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Eni Orlandi fala sobre análise do discurso e linguagem em entrevista

'Significar com palavras é diferente de significar com silêncio', afirma - Por Tatiana Fávaro São Paulo

Ao assistir a um debate político pela televisão, a uma palestra sobre gastronomia, a uma releitura de uma obra
literária no teatro, o público não só capta o conteúdo apresentado, mas é afetado por sentidos sociais, políticos,
históricos e psicológicos intrínsecos a essas formas de comunicação. Ao falar, o sujeito constitui um sentido e constitui
a si próprio, em um processo de formação da identidade na relação com a língua.
Este funcionamento da linguagem é o que movimenta a vida de Eni Orlandi desde a sua graduação, em 1964.
Pioneira em análise do discurso no Brasil, a professora atribui sua ousadia e segurança para introduzir novos percursos
nos estudos linguísticos ao alicerce diferenciado e à paternidade intelectual aos mestres igualmente qualificados, em
sua formação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, nos anos 1960.
Mestre em Linguística pela Universidade de São Paulo (1970) e doutora (1976) no tema pela mesma instituição
e também pela Universidade de Paris/Vincennes, Eni foi docente na USP de 1967 a 1979.
Uma de suas mais fortes referências, o filósofo francês Michel Pêcheux, diz que não há discurso sem sujeito e
nem sujeito sem ideologia. Abaixo, trechos da entrevista com a autora

GU – Como a historicidade influencia o discurso?


EO – Enquanto seres humanos somos seres históricos, simbólicos e sociais. Ao considerar o sujeito, o sentido, comecei
a me interessar, criticamente, pelo processo dessa identidade, assim como pelo modo como os sentidos eram
constituídos. E, naquele momento de minhas reflexões, me dediquei a pensar o discurso sobre o brasileiro e do
brasileiro sobre si mesmo. Para isto tinha de mostrar que a gente precisa atravessar a interpretação para chegar à
compreensão do discurso. Na interpretação, somos pegos pelas evidências já construídas, ao sabor das quais nos
relacionamos com nossa realidade, imaginária. Com a compreensão, não ficamos nos produtos, mas conhecemos os
processos de produção, a historicidade em sua materialidade contraditória, concreta, que atingimos analisando a
materialidade discursiva.
GU – A senhora afirma que o silêncio também é uma forma de discurso, e que ele não está somente entre as
palavras, mas as atravessa. Como o silêncio se expressa?
EO – O silêncio não fala, ele significa. Se você fizer o silêncio falar, ele vai significar diferente. Ele significa por ele mesmo,
ele faz sentido, e isto é muito importante. Às vezes mais importante que as palavras. Significar com palavras é diferente
de significar com silêncio. Há o silêncio que é a própria respiração do sentido. A gente pode estar em silêncio e estar
significando. E também, muitas vezes, você fala certas coisas para que outros sentidos não apareçam. Isso é o
silenciamento. Mas o sentido silenciado não desaparece. Porque o homem tem necessidade vital de significação. Onde
ele não pode significar, migra para outros objetos simbólicos.
GU – Seu trabalho, atualmente, objetiva o estudo do sujeito no espaço urbano. Quais são as especificidades
desse sujeito, dos meios eletrônicos e desses novos símbolos?
EO – Com a criação, nos anos 1990, do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb), na Unicamp, passei a me interessar
pela questão da cidade como um espaço de significação. Para compreender, na chamada mundialização, o modo como
os sujeitos se significam, se dizem, se individualizam e como suas práticas são significadas, geridas ou não pela
articulação simbólica e política do Estado, que tem funcionado pela falta. Os sujeitos não são inertes. E um menino que
faz uma pichação está lá para dizer que ele existe, que ele está ali, que este seu gesto é um gesto simbólico que o liga de
algum modo à sociedade. Pela análise de discurso eu compreendo isto e, com meu trabalho, posso conversar com a
sociedade, com os administradores, com urbanistas, e intervir no modo como sujeito, sociedade, Estado estão sendo
articulados e significando. Assim, rompo com o círculo da repetição e é este meu grande momento: o da compreensão
e da formulação, no meu corpo a corpo com a linguagem.

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