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Curso de Educação Especial:

Deficiência Auditiva/Surdez
ASPECTOS
GRAMATICAIS DA LIBRAS
Mariana de Lima Isaac Leandro Campos
Mestra em Educação.
Professora do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal de São Carlos.
A Língua de Sinais é reconhecida, desde 1960, como
língua verdadeira, pois possui uma gramática própria que atende a todos os
critérios linguísticos de uma língua gestuína (STOKOE, 2005). No Brasil, ela foi
reconhecida como meio de comunicação e expressão dos surdos apenas
em 2002, pela Lei nº 10.436, de 24 de abril (BRASIL, 2002).

Os componentes gramaticais da Língua Brasileira de Sinais (Libras)


são:

O alfabeto datilológico (imagem 1) é constituído por 26 configura-


ções de mão diferentes entre si. É importante lembrar que o alfabeto manu-
al não é a língua de sinais. Ele é usado para soletrar nomes próprios, siglas,
elementos específicos e técnicos, palavras que não possuem sinais ou ainda
em algumas situações de empréstimo das palavras da língua portuguesa ou
para explicar o significado de algum sinal desconhecido. Segundo Quadros
e Karnopp (2004), a soletração manual não é uma representação direta do
português e sim uma representação manual da ortografia do português.

Cada país possui o seu próprio alfabeto manual, com exceção dos
Estados Unidos e do Canadá, que possuem o mesmo alfabeto. As pessoas
surdocegas usam o alfabeto manual de outra maneira, uma vez que utili-
zam as duas mãos: uma para segurar a mão do interlocutor e a outra para
tatear determinado sinal. Podemos soletrar com a mão direita ou esquerda,
dependendo da pessoa, se destra ou canhota.

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Nas imagens a seguir apresentamos dois diferentes alfabetos manu-
ais: um do Brasil e outro de Portugal.

Imagem 1 – Alfabeto manual do Brasil

Fonte: Elaborada pela autora

Imagem 2 – Alfabeto manual de Portugal

Fonte: Elaborada pela autora

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A Libras também é constituída por sinais icônicos e arbitrários. O pri-
meiro tipo é quando o sinal é semelhante à forma ou à característica física
do objeto real/realidade. Já o segundo grupo é dos sinais que não repre-
sentam nenhuma semelhança com o objeto real/realidade. Como você,
cursista, pode observar, nem todos os sinais são icônicos. Isso demonstra a
importância de estudar e conhecer os sinais arbitrários para que a comuni-
cação seja possível. Apresentamos abaixo alguns sinais icônicos, bem como
alguns arbitrários.

EXEMPLOS DE SINAIS ICÔNICOS


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Telefone: http://goo.gl/Ar9QtN
Casa: http://goo.gl/Y4RaEe
Árvore: http://goo.gl/ETnVJX
Comer maça: http://goo.gl/OvvP8o
Mesa: http://goo.gl/A4CzSw

EXEMPLOS DE SINAIS ARBITRÁRIOS

Trabalhar: http://goo.gl/12jz5c
Fazer: http://goo.gl/idbKbR
Aprender: http://goo.gl/t8H88v
Ter: http://goo.gl/kUBgrj

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Muitos ouvintes podem pensar que a Libras é uma mímica e que
todos os sinais são icônicos, mas não o são. Alguns sinais são icônicos e em
outras situações usam pantomima. Deve-se ressaltar que a pantomima e os
sinais da Libras possuem funções diferentes. Segundo Dicio (2014, on-line), a
pantomima é a:

Arte de demonstrar, através dos gestos e/ou expressões faciais, os


sentimentos, pensamentos, ideias, sem utilizar palavras; mímica.
Ação de representar uma história utilizando somente gestos e/ou ex-
pressões faciais, geralmente, no teatro ou na dança.
Representação
teatral em que a palavra é substituída por gestos e atitudes. Arte dos
gestos e das atitudes.

Segundo Klima e Bellugi (1979), as pantomimas possuem significados


mais longos e têm mais variavéis do que os sinais. Enquanto a pantomima é
uma mímica e não uma língua, os sinais são itens lexicais que representam
diretamente a língua de sinais. Para entendermos melhor a diferença entre
elas, a seguir apresentamos um exemplo (vídeo) para representar o ovo.

EXEMPLOS DE PANTOMIMA E DE LIBRAS

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Ovo em Libras:
http://youtu.be/sKndVu7p7As

Ovo em Pantomima:
http://youtu.be/G1AqX8U0jag

O empréstimo linguístico é o processo de incorporação de elemen-


tos/termos de uma língua em outra língua qualquer, em determinadas situ-
ações comunicativas e históricas. Quando não há um determinado sinal, os
usuários da língua de sinais usam a soletração manual (datilologia), soletra-
ção rítmica ou usam outros tipos de empréstimos linguísticos. Segundo Qua-
dros e Karnopp (2004, p. 89):

todas as línguas, orais ou de sinais, incorporam em seu vocabulário


palavras estrangeiras que são consideradas como empréstimos lin-
guísticos. Têm-se, no português, várias palavras de outras línguas, que
foram incorporadas nesse léxico, tais como abajur, xampu, turnê, je-
ans, lingerie.

