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AULA 6

TERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL –
ANSIEDADE SOCIAL,
ANSIEDADE GENERALIZADA E
FOBIAS

Prof.ª Michelle L. Correia Da Silva


CONVERSA INICIAL

Como estudamos ao longo de nossas aulas, os transtornos de ansiedade


têm suas particularidades desde os aspectos diagnósticos, nas suas
características clínicas, na descrição do seu modelo cognitivo-comportamental, e
também na parte das intervenções propostas pela TCC (Terapia Cognitivo-
Comportamental). Nessa parte final da disciplina, vamos abordar alguns pontos
que irão complementar o raciocínio clínico nos quadros de ansiedade. No Tema
1, traremos algumas considerações sobre o uso combinado de farmacoterapia e
TCC nos transtornos de ansiedade. No Tema 2, vamos ver os aspectos
estruturais que devemos levar em consideração quando realizamos o processo
de entrevista e avaliação inicial. No Tema 3, vamos discutir os desafios
encontrados na avaliação diagnóstica. No Tema 4, vamos analisar quais outros
componentes teóricos podem ser agregados no modelo da TCC, e no Tema 5
quais os desafios enfrentados pelo psicoterapeuta em TCC, quando tratamos de
nos transtornos de ansiedade.

TEMA 1 – QUE ESPERAR DO TRATAMENTO COMBINDADO-


FARMACOTERAPIA, TCC E TRANSTORNOS DE ANSIEDADE

1.1 O que é tratamento combinado?

O tratamento combinando de medicação em TCC surgiu de estudos


comparativos de diagnósticos mentais mais precisos (DSM) em relação a
tratamentos psicoterapêuticos baseados em manuais, como é o caso da TCC,
na determinação de sua eficácia. Pesquisadores começaram a fazer
comparações e distinções de tratamentos que funcionavam em determinados
grupos de transtornos mentas, tentando determinar a eficácia de tratamentos
combinados (Sudak, 2012). Os estudos sobre eficácia ainda continuam
considerando em todo o processo psicoterapêutico a remissão de sintomas.
Assim, a TCC objetiva, como modelo de psicoterapia, auxiliar o paciente a lidar
com seus sintomas, através do uso de técnicas para manejo de sintomas, com
treinamentos em habilidades de enfrentamento e reestruturação cognitiva.
Porém, o uso da medicação também traz melhora do quadro clínico geral do
paciente. Como vimos ao longo dos estudos sobre as etiologias nos transtornos
de ansiedade, as causas muitas vezes não estão relacionadas apenas a

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questões de ordem “psicológica” (crenças), pois os transtornos têm, como
influência etológica, um desequilíbrio neuroquímico presente.

