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PAULO MARCELO FREITAS DE BARROS

TRANSIÇÃO DE PARADIGMAS EM FONOAUDIOLOGIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do Título de MESTRE em Distúrbios da
Comunicação sob a orientação do Prof. Dr.
Mauro Spinelli.

Mestrado: Distúrbios da Comunicação

PUC-SP

2000
DM
612.78 BARROS, Paulo Marcelo Freitas de
B Transição de paradigmas em fonoaudiologia - São
Paulo: s.n., 2000
118 f. ; 30cm

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São


Paulo.
Área de Concentração: Distúrbios da Comunicação
Orientador: Mauro Spinelli

Palavras chave: Fonoaudiologia – Paradigmas - Transição


AGRADECIMENTOS

Pensando de forma interconexa implícita, o nosso primeiro agradecimento é para


nós Universo.
Pensando de forma segmentada, estariam divididos em muitas partes os meus
agradecimentos.
Inicialmente aos meus pais Anildo e Edith, a Suely, Socorro e Nelza, por serem
minha família amada, pelas condições e estímulos proporcionados e também, à minha
outra família: Ilcélia, Aldenor, Ilce, Ciça, Rei, Iago, Isaque, Taísa, Pepê, por terem
compartilhado momentos importantes.
Agradeço à UNICAP e à PUC-SP, por terem proporcionado e administrado o curso
interinstitucional e aos colegas de ambas as instituições que, direta ou indiretamente,
contribuíram debatendo e comentando as idéias do trabalho.
À Fátima Dantas, pelo estímulo para optar por este tema e a Leonor Pacheco por
suas contribuições na finalização.
Agradeço ao meu orientador, o Dr. Mauro Spinelli, pela condução paciente e sábia
durante o difícil percurso ao trabalharmos com uma abordagem inédita para nós.
Agradeço, antecipadamente, à banca examinadora que cumprirá a sua missão de
julgar este trabalho e às duas bancas de pré e qualificação que foram decisivas para juntos
construirmos a melhor forma de organizar e apresentar este tema. Doutores: Leslie
Piccolotto, Suzana Maia, Doris Lewis - Luiz Augusto (Tuto), Cristina Lacerda e Brasília
Chiari. Em especial, ao prof. Tuto pelas suas decisivas contribuições filosóficas e
metodológicas.
Agradeço a todos os autores consultados (pessoal e bibliograficamente) por sua
produção científica. Agradeço a quem todos estes autores também agradeceram um dia,
por terem conseguido suas realizações. Continuando essa expansão em rede,
inevitavelmente, termino voltando a agradecer a todo o Universo.

...obrigado...
Resumo

Este é um trabalho bibliográfico que focaliza a atual transição de paradigmas na


Fonoaudiologia. Inicialmente, foi abordado o problema da transição de paradigmas na
ciência com a apresentação de duas diferentes concepções de percepção sobre a realidade.
Uma fundamentada no paradigma newtoniano-cartesiano (visão segmentada da realidade)
e outra no paradigma sistêmico-holístico (visão de todo unificado). Em seguida, foram
apresentados alguns operadores conceituais oriundos da Física, destacando-se os conceitos
de interconexidade e ordem implícita. O material para as análises constou de publicações
de casos clínicos e matérias divulgadas em revisas, periódicos e livros na área da
Fonoaudiologia. O procedimento de análise constou da caracterização paradigmática de
cada publicação, da identificação dos acréscimos, dos movimentos de transição e de um
ordenamento lógico. No material coletado, pôde-se identificar a existência de três núcleos
paradigmáticos e duas importantes transições paradigmáticas. Houve um modelo
paradigmático inicial ligado ao positivismo com características newtoniano-cartesianas que
privilegiava o modelo biomédico, behaviorista. A partir das necessidades que foram
surgindo e das críticas iniciais a este modelo, aparece a primeira transição paradigmática.
Esta transição veio com a inclusão de aspectos subjetivos, subdividindo-se em duas
vertentes que formaram o segundo núcleo. Uma ligada à Lingüística (diferenciada da
estruturalista) e outra ligada ao psíquico, referente à Psicologia (não comportamental) e à
Psicanálise. A segunda transição surgiu a partir das críticas ao modelo clinicista privado
adotado nos dois primeiros núcleos. Surge o terceiro bloco paradigmático apresentando
interesse por estudos epidemiológicos, pela Saúde Pública e pelo meio ambiente. Possui
duas vertentes: a primeira, atuando com uma forma de intervenção puramente
assistencialista; a segunda, privilegiando um modo de trabalho participativo. Em sua
transição paradigmática, a Fonoaudiologia está se deslocando de estados menos complexos
(menor número de interconexões) para outros estados de complexidade crescente (maior
número interconexões).
ABSTRACT

This is a bibliographical work focusing on the current paradigmatic transitions in


Speech Therapy. Initially, the paradigmatic transitions in science were approached, with
the presentation of two different conceptions about reality’s perception. One based in the
newtonian-cartesian paradigm (a segmented perception of reality) and the other in the
systemic-holistic paradigm (a unified perception of wholeness). In sequence some
conceptual operators originated from Physics were presented, such as the concepts of
interconnection and implicit order. The material for analyses consisted of clinical cases and
other texts, published in reviews, scientific journals and books of the Speech Therapy area.
The analytical procedure for each publication consisted of paradigmatic characterization,
followed by identification of the novel contribution, of the transition movements and of
the logical ordination. In the material analyzed, the presence of three paradigmatic nuclei
and the occurrence of two important paradigmatic transitions were identified. There was an
initial paradigmatic model linked to positivism, with newtonian-cartesian characteristics,
that privileged the biomedical, behaviorist model. From the initial critical appreciation of
this model, emerged the need for the first paradigmatic transition. This second nucleus
includes some subjective aspects and two branches can be identified. The first, linked to
Linguistics (differentiated from the structuralist) and the second linked to the psychical,
relating to Psychology (non-behaviorist) and to Psychoanalysis. The second transition was
a consequence of criticism regarding the private clinical approach adopted in the first two
nuclei. The third paradigmatic nucleus is concerned with epidemiological studies, Public
Health and the environment. This group also has two components; the first providing
assistance-based interventions, whereas the second privileges more participatory work. The
Speech Therapy, from the point of view of its paradigmatic transitions, is moving from a
less elaborated state (fewer interconnections) to a state of increasing complexity (more
interconnections).
ÍNDICE

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 01

CAPÍTULO 1

REVISÃO DA TEORIA SOBRE PARADIGMA

1.1. –Conceito de paradigma.................................................................................... 08

1.2 – Transições entre Paradigmas........................................................................... 10

CAPÍTULO 2

OPERADORES CONCEITUAIS DA FÍSICA

2. - Contribuições da Física..................................................................................... 17

2.1. – Interconexão ........................................................................................... 25

CAPÍTULO 3

APRESENTAÇÃO COMENTADA DO MATERIAL

3.1. – Primeira publicação – Caso clínico ............................................................ 33

3.1.1 – Caracterização paradigmática da publicação ................................. 34

3.2 – Segunda publicação – Área escolar ............................................................ 34

3.2.1 – Caracterização paradigmática da segunda publicação ................... 37

3.2.2 – Caracterização deste primeiro núcleo paradigmático (publicações

um e dois) ....................................................................................... 37

3.2.3 – Utilizando-se da Física (primeiro núcleo)....................................... 45

3.3 – Terceira publicação – Caso clínico .............................................................. 46


3.4 – Quarta publicação – Caso clínico .................................................................. 49

3.4.1 – Caracterização paradigmática das publicações terceira e quarta

publicações (a valorização do lingüístico)...................................... 51

3.4.2 – Utilizando-se da Física (terceira e quarta publicações) ................... 54

3.5 – Quinta publicação – caso clínico ................................................................... 56

3.5.1 - Caracterização paradigmática da quinta publicação ......................... 59

3.6 – Sexta publicação ............................................................................................ 60

3.6.1 - Caracterização paradigmática