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ABSENTEÍSMO DOCENTE E ORGANIZAÇÃO ESCOLAR: UM

RELATO DE PESQUISA

Prof. José L. Germano


Centro Universitário Ítalo Brasileiro

A “VOZ” DOS PROFESSORES E ALGUMAS REFORMAS EDUCACIONAIS NAS


SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: DESENCONTROS OU
IMPASSES?

Parece inegável a ausência dos professores nas discussões e definições das


políticas educacionais, que apenas atribuem a eles o papel de executores ou
aplicadores das propostas. “A mensagem parece ser que os professores não contam
quando de trata de examinar criticamente a natureza e o processo de reforma
educacional” (GIROUX, 1997, p.157). Em um cenário em que o indivíduo deve
responder por seu fracasso ou sucesso profissional, privilegiando habilidades e
competências – a reformulação dos sistemas educacionais é apontada como
aspecto decisivo para a concretização desse ideário político econômico. Para
Giroux (1997, p.157), a desconfiança nos professores parece pressuposto das
reformas:

A ameaça vem na forma de uma série de reformas educacionais que mostram


pouca confiança na capacidade dos professores da escola pública de oferecerem
uma liderança intelectual e moral para a juventude de nosso país. Muitas das
recomendações sugerem reformas que ignoram a inteligência, julgamento e
experiência que os professores poderiam oferecer em tal debate.

ABSENTEÍSMO DOCENTE E ORGANIZAÇÃO ESCOLAR: UM RELATO DE


PESQUISA

Existem dois Estatutos que regem diretamente a vida funcional dos


professores da rede pública municipal de São Paulo, juntamente com uma série de
portarias e decretos que visavam regularizar estas e outras leis. O primeiro é a Lei
8.989 publicada em outro de 1979 e denominada Estatuto dos Funcionários
Públicos do Município de São Paulo. O segundo é a lei 11.229, assinada em junho
de 1992, que vigorou até dezembro de 2007, sob o título do Estatuto do Magistério
Público Municipal, e a partir de 26 e dezembro de 2007 passou a ser denominada
de Estatuto dos Profissionais de Educação do Ensino Municipal de São Paulo.

Com relação às possíveis ausências dos professores, é no Estatuto dos


Funcionários Públicos que se encontra especificado que:
As faltas ao serviço, até o máximo de 10 (dez) por ano, não excedendo a
2 (duas) por mês, poderão ser abonadas por moléstia ou por outro
motivo justificado a critério da autoridade competente, no primeiro dia em que
o funcionário comparecer ao serviço.

No caso de falta abonada, o servidor não sofrerá quaisquer descontos de


vencimentos, esse dia será considerado de trabalho efetivamente realizado para
todos os efeitos legais (SÃO PAULO, 1979).

Completando a possibilidade de faltas ao trabalho, encontra-se no artigo


4º. do decreto 24.146 de 1987, a seguinte redação:

No caso de falta justificada, o servidor perderá o vencimento no


dia descontado do tempo de serviço para todos os efeitos legais. O procedimento
de solicitação de falta justificada, até a sexta, é o mesmo da falta abonada.

Estão, também, previstas as faltas injustificadas que ocorrem sem justa


causa, perdendo o funcionário o vencimento do dia, descontando-se do tempo de
serviço para quaisquer efeitos, além de ser deduzido como ponto negativo por
falta apurada durante a permanência no grau até o último dia do ano anterior ao
processamento da promoção (ARTIGO 7º DECRETO 24.146, SÃO PAULO,
1987).

Registra-se o embasamento legal para que, não somente os docentes, mas


todos os funcionários púbicos vinculados à administração municipal de São Paulo
tenham a possibilidade de se ausentar do trabalho, durante um ano, por meio de
faltas abonadas, num total de 10, até 06 faltas justificadas e, como caso das
injustificadas, um total de 60, desde que interpoladas.