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Brito (1995) também cita alguns tipos de empréstimos linguísticos,
tais como: empréstimos lexicais, inicialização, sinais de outras línguas de si-
nais e domínios semânticos.
Quanto aos empréstimos lexicais, pode-se usar a soletração rítmica
ou representar um sinal. Por exemplo, o sinal SL é derivado da soletração ma-
nual S-A-L, assim como o AL é derivado da soletração A-Z-U-L, e o sinal NUN é
derivado da soletração N-U-N-C-A, como demonstra o vídeo abaixo:

EXEMPLOS DE EMPRÉSTIMOS LEXICAIS


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Sal http://goo.gl/amsooK

Azul http://goo.gl/CUIIb3

Nunca http://goo.gl/gJQBpD

Quanto à inicialização, usa-se a configuração de mão do alfabeto


manual que corresponde à primeira letra da palavra da língua oral, ou seja,
do português, para representar um sinal, como demonstrado nos exemplos
a seguir.

EXEMPLOS DE INICIALIZAÇÃO
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Brasil http://goo.gl/aj2lYr
Lei http://goo.gl/QkLC9n
Ética http://goo.gl/UtVGvy
Comportamento http://goo.gl/gX1rEx
Cinza http://goo.gl/1hOUpT
Verde http://goo.gl/ehud7M
Novembro http://goo.gl/jrC3GM

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Há também os empréstimos de itens lexicais
de outras línguas de sinais, isto é, sinais de
outras línguas que não a Libras. Por exem-
plo: os sinais que usamos no Brasil para “la-
ranja” e “vermelho” são próprios da Língua
de Sinais Francesa, enquanto que o sinal
“ano” é próprio da American Sign Langua-
ge. Outro exemplo: os surdos da região sul,
por viverem na fronteira, usam alguns sinais
emprestados da Argentina e do Uruguai.

Há duas modalidades de línguas diferentes: a oral-auditiva e a vi-


suo-gestual. A primeira tem como característica principal a linearidade, na
qual os usuários da língua oral produzem os fonemas em forma sequencial,
enquanto a segunda tem como característica a simultaneidade, fazendo
com que os parâmetros da Libras sejam produzidos ao mesmo tempo, bem
como com expressões faciais.
A seguir mostramos um exemplo de simultaneidade na língua de
sinais para a frase “O gato subiu na árvore”:

EXEMPLO DE SIMULTANEIDADE
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O gato subiu na árvore


http://goo.gl/fRa6P5

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Em nível fonológico, as línguas se estabelecem por oposições con-
trastivas, ou seja, em partes de palavras, com a substituição de uma unidade
fonológica por outra, alterando-se o significado de determinada palavra.
Por exemplo: na língua oral-auditiva (o português) temos as palavras abaixo.

a) FACA e VACA, que se diferem pela mudança de apenas um


fonema: /f/ ou /v/;
b) BATO, MATO e PATO, que se diferem pela mudança de apenas
um fonema: /b/, /m/ ou /p/;
c) COMO e COPO, que se diferem pela mudança de apenas um
fonema: /m/ ou /p/.

Nas línguas de sinais isso também acontece, ou seja, a alteração


de um dos parâmetros mudará o significado dos sinais da Libras. Segundo
Gesser (2009), a estrutura da Libras é constituída a partir dos parâmetros que
se combinam de forma sequencial ou simultânea. Apresentamos abaixo os
cinco parâmetros formacionais da Libras:
a) Configuração da(s) mão(s): são as diversas formas que a(s)
mão(s) assume(m) para a produção do sinal. Hoje existe mais de 63 configu-
rações de mão diferentes que permitem a produção de diferentes sinais e
significados em Libras.
Uma mesma configuração de mão pode ser usada para represen-
tar diferentes sinais. Com a configuração de mão usamos, juntamente, os
outros parâmetros, tais como ponto de articulação (localização), orienta-
ção da mão ou expressão não manual. No exemplo a seguir temos uma
mesma configuração de mão, mas que se diferem nos pontos de articula-
ção (localização):

Quadro 1 - EXEMPLOS DE DESCULPE E AZAR


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Palavra Configuração Ponto de Articulação ou Vídeo


de Mão Localização
Desculpe “Y” No centro do http://goo.
queixo gl/2VTDIk

Azar “Y” Na ponta http://goo.gl/


do nariz PQwkv5

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No exemplo a seguir apresentam-se configurações de mãos dife-
rentes, mas com os mesmos pontos de articulação.

