDV
e colocada sob a responsabilidade e guarda de Mário Fontana, chefe do
FHULPRQLDOGR3DOiFLRGD/LEHUGDGHWLQKDDIXQomRGHVHUDSHQDVDSUL-
PHLUDDSUHVHQWDomRGDFROHomRHPVRORPLQHLUR$ÀQDOD*DOHULD%UDVL-
OLDQDMiKDYLDVLGR´ODQoDGDRÀFLDOPHQWHFRP>XP@EDQTXHWHQDFDVDGH
&KDWHDXEULDQGµHPPDUoRGH
2ORFDOHVFROKLGRSDUDRQRYREXUEXULQKRQmRSRGLDVHUPDLVSUR-
StFLR$ELEOLRWHFDÀFDYDQD3UDoDGD/LEHUGDGHHPiUHDQREUHHFHQWUDO
de Belo Horizonte. Justo ao seu lado, estava o Palácio da Liberdade, sede
GRJRYHUQRGR(VWDGR0DVDTXHOHHQGHUHoRQmRFRUUHVSRQGLDjUHVL-
GrQFLDÀQDOGDFROHomR'LIHUHQWHGDPDLRUSDUWHGRVPXVHXVUHJLRQDLV

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 171
GH&KDWHDXEULDQGD*DOHULD%UDVLOLDQDQmRVHULDLQVWDODGDHPXPSUpGLR
antigo, adaptado para recebê-la, ela iria para um novo museu que estava
por ser construído.
1RGLDGHMDQHLURVHJXQGDIHLUDDH[SRVLomRLQDXJXUDOIRLGHV-
montada. O trabalho foi coordenado por Paulo Cabral. Ele constituiu
XPDFRPLVVmRSDUDODYUDU´XPWHUPRLQYHQWiULRTXHVHUYLXGHEDVHSDUD
DHQWUHJDGHWRGDVDVSHoDVµjVXDQRYDPRUDGD$FRPLVVmRIRLLQWHJUDGD
SRU 2VZDOGR 0DVVRWH GLUHWRU DGPLQLVWUDWLYR GRV 'LiULRV $VVRFLDGRV
por Mário Fontanda, representando o governo do Estado, por “Dona
&RQFHLomR3LOyGLUHWRUDGR0XVHXGH$UWHGD3UHIHLWXUDGH%HOR+RUL-
]RQWHµHSHORSURIHVVRU-DFTXHV%UDQGmR
=HORVR3DXOR&DEUDOHQYLRXXPDFDUWDD6mR3DXORQDTXLQWDIHLUD
GD VHPDQD VHJXLQWH 2 GHVWLQR HUD R 0XVHX GH $UWH GH 6mR 3DXOR $
missiva levava o endereço do segundo andar do prédio dos Diários Asso-
FLDGRVQD5XDGH$EULO²DQRYDVHGHGDLQVWLWXLomRXPLPSUHVVLRQDQWH
HGLItFLRGHVHQKDGRSRU/LQD%R%DUGLDLQGDHVWDYDHPFRQVWUXomRQD
Avenida Paulista e só seria inaugurado dali a um ano. O destinatário da
carta era o próprio Bardi, esposo da arquiteta, diretor do museu. Junto à
FRPXQLFDomRVHJXLDXPDOLVWDGHWRGDVDVREUDVHQWUHJXHVDRVUHVSRQVi-
YHLVSHODFROHomRHXPSHGLGR
(XOKHÀFDULDPXLWRJUDWRVHRDPLJRSXGHVVHFRQIHULUDWHQWDPHQWH
DUHODomRTXHOKHHVWRXHQYLDQGRPDQGDQGRPHGHYROWDDVUHWLÀFD-
ções de nomes, doadores, referências etc., pois a pressa da inaugura-
omRQmRGHYHFRPSURPHWHUDÀGHOLGDGHDUWtVWLFDHKLVWyULFDGD*DOHULD
Brasiliana. Como queremos ter um livro de registro de todas as peças,
TXHUHPRVTXHDVXDHVFULWXUDomRVHSURFHVVHGDPDQHLUDPDLVFRUUHWD
possível.
Bardi encontrava-se na Europa. Por isso, sua reposta tardou um mês
para chegar na sede do jornal O Estado de Minas, em Belo Horizonte.
Ao regressar da Europa encontro sua carta de 2 de fevereiro do corrente
ano. O que o prezado amigo me pede só poderei atender em parte.
Somente no que se refere aos aspectos puramente técnicos e muse-
ológicos, pois quantos aos doadores, nada posso informar. As peças
SDVVDUDPSHOR0XVHXGH$UWHGH6mR3DXOR~QLFDHH[FOXVLYDPHQWHSDUD

172 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
aqui serem embaladas. Quando o prezado amigo quiser, estarei à dis-
SRVLomRSDUDGDUXPSXORD%+RUL]RQWHHFODVVLÀFDURPDWHULDO)LFR
contente em saber que se continua a trabalhar pela Galeria Brasiliana
DSyVRLPSXOVRLQLFLDOGDGRSHORLQFDQViYHOHDRPHVPRWHPSR&DSLWmR
e Coronel.
O cuidado do colega, certamente, causou contento ao curador. Mais,
DLQGDDQRWtFLDTXHOKHGDYD´2SURIHVVRU-DFTXHV%UDQGmRMiHVWiSUHSD-
UDQGRRORFDORQGHIXQFLRQDUiDJDOHULD VHGHGD5HLWRULD DWpTXHSRVVD-
PRVWHUDVHGHSUySULDGRPXVHX7mRORJRDiUHDHVWHMDSURQWDDVSHoDV
SDVVDUmRDVHUH[SRVWDVSHUPDQHQWHPHQWHµ
O fundador dos Diários Associados já havia anunciado que o grupo
GHYHULDFRQVWUXLUHPEUHYHXPJUDQGHHGLItFLRSDUDVHGLDUDUHGDomRGH
O Estado de MinasHD*DOHULD%UDVLOLDQD(QTXDQWRRQRYRPXVHXQmRVDLD
GRVSODQRVSDUDDUHDOLGDGHD8)0*RIHUHFHULDDEULJRjFROHomR

Aimée de Heeren levantou a lebre em 1959


Através da agência de notícias Reuters, Chateaubriand escreveu, de
Londres, para os jornais dos Diários Associados. A data era 22 de outu-
EURGH6XDUHGDomRWUDQVSLUDYDDH[FLWDomRGDTXHOD´WDUGHGHHQFDQ-
WDPHQWRµ+iXPPrV$LPpHGH+HHUHQYLFHSUHVLGHQWHGD6RFLHGDGH
de Estudos Históricos Brasileiros Dom Pedro II, o telefonara de Flo-
UHQoDVROLFLWDQGRXPDUHXQLmRSDUDDTXHOHGLD(OD´YLULDSHVVRDOPHQWH
WUD]HQGRGRLVPLOKDUHVGHOLEUDVHIXPDoDµSDUDSDJDUSHODFRPSUDGR
Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel. “Seria também
portadora de mais de vinte milhões de cruzeiros, oferecidos por dois
FDSLWDOLVWDVEUDVLOHLURVSDUDGDUFRPHoRDRXWUDVDTXLVLo}HVµSDUDD*DOH-
ria Brasiliana.
Entre Nova York e Paris, por quatro anos, mme. de Heeren trabalhou
LQIDWLJDYHOPHQWHSDUDJDUDQWLUDDTXLVLomRGRGRFXPHQWR(PXP
livreiro de Paris lhe deu a notícia de que uma raridade brasileira se encon-
WUDYDjYHQGDXPUHJLPHQWRUHGLJLGRSRU7RPpGH6RXVD´QDTXDOLGDGH
GHJRYHUQDGRUJHUDOGR%UDVLOµ´)LDGRVQRDSUHVVDGRGHSRLPHQWRµRV

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 173
PHPEURV GD 6RFLHGDGH 'RP 3HGUR ,, FRQYLGDUDP /RZHQVWHLQ H -RmR
Calmon para convencer o Banco da Bahia a criar um pool para com-
SUDURPDQXVFULWR$DTXLVLomRVHULDRIHUHFLGDDR,QVWLWXWR+LVWyULFRGH
Salvador. Clemente Mariani Bittencourt e Fernando Goes, dirigentes do
EDQFRQmRTXHVWLRQDUDPRYDORUVROLFLWDGR²OLEUDV²HRIHUHFHUDP
REDQFRFRPRVXEVFULWRUGDWUDQVDomR
$LPpHGH+HHUHQIRLHQWmRjOLYUDULD5RVHQWKDOHP2[IRUG0DV
HUDWXGRXPHTXtYRFR$LQGDHPDsocialite paranaense informaria
aos companheiros que o manuscrito posto à venda era, na verdade, o
Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel. O desacerto, ao
invés de desanimar a preferida de Chateaubriand, instigou seu interesse.
O manuscrito à venda pela livraria pertencia a um português, e seu
SURSULHWiULRQmRGHVHMDYDFHGrORSRUPHQRVGHOLEUDV(VWDYDLUUH-
GXWtYHO0PHGH+HHUHQQDVSDODYUDVGH&KDWHDXEULDQG´QmRpPLQHLUD
PDVpFRPRVHRIRVVHµ6HU´PHGXODPHQWHVRYLQDµVHULDVHX´RWUDoR
PDLVIRUWHGHVHXFDUiWHUµ´(ODWHPDYRO~SLDGDSHFKLQFKDµEULQFRX
&KRURX´OiJULPDVGHFURFRGLORQRSpGRYHQGHGRUµSDUDFRQVHJXLUXPD
UHGXomRQRYDORU2QHJyFLRQmRVHGHVDWDYD
Dois anos depois, Aimée de Heeren foi ao Brasil. De acordo com
&KDWHDXEULDQGHODOHYDYDGXDVLGHLDV´SURPRYHUDIXQGDomRGR0XVHX
%UDVLOLDQDHP%HOR+RUL]RQWHµH´DGTXLULUVHPSHUGDGHWHPSRRWHV-
WDPHQWRFRPRSULPHLUDJUDQGHGRDomRDID]HUDRQRYRPXVHXµ'HVXD
residência, em Biarritz, ela já havia imaginado uma diretoria para a orga-
QL]DomR&RPRSUHVLGHQWHHVFROKHULD:DOWHU0RUHLUD6DOOHVFRPRYLFH
SUHVLGHQWH-RVp/XL]GH0DJDOKmHV/LQVSDUDWHVRXUHLUR$OEHUWR/HH
e como secretário-geral, o diretor do Arquivo Público Mineiro, doutor
-RmR*RPHV7HL[HLUD
Mancomunaram-se todos com os planos de Aimée. Saíram à caça de
um padrinho para o documento. Tiveram a notícia de que a Biblioteca
de Nova York queria comprar o manuscrito. Recearam perder o negócio,
PDVVHJXQGRRPDJQDWDDLQVWLWXLomRSHUGHXRI{OHJR(VJRWRXVHXRUoD-
PHQWRFRPDFRPSUDGDSULPHLUDHGLomRGDVDécadasGH-RmRGH%DUURV
SRUGyODUHV8PDSURYiYHOVROXomRVHULDDSHODUSDUDREDQTXHLURH
GHSXWDGR6HEDVWLmR3DHVGH$OPHLGD

174 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Mineiro nascido em Estrela do Sul, Paes de Almeida havia iniciado
VXDFDUUHLUDQR%DQFR1DFLRQDOGR&RPpUFLRGH6mR3DXOR$LQVWLWXLomR
que há muito mantivera negócios com as empresas de Chateaubriand,
pertencia à sua família e era presidida por seu pai, Gregório Paes de
$OPHLGD$LQGDTXHRMRUQDOLVWDVXVWHQWDVVHTXHWLQKDVHDSUR[LPDGRGHOH
H[FOXVLYDPHQWH´HPIXQomRGDFRLVDS~EOLFDµRGHSXWDGRYLULDDDÀUPDU
´([LVWHXPDWUDGLomRGHIDPtOLDHPQRVVDVDPL]DGHV*UHJyULR3DHVGH
$OPHLGDpTXHHUDRMHTXLWLEiDFXMDVRPEUDQRVMXQWiYDPRVµ
5HFHQWHPHQWH 6HEDVWLmR 3DHV GH $OPHLGD KDYLD VLGR 0LQLVWUR GD
Economia de Juscelino Kubitschek. Seria JK que também o teria colo-
FDGRQDSUHVLGrQFLDGR%DQFRGR%UDVLO$OLHPHOHLQWHUFHGHXMXQWR
jGLUHWRULDGREDQFRHPIDYRU&KDWHDXEULDQGH-RmR&DOPRQ6HXREMH-
tivo, frustrado, era o de regularizar as vultosas dívidas dos Diários Asso-
ciados.
+iGH]DQRV3DHVGH$OPHLGDIH]XPDYXOWRVDFRQWULEXLomRSDUDD
IRUPDomRGRDFHUYRGR0$63&KDWHDXEULDQGFRQWDYDTXHFHUWDIHLWD
HVWHYHQDFDVDGREDQTXHLURSDUDFRQYHQFrORDGRDUPLOGyODUHVSDUD
DFRPSUDGHXPTXDGURGH5DIDHO6DQ]LR´2ÀOKRGH¶VHX·*UHJyULR
FXLGDGRVRSDFLHQWHSHGLXDVIRWRJUDÀDVGRTXDGUR4XHULDYHURpedi-
greeµ3HUJXQWRXDRSLQLmRGHHVSHFLDOLVWDVLQWHUQDFLRQDLVVREUHDSLQWXUDH
obteve, como resposta, o julgamento que o curador da Kress Foundation
teria dado ao magnata e a Walter Moreira Salles. “Senza dubbio – declarou,
HP LWDOLDQR ² VH RV VHQKRUHV QmR R FRPSUDP DPDQKm FHGR R TXDGUR
VHUiGD.UHVV)RXQGDWLRQµ(QWmRGXSOLFRXDRIHUWD:DOWHU0RUHLUD6DO-
OHVJDUDQWLXRUHVWDQWHGRYDORU(DSDUWLUGHHQWmR&KDWHDXEULDQGVH
referiria a Paes de Almeida como o generoso doador “de quase todo o
5DIDHOTXHSRVVXtPRVµHRSDWURQRGD~QLFDREUDGRDUWLVWD´H[LVWHQWH
QD$PpULFD/DWLQDµ
Aimée de Heeren recordava-se bem. Por isso, de Londres, solicitou
que ele “lançasse a pedra fundamental da Galeria Brasiliana com o docu-
PHQWRGRGRQDWiULRGH6mR9LFHQWHµ(PKRUDVFKHJDULDPVXDUHV-
SRVWDDÀUPDWLYDHRGLQKHLUR$%LEOLRWHFDGH1RYD<RUNSHUGHXDEDWDOKD
´4XDOGHQyVSRGHULDDFUHGLWDUQDTXLORTXH6HEDVWLmR3DHVGH$OPHLGD
SRVVLELOLWRX j *DOHULD %UDVLOLDQD GH 0LQDV"µ LQGDJRX &KDWHDXEULDQG

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 175
“Quem poderia imaginar ver o Brasil em pé de igualdade com os Estados
Unidos, comprando documentos da História Pátria pelos mesmos preços
RIHUHFLGRVSRUDPHULFDQRVGHVDEXVDGRV"µ
A saúde de Chateaubriand estava frágil. Ainda iludido, acreditando
TXHYROWDULDDDQGDUHOHIRLEXVFDUWUDWDPHQWRQDVSUR[LPLGDGHVGH/RQ-
dres. Internou-se no Stoke Mandeville Hospital, em Aylesbury. O hospi-
tal havia sido criado para tratamento de hemiplégicos – sobretudo pilotos
da força aérea inglesa – feridos durante a Segunda Guerra Mundial. O
PDJQDWDEUDVLOHLURKiXPDQRKDYLDHVWDGRDOLSDUDXPDSULPHLUDVHVVmR
GHWUDWDPHQWRV5HWRUQDYDDJRUDTXHDLQVWLWXLomRUHFHEHUDQRYRVHTXLSD-
PHQWRVSDUDH[HUFtFLRVÀVLRWHUDSrXWLFRVHWHVWHVQHXUROyJLFRV De posse
do dinheiro enviado por Paes de Almeida, naquele 22 de outubro de
$LPpHGH+HHUHQIRLWHUFRPVHXHQDPRUDGR´$OYRURoDGDWURX[H
FRQVLJR 5RVHQWKDO GD ÀUPD LQWHUPHGLiULDµ QD YHQGD GR Testamento de
Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel. Acompanhavam-na Eulálio,
encarregado de negócios dos Diários Associados, Jorge Maia e Yazigi.42
5HXQLUDPVHWRGRVFRPXPDSHTXHQDSODWHLDQRVDOmRQREUHGRKRV-
pital.
Ao invés de champanhe, mme. de Heeren mandou servir bourbon e
XPYLQKR'UHKHU´1RVVDVOLEDo}HVGHKRMHVHUmRSRUFRQWDGRHPSUHVi-
ULRGHYLQKRVJD~FKRVµEULQFRX&KDWHDXEULDQG2HPEDL[DGRUGH3RU-
WXJDOVHHQFDUUHJRXGHVHUYLUDVVHQKRUDVSUHVHQWHV(QWmRRSURSULHWiULR
GDYLQtFRODJD~FKD´RIHUHFHXPLOFDL[DVGH9HOKR&DSLWmRµFRPRDX[tOLR
à Sociedade Dom Pedro II. Por vezes, as doações de empresários para
DVHPSUHLWDGDVGH&KDWHDXEULDQGFKHJDYDPGHIRUPDLQXVLWDGDDRLQYpV
de dinheiro, produtos. Lavrada a compra, a vice-presidente da Sociedade
'RP3HGUR,,VDXGRXRSDGULQKRGRWHVWDPHQWRDOoDQGRVXDÀJXUD´j
HVWDWXUDGHXP0pGLFLVÁRUHQWLQRµ
Quereis conhecer duas peças do Rafael dado pro Paes de Almeida ao
0XVHXGH6mR3DXOR",GHDSRXFDVPLOKDVGDTXLQR0XVHX2[IRUG
Este tem uma pasta onde se acham vários desenhos de Rafael. E, entre
eles, se encontram drawings desenhados para o quadro doado ao Bra-
VLOSUR3DHVGH$OPHLGDFRPSDUWLFLSDomRPDLVPRGHVWDGH0RUHLUD
Salles.44

176 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
1D VHTXrQFLD HOD OHX XPD PHQVDJHP GH FRQJUDWXODomR TXH +HQU\
)RUG HQYLDUD GH /RQGUHV SDUD D 6RFLHGDGH 'RP 3HGUR ,, ´:RQGHU-
IXOOMREµ$QWHULRUPHQWH3DHVGH$OPHLGDKDYLDWLGRQRWtFLDVGRSRXFR
sucesso obtido pela vice-presidente nas festas que deu, em Nova York
e na Europa, para arrecadar fundos para a Galeria Brasiliana. Por isso,
DWUDYpVGRSUtQFLSH'RP&DUORV7DVVRGH6D[HFREXUJRH%UDJDQoDPDQ-
GRXXPJHQWLOUHFDGR
0LQKD VHQKRUD 1R FDVR GD DTXLVLomR TXH IH] GR GRFXPHQWR FRQ-
tendo as últimas vontades de Martim Afonso, a credora é a minha
DPLJD3RLVQmRpTXHWHYHWDQWDFDQVHLUDSDUDPHDMXGDUDHQFRQWUDU
XPDSHoDGLJQDGHÀJXUDUQRVDUTXLYRVEUDVLOHLURV2GHYHGRUpHVWH
seu criado que a espera, no Brasil, para testemunhar-lhe a nossa grati-
GmRSHORTXHMiIH]SRU6mR3DXORHDJRUDSRU0LQDV

Formar o gosto de um povo,


disciplinar o das elites
Adquirida a primeira peça do acervo, Aimée de Heeren continuou
sua tarefa de colocar de pé o projeto que “concebeu e está realizando
SDUD 0LQDV *HUDLVµ 'H VXDV UHVLGrQFLDV HP 1RYD <RUN 3DOP %HDFK
Paris e Biarritz, prosseguiu no trabalho de localizar raridades a venda
e doadores em potencial. Atuava como Chateaubriand. Aos padrinhos
do acervo, afagava o ego. Para incentivar novas doações, fazia festas,
jantares, recepções. A cada evento, apresentava um novo feito da Socie-
GDGH'RP3HGUR,,SDUDDFRQVWUXomRGDFROHomR(PMDQHLURGH
RIHUHFHXXPDUHFHSomRD$OEHUWR/HHHP1RYD<RUN´(ODTXHIRUDD
DXWrQWLFDFULDGRUDµGDJDOHULDVHYLD´GHVOXPEUDGDFRPRVHXWUDEDOKR
GHEHQHGLWLQRQD(XURSDµ4XHULDPHVPRFDSWXUDUGiGLYDVPLOLRQiULDV
GDVIDPtOLDVFRQYLGDGDV0HOWRQ)RUG$OGULFK:DQDPDNHU%\URQ)R\
Wildenstein, Cabot, Lodge, Miller, Hearst, Berle.
1DRFDVLmR$VVLV&KDWHDXEULDQGIRLRSRUWDGRUGDVQRWtFLDV2LQGXV-
WULDO,VUDHO.ODELQKDYLDHQYLDGRPLOK}HVGHFUX]HLURVSDUDRHPSUH-
HQGLPHQWR(SURPHWLDPDLV«$OpPGLVVRSRUWHOHJUDPDRHPEDL[DGRU

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 177
:DOWHU 0RUHLUD 6DOOHV DQXQFLDYD QD (XURSD KDYLD VLGR DGTXLULGD ´D
IDPRVD&ROHomR+DJHGRUQµ(UDPGH]DTXDUHODVFRPSDLVDJHQVGR%UDVLO
imperial, que pertenciam agora à galeria a ser instalada em Minas Gerais.
“Como madame de Heeren andou acertada trazendo um bouquet de ban-
TXHLURVSDUDRPXVHXGH0LQDV*HUDLVµFRPHQWRX&KDWHDXEULDQGHP
XP DUWLJR SDUD RV MRUQDLV 'HVWLODQGR VHX DQWLFRPXQLVPR FRPSOHWRX
“Somos dos que acreditam que o mundo poderá viver sem comerciantes,
industriais, canônicos e rentlers1XQFDSRUpPVHPEDQTXHLURVµ
'H 3DHV GH $OPHLGD YLQKD R UHFDGR ´3HoR TXH GLJD j VHQKRUD GH
Heeren que está autorizada a procurar também o testamento de Pedro
ÉOYDUHV &DEUDOµ $ EULQFDGHLUD DEULX DR MRUQDOLVWD D RSRUWXQLGDGH GH
FRPHQWDU´ « WDORSDGUmRGHEXUJXHVLDTXHHPDQRVUHHGXFDPRV
QR%UDVLOµ
1D YHUGDGH R FRPHQWiULR H[SXQKD R REMHWLYR RX DLQGD R IXQGR
ideológico, que movia os empreendimentos culturais de Chateaubriand.
'HVGH Ki PXLWR R MRUQDOLVWD DÀUPDYD TXH R GHVHQYROYLPHQWR GR SDtV
GHSHQGHULDGLUHWDPHQWHGDHGXFDomRGRSRYRHGRDSULPRUDPHQWRFXO-
WXUDOGDVFODVVHVDOWDV2VHVWDWXWRVGR0XVHXGH$UWHGH6mR3DXORMi
HVWDEHOHFLDPFRPRIXQomRGDLQVWLWXLomRLQFHQWLYDUDVDUWHV´YLVDQGRDR
GHVHQYROYLPHQWR H DSULPRUDPHQWR FXOWXUDO GR SRYR EUDVLOHLURµ Mas
IRLHPXPGRVPXLWRVDUWLJRVHVFULWRVVREUHRPXVHXTXHHOHH[SRULDGH
IRUPDPDLVGLUHWDDSROtWLFDTXHRULHQWRXVXDFULDomR1RWH[WRGDWDGRGH
GHGH]HPEURGHDÀUPRX
No espírito dos que acumularam o patrimônio do Museu de Arte de
6mR3DXORSUHGRPLQRXXPDGLUHomR1DGDGHID]HUXPDJUDQGHJDOHULD
de obras de arte e tampouco um prédio capaz de comportá-las. Diri-
JLXVHRSHQVDPHQWRGRVRUJDQL]DGRUHVGDJDOHULDjTXHVWmRGDTXD-
lidade. Pouca, mesmo, pouquíssima, porém, de um substância capaz
GHUHVLVWLUjHURVmRGRVDQRVHGRVVpFXORV(UDSUHFLVRTXHRPXQGR
GHKRMHHDVJHUDo}HVGHDPDQKmSXGHVVHPUHFRQKHFHUTXHH[LVWLXQR
Brasil de nossos dias um grupo de homens com inteligência, cultura e
VHQVLELOLGDGHSDUDHODERUDUXPDFROHomRGHSHoDVGHDUWHHPFRQGLo}HV
de formar o gosto de um povo, disciplinar o das elites e representar,
no estrangeiro, o nível intelectual da sua terra.

