Capítulo 4 – Atitudes: conceito e formação (Uma pessoa faz aquilo que é; uma
pessoa se torna aquilo que ela faz. Robert Musil.)
No capítulo anterior, vimos que as pessoas, ao entrarem em contato com seu ambiente social, formam impressões sobre outras pessoas e procuram meios econômicos de tomar conhecimento de seu ambiente. Para isto, utilizam-se de esquemas sociais, heurísticas e atribuição diferencial de causalidade. Uma consequência direta do processo de tomada de conhecimento do ambiente social que nos circunda e a formação de atitudes. Atitudes são sentimentos pró ou contra pessoas e coisas com quem entramos em contato. Atitudes se formam durante nosso processo de socialização. Elas decorrem de processos comuns de aprendizagem (reforço, modelagem); podem surgir em atendimento a certas funções; são consequências de características individuais de personalidade ou de determinantes sociais; e ainda podem se formar em consequência de processos cognitivos, (busca de equilíbrio, busca de consonância). Inúmeras são as definições de atitude. Allport (1935) compilou mais de vem. Baseando- se nas várias definições existentes, podemos sintetizar os elementos essencialmente característicos das atitudes sociais como sendo: (a) uma organização duradoura de crenças e cognições em geral; (b) uma carga afetiva pró ou contra um objeto social; c) uma predisposição à ação. Sendo assim, podemos definir atitude social como sendo uma organização duradoura de crenças e cognições em geral, dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a este objeto. Componentes das atitudes O componente cognitivo Para que se tenha uma atitude em relação a um objeto é necessário que se tenha alguma representação cognitiva deste objeto. As crenças e demais componentes cognitivos (conhecimento, maneira de encarar o objeto, etc.) relativos ao objeto de uma atitude constituem o componente cognitivo da atitude. Pessoas que exibem atitudes preconceituosas, por exemplo, têm uma serie de cognições do grupo que é objeto de sua discriminação. Assim, para que haja uma carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, faz-se mister que se tenha alguma representação cognitiva deste mesmo objeto. O componente afetivo Para alguns (FISHBEIN & RAVEN, 1962; FISHBEIN, 1965; 1966) o componente afetivo, definido como sentimento pró ou contra um determinado objeto social, é o único característico das atitudes sociais. Para Fishbein, as crenças e comportamentos associados a uma atitude são apenas elementos pelos quais se pode medir a atitude, não sendo, porém, parte integrante dela. Sendo atitude uma variável interveniente e, como tal, inferível de um fato, mas não diretamente observável, medimo-la através dos observáveis a ela relacionados. Não há dúvida de que o componente mais nitidamente característico das atitudes é o afetivo. Nisto as atitudes se diferem, por exemplo, das crenças e das opiniões que, embora muitas vezes se integrem em uma atitude, suscitando um afeto positivo ou negativo em relação a um objeto e predispondo à ação, não são necessariamente impregnados de conotação afetiva. Rosenberg (1960) demonstrou experimentalmente que os componentes cognitivo e afetivo das atitudes tendem a ser coerentes entre si. Em seu experimento, Rosenberg mudou o componente cognitivo da metade dos sujeitos que tinham atitudes nítidas em relação à medicina socializada, negros, Rússia, etc., utilizando o método hipnótico; em relação à outra metade de participantes, ele mudou o componente afetivo através do mesmo método e em relação aos mesmos temas. Posteriormente, os sujeitos foram liberados da sugestão hipnótica, porém antes foram verificadas, respectivamente, as transformações em seus afetos e cognições acerca daqueles objetos. Tal como hipotetizado por Rosenberg, os sujeitos cujo componente cognitivo havia sido modificado por sugestão hipnótica passaram a demonstrar afetos mais coerentes com o novo componente cognitivo, o mesmo se verificando, mutatis mutandis, com aqueles que tiveram seu conteúdo afetivo modificado experimentalmente. Tais achados demonstraram que a destruição da congruência afetivo-cognitiva através da alteração de qualquer um destes componentes põe em movimento processos de restauração da congruência, os quais, sob certas circunstâncias, conduzirão a uma reorganização atitudinal através de uma mudança complementar no componente não alterado previamente. O componente comportamental A posição geralmente aceita pelos psicólogos sociais é a de que as atitudes possuem um componente ativo, instigador de comportamentos coerentes com as cognições e os afetos relativos aos objetos atitudinais. A relação entre atitude (do ponto de vista puramente afetivo) e comportamento constitui um dos motivos por que as atitudes sempre mereceram especial atenção por parte dos psicólogos sociais, chegando mesmo ao ponto de, já em 1918, Thomas e Znaniecki definirem psicologia social como “o estudo cientifico das atitudes”. As atitudes sociais criam um estado de predisposição a ação que, quando combinado com uma situação especifica desencadeante, resulta em comportamento. Assim, uma pessoa que é torcedora do Fluminense Futebol Clube possui cognições e afetos em relação a esta agremiação esportiva