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NOTA TÉCNICA AVALIAÇÃO TECNOLÓGICA EM SAÚDE (ATS) No 1097

Solicitante: Juíz Dr. Erick Omar Soares Araujo

02ª Vara da Comarca de Horizonte


Número do processo: 0201408-67.2022.8.06.0086

Data: 20/01/2023
Tipo de nota: medicamento

Sumário

TÓPICO Pág

1. Tema --------------------------------------------------------------------------------- 2

2. Considerações teóricas ---------------------------------------------------------- 2-4

3. Conclusão ---------------------------- 5

4. Referências -------------------------------------------------- 6

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Tema: J.L.S.D.S., sexo masculino apresenta o diagnóstico de Transtorno de ansiedade
generalizada e Distúrbio da atividade e de atenção (CID 10 M41.1 e F90.0) e solicita os
medicamentos Concerta® 18mg 30 comprimidos por mês e Clomipramina® 25 mg 60
comprimidos por mês, de modo contínuo. O requerente necessita fazer uso dessa medicação
específica por ter apresentado piora da ansiedade e taquicardia com as alternativas disponíveis
no SUS.

Considerações teóricas:

Nos dias atuais, o TDAH, também chamado de Transtorno Hipercinético, é considerado a


desordem neurocomportamental mais comum na infância, podendo persistir na vida adulta em
mais de 60% dos casos. Os pacientes podem exibir um déficit cognitivo e um comprometimento
no desenvolvimento da motricidade e da linguagem.

As complicações secundárias incluem um comportamento dissocial e uma perda de


autoestima. A tríade sintomática caracteriza-se por hiperatividade e/ou por sintomas de
desatenção, impulsividade, que é mais frequente e grave do que o normal para a idade dessa
criança ou adolescente, promovendo um prejuízo funcional significativo no desempenho
escolar ou no trabalho e dificuldades com interações sociais e nas atividades cotidianas. Os
sintomas de hiperatividade e impulsividade aparecem mais cedo (aos 3 anos de idade),
enquanto a desatenção se torna mais evidente ao iniciar o período escolar. Esses sintomas são
mais comuns em meninos do que em meninas (razão 4:1), e tendem a persistir na vida adulta.
Em adultos, o TDAH costuma provocar o comprometimento de funções executivas, o que se
manifesta como problemas de organização e planejamento e/ou dificuldade de iniciar tarefas
mantendo o foco e a atenção e interações sociais e nas atividades cotidianas.

A etiologia do TDAH continua sendo alvo de muitas pesquisas. Há um consenso de que as


causas do TDAH podem resultar de uma combinação complexa de fatores genéticos,
neurobiológicos, ambientais e sociais. Alguns estudos indicam a existência de marcadores
fenotípicos familiares, bem como marcadores genéticos de recorrências familiares, revelando,
assim, elevado índice de influência hereditária, em torno de 76% contra 4,6% da população em
geral. Vale ressaltar o fato de que os estudos genéticos envolvendo TDAH não excluem as
influências culturais, familiares e exposições a eventos estressantes (por exemplo, tabagismo
durante a gravidez ou exposição ambiental ao chumbo).

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A fisiopatologia do TDAH é multifatorial e causal, porém, seus mecanismos ainda não estão
bem definidos. Estudos de imagem estruturais e funcionais do cérebro sugerem que a
disfunção das regiões cingulada, frontal e regiões parietal corticais e de desequilíbrio dos
sistemas dopaminérgicos e noradrenérgicos contribuem para esse mecanismo.

Parece haver um consenso do ponto de vista neuroquímico de que a dopamina e a


noradrenalina participam de maneira predominante e exercem intensa influência nos centros
motores e na atenção, respectivamente. A realização do tratamento farmacológico de TDAH,
principalmente administrado por substâncias psicoestimulantes, que atuam como agonistas
indiretos desses neurotransmissores, são essenciais, possibilitando diminuição dos sintomas
motores, impulsividade e desatenção, bem como melhoria das interações sociais e
desempenho acadêmico.