178 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Chateaubriand julgava, portanto, que suas campanhas eram ungidas
SRUXPDGXSODIXQomRHGXFDWLYD'HXPODGRRIHUHFHULDPDRSRYREUD-
sileiro a oportunidade de ter acesso a uma parcela do que ele julgava ser
a mais alta e enobrecedora cultura mundial. Do outro, abriam à elite
econômica a oportunidade de atuarem como verdadeiros líderes de um
país que, aos poucos, se igualaria às maiores nações do mundo, por seu
OHJDGRFXOWXUDO$OJXQVDQRVDQWHVHPGHVHWHPEURGHRMRU-
nalista já havia escrito sobre a centena de “capitalistas que, graças à sua
FRQWULEXLomRSDUDRPXVHXDVVHJXUDUDPSDVVDSRUWHVSDUDRSXUJDWyULRH
DOJXQVSRXFRVSDUDRFpXµ&DSLWDOLVWDVTXHMiIDODYDP´RXWUDOLQJXDJHP
alimentados por outras essências, superiores aos prazeres materiais da
YLGDTXHRVQXWULDPDWpHQWmRHIHOL]HVSRUKDYHUHPDFKDGRHVWDVXFXUVDO
GRSXUJDWyULRµTXHHUDPDVGRDo}HVSDUDRPXVHXSRVVLELOLWDQGR´TXHR
KRPHPGRSRYRHVHXVÀOKRVYLYDPSRUPLQXWRVTXHVHMDPHQWUHDOJX-
PDVEHODVFRLVDVSHODVTXDLVDYLGDYDOHDSHQDVHUYLYLGDµ
1DIRUPDomRGRDFHUYRGR0$63RXQDVRXWUDVFDPSDQKDVRPDJ-
QDWDWHULDVXDDomRJXLDGDSRUHVVDGXSODPLVVmRHGXFDGRUD3RUYH]HV
contudo, esse sentimento de dever classista ganhava fortes cores antico-
munistas. Era preciso afastar o perigo vermelho do Brasil, e seria ele pró-
prio quem lançaria o bote salva-vidas ao mar. No dia em que chegou ao
Brasil uma das peças mais célebre do acervo do MASP, o Autorretrato com
barba nascente, de Rembrandt, a obra foi apresentada para a alta sociedade,
na casa do empresário carioca Pedro Brando. Chateaubriand, no discurso
IHLWRSDUDDRFDVLmRIRLSROrPLFRQDPHVPDPHGLGDHPTXHUHYHORXVHX
pensamento sobre a importância de suas campanhas culturais para a pro-
WHomRGRSDtVFRQWUDVXSRVWDVIRUoDVUHYROXFLRQiULDVGDHVTXHUGD
2JRVWRSHODVEHODVFRLVDVQmRpXPSULYLOpJLRGDVHOLWHV7DPEpPR
povo aspiraria, instintiva e obscuramente, às emoções do encontro
com um Rembrandt, um Velásquez, um Goya, um Greco, um Bot-
ticelli, um Tintoretto. De onde, entretanto, tirar recursos para levar a
DUWHDRSRYR")RUPXODUDPVHTXHL[DVFRQWUDDIDPtOLDYRUD]GRVWXED-
U}HVPDVFRQRVFRHOHVWrPVLGRGyFHLVHÁH[tYHLV7DOYH]SRUTXHOKHV
falemos pedagogicamente de seus deveres coletivos, eles costumam
ouvir-nos. Acentuamos os riscos que corre sua estirpe numa era que

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 179
é o século dos assalariados e dos monopólios estatais. E eles sabem
TXHQDYHUGDGHRTXHID]HPFRQRVFRVmRVHJXURVGHYLGD(VWDPRV
IRUQHFHQGRVDOYDYLGDVjQRVVDEXUJXHVLD$&DPSDQKDGD$YLDomR
a Campanha da Criança, o Museu de Arte e outros programas que
WHPRVQDLQFXEDGHLUDPHXVVHQKRUHVHPLQKDVVHQKRUDVVmRRVLWLQH-
UiULRVVDOYDGRUHVGHYRVVDVIRUWXQDV « 
A Galeria Brasiliana, sem dúvida, era herdeira dos esforços para a
FULDomRGR0$636XDFROHomRFRPRDGRVHXSUHGHFHVVRUVHULDSHTXHQD
e comportaria poucos itens de grande importância cultural e raridade.
$VIRUPDVGHDTXLVLomRGRDFHUYRMXQWRjHOLWHÀQDQFHLUDVHJXLDPSDVVR
DSDVVRD´OLomRGDJDOHULDSDXOLVWDµ As duas iniciativas foram, ainda,
movidas pelos mesmos preceitos políticos e ideológicos. Um fator, no
HQWDQWRPDUFRXDGLIHUHQoDHQWUHDVGXDV´JDOHULDVµPROGDQGRDVHOH-
omRGRDFHUYRHRFDUiWHUGDFROHomRDVHULQVWDODGDHP0LQDV*HUDLV$
%UDVLOLDQDQmRHUDIUXWRGHXPDFDPSDQKDLVRODGDHSRQWXDOHUDXPD
GHFRUUrQFLD GR WUDEDOKR GHVHQYROYLGR SRU XPD LQVWLWXLomR FULDGD SRU
&KDWHDXEULDQG ´YLVDQGR D ÀQV SHUPDQHQWHVµ QR FXPSULPHQWR GH VXD
PLVVmRHGXFDGRUDD6RFLHGDGHGH(VWXGRV+LVWyULFRV%UDVLOHLURV'RP
Pedro II.
O desejo de criar a Sociedade Dom Pedro II surgiu ainda nos anos
GH  3RU PXLWR WHPSR &KDWHDXEULDQG PDQWHYH D LGHLD LQFXEDGD
Conversas mantidas em Paris, três décadas depois, delinearam melhor os
SODQRVSDUDRVHXFRQFHELPHQWR1DGpFDGDGHD6RFLHGDGH'RP
Pedro II começou a funcionar com sede na França, tendo o Conde de
Paris como presidente. 3RU ÀP HOD IRL LQVWLWXFLRQDOL]DGD FRPR XPD
entidade de pesquisa brasileira, através do registro de seus estatutos na
FDSLWDO SDXOLVWD HP  GH IHYHUHLUR GH  Seu objetivo estatutário
HUD´SURPRYHUHVWXGRVHSHVTXLVDVGHFDUiWHUFLHQWtÀFRVREUHR%UDVLO
DÀPGHÀ[DUFRPVHJXUDQoDDVEDVHVGDIRUPDomRQDFLRQDOHDVFRQGL-
ções indispensáveis ao seu desenvolvimento cultural, econômico, social
HSROtWLFRµ$LQVWLWXLomRDOPHMDYDSRUWDQWR´UHVVDOWDURVHOHPHQWRVIXQ-
GDPHQWDLVGDYLGDEUDVLOHLUDHGLYXOJDUFRQKHFLPHQWRV~WHLVjHGXFDomR
FtYLFDGRSRYRµ

180 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
2VRQKRGH&KDWHDXEULDQGGHFRQFUHWL]DUDIXQGDomRGDLQVWLWXLomR
de pesquisa tinha o tamanho de seu empenho… e de sua fortuna. Na
GpFDGDGHRPDJQDWDWRPRXXPDGHFLVmRTXHOKHFXVWDULDDSUR[L-
PDGDPHQWHPLOK}HVGHIUDQFRVFRPSUDUR&KDWHDXG·(XSDUDDEULJDU
a sede da Sociedade Dom Pedro II. Localizado na Alta Normandia, o
palácio havia sido residência do último imperador do Brasil e abrigo dos
GHVFHQGHQWHVGDIDPtOLDUHDOEUDVLOHLUDHPVHXH[tOLR1DTXHODDOWXUDHOD
pertencia ao próprio Conde de Paris, que a recebera por herança.
Além de sede da entidade, Chateaubriand pretendia que o castelo ser-
visse como residência para pesquisadores e estudantes que se dedicassem
jUHDOL]DomRGHWHVHVHSHVTXLVDVDFDGrPLFDVVREUHDKLVWyULDGR%UDVLO
$SUySULD6RFLHGDGH'RP3HGUR,,ODQoDQGRPmRGRVLVWHPDGHGRD-
ções criado para o MASP, distribuiria bolsas de estudo e criaria outras
IRUPDVGHÀQDQFLDPHQWRGHSHVTXLVDVHGHSXEOLFDo}HV/XLVGD&kPDUD
Cascudo seria um dos pesquisadores que recebeu recursos da Sociedade
Dom Pedro II para compor suas obras. Sob os auspícios da entidade,
ele produziu e publicou Jangada, Rede de dormir e História da alimentação no
Brasil.
$´IRUPDomRGDVHOLWHVµVHJXQGR%DUGLHUDDLGHLDPHVWUDTXHPRYL-
PHQWRXDDTXLVLomRGRFDVWHORSHOD6RFLHGDGH'RP3HGUR,,(UDDLQWHQ-
omRFULDU´XP¶,QVWLWXWRGH&LrQFLDV+LVWyULFDV·REMHWLYDQGRHGLWDUREUDV
¶TXH UHSUHVHQWHP XPD HYROXomR FRPSOHWD QRV PpWRGRV GH HQVLQR GD
+LVWyULDGR%UDVLOµ$OLRVHVWXGDQWHVHSHVTXLVDGRUHVSRGHULDPDLQGD
entrar em contato com “os mais notáveis professores das universidades
HXURSHLDVµHWHUDFHVVR´DRVDUTXLYRVGR9HOKR0XQGRRQGHVHHQFRQWUD
RPDLVRSXOHQWRPDWHULDODFHUFDGDRULJHPGHQRVVDKLVWyULDµ
Ao longo dos anos, inúmeras pesquisas, de maior ou menor enverga-
GXUDYLULDPjOX]VREÀQDQFLDPHQWRRXHQFRPHQGDGDHQWLGDGHA arqui-
tetura religiosa barroca no Brasil e O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil, do
conservador do Museu do Louvre Germain Bazin; Cristoforo Arciszewski,
GH (VWDQLVODX )LVFKORZLW] Raposo Tavares e a formação territorial do Brasil,
GH-DLPH&RUWHVmRArte, ciência e trópico, de Gilberto Freyre; A conquista
da Paraíba, de Almeida Prado; A idade de ouro do BrasilGH&KDUOHV%R[HU
entre muitos outros.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 181
2OLYURGH%R[HUQDVSDODYUDVGRDXWRU´GHYHVXDH[LVWrQFLDjJHQH-
URVLGDGHGRVHQDGRU$VVLV&KDWHDXEULDQGHPEDL[DGRUGR%UDVLOMXQWRj
&RUWHGH6W-DPHVµ0DLVTXHDSXEOLFDomRD6RFLHGDGH'RP3HGUR,,
HRV'LiULRV$VVRFLDGRVKDYLDPSURPRYLGRDYLQGDGH&KDUOHV%R[HUDR
Brasil para realizar suas pesquisas nos arquivos locais. Mais que as inves-
tigações, a presença do professor do King’s College no país gerou uma
agenda carregada de solenidades e encontros com intelectuais da época.
&RPDSURPRomRGHHYHQWRVGHVVDQDWXUH]DRDSRLRDRGHVHQYROYLPHQWR
GHSHVTXLVDVRLQYHVWLPHQWRQDDTXLVLomRGHDFHUYRVGRFXPHQWDLVHDUWtV-
WLFRVHDSXEOLFDomRGHIRQWHVKLVWRULRJUiÀFDVSRXFRDFHVVtYHLVRVPHP-
EURVGDDVVRFLDomRDFUHGLWDYDPQDLPSRUWkQFLDGHVXDFRQWULEXLomRSDUD
o enriquecimento do conhecimento histórico brasileiro.
A Sociedade Dom Pedro II, contudo, concentrou seus esforços na
Europa. Na França, manteve contato com intelectuais ligados às artes e
ao universo dos museus, como Germain Bazin e o ministro André Mal-
UDX[1D(VSDQKDDWUDYpVGR,QVWLWXWRGH&XOWXUD+LVSkQLFDHQFRPHQ-
GRXHVWXGRVVREUHDKLVWyULDGR%UDVLOQRSHUtRGRÀOLSLQR'H3RUWXJDO
além de estudos, a Sociedade Dom Pedro II colheu vultosas contribui-
o}HVLQFOXVLYHDGYLQGRGHLQVWLWXLo}HVÀQDQFHLUDVFRPRR%DQFRGH3RU-
tugal, o Banco Português Atlântico e o Banco Nacional Ultramarino.
$DPELomRGH&KDWHDXEULDQGHPSURPRYHUD6RFLHGDGH'RP3HGUR
II era imensa. Além de instalar sua sede no Chateau d’Eu, o magnata
DPELFLRQRXLQVWLWXLUXPDÀOLDOQD,WiOLD$QRYDFDVDGDHQWLGDGHIXQ-
cionaria como uma espécie de academia brasileira, associada ao MASP e
destinada a receber estudantes de história da arte, na Itália. Ela seria ins-
WDODGDQD9LOOD%HQLYLHQLQDVSUR[LPLGDGHVGH)ORUHQoDTXHKDYLDVLGR
colocada à venda no espólio de um amigo de Chateaubriand, o industrial
$OH[DQGHU 0DFNHQ]LH 2 FDVDO /LQD %R H 3LHWUR 0DULD %DUGL DFRPSD-
QKDUDPDWUDQVDomRHQWUHHSURYDYHOPHQWHID]HQGRSODQRVH
RUoDPHQWRVSDUDRUHVWDXURHDDGDSWDomRGDHGLÀFDomR
2XWUDDVSLUDomRFDUDD$VVLV&KDWHDXEULDQGHUDFRQFUHWL]DUXPGRV
JUDQGHVREMHWLYRVGD6RFLHGDGH'RP3HGUR,,DLPSODQWDomRGHXPD
$FDGHPLDGH)RUPDomRGH/tGHUHV´SDUDUHQRYDUHDSHUIHLoRDUDpWLFD
HDSUiWLFDSROtWLFDQR%UDVLOµ3UHWHQGLDHOHTXHDHVFRODGHIRUPDomR

182 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
de políticos cumprisse o papel de “formar o caráter, fabricar o homem,
PRGHODURFLGDGmRµ´HGXFDURVMRYHQVQXPDVHYHUDOLQKDGHUHVSRQVDEL-
OLGDGHHGHGHYHUµHSUHSDUDURDGROHVFHQWHGDHOLWHSDUD´TXHHOHVHMDXPD
FpOXODYLYDQRFRUSRGDQDomRµ&RPSOHWDYD´ « WDORWLSRGHHGXFDomR
que, se formos felizes nesta nova jornada, estamos dispostos a dar à nossa
Pátria, corroída e erosada pela mais furiosa vaga de anarquia e de desor-
GHPTXHMiDEDORXVHXVIXQGDPHQWRVµ
No entanto, a maior parte dos sonhos audaciosos do magnata para a
HQWLGDGHQmRXOWUDSDVVDULDPRkPELWRGRVSURMHWRV8PDJUDYHFULVHÀQDQ-
FHLUDDEDORXRV'LiULRV$VVRFLDGRVH&KDWHDXEULDQGÀFRXLPSHGLGRGH
HIHWLYDUVHXVSODQRV$RORQJRGDGpFDGDGHYiULRV´HQVDLRVIXQGD-
PHQWDLVµSDUDDUHHVFULWDGDKLVWyULDEUDVLOHLUDIRUDPODQoDGRVSHOD6RFLH-
GDGH'RP3HGUR,,0DVDIDOWDGHFULWpULRVHGLWRULDLVOHYRXjLPSUHVVmR
GRVYROXPHV´QDVPDLVGLYHUVDVWLSRJUDÀDVµVHP´RPHVPRSDGUmRJUi-
ÀFRµVHPXPDRULHQWDomRWHPiWLFDFRPXPDVVLP´DXQLGDGHHDFRRU-
GHQDomRµGDFROHomRUHVXOWDUDPHP´XPDXWrQWLFRPRVDLFRµFRPSRVWR
por pedras fundamentais do pensamento social brasileiro, publicadas ao
lado de obras destinadas ao esquecimento. A tentativa de transformar
o Chateau d’Eu em sede da Sociedade Dom Pedro II durou pouco. O
acúmulo das dívidas levou Chateaubriand a vender a propriedade, em
SDUDSURWHJHURSDWULP{QLRGRV'LiULRV$VVRFLDGRVHGR0$63
2 QHJyFLR GD 9LOOD %HQLYLHQL QmR VHULD FRQFUHWL]DGR $ VRFLHGDGH IRL
HQÀPUHJLVWUDGDHP6mR3DXOR(D$FDGHPLDGH)RUPDomRGH/tGHUHV
jamais sairia do papel.

Documentos de história e de arte brasileira


Parte dos recursos obtidos com a venda do Chateau d’Eu, segundo
Assis Chateaubriand, foi revertida para aquele que seria o maior projeto
GDHQWLGDGHDFRQVWUXomRGD*DOHULD%UDVLOLDQD8PDQRDSyVDYHQGD
do castelo, a vice-presidente da Sociedade Dom Pedro II teria a ideia
GHIXQGDUDFROHomReQRWiYHOTXHHODKRXYHVVHHVFROKLGRFRPRSHGUD
fundamental do acervo um manuscrito em pergaminho, um documento

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 183
GDHQYHUJDGXUDGRWHVWDPHQWRGRFDSLWmRGRQDWiULR0DUWLP$IRQVRGH
6RXVD $ HVFROKD VHODULD R FDUiWHU GD FROHomR (OD HVWDULD ´GHVWLQDGD D
UHFROKHU RV GRFXPHQWRV PDLV LPSRUWDQWHV GD IRUPDomR DUWtVWLFD H FXO-
WXUDOGR%UDVLOµ Objetos, documentos e obras de arte adquiridos junto
com o castelo também integrariam a Galeria Brasiliana. O coche usado
QDFRURDomRGH'RP3HGUR,XPDJUDQGHWHODGH'HEUHWUHSUHVHQWDQGR
esse evento, álbuns de imagens produzidos por Debret e Rugendas seriam
as doações anunciadas por Chateaubriand. Mas eram peças que nunca
DSRUWDULDPHP%HOR+RUL]RQWH²DVGLÀFXOGDGHVÀQDQFHLUDVHDPRUWHGR
jornalista lhes encaminhariam para outros destinos.
A Galeria Brasiliana de Belo Horizonte nascia de um impulso histo-
ULRJUiÀFRGHXPtPSHWRRULHQWDGRSDUDPHOKRULDGDVIRUPDVGHFRPSUH-
HQGHUHLQWHUSUHWDURSDVVDGRGRSDtV$SUySULDH[SUHVVmR´%UDVLOLDQDµ
HQFHUUDYDHPVLDLGHLDGHXPDFROHomRGHOLYURVSXEOLFDo}HVHVWXGRVH
imagens acerca do Brasil. Acervos dessa natureza, para colecionadores
do século XX, cumpriam o papel de criar um lugar para o país, na histó-
ria das civilizações. Eram acúmulos de registros das grandes produções
da cultura nacional, criados por intelectuais e artistas do passado. O
DFHUYRGHVWLQDGRDRPXVHXDVHUFULDGRHP%HOR+RUL]RQWHQmRIXJLULD
D HVVD PLVVmR 6HJXQGR %DUGL D *DOHULD %UDVLOLDQD GHYHULD ´UHXQLU HP
0LQDVRPDLVSRVVtYHOGHGRFXPHQWRVGHKLVWyULDHGHDUWHEUDVLOHLUDµ
&RPSRULDDVVLPXPDFROHomRPLVWDIRUPDGDSRUGRFXPHQWRVOLYURV
REMHWRVHREUDVGHDUWHTXHUHJLVWUDPRSDVVDGRGRSDtVHGmRRWHVWHPX-
nho de suas produções.
Veio depois a ideia de formar uma Rede Nacional de Museus Regio-
nais, através de mais uma campanha cultural dos Diários Associados. A
&DPSDQKD1DFLRQDOGRV0XVHXV5HJLRQDLVVHULDODQoDGDHPSURYD-
velmente inspirada no sucesso da Galeria Brasiliana. Seu impacto sobre
DIRUPDomRGRDFHUYRGH%HOR+RUL]RQWHSRGHVHUYLVOXPEUDGRQDSHU-
sistência da ideia de fazer representar, em cada museu, a arte das demais
regiões do país. Ao lado dos documentos, dos livros e pinturas de pai-
sagens sobre temas brasileiros, a Galeria Brasiliana foi inaugurada com
LPSRUWDQWHVH[HPSODUHVGDDUWHPLQHLUDGDDUWHEDLDQDGDDUWHSDXOLVWDH
da arte do Sul do Brasil.

184 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
%DUGL QmR VLPSDWL]DYD PXLWR FRP D LGHLD GD UHGH 3DUD HOH R %UD-
VLOHVWDYDFKHLRGHPXVHXVTXHYLYLDPHPPiVLWXDomR(UDP´IRJRGH
palha aceso conforme a disponibilidade de verbas e dos interesses dos
DVVLPFKDPDGRV « PHFHQDVµ O curador do MASP tentou dissuadir
VHX´FKHIHµHPGHVLVWLUGRSURMHWRPDVIRLHPYmR(OHVHSHUJXQWDYD
´4XHWLSRGHPXVHXV"$UWHORFDOLVWRpUHJLRQDO"µ A resposta de Cha-
WHDXEULDQGGHDFRUGRFRP%DUGLWHULDVLGR´1mRPXVHXVFRPRRGH
6mR3DXORQDWXUDOPHQWHPDVFRPREUDVGHPHQRULPSRUWkQFLDSRLVQmR
WHPRVPXLWRGLQKHLUR3HTXHQRVPXVHXVPXLWREHPPRQWDGRVµ
´'HFRUULGRWDQWRWHPSRGHVRGDOtFLRRLQFHQWLYDGRUQmRWLQKDHQWHQ-
GLGREHPRVLJQLÀFDGRGHPXVHXµGLULD%DUGL&RPDVSUHVV}HVGHGRD-
GRUHV´HQWHQGLGRVGHDUDTXHµHFRPHUFLDQWHVGHDUWHDFXPXORXVHXP
DFHUYREHPKHWHURJrQHR´3DFLHQWHPHQWHµ&KDWHDXEULDQGGDFDPDGH
VXD FDVD ´FRPHoRX D GLYLGLU R DUPD]HQDGR FRP XP FULWpULR SHVVRDO
“Este vai para Porto Alegre, este segue para Minas, este vai para Recife,
HVWHRXWURSDUD&DPSLQD*UDQGHHVWHSDUD$UD[iHHVWHRXWURSDUD6mR
/XtVµ O resultado, para o eminente curador, era o do acúmulo de “uma
TXDGUDULDVHPVLJQLÀFDGRµ3DUD&KDWHDXEULDQGDDOHJULDGRVVHXV~OWL-
mos dias.
7RGRVHVVHVLPSXOVRVVHUHXQLUDPQDFROHomRTXHOHQWDPHQWHVHIRU-
PDYDSDUDDHGXFDomRHDDGPLUDomRGRV´HQWHQGLGRVGDDUWHPDVWDPEpP
GDVSHVVRDVGHWRGDVDVFODVVHVVRFLDLVµ2FDUiWHUGD*DOHULD%UDVLOLDQD
e o papel que lhe era atribuído por seus organizadores seriam resumidos
SRU2VZDOGR3LHUXFHWWL$RDJUDGHFHU&KDWHDXEULDQGSRURIHUWDUDFROH-
omRDRSRYRGDFLGDGHRSUHIHLWRGH%HOR+RUL]RQWHHYLFHSUHVLGHQWHGD
Brasiliana “adiantou que a galeria, além de ser um repositório de docu-
mentos históricos e um relicário do panorama artístico, era um passo
LPSRUWDQWHSDUDUHYLJRUDUDIRUPDomRGRVMRYHQVTXHDYLVLWDUmRµ
$RFXPSULUVHXVREMHWLYRVD*DOHULD%UDVLOLDQDQmRVHOLPLWDULDjUHX-
QLmRGHXPLPSRUWDQWHDFHUYRDUWtVWLFRELEOLRJUiÀFRHGRFXPHQWDO7DO
como a própria Sociedade Dom Pedro II, que a criara, ela também se
GHGLFDULDDSURPRYHUDSXEOLFDomRGHOLYURVVREUHWHPDVKLVWyULFRVEUDVL-
OHLURVRXHGLo}HVGHREUDVVREUHDLFRQRJUDÀDEUDVLOLDQD2SULPHLUROLYUR
publicado sob os patrocínio da Galeria Brasiliana seria uma coletânea de

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 185
Figura 4 - Peças da Galeria Brasiliana apreciadas pelo público presente na solenidade de
inauguração, sendo elas: em primeiro plano, a escultura de São Pedro Mártir (século XVIII);
na parede, o “Ex-voto de origem portuguesa” (século XVII); na mesa, uma “cuité”, concha de
prata do século XIX, todas doadas por Perry Igel. A seguir, na parede, um par de castiçais de
procissão (século XVII); e, no canto direto da mesa, um “incensório em prata” do século XIX.
Fonte: Acervo Jornal Estado de Minas. Foto: José Nicolau, 21 jan. 1966.

186 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Figura 5 - Peças da Galeria Brasiliana expostas. No canto direito, no primeiro plano, a peça
inaugural da coleção: o Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel
(século XVI), doado por Sebastião Paes de Almeida. Em segundo plano, sendo folheado pela
jovem, o livro “História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e
noutras partes sob o governo do ilustríssimo João Mauricio, Conde de Nassau”, de Garspar
Barléus. Fonte: Acervo Jornal Estado de Minas. Foto: José Nicolau, 21 jan. 1966.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 187
aquarelas sobre o Rio de Janeiro, produzidas no século XIX. Organizado
SRU*LOEHUWR)HUUH]ROLYURYHLRDOXPHHP'DWDGRGHžGHMXOKR
daquele ano, o prefácio escrito por Alberto Lee tornou público os objeti-
YRVGDJDOHULDHGHVXDOLQKDGHSXEOLFDo}HV
O álbum Aquarelas de Richard Bate: o Rio de Janeiro de 1808-1848 é o
SULPHLURGHXPDVpULHGHSXEOLFDo}HVTXHVHUmRLPSUHVVDVVRERVDXV-
StFLRVGD*DOHULD%UDVLOLDQDFRPDÀQDOLGDGHGHGHVSHUWDURLQWHUHVVH
pela história e pelas artes brasileiras. Nos moldes de outras instituições
FXOWXUDLVHFLHQWtÀFDVD*DOHULD%UDVLOLDQDVXUJLXGDGHWHUPLQDomRFRP
que um grupo seleto de homens proeminentes, sob a égide inspiradora
GRHPEDL[DGRU$VVLV&KDWHDXEULDQGOXWRXSHORVHXDSDUHFLPHQWR «
$*DOHULD%UDVLOLDQDHVSHUDTXHRUHVXOWDGRGHVVDFRQMXJDomRGHHVIRU-
ços possa inspirar outros a seguirem caminho idêntico em benefício
da arte brasileira.