1.2 Considerações sobre o uso combinado de TCC e medicação

Algumas considerações sobre o uso do tratamento combinado (TCC e


medicação) em certos transtornos são importantes para ajudar no raciocínio
clínico, que justifica uso ou não de medicamentos com psicoterapia. Primeiro,
alguns transtornos psiquiátricos interferem na aquisição e na retenção de
informações. A ansiedade severa, por exemplo, pode prejudicar a aprendizagem
normal, e a insônia pode reduzir a capacidade de aprender e lembrar.
A atenção à ameaça pode interferir com a capacidade de concentração
do paciente, assim como a velocidade do pensamento pode ser acelerada,
atrapalhando a atenção e a recordação. A psicoterapia pode ocorrer sem esses
impedimentos à aprendizagem, se eles forem tratados com farmacoterapia.
Como a TCC é um tratamento que visa à aprendizagem de novas habilidades de
comportamento e cognições, os pacientes precisam, nessas experiências, ter
sua “cognição” em um modo de funcionamento que possibilite aprender e
recordar. Um segundo ponto refere-se à questão da prevenção à recaídas e da
recuperação mais durável dos muitos tratamentos a que a TCC e a medicação
se propõem – portanto o clínico pode enfrentar desafios no mundo real (Sudak,
2012. p. 23).
Destaca-se que deve haver uma justificativa adequada no que se refere a
utilizar o tratamento combinado quando não houver boa adesão ao tratamento,
seja medicamentoso, seja psicoterapêutico. Pacientes que têm transtornos
comórbidos e mais crônicos são os que apresentam melhora reduzida com
tratamentos “únicos” (Sudak, 2012; Andretta, 2011). Como vimos ao longo dos
estudos sobre os transtornos de ansiedade, o uso da medicação está alicerçado
em muitos dos quadros clínicos descritos.
Um terceiro ponto que deve ser observado pelo psicólogo clínico quando
o paciente já está em terapia medicamentosa, diz respeito aos efeitos colaterais
das medicações e ao efeito aditivo. Por exemplo, os agentes ansiolíticos (como
benzodiazepínicos) têm um grande potencial aditivo, pelo seu potencial
tranquilizante. O uso prolongado dessas substâncias pode acarretar tolerância e
aumento gradual da dosagem, pois seu efeito é basicamente relaxamento,
podendo interferir no tratamento psicoterápico, na fase de exposição e
3
habituação. (Greenberger; Padesk, 2017). Como produzem relaxamento, os
pacientes podem atribuir a melhora significativa dos sintomas ao medicamento,
e não às habilidades que desenvolveram nos programas de exposição e
habituação à ansiedade (Greenberger; Padesk, 2017). Portanto, tanto o médico
responsável deve monitorar o uso do medicamento, como o psicólogo também
deve estar atento às mudanças provocadas pelo uso da substância em questão.

1.3 Algumas evidências da TCC versus farmacoterapia

Com base em dados de literatura especializada em transtornos de


ansiedade, estão resumidas aqui algumas observações importantes sobre a
efetividade da TCC e da medicação. Essas informações não substituem estudos
específicos sobre a eficácia da TCC, nem da farmacoterapia, mas servem com
uma referência a mais na observação clínica dos psicoterapeutas quanto ao uso
combinado de psicoterapia e medicação.
Vamos ao exemplo na TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada).
Aqui, tanto a TCC quanto farmacoterapia são eficazes. A TCC tem resultados
melhores em relação ao custo-benefício, e resultados mais positivos a longo
prazo. No caso do transtorno de pânico, quando houver um nível de severidade
dos sintomas (como, por exemplo, alucinações), isso pode ser um grande
obstáculo para a eficácia da TCC. Questões depressivas graves também
oferecem obstáculos à melhora do quadro clínico; logo, deve-se avaliar a
possibilidade ou não do uso medicação. No que diz respeito à qualidade de vida
e dos sintomas em curto prazo no caso do transtorno de pânico, a TCC
apresenta melhor eficácia ao ser aplicada de forma isolada, em comparação à
farmacoterapia isoladamente (Andretta, 2011).
Num contexto geral de evidências para combinar ou não o uso de TCC e
medicação, podemos dizer que os resultados são variáveis; os medicamentos
psicotrópicos e a TCC são tratamentos individualmente eficazes; as intervenções
da TCC são mais duráveis quando o tratamento com medicação é retirado.
Porém, a combinação dos dois, em muitos casos, pode ser rapidamente efetiva,
em comparação a tratamentos isolados. Muitos outros fatores para além do
processo de psicoterapia podem afetar as intervenções da TCC. Outro ponto é
que, quando ocorrem as comorbidades, deve-se considerar tratamento
farmacológico. Por último, muitos pacientes são incapacitados pelos sintomas de
ansiedade (Sudak, 2012).
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Logo, uma resposta mais efetiva para que o tratamento psicólogo ocorra
de forma segura e com bons resultados deve ser sempre considerada. Aqui, o
manejo desses e outros cuidados é responsabilidade do psicólogo.