capazes de predisporem-na a, dada uma situação adequada (realização de um jogo de futebol, por exemplo), emitir comportamentos consistentes com tais cognições e afetos (no caso, torcer para o Fluminense durante o jogo). Atitude e comportamento De acordo com as teorias psicossociais conhecidas como teorias de consistência (por exemplo, FESTINGER, 1957; HEIDER, 1958), os três componentes das atitudes devem ser internamente consistentes. Contudo, não é raro verificar certas inconsistências entre as atitudes e comportamentos expressos pelas pessoas. A teoria da ação racional de Fishbein e Ajzen e a relação atitude/comportamento Fishbein (1966) e Ajzen e Fishbein (1980) apresentam contribuição importante ao estudo da relação entre atitude e comportamento. Contrariamente a maioria dos autores que distinguem três componentes nas atitudes- o cognitivo, o afetivo e o comportamental- estes autores preferem reservar para a caracterização das atitudes apenas o aspecto afetivo e determinar o seu papel (juntamente com outros fatores) na formação de uma intenção de comportamento que, por sua vez, se constitui em bom preditor do comportamento da pessoa. Para que sejamos capazes de prever a intenção de uma pessoa em praticar determinado comportamento, é necessário determinar, empiricamente, quais as suas atitudes em relação ao comportamento (isto e, se o comportamento é bom ou mau, bonito ou feio, recomendável ou reprovável, etc.) Atitudes e valores Valores são categorias gerais dotadas também de componentes cognitivos, afetivos e predisponentes de comportamento, diferindo das atitudes por sua generalidade. Uns poucos valores podem encerrar uma infinidade de atitudes. O valor religião por exemplo, envolve atitudes em direção a Deus, à Igreja, etc. Allport, Vernon e Lindzey (1951) propuseram uma escala padronizada para a classificação das pessoas de acordo com a importância dada por elas ao seguintes valores: - teoria: ênfase em utilidade e pragmatismo, dominância de enfoques de natureza econômica; - estética: ênfase em harmonia, beleza de formas, simetria; - praticalidade: ênfase em altruísmo e filantropia; - poder: ênfase em influencia, dominância e exercício do poder em viárias esferas; - religião: ênfase em aspectos transcendentes, místicos e procura de um sentido para a vida. Posteriormente, Schwartz (1992; 1994), baseado em uma serie extensa de estudos transculturais, propôs uma teoria de valores que é considerada referência obrigatória em qualquer estudo sobre o assunto. - benevolência: busca da preservação e da promoção do bem-estar dos outros; - tradição: adesão a costumes e ideias de natureza religiosa e cultural; - conformidade: controle de impulsos ou de ações socialmente reprováveis; - segurança: defesa da harmonia e da estabilidade da sociedade, das relações e do próprio self; - poder: controle sobre pessoas ou recursos, buscando status e prestígio; - realização: busca de sucesso pessoal pela demonstração de competência, de acordo com os padrões sociais; - hedonismo: busca de prazer e sensações gratificantes; - estimulação: busca de excitação, novidades e desafios; - autodireção: busca de independência de pensamentos e de ações; - universalismo: busca de compreensão, tolerância e proteção para com todas as criaturas da terra. Formação e função das atitudes Atitudes podem ser aprendidas. Uma criança, que é reforçada por mostrar-se favorável a um objeto e punida quando indica sentimento desfavorável a outro, tenderá a desenvolver uma atitude favorável ao primeiro e desfavorável ao segundo. Preconceito racial é um exemplo de atitude negativa a um grupo social que pode ser formada por reforço e punição. Modelagem é outro processo capaz de formar atitudes pró ou contra objetos sociais. Tendemos a adotar as atitudes das pessoas que são significantes para nós. Atitudes servem para ajudar-nos a lidar com o ambiente social. Katz e Stotland (1959), Smith, Bruner e White (1956) e outros teóricos destacam várias funções servem às atitudes. Atitudes servem para: (a) permitir-nos a obtenção de recompensas e a evitação de castigos; (b) proteger nossa autoestima e evitar ansiedade e conflitos; (c) ajudar-nos a ordenar e assimilar informações complexas; (d) refletir nossas convicções e valores; e (f) estabelecer nossa identidade social. A teoria da dissonância cognitiva de Leon Festinger Em 1957, foi publicado pela primeira vez o livro de Leon Festinger intitulado A Theory of Cognitive Dissonance. A publicação da teoria da dissonância cognitiva deu ensejo a que se desencadeasse uma serie sem precedentes de experimentos em Psicologia Social. O ponto central da teoria de Festinger é que nós procuramos um estado de harmonia em nossas cognições. O termo cognição, tal como definido anteriormente, refere-se a "qualquer conhecimento, opinião ou crença acerca do ambiente, acerca da própria pessoa ou acerca de seu comportamento" (FESTINGER, 1957: 3). As relações entre nossas cognições podem ser relevantes ou irrelevantes. Festinger (1964) aponta, sempre amparado por experimentos cuidadosamente planejados e executados, algumas falhas na formulação original da teoria as quais foram sugeridas pelos experimentos que se seguiram ao seu lançamento. Uma das primeiras preocupações de