A lição da galeria paulista


De volta a Belo Horizonte, Chateaubriand continuou a campanha
para angariar recursos para a Galeria Brasiliana. Havia se passado pouco
mais de um mês da homenagem feita a Alberto Lee, em Nova York, e os
LGHDOL]DGRUHVGDFROHomRMiEXVFDYDPRXWURVGRDGRUHVGLVSRVWRVDLQFUH-
mentar o acervo do futuro museu. O novo alvo seriam os banqueiros e
os homens de negócios de Minas Gerais.
1RGLDGHIHYHUHLURGHRVGLUHWRUHVGRV'LiULRV$VVRFLDGRV
VHUHXQLUDPFRPXPJUXSRGHÀQDQFLVWDVHHPSUHViULRV2%DQFRGR
Comércio e Indústria de Minas Gerais cedeu o seu auditório para que
ocorresse o evento. Para capturar o interesse dos mineiros, Assis Cha-
WHDXEULDQGH[SOLFRXFRPRKDYLDPVHGDGR´RVHVIRUoRVGHVLQWHUHVVDGRV
GDVFODVVHVFRQVHUYDGRUDVEDQGHLUDQWHVµSDUDTXH6mR3DXORWLYHVVHVHX
Museu de Arte. Levy Freire, diretor comercial da Rádio Guarany, pro-
feriu a palestra escrita pelo magnata. Iniciou com um longo prólogo. O
tema era o interesse brasileiro pela defesa da liberdade feita pelos Estados
8QLGRVQDJXHUUDGR9LHWQm)LQGRRDVVXQWRDWDFRX

188 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
O outro propósito deste encontro diz respeito à Galeria de Arte Brasi-
OLDQDTXHVHSUHWHQGHLQVWDODUHP0LQDV1mRpQDGDTXHDWpDTXLVy
WHQKDPRVSRGLGRDQGDUjVYROWDVFRPWUrVPXVHXV$5~VVLDWHP
VHQGRTXHDPDLVQRWiYHOJDOHULDGHLPSUHVVLRQLVWDVQmRHVWiQD)UDQoD
nem nos Estados Unidos, mas em Leningrado. Disse, no inverno pas-
VDGR «  HP )ORUHQoD R FKHIH GD FDVD :LOGHQVWHLQ GH 1RYD <RUN
VHQKRU*ROGEHUJTXHGDYDjSDUWH(XURSHLDGR0XVHXGH6mR3DXORR
YDORUGHYHQGDGHPLOK}HVGHGyODUHV&RPRVHFRPHoRXDMXQWDUR
GLQKHLURSDUDHVVDRUJLDGHFRUHVQmRWURSLFDLV"
Atiçados os medos, atacados os brios, o discurso preparado por Cha-
teaubriand passava a oferecer garantias de segurança. Ao “team de aspi-
UDQWHVjQRYDSLQDFRWHFDÀOKDGDLQLFLDWLYDSULYDGDµIRLH[SOLFDGD´DOLomR
GDJDOHULDSDXOLVWDµ
Todos os senhores têm amigos aqui e acolá, fazendo publicidade por
diversos meios. E se eu lhes disser que aceitaremos os contratos de
SURSDJDQGDTXHREWLYHUHPFRPDREULJDomRGHHQFDPLQKDUDVYHUEDV
TXHSURGX]LUHPSDUDXPIXQGRGHDTXLVLomRGDVSHoDVGHDUWHGHV-
tinadas ao museu dos nossos sonhos? Aí está todo o início da nossa
primeira galeria.
)RLH[SRVWRRDQWLJRHVWUDWDJHPD'HLQtFLRRV'LiULRV$VVRFLDGRV
recebiam informalmente as doações para o museu. Muitas vezes, as ofer-
tas chegavam em dinheiro vivo, dentro de pacotes entregues a Chateau-
EULDQG2VYDORUHVHUDPUHPHWLGRVSDUDRH[WHULRUHPQRPHGDFDGHLDGH
HPSUHVDV´SRLVRPXVHXQmRWLQKDSHUVRQDOLGDGHMXUtGLFDUHJLVWUDGDHP
FDUWyULRVRXQDMXQWDFRPHUFLDOµ´0DVQHPWRGRRGLQKHLURTXHHQWUDYD
QRV$VVRFLDGRVHUDFRQWDELOL]DGRµ3DUDSURWHJHUDVLHDRVGRDGRUHVGD
WULEXWDomRGRLPSRVWRGHUHQGDRPDJQDWDLQYHQWRXXPDIyUPXODTXH
sangraria os cofres dos Diários Associados. Ao invés de simplesmente
doar dinheiro para a compra de quadros, os empresários fariam contratos
de publicidade com os jornais, as rádios e as revistas do grupo. A “receita
entrava formalmente nos cofres Associados, mas era imediatamente reme-
WLGDSDUDRVJDOHULVWDVGRV(VWDGRV8QLGRVHVREUHWXGRGD(XURSDµ(P
outras palavras, o dinheiro que pagava parte considerável dos anúncios

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 189
TXHDSDUHFLDPQRVYHtFXORVGDFDGHLD´QmRHUDXWLOL]DGRSDUDSDJDUVDOi-
ULRV H HTXLSDPHQWRVµ (OH UHDSDUHFLD ´QDV IHVWDV VRE D IRUPD GH YDQ
'\FN*R\DH&p]DQQHµ
2GLVFXUVRHVFULWRSRU&KDWHDXEULDQGSURVVHJXLX)RLH[SRVWRRXWUR
PHLRGHDUUHFDGDomRXWLOL]DGRSDUDHQUHGDUDSDUWLFLSDomRGH6HEDVWLmR
3DHVGH$OPHLGDQDFRPSUDGHXPDSLQWXUDGR0$63HQDDTXLVLomRGR
Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel.
Apareceram, depois, amigos, fazendo-nos doações maciças. A essa
altura, porém, a nossa burguesia associada já nos dava, um burguês
Vy XP 7LFLDQR 5LFDUGR -DIIHW  XP PHLR 7LFLDQR $QW{QLR 0RXUD
$QGUDGH RXGRLVWHUoRVGHXP5DIDHO 6HEDVWLmR3DHVGH$OPHLGD 
Mas era no empenho dos banqueiros que residia a aposta de Chate-
DXEULDQG´8PFKRTXHKHPRUUiJLFRµKDYLDVLGRODQoDGRQRSURMHWRGR
0$63(PWRPGHPRIDRPDJQDWDDYLVDYDTXHR´EDQTXHLURRÀFLDOµGR
museu fora removido de seu cargo. Dedicar-se-ia ao desenvolvimento da
*DOHULD%UDVLOLDQDTXHSDVVDYDDSUHVLGLU´0DVQmRpTXHHOHpPLQHLUR"µ
2 GRXWRU :DOWHU 0RUHLUD 6DOOHV HUD HQWmR UHVWLWXtGR j 0LQDV *HUDLV
´(VWH EDQTXHLUR WHP SDUD RV VHQKRUHV HQWUH RXWUDV XPD YDQWDJHPµ
SURVVHJXLD ´'HVHPEDUFD GR 7LHWr QR 5LEHLUmR GR $UUXGD UHHGXFDGR
Entregamo-lo com um quarto de século de abundantes derramamentos
GHVDQJXH7UD]XPDH[SHULrQFLDGHGRDGRUGHVVHOtTXLGR(pRTXHID]
VHPFRQVWUDQJLPHQWRDWpSRUYtFLRµ
3HUJXQWDUmRSRUTXHHVWDSUHIHUrQFLDGLVSHQVDGDjPRHGDGRVEDQTXHL-
URVeTXHHOHVPDQREUDPFRPPDLVOLEHUGDGH'mRQRVRGLQKHLUR
GRVRXWURV « 'LQKHLURKi0RUHLUD6DOOHVHVWiKDELWXDGRDHPSUHV-
WDUGLQKHLURDRVFROHJDVFRQWDQWRTXHRDSOLTXHPQDGRDomRGHREUDV
GHDUWHDRVPXVHXV « 6HQKRUHVEDQTXHLURV&KRUHP)DoDPODP~-
ULDV$OHJXHPTXHHVWmRGHFDL[DEDL[D « 3RXFRLPSRUWD:DOWHUMi
IRLPDQGDGRSDUDDTXLDÀPGHTXHRVFROHJDVVHORXYHPQDOLomR « 
Como será interessante vermos os banqueiros e homens de negócios
emitindo promissórias em favor de Walter Moreira Salles por conta de
publicidade feita nas empresas associadas que destinam estas verbas à
Galeria de Arte Brasiliana.

190 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Os planos para a galeria eram, contudo, diferentes do que havia sido
IHLWRHP6mR3DXOR´(RPXVHXGH%HOR+RUL]RQWHVHUiPDLVRULJLQDO
mais brasileiro e muito mais econômico. Ele visa recolher tudo o que
FRQFHUQHjQRVVDYLGDGHDUWHHGHFRVWXPHVGHDHVWDSDUWHµ0DV
XUJLD DJLU &KDWHDXEULDQG DGYHUWLD ´ «  SHQVHPRV TXH XPD SRUFHQWD-
gem respeitável desse acervo se acha no estrangeiro e valorizando a cada
GLDµ3DUDFRQYHQFHUDDXGLrQFLDHOH´SDVVDYDjVPmRVGRVPLQHLURVHVWH
TXDGURSUHFLRVRµ(UDXPDGiGLYDGH$OH[DQGUH/RHEGH6mR3DXORH
´XPDDPRVWUDGRPDWHULDOTXHVHYDLUHFROKHUµ&LWRXDLQGDDFROHomR
de aquarelas de Hagerdorn, adquiridas por Moreira Salles, na Europa.
Alberto Lee já havia ido buscá-las.
4XDQWR j PDQXWHQomR GR PXVHX QmR GHYHULD KDYHU SUHRFXSDo}HV
2VDPLJRVGH1RYD<RUNSUHWHQGLDPFULDUXPDIXQGDomRSDUDDX[LOLi
ORV3RULQWHUPpGLRGDHQWLGDGHGRQDWLYRVSDUDRVPXVHXVGH6mR3DXOR
e Minas Gerais seriam debitados pelo Tesouro americano do imposto de
UHQGDGRVVHXVVyFLRVDH[HPSORGRTXHRFRUULDHPFDVRVVHPHOKDQWHV$
FDVD:LOGHQVWHLQSRUVHXWXUQRSODQHMDYDUHDOL]DUH[SRVLo}HVGDVREUDV
pertencentes ao MASP, nas maiores cidades norte-americanas. Os valo-
res angariados com a venda dos ingressos aumentariam a renda destinada
aos dois museus.
Meus amigos, a arapuca está muito bem armada. Agora, façam o favor
de nela entrar, com a mesma boa vontade de seus colegas da burguesia
SDXOLVWD « )HLWDHVVDRSHUDomRGHDPDFLDPHQWRQRVQRVVRVDPLJRV
VHPSUHDFHVVtYHLVYDPRVFXLGDUGDQRVVDSUHWHQVmRSDUDLQDXJXUDUD
JDOHULDHPMXQKRSUy[LPRWHQGRRVHQKRU1HOVRQ5RFNIHOOHUFRPR
SDGULQKR (OH HVWi SURQWR D YLU D %HOR +RUL]RQWH «  3DVVHPQRV
algumas onças do metal precioso.
A armadilha falhou. Poucos homens de negócios de Minas morderam
DLVFDODQoDGDSRU&KDWHDXEULDQGHSHORV'LiULRV$VVRFLDGRV7DOYH]QmR
tivessem o costume de cultivar a imagem pessoal com ações beneméritas
ou o apoio à cultura. Porventura, integravam uma classe de empreen-
GHGRUHV TXH VH LGHQWLÀFDYD FRP ´XPD LQLFLDWLYD SULYDGD PXLWR SRXFR
afeita ao risco e que reserva esforços para os investimentos de retorno

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 191
JDUDQWLGRµ0XLWRVGHOHVVHPG~YLGDSHUWHQFLDPDXPWLSRGHPLQHL-
ros de negócios que haviam emergido sob a égide dos valores desen-
YROYLPHQWLVWDVGDVGpFDGDVDQWHULRUHV1mRVHULDGHPDLVHQWmRHVSHUDU
TXH DFUHGLWDVVHP HP XP PRGHOR GH GHVHQYROYLPHQWR H PRGHUQL]DomR
do país em que coubesse ao Estado “o papel de, além da infraestrutura,
prover a sociedade com investimentos de vulto, mais arriscados e de lenta
PDWXUDomRFDSD]HVGHLQVWDXUDURQRYRµ

Galeria Brasiliana lançada oficialmente


Sem perder de vistas banqueiros e empresários, chegara o momento
GHDWUDLUKRPHQVS~EOLFRVHDHOLWHSDXOLVWDQD1DQRLWHGHGHPDUoR
duas semanas após o encontro em Belo Horizonte, Chateaubriand orga-
nizou um festim em sua residência, em homenagem a Walter Moreira
6DOOHV1DTXHOHDOPRoRD*DOHULD%UDVLOLDQDVHULDODQoDGDRÀFLDOPHQWH
Também seria empossada a sua estrutura diretiva, com o próprio Moreira
6DOOHVDVVXPLQGRRFDUJRGHSUHVLGHQWHGDFROHomR
2DWRIRLSUHVLGLGRSHORSUHIHLWRGH%HOR+RUL]RQWH2VZDOGR3LHUX-
FHWWLTXHKDYLDLGRD6mR3DXORHVSHFLDOPHQWHSDUDDRFDVLmR2SUySULR
3LHUXFHWWLDVVXPLULDQDTXHODRFDVLmRRFDUJRGHYLFHSUHVLGHQWHH[HFX-
WLYRGD*DOHULD%UDVLOLDQD$VHJXQGDYLFHSUHVLGrQFLDÀFDULDDFDUJRGH
-RVp/XtV0DJDOKmHV&RPRSULPHLURVHFUHWiULRDVVXPLULD-RmR*RPHV
7HL[HLUDHFRPRWHVRXUHLUR$OEHUWR/HH´)RLXPGLDGHIHVWDQD&DVD
$PDUHODµ H WRGRV RV TXH DOL HVWLYHUDP WHVWHPXQKDUDP ´R QDVFLPHQWR
RÀFLDOGD*DOHULD%UDVLOLDQDTXHVHGHVWLQDUiDUHXQLUGRFXPHQWRVKLVWy-
ULFRVGHVGHHTXHMiWHPFRPRSDWULP{QLRRYDOLRVRWHVWDPHQWRGH
Martim Afonso de Sousa, originais da obra poética de Cláudio Manoel
GD&RVWDHXPDVpULHGHOLYURVGRFXPHQWiULRVVREUHR%UDVLOµ
Sentaram-se todos à mesa. Sobre ela, havia apenas um sóbrio arranjo
GHRUTXtGHDV´FRPRWDOYH]FRQYLHVVHDXPDDVVHPEOHLDVyGHFDYDOHLURVµ
3RUWRGDDVDODKDYLDPVLGRGLVSRVWRVLPSRUWDQWHVTXDGURVGDFROHomR
do MASP. Toulouse-Lautrec, Claude Monet, Edgar Degas, Édouard
Manet, Raffaello Sanzio montavam guarda em torno da mesa, enquanto

192 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
o cardápio era servido. O chef do Nacional Club, Genésio Pereira, havia
FULDGRXPPHQXjEUDVLOLDQDPLOKRYHUGHFR]LGRQDHVSLJDRYRVIULWRV
ao mel de abelha de uruçu com licor da província de Champagne, batata-
doce e mandioca fritas, galinha ao molho pardo com angu de milho e
angu de arroz, farofa, doce de abóbora com coco e queijo de minas. A
WXGRDUUHPDWDYDRFDIpYLQGRGHXPULQFmRGD6HUUDGD0DQWLTXHLUD
Abrindo o almoço, o prefeito tinha, à sua esquerda, Moreira Salles
HRJHQHUDO&DUORV/XtV*XHGHV­VXDGLUHLWDRHPEDL[DGRUGD8QLmR
Soviética, Andrei Fomin, e Dona Elizabeth Banas, esposa do jornalista
Geraldo Banas.
Paulo Cabral leu um discurso escrito por Chateaubriand. Eram treze
laudas, contendo suas ideias, além de mensagens dos diretores dos Diá-
rios Associados e de Aimée de Heeren, que se encontrava em Palm
Beach. Da parte da vice-presidente da Sociedade Dom Pedro II, sau-
dou o novo presidente da Brasiliana, que deveria ser “empossado com a
SRPSDGHXPFRQWUDWDGRUGHGLDPDQWHVµ(PQRPHGDVHPSUHVDVDJUD-
GHFHXDSUHVHQoDGRHPEDL[DGRUGD8QLmR6RYLpWLFD/DPHQWRXTXH´DV
UHODo}HVGRFRPpUFLRVRYLpWLFREUDVLOHLURµQmRWLQKDP´DWLQJLGRRJUDX
de intensidade que esperava alcançar na iniciativa pioneira dos Diários
$VVRFLDGRVµRFRUULGDQDGpFDGDDQWHULRU´4XHPHUFDGRVFRPRWHPSR
HWUDEDOKRSRUÀDGRQmRVHULDSRVVtYHOH[SDQGLUVREUHR2ULHQWHWHQGR
0RVFRXFRPRHL[RµH[FODPRXGDQGRLQtFLRDRXWURVWHPDV
2XWUDTXHVWmRTXHÀ[DQRVVRLQWHUHVVHVHHQFRQWUDQDLGDGHXPDPLV-
VmRGD6RFLHGDGH'RP3HGUR,,D/HQLQJUDGRDÀPGHHVWXGDUDSRV-
VLELOLGDGHGHSXEOLFDomRGHXPOLYURHPUXVVRHLQJOrV « FRQWHQGR
os tesouros da arte que tendes sobre o nosso país, desde os tempos de
1DVVDXDWpDPLVVmR/DQJVGRUIIQRFRPHoRGRVpFXORSDVVDGR
´6mRSUDQFKDVTXHH[LVWHPVREUHR%UDVLOQDDQWLJDFDSLWDOGD
8QLmR6RYLpWLFD2VEUDVLOHLURVDQVHLDPSRUFRQKHFrODV « µ
´6RUULGHQWHHFRPDQDWXUDOLGDGHTXHDFDUDFWHUL]DYDµ'RQD(OL-
]DEHWKWRPRXDSDODYUD(VFODUHFHXTXHD&KDWHDXEULDQGQmRDSUD]LD
DURWLQD(QWmRHPXPDOPRoRUHVWULWRDFDYDOHLURVOKHKDYLDSHGLGR
que desse um recado, adiantado em Belo Horizonte. “Graças a uma

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 193
HQJHQKRVDFRODERUDomRGRVVHXVDPLJRVQRV(VWDGRV8QLGRVµHVWDULD
JDUDQWLGDDH[SDQVmRGRVPXVHXVEUDVLOHLURV(VWDYDHPPDUFKDDRUJD-
QL]DomRGRVKRPHQVGHQHJyFLRVSDUDFULDUXPD´IXQGDomRGHDX[tOLRD
obras artísticas e culturais na América Latina. E os nomes do Museu de
$UWH GH 6mR 3DXOR H GD *DOHULD %UDVLOLDQD GH %HOR +RUL]RQWH ÀJXUDP
HQWUHDVLQVWLWXLo}HVDVHUHPDX[LOLDGDV$HVVHSURSyVLWRUHOHPEURTXH
VHULDLQWHUHVVDQWHDDTXLVLomRGHSLQWRUHVSULPLWLYRVLWDOLDQRVHÁDPHQ-
JRVµ
“Os discursos iam se desenrolando paralelamente aos pratos do
FDUGiSLRµ &KHJDUD D YH] GH $OEHUWR /HH (OH YROWRX RV ROKRV SDUD RV
quadros do MASP que haviam sido dispostos na sala de Chateaubriand.
Estava montava a cena para o convencimento dos potenciais apoiado-
UHVGD*DOHULD%UDVLOLDQD´$FROHomRGH7RXORXVH/DXWUHFIRLWRGDSUL-
PHLUDPHQWHÀQDQFLDGDSHORVHQKRU0RUHLUD6DOOHVµGLVFXUVDYD&DEUDO
“A seguir, vêm duas pinturas a óleo de Picasso e Degas. Foram dádivas
SHVVRDLVGRVHQKRU0RUHLUD6DOOHV,JXDOPHQWHFRQWULEXLXFRPPLO
GyODUHVSDUDR~QLFR5DIDHOH[LVWHQWHQRHVWDEHOHFLPHQWRµ%ULQFRXFRP
R PRGR GH HPSUHVWDU GLQKHLUR HVWDEHOHFLGR SHOR EDQTXHLUR RÀFLDO GR
MASP. Era a prazos curtos e cobrança dura, muito distinto do método
XVDGR SHOR %DQFR 1DFLRQDO GH 0LQDV *HUDLV 1HVVD FDVD ÀQDQFHLUD R
TXH LPSRUWDYD HUDP RV MXURV 3DXOR &DEUDO LQVLVWLD ´2 VHQKRU 0DJD-
OKmHV3LQWRFKHLUDDMXURVµ$SURSyVLWRHPVHJXLGDSHGLXOLFHQoDVSDUD
DSUHVHQWDU´XPDWHODTXHGHYHPRVDRJrQLRÀODQWUySLFRGRVHQKRU0DJD-
OKmHV3LQWReDCanoa sobre o EpteGH0RQHWµ2RXWURTXDGURGRSLQWRU
presente na sala, havia sido doado pelo presidente do Banco Mercantil
GH6mR3DXOR*DVWmR9LGLJDOHPSDUFHULDFRPRUHLGRFDIp*HUHPLD
/XQDUGHOOL3DXOR&DEUDOMDFWDYD´ « WHPRVRRULJLQDOGDVGXDVWHODV2
Museu de Arte Moderna de Nova York pode comprar apenas os croquis
GHXPDHRXWUDµ Quanto à Galeria Brasiliana, era necessário passar à
DomR&RPPLOK}HVGHGyODUHVQRV(VWDGRV8QLGRVKDYLDVLGRFULDGD
XPDIXQGDomRFRPRQRPHGH$PHULFDQD(ODHVWDYD´DGTXLULQGRWXGR
quanto é obra histórica, desde o Canadá até o Polo Sul, abrangendo, pois,
o Brasil, que está sendo despojado de documentários preciosos à sua cul-
WXUDµ

194 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Por ordem de Chateaubriand, o general Guedes sagrou Pierucetti
como comendador da Ordem do Jagunço. A ordem havia sido criada
pelo próprio magnata, para distinguir personalidades que lhe parecessem
GLJQDVGHGHVWDTXH$FRQGHFRUDomRVXUJLXHPXPDYLDJHPD/RQGUHV
QDFRPSDQKLDGH%DUGL$SyVSDUWLFLSDUHPGHXPOHLOmRHPTXH&KDWH-
DXEULDQGKDYLDJDVWDQGRTXDQWLDVH[RUELWDQWHVQDDTXLVLomRGHXPDREUD
GH:LQVWRQ&KXUFKLOOSDUDR0$63RJUmRPHVWUH&KDWHDXEULDQGJDODU-
GRRXRH[PLQLVWURFRPRRSULPHLURFRPHQGDGRU$JRUDXPPLQHLUR
recebia a medalho no peito.
1mRHUDSHTXHQRRLQWHUHVVHGRVRUJDQL]DGRUHVGD*DOHULD%UDVLOLDQD
pelo prefeito de Belo Horizonte. Há pouco, Moreira Salles havia levan-
WDGRDFRQVLGHUDomRGHTXHVXDUHVLGrQFLDQR5LRGH-DQHLURVHULDSRXFR
favorável ao acompanhamento permanente da Brasiliana. Era mister
ORFDOL]DUXPDÀJXUDSDUDWRFDURHPSUHHQGLPHQWRHP0LQDV*HUDLV
2 QRPH GH 3LHUXFHWWL QmR VHULD LQGLFDGR SRU VHXV SDUHV 'H %HOR
+RUL]RQWH KDYLD FKHJDGR XPD OLVWD GH TXDWUR QRPHV 2 SUHIHLWR QmR
estava entre eles. Ao ouvir o elenco selecionado, Moreira Salles timida-
mente sugeriu o nome do presidente do Banco de Crédito Real de Minas
Gerais.$OpPGHSROtWLFR2VZDOGR3LHUXFHWWLHUDWDPEpPEDQTXHLUR
(OHKDYLDDVVXPLGRDSUHVLGrQFLDGDTXHODLQVWLWXLomRÀQDQFHLUDHP
4XDWURDQRVGHSRLVGHL[RXREDQFRSDUDVHULQYHVWLGRQRJRYHUQRGD
capital mineira.3RUÀPVHULDHOHRHVFROKLGRSDUDDFRPSDQKDU0RUHLUD
6DOOHVQRGHVDÀRGHFRORFDUDJDOHULDGHSp
Ficara decidido, também, que seria necessário mobilizar o apoio do
JHQHUDO*XHGHV2PLOLWDUKDYLDVLGRFRPDQGDQWHGD'LYLVmRGH,QIDQ-
WDULDGR([pUFLWRHP0LQDV*HUDLV-XQWRFRPRJHQHUDO2O\PSLR0RX-
UmR)LOKRFRPDQGRXXPGRVSULPHLURVUHJLPHQWRVDDGHULUDRJROSHGH
(VWDGRHPPDUoRGH
(PMXQKRGHRPLOLWDURFDVLRQRXXPJUDYHLQFLGHQWHHP%HOR
+RUL]RQWH3ULPHLUDPHQWHLQVWDXURXXPDLQWHUYHQomRPLOLWDUQD)DFXO-
GDGHGH)LORVRÀDGD8QLYHUVLGDGH)HGHUDOGH0LQDV*HUDLVFRORFDQGRD
VRELQYHVWLJDomR O ato foi recebido pelo reitor Aluísio Pimenta como
RSUHQ~QFLRGHXPDLQWHUYHQomRQRFRQMXQWRGDXQLYHUVLGDGH²RTXHGH
fato ocorreu no mês seguinte. O professor e o militar mantinham vivas

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 195
GLVFRUGkQFLDV 2 UHLWRU ´QmR DFHLWDYD VXDV RUGHQV SDUD LPSHGLU TXH RV
HVWXGDQWHVDWXDVVHPFRPOLEHUGDGHHQHPH[LJLDTXHRVSURIHVVRUHVVH
SXVHVVHPDVHUYLoRGR*ROSHGHµ2PLOLWDUSRUVHXWXUQRGL]LDTXH
o professor era o maior comunista da universidade. “O general Gue-
des e seus seguidores consideravam qualquer pessoa que fosse a favor da
Reforma Universitária, da Reforma Agrária e que tivesse sensibilidade
VRFLDO>FRPRXP@FRPXQLVWDµDÀUPRX3LPHQWDGHIHQVRUGHPXGDQoDV
no ensino superior. Mas, aparentemente, ao intervir na universidade, o
general havia agido sem o conhecimento dos governos estadual e federal.
,VVRSHUPLWLXDRUHLWRUDIDVWDGRREWHUXPDDQXODomRGDPHGLGDHUHWRUQDU
DRH[HUFtFLRGHVXDIXQomR
2 JHQHUDO QmR HUD H[DWDPHQWH XPD SHVVRD SRSXODU HP %HOR +RUL-
zonte. Suas aparições em público, por vezes, suscitavam vaias entre
jovens e estudantes. Ainda assim, os organizadores da Galeria Brasiliana
HVSHUDYDPTXHHOHSXGHVVHDX[LOLDUQDPRELOL]DomRGRVPLQHLURVQDFDP-
SDQKDSHODDTXLVLomRGHDFHUYRVSDUDRIXWXURPXVHX
Deverá o general Guedes eletrizar, de novo, as multidões – e, desta
YH]QXPDIDLQDSDFtÀFD²FRPRIRLQRVLGRVGHPDUoR1RVEDQTXHL-
URVpHVFXVDGRPH[HU'U3LHUXFHWWLRWRPDUiDVHXFDUJR2FDSLWDOVH
entende. Carecemos é do povo, para que ele carregue nos braços este
LGHDOSRVVXLU0LQDVDSULPHLUDJDOHULDODWLQRDPHULFDQDGHWRGDVDV
quinquilharias do nosso passado.
$DSUHVHQWDomRGRTestamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana
PimenteljVRFLHGDGHEUDVLOHLUD(VVHVHULDRSUy[LPRDWRHQFHQDGRDIDYRU
GD FULDomR GD *DOHULD %UDVLOLDQD $ H[SRVLomR GR GRFXPHQWR RFRUUHX
durante um coquetel oferecido na casa do fazendeiro Oscar Martinez.
2DQÀWULmRHUDSURSULHWiULRGDHPSUHVD&RORQL]DGRUD1RUWHGR3DUDQiH
IXQGDGRUGDFLGDGHGH7XSmVVLTXHGDOLDXPDQRVHULDUHEDWL]DGDFRPR
Assis Chateaubriand.
O discurso preparado pelo jornalista, desta feita, foi lido pelo ator
Lima Duarte, que narrou episódios da compra do testamento, obtida
com a persistência de mme. de Heeren. Descreveu seu conteúdo, que,
HPQHQKXPPRPHQWRFLWDYDR%UDVLO,QWHUSUHWRXDGHVLOXVmRGH0DUWLP