1.4 Alguns cuidados no tratamento combinado (TCC e farmacoterapia)


nos transtornos de ansiedade

Segundo Sudak (2012, p. 126-7), alguns pontos importantes que o clínico


deve considerar no quadro dos transtornos de ansiedade quando tiver que dividir
as informações com o médico responsável pela medicação são:

os transtornos de ansiedade são condições psiquiátricas prevalentes e


incapacitantes; não é fácil determinar se o uso isolado ou combinado é
o melhor método recomendado; os transtornos de ansiedade são
altamente comórbidos, doenças físicas também são comuns, logo o
relacionamento com médico de atenção primária é fundamental; é
preciso que os profissionais envolvidos no tratamento da TCC e o
medicamentoso concordem que: a ansiedade não pode ser erradicada,
os pacientes frequentemente querem que seus sintomas desapareçam,
procuram por alívio dos sintomas, a ansiedade é um sentimento bom,
uma emoção protetora, o tratamento bem sucedido dos transtornos de
ansiedade emprega-se a psicoeducação do paciente, estratégias de
enfrentamento, os sintomas aumentam e diminuem a idéia de que
sintam ainda ansiedade, não é sinal de fracasso; a ansiedade limita a
capacidade de processar informações; o manejo do estilo de vida
(hábitos que promoção de vida saudável) e a prevenção da recaída são
importantes para a recuperação prolongada; os clínicos responsáveis
pelo acompanhamento tanto psicoterapêutico quanto medicamentoso
devem ter em comum a idéia que a ansiedade não pode ser erradicada
trabalhando com um terapeuta TCC.

Sempre que possível, o psicólogo responsável deve comunicar o médico


da fase de intervenção que iniciou com o paciente, para que o modelo
combinado de tratamento traga melhora ao paciente, e não problemas a essa
abordagem. Um dos princípios básico do tratamento colaborativo entre os
profissionais de TCC e os médicos responsáveis pela prescrição e tratamento
medicamentoso é o que Dona Sudak, chama de tratamento colaborativo. Esse
termo descreve a conduta de tratamento separado com responsabilidade dual:
“os profissionais de TCC estão acostumados a desenvolver uma aliança
terapêutica com os pacientes que enfatiza uma responsabilidade compartilhada
para as tarefas da terapia [...] logo, [...] esta postura facilita a incorporação de um
relacionamento com outro provedor de cuidado” (Sudak, 2012, p. 36). No caso, o
provedor normalmente é o médico psiquiatra ou outro clínico de atenção
primária. O ideal é que ocorra essa comunicação entre os profissionais da TCC
com os médicos psiquiatras; porém, sabemos que na realidade da prática clínica

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nem todos os profissionais estão abertos a trocas. Por isso, o psicólogo clínico
especialista em TCC tem que ter um conhecimento básico dos tipos de
medicações psicotrópicas, seus efeitos, e qual foi o uso indicado para o paciente
em questão.

TEMA 2 – DESAFIOS NA ENTREVISTA INICIAL

Os modelos de estruturação das sessões iniciais na terapia cognitivo-


comportamental são bem definidos. Segundo o entendimento base da Terapia
Cognitiva (TC), as sessões de avaliação e de conceitualização cognitiva ditam
todo o processo de tratamento. Embora existam sobreposições entre os
tratamentos dos vários transtornos, como vimos ao longo do estudo dessa
disciplina sobre os transtornos de ansiedade, há cognições, comportamentos e
estratégias que são particulares em cada transtorno. Logo, a atenção aos
problemas presentes dos pacientes, o seu funcionamento atual, os seus
sintomas e sua história de vida, auxiliam no desenvolvimento de uma
conceituação inicial e na formulação geral de tratamento (Beck, 2013). Nesse
último ponto, ao longo do tema sobre intervenções, em aulas especificas, foram
passadas as orientações gerais dos protocolos de tratamento na perspectiva da
TCC.
Uma sequência no modelo de entrevista inicial pode ser usada para
determinar os dados relevantes da história de vida individual de cada paciente,
ajudando a formular o processo de avaliação do caso clínico. Essa sequência no
modelo na TCC está definida segundo Judith Beck (2013, p. 69) da seguinte
forma:

Dados pessoais, queixas principais e problemas atuais; história da


doença atual e eventos desencadeantes; estratégias de enfrentamento
(adaptativas e desadaptativas) atuais e passadas; história psiquiátrica
incluindo tipos de tratamento psicossocial (e opinião sobre a validade
desses tratamentos); hospitalizações; medicação; tentativas de suicídio
e situação atual; historia de abuso de substancias e atual; história
médica e atual; história psiquiátrica familiar e atual; historia de
desenvolvimento; história geral familiar e atual; história social e atual;
história educacional e atual; história vocacional e atual; história
religiosa/espiritual e atual; pontos fortes; valores e estratégias de
enfrentamento adaptativas.