Quadro 2 - EXEMPLOS DE AVÔ/AVÓ E BISAVÔ/BISAVÓ


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Palavra Configuração Ponto de Articulação Vídeo


de Mão ou Localização
Avô/avó “S” Embaixo do queixo http://goo.gl/
tyR2hO
Bisavô/ “2” Embaixo do queixo http://goo.gl/
bisavó m7oZYr

b) Movimento: os sinais podem ter movimento ou não. Brito (1990


apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 55) aponta que os movimentos se ca-
racterizam pelo tipo, direcionalidade, maneira e frequência. Os tipos de mo-
vimento podem ser o contorno ou a forma geométrica, a interação, o con-
tato, a torcedura de pulso, o dobramento do pulso e o interno das mãos. Já
os movimentos direcionais podem ser unidirecionais, bidirecionais ou multidi-
recionais, e não-direcionais. Por sua vez, a maneira é a categoria que des-
creve a qualidade, a tensão e a velocidade do movimento. E, por último, a
frequência refere-se ao número de repetições de um movimento. A seguir
temos exemplos de sinais que têm movimentos e outros não.

EXEMPLOS DE SINAIS COM MOVIMENTO E SEM MOVIMENTO


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Sinais com movimento

Brincar - http://goo.gl/e4St6r
Viajar - http://goo.gl/KN52tm
Estudar - http://youtu.be/nNCFpIQr12Y
Trabalhar - http://youtu.be/ZK3nqqcE6pM

Sinais sem movimento

Silencio - http://goo.gl/Utn2WG
Em pé - http://goo.gl/npKfBo
Sentado - http://goo.gl/JIsHq2
Ajoelhado - http://goo.gl/VMeB6j

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c) Ponto de articulação ou localização: é o espaço do corpo em
que um sinal é articulado/produzido. Também há outro espaço, o neutro.
Abaixo, exemplos de pontos de articulação diferentes

Quadro 3 - EXEMPLOS DE ALEMANHA E TER


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Palavra Configuração Localização Vídeo


de Mão
Alemanha “L” Centro da testa http://goo.
gl/8YDC0L
Ter “L” Centro do peito http://goo.gl/ML-
FaYW

d) Orientação da mão e direção: é a produção de diferentes orien-


tações da palma da mão. Há diferentes formas e direções, tais como os mo-
vimentos dos pulsos ou a movimentação interna das mãos para descrever,
no espaço ou sobre o corpo, podendo ser em linhas retas, curvas, sinuosas
ou circulares. A orientação é a direção para a qual a palma da mão aponta
na produção do sinal, podendo ser para cima ou para baixo, para a direita
ou para a esquerda, para frente ou para trás, entre outras.

Quadro 4 - EXEMPLOS DE TRABALHAR E TV


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Palavra Configuração Orientação Localização Vídeo


de Mão de
Mão

Trabalhar “L” Palma da espaço neutro http://goo.


mão para gl/2LWpJs
baixo (para-
lelo ao chão)
Televisão “L” Palma da espaço neutro http://goo.gl/
mão para Rv1Qjw
frente (para-
lelo a parede)

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e) Expressão não manual (ENM): é a expressão facial e corporal ao
produzir o sinal.

As expressões não-manuais (movimento da face, dos olhos, da cabe-


ça ou do tronco) prestam-se a dois papéis nas línguas de sinais: mar-
cação de construções sintáticas e diferenciação de itens lexicais. As
expressões não-manuais que têm função sintática marcam senten-
ças interrogativas sim-não, interrogativas QU-, orações relativas, topi-
calizações, concordância e foco (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 60).

Assim, para compreender a gramática de uma língua, é preciso


apreender e estudar as regras existentes de formação e de combinação de
seus elementos, bem como perceber a existência de diferentes contextos
de uso para determinados sinais na formação de frases em Libras. Estudar
a Libras é entender seus critérios linguísticos, de uma língua gestuína, como
acontece ao estudar outras línguas. Não podemos pensar que a língua de
sinais é um código inventado pela comunidade surda, mas sim uma língua
verdadeira e natural que parte da cultura surda e da experiência visual, ten-
do assim um valor linguístico e cultural.

Esperamos que você, cursista, possa superar o tabu de que a Libras


não é universal, pois cada país possui sua própria língua de sinais e alfabeto
manual. Esperamos que você possa imergir na língua dos surdos, um mundo
novo e visual, e descobrir novos contextos e formas de comunicação para
que, quando receberem estudantes surdos em suas salas de aula, possam
estar conscientes desta língua e da diferença surda.

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Referências

BRASIL. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua


Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, abr. 2002. Disponível em: <http://goo.gl/WTAvU>. Acesso em: 22
set. 2014.
BRITO, L. F. Por uma gramática de Línguas de Sinais. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1995.
KLIMA, E; BELLUGI, U. The signs of language. Cambridge: Harvard
University Press, 1979.
DICIO. Dicionário Português online. On-line. Disponível em: <http://
goo.gl/8gqRj0>. Acesso em: 10 set. 2014.
GESSER, A. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em
torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola, 2009.
QUADROS, R. M; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos
linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
STOKOE, W. C. Sign language structure: an outline of the visual com-
munication systems of the American deaf. Journal of Deaf Studies and Deaf
Education, Oxford, v. 10, n. 1, p. 3-37, Winter, 2005.

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