196 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
$IRQVRGH6RXVDFRP6mR9LFHQWHFRPRFDXVDGRVLOrQFLRVREUHD$Pp-
rica. E partiu para outros temas. Finalizando, voltou ao manuscrito que
era apresentado à sociedade. Elogiou seu doador, Paes de Almeida. Con-
tou, ainda, sobre o desejo da amiga em ver o documento raro protegido
HPXPDHQFDGHUQDomRjDOWXUDGHVXDUDULGDGH
$FXGLXD-RVp)HUUD]GH&DPDUJRSURSULHWiULRGR$o~FDU8QLmRTXH
PDQGRXUHFXUVRVSDUD´WUrVH[WUDYDJkQFLDVGD6RFLHGDGH'RP3HGUR,,µ
´HQFDGHUQDUHPOX[RRWHVWDPHQWRFRPSUDUOLYURVSDUDDELEOLRWHFDGD
Galeria Brasiliana e principiar as pesquisas, no Whitehall e em outras
IRQWHVKLVWyULFDVGD,QJODWHUUDµVREUHXPFDFLTXHEDLDQRTXHYLYHXXP
ano na corte de Henrique VIII.
O documento já era apresentado ao Brasil encadernado e guardado
HPXPDFDL[DIHLWDSDUDVXDSURWHomR´&DL[DHWHVWDPHQWRIRLWXGRIHLWR
em couro pela mesma casa que encadernou o livro mais precioso que
DLQGDSRVVXLXXPQDWLYRQDFLRQDOµRFDWiORJRGHPLQLDWXUDVGH3LHUSRQW
Morgan, pertencente a Moreira Salles, completou Lima Duarte, lendo
RGLVFXUVR$FDL[DGHFRXURYHUGHWUD]LDFXLGDGRVDPHQWHJUDYDGRVRV
FUpGLWRVGDGRDomR´7HVWDPHQWRGH0DUWLP$IRQVRGH6RXVD'RQDWiULR
GD&DSLWDQLDGH6mR9LFHQWH²2IHUHFLGRSRU6HEDVWLmR3DHV
GH $OPHLGD SRU ,QWHUPpGLR GD 6RFLHGDGH 'RP 3HGUR ,, 6mR 3DXOR j
*DOHULD%UDVLOLDQDGH%HOR+RUL]RQWHµ
2UHVWDQWHGRYDORUHQYLDGRSRU)HUUD]IRL´DSOLFDGRQDDTXLVLomRGH
livros antigos de historiadores e viajantes ingleses acerca de nosso país. Já
chegaram sete livros. Foram escolhidos pelo diretor do Sepro, em Lon-
GUHVGRXWRU-RUJH0DLDµRPHVPRTXHKDYLDORFDOL]DGRXP0RGLJOLDQL
para o MASP.
3RUÀP/LPD'XDUWHGHVÀRXXPDJUDGHFLPHQWRHPQRPHGD6RFLH-
GDGH 'RP 3HGUR ,, H VDXGRX 2VFDU 0DUWLQH] DQÀWULmR TXH UHFHELD
6HEDVWLmR3DHVGH$OPHLGDH-RVp)HUUD]GH&DPDUJR´RVGRDGRUHVGR
PLRORHGDFDVFDGRYDOLRVRYROXPHµ

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 197
Dois andares para a galeria
$&ROHomR%UDVLOLDQDFUHVFLD1DSDVVDJHPGHDDFHOHURX
se o ritmo das doações para a galeria de Belo Horizonte. O professor
%DUGL ORFDOL]RX DQWLJXLGDGHV j YHQGD HP 6mR 3DXOR &DUORV 5L]]LQL
saiu à caça de outras primeiras edições. O presidente da Varig, Rubem
%HUWDHPSHQKRXPLOK}HVGHFUX]HLURVHPFRQWUDWRVGHSXEOLFLGDGH
QRVyUJmRVGRV'LiULRV$VVRFLDGRV&RPDYHQGDGDVPLOFDL[DVGH
EHELGDVRIHUWDGDVSRU&DUORV'UHKHUKDYLDVLGROHYDQWDGRVRXWURV
milhões.0DLVGLQKHLURFKHJDYDGDVPmRVGHHPSUHViULRVHEDQTXHL-
ros de todas as regiões do Brasil, mobilizados em torno da Campanha
1DFLRQDOGRV0XVHXV5HJLRQDLV$SUySULDSUHVLGHQWHGD$VVRFLDomRGRV
0XVHXV5HJLRQDLV<RODQGD3HQWHDGRIDULDXPDYXOWRVDFRQWULEXLomR
$VVLPGHSRLVGRWHVWDPHQWRGRFDSLWmRGRQDWiULRGRVPDQXVFULWRV
GHXPLQFRQÀGHQWHPLQHLURGDVDTXDUHODVGH+DJHGRUQGRVWUrVYROX-
PHVGDSULPHLUDHGLomRGROLYURGRSUtQFLSH0D[LPLOLDQ]X:LHG1HX-
ZLHGVREUHR%UDVLODQXQFLDYDVHXPDQRYDYHGHWH+DYLDVLGRDGTXLULGR
XPUDUtVVLPROLYURDSULPHLUDHGLomRGRWUDWDGRGH*DVSDU%DUOHXVVREUH
os oito anos de governo de Nassau, durante a conquista holandesa do
Brasil.$REUDFXVWRXXPPLOKmRHPLOFUX]HLURVRIHUWDGRVSRU
*RPHV0DUDQKmR
$SUR[LPDYDVHDLQDXJXUDomRGRSULPHLURPXVHXUHJLRQDOHP$UD[i
Logo, seria o tempo de inaugurar a galeria de Belo Horizonte. Impunha-
se, mais que nunca, a necessidade de se encontrar um lugar que abrigasse
D FROHomR 9LVLWDQGR D FLGDGH PLQHLUD GH 6DQWD /X]LD HP  GH MXOKR
GH$VVLV&KDWHDXEULDQGGLYXOJRXRGHVWLQRTXHLPDJLQRXSDUDDV
obras de arte, livros e documentos, ao chegarem à capital.
Queremos anunciar que, tendo construído, com o [Banco] Lavoura, o
(GLItFLR'iULR$OPHLGD*XLPDUmHVHUHHPEROVDGRREDQTXHLURHVJD-
nado… agora, faremos, na Rua Goiás, o Palácio d’O Estado de Minas,
FRPDQGDUHVDOpPGHGRLVDQGDUHVSDUDD*DOHULD%UDVLOLDQD
Os Diários Associados acabavam de concluir o edifício que sediaria
suas rádios, a TV Itacolomi e a TV Alterosa. Os estúdios das emissoras

198 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
IXQFLRQDYDPDWpHQWmRQRVžHžDQGDUHVGR(GLItFLR$FDLDFDQR
&HQWURGH%HOR+RUL]RQWH$VDGDSWDo}HVGDFRQVWUXomRSDUDUHFHEHUD
RSHUDomRGDVHPLVVRUDVQmRHUDPQHPIiFHLVQHPWRWDOPHQWHHÀFD]HV
haja vista a necessidade de remodelagem dos andares para receber os
HTXLSDPHQWRVHDHSRSHLDGDLQVWDODomRGDVDQWHQDVGHWUDQVPLVVmRQR
topo do edifício mais alto da cidade. O novo prédio, situado no terreno
do antigo solar de Hugo Werneck, foi construído especialmente para as
estações. Custou uma fortuna. Ainda assim, Chateaubriand sonhava lan-
çar-se em outra aventura arquitetônica. Desejava construir, no Centro da
cidade, uma imponente sede para seu jornal e seu novo museu.
8PPXVHXIXQFLRQDQGRQRHGLItFLRGHXPDHPSUHVDSULYDGD²QmR
KDYLDQRYLGDGHQLVVR$RPHQRVSDUD&KDWHDXEULDQGRXSDUD6mR3DXOR
$IyUPXODHVWDYDVHQGRH[SHULPHQWDGDSHORPDJQDWDKiTXDVHDQRV
Na capital paulista, a sede dos Diários Associados ocupava um prédio
DUTXLWHWDGRSRU-DFTXHV3LORQHLQDXJXUDGRHP$OLj5XD6HWHGH
$EULOIRLWDPEpPLQVWDODGRR0XVHXGH$UWHGH6mR3DXOR+DYLDVLGR
decidido que um andar do edifício deveria ser organizado por Lina Bo
SDUDH[SRURDFHUYRGRPXVHX9LVLWDQGRR%UDVLOSDUDHVFUHYHUVHXOLYUR
sobre a arquitetura barroca no Brasil, Germain Bazin testemunhou a ins-
WDODomRGRPXVHX
« GHVFREULHP6mR3DXORXPLPHQVRHVTXHOHWRGHFLPHQWRDUPDGR
um museu suspenso no vazio, no único andar que estava terminado.
$LPSDFLrQFLDHPSRVVXLUHVWHPXVHXQmRGHL[RXHVSHUDUTXHFRPR
SUpGLRTXHRGHYHULDDEULJDUÀFDVVHSURQWR
De um, passaram-se logo a dois andares. De dois, ampliaram-se para
WUrVWmRFHGRTXDQWRHP6RPHQWHjTXHODDOWXUDQRVÀQVGDGpFDGD
GHpTXHRPXVHXJDQKDULDXPDVHGHQRYDHLQGHSHQGHQWHFRQVWUX-
ída por Lina Bo Bardi na Avenida Paulista.
Chateaubriand, pelo que se via, pretendia repetir a fórmula em Minas
*HUDLV1R´SDOiFLRµDVHUOHYDQWDGRSDUDRMRUQDOO Estado de Minas, dois
andares seriam destinados ao novo museu. As obras deveriam se iniciar
QRVSULPHLURVPHVHVGHVHJXQGRXPDGHFODUDomRGDGDSRU&KDWH-
DXEULDQGHPGH]HPEURGH O magnata sabia, entrementes, que

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 199
uma empreitada dessas dimensões levaria muito tempo para ser conclu-
tGD1mRVHULDDVVLPVDQDGDDQHFHVVLGDGHGHXPOXJDUSDUDDJDOHULDDWp
DGDWDGHVXDLQDXJXUDomR6RQKDUDOWRUHVROYHULDHPQDGD
(PQDGDPHVPR$JUDYDUDVHDFULVHÀQDQFHLUDGRV'LiULRV$VVRFLD-
dos. A falta de recursos estava na iminência de trazer danos irremediáveis
para as empresas. O Cruzeiro havia sido a revista semanal de maior tira-
JHPGRSDtVQDGpFDGDGHWLQKDXOWUDSDVVDGRPLOH[HPSODUHV
WUD]HQGRFROXQDVHSHUVRQDJHQVGHH[WUHPDSRSXODULGDGH0DVFRPRDV
demais revistas ilustradas em todo o mundo, na década seguinte, entrou
HPIUDQFRGHFOtQLR(PH[SDQVmRDWHOHYLVmRDUUHEDQKRXJUDQGHSDUWH
do público dos veículos impressos. O impacto, na revista, foi tremendo.
(PžGHMXQKRD(PSUHVD*UiÀFD2&UX]HLURSDURXVXDVPiTXLQDV
0RWLYRIDOWDGHSDSHO
'DOLDGLDV-RmR&DOPRQUHWRUQDYDDR5LRGH-DQHLUR+DYLDLGRD
Belo Horizonte para um jantar que Chateaubriand ofereceu no Automó-
vel Clube. O diretor dos Diários Associados encontrou sobre sua mesa
XP FRPXQLFDGR $ HPSUHVD 6DPDE QmR HQWUHJDULD PDLV SDSHO SDUD O
Cruzeiro, “nem mesmo contra pagamento a vista. Impunha à revista a
OLTXLGDomRSUpYLDGRVWtWXORVYHQFLGRVQR%DQFRGR%UDVLO6HULDPQHFHV-
ViULRVDWpRGLDVHJXLQWHSRUWDQWRQDGDPHQRVTXHPLOK}HVGHFUX-
]HLURVµ
$GLÀFXOGDGHHQIUHQWDGDSHODUHYLVWDHUDDPHVPDSHODTXDOSDVVDYD
WRGR R JUXSR 1D kQVLD SRU OHYDU DGLDQWH D IRUPDomR GRV DFHUYRV GR
MASP, da Galeria Brasiliana e dos outros museus regionais, Chateau-
briand abusava do seu estratagema de obter doações em troca de anúncios
nos veículos dos Diários Associados. Recursos essenciais para a manu-
WHQomRGRJUXSRVHHVYDLDP$VVLPTXHHQWUDYDPHUDPORJRGHVWLQDGRV
às atividades dos museus e da Sociedade Dom Pedro II.
Em meados de junho, os Diários Associados concluíam a venda da
5iGLR H 79 &XOWXUD SDUD R JRYHUQR GH 6mR 3DXOR (UD XP VDFULItFLR
feito pela sobrevivência do grupo. Instalada em uma nova casa, a TV
Itacolomi ansiava por entrar na era do videoteipe e conseguir uma vanta-
gem frente às suas concorrentes. Importaram, para isso, o mais avançado
HTXLSDPHQWR H[LVWHQWH PDV HOH QmR FKHJDYD D %HOR +RUL]RQWH (VWDYD

200 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
retido no porto do Rio de Janeiro, por falta de pagamento. Situações
semelhantes se espalhavam por todas as empresas do grupo.
$ VLWXDomR SHULFOLWDQWH GH O Cruzeiro H[LJLD XPD LQWHUYHQomR LPH-
GLDWD-RmR&DOPRQH/HmR*RQGLPJHVWRUGDUHYLVWDUHXQLUDPVHFRP
&KDWHDXEULDQGSDUDLQIRUPiORVREUHDVLWXDomR2SHULyGLFRGHL[DULDGH
FLUFXODUFDVRVXDGtYLGDQmRIRVVHVDOGDGDLPHGLDWDPHQWH2PRQWDQWH
QHFHVViULRSDUDTXLWDURVWtWXORVYHQFLGRVPLOK}HVGHFUX]HLURVMi
KDYLDVLGROHYDQWDGRHP%HOR+RUL]RQWH+DYLDPVLGRÀQGDGRVRVFRP-
SURPLVVRVDVVXPLGRVFRPR%DQFRGD/DYRXUDSDUDDFRQVWUXomRGDVHGH
das emissoras de rádio e TV que o grupo mantinha na cidade. O banco,
HQWmRQHJRFLRXDTXDQWLDWHQGRFRPRJDUDQWLDXPSDFRWHGHFRQWUDWRV
GHSXEOLFLGDGHHPWRGRVRVyUJmRVDVVRFLDGRV
Chateaubriand estava para ir ao Rio de Janeiro no dia seguinte e Cal-
PRQKDYLDUHFHELGRXPSHGLGRVHXPLOK}HVGRFRQWUDWRREWLGRFRP
R%DQFRGD/DYRXUD6HXREMHWLYRHUDQRHQWDQWRHQYLDUPLOK}HV
para a compra de pinturas e gravuras para a Galeria Brasiliana. Walter
Moreira Salles e Alberto Lee intermediariam as compras, que ocorreriam
QD)UDQoD3DUDDRSHUDomR&KDWHDXEULDQGLQWHQFLRQDYDXVDURVUHFXU-
VRVREWLGRVFRPR%DQFRGD/DYRXUDHPDLVPLOK}HVGHFUX]HLURV
HPSUHVWDGRVSHORJRYHUQDGRU0DJDOKmHV3LQWR
´1mRKiPDLVQDGDDID]HUHVWiWXGRSHUGLGRµGHFODURX&KDWHDX-
EULDQGDRUHFHEHUDQRWLFLDPDVQmRDTXLHVFHX5HSOLFRXTXHO Cruzeiro
QmR VHULD VDOYR VRPHQWH FRP DTXHOD TXDQWLD )RL DSHQDV FRP D LQWHU-
YHQomRGH0RUHLUD6DOOHVH$OEHUWR/HHTXHRPDJQDWDIRLFRQYHQFLGR
a suspender as aquisições naquele momento crítico. Havia sido muito
GXUR SDUD &DOPRQ GL]HU DR FKHIH TXH ´QmR VHULD SRVVtYHO DR PHVPR
tempo, salvar os Diários Associados, melhorar o gado brasileiro, incre-
mentar a agricultura e, como ele acabara de prometer em Belo Horizonte,
HOHYDURQtYHODUWtVWLFRGRSRYREUDVLOHLURDWUDYpVGDIXQGDomRGHQRYRV
PXVHXVµ
4XDQGR&KDWHDXEULDQGYLVLWRX6DQWD/X]LDDVLWXDomRMiHVWDYDSRVWD
Ele provavelmente sabia que demoraria bastante para conseguir cumprir
RTXHDQXQFLDYDDFRQVWUXomRGR3DOiFLRGHO Estado de Minas, com a
sede da Galeria Brasiliana.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 201
Uma terra sem museus
Belo Horizonte sonhava museus. Como uma sina, esse sonho sempre
tardava em se realizar. Transferido de Ouro Preto para a nova capital do
(VWDGRHPR$UTXLYR3~EOLFR0LQHLURWUDULDFRQVLJRRHPEULmR
GHXPLPSRUWDQWHPXVHXHQFLFORSpGLFR'HVGHVXDFULDomRHPR
yUJmRPDQWLQKDHQWUHVXDVFRPSHWrQFLDVFRQVHUYDUGRFXPHQWRV´SDSpLV
RXREMHWRVµHUHFROKHUDWpDFULDomRGHXPPXVHX´TXDGURVHHVWiWXDV
mobílias, gravuras, estofos, bordados, rendas, armas, objetos de ourive-
VDULDEDL[RVUHOHYRVHVPDOWHVREUDVGHFHUkPLFDGHTXDLVTXHUPDQLIHV-
tações de arte no Estado, desde que tenham valor propriamente artístico
RXKLVWyULFRµ$LQWHQomRGHIXQGDURPXVHXVHULDFRQÀUPDGDHP
por efeito de uma lei que organizava os acervos museológicos do arquivo
HPWUrVVHo}HV+LVWyULD1DWXUDO(WQRJUDÀDH$QWLJXLGDGHV+LVWyULFDV
A medida objetivava compor o acervo inicial do museu a ser instalado
´TXDQGRDVFLUFXQVWkQFLDVÀQDQFHLUDVGR(VWDGRRSHUPLWLVVHPµ
$LQGD QDV SULPHLUDV GpFDGDV DSyV D IXQGDomR GD FDSLWDO DUWLVWDV H
moradores da cidade clamavam por investimentos do poder público no
LQFHQWLYRjFULDomRSOiVWLFD(VSHUDYDPTXHRVJRYHUQRVHVWDGXDOHPXQL-
FLSDODSRLDVVHPDFULDomRGHHVFRODVSUHPLDo}HVHPXVHXVGHDUWH8P
grande animador do cenário cultural da cidade havia sido o pintor e pro-
IHVVRU$QtEDO0DWWRV,PEXtGRGRGHVHMRGHLPSXOVLRQDUDFULDomRGHXP
PXVHXGHDUWHHPHOHGRRXFLQFRGHVXDVWHODVSDUDTXHR(VWDGR
IXQGDVVHXPDSLQDFRWHFD­pSRFDDLGHLDQmRYLQJRXHDVREUDVIRUDP
recolhidas no Arquivo Público Mineiro.
A Galeria Brasiliana tinha o diretor do Arquivo Público Mineiro,
-RmR *RPHV 7HL[HLUD FRPR VHX VHFUHWiULRJHUDO 6HULD GH VH LPDJLQDU
SRUWDQWRTXHHOHIRVVHDFLRQDGRSDUDRIHUHFHUXPWHWRSDUDDFROHomR
HQTXDQWRQmRVHFRQVWUXtDRHGLItFLRGRMRUQDOO Estado de Minas. Con-
tudo, as condições de guarda dos próprios acervos museológicos do
DUTXLYR LQVSLUDYDP FXLGDGRV $V FLUFXQVWkQFLDV ÀQDQFHLUDV QHFHVViULDV
jFRQVWLWXLomRGRHVSHUDGRPXVHXDLQGDQmRKDYLDPVHDSUHVHQWDGRj
DOWXUDGH2YROXPHGRVDFHUYRVPXVHROyJLFRVGR$UTXLYR3~EOLFR
Mineiro e das obras de arte reunidas na pinacoteca do Estado aumentava.

202 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Mas o destino das coleções ali abrigadas era uma fonte de constantes pre-
RFXSDo}HVSDUDRVJHVWRUHVGDLQVWLWXLomRVHPTXHKRXYHVVHXPDVROXomR
GHÀQLWLYD
$FUHGLWDQGR TXH DV DXODV H[SRVLWLYDV RV H[HUFtFLRV UHSHWLWLYRV H D
PHPRUL]DomRPHFkQLFDQmRFRQWULEXtDPSDUDDHVWUXWXUDomRGHXPVDEHU
SOHQR R SURIHVVRU &DWKRXG IRUPRX XPD LPSRUWDQWH FROHomR SHGDJy-
JLFD ,QLFLDGD QD GpFDGD GH  FRP DOJXQV REMHWRV SURYHQLHQWHV GD
$OHPDQKDDFROHomRLQVWDODGDQD(VFROD1RUPDOLQFOXtDLQVWUXPHQWRV
para o ensino da física, química e astronomia, amostras mineralógicas
HH[HPSODUHV]RROyJLFRVERWkQLFRVHSDOHRQWROyJLFRV6HXREMHWLYRHUD
RGHHPEDVDUDVDXODVWHyULFDVGHFLrQFLDVGRFXUVRGHIRUPDomRGHSUR-
IHVVRUHV $OFDQoDQGR PDLV GH  PLO LWHQV HP  D FROHomR JDQKRX
FRQWRUQRVLQVWLWXFLRQDLVFRPDFULDomRRÀFLDOGR0XVHX3HGDJyJLFRH
Laboratório Leopoldo Cathoud.
Embora cumprisse um importante papel no desenvolvimento da
ciência e da cultura na cidade, o Museu Pedagógico possuía uma dinâ-
PLFDHHVSDoRPXLWRHVSHFtÀFRV²WmRHVSHFtÀFRVTXHHOHWDOYH]QXQFD
tenha sido cogitado como lugar para a guarda temporária da Galeria Bra-
siliana.
$QWHV PHVPR GD RÀFLDOL]DomR GR 0XVHX 3HGDJyJLFR GR SURIHVVRU
&DWKRXGDSULPHLUDLQVWLWXLomRPXVHROyJLFDGH%HOR+RUL]RQWHQDVFHULD
HP6HXQRPHHUD0XVHX+LVWyULFRGH%HOR+RUL]RQWH O ponto
GHRULJHPGDHQWLGDGHUHPRQWDYDDDRVHUFRQYLGDGRDRUJDQL]DUR
Arquivo Geral da Prefeitura, o historiador Abílio Barreto encontrou na
UHSDUWLomR´DOJXQVREMHWRVSUHVHUYDGRVRÀFLDOPHQWHSRUPHGLGDGHVDOYD-
JXDUGDµ Passando a coletar objetos remanescentes de tempos diversos,
convenceu o prefeito Juscelino Kubitschek da necessidade de se criar um
PXVHXSDUDFRQVHUYDUUHOtTXLDVGDFDSLWDOPLQHLUD2SUHIHLWRHP
UHVSRQGHXDRSHGLGRIRUMDQGRRHPEULmRGDLQVWLWXLomRDWUDYpVGHXP
GHFUHWRFULRXXPD6HomRGH+LVWyULDDQH[DDRDUTXLYRPXQLFLSDOHWXWH-
lada por Barreto.
&RPRVHGHGDLQVWLWXLomRIRLHVFROKLGRRFDVDUmRGDDQWLJD)D]HQGD
9HOKDQDUHJLmRH[WUHPRVXOGDFLGDGH3DUD$EtOLR%DUUHWRDFDVDUHSUH-
VHQWDYDDPDLVIRUWHFRQH[mRGDFLGDGHFRPVHXSDVVDGR´R~QLFRSUpGLR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 203
LQDOWHUDGRGRDQWLJRDUUDLDOµDUUDVDGRSDUDGDUOXJDUjQRYDHUHSXEOLFDQD
capital de Minas Gerais. Era também “a prova viva daquele passado
SURIXQGRTXHFULDYDXPDWUDGLomRµ – elemento especialmente impor-
tante para uma jovem cidade que já se reconstruía, vacilando entre o
olhar para o passado, inventando tradições, e o projetar-se para o futuro,
fundando a modernidade.
2FDVDUmRWLQKDXPHVSDoRDFDQKDGRHLQDGHTXDGRSDUDDQRYDIXQ-
omR 3RU LVVR JHUPLQDUDP XP VHPQ~PHUR GH LGHLDV H SURMHWRV SDUD
VXDH[SDQVmR&RPRIRUPDGHGLQDPL]DURORFDODIDVWDGRGRFHQWURGD
FLGDGH$EtOLR%DUUHWRSODQHMDUDDFULDomRGHXP´SDUTXHU~VWLFRµTXH
GDULDDLGHLDGH´XPDSURSULHGDGHUXUDOGR « DQWLJR&XUUDO'HO5HLµ
7DPEpP IRUDP LPDJLQDGDV RXWUDV FRQVWUXo}HV SDVVDGLVWDV XP PXUR
U~VWLFRFRPXPDFHUFDGHID]HQGDHXPDUHSURGXomRGDDQWLJDFDSHODGD
Boa Viagem.
Modernistas, os técnicos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artís-
WLFR1DFLRQDOVHRSXVHUDPjH[HFXomRGHSODQRVWmRDQDFU{QLFRV/RJR
os projetos seriam abandonados, embora o desenvolvimento das ativida-
GHVGDLQVWLWXLomRHVWLYHVVHQHFHVVDULDPHQWHFRQHFWDGRjH[SDQVmRGHVHX
HVSDoRItVLFR2DQH[RGRPXVHXGHPRUDULDDVHUFRQVWUXtGR6HPHVSDoR
DGHTXDGRHVXÀFLHQWHSDUDH[LELUVXDVSUySULDVFROHo}HVR0XVHX+LVWy-
ULFRFHUWDPHQWHQmRIRUQHFHULDXPODUDGHTXDGRSDUDD*DOHULD%UDVLOLDQD
GH&KDWHDXEULDQGSRUPDLVTXHDFROHomRSXGHVVHDMXGDUDFLGDGHDFRQV-
truir suas raízes.20XVHX+LVWyULFRQmRVDWLVIH]RLPSXOVRGHPXVH-
DOL]DomRGRVPRUDGRUHVGDFDSLWDO´%HOR+RUL]RQWHQmRSRVVXLPXVHXV
²7HPVLP(RPXVHXGD)D]HQGD9HOKD"²eYHUGDGHPDVHVWHp
DSHQDVXPPXVHXKLVWyULFR4XHUHPRVIDODUHPPXVHXVGHDUWHµ
Com sarcasmo, o historiador e crítico de arte Wilson de Vasconcellos
SRQWXDYDDDXVrQFLDGHHVSDoRVSUySULRVSDUDDPRQWDJHPGHH[SRVLo}HV
artísticas na cidade. De fato, as mostras ocorriam em toda sorte de local,
H[FHWRQDVLQH[LVWHQWHVJDOHULDVHPXVHXVGHDUWH1RVVDO}HVGR&RQVH-
OKR'HOLEHUDWLYRDFRQWHFHXDSULPHLUD([SRVLomR*HUDOGH%HODV$UWHV
GD &DSLWDO RUJDQL]DGD SRU $QtEDO 0DWWRV HP  (P  R &OXE
Bello Horizonte abrigou uma mostra dos trabalhos de Genesco Murta.
'XUDQWH WRGD D GpFDGD GH  D HVFXOWRUD -HDQQH 0LOGH UHDOL]RX