Esses dados podem ser integrados na parte inicial do processo de pré-


tratamento, em todos os transtornos de ansiedade. Há também a possibilidade
de se integrar o Diagrama de Conceituação Cognitiva do caso clínico.
Segundo Andretta (2011, p. 179), “a conceitualização de caso integra a análise
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dos esquemas cognitivos atuais do paciente, problemas interpessoais, défices e
excessos comportamentais e problemas relacionados à primeira infância”.
O diagrama de conceitualização cognitiva é uma ferramenta da TC, que
faz parte da Formulação do Caso específico do paciente. O diagrama é um
recorte de informações do paciente, exemplificando situações com dados
relevantes da infância, crenças centrais, crenças intermediárias, estratégias
compensatórias que levam as situações ativadoras da cadeia de pensamentos
automáticos – significado do PA – emoção – comportamento. Esse é o modelo
cognitivo básico na Terapia Cognitiva (Beck, 2007).
Após termos contextualizado o que é o diagrama de conceitualizarão,
apresenta-se um Modelo de Diagrama de Conceitualização Cognitiva do
Caso de Ansiedade, que foi proposto pela abordagem da Terapia Cognitiva
para a Ansiedade. Aaron Beck e seus colaboradores sustentaram que uma
avaliação diagnóstica completa é essencial para estabelecer sintomas-alvo e
planejamento do tratamento (Clark; Beck, 2012, p. 136). No Tema 4 desse
estudo, apresentaremos uma conceitualização exemplificada com dados de um
caso clínico.

TEMA 3 – DESAFIOS NA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

A avaliação diagnóstica é essencial para a definição do diagnóstico


preciso do quadro clínico a ser tratado. Ao longo dessa disciplina, usamos o
DSM-5 como base para os critérios diagnósticos, além do CID 10. Conhecer
como esses recursos diagnósticos funcionam é essencial para a determinação
dos sintomas e das características diagnósticas esperados nos transtornos
mentais. Esses são recursos indispensáveis para a prática clínica em TCC.
Como o próprio DSM determina (APA, 2014, p. 42):

O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), da


American Psychiatric Association, é uma classificação de transtornos
mentais e critérios associados elaborada para facilitar o
estabelecimento de diagnósticos mais confiáveis desses transtornos.
Com sucessivas edições ao longo dos últimos 60 anos, tornou-se uma
referência para a prática clínica na área da saúde mental. Devido à
impossibilidade de uma descrição completa dos processos patológicos
subjacentes à maioria dos transtornos mentais, é importante enfatizar
que os critérios diagnósticos atuais constituem a melhor descrição
disponível de como os transtornos mentais se expressam e podem ser
reconhecidos por clínicos treinados. O DSM se propõe a servir como
um guia prático, funcional e flexível para organizar informações que
podem auxiliar o diagnóstico preciso e o tratamento de transtornos
mentais. “Trata-se de uma ferramenta para clínicos, um recurso

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essencial para a formação de estudantes e profissionais e uma
referência para pesquisadores da área.