O diagnóstico do TDAH é essencialmente clínico, deve ser baseado na história e avaliação


funcional completa da criança, não apenas em uma ou mais características evidentes da
doença, bem como em critérios operacionais clínicos claros e bem definidos.

O tratamento do TDAH é complexo e inclui intervenções sociais, psicológicas e


comportamentais. O Brasil ainda não possui um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas
(PCDT) para o manejo de pacientes com TDAH. No Brasil, estão aprovados pela Anvisa os
seguintes medicamentos para TDAH: dimesilato de lisdexanfetamina (Venvanse®),
metilfenidato de ação curta (Ritalina®), metilfenidato de ação prolongada (Concerta® e Ritalina
LA®) e atomoxetina (Strattera®). De uma maneira geral, a principal diferença prática entre
estas drogas é fundamentalmente o seu tempo de ação: Ritalina 3 a 5 horas, Ritalina LA 6 a 8
horas, Concerta 10 a 12 horas e Venvanse 10 a 12 horas . Esta diferença entre os tempos de
ação dos medicamentos pode ser corrigida pela posologia diária da medicação, havendo a
necessidade de um maior número de doses do medicamento quanto menor o seu tempo de
ação. O metilfenidato é recomendado como tratamento de primeira escolha para TDAH, devido
ao maior número de estudos clínicos.

A lisdexanfetamina é uma pró‐droga inativa da dexanfetamina e possui potencial de abuso


limitado, sendo que seus efeitos parecem ser semelhantes aos observados para o
metilfenidato, embora existam poucos estudos que avaliaram essa característica.

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Já a atomoxetina é a principal droga não estimulante recomendada para o tratamento de TDAH
em adultos. Na persistência dos sintomas, constituindo a terceira linha de tratamento tem-se a
bupropiona, ou antidepressivos tricíclicos (como nortriptilina).

Segundo protocolos internacionais, juntamente com estratégias não medicamentosas, o uso de


estimulantes, como o metilfenidato (independentemente se ação imediata ou de longa
duração), são recomendados como primeira linha de tratamento para o TDAH.

O metilfenidato é medicamento de primeira linha no tratamento do transtorno hipercinético. O


princípio ativo do medicamento Concerta® e também da Ritalina é o metilfenidato. A principal
diferença entre os dois medicamentos citados diz respeito à formulação farmacêutica, que gera
efeitos na velocidade de liberação do princípio ativo e, portanto, na duração do efeito. O
Concerta, metilfenidato de liberação prolongada, tem tempo de ação maior, o que permite que
seja utilizado em dose única diária, enquanto o metilfenidato de liberação imediata tem duração
de ação de aproximadamente 4 horas, gerando necessidade de uso de até três vezes ao dia
para a mesma duração do efeito.

O metilfenidato age inibindo e modulando a recaptação de neurotransmissores, em especial de


dopamina e de noradrenalina, no sistema nervoso central. Presume-se que a ação do
metilfenidato no alívio de sintomas do TDAH esteja associada aos seus efeitos na
neurotransmissão dopaminérgica e noradrenérgica. Contudo, seu mecanismo de ação exato
segue incerto. Há diferentes formulações de metilfenidato, a de liberação imediata e as de
liberação prolongada.

É necessário fazer um balanço entre benefício e risco antes de se iniciar a administração do


metilfenidato, principalmente quando o tratamento for de longo prazo. terapêuticas, como
intervenções sociais, Alternativas psicológicas e comportamentais para terapia do TDAH,
devem ser consideradas. Neste sentido, recomenda-se avaliar, se o uso do metilfenidato em
casos estritamente necessários e, a concomitância do seu uso com tratamento psicológico ou
comportamental.

Pela própria análise da CONITEC, não há qualquer evidência científica que dê suporte à
alegação de que um determinado indivíduo tenha resposta terapêutica adequada a uma
apresentação farmacêutica, como o Concerta, metilfenidato de liberação prolongada, em
detrimento do metilfenidato de liberação imediata (Ritalina).

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A principal diferença entre o metilfenidato de ação imediata e o de liberação prolongada é na
duração do efeito, não em sua eficácia, sendo a posologia ajustada conforme o paciente.