204 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
H[SRVLo}HVGDVREUDVGHVXDVDOXQDVSURIHVVRUDVGRFXUVRGHSHGDJRJLD
QDVVDODVGD(VFRODGH$SHUIHLoRDPHQWR2XWUDVH[SRVLo}HVRUJDQL]DGDV
SRU0DWWRVFRPRD9,,([SRVLomR*HUDOGH%HODV$UWHV  WLYHUDP
OXJDUQRVDOmRQREUH7HDWUR0XQLFLSDO E, “entre chopps e sandwichesµD
SULPHLUDH[SRVLomRFROHWLYDGHDUWHPRGHUQDGDFLGDGHVHDORMRXQREDU
do Cine Brasil, abandonando o “salon ou foyer GDV H[SRVLo}HV DQWLJDVµ
VHQGRDSHOLGDGRGH6DOmR%DU%UDVLO
1DGpFDGDGHGLYHUVRVHGLItFLRVFRPHUFLDLVDEULJDUDPH[SRVL-
o}HV$VPDLVIDPRVDVRFRUUHUDPQR(GLItFLR0DULDQDHP&RPR
SDUWHGHVHXSURJUDPDGHPRGHUQL]DomRGH%HOR+RUL]RQWHHHPFRPH-
PRUDomRDRVDQRVGD6HPDQDGH$UWH0RGHUQDGH6mR3DXORRSUHIHLWR
-.SURPRYHXXPDH[SRVLomRGHDUTXLWHWXUDPRGHUQDHXPDH[SRVLomR
de arte moderna nesse centro comercial. No ano seguinte, Milde realizou
XPDPRVWUDGHVXDSURGXomRHVFXOWyULFDQR6DOmRGH)HVWDVGR*UDQGH
+RWHO1R(GLItFLR6XO$PpULFDHPPDUoRGHHODIDULDRXWUDPRVWUD
individual.
3XEOLFDGDHPDFUtWLFDGH9DVFRQFHOORVQmRHUDXPIDWRLVRODGR
(OD HFRDYD DQWLJDV UHLYLQGLFDo}HV SHOR DSRLR GR JRYHUQR j SURGXomR
DUWtVWLFD8PDSRLRTXHQmRFKHJDYDHPGRVHVQHFHVViULDVSDUDUHPHGLDU
a ausência de uma escola e um museu de arte.
Uma das mais contundentes manifestações em favor do empenho
HVWDWDOQRIRPHQWRGDVDUWHVWHULDR6DOmR%DU%UDVLO(PDFLGDGH
presenciaria duros embates entre artistas alinhados às estéticas moderni-
]DQWHVHDTXHOHVGHÀOLDomRFOiVVLFD6REDRUJDQL]DomRGRDUWLVWD'HOSLQR
Júnior, caricaturistas, pintores, escultores e arquitetos, adeptos ao art déco
HDRPRGHUQLVPRHPVXDPDLRULDVHUHXQLUDPHPXPDH[SRVLomRRUJD-
QL]DGDQREDUGR&LQH%UDVLO26DOmR%DU%UDVLOH[SUHVVDYDRGHVFRQWHQ-
WDPHQWRGRJUXSRFRPDDPELrQFLDDUWtVWLFDHVRFLDOGDFDSLWDOTXHHQWmR
FHOHEUDYD D UHDOL]DomR GR ,, &RQJUHVVR (XFDUtVWLFR 1DFLRQDO H D QRYD
HGLomRGD([SRVLomR*HUDOGH%HODV$UWHVPRQWDGDQR7HDWUR0XQLFLSDO
por Aníbal Mattos, representante maior do tradicionalismo nas artes na
capital.
,QWHQVDPHQWHDFRPSDQKDGDSHODLPSUHQVDDSROrPLFDGR6DOmR%DU
%UDVLO WLQKD GRLV DOYRV FRQWHVWDU D KHJHPRQLD GH 0DWWRV QR FHQiULR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 205
DUWtVWLFRORFDOHUHLYLQGLFDURDSRLRGRPXQLFtSLRSDUDDFULDomRGHXPD
HVFRODGHEHODVDUWHVDRUJDQL]DomRGHH[SRVLo}HVHDLQVWLWXLomRGHSUr-
mios de incentivo.1mRIRUDPUHJLVWUDGDVPDQLIHVWDo}HVH[SOtFLWDVSHOD
FULDomRGHXPPXVHXGHDUWH(IUHQWHjRULHQWDomRGHDOJXQVDUWLVWDVSDUD
a ruptura com o passado plástico, surgiam prevenções contra instituições
TXHUHVJXDUGDVVHPYDORUHVGHRXWUDVpSRFDV´FRPRVHDEHOH]D « IRVVH
XPSURGXWRGHPXVHXXPIyVVLOTXDOTXHUµ
“Antes de mais nada, acentuemos que, em vez de irem à Europa,
os nossos artistas devem é regressar urgentemente de lá. Basta de Lou-
YUHV H 5DSKDHLVµ DÀDQoDUD $QW{QLR &ULVSLP XP alter ego cronista de
&DUORV'UXPPRQGGH$QGUDGH$RFRQWLQXDUDVVHJXUDYD´1DPDLRULD
GRVFDVRVQDGDOXFUDPRVFRPHVVDSHUHJULQDomRjSRHLUDSDVVDGLVWDGRV
PXVHXV$SUHQGHVHDID]HUSLQWXUDQmRVHDSUHQGHDSLQWDUµ
7UDWDYDVHGHXPDRSRVLomRDRVYHOKRVPXVHXVHDRVIRUPDOLVPRVGD
HGXFDomRQDVDFDGHPLDVGHDUWH8PFRPEDWHTXHQmRH[FOXLULDGHWRGR
RDPEtJXRGHVHMRSHODFULDomRGHQRYRVDUTXpWLSRVSDUDHVVDVLQVWLWXL-
o}HV2SURMHWRPRGHUQLVWDEUDVLOHLURDFDOHQWDYDDFRQVHUYDomRGHXPD
WUDGLomRLPDJLQDGDTXHHPVXDRULJHPFRORQLDOJXDUGDULDDVHPHQWHGH
uma cultura genuinamente nacional. Em tantos momentos, como na crô-
QLFDGH%DUED$]XO RXWUDYR]GH'UXPPRQG RFXLGDGRFRPDWUDGLomR
UHVYDODYDHPXPVHQWLPHQWRGHXUJrQFLDSRUDWRVSHODFRQVHUYDomRGR
SDWULP{QLRPLQHLUR
2 PXVHX ´0DULDQR 3URFySLRµ GH -XL] GH )RUD LQDXJXURX DV VXDV
QRYDVJDOHULDV0LQDV*HUDLVTXHpXPDWHUUDWmRULFDGHWUDGLomR « 
tem na casa de Mariano Procópio o único lugar onde essas tradições
se depositam e cultivam. Somos uma terra sem museus e com a “tem-
SHUDWXUDµGRVPXVHXV1DGDQRVIDOWDQHPR$OHLMDGLQKRQHPDVERDV
e sólidas mobílias de jacarandá nem troféus de guerra e motim, que
relembrem a turbulência dos tempos passados. Falta-nos, entretanto,
D FDVD RQGH JXDUGDU WXGR LVVR FDVD TXH QmR VHMD XPD DFDGHPLD RX
um arquivo, que é a sepultura de vivos candidatos à morte. Porque o
PXVHXPRGHUQDPHQWHIDODQGRH[FOXLDVEDUEDVGDSUD[HHDSRHLUD
dos prejuízos. É a casa visitável e mesmo que atrai visita, pelo seu
DVSHFWRHRUJDQL]DomRTXHYDORUL]DPRHVSyOLRUHFROKLGR

206 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Fundar um museu de arte – era esse um sonho inconcluso da cidade.
$LQGDTXHHOHQmRWHQKDKDELWDGRDVUHLYLQGLFDo}HVGRVDUWLVWDVGR%DU
%UDVLOpQDSUHVVmRTXHÀ]HUDPVREUHDPXQLFLSDOLGDGHTXHDLGHLDJHU-
minou.
2SUHIHLWR2WDFtOLR1HJUmRGH/LPDDSyVYLVLWDUDH[SRVLomRVDQFLR-
QRXDUHVROXomRGHTXHRPXQLFtSLRUHDOL]DVVHXP6DOmRGH%HODV$UWHV
SRU DQR (P  R VDJXmR GD SUHIHLWXUD UHFHEHX R , 6DOmR GH %HODV
$UWHVGH%HOR+RUL]RQWHPDUFRGDLQVWLWXFLRQDOL]DomRGDDUWHQDFLGDGH
HGDDÀUPDomRGDSUHIHLWXUDFRPRSULQFLSDOPHFHQD$RORQJRGRVDQRV
IRUWDOHFHUDPVHRVFODPRUHVSRUXPHVSDoRH[SRVLWLYRSHUPDQHQWHSDUD
UHFHEHUR6DOmR9H]RXRXWUDHUDUHDFHVRRGHVHMRSHODFULDomRGHXP
museu de arte para Belo Horizonte.
$SyV D SURLELomR GRV MRJRV GH D]DU QR %UDVLO HP  R &DVVLQR
GD3DPSXOKDIRLIHFKDGR2DEDQGRQRGHVVHtFRQHGDPRGHUQL]DomRGD
FLGDGHWRUQRXVHXPDFKDJDDEHUWD$GHVWLQDomRGHVHXHGLItFLRHUDXPD
TXHVWmRVHPVROXomR3HUPDQHFHQGRDPDLRUSDUWHGRWHPSRIHFKDGRR
ORFDOIRLXVDGRHVSRUDGLFDPHQWHSDUDEDLOHVGHIRUPDWXUDIHVWDVHH[SR-
sições. Seu edifício, com “valiosos quadros de artistas modernos, riquís-
sima tapeçaria, móveis fabricados nas melhores casas do Rio de Janeiro
H6mR3DXORRXVDGDVGHFRUDo}HVTXHLPSUHVVLRQDYDPRYLVLWDQWHµVRIUHX
GHJUDGDo}HVHPIXQomRGHXVRVLQDGHTXDGRV
2DQRGHIRLFUXFLDOSDUDRSUpGLRFULDGRSRU1LHPH\HU1DTXHOH
PRPHQWR´RH[HFXWLYRPXQLFLSDOVXJHULXTXHVHUHDOL]DVVHPH[SRVLo}HV
GHDUWHQRH[FDVVLQRµHQWUHRVHYHQWRV´SURJUDPDGRVSDUDDVFRPHPR-
UDo}HVGRFLQTXHQWHQiULRGH%HOR+RUL]RQWHµ O prédio foi “cedido, por
alguns meses, à diretoria do Instituto do Patrimônio Artístico Nacional,
TXHQHOHLQVWDORXD([SRVLomRGH$UWH7UDGLFLRQDOGH0LQDV*HUDLVµ
$PRVWUDFXPSULDRLGHDOPRGHUQLVWD2HGLItFLRVtPERORGDUHYROXomR
DUTXLWHW{QLFDGDFDSLWDODFROKLDHH[LELDDRS~EOLFRUpSOLFDVGDVREUDVPi[L-
PDVGREDUURFRGH0LQDV*HULDVRVSURIHWDVGH&RQJRQKDVHVFXOSL-
dos por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. A própria equipe de
FRQFHSomRGDPRVWUDHQFDUQDYDHVVHFDVDPHQWRHQWUHWUDGLomRHUHQRYD-
omR&RQFHELGDSHORDUTXLWHWR6\OYLRGH9DVFRQFHORVGLUHWRUUHJLRQDOGR
serviço do patrimônio e professor da Escola de Arquitetura da UFMG,

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 207
DH[SRVLomRWHYHVHXSURMHWRH[SRJUiÀFRGHVHQKDGRSHORSULQFLSDODUTXL-
teto modernista do país, Oscar Niemeyer. Acima de tudo, consolidava-
VHXPDQRYDYRFDomRSDUDROXJDUFRPRDPELHQWHH[SRVLWLYR
)RUWDOHFLDPVHDVRSLQL}HVDIDYRUGDFRQYHUVmRGRSUpGLRHPPXVHX
1D DOWXUD GH  &HOVR %UDQW DUWLFXOLVWD GH O Estado de Minas À[RX
R SDUDGR[R D 3DPSXOKD HUD ´XPD GDV PHOKRUHV UHDOL]Do}HV GD DUWH
moderna em nosso país, ao passo que uma das falhas no panorama cul-
WXUDOGDFLGDGHpDLQH[LVWrQFLDGHXPPXVHXµ1DGDPHOKRUHQWmRTXH
VHJXLUDVXJHVWmRGDGDSRU1HOVRQ5RFNIHOOHUTXDQGRYLVLWRXDFLGDGH
´WUDQVIRUPDURFDVVLQRHPXP0XVHXGH$UWH0RGHUQDµ
O prefeito Celso Mello de Azevedo respondeu aos cuidados dos seus
FRQFLGDGmRVFRORFDQGRRV´PRQXPHQWRVDUTXLWHW{QLFRVGHLQDSUHFLiYHO
YDORUDUWtVWLFRµVRED´DOoDGDGRGLUHWRUGR0XVHXGD&LGDGHµ2FDV-
sino, alvo principal da medida, passaria por adaptações necessárias à sua
WUDQVIRUPDomRHPPXVHX1RDQLYHUViULRGHDQRVGDFLGDGHHPGH
GH]HPEURGHR0XVHXGH$UWHGH%HOR+RUL]RQWHVHULDLQDXJXUDGR
$VREUDVGHUHIRUPDGRSUpGLRDLQGDQmRKDYLDPWHUPLQDGRHRDFHUYR
GRPXVHXQmRHVWDYDIRUPDGRjpSRFDGHVXDDEHUWXUD$QRYDLQVWLWXL-
omRQRHQWDQWRQDVFLDKHUGHLUDGRVGHVHMRVJHVWDGRVQR%DU%UDVLOHP
VXDLQDXJXUDomRVHULDDEHUWRR;,6DOmR0XQLFLSDOGH$UWH1DVSDODYUDV
GRSURIHVVRU-DFTXHV%UDQGmRFXUDGRUGDPRVWUDHSULPHLURGLUHWRUGR
PXVHXDDGPLQLVWUDomRPXQLFLSDO´IRLDRHQFRQWURGRYHOKRVRQKRGRV
belo-horizontinos, transformando o antigo Cassino da Pampulha numa
LQVWLWXLomRTXHHOHYDRVSDGU}HVHVSLULWXDLVGDQRVVDFROHWLYLGDGHµ
6RPHQWHQRDQRGHIRLGHÀQLGDDYRFDomRGRPXVHXSDUDRFROH-
FLRQDPHQWRHH[SRVLomRGDDUWHPRGHUQD)XQGDPHQWDOSDUDLVVRWHULD
VLGRDGRDomRGHXPDFROHomRGHREUDVGRPRGHUQLVPRLQJOrVUHDOL]DGD
SHOR SUySULR &KDWHDXEULDQG 2 JHVWR GR HQWmR HPEDL[DGRU GR %UDVLO
QR5HLQR8QLGRPROGDULDDMRYHPLQVWLWXLomRFRPRXPPXVHXGHDUWH
moderna, ambicionando um alcance internacional.
&KDWHDXEULDQGFHUWDPHQWHPDQWLQKDDOJXPDSUHoRSHODLQVWLWXLomR
²SDUWHGRDFHUYRH[LVWHQWHQRPXVHXKDYLDVLGRIUXWRGHGRDo}HVLQFHQ-
tivadas por ele.2PXVHXGHDUWHSRUVXDYH]SHUWHQFLDjDGPLQLVWUDomR
municipal. Tendo o prefeito como vice-presidente, a Galeria Brasiliana

208 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
facilmente encontraria um lar temporário no antigo cassino. Ademais,
VXDFROHomRVLPXOWDQHDPHQWHDUWtVWLFDHKLVWyULFDSRGHULDVDQDUDDXVrQ-
cia de raízes e o vazio museológico sentido pelos habitantes da cidade.
&RQWXGR D DOWHUQDWLYD QmR VHULD YLiYHO GH LPHGLDWR (P  R
PXVHXVHHQFRQWUDYDIHFKDGR2VZDOGR3LHUXFHWWLGHDOJXPDPDQHLUD
HUDVHQVtYHOjH[SHFWDWLYDGRVEHORKRUL]RQWLQRVSRUXPPXVHXGHDUWHGH
H[FHOrQFLD$WHQGHQGRjVQHFHVVLGDGHVGHUHVWDXURHDGDSWDomRGRHVSDoR
SDUDDQRYDIXQomRRPXVHXSDVVDYDSRUREUDV$LQVWLWXLomRPDQWHYH
VXDDJHQGDFXOWXUDOUHDOL]DQGRH[SRVLo}HVHPRXWURVORFDLV1RWUDQV-
FXUVRGRDQRGHRPXVHXGHDUWHDSUHVHQWRXRVFHUWDPHVQRV6DO}HV
do Grande Hotel. Sua sede seria reinaugurada somente em dezembro
GDTXHOHDQRTXDQGR2VZDOGR3LHUXFHWWLDEULULDR;;,6DOmR1DFLRQDO
de Belas Artes.

A Galeria Brasiliana há de crescer.


Encontrou uma família
+iPXLWRHVSHUDGDHPGHRXWXEURGHRFRUUHXDFHULP{QLD
GH LQDXJXUDomR GD VHGH GD 8QLYHUVLGDGH )HGHUDO GH 0LQDV *HUDLV $V
REUDVGHFRQVWUXomRGD5HLWRULDKDYLDPVHLQLFLDGRKiDOJXQVDQRV(P
RSUpGLRMiH[LELDVXDLPSRQHQWHRVVDWXUDHUJXHQGRVHVROLWiULRQRV
terrenos descampados da nova Cidade Universitária, na Pampulha. Dois
DQRVGHSRLVHPVHWHPEURGHIRLFRPXQLFDGRDR&RQVHOKR8QLYHU-
sitário que “seria operada a mudança dos serviços da Reitoria para o novo
HGLItFLRµTXHMiHVWDYDFRPVHXVWUrVSULPHLURVSDYLPHQWRVFRQFOXtGRV149
O projeto arquitetônico da Reitoria assumia o programa construtivo e
estético do modernismo, parecendo ser concebido para saciar “um sonho
GH PRGHUQLGDGH H XPD DPELomR GH YDQJXDUGDµ150 O edifício erguia-se
GR VROR VREUH XPD ÀOHLUD GH SLORWLV PRQXPHQWDLV VXVWHQWDQGR DV ODMHV
dos pavimentos como bandejas de concreto que se equilibravam no ar.151
Sobre sua fachada desciam amplos panos de vidro, brises e esquadrias
GHDOXPtQLR,QWHUQDPHQWHVXDSODQWDOLYUHSHUPLWLULDDGLYHUVLÀFDomR
dos espaços, delimitados por “divisões feitas com armários e painéis

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 209
IDFLOPHQWH UHPRYtYHLV H DGDSWiYHLVµ TXH IDFLOLWDULDP ´R H[DWR H FRQWt-
nuo ajustamento do prédio às sucessivas transformações das condições
GHIXQFLRQDPHQWRGD5HLWRULDµ
0DLV TXH XPD LPLWDomR FHJD GR YRFDEXOiULR FRQVWUXWLYR GH YDQ-
JXDUGDRSURMHWRIRLXPDSUHRFXSDomRFRPRFDUiWHUVRFLDOGDVHGLÀFD-
ções. Seus elementos construtivos UHÁHWLDPDVSUHRFXSDo}HVGRDUTXLWHWR
(GXDUGR0HQGHV*XLPDUmHV-UGLUHWRUGR(VFULWyULR7pFQLFRUHVSRQVi-
YHOSHODFRQVWUXomRGD&LGDGH8QLYHUVLWiULDGHVGH(UDVXDDPELomR
criar uma “arquitetura que se dirigisse ao homem comum, à coletividade,
DRSRYRµ
$LGHLDGHFRQVWUXomRGD&LGDGH8QLYHUVLWiULDHUDTXDVHWmRDQWLJD
quanto a própria Universidade de Minas Gerais, criada em setembro de
1DDXODLQDXJXUDOGHDEULOGRDQRVHJXLQWHRUHLWRU)UDQFLVFR0HQ-
GHV3LPHQWHODÀUPDUDTXHDXQLYHUVLGDGHHUDTXDVHXPDDEVWUDomR1mR
WLQKD HOD XPD VHGH SUySULD XP ´ODU XQLYHUVLWiULRµ ´RQGH GLDULDPHQWH
nos encontremos, professores e alunos de todos os cursos, para atar e
cultivar as relações que nos vinculam como membros de uma família
LQGLVVRO~YHOµ7mRFHGRDHYRFDomRGHXPVHQWLPHQWRXQLYHUVLWiULRVH
IXQGLUDFRPRGHVHMRGHGHOLPLWDomRGHXPOXJDUJHRJUiÀFRHGDFRQV-
WUXomRGHHGLItFLRVSDUDDLQVWLWXLomR&RPRPRUDGDGRVRQKRD&LGDGH
8QLYHUVLWiULDSDVVDULDDVLPEROL]DUD´SHUIHLWDLQWHJUDomRGDFRPXQLGDGH
DFDGrPLFDµ
Junto ao desejo de construir a Cidade Universitária, surgia também
DLGHLDGHGRWiODGHXPPXVHX$RFRRUGHQDUDHODERUDomRGDVSULPHL-
UDVSODQWDVGDVHGHGDLQVWLWXLomR0HQGHV3LPHQWHOIH]XPDVROLFLWDomR
ao arquiteto responsável, Eduardo de Vasconcellos Pederneiras. Além de
outros edifícios previstos para serem construídos, seria necessário deli-
mitar o local para um futuro museu universitário.
0XVHXKLVWyULFRPXVHXFLHQWtÀFRPXVHXGHDUWHTXDOWLSRGHLQVWL-
WXLomRRPXVHXXQLYHUVLWiULRSRGHULDHQFDUQDU"eGLItFLOGL]HU­pSRFD
R SHTXHQR DFHUYR DUWtVWLFR H KLVWyULFR GD XQLYHUVLGDGH HUD LQVXÀFLHQWH
para ocupar um edifício de grande envergadura. Talvez suas coleções de
HQVLQRHSHVTXLVDIRVVHPPXLWRLQFLSLHQWHVSDUDVXVFLWDUDFULDomRGHXP
museu.