Temos também a opção do uso de entrevistas estruturadas e


semiestruturadas que ajudam no processo de diagnóstico, diagnóstico
diferencial e nas comorbidades, como também já vimos, ao longo dessa
disciplina, entrevistas como a ADIS-5 (entrevista estruturada para transtornos de
ansiedade para o DMS-5) e a SCID (entrevista clínica estruturada para os
transtornos de do eixo I do DSM-5). Elas são todas úteis na prática clínica. A
ADIS-5 não foi, até o momento, traduzida para o português, enquanto a SCID já
está disponível. Outras formas de avaliação são possíveis, como o uso de
escalas, inventários1 e questionários.
Em relação a esses instrumentos, temos alguns disponíveis para uso.
Eles estão no modelo de tratamento cognitivo para ansiedade (ver Clark; Beck,
2012, p. 136-164). Essas escalas de sintomas são: Inventário de Ansiedade de
Beck2; Escala de avaliação de Ansiedade de Hamilton-GUY (1976) – HAM-A;
Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse- DASS (Lovind; Lovind); Inventário
de Ansiedade Traço-Estado – STAI – forma Y (1983); Lista de verificação de
cognições – Beck (1987)3; Questionário de Preocupação do Estado da
Pensilvânia- PSWQ (Molina; Borkovec, ou apêndice B de Antony); Inventário de
Depressão de Beck-II4; bem como outros instrumentos de avaliação secundária
segundo o modelo cognitivo da ansiedade (ver Clark; Beck, 2012, p. 155-164;
169-182).
Alguns desses formulários incluem questões da entrevista para avaliar
diferentes gatilhos situacionais na ansiedade; avaliação de ansiedade e registro
de situações diárias; formulário de análise situacional; formulário de
automonitoramento de sensações físicas; formulário de automonitoramento de
pensamentos apreensivos; lista de verificação de sensações físicas estendidas;
lista de erros e vieses comuns na ansiedade; identificação de erros de
pensamento ansiosos; lista de verificação de respostas comportamentais à
ansiedade; formulário de automonitoramento da preocupação; lista de
verificação de respostas cognitivas à ansiedade; formulário e reavaliação do
estado ansioso.
1 Nota: ao utilizar inventários padronizados, conferir sua validação para uso no site:
<satepsi.cfp.org.br>.
2 Nota: antes de usá-la, ver validação do uso no site: <satepsi.cfp.org.br>.
3 Disponível em Centro de Terapia Cognitiva, Departamento de Psiquiatria, Faculdade de

Medicina da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, PA.


4 Nota: antes de usá-la, ver validação do uso no site: <satepsi.cfp.org.br>.

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Essas medidas podem ser usadas para completar a avaliação
diagnóstica. As entrevistas, questionários e escalas gerais de ansiedade
possibilitam informações detalhadas sobre a tipologia, frequência e gravidade
dos sintomas. Nos quadros de ansiedade, sabemos que é essencial estabelecer
sintomas e quais serão as metas nos protocolos de tratamento, determinando o
nível de sofrimento e o seu impacto sobre o funcionamento diário do paciente.
Por isso, o uso das medidas de avaliação diagnóstica também permite que
sejam delineados os fatores precipitantes para o desenvolvimento e o curso dos
sintomas, bem como o mapeamento do progresso da remissão dos sintomas
(Clark; Beck, 2012).

TEMA 4 – OUTROS COMPONENTES TEÓRICOS DA TCC

Nesse tema, referente aos desafios teóricos nos transtornos de


ansiedade, vamos apresentar um Modelo do Diagrama de Conceitualização
Cognitiva5 de um caso clínico. A conceitualização cognitiva é uma ferramenta
característica da terapia cognitiva, e seu uso é recomendado para resumir as
informações da avaliação e para obter uma formulação do caso de forma
individualizada. A conceitualização é uma ferramenta que está sempre em
formulação; portanto certos elementos centrais têm que estar “aparentes” antes
do início do tratamento. Na perspectiva da Terapia Cognitiva para entendimento
dos transtornos de ansiedade, os elementos do diagrama de conceitualização
para a ansiedade são: pensamentos apreensivos (ansiosos automáticos – PA),
hiperexicitação fisiológica, respostas defensivas (busca de segurança), conteúdo
de preocupação primária (se for relevante), e quais as estratégias de
enfrentamento usadas pelo paciente (Clark; Beck, 2012).
Essa conceitualização cognitiva do caso não exclui a necessidade do
diagnóstico feito, por exemplo, com base no DSM-5 (American Psychiatric
Association), e/ou pelo uso de entrevistas estruturadas para diagnóstico. Por
outro lado, permite complementar o entendimento do perfil na perspectiva da
TC, no entendimento dos sintomas ansiosos do paciente, como veremos a
seguir na conceitualização cognitiva de um caso clínico.

