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Introdução
A sociedade capitalista desenvolveu um sistema abrangente de produção científica e
tecnológica, às custas de exploração, dominação e manutenção das desigualdades sociais,
1
Mestranda no Programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da UFSCar,
marinamatteu@gmail.com, bolsista CAPES.
2
Doutora em Saúde Coletiva, Profa Associada Sênior do Programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e
Sociedade da UFSCar, mluciatmachado@gmail.com
3
Doutor em Ciências, Prof. Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSCar,
flavioborges@ufscar.br
refletindo nos processos de trabalho em saúde, condicionando uma produção de saúde de
forma não integrada, visando, muitas vezes, devolver o trabalhador à sua capacidade
produtiva, sem ocupar-se de suas reais necessidades. A tecnociência em sua sistematização
de conceitos para orientar processos e modos de produzir, é uma ferramenta com potencial
de garantir qualidade de vida aos seres humanos. Mas também podemos observar uma
excessiva dependência de tecnologias, centradas em si mesmas e deslocadas de seu valor de
uso, resultando até mesmo na perda de domínio da técnica (LORENZETTI et al., 2012). Se por
um lado as tecnologias e inovações tecnológicas implicam em maior complexidade da
inteligência humana e de máquinas, no surgimento de novas possibilidades de produção e
reprodução da vida, por outro há “campos em que o saber tecnológico, ainda que útil, é
insuficiente para assegurar os objetivos almejados” (CAMPOS, 2011, p. 3035).
As tecnologias desenvolvidas no trabalho em saúde são identificadas em tipos
conforme a sua gradação de materialidade. As tecnologias duras são materiais e
correspondem a equipamentos e ferramentas direcionados para determinadas finalidades.
As leve-duras são imateriais, definidas pelos conhecimentos estruturados que orientam as
práticas de saúde, mas são influenciadas pela abstração do(a) profissional de saúde, de
acordo com a singularidade da situação de sua mobilização. As tecnologias leves são as
ações e intenções que favorecem o encontro profissional-usuário(a) para a produção de
saúde e, portanto, imateriais (MERHY et al., 2019).
Analisar o trabalho em saúde proporciona a reflexão sobre o que vem sendo
produzido no campo científico e tecnológico da Saúde, como estão sendo mobilizados os
conhecimentos científicos e tecnológicos para a realização do trabalho em saúde e a
produção do cuidado (promoção de saúde, prevenção de doenças, tratamento) e, a partir
daí, questionar, como a saúde está sendo produzida e compartilhada nos espaços
território-regiões-nação como serviços, produtos, políticas e convivências. As ações de saúde
“se configuram como uma prática social permeada por uma prática técnica que é,
simultaneamente, social, sofrendo influências econômicas, políticas e ideológicas” (SILVA;
PAIM; SCHRAIBER, 2014, p. 7).
Nessa perspectiva, entende-se que a produção de atos assistenciais em saúde
resumido aos curativos não é suficiente diante das necessidades em saúde que se expressam
em um conjunto de aspectos fundamentais: boas condições de moradia e saneamento,
acesso a alimentos saudáveis, água potável, acesso a educação em todos os níveis, facilidade
de acesso a lazer, inserção no sistema produtivo com qualidade na atividade desenvolvida e
renda, etc. A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), de 2006, pauta a organização de
ações e serviços em saúde a partir do reconhecimento do conceito ampliado de saúde,
garantindo a integralidade do cuidado. No entanto, uma revisão da PNAB ocorrida em 2017
(BRASIL, 2017), ameaça elementos estruturantes dessa modalidade de atenção e direciona
para caminhos de agravamento das desigualdades de acesso à saúde integral (FAUSTO et al.,
2018).
O presente trabalho busca analisar, sob o olhar da Ciência, Tecnologia e Sociedade, o
potencial das tecnologias leves para reorganização do trabalho em saúde no âmbito da
Atenção Primária à Saúde (APS).
Procedimentos metodológicos:
Realizou-se uma revisão bibliográfica de artigos científicos completos, disponíveis
para leitura online, como parte de pesquisa de Mestrado em fase inicial de desenvolvimento
no Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar), que tem como objetivo analisar a produção do cuidado em saúde em
uma Unidade de Saúde da Família (USF) de São Carlos/SP, considerando as contradições na
produção de saúde na sociedade capitalista.
A busca do material na base de dados ocorreu em agosto de 2021, por meio do Portal
de Periódicos CAPES. Foram utilizados os descritores [“tecnologias leves” AND “trabalho em
saúde”] e [“inovação em saúde” AND “atenção básica”]. Para o conjunto de descritores
[“tecnologias leves” AND “trabalho em saúde”] foram encontrados 100 resultados
publicados no período de 2003 a 2021. Para o outro conjunto [“inovação em saúde” AND
“atenção básica”] o resultado foi de 48 artigos publicados de 2007 a 2020. Em seguida, foram
selecionados os artigos revisados por pares, escolhidos os artigos para leitura completa a
partir da identificação no título ou palavras-chave, de termos com aproximação ao tema da
pesquisa de mestrado: atenção primária, estratégia saúde da família, trabalho em saúde,
recursos humanos em saúde, capitalismo, produção de saúde, tecnologias leves, tecnologias
em saúde, tecnologia das relações. Após eliminar os arquivos repetidos foram obtidos 33 e 7
artigos, respectivamente, para cada conjunto de descritores.
A leitura dos resumos permitiu a exclusão de trabalhos que fugissem à temática da
APS. Em seguida à leitura integral dos textos, foram agrupados os conceitos e ideias
principais apresentados em forma de revisão bibliográfica narrativa. A análise do material
permitiu a apresentação dos resultados organizados em dois tópicos: observando a relação
entre inovação e desenvolvimento na APS e a contribuição das tecnologias leves para a
reorientação do modelo de atenção.
Considerações Finais
A área da saúde, de maneira geral, pode ser entendida como um sistema de inovação,
que possa desenvolver territórios, combinando bem estar social e econômico. À APS cabe
otimizar serviços de saúde, considerando sua alta capacidade de resolubilidade das
demandas de saúde. Para além da incorporação de desenvolvimento científico e tecnológico,
o trabalho em saúde se caracteriza como uma prática social com grande relevância para o
desenvolvimento das condições de saúde da população e, por consequência, do
desenvolvimento de territórios e regiões.
Os debates e conhecimentos construídos nas Universidades, no encontro entre
trabalhadoras(os) e em organizações comunitárias representam papel importante na
construção da compreensão das necessidades em saúde e formas de superação dos desafios
na atenção à saúde.
Distintos princípios e interesses de gestão orientam o desenvolvimento de
tecnologias leves, caracterizando um cenário de contradições e disputas na produção local
de cuidado nos equipamentos de saúde pública. O trabalho vivo em ato, a partir de
tecnologias duras, leve-dura e também de tecnologias leves com interesses coletivos e uma
visão ampliada da realidade, pode transpor certos interesses de mercado e contribuir para a
consolidação dos princípios e diretrizes do SUS: universalidade, integralidade e equidade na
atenção à saúde.
Referências
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