210 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
0HVPRFRPRSDVVDUGRWHPSRDTXHVWmRSHUPDQHFHULDHPDEHUWR
“Sob o título Museu QmR VHL TXDO VHMD D HVSHFLÀFDomR VH p GH KLVWyULD
QDWXUDOGHSDWRORJLDGHEHODVDUWHVRXKLVWyULFRµ O parecer proferido
pelo professor Eduardo de Sousa Campos, convidado para avaliar os pro-
MHWRVGD&LGDGH8QLYHUVLWiULDQRDQRGHGHQXQFLDYDXPDUHDOLGDGH
O propósito do museu universitário era desconhecido até mesmo pelas
equipes que, sucessivamente, seriam designadas para elaborar os projetos
da Cidade Universitária.
6HULDSURYiYHOTXHRWHPDQmRIRVVHPDGXURRVXÀFLHQWHSDUDJHUDU
RULHQWDo}HV FODUDV SDUD D FULDomR GR PXVHX 1HP SDUHFH SODXVtYHO TXH
na universidade já houvesse um pensamento sólido sobre a necessidade
GH JHUDU PHGLGDV GH FRQVHUYDomR GD PHPyULD H GD KLVWyULD LQVWLWXFLR-
QDLV(IHWLYDPHQWHQRVGLVFXUVRVRÀFLDLVPXLWRYDJDVHHVSDUVDVHUDP
DVPDQLIHVWDo}HVVREUHDQHFHVVLGDGHGHIXQGDomRGHXPPXVHX3RXFR
VHGL]VREUHRSDSHOTXHXPDLQVWLWXLomRPXVHROyJLFDGHVHPSHQKDULDQR
interior da universidade. Inquirido sobre o “problema universitário bra-
VLOHLURµHPR&RQVHOKR8QLYHUVLWiULRUHVSRQGHXGHIRUPDSRVLWLYD
j$VVRFLDomR%UDVLOHLUDGH(GXFDomRVREUHDFRQYHQLrQFLDGHVH´DSURYHL-
WDURVHOHPHQWRVH[LVWHQWHVFRPRREVHUYDWyULRVPXVHXVELEOLRWHFDVHWF
SURPRYHQGRDVXDDUWLFXODomRQRFRQMXQWRXQLYHUVLWiULRµ0DVDUHVSRVWD
IRLVHFD(DRPHVPRWHPSRTXHVXVWHQWDYDRYDORUGHH[LVWLUHPPXVHXV
QDVLQVWLWXLo}HVGHHQVLQRVXSHULRUQDGDGL]LDVREUHVXDXWLOLGDGH´$ÀU-
PDWLYDPHQWH ( RQGH QmR H[LVWLUHP HVWDEHOHFLPHQWRV GHVVD QDWXUH]D
devem as universidades tomar a iniciativa de criá-los ou de concorrer
SDUDLQVWLWXtORVµ
Observatório, museu, biblioteca… Com efeito, esses eram os espa-
ços culturais propostos nos projetos da Cidade Universitária de Minas
*HUDLV 1HVVH SRQWR R GHVHMR GD XQLYHUVLGDGH UHÁHWLD R VRQKR GH XP
FROHWLYRPDLRUDFLGDGH
No plano das ideias, portanto, era esperado que a Cidade Universitá-
ria cumprisse um papel importante junto a Belo Horizonte, remediando
suas incompletudes. Durante muito tempo, a cidade sonhou seus museus,
TXHWDUGDYDPHPVHFRQFUHWL]DU0HVPRDSyVVXDIXQGDomRHPR
único museu da capital – o histórico – pareceu um sonho interrompido,
HWHUQDPHQWHjHVSHUDGDFRQVWUXomRGHVHXDQH[R

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 211
Os planos de construir a Cidade Universitária pareciam comparti-
lhar do mesmo destino. Por razões diversas, os projetos constantemente
eram elaborados, debatidos e reelaborados. As obras se iniciavam e, em
VHJXLGDHUDPLQWHUURPSLGDV$FDGDQRYRSURMHWRRGHVHMRGHHGLÀFDU
um museu universitário era revisitado.
(QWmRHPDIXQGDomRGD&LGDGH8QLYHUVLWiULDÀQDOPHQWHGHL-
[DYD D HVIHUD GRV VRQKRV (UD XPD UHDOLGDGH VROLGDPHQWH FRQÀUPDGD
pelo seu primeiro edifício, a Reitoria. O museu universitário, ao contrá-
rio, permanecia sob a forma de um desejo grafado sobre papel.
(QTXDQWR QmR VH FRQVWUXtD R PXVHX DR SUpGLR GD 5HLWRULD FRXEH
suprir provisoriamente a lacuna de sua ausência. O edifício havia sido
projetado em dois grandes blocos articulados. O bloco vertical foi desen-
volvido para conter os serviços administrativos. Já o de partido horizon-
tal deveria compreender “o grande hallGHHQWUDGDVDO}HVGHH[SRVLomR
SHTXHQRDXGLWyULRHVHUYLoRVDQH[RVGLYHUVRVµ
1R PrV GD LQDXJXUDomR GD 5HLWRULD RV VDO}HV GR EORFR KRUL]RQWDO
foram preparados para receber os visitantes ilustres. Dando início às ati-
YLGDGHVGHH[WHQVmRFXOWXUDOGRQRYRcampusDOLIRLPRQWDGDDH[SRVLomR
´7UrVVpFXORVHPHLRGHSLQWXUDQR%UDVLOµ$PRVWUDUHXQLDREUDVGRV
mais importantes artistas brasileiros, pertencentes ao acervo do Museu
Nacional de Belas Artes. Com catálogo assinado pela artista e profes-
sora Yara Tupynambá, e sendo realizado pela Reitoria, com patrocínio do
&RQVHOKR1DFLRQDOGH&XOWXUDRFHUWDPHWLQKDXPDGLPHQVmRLQDXGLWD
para a cidade, que há apenas cinco anos havia criado seu museu munici-
pal de arte.
1DVHTXrQFLDRXWUDVYiULDVH[SRVLo}HVRFXSDUDPROXJDU(QWUHHODV
GHVWDFDUDPVHPRVWUDVTXHFULDULDPXPSDQRUDPDGDSURGXomRSOiVWLFD
PLQHLUD FRPR D H[SRVLomR GRV PLQHLURV 0DUtOLD 5RGULJXHV H )DUQHVH
$QGUDGH XPD H[LELomR GH SLQWXUD GH &DUORV 6FOLDU D H[SRVLomR ´3LQ-
WRUHVEUDVLOHLURVHPFROHo}HVPLQHLUDVµR6DOmR8QLYHUVLWiULRGH$UWHH
XPDH[SRVLomRGHPRELOLiULREUDVLOHLURUHDOL]DGDHPFRODERUDomRFRPD
6RFLHGDGHGDV$PLJDVGD&XOWXUD1HVVDH[SRVLomRIRUDPDSUHVHQWDGDV
SHoDVGRVVpFXORV;9,,D;,;QRV´HVWLORVFRORQLDOPLQHLUR'RP-RmR
9'RQD0DULD,,LPSpULRKRODQGrV'RP-RmR9,LPSpULRUHTXLQWDGR

212 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
/XL])HOLSHµ'HDGHDJRVWRGHD5HLWRULDVHULDSDOFRGD
H[SRVLomRGD6HPDQD1DFLRQDOGH3RHVLDGH9DQJXDUGDTXHH[LELDFDU-
tazes-poemas, material crítico-informativo, livros e publicações diversas,
SURGX]LGRVSHORVHVFULWRUHVHQYROYLGRV$UHDOL]DomRGDH[SRVLomRLQDX-
gural da Reitoria parecia ter cristalizado o destino de seus salões, que,
SRUDOJXPWHPSRFDUUHJDULDPDIXQomRGHGXEOrGHXPPXVHXDXVHQWH
)HYHUHLURGH1RDQRHPTXHD*DOHULD%UDVLOLDQDVXUJLDFRP
DDTXLVLomRGRTestamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimen-
tel, a UFMG empossava um novo reitor. Em seu discurso de posse, o
professor Aluísio Pimenta evidenciava que a recém-inaugurada Cidade
8QLYHUVLWiULDHVWDYDORQJHGHFRQVWLWXLUXPDPRUDGDSDUDDLQWHJUDomRGD
FRPXQLGDGHDFDGrPLFD6HJXQGRHOHDLQVWLWXLomRSDGHFLDGH´GHIHLWRVµ
GHFRUUHQWHVGH´HUURVFRPXQVjRUJDQL]DomRXQLYHUVLWiULDEUDVLOHLUDµ
+DYHQGRVLGRFULDGDVSHODUHXQLmRIRUoDGDGHDOJXPDVHVFRODVVXSH-
ULRUHVMiYHOKDVFRPRLQVWLWXWRVGHSUHSDUDomRSURÀVVLRQDOQHQKXPD
de nossas universidades, e muito menos a de Minas Gerais, conseguiu
vencer o espírito particularista e patrimonialista das antigas escolas,
FDGD TXDO PDLV FLRVD GH VXDV SUHUURJDWLYDV 1mR IRL RXYLGD D O~FLGD
palavra do velho mestre Mendes Pimentel, que declarava, na instala-
omRGD80*TXHXPDXQLYHUVLGDGHQmRGHYHULDVHUXPDUHXQLmRGH
escolas sob um reitorado.
Criar uma verdadeira cultura universitária – era esse o objetivo pri-
meiro de Aluísio Pimenta, ao assumir o reitorado. Para reverter a estru-
WXUDIUDJPHQWDGDGDLQVWLWXLomRHFRQYHUWHUD´IHGHUDomRGHHVFRODVHP
XPDXQLYHUVLGDGHKDUP{QLFDµRUHLWRUIDULDPDLVTXHFKDPDUjPHPyULD
o legado de Mendes Pimentel. Logo em sua posse, o reitor anunciaria os
SUHFHLWRVEiVLFRVGR3ODQRGH,QWHJUDomR que havia concebido.Como
XPSURMHWRGHUHIRUPDLQWHUQDRSODQRSUHFRQL]DYDDFULDomRGHEDVHV
sólidas para o compartilhamento de um pensamento institucional acerca
GDIXQomRGDXQLYHUVLGDGHQDVRFLHGDGHGDHVFROKDGRVFDPLQKRVTXH
deveria percorrer, do modo de desenvolver as atividades de pesquisa e
H[WHQVmRHQWUHRXWUDVTXHVW}HV1DHVWUXWXUDomRGD&LGDGH8QLYHUVLWiULD
YLVDYDSURPRYHUDFULDomRGRHVStULWRXQLYHUVLWiULRDWUDYpVGDDJOXWLQDomR

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 213
GHDWLYLGDGHVDÀQVQRVPHVPRVVHWRUHVRXXQLGDGHV&RPLVVREXVFDYD
VHDOFDQoDURHPSUHJRUDFLRQDOGRVUHFXUVRVKXPDQRVItVLFRVHÀQDQFHL-
URVGDLQVWLWXLomRSRQGRÀPjIUDJPHQWDomRGDLQVWLWXLomRHPHVFRODV
´MXVWDSRVWDVRXHVWDQTXHVµ
23ODQRGH,QWHJUDomRWLQKDFRPRFHQWURDrQIDVHQDFULDomRGHLQV-
titutos centrais, que se responsabilizariam pelo ensino básico nas grandes
áreas do conhecimento (física, química, geociências, ciências biológicas,
FLrQFLDV KXPDQDV OHWUDV H ÀORVRÀD  GHL[DQGR D IRUPDomR SURÀVVLRQDO
e tecnológica a cargo das escolas e faculdades. A medida anteciparia as
orientações tecnicistas e produtivistas que viriam a nortear a Reforma
8QLYHUVLWiULDGHHQFHWDGDSHOR0LQLVWpULRGD(GXFDomRFRPEDVH
no modelo universitário norte-americano./RFDOPHQWHDFULDomRGRV
LQVWLWXWRVFHQWUDLVVHULDFRQVLGHUDGD´DPDLVHÀFLHQWHDUPDFRQWUDRSDU-
WLFXODULVPRGDVHVFRODVµHR´UHPpGLRFRQWUDRGHVSHUGtFLRµDRFRPED-
ter a “duplicidade de atividades idênticas ou semelhantes, dispersas pelas
YiULDVHVFRODVTXHFRPS}HPQRVVDXQLYHUVLGDGHµ
(PFRQVRQkQFLDFRPRREMHWLYRGHSURPRYHUDLQWHJUDomRHDFRQ-
vivência da comunidade acadêmica, a Cidade Universitária deveria se
PRVWUDUDXWRVVXÀFLHQWH$OpPGHRIHUHFHUPRUDGLDSDUDSURIHVVRUHVVHU-
vidores e alunos, ela possuiria estruturas centralizadas que regulariam
todos os serviços necessários à vida no campus1mRIDOWDULDRDSRLRDR
desenvolvimento de atividades esportivas, “um dos mais poderosos fato-
UHVGHLQWHJUDomRµ&RQVLGHUDYDVHSRLVTXH´DFULDomRGRHVStULWRXQL-
versitário, ainda ausente entre nós, poderá receber forte estímulo dessa
iUHDGHDWLYLGDGHWmRSURItFXDHQHFHVViULDjMXYHQWXGHDOLFLDGRUDLQVXSH-
UiYHOGRHVStULWRGHVROLGDULHGDGHµ
$VDWLYLGDGHVFXOWXUDLVHGHH[WHQVmRSRUVHXWXUQRFXPSULULDPR
SDSHOGHDSUR[LPDUDXQLYHUVLGDGHGRUHVWDQWHGDVRFLHGDGH&RPHODVD
LQVWLWXLomRDVVXPLULDSDUDVLRGHYHUGHSURYHUDFLGDGHFRPRSRUWXQLGD-
GHVGHHGXFDomRSDUDDDUWHHSDUDDFLrQFLD
&RQWLQXDUHPRVDUHDOL]DUDVH[SRVLo}HVDUWtVWLFDVTXHWDQWDUHSHUFXV-
VmRYHPORJUDQGRHFRQWULEXHPGHIDWRSDUDDPSOLDUDiUHDGHSDUWLFL-
SDomRVRFLDOGDXQLYHUVLGDGHPDVGHVHMDPRVPRQWDUWDPEpPRXWURV
tipos de mostra, aqueles que dizem respeito às atividades em outros

214 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
setores, principalmente as econômicas, dando ênfase às coisas de
0LQDVSURPRYHQGRWDPEpPDUHDOL]DomRGHFRQIHUrQFLDVVHPLQiULRV
e cursos diversos sobre os grandes problemas brasileiros e de interesse
QDDPSOLDomRGDFXOWXUDSRSXODU
Os planos de Aluísio Pimenta. As necessidades de Assis Chateau-
briand. De alguma maneira, as vontades se encontraram. Na antevéspera
GD LQDXJXUDomR GD *DOHULD %UDVLOLDQD QD %LEOLRWHFD (VWDGXDO R MRUQD-
lista e seus convidados chegaram a Belo Horizonte. O jato-hélice Dart,
da empresa Sadia Transportes Aéreos, apinhado, desceria no Aeroporto
GD3DPSXOKDjVKGDTXHODPDQKm$RGHVHPEDUTXHVHJXLULDXPD
intensa agenda de compromissos a ser seguida pelos passageiros. O pri-
PHLURGHOHVRFRUUHULDDOLSHUWRjVKWRGDDFRPLWLYDVHULDDJXDUGDGD
para uma visita às instalações da Reitoria da UFMG. Duas horas mais
tarde, almoçariam no restaurante Chalé da Lagoa.
Foi bastante concorrido o desembarque. Ao aeroporto, acorreram
várias autoridades. Iam recepcionar Chateaubriand e os outros viajantes.
'RV'LiULRV$VVRFLDGRVÀ]HUDPVHSUHVHQWHV-RmR&DOPRQ3DXOR&DEUDO
e outros membros das empresas. Representando o governador, lá esteve
o secretário do governo, Miguel Augusto Gonçalves de Souza. Entre
as demais autoridades políticas, estavam o vice-presidente da República,
José Maria Alkmin, e o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Var-
gas. Também compareceu o reitor Aluísio Pimenta, “além de numerosas
SHVVRDVGDVRFLHGDGHPLQHLUDHMRUQDOLVWDVµ
8PDHTXLSHGHUHFHSomRRVHVSHUDYD,QWHJUDYDPQDRFURQLVWD1LFR-
lau Neto e as senhoritas Eloisa Candioto e Vera Lúcia Boroni, respecti-
vamente, Miss Indústria e Rainha da Feira. Os convidados, após serem
recebidos, eram alojados “em automóveis que formavam a caravana bra-
VLOHLUDµ/RJRDSyVVHJXLDPHPORQJRFRUWHMRDWpD5HLWRULDGD8)0*$
cada um dos componentes da numerosa comitiva foram distribuídos pro-
gramas das solenidades e um catálogo-guia, confeccionado pelo Serviço
de Turismo do Estado, em cores e muito atraente, contendo informações
sobre as cidades históricas de Minas.
2 YRR DWUDVRX  PLQXWRV 7mR ORJR GHVHPEDUFRX &KDWHDXEULDQG
se separou do restante dos companheiros, seguindo para a residência do

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 215
jornalista Lamartine Godoy. Ali, o fundador dos Diários Associados se
hospedaria. Os outros visitantes seguiram o programa estabelecido e diri-
giram-se para a Reitoria da UFMG. Recebidos pelo reitor, percorreram
DVLQVWDODo}HVGR´PDMHVWRVRHGLItFLRµSDVVDQGRSHODVDODGR&RQVHOKR
Universitário e pelo auditório. Impressionados com a Cidade Universitá-
ULDSHUJXQWDUDPRQRPHGRDUTXLWHWR´(GXDUGR0HQGHV*XLPDUmHV-Uµ
informou o reitor.
1RDXGLWyULRGD5HLWRULDDGHOHJDomRSDXOLVWDDVVLVWLXDXPÀOPHVREUH
o recém-implantado Colégio Universitário. Antes, ouviram um sucinto
discurso de Aluísio Pimenta. O tema de sua fala era a Reforma Universi-
WiULDHDWHQWDWLYDGHUHDSUR[LPDUDLQVWLWXLomRGHHQVLQRGDVQHFHVVLGDGHV
LPSRVWDVSHODUHDOLGDGHQDFLRQDO²WHPDWHPHUiULRHPIDFHGDUHSUHVVmR
SHUSHWUDGDSHORJRYHUQRPLOLWDU$RÀQDOL]DUDVVHJXURX´DXQLYHUVLGDGH
vai hospedar a Galeria Brasiliana, com muito prazer, enquanto ela preci-
VDUµ
(VWDYDVHODGRRGHVWLQRGDFROHomR'DOLDGRLVGLDVO Estado de Minas
QRWLFLDULD D LQDXJXUDomR GD *DOHULD %UDVLOLDQD QD %LEOLRWHFD (VWDGXDO
)LQDOL]DQGRDPDWpULDLQGLFDYD´HODVHDORMDUiLQLFLDOPHQWHQRSUpGLR
da Reitoria da UFMG e, de futuro, se transferirá para as dependências do
LPSRQHQWHHGLItFLRTXHRV'LiULRV$VVRFLDGRVYmRFRQVWUXLUQRFHQWUR
GH%HOR+RUL]RQWHµ
Findo o festival de lançamento da Galeria Brasiliana, todo o acervo
que se encontrava em Belo Horizonte foi recolhido, listado e entregue à
universidade.
4XDWURPHVHVGHSRLVUHSHWLXVHDPDUDWRQD8PDYLmRGD6DGLDDWHU-
rissou no Aeroporto da Pampulha. A bordo, estavam os convidados de
Chateaubriand para mais uma solenidade. O vice-presidente da República
e outras autoridades os esperavam. A senhorita Eloisa Candioto e a can-
tora Mariza Angeroza recepcionaram a comitiva. Às senhoras, ofereceram
FDL[DVGHRUTXtGHDV7RGRVUHXQLGRVVHJXLUDPDSURJUDPDomRWUDoDGD
A primeira parada foi no Museu de Arte, na Pampulha. Chateau-
briand já havia chegado no dia anterior. Desta vez, veio do Rio de Janeiro,
em um Viscount GD9DVS$JRUDDJXDUGDYDRUHVWDQWHGDGHOHJDomRQR
museu. A reforma do antigo cassino já devia estar avançada e dali a sete

216 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
PHVHVDLQVWLWXLomRVHULDUHLQDXJXUDGDQRDQLYHUViULRGHDQRVGH%HOR
Horizonte. Visitadas as instalações do museu, seguiram para a Cidade
Universitária.
Pouco depois, encontravam-se todos na Reitoria da UFMG. As comi-
WLYDVGR5LRGH-DQHLURHGH6mR3DXORDXWRULGDGHVORFDLVHQDFLRQDLV
dirigentes dos Diários Associados, os membros do Conselho Universitá-
rio, diretores de faculdades e servidores da casa assistiram à abertura da
solenidade. Chateaubriand presidiu a cerimônia, com Paulo Cabral lendo
VHXGLVFXUVR
Queremos falar com a franqueza destabocada que costumamos usar
HPQRVVRVSURQXQFLDPHQWRV1mRHVSHUiYDPRVQyVGH6mR3DXORR
VKRZTXHQRVpGDGRSUHVHQFLDUDTXL(VWDPRVDWXUGLGRVVXUSUHVRV
1mR FRVWXPiYDPRV DFKDU QHVWH SODQDOWR XP team americano, capaz
GHDJLUFRPWDPDQKDYHORFLGDGH « 2TXHD8QLYHUVLGDGHGH0LQDV
Gerais vem apresentar seria inédito nos anais das nossas iniciativas,
VHQmRH[LVWLVVHRIHQ{PHQR2OLQGD « $UHLWRULDGDXQLYHUVLGDGH
UHDOL]RXXPDLQVWDODomRDGHTXDGDSDUDJXDUGDURVWHVRXURVTXHYRV
encaminhou Bardi e [Edmundo] Monteiro.
,QDXJXUDYDVHDH[SRVLomRGD*DOHULD%UDVLOLDQDQRVDOmRGD5HLWRULD
da UFMG. Pela voz de Cabral, Chateaubriand narrou os esforços dos
pernambucanos para fundar seu museu regional, em Olinda. Depois,
voltou-se para a capital mineira.
Queremos traduzir-vos nosso deslumbramento em presença da téc-
nica em museologia que estamos contemplando. Também nunca
poderíamos imaginar que o Museu da Pampulha fosse renovado, nas
condições em que vimos há pouco. Os doutores Pimenta e Pierucetti
VmRGRLVEUDoRVÁRUHQWLQRV « 2'U3LHUXFHWWLFRQVHJXLXHVVDPDUD-
vilha que foi aperfeiçoar a Pampulha, tornando-a a mais bela casa de
arte que vi até hoje.
$WDFDQGRDTXHVWmRGDFRQVHUYDomRGRSDWULP{QLRFXOWXUDOEUDVLOHLUR
VXEOLQKRXRREMHWLYRGHUHXQLURDFHUYREUDVLOLDQR
Raros países do planeta receberam um saque das suas obras de arte
colonial. Temos, hoje, uma terça parte do patrimônio barroco que

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 217
KHUGDPRVGRVSRUWXJXHVHV)RPRVRVH[SHFWDGRUHVDEREDOKDGRVGD
sua ruína física. Grande parte foi submetida ao vandalismo do espolia-
dor de fora. O Brasil destruiu, a coices, Quitandinha, Urca e Pampu-
OKD3RUTXHHPPDWpULDGHHOLWHVHOHDLQGDHVWiQRDOPRFUHYH « 'i
SDUDHQYHUJRQKDUQRVUHFRUGDUDWXWHPHLDSHODTXDOQRVGHVÀ]HPRV
de um patrimônio que enriquecia e enobrecia nossa terra. O apetite
espoliativo dos próprios brasileiros atinge a nivela desta ordem. Na
Europa, conseguimos tirar de catálogos de leilões peças interessando
nossos museus.
(QÀPGLULJLXVHD$OXtVLR3LPHQWD´6HQKRUUHLWRUD*DOHULD%UDVL-
liana há de crescer. Encontrou uma família. Foi adotada. Tivemos medo
que fosse enjeitada. A menina está forte e cheia de selva. Passou o perigo
GHHQWUDUQD¶URGD·>GRVH[SRVWRV@µ
$R WHUPLQDU R GLVFXUVR 3DXOR &DEUDO IH] XP FRPXQLFDGR Mi VH
HQFRQWUDYDPHP6mR3DXORSURQWRVSDUDVHUHPHQYLDGRVj*DOHULD%UD-
siliana, dois álbuns raros. Um de Debret, outro de Rugendas.
A seguir, o reitor Aluísio Pimenta saudou Assis Chateaubriand. Agra-
deceu sobre seu empenho em transformar a universidade em um “cen-
WURHIHWLYRGHLUUDGLDomRGHFXOWXUDµ$ÀUPRXTXHSDUWHGDLQVWLWXLomRMi
estava funcionando na Pampulha. Algumas unidades originalmente ins-
taladas no centro da cidade estavam se transferindo para a nova Cidade
8QLYHUVLWiULD&XPSULDHQWmRVHJXLUQD5HIRUPD8QLYHUVLWiULD6DOLHQ-
WRX´&RPD*DOHULD%UDVLOLDQDLQLFLDWLYDYDOLRVDGH9([DJUDQGHSDVVR
HVWiVHQGRGDGRSDUDDWLQJLUDTXHOHREMHWLYRµ

Futuro museu de arte da UFMG


A Galeria Brasiliana estava instalada. As obras, transferidas em
HPSUpVWLPR SDUD D 8)0* ÀFDUDP H[SRVWDV DR S~EOLFR QR VDOmR GR
DQGDUWpUUHRGD5HLWRULD&KDWHDXEULDQGSRGLDGHGLFDUVHHQWmRjLQDX-
JXUDomRGRVRXWURVPXVHXVUHJLRQDLV
$VRQKDGDLQDXJXUDomRGDJDOHULDQmRUHVXOWRXHQWUHWDQWRQRDEDQ-
GRQRGDFROHomRSRU&KDWHDXEULDQG0RUHLUD6DOOHVRXVHXVFROHJDVGD

218 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
Sociedade Dom Pedro II e dos Diários Associados. Periodicamente,
D XQLYHUVLGDGH UHFHELD DOJXPD FRPXQLFDomR GRV 'LiULRV $VVRFLDGRV
pedindo informações sobre as obras. Mais que isso, com certa frequência,
HUDPDQXQFLDGDVQRYDVDTXLVLo}HVHGRDo}HVSDUDDFROHomR&RQWXGRGH
forma menos constante, itens de grande raridade e valor histórico eram
entregues à custódia temporária da universidade.
2V'LiULRV$VVRFLDGRVHPGHMXQKRGHHQYLDUDPXPDUHPHVVD
jXQLYHUVLGDGH$RVFXLGDGRVGRSURIHVVRU-DFTXHV%UDQGmRPDQGDUDP
entregar a obra Dom Pedro II, Imperador do Brasil, de R. Taylor, e uma mari-
nha pintada dor Carlos Bragança. Junto, acompanhavam seis livros do
século XIX, doados por José Ferraz de Camargo, proprietário do Açúcar
8QLmR
Em dezembro, Chateaubriand escreveu sua tradicional coluna para
RVyUJmRVGRV'LiULRV$VVRFLDGRV&RQWDYDHOHTXHYHQGHQGRJDUUDIDVH
garrafas de doações de Carlos Dreher e juntando outras doações, tentou
DGTXLULU D PDLRU FROHomR GH REUDV GH &DPLOR &DVWHOR %UDQFR H[LVWHQWH
´HQWUH %UDVLO H 3RUWXJDOµ &RPR D YHQGD GD EHELGD VDLX PHOKRU TXH R
HVSHUDGR D DTXLVLomR WDPEpP IRL PDLRU $OpP GD &ROHomR &DPLOLDQD
foram adquiridas uma Camoniana e uma Ruyana. Todas coleções
YLQKDPGDELEOLRWHFDGH$ULVWHX6HL[DV7RGDVHODVGHYHULDPLQWHJUDUR
acervo para a Galeria de Minas Gerais.
'DV WUrV FROHo}HV DSHQDV D &ROHomR &DPLOLDQD VHULD HIHWLYDPHQWH
enviada a Belo Horizonte. Mas, ao chegar à universidade, ela permanece-
ULDVHSDUDGDGRUHVWDQWHGD*DOHULD%UDVLOLDQD(PGHDEULOGHR
reitor Aluísio Pimenta escreveu para Assis Chateaubriand. Era seu último
dia à frente da Reitoria. No entanto, antes de transmitir o cargo a seu
sucessor, Aluísio Pimenta cuidou de dirigir-se ao jornalista “para consig-
nar o agradecimento pelas atenções que sempre cumulou a nossa insti-
WXLomRµHLQIRUPiORVREUHDVLWXDomRGDVREUDVTXHVHHQFRQWUDYDPVRE
a guarda temporária da universidade.
A Galeria Brasiliana e a Biblioteca de Obras de Camilo Castelo Branco,
provisoriamente alojadas aqui, constituem importantes contribuições
que vêm enriquecer o acervo da universidade no setor artístico e lite-
rário, de modo que ela hoje pode ser objeto de atrativo para estudiosos