5 Veja Clark e Beck (2012, p. 165) para uma descrição completa do caso clínico.
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Os dados clínicos a seguir são de um caso de ansiedade social. A
paciente apresenta comorbidades com depressão e síndrome do pânico. Trata-
se do caso Sharon6. Vejamos alguns dados da história:

Sharon é uma mulher solteira, 52 anos que trabalhava como consultara


de tecnologia da informação em uma agencia de publicidade. [...]
estava empregada nessa firma há 10 anos, e seu trabalho envolvia
contato diário com muitos funcionários que solicitavam sua assistência
sempre que tinham problemas com seus computadores [...] seu
trabalho requeria muitas interações pessoais [...] bem como reuniões
com gerentes sênior [...] Sharon decidiu buscar tratamento para o que
descrevia como “luta perpetua com a ansiedade”, [...] ansiedade
aumentada sempre que se envolvia em interação social com colegas
de trabalho [...] relatava ansiedade leve fora do local de trabalho [...] até
6 meses atrás quando sentiu um aumento significativo em seu nível de
ansiedade no trabalho. Ela recusou farmacoterapia [...] concordou com
psicoterapia [...] questões sobre sua ansiedade que precisavam ser
abordadas [...] Qual era a natureza de seu transtorno de ansiedade, e
seus principais sintomas?, que sinais externos ou internos
desencadearam sua ansiedade?. Quais eram os seus pensamentos
ansiosos automáticos e avaliações exageradas de ameaça e
vulnerabilidade pessoais? Ela era altamente intolerante à ansiedade e
hipervigil com certos sintomas de ansiedade? Como tentou lidar com
seu aumento de ansiedade? Preocupação e evitação eram respostas
importantes à ansiedade? Como ela interpretou seu fracasso em tentar
controlar a ansiedade? Estas são algumas das questões abordadas
que levaram a formulação cognitiva de caso individualizada (Clark;
Beck, 2012, p. 135-136).

No Quadro 1 estão descritos alguns pontos do Modelo do Diagrama de


Conceitualização Cognitiva do caso de ansiedade que foi complementada com
os dados do caso Sharon. O intuito é mostrar como se compõe esse modelo de
conceitualização cognitiva, e como os sintomas e características cognitivas do
quadro de ansiedade de Sharon complementam cada item. O diagrama de
conceitualização começa no critério A, com informações diagnósticas atuais. Os
eixos de avaliação são baseados na aplicação de entrevistas estruturadas na
ADIS. Também pode ser usada a escala SCID, que já está traduzida e validada
para uso clínico. No item B, foi usada uma bateria de questionários, definindo o
perfil dos sintomas. A partir do item 3 e 4, se constrói a avaliação do perfil dos
sintomas apresentados. Esse diagrama de conceitualização cognitiva, baseado
no modelo de tratamento da TC para a ansiedade, permite uma avaliação
individualizada dos sintomas clínicos do paciente. O clínico que optar por usar o
diagrama de conceitualização cognitiva para ansiedade poderá aprofundar seus
conceitos na íntegra no modelo cognitivo da ansiedade. O uso do diagrama não
é obrigatório ou fundamental para formular o entendimento psicoterapêutico nos

6 Veja Clark e Beck (2012, p, 136-168).


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transtornos de ansiedade. Trata-se, porém, de mais uma ferramenta técnica
dentro do Modelo Cognitivo para a ansiedade.