Festinger e de bem caracterizar a diferença existente entre conflito e dissonância. Antes de uma pessoa tomar uma decisão, ela se encontra num estado de conflito. Durante este período pre-decisional, a pessoa avalia as alternativas que se lhe oferecem, mas o faz de uma forma objetiva, sem tendenciosidade. Tomada a decisão, elementos consonantes da alternativa escolhida tendem a ser supervalorizados e, simultaneamente, os elementos cognitivos que entram em dissonância com a alternativa rejeitada tendem a ser desvalorizados. Outro ponto importante ressaltado por Festinger (1964) é o relativo ao momento em que se iniciam os mecanismos de redução de dissonância e a rapidez com que tais mecanismos são desencadeados. Diz ele que, tendo havido suficiente exame das alternativas no período pre-decisional, o aparecimento dos mecanismos de redução de dissonância se seguem imediatamente a decisão. Ainda em relação ao período imediatamente seguinte ao aparecimento da dissonância, Festinger (1964) salienta a importância de um fenômeno - o do arrependimento pós-decisional- que, tal como o próprio autor reconhece, estava implícito na formulação original da teoria, mas mal interpretado naquela ocasião. Dissonância como resultado de decisões A teoria da dissonância procura esclarecer o que se segue, psicologicamente, ao processo da decisão. Na maioria dos casos, quando optamos por uma dentre duas alternativas depois de ponderar os prós e os contras de cada uma, tendemos a ressaltar todas as características atraentes da alternativa escolhida e a desvalorizar a alternativa rejeitada. Dissonância produzida por engajamento em comportamento contrário aos princípios de uma pessoa, devido à recompensa oferecida (aquiescência forçada) Não raro se encontram situações em que uma pessoa é induzida a comportar-se de uma maneira contraria a seus princípios ou sistemas de valores em troca de alguma recompensa. De acordo com a teoria da dissonância cognitiva, a magnitude da dissonância será tanto maior quanto menor for o incentivo capaz de levar uma pessoa a engajar-se num comportamento contrário aos seus valores. Dissonância resultante de exposição a posições contrarias às assumidas por uma pessoa Festinger diz que quando uma pessoa se depara com uma opinião contrária à sua e se esta diferença de pontos de vista existe entre pessoas mais ou menos semelhantes em status, ela experimentará dissonância cognitiva. Segue-se a esta proposição que, a fim de evitar o aparecimento de um estado de dissonância, nós procuramos nos expor a informações consonantes com nossos pontos de vista e evitamos aquelas informações que são opostas aos nossos pontos de vista. Dissonância resultante do esforço ou sofrimento não recompensado É certamente dissonante para uma pessoa realizar um esforço razoável na esperança de atingir algo que, uma vez atingido, carece da atratividade que a pessoa antecipava. A do esforço despendido para alcançar X e a cognição de que X não vale aquele esforço são, certamente, dissonantes. De acordo com a teoria da dissonância cognitiva, uma motivação no sentido de harmonizar tal estado incongruente decorre inevitavelmente. Aronson e Mills (1959) submeteram estudantes universitárias a um experimento em que elas se apresentaram como voluntarias para participar de um grupo de discussão sobre a psicologia e o sexo. Uma visão crítica da teoria da dissonância cognitiva Os comentários feitos até agora acerca da teoria de Festinger podem dar ao leitor uma impressão de que a teoria está a cavaleiro de qualquer crítica e de que há quase unanimidade acerca de seu valor preditivo bem como acerca da clareza e precisão de suas proposições. Essa impressão não corresponderá à verdade. Uma das objeções centrais dos críticos à teoria de Festinger se prende ao que eles chamam de falta de clareza e rigor nas proposições fundamentais da teoria. Dizem que a expressão básica usada por Festinger para definir o que sejam cognições dissonantes – não é precisa e permite que um estado de dissonância seja considerado diferentemente por diversos experimentadores. Os que se preocupam menos com o aspecto formal da teoria e mais com o seu apoio experimental criticam a exclusão de alguns participantes em vários experimentos citados em favor da teoria, exclusão esta feita sob a alegação de que “tais sujeitos não experimentaram dissonância”. Criticam as interpretações tiradas dos dados, insinuando que dados contrários à teoria são tratados com menor cuidado que aqueles que se confirmam a teoria. A teoria da dissonância foi, sem dúvida, uma das teorias de maior impacto em Psicologia Social. Apesar de ter sido proposta há mais de 40 anos, continua desempenhando relevante papel como inspiradora de hipóteses e testes experimentais de suas proposições, tendo, como é óbvio, sido aperfeiçoada em decorrência dos testes empíricos a que foi amplamente submetida. Um outro ponto da teoria que está a merecer estudos e o que se refere ao porquê do fenômeno de redução de dissonância. Para Festinger, reduzimos dissonância porque a incoerência nos causa tensão. Para Tedeschi et al. (1971), só temos a necessidade de reduzir dissonância diante de uma incongruência quando outras pessoas estão cientes de nosso estado de dissonância.