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 219
das artes plásticas ou de literatura, que têm em algumas de suas obras
elementos importantes para o prazer estético ou para a análise e a
pesquisa.
6REUH´D%UDVLOLDQDµDVVLQDORXTXHHODVHHQFRQWUDYD´LQVWDODGDQXPD
DOD GR SULPHLUR DQGDU GD 5HLWRULD SDUD D YLVLWD GR S~EOLFRµ $ÀUPRX
estar o material bem protegido e “recebendo cuidados técnicos de pessoa
FDSD]GRTXDGURGDFDVDµ4XDQWRj&DPLOLDQDGLVVH
'HYR OHPEUDU TXH Vy DJRUD p TXH VH UHFHEHX D FROHomR 2 PDWHULDO
chegou, mas sem qualquer relacionamento. A universidade contava
FRPXPD%LEOLRWHFD*HUDOFRORFDGDQD5HLWRULDFRPDQRYDRULHQWD-
omRGRVLQVWLWXWRVFHQWUDLVHVVDELEOLRWHFDHVWiVHQGRGHVIHLWDFDGDXP
dos seus volumes sendo encaminhado para o instituto da especiali-
GDGH$VVLPVHQGRRVOLYURVTXHFRQVWLWXHPD&DPLOLDQDHVWmRVHQGR
FRORFDGRVHPXPDVDODGRVH[WRDQGDURQGHVHUmRFDWDORJDGRVSDUD
depois poderem ser enviados ao Instituto Central de Letras, que terá
VHGHDVHULQDXJXUDGDQRSUy[LPRDQRQD&LGDGH8QLYHUVLWiULD
2XWUD UDULGDGH VHULD LQFRUSRUDGD j FROHomR HP  GH DJRVWR 3OtQLR
&DUQHLURGD$VVHVVRULDGH5HODo}HV8QLYHUVLWiULDVSDVVRXjVPmRVGR
SURIHVVRU -DFTXHV %UDQGmR XPD REUD RIHUWDGD QDTXHOD GDWD 2 JHQHUDO
Guedes havia doado o documento manuscrito A árvore dos Fonsecas, que
deveria ser guardado “em local já reservado, devido ao seu alto valor
histórico, segundo determinações dos senhores Chateaubriand, Paulo
&DEUDOGH$UD~MRHGRSUySULRJHQHUDO&DUORV/XtV*XHGHVµ
2PDJQDWDWDPEpPQmRGHL[RXGHGHPRQVWUDUVHXDSUHoRSHODLQV-
WLWXLomRTXHDFROKHXD*DOHULD%UDVLOLDQD3DUDDELEOLRWHFDGD)DFXOGDGH
GH'LUHLWRHOHGRRXDFROHomR´%LEOLRWHFDGR,QVWLWXWRGH'LUHLWR&RP-
SDUDGRµ2YROXPHGDGRDomRFKHJDULDD´YROXPHVDSUR[LPDGD-
mente, o que corresponde, mais ou menos, ao acervo da biblioteca atual
GDIDFXOGDGHµ A pedido do professor Raul Horta Machado, o ato foi
UHJLVWUDGRHPDWDSHOR&RQVHOKR8QLYHUVLWiULR(PUHWULEXLomRIRLRIH-
recido a Chateaubriand o título de doutor honoris causa.
Chateaubriand voltava a Belo Horizonte. Agora, para as comemo-
UDo}HVGRžDQLYHUViULRGH%HOR+RUL]RQWH(PGHGH]HPEURIRL

220 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
reaberto o Museu de Arte de Belo Horizonte, “no prédio recuperado do
DQWLJR&DVVLQRGD3DPSXOKDµHLQDXJXUDGRR;;,6DOmRGH0XQLFLSDO
GH%HODV$UWHV´1DRFDVLmRIRUDPLQFRUSRUDGRVDRDFHUYRGDTXHODLQV-
WLWXLomRHGD*DOHULD%UDVLOLDQDYiULRVGRFXPHQWRVHTXDGURVSHORVHQKRU
$VVLV&KDWHDXEULDQGµWUD]LGRVSHORIXQGDGRU´$RIXQGDGRUGRV'LiULRV
Associados foi entregue o título de ‘Grande Benemérito do Museu de
$UWHGH%HOR+RUL]RQWH·µ
Carlos Rizzini escreveu um artigo para os Diários Associados ana-
OLVDQGRDV~OWLPDVDTXLVLo}HVSDUDDFROHomR1XQR6LP}HVHPEDL[DGRU
do Brasil em Portugal, havia doado dois documentos, quase à altura do
Testamento de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana Pimentel. O primeiro era
uma carta de sesmaria, referente a terras sergipanas, passada por Mem de
Sá em nome de certo Castelo Branco. “Juntamente com esse manuscrito,
1XQR6LP}HVWDPEpPGRRXjPHVPDJDOHULDRXWURFLPpOLRXPDUHSUH-
VHQWDomRVHWHFHQWLVWDGRSRYRGR5LRGH-DQHLURD'RQD0DULD,FRQWUD
RPDUTXrVGH/DYUDGLRµ´2GRFXPHQWRHQWUHJXHj%UDVLOLDQDGH%HOR
+RUL]RQWHVHQmRFRQVHJXHHPEDoDUDERDIDPDGRPDUTXrVGHVFUHYH
o no meio dos seus fâmulos e protegidos, apontando nos abusos des-
WHVGHIHLWRVLQHUHQWHVDRDEVROXWLVPRUHLQDQWHµ O governador Israel
3LQKHLURVHULDR´SDUDQLQIRµSDUDDHQWUHJDGHVVHVGRFXPHQWRVGRDGRV
por Nuno Simões, à galeria que – palavras de Chateaubriand – já chegava
a ser luso-brasileira.
A família do cônsul Charles Canning ofertou uma joia em ouro, dia-
mante e água-marinha, presenteada por Dom Pedro I. Chateaubriand, no
entanto, dizia ter pedido aos doadores que guardassem a peça até a futura
FULDomRGRPXVHX(PPDLRGH1XQR6LP}HVRIHUHFHXjJDOHULDR
quaro Pescadoras de Nazareth, do pintor português Antônio Soares.
Dois quadros com alegorias realizadas por Columbano Bordalo
Pinheiro e um retrato do doutor Pedro Lessa chegariam à universidade
HPGHPDUoRGH(OHVKDYLDPVLGRHQWUHJXHVDRVUHVSRQViYHLVSHOD
Galeria Brasiliana, por Nicolau Neto, do Departamento de Promoções e
Atividades Culturais, dos Diários Associados em Minas Gerais.
Já muito debilitado, Assis Chateaubriand faleceu no dia 4 de abril
GH3RUGLDVRVMRUQDLVTXHQRWLFLDUDPVXDPRUWHHDFHULP{QLDGH

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 221
sepultamento também escreveram sobre sua vida e seu legado cultural.
$FULDomRGD*DOHULD%UDVLOLDQDQmRGHL[DULDGHVHUOHPEUDGDFRPLQGL-
FDo}HVGHTXHDREUDQmRPRUUHULDFRPVHXFULDGRU2PXVHXEUDVLOLDQR
deveria crescer. Escrevendo sobre o legado do magnata, Carlos Rizzini
deu a notícia.
Mas, o grande e inestimável serviço prestado ao Brasil pela Sociedade
>'RP3HGUR,,@HVWiHPYLDVGHFRQFUHWL]DomR$JXDUGDGHVSDFKRHP
Rouen, destinado à Galeria de Belo Horizonte, opulento acervo histó-
rico pertencente à nossa casa imperial. Além do coche de Dom Pedro
,HGHXPDWHODGH'HEUHWGHPHWURVUHSUHVHQWDQGRDFRURDomRGR
SULPHLURLPSHUDGRUÀJXUDPQRDFHUYRSHoDVHQWUHPyYHLVEXVWRV
HUHWUDWRVHDLQGDFDL[DVGHOLYURVTXDVHWRGRVWUD]HQGRREUDVmR
de Pedro II.
As peças haviam pertencido ao Chateau d’Eu. Chateaubriand as havia
VDOYDGRQDYHQGDGDSURSULHGDGHSDUDTXHFRPSXVHVVHPDFROHomRGD
*DOHULD%UDVLOLDQD&RQWXGRDVGLÀFXOGDGHVGHWUDQVIHUrQFLDGDVSHoDV
DWUDVDULDVXDFKHJDGDD%HOR+RUL]RQWH3RUÀPDFDEDUDPSRUÀJXUDU
nas coleções de outras instituições.
Com a morte de Chateaubriand, o Conselho Universitário recordou
VXDGRDomRGHFHUFDGHPLOOLYURVIHLWDj)DFXOGDGHGH'LUHLWR3RU
isso, registrou um voto com “seu pesar e a certeza de que o nome do
FRUDMRVRMRUQDOLVWDSHUPDQHFHUiOLJDGRGHÀQLWLYDPHQWHjLQVWLWXLomRµ
Como o falecimento ocorreu antes que o agraciado pudesse ter recebido
RGLSORPDHPGHPDLRGHR&RQVHOKR8QLYHUVLWiULRGHWHUPLQRX
DFRQFHVVmRpost mortem da honraria.
Os dirigentes dos Diários Associados tentariam, por algum tempo,
GDUFRQWLQXLGDGHjREUDGH&KDWHDXEULDQG(P0iULR%DUDWDUHJLV-
WUDULD TXH ´D LGHLD GRV PXVHXV UHJLRQDLV IRL H[FHOHQWH H GHYHUi SURVVH-
JXLUFRPRRWrPLQGLFDGR-RmR&DOPRQ3DXOR&DEUDO0DUWLQKR/XQD
H$OHQFDUH1DSROHmRGH&DUYDOKRµ0RWLYDYDRVRIDWRGHDFDPSDQKD
UHSUHVHQWDUD´FRQWULEXLomRVLQJXODUGH$VVLV&KDWHDXEULDQGjFXOWXUDGR
SDtVHDSDUWLUGHDJRUDKRPHQDJHPjVXDPHPyULDµ3ODQHMDYDVHDLQGD
TXH ´HVVD UHGH GH PXVHXV GH JUDQGH QHFHVVLGDGH QR SDtVµ WLYHVVH ´VXD

222 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
RUJDQL]DomRUHHVWUXWXUDGDHPEDVHVMXUtGLFDVµUHSUHVHQWDQGRD´XPDGDV
marcas da presença de Chateaubriand e da continuidade de sua obra atra-
YpVGR&RQGRPtQLRGDV(PLVVRUDVH'LiULRV$VVRFLDGRVµ
Mas a realidade foi outra. Em grande medida, os planos para a Gale-
ria Brasiliana pertenciam à mente e às ambições do fundador dos Diários
$VVRFLDGRV0XLWDVGDVREUDVGHVWLQDGDVjFROHomRQXQFDIRUDPHQWUH-
gues em Belo Horizonte. Acabaram desaparecendo ou sendo direcio-
QDGDV SDUD RXWUDV LQVWLWXLo}HV ( R FDUiWHU SURYLVyULR GD LQVWDODomR GD
JDOHULDQD8)0*DFDERXÀUPDQGRVHXGHVWLQR
(P  D *DOHULD %UDVLOLDQD LGHDOL]DGD SRU $LPpH GH +HHUHQ H
$VVLV&KDWHDXEULDQGGHVOLJRXVHGDMXULVGLomRGRV'LiULRV$VVRFLDGRV
1HVVHPRPHQWRRGLUHWRUGRJUXSR-RmR&DOPRQODYURXXPWHUPRGH
GRDomRGDFROHomRj8)0*5HFHELGDRÀFLDOPHQWHSHORQRYRUHLWRUSUR-
IHVVRU0DUFHORGH9DVFRQFHOORV&RHOKRDFROHomRIRLUHJLVWUDGDHPXP
livro de “registro das doações de caráter artístico, histórico e cultural que
VHÀ]HUHPj8)0*µ(VWDYDODQoDGDDSHGUDIXQGDPHQWDOSDUDDFULDomR
´GRIXWXUR0XVHXGH$UWHGD8)0*µ201
(QÀPRVDQWLJRVVRQKRVGHVHFULDUXPPXVHXXQLYHUVLWiULRWRPDYD
FRUSR &RQVXEVWDQFLDYDVH VLPXOWDQHDPHQWH R GHVHMR GH IXQGDomR GH
XPPXVHXGHDUWHSDUDDFLGDGH$GRDomRGD*DOHULD%UDVLOLDQDIRUQH-
FHULD XP Q~FOHR LQLFLDO GH DFHUYR H XPD YRFDomR DR DOPHMDGR PXVHX
5HIRUoDQGRDLGHLDHPGHQRYHPEURGHD6RFLHGDGH$PLJDV
GD&XOWXUDUHDOL]RXDGRDomRGHREUDVGHDUWLVWDVFRQWHPSRUkQHRV
EUDVLOHLURV SDUD D XQLYHUVLGDGH &RPR ÀFRX UHJLVWUDGR QDV DWDV GHVVD
VRFLHGDGHRREMHWLYRGRDWRHUDFRQWULEXLUFRPDFULDomRGHXPPXVHX
de arte na UFMG.202(PLQWHQomRHVSHUDYDVHTXHRIXWXURODUGHVVHV
bens artísticos contribuísse para o enriquecimento cultural dos jovens da
FLGDGH8PDSURPHVVDIHLWDXPGHVWLQRQmRVHODGR
O museu deveria integraria o Setor Cultural da universidade. Plane-
MDGDSHODHTXLSHGHGHVHQYROYLPHQWRGD&LGDGH8QLYHUVLWiULDHP
HVVD]RQDFXOWXUDOGHYHULDVHH[SDQGLUGD$YHQLGD$QW{QLR&DUORVDFHVVR
principal ao campus, até a Reitoria, cruzando toda a universidade. Consti-
tuído por um grupo de edifícios de arquitetura singular, o setor se des-
tacaria no corpo da Cidade Universitária, adquirindo uma centralidade

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 223
VLPEyOLFD QD RUJDQL]DomR LQVWLWXFLRQDO 3UHWHQGHQGR VH DÀUPDU FRPR
XP´HL[RFXOWXUDOS~EOLFRµRVHWRUIRLLGHDOL]DGRFRPRXPHVSDoRGH
LQWHJUDomR GD FRPXQLGDGH DFDGrPLFD H GH VHX FRQJUDoDPHQWR FRP RV
habitantes da cidade.
Na perspectiva de quem vinha do centro da cidade, os edifícios do
6HWRU&XOWXUDOVHSHUÀODULDPGDDYHQLGDDWpRQ~FOHRGRcampus. O Dire-
tório dos Estudantes seria o primeiro a ser avistado, seguido pela Casa
das Nações, pelo grande auditório e por uma esplanada com um lago
DUWLÀFLDO 6LWXDGD QR Q~FOHR GD &LGDGH 8QLYHUVLWiULD D HVSODQDGD VHULD
XVDGD SDUD H[SRVLo}HV DUWtVWLFDV WHFQROyJLFDV H FLHQWtÀFDV SRVVXLQGR
XP JUDQGH ODUJR GHVWLQDGR j UHDOL]DomR GH DWLYLGDGHV GH H[WHQVmR 1R
lago, arranjado como um jardim, seriam colecionadas espécies de plantas
DTXiWLFDVFRPXVRRUQDPHQWDOHFRQ{PLFRHFLHQWtÀFR Ao seu redor,
ÀFDULDPGLVSRVWRVIUHQWHDIUHQWHD5HLWRULDHRPXVHXODGHDGRVSHOR
Planetário e pela Biblioteca Central.
Apesar dos projetos e intenções, o museu nunca saiu do papel. Pos-
VLYHOPHQWHD*DOHULD%UDVLOLDQDÀFRXH[SRVWDQRhall da Reitoria por um
longo período. Depois, as obras foram lentamente desaparecendo das
vistas do público.
(PTXDQGRVHFHOHEUDYDRVDQRVGDIXQGDomRGD8)0*IRL
realizada uma mostra comemorativa naquele local. Inaugurada em 24 de
QRYHPEURD´([SRVLomRGRFXPHQWDOHGHEHQVFXOWXUDLVGD8)0*µWUD-
GX]LDDWUDMHWyULDGDLQVWLWXLomRDWUDYpVGHGRFXPHQWRVHREUDVGHDUWHTXH
PRVWUDYDPVHXHQULTXHFLPHQWRDUWtVWLFRHFXOWXUDO(QWUHRVLWHQVH[XPD-
dos pela mostra, estavam algumas peças da Galeria Brasiliana. O “Cru-
FLÀ[RFRP&ULVWRDUWHGD%DKLDFRPLQÁXrQFLDGH*RDµD´SLDEDWLVPDO
GDLJUHMDGH%UDJDQoDµDVHVFXOWXUDV´2VDOYDGRUµH´6mR'RPLQJRVµ
RV REMHWRV TXH XP GLD VHUYLUDP SDUD DSUHVHQWDU D LQYHQomR GH &KDWH-
aubriand à sociedade mineira, ressurgiam como relíquias da história da
universidade.
$H[SRVLomRFRPHPRUDWLYDIRLRFDQWRGRFLVQHGD*DOHULD%UDVLOLDQD
Paredes de gabinetes e depósitos da universidade consistiram no des-
tino efetivo de seus itens, na ausência de um espaço adequado para sua
JXDUGD GHÀQLWLYD $ HVFDVVD H[SHULrQFLD GD XQLYHUVLGDGH HP OLGDU FRP

224 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
acervos museológicos e a falta de parâmetros técnicos para sua conserva-
omRHH[LELomRGHL[DUDPPDUFDVQDFROHomR8PDJUDYXUDGRVpFXOR;,;
representando um índio da ilha Monka Hiva, na Polinésia, foi acidentada
SRUXPYLVLWDQWHQDSULPHLUDH[SRVLomRQD5HLWRULD2EXVWRGH*HW~OLR
Vargas e o retrato de Dom Pedro II desapareceram. O próprio Testamento
de Martim Afonso de Sousa e de Dona Ana PimentelIRLH[SRVWRVHPSURWHomR
DGHTXDGD SDUD VXD FRQVHUYDomR UHVXOWDQGR GLVVR R HVPDHFLPHQWR GDV
tintas manuscritas em algumas de suas páginas. A galeria se esfacelava e
GHL[DYDGHFXPSULUVHXSURSyVLWRFRQWULEXLUSDUDDIRUPDomRLQWHOHFWXDO
e cultural dos brasileiros.
Com documentos e livros separados dos objetos e obras de arte, na
GpFDGD GH  D FRPSOH[D JDOHULD IRL IUDJPHQWDGD HP GXDV FROHo}HV
integrantes dos acervos artísticos e de obras raras da universidade. Após
um périplo por depósitos e armários de metal, o Testamento de Martim
Afonso de Sousa e de Dona Ana PimentelIRLÀQDOPHQWHUHFROKLGRjAcervo
do Setor de Obras Raras da Biblioteca Universitária da Universidade
Federal de Minas Gerais.
Galeria Brasiliana ou Museu de Arte da UFMG, a promessa de cria-
omRGHXPQRYRPXVHXSDUD%HOR+RUL]RQWHQmRSDVVRXGHVRQKRVHP
UHDOL]DomR2GHVWLQRQ{PDGHGRVLWHQVGDFROHomRFRQWUDGL]DVH[SHFWD-
tivas de Chateaubriand. A Galeria Brasiliana ainda procura um lar.

>$UHDOL]DomRGHVVHWUDEDOKRVyIRLSRVVtYHOJUDoDVDRHPSHQKRGHSHV-
soas que, atenciosamente, disponibilizaram materiais e informações
VREUHRWHPD$JUDGHFHPRVj'LYLVmRGH&ROHo}HV(VSHFLDLVH2EUDV
Raras da UFMG, especialmente à bibliotecária Diná Marques Pereira
Araújo, que, com muita cordialidade, nos recebeu, cedeu documentos
HQRVDMXGRXDSHQVDUTXHVW}HVVREUHDGRDomRGRWHVWDPHQWRGH0DU-
tim Afonso de Sousa; à conservadora Moema Nascimento Queiroz,
TXHFRPJUDQGHDPRUSURWHJHXD*DOHULD%UDVLOLDQDHQRVDX[LOLRX
FRPIDUWDGRFXPHQWDomRVREUHD*DOHULD%UDVLOLDQDVHPQXQFDKHVL-
tar em compartilhar seu trabalho conosco. Somos gratos à Secretaria
GRVÐUJmRVGH'HOLEHUDomR6XSHULRUGD8)0*TXHQRVUHFHEHXFRP

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 225
JUDQGHFRUWHVLDHVHDQWHFLSRXQDEXVFDGHGRFXPHQWDomRDRVSURIHV-
sores Marco Elísio Paiva e Fabrício Fernandino, por compartilharem
FRQRVFRVXDH[SHULrQFLDFRPRV$FHUYRV$UWtVWLFRVGD8)0*(VVH
estudo foi desenvolvido no âmbito do grupo de pesquisa “História
GDVFROHo}HVµGRFXUVRGH0XVHRORJLDGD8)0*FRPRDX[tOLRGH
Carolina Vaz de Carvalho. Agradecemos, ainda, ao apoio indispensá-
vel da equipe do Espaço do Conhecimento UFMG, em especial de Ida
Gracia Rossi, Lucas Mello de Souza, Raquel Silva de Moura e Aline
Rosa; e à equipe da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz
de Bessa.]

Notas
1 Belo Horizonte vai ter novo museu, Estado de 13 Morais, Chatô, p. 661.
São Paulo, São Paulo, p. 8, 23 jan. 1966. 14 Assis Chateaubriand, Tarde de encantamento,
2 Atual Biblioteca Pública Estadual Luiz de Diário do Paraná, Curitiba, 27 out. 1964, Pri-
Bessa. meiro Caderno, p. 2.
3 Paulo Cabral, Carta a Pietro Maria Bardi, de 2 15 Surge em Minas um dos grandes museus do
de fevereiro de 1966. Brasil, p. 1.
4 Assis Chateaubriand, O muro do bom senso, 16 Emerson Dionísio Gomes de Oliveira, Algo
Diário do Paraná, Curitiba, 1966, Primeiro familiar: considerações sobre as doações em
Caderno, p. 2; Belo Horizonte vai ter novo museus de arte brasileiros, Revista Musas –
museu, p. 8. O destino desta coleção de cartas Revista Brasileira de Museus e Museologia,
é desconhecido. Ela não consta em nenhuma Brasília, n. 6, v. 2, p. 79, 2014. Ver, também:
das listas de itens da Galeria Brasiliana trans- Muito visitada a Galeria Brasiliana, Estado de
feridos para a UFMG de que se tem notícia. Minas, Belo Horizonte, 23 jan. 1966, Primeiro
5 Belo Horizonte vai ter novo museu, p. 8. Caderno, p. 3.
6 Relação das peças da “Galeria Brasiliana” reti- 17 Maria Cecília França Lourenço, Museus
radas hoje, 24-1-66, da Biblioteca Estadual e acolhem o moderno, São Paulo, Edusp, 1999.
entregue à Reitoria da UFMG. p. 79.
7 Fernando Morais, Chatô: o rei do Brasil, a vida 18 Ibidem, p. 239.
de Assis Chateaubriand, São Paulo, Cia. das 19 Mário Barata, Presença de Assis Chateau-
Letras, 1994, p. 680. briand na vida brasileira, São Paulo, Martins,
8 Belo Horizonte vai ter novo museu, p. 8. 1971, p. 105.
9 Surge em Minas um dos grandes museus do 20 Além do Museu D. Beja e da Galeria Brasiliana,
Brasil, Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 1, a Campanha Nacional dos Museus Regionais
22 jan. 1966. fundou, em 1966, o Museu de Arte Contem-
porânea de Pernambuco (Olinda-PE), a Pina-
10 Belo Horizonte vai ter novo museu, p. 8; Cf.
coteca Rubem Berta (Porto Alegre-RS). No ano
Surge em Minas um dos grandes museus do
seguinte, foram criados o Museu de Arte Pedro
Brasil, p. 1.
Américo (atual Museu de Arte Assis Chateau-
11 Belo Horizonte vai ter novo museu, p. 8. briand, Campina Grande-PB) e o Museu Regio-
12 Surge em Minas um dos grandes museus do nal de Arte (Feria de Santana-BA). Pretendia-
Brasil, p. 1. se, ainda, criar um museu em Jequié-BA e