Destaca-se que, com exceção das faltas abonadas, as consideradas


justificadas e injustificadas acarretam ao funcionário público desde perdas
salariais, desconto de dias para contagem de aposentadoria e possíveis
promoções, podendo, em casos extremos, como, por exemplo, a ausência
injustificada por 15 dias consecutivos ou por mais de 60 dias interpolados, o
funcionário responder a processo administrativo que pode lhe acarretar a
exoneração compulsória do cargo que ocupa.

Destaca-se que em nenhum momento a lei prevê a substituição do


funcionário que se ausentar, seja utilizando-se de falta abonada, justificada ou
injustificada.

Outro ponto a ser indicado é com relação à necessidade de que a chefia


imediata do funcionário público municipal – que na escola corresponde à figura
do diretor da escola – autorize o abono do dia de falta do funcionário, inclusive
do professor, fato que possibilita a interpretação de que a falta abonada constitui
uma concessão e não um direito de todo funcionário público. Inclusive dos
professores.

Encontra-se, ainda previsto do Estatuto dos Funcionários Públicos de


1979 que os servidores podem solicitar licenças para: tratamento de sua própria
saúde; de sua família, gestação; acidente de trabalho; quando da ocorrência de
falecimento na família; por ocasião de casamento civil; devido à adoção de
menores; à paternidade e, à licença sem vencimentos para tratar de interesses
particulares (LIP).

O importante é que o fato é que, havendo tal necessidade, todo e qualquer


funcionário público do município de São Paulo pode solicitar e usufruir dessas
licenças, situação que automaticamente acarreta sua ausência no local de
trabalho.

Constatações

As cinco escolas da rede pública municipal de São Paulo localizam-se em


diferentes regiões do município de São Paulo, consideradas periféricas e todas
oferecem o ensino fundamental durante os 2 anos de realização da pesquisa.

Levando em conta o número de turnos de cada escola e que cada sala de


aula tem um número médio de 36 anos, chega-se à seguinte conclusão quanto ao
número de alunos atendidos em cada escola: 1.296 alunos na Escola I; 2.016
alunos na Escola II; 2.160 alunos na Escola III; 2.052 alunos na Escola IV; e 1.404
na Escola V.

Existem algumas semelhanças e peculiaridades quanto às escolas


pesquisadas, dentre as quais destaca-se que: de um ano para outro, o número de
faltas abonadas aumentou em 3 das 5 escolas; o total de faltas justificadas,
registradas em cada escola são bem próximos, quando comparadas de um ano
para outro; a Escola IV apesar de possuir características muito parecidas com as
demais, não registrou nenhuma falta injustificada, nos dois anos de pesquisa, fato
que não pode ser investigado com detalhes à época de sua realização. Contudo, a
observação de que, provavelmente, haveria no cotidiano escolar de nuances nas
relações sociais de seus agentes que, a uma primeira investigação se mostrou
pouco revelador, possibilitou posterior investigação sobre as relações sociais que
ocorrem no dia a dia da escola e de como essas relações interferem na
(re)organização delas, caracterizando diferentes hierarquias e manifestações de
poder no interior da escola.

Considerando as informações sobre o total de faltas apresentadas em cada


escola, na Tabela 2, é possível realizar a síntese do número de faltas em cada uma
delas:

• Escola I: 590 em 2004 e 433 em 2005


• Escola II: 921 em 2004 e 917 em 2005
• Escola III: 824 em 2004 e 722 em 2005
• Escola IV: 278 em 2004 e 315 em 2005
• Escola V: 754 em 2004 e 816 em 2005

Assim, é possível multiplicar os totais de faltas por 5 aulas diárias, constatando-


se que, em média, deixaram de ser ministradas pelos professores das escolas.
Até aqui em nossa pesquisa se demonstrou que, com respaldo legal que não
se questiona, posto que fruto de longa luta e necessário diante das precárias
condições de trabalho, os professores faltam sim ao seu local de trabalho: a escola.
No entanto, faz-se necessário destacar que a mesma legislação não prevê a
substituição desse funcionário público, principalmente nos casos de abono,
justificativa e/ou faltas injustificadas. Imagina-se, portanto, que cada repartição
pública municipal tenha suas estratégias próprias de reorganização
diária. Durante as pesquisas observou-se que o absenteísmo docente era alvo de
preocupação de todos os diretores, em maior ou menor grau. Foi possível
registrar, entre os modos de reorganização escolar, que os diretores optaram pela
criação de uma espécie de quadro de agendamento de faltas abonadas.