Não se justifica a escolha da prescrição do Concerta em detrimento à alternativa disponível no


SUS que é a Ritalina de liberação imediata, por falta de evidência científica de superioridade
entre as apresentações. Ressalta-se que a prescrição de Ritalina está justificada nos guidelines
independente da forma de apresentação.

Existem duas formulações de metilfenidato disponibilizadas na rede de saúde do Estado do


Ceará: Metilfenidato 10mg e Metilfenidato 30mg com liberação modificada. Ambas fazem parte
do Componente Especializado da Atenção Farmacêutica.

Para o manejo de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Sistema Único


de Saúde (SUS) oferece alternativas, como os medicamentos antidepressivos tricíclicos
(cloridrato de amitriptilina, cloridrato de clomipramina e cloridrato de nortriptilina).

A clomipramina é um medicamento classificado como antidepressivo tricíclico. Sua ação


baseia-se predominantemente na inibição da recaptação de serotonina, mas também de
norepinefrina e de dopamina. Em decorrência de sua atividade anticolinérgica, associa-se a
eventos adversos importantes, como sedação, constipação, boca seca e visão borrada; anti-
histamínica, sedação e ganho de peso; e bloqueio alfa-1-adrenérgico, tontura, sedação e
hipotensão. É comumente empregada no tratamento de TOC, de transtorno depressivo maior,
de transtornos de ansiedade, de insônia e de dor crônica. A dose inicial é, normalmente, de 25
mg/dia e a dose máxima é de 250 mg/dia. Questiona-se, contudo, a superioridade da
apresentação de liberação prolongada comparada à liberação imediata. Formulações de
liberação prolongada mantém as características inerentes da molécula original, presente no
fármaco de liberação imediata, ou seja, são bioequivalentes. Dois medicamentos são
considerados bioequivalentes quando possuem a mesma biodisponibilidade. Segundo o
Ministério da Saúde, a biodisponibilidade representa "a velocidade e a extensão de absorção
de um princípio ativo em uma forma de dosagem". Sendo assim, dois medicamentos
considerados bioequivalentes não devem apresentar diferenças significativas na quantidade
absorvida, ou na velocidade de absorção, quando administrados em dose equivalentes, sob as
mesmas condições experimentais. Para transformar um fármaco de liberação imediata em
liberação prolongada modifica-se a biodisponibilidade do princípio ativo por meio de variadas
tecnologias destinadas a prolongar a ação do fármaco sem que, contudo, perca-se a
bioequivalência dos produtos. Enquanto medicamentos de liberação imediata podem
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representar a necessidade de uso de mais de um comprimido ao longo do dia, para que seja
mantido nível sérico desejável ao longo do tempo, medicamentos de liberação prolongada
mantém sua concentração no sangue estável por maiores períodos, desobrigando o paciente
do uso de mais de um comprimido por dia, por exemplo. Sendo assim, a principal diferença
entre os dois reside na adesão ao tratamento e conforto posológico, uma vez que apesar de
existir menor risco de flutuação das concentrações séricas com o uso da apresentação de
liberação controlada este efeito pode ser alcançado pelo uso apropriado e constante daquela
tecnologia de liberação imediata.

Ressaltamos que a medicação Clomipramina 25mg requerida nos autos está disponível no
SUS e consta na RENAME 2022 no componente básico da assistência farmacêutica.

Eis o parecer desta comissão técnica.

Referências

 Cortese S, Adamo N, Del Giovane C, et al. Eficácia comparativa e tolerabilidade de


medicamentos para transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em crianças,
adolescentes e adultos: uma revisão sistemática e metanálise. Lancet Psiquiatria 2018.
 Weibel S, Menard O, Ionita A, Boumendjel M, Cabelguen C, Kraemer C, et al. Practical
considerations for the evaluation and management of Attention Deficit Hyperactivity
Disorder (ADHD) in adults. Encephale. 2020.
 CONITEC. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Transtorno de Déficit de
Atenção com Hiperatividade. Brasília. Março, 2022.
 RENAME 2022

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