226 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
outro em São Luís-MA. Para a fundação deste 44 Ibidem.
último, foi enviada uma coleção de arte, pos- 45 Idem, A voz do crime, p. 2.
teriormente absorvida pelo Museu Histórico e
46 Idem, A mãe da sapinha, p. 2.
Artístico do Maranhão. Cf. Maria Cecília França
Lourenço, Originalidade e recepção dos artis- 47 Ibidem.
tas plásticos nipo-brasileiros, Revista do Insti- 48 Ibidem.
tuto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 39,
49 Barata, Presença de Assis Chateaubriand na
p. 21-37, 1995; Oliveira, Algo familiar, p. 79-92.
vida brasileira, p. 101.
21 Após o falecimento de Assis Chateaubriand,
50 Apud Barata, Presença de Assis Chateau-
cessam as publicações sobre a Galeria Brasi-
briand na vida brasileira, p. 101; Cf. Glauco
liana e sobre os demais museus regionais.
Carneiro, Brasil, primeiro. História dos Diários
22 Paulo Cabral, Carta sobre a Galeria Brasiliana, Associados, Brasília, Fundação Assis Chateau-
2 fev. 1966, Belo Horizonte, para Pietro Maria briand, 1999, p. 274.
Bardi, Rua 7 de abril, 230, 2º andar, São Paulo-
51 Carneiro, Brasil, primeiro, p. 274.
SP, 1 folha.
52 Apud Morais, Chatô, p. 483-487.
23 Lourenço, Museus acolhem o moderno, p.
240. 53 Assis Chateaubriand, A lição da galeria pau-
lista, Diário do Paraná, Curitiba, 4 mar. 1965,
24 Ibidem.
Primeiro Caderno, p. 2.
25 Surge em Minas um dos grandes museus do
54 João Calmon, Minhas bandeiras de luta, São
Brasil, p. 1.
Paulo, Diários Associados, Fundação Assis
26 Ibidem, p. 3. Chateaubriand, 1999, p. 286.
27 Margarida Izar, Galeria Brasiliana lançada ofi- 55 Assis Chateaubriand, Encontro franco-brasi-
cialmente com banquete na casa de Chateau- leiro, Diário do Paraná, Curitiba, 9 jun. 1955,
briand, Diário do Paraná, Curitiba, p. 4, 9 mar. Primeiro Caderno, p. 2.
1965.
56 Calmon, Minhas bandeiras de luta, p. 286.
28 Paulo Cabral, Carta sobre a Galeria Brasiliana.
57 Ibidem, p. 287.
29 Ibidem.
58 Morais, Chatô, p. 587.
30 Pietro Maria Bardi, Resposta sobre a Galeria
59 P. M. Bardi, Sodalício com Assis Chateau-
Brasiliana, 4 abr. 1966, São Paulo, para Paulo
briand, São Paulo, Museu de Arte de São
Cabral, Estado de Minas, 140, Belo Horizonte-
Paulo, 1982, p. 125.
MG, 1 folha.
60 Murilo Melo Filho, Câmara Cascudo: sábio
31 Paulo Cabral, Carta sobre a Galeria Brasiliana.
e erudito, Revista Brasileira, n. 50, fase VII,
32 Chateaubriand, Tarde de encantamento, p. 2. jan.-fev.-mar. 2007, p. 30; Carneiro, Brasil, pri-
33 Ibidem. meiro, p. 287.
34 Assis Chateaubriand, Um precursor do 1º de 61 Bardi, Sodalício com Assis Chateaubriand, p.
abril brasileiro, Diário do Paraná, Curitiba, 5 126.
jun. 1965, Primeiro Caderno, p. 2. 62 Charles R. Boxer, A idade de ouro do Brasil:
35 Idem, Tarde de encantamento, p. 2. dores de crescimento de uma sociedade colo-
nial, 3. ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
36 Ibidem.
2000, p. 25.
37 Morais, Chatô, p. 615.
63 Marcelo Modolo, Resenha de A idade de ouro
38 Assis Chateaubriand, A mãe da sapinha, Diário do Brasil: dores de crescimento de uma socie-
do Paraná, Curitiba, 5 fev. 1965, Primeiro dade colonial de Charles Ralph Boxer, Diálogos
Caderno, p. 2. Latino-americanos, Aarhus Universitet, Dina-
39 Idem, A voz do crime, Diário do Paraná, Curi- marca, n. 6, p. 94-96, 2002.
tiba, 24 fev. 1965, Primeiro Caderno, p. 2. 64 Carneiro, Brasil, primeiro, p. 288.
40 Ibidem, p. 2. 65 A documentação sobre a participação do casal
41 Morais, Chatô, p. 644-657. na aquisição do imóvel encontra-se no arquivo
42 Chateaubriand, Tarde de encantamento, p. 2. da Fundação Lina Bo e P. M. Bardi. Cf. Bardi,
Sodalício com Assis Chateaubriand, p. 129.
43 Ibidem.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 227
66 Carneiro, Brasil, primeiro, p. 289. 91 Ibidem. O destino deste documento é des-
67 Bardi, Sodalício com Assis Chateaubriand, p. conhecido. Ele não consta em nenhuma das
131. listas de itens da Galeria Brasiliana transferi-
dos para a UFMG de que se tem notícia.
68 Izar, Galeria Brasiliana lançada oficialmente
com banquete na casa de Chateaubriand, p. 4. 92 Izar, Galeria Brasiliana lançada oficialmente
com banquete na casa de Chateaubriand, p. 4.
69 Carlos Martins, Revelando um acervo, São
Paulo, BEI Comunicação, 2000, p. 4. 93 Assis Chateaubriand, Um mineiro do sul de
Minas que equivale a outro da “Mata”, Diário
70 Maria Isabel Ribeiro Lenzi, “Para aprendermos
do Paraná, Curitiba, 7 mar. 1965, Primeiro
história sem nos fatigar”: a tradição do anti-
Caderno, p. 2.
quariado e a historiografia de Gilberto Ferrez,
tese (doutorado), Departamento de História, 94 Izar, Galeria Brasiliana lançada oficialmente
Universidade Federal Fluminense, Niterói, com banquete na casa de Chateaubriand, p. 4.
2013, p. 11. 95 Chateaubriand, Um mineiro do sul de Minas
71 P. M. Bardi, Chateaubriand, fundador de que equivale a outro da “Mata”, p. 2.
museus, Diário do Paraná, Curitiba, 23 jan. 96 Izar, Galeria Brasiliana lançada oficialmente
1966, Primeiro Caderno, p. 2. com banquete na casa de Chateaubriand, p. 4.
72 Relação das peças da “Galeria Brasiliana” reti- 97 Chateaubriand, Um mineiro do sul de Minas
radas hoje, 24-1-66, da Biblioteca Estadual e que equivale a outro da “Mata”, p. 2.
entregue à Reitoria da UFMG. 98 Antônio Lopes Sá, Origens de um banco cen-
73 Bardi, Sodalício com Assis Chateaubriand, p. tenário: história econômica, administrativa
122. financeira e contábil do Banco de Crédito Real
74 Ibidem. de Minas Gerais S/A, Juiz de Fora, Credireal,
1989, p. 172.
75 Ibidem
99 Regina Horta Duarte, O lugar da cidade uni-
76 Ibidem, p. 122-124.
versitária, em Heloisa Maria Murgel Starling
77 Muito visitada a Galeria Brasiliana, p. 3. e Regina Horta Duarte (org.), Cidade Universi-
78 Alberto Lee, Prefácio, em Gilberto Ferrez, tária da UFMG: história e natureza, Belo Hori-
Aquarelas de Richard Bate: o Rio de Janeiro de zonte, Ed. UFMG, 2009, p. 60.
1808-1848, Rio de Janeiro, Galeria Brasiliana, 100 Aluísio Pimenta, Depoimento gestão Aluísio
1965, p. 5. Pimenta, em Maria Efigênia Lage de Resende
79 Chateaubriand, A lição da Galeria Paulista, p. e Lucília de Almeida Neves (org.), Universidade
2. Federal de Minas Gerais: memória de reitores
(1961-1990), Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1998,
80 Ibidem.
p. 62.
81 Ibidem.
101 Chateaubriand, Um mineiro do sul de Minas
82 Ibidem. que equivale a outro da “Mata”, p. 2.
83 Morais, Chatô, p. 484. 102 Chateaubriand, Um precursor do 1º de abril
84 Chateaubriand, A lição da Galeria Paulista, p. brasileiro, p. 2. Entre 1530 e 1532, o inglês
2. de Plymouth (Reino Unido), Willian Hawkins,
85 Ibidem. esteve no Brasil e, ao retornar, levou em seu
navio um indígena brasileiro. O ameríndio foi
86 Ibidem.
apresentado à corte do rei Henrique VIII (1491-
87 Ibidem. 1547), onde foi denominado como Brazilian
88 Ibidem. king. Sua presença na corte causou grande
admiração, devido à sua aparência e costu-
89 René Lommez Gomes, Respirar e construir:
mes.
um refrão para o Brasil moderno, em Heloisa
Maria Murgel Starling e Lígia Beatriz de Paula 103 Chateaubriand, Um precursor do 1º de abril
Germano (org.), Engenharia: história em cons- brasileiro, p. 2. 5 jun. 1965.
trução, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2012, p. 104 Ibidem.
152.
105 Ibidem.
90 Izar, Galeria Brasiliana lançada oficialmente
106 Ibidem.
com banquete na casa de Chateaubriand, p. 4.

228 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
107 Idem, O novo mundo do novo mundo, Diário 122 A coleção de Cathoud talvez tenha sido a
do Paraná, Curitiba, 17 dez. 1965, Primeiro mais prolífica das coleções científicas da
Caderno, p. 2. capital. Acumuladas em instituições de pes-
108 Idem, A dinastia dos Werneck, Diário do quisa ou ensino, essas coleções se avoluma-
Paraná, Curitiba, 11 dez. 1965, Primeiro vam em decorrência da produção ou transmis-
Caderno, p. 2. são do conhecimento. Algumas chegaram a ser
nomeadas como museu. Poucas, no entanto,
109 Idem, As três expedições de Max Lowenstein,
alcançaram alguma forma de institucionaliza-
Diário do Paraná, Curitiba, 20 jan. 1966, Pri-
ção. O Laboratório Químico, responsável por
meiro Caderno, p. 2.
análises sanitárias, ocupava um prédio de
110 Idem, Vício do rapaz, Diário do Paraná, Curi- oito salas, uma delas denominada “Museu”.
tiba, 28 jul. 1965, Primeiro Caderno, p. 2. Apesar do título, a sala tão somente abrigava
111 Sandra Cristina de Medeiros, O reino do faz uma coleção de estudos. Na década de 1920,
de conta na e da TV: o teleteatro infantil de a filial do Instituto Oswaldo Cruz pesquisava a
Jotta Barroso, tese (doutorado em Letras), Pro- produção de soros antiofídicos. Fomentando o
grama de Pós-Graduação em Letras, Pontifícia trabalho, promoveu uma caça a animais peço-
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de nhentos, chamada “bandeiras científicas”. A
Janeiro, 2010, p. 108 et seq. campanha forneceu um enorme volume de
espécimes para suas coleções biológicas e
112 P. M. Bardi, A cultura nacional e a presença
seu serpentário. Então, o instituto criou um
do MASP, São Paulo, Fiat do Brasil, Fondazione
museu, que forneceu exemplares para as cole-
Giovanni Agnelli, 1982, p. 177.
ções dos Estados Unidos, Cuba, Itália, Alema-
113 Assis Chateaubriand, O homem-bandeira, nha e França. Suas portas foram abertas para
Diário do Paraná, Curitiba, 5 dez. 1965, Pri- visitação. A afluência do público era enorme
meiro Caderno, p. 2. e as pessoas se amontoavam nos muros do
114 Calmon, Minhas bandeiras de luta, p. 177. serpentário para ver as cobras (Bráulio Silva
115 Ibidem, p. 176-177. Chaves, Os primeiros tempos: a ciência e a
cidade moderna, em Heloisa Maria Murgel
116 José de Oliveira Vaz, A história de uma tele-
Starling, Lígia Beatriz de Paula Germano e
emissora: TV Itacolomi sempre na liderança,
Rita de Cássia Marques (org.), Fundação Eze-
Belo Horizonte, Estado de Minas, 1995, p. 83.
quiel Dias: um século de promoção e proteção
117 Calmon, Minhas bandeiras de luta, p. 178. à saúde, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2007, p.
118 Ibidem, p. 179. 73-82). Apesar do sucesso, o museu do insti-
tuto não passava de uma coleção. Não existia
119 A Lei nº 126, de 11 de julho de 1895, cria
ali um edifício criado para abrigar acervos.
na cidade de Ouro Preto uma repartição
denominada Archivo Público Mineiro (APM) 123 Posteriormente rebatizado como Museu His-
(Ivana Parrela, A lógica e o labirinto, Revista tórico Abílio Barreto.
do Arquivo Público, Belo Horizonte, n. 1, p. 124 José Neves Bittencourt, O lugar dos acervos
97, jan.-jun. 2007). Quinze anos mais tarde, operacionais na refundação do Museu His-
em 1910, a instituição se tornou responsável tórico Abílio Barreto, em Thais Velloso Cougo
pelas seções de história natural, etnografia Pimentel (org.), Pampulha múltipla: uma região
e antiguidades históricas, reunindo o acervo da cidade na leitura do Museu Histórico Abílio
relacionado à história de Minas nos três perí- Barreto, Belo Horizonte, Museu Histórico Abílio
odos – da capitania, da província e do estado. Barreto, 2007, p. 23.
120 Minas Gerais, Lei nº 528, de 20 de setembro 125 Érika de Faria Reis. Planejar: por excelên-
de 1910. cia uma atividade museológica. Dez anos
121 A pinacoteca do estado seria institucionali- de gestão democrática no MHAB, em Thais
zada em 1971. Sua coleção, ampliada, passou Velloso Cougo Pimentel (org.), Reinventando
a integrar oficialmente o acervo do Arquivo o MHAB: o museu e seu novo lugar na cidade
Público Mineiro. À mesma época, foi retomado – 1993-2003, Belo Horizonte, Museu His-
o projeto de fundação de um museu para tórico Abílio Barreto, 2004, p. 76; Maria Inez
abrigar os acervos ali reunidos. Finalmente, Cândido e Silvana Cançado Trindade, O acervo
em 1980, seria criado o Museu Mineiro. de objetos do MHAB: formação, caracterização
e perspectivas, em Thais Velloso Cougo Pimen-
tel (org.), Reinventando o MHAB: o museu e

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 229
seu novo lugar na cidade – 1993-2003, Belo 134 René Lommez Gomes e Verona Campos
Horizonte, Museu Histórico Abílio Barreto, Segantini, Jeanne Milde, escultora e educa-
2004, p. 143. dora, em Eddy Stols, Luciana Pelaes Mascaro
126 Abílio Barreto, Resumo histórico de Belo Hori- e Clodoaldo Bueno, Brasil e Bélgica: cinco
zonte (1701-1947), Belo Horizonte, Imprensa séculos de conexões e interações, São Paulo,
Oficial, 1950, p. 311 apud José Neves Biten- Narrativa Um, 2014, p. 28-33.
court, MHBH, MHAB, MhAB. O sítio da Fazenda 135 Vivas, Por uma história da arte em Belo Hori-
Velha do Leitao, seus diversos prédios e seus zonte, p. 78 et seq.
museus, 1943-2000, em Thais Velloso Cougo 136 Gomes e Segantini, Jeanne Milde, escultora
Pimentel (org.), Reinventando o MHAB: o e educadora, p. 32.
museu e seu novo lugar na cidade – 1993-
137 Antônio Crispim [Carlos Drummond de
2003, Belo Horizonte, Museu Histórico Abílio
Andrade], A mais bela, Minas Gerais, Belo Hori-
Barreto, 2004, p. 44.
zonte, p. 6, 24 mar. 1930.
127 José Neves Bitencourt, MHBH, MHAB, MhAB.
138 Marginália. Três exposições, A Revista, Belo
O sítio da Fazenda Velha do Leitao, seus diver-
Horizonte, ano 1, n. 3, janeiro de 1926, p. 54.
sos prédios e seus museus, 1943-2000, em
Thais Velloso Cougo Pimentel (org.), Reinven- 139 Barba Azul [Carlos Drummond de Andrade],
tando o MHAB: o museu e seu novo lugar na Fragonard em Minas, Minas Gerais, Belo Hori-
cidade – 1993-2003, Belo Horizonte, Museu zonte, p. 14, 1º jul. 1931.
Histórico Abílio Barreto, 2004, p. 44. 140 Rute Costa Assis, A criação do Museu de Arte
128 Ofício dirigido por Abílio Barreto ao prefeito da Pampulha: a relevância das políticas de
JK, 9 set. 1941, 2 páginas, manuscrito (MHAB, fomento às artes plásticas na cidade de Belo
Arquivo Administrativo) apud José Neves Biten- Horizonte – 1936-1957, monografia (conclu-
court, MHBH, MHAB, MhAB. O sítio da Fazenda são de curso), Faculdade de Filosofia e Ciên-
Velha do Leitao, seus diversos prédios e seus cias Humanas, Universidade Federal de Minas
museus, 1943-2000, em Thais Velloso Cougo Gerais, Belo Horizonte, 2012, p. 4.
Pimentel (org.), Reinventando o MHAB: o 141 A Pampulha está inteiramente abandonada.
museu e seu novo lugar na cidade – 1993- Obras artísticas valiosas expostas à ação do
2003, Belo Horizonte, Museu Histórico Abílio tempo, Estado de Minas, Belo Horizonte, 9
Barreto, 2004, p. 46. dez. 1948 apud Rute Costa Assis, A criação
129 O anexo só viria a ser inaugurado em 1998. do Museu de Arte da Pampulha: a relevância
das políticas de fomento às artes plásticas
130 Wilson Vasconcellos, Artes plásticas – Espar-
na cidade de Belo Horizonte – 1936-1957,
sos, Revista Vocação, Belo Horizonte, ano 1, n.
monografia (conclusão de curso), Faculdade
2, p. 42, maio 1951, p. 42 apud Rute Costa
de Filosofia e Ciências Humanas, Universi-
Assis, A criação do Museu de Arte da Pampu-
dade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
lha: a relevância das políticas de fomento às
2012, p. 18.
artes plásticas na cidade de Belo Horizonte –
1936-1957, monografia (conclusão de curso), 142 Ricardo Samuel de Lana, Arquitetos da pai-
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, sagem: memoráveis jardins de Roberto Burle
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Marx e Henrique Lahmeyer de Mello Barreto,
Horizonte, 2012, p. 12. Belo Horizonte, Museu Histórico Abílio Barreto,
2009 apud Rute Costa Assis, A criação do
131 Rodrigo Vivas, A curadoria como história da
Museu de Arte da Pampulha: a relevância
arte: aspectos da escrita da história da arte
das políticas de fomento às artes plásticas
em Belo Horizonte, em Felipe Martinez et al
na cidade de Belo Horizonte – 1936-1957,
(org.), VIII Encontro de História da Arte: histó-
monografia (conclusão de curso), Faculdade
ria da arte e curadoria, Campinas, UNICAMP,
de Filosofia e Ciências Humanas, Universi-
CHAA, IFCH, 2013, p. 586.
dade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
132 Rodrigo Vivas, Por uma história da arte em 2012, p. 22.
Belo Horizonte: artistas, exposições e salões
143 Relatório do Exercício de 1948. Prefeito Ota-
de arte, Belo Horizonte, C/Arte, 2012, p. 61.
cílio Negrão de Lima apud Rute Costa Assis, A
133 Do “salon” ao bar, Folha de Minas, Belo Hori- criação do Museu de Arte da Pampulha: a rele-
zonte, 11 set. 1936, p. 3. vância das políticas de fomento às artes plásti-
cas na cidade de Belo Horizonte – 1936-1957,

230 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
monografia (conclusão de curso), Faculdade 154 Moraes, História da Universidade Federal de
de Filosofia e Ciências Humanas, Universi- Minas Gerais, p. 46; Fialho, Da cidade universi-
dade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, tária ao Campus da Pampulha da UFMG, p. 33.
2012, p. 19. 155 Fernando Correia Dias. Universidade Federal
144 Assis, A criação do Museu de Arte da Pampu- de Minas Gerais: projeto intelectual e político,
lha, p. 22. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1997, p. 145. Sobre
145 Lana, Arquitetos da paisagem apud Assis, A o sonho como transfiguração das imperfei-
criação do Museu de Arte da Pampulha, p. 22. ções e carências da realidade, no anseio por
sua superação, ver: Olgária C. F. Matos, Benja-
146 Assis, A criação do Museu de Arte da Pampu-
minianas: cultura capitalista e fetichismo con-
lha, p. 24.
temporâneo, São Paulo, Editora UNESP, 2010,
147 Cf. Museu de Arte da Pampulha, Inventário, p. 221.
Belo Horizonte, Museu de Arte da Pampulha,
156 Moraes, História da Universidade Federal de
2010.
Minas Gerais, p. 97.
148 Relatório de 1966. Apresentado à Egrégia
157 Ernesto de Souza Campos, Parecer do Prof.
Câmara Municipal de Belo Horizonte, pelo pre-
Ernesto de Souza Campos, sobre o plano
feito Oswaldo Pierucetti, fev. 1966, p. 50; Pre-
geral da Cidade Universitária, em Lincoln de
feitura de Belo Horizonte, Relatório do exercício
Campos Continentino et al., Cidade Universitá-
de 1966, enviada à Egrégia Câmara Municipal
ria. Memorial da comissão técnica de revisão,
de Belo Horizonte, pelo prefeito Oswaldo Pieru-
legislação, contratos, escrituras e pareceres
cetti, jan. 1967, p. 143.
sobre o planejamento e organização atuais,
149 Eduardo R. Affonso de Moraes, História da Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo 1955, p. 40.
Horizonte, Imprensa Universitária UFMG,
158 Moraes, História da Universidade Federal de
1971, p. 249.
Minas Gerais, p. 42.
150 Heloisa Maria Murgel Starling, Introdução,
159 Guimarães Jr., Cidade Universitária da Uni-
em Heloisa Maria Murgel Starling e Regina
versidade de Minas Gerais, p. 9.
Horta Duarte (org.), Cidade Universitária da
UFMG: história e natureza, Belo Horizonte, 160 Moraes, História da Universidade Federal de
Editora UFMG, 2009, p. 15. Minas Gerais, p. 270.
151 O projeto do edifício foi elaborado entre 161 Pimenta, Depoimento Gestão Aluísio
1956 e 1959, por Eduardo Mendes Guima- Pimenta, p. 45.
rães Junior, Gaspar Ferdinando Barreto e Ítalo 162 Ibidem, p. 39-78.
Pezzuti. Sua construção ocorreu de 1956 a 163 Ibidem, p. 45.
1962.
164 Nesse modelo, o ensino superior dividia-se
152 Eduardo Mendes Guimarães Jr., Cidade Uni- em dois ciclos (básico e profissional), seguidos
versitária da Universidade de Minas Gerais, por dois níveis de pós-graduação (mestrado e
Arquitetura e Engenharia, ano 8, n. 43, p. 6, doutorado).
jan.-set. 1957; Beatriz Campos Fialho, Da
165 Pimenta, Depoimento Gestão Aluísio
cidade universitária ao Campus da Pampulha
Pimenta, p. 45. Para Aluísio Pimenta, “não
da UFMG: arquitetura e urbanismo como mate-
faz[ia] sentido, num país falho de recursos
rialização do ideário educacional (1943-1975),
financeiros, a existência de laboratórios de
dissertação (mestrado em Arquitetura), Escola
Química, independentes e quase hostis uns
de Arquitetura, Universidade Federal de Minas
aos outros, em seis unidades universitárias”.
Gerais, Belo Horizonte, 2012, p. 145.
166 Pimenta, Depoimento Gestão Aluísio
153 Eduardo Mendes Guimarães Jr., Forma e
Pimenta, p. 45.
racionalismo na arquitetura contemporânea
brasileira, Arquitetura e Engenharia, Belo Hori- 167 Ibidem, p. 48.
zonte, n. 52, p 2-3, jan.-fev. 1959 apud Eneida 168 Vão ser apresentadas aos mineiros as pri-
Maria de Souza (org.), Modernidades tardias, meiras peças da Galeria Brasiliana, Estado de
Belo Horizonte, Editora UFMG, 1998, p. 221. Minas, Belo Horizonte, p. 12, 19 jan. 1966.
169 Chateaubriand visita a Assembleia, Estado
de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 22 jan. 1966.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 231
170 Ibidem. 190 Chateaubriand, Vamos tentar fabricar, em
171 Ibidem. Minas, homens do V século de Péricles, p. 2.
172 Ibidem. 191 Carlos Rizzini, Uma verrina do século XVIII,
Diário do Paraná, Curitiba, 23 dez. 1966, Pri-
173 Ibidem.
meiro Caderno, p. 2. O destino destes docu-
174 Título de cidadão belo-horizontino a mentos é desconhecido. Eles não constam em
Edmundo Monteiro, Diário do Paraná, Curitiba, nenhuma das listas de itens da Galeria Brasi-
28 maio 1966, Primeiro Caderno, p. 2. liana transferidos para a UFMG de que se tem
175 Ibidem. notícia.
176 Assis Chateaubriand, A Galeria Brasiliana, 192 Chateaubriand, Vamos tentar fabricar, em
Diário do Paraná, Curitiba, 14 jun. 1966, Pri- Minas, homens do V século de Péricles, p. 2.
meiro Caderno, p. 2. 193 Assis Chateaubriand, O enviado de Pierre
177 Ibidem. Monbeig e as gatas ruivas de Daniel de Serigy,
Diário do Paraná, Curitiba, 17 fev. 1967, Pri-
178 Ibidem.
meiro caderno, p. 2. O destino desta peça é
179 Título de cidadão belo-horizontino a Edmundo desconhecido. Ela não consta em nenhuma
Monteiro, p. 2. O destino destas obras é desco- das listas de itens da Galeria Brasiliana trans-
nhecido. Elas não constam em nenhuma das feridos para a UFMG de que se tem notícia.
listas de itens da Galeria Brasiliana transferi-
194 Assis Chateaubriand. O que fez o Brasil orgâ-
dos para a UFMG de que se tem notícia.
nico, de saída, foi o Estado militar português,
180 Título de cidadão belo-horizontino a Edmundo Diário do Paraná, Curitiba, 9 maio 1967, Pri-
Monteiro, p. 2. meiro Caderno, p. 2. O destino desta obra é
181 Carta sobre a transferência de peças para desconhecido. Ela não consta em nenhuma
a Galeria Brasiliana para professor Jacques das listas de itens da Galeria Brasiliana trans-
Brandão, Belo Horizonte, Diários Associados, feridos para a UFMG de que se tem notícia.
2 jun. 1966, 1 folha. O destino desta obra é 195 Nicolau Neto, Carta sobre o Acervo Brasi-
desconhecido. Consta que ela chegou a ser liana para Galeria Brasiliana, Belo Horizonte, 7
transferidos para a UFMG. mar. 1968.
182 Assis Chateaubriand, Uma democracia ou 196 Carlos Rizzini, Chateaubriand, Diário do
uma nação quando apelam para o messia- Paraná, Curitiba, 9 abr. 1968, Primeiro
nismo já estão podres, Diário do Paraná, Caderno, p. 2.
Curitiba, 28 dez. 1966, Primeiro Caderno, p.
197 A tela pertence, hoje, ao acervo do Palácio
2. Segundo Pietro Maria Bardi, Chateaubriand
Itamaraty, em Brasília, constando como
idolatrava Camilo Castello Branco e possuía
doação de Assis Chateaubriand.
sua própria coleção camiliana, “quase com-
pleta, faltando poucas raridades”. Cf. Bardi, 198 Universidade Federal de Minas Gerais, Ata
Sodalício com Assis Chateaubriand, p. 1-11. do Conselho Universitário da UFMG, 19 abr.
1968.
183 Assis Chateaubriand. Vamos tentar fabricar,
em Minas, homens do V século de Péricles, 199 Idem, Parecer 11/68, Belo Horizonte, 28
Diário do Paraná, Curitiba, 17 dez. 1966, Pri- maio 1968.
meiro Caderno, p. 2. 200 Barata, Presença de Assis Chateaubriand na
184 Aluísio Pimenta, Carta sobre as coleções vida brasileira, p. 105-106.
Brasiliana e Camiliana para sr. Assis Chateau- 201 Acervo Artístico da UFMG, apresentação
briand, Belo Horizonte, 22 abr. 1967. de Clélio Campolina Diniz; coordenação do
185 Ibidem. projeto Memória Acervo e Arte de João Antônio
de Paula; Marília Andrés Ribeiro; Fabrício
186 Ibidem.
Fernandino e Moema Queiroz; coordenação
187 Ibidem. editorial de Fernando Pedro da Silva e Marília
188 Universidade Federal de Minas Gerais, Ofício Andrés Ribeiro, Belo Horizonte, C/Arte, 2011,
da Assessoria de Relações Universitárias para p. 27. Segundo Marco Elísio Paiva, a doação
a Divisão Cultural, Belo Horizonte, 4 ago. 1966. da Galeria Brasiliana para a UFMG teria sido
189 Idem, Ata do Conselho Universitário da realizada em 1966, mas, como “fora verbal”,
UFMG, Belo Horizonte, 30 out. 1967. “sua ratificação só aconteceu em 1971”. No

232 O Testamento de Martim Afonso


de Sousa e de Dona Ana Pimentel
entanto, uma análise mais próxima da docu-
mentação revelou que a transferência da
galeria para a universidade, em 1966, teria
sido realizada sob a forma de uma guarda
temporária. Somente em 1971, após a morte
de Chateaubriand, a coleção teria sido efetiva-
mente doada à UFMG. Reforça essa interpre-
tação o fato de não haver, na documentação
da referente à concessão do título de doutor
honoris causa ao jornalista, referência alguma
à doação da galeria, relacionando-se o ato
concessão exclusivamente à doação dos 15
mil volumes de livros para a Faculdade de
Direito. Cf. Marco Elísio Paiva, A Galeria Brasi-
liana, Belo Horizonte, UFMG, 1997, catálogo de
exposição.
202 Mitiko Okazaki Kehdy, Sociedade Amigas
da Cultura: 50 anos promovendo Cultura em
Minas Gerais, Belo Horizonte, Associação
Amigas da Cultura, 2012, p. 136-137.
203 Fialho, Da cidade universitária ao Campus da
Pampulha da UFMG, p. 184, 190.
204 Ibidem, p. 145, 184.

JÚNIA FERREIRA FURTADO


ORGANIZADORA 233
234 O Testamento de Martim Afonso
de Sousa e de Dona Ana Pimentel

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