Nas escolas pesquisadas por nós encontrava-se, geralmente, exposto na


parede próxima ao livro de ponto ou em um caderno à parte renovado
mensalmente. Lá eram destacados os dias da semana, com um espaço em branco,
onde os professores que pretendiam solicitar o abono de suas faltas, deveriam
escrever seus nomes com antecedência. A justificativa para a criação desse
quadro, segundo depoimento dos diretores, foi a necessidade de certa
previsibilidade para a organização das escolas, quando da ausência do professor
ao trabalho, sendo inclusive imposta a regra de que só seriam concedidos os
abonos de falta para até 2 professores por turno de funcionamento da escola.

Contudo, mesmo sendo originário das escolas, verificou-se que o quadro


de agendamento nem sempre funcionava como incialmente planejado. Além
disso é uma estratégia sem respaldo legal, uma vez que a lei prevê que o
funcionário deve solicitar seu abono de falta no dia seguinte, em formulário
próprio para a apreciação de sua chefia e não a realização de uma previsão de
quem irá faltar. Cerifica-se que essa estratégia corresponde a uma das facetas no
que se descreve como anarquia organizacional, se caracterizando como regra não-
formal, com caráter não-oficial, de circulação mais restrita.

Com relação às estratégias utilizadas mais comumente para o atendimento


dos alunos, destaca-se que dos 143 professores que responderam os
questionários, 84 deles apontaram ser comum que as salas sem professores,
ficassem sob a responsabilidade dos professores até então conhecidos como
adjuntos e hoje chamados de módulo na prefeitura. Contudo, o número de
professores adjuntos disponíveis nas escolas era ínfimo, pois tratava-se de prática
comum que muitos substituíssem permanentemente professores titulares que
assumissem cargos ou funções como coordenador pedagógico ou outras funções
na escola.

Outra estratégia descrita por 71 dos professores, foi a divisão dos alunos
entre as salas do mesmo ano/ciclo. Este tipo de estratégia costumava ser mais
comum entre os primeiros anos do Ciclo I (do 1º. Ao 5º. Ano). Tal estratégia sofria
críticas dos professores, pois a distribuição dos alunos em outras classes, além de
não solucionar o problema da ausência de um professor, acarretava outro, qual
seja, a superlotação das classes que recebiam esses alunos, agravando ainda mais
a já precária condição de trabalho dos professores.

Os professores pesquisados descreveram, também ser comum o envio das


crianças para outros espaços da escola tais como: sala de leitura, sala de vídeo,
quadra poliesportiva ou mesmo permanecer no pátio. Em muitos casos, essa
permanência no pátio ocorria sem supervisão de um agente responsável ou de um
profissional adequado.

Outros professores (59 deles) citaram também a prática de adiantamento


de aulas e dispensa de alunos um pouco mais cedo que o horário de encerramento
do turno. Tal ato se constitui em o professor ministrar aula em duas ou mais salas,
ao mesmo tempo. Isso ocorre quando professores das primeiras aulas não
compareciam à escola, caracterizando a aula vaga. Para que os alunos não
ficassem sós, os professores das últimas aulas entravam em sala, mesmo estando
em outra turma e costumam solicitar alguma atividade extra aos alunos,
realizando chamada e ao final dessa primeira aula, considerava que a última já
havia sido ministrada, dispensando os alunos mais cedo e podendo ir embora
mais cedo também.

Foram descritas outras situações, mas com menores citações dos


professores pesquisados, nos atendo somente a aquelas que foram as mais
escolhidas.

REFERÊNCIAS

SANTOS, S. L. dos. Absenteísmo docente e organização escolar: um relato de


pesquisa. In: MARIN, A. J. (Org.). Escolas, organização e ensino.
Araraquara: Junqueira & Marin editores, 2013.

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