Quadro 1 – Diagrama de Conceitualização Cognitiva

DIAGRAMA DE CONCEITUALIZAÇÃO COGNITIVA DO CASO DE ANSIEDADE


Nome: SHARON, data: ____________
A. INFORMAÇÃO DIAGNÓSTICA ATUAL:
(baseado no ADIS ou no SCID; duração se refere ao tempo do transtorno atual):
Diagnóstico do Eixo I primário: fobia social duração: há 6 meses
(Diagnóstico de Eixo I secundário: transtorno de pânico, sem agorafobia, duração: foi a 15
meses, último ataque completo há 1 ano atrás).
Diagnóstico de Eixo I terciário: depressão após 2 meses da morte do animal de estimação,
episódio único.
Diagnósticos subclínicos adicionais: medo de alturas e preocupações.
Número de episódios do diagnóstico primário: ______________
B. PERFIL DO SINTOMA:
Inventário de ansiedade de Beck, total: 6
Inventario de ansiedade de Beck-II, total: 12 (presença de alguns sintomas depressivos)
Lista de verificação de cognições-ansiedade: 7
Lista de verificação de cognições-depressão: 15
Escore total da escala de avaliação de ansiedade de Hamilton: 10
Questionário de Preocupação do Estado da Pensilvânia, total: 64 (alto, devido a preocupações
nas interações sociais).
Ansiedade Diária Média Pré-Tratamento: 21/100, nível baixo.

C. PERFIL DE RESPOSTA AO MEDO IMEDIATA:


Análise situacional
Listar gatilhos externos primários
1. Reuniões com poucas pessoas
Listar gatilhos internos/cognitivos primários
1. 1. Pensamento “preciso conversar com
meu supervisor sobre este problema”
2. Interação pessoal no trabalho
Primeiros pensamentos/imagens apreensivos
Listar pensamentos/imagens ansiosos automáticos
(presentes durante episódio de ansiedade)
1. “eu quero ser capaz de me sair bem”
2. “espero que me rosto não fique vermelho”
Hiperexcitação fisiológica percebida
Listar sensações/sintomas físicos primários -
1. Rosto ficando vermelho
2. Quando ansiosa sentia calor
Listar interpretações errôneas de sensação/sintoma
1. Interpretava como um sinal de ansiedade e
2. As pessoas poderiam perguntar o que estava de errado com ela.
Erros Cognitivos primários
(Evidentes durante episódios ansiosos)
Tipo de erro cognitivo
1. Catastrofização, p. ex. ficar com o rosto vermelho era altamente anormal e algo
que os outros interpretariam como um sinal de anormalidade.
2. Visão em túnel, p. ex. preocupação com seu rosto e sentir calor nas situações
sociais.
Exemplo real de erro por avaliação do paciente
1. Ela também estava convencida de que quando seu rosto ficava vermelho,
significava que ela estava ansiosa e perderia a concentração, e isso resultaria em
desempenho medíocre, que os outros avaliariam como incompetência social.

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D. PERFIL DE AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA
Estratégias de enfrentamento comportamentais e emocionais primárias
Descrever a estratégia de enfrentamento
1. Falar menos (evitação)
2. Falar rapidamente quando forcada a interagir com os outros (reposta de fuga)
3. Tentava relaxar fisicamente em situações sociais, iniciando respiração profunda e
controlada.
4. Tentava responder perguntas por e-mail, a fim de evitar contato face a face com
colegas de trabalho.
5. 5. Tentava reprimir seus sentimentos para esconder qualquer sensação de
desconforto.

Sintomas de preocupação primários


Descreva o conteúdo de preocupação principal durante os episódios ansiosos
1. A preocupação desempenhava um papel secundário na ansiedade social. Ela se
preocupava com interações sociais diárias no trabalho.
2. Se experimentaria muita ansiedade durante o dia e se seria socialmente incompetente
como resultado.
Principais estratégias de controle do pensamento
Descreva a estratégia de controle
1. O uso do reasseguramento e racionalização de que “tudo ficaria bem”
2. Autoinstrução para controlar a ansiedade, p. ex. controle da respiração.
Efeito percebido na redução da ansiedade
1. Conclui que era ineficaz tentar controlar a ansiedade
2. Portanto, minimizar o contato social sempre que possível.

Avaliação de ameaça e vulnerabilidade quando ansioso


A perspectiva do paciente sobre a ameaça e vulnerabilidade quando ansioso
Uso de comportamentos de segurança, como e-mails, evitaria a ansiedade.

Reavaliação de ameaça e vulnerabilidade quando não ansioso


A perspectiva do paciente sobre a ameaça e vulnerabilidade quando não ansioso
Todos os recursos são ineficazes, a melhor estratégia era minimizar o contato social.

Fonte: Clark; Beck, 2012, p. 183.

Esse caso se concluiu no tratamento da fobia social, inicialmente, pois os


ataques de pânico e a depressão foram secundários, conforme a avaliação da
conceitualização cognitiva. As metas de tratamento foram:

descatastrofizar suas interpretações errôneas e crenças mal


adaptativas sobre o rubor e a consequente avaliação negativa dos
outros. Modificar a crenças de que a ansiedade em situações sociais
deve ser controlada porque levará a desfechos negativos aterrorizantes
como incompetência social, reavaliando a probabilidade e gravidade da
ameaça. Reduzir a evitação e eliminar estratégias defensivas e de
enfrentamento, reduzir efeitos negativos da preocupação etc. (Clark;
Beck, 2012, p. 167-168).

TEMA 5 – DESAFIOS NO MANEJO DE TEMAS E TÉCNICAS DA TCC NOS


TRANSTORNOS DE ANSIEDADE

Nesse último, tema relacionado aos desafios clínicos nos transtornos de


ansiedade, vamos abordar um ponto em específico do Transtorno do Pânico,
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relacionado à motivação para o tratamento. Mesmo os psicoterapeutas mais
experientes em TCC podem ter dificuldades em manejar a baixa motivação que
os pacientes com TOC apresentam. Segundo Rangé (2011, p. 329):

outro fator a ser analisado é o quanto o paciente está motivado para a


mudança que o tratamento lhe exigirá. [...] identificar o estágio de
mudança do paciente e se, necessário utilizar a entrevista motivacional
nas primeiras sessões tem aumentado o percentual de resposta à TCC
e diminuindo o índice de abandono do tratamento. [...] são naturais as
dúvidas e as ambivalências, mas é fundamental resolvê-las antes de
iniciar a terapia, para evitar desistências e abandonos. A entrevista
motivacional (EM) é um método centrado no cliente e tem como
objetivo reforçar a motivação para a mudança, ajudando os pacientes a
identificar e solucionar suas ambivalências quanto ao tratamento. Na
EM, o terapeuta manifesta empatia evocando e pensando sobre a
percepção do paciente quanto à sua situação e às vantagens e
desvantagens em mudar. O terapeuta aumenta a motivação
provocando e reforçando o desejo, as habilidades, as razões e,
finalmente, o compromisso com a mudança e com o tratamento por
parte do paciente.

E como relacionar isso ao TOC?, Os indivíduos acometidos pelo TOC


apresentam um conjunto de regras e convicções (crenças) rígidas e
permanentes sobre as suas obsessões. Portanto, quanto mais tempo o paciente
persiste sem tratamento adequado, maiores as chances de começar a diminuir o
grau de insight sobre suas crenças e obsessões. Rangé (2011, p. 329)
complementa essa ideia ao referir que “muitas vezes, no TOC, a falta de
motivação e a dificuldade em acreditar na possibilidade mudar padrões de
comportamento estão associadas a [...] crenças demasiadamente intensas e
cristalizadas”. Portanto, o uso de entrevista motivacional no caso de TOC é uma
ferramenta adequada. Nas aulas de vídeo complementaremos o tema com
outros pontos relacionados aos transtornos de ansiedade estudados.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

GORENSTEIN, C.; WANG, Y-P.; HUNGERBÜHLER, I. Instrumentos de


avaliação em saúde mental. Porto Alegre: Artmed, 2016.

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REFERÊNCIAS

ANDRETTA, L. Manual prático de terapia cognitivo-comportamental. São


Paulo: Casa do Psicólogo, 2011.

APA – American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BECK, J. S. Terapia Cognitivo-Comportamental. Porto Alegre: Artmed, 2013.

CLARK, D. A.; BECK, A. B. Terapia cognitiva para os transtornos de


ansiedade. Porto alegre: Artmed, 2012.

GREENBERGER, D.; PADESK, C. A mente vencendo o humor: mude como


você se sente, mudando o modo como você pensa. Porto Alegre: Artmed, 2017.

RANGÉ, B. Terapias Cognitivo-Comportamentais: um diálogo com a


psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.

SUDAK, D. M. Combinando Terapia Cognitivo-comportamental e


medicamentos: uma abordagem baseada em evidências. Porto Alegre: Artmed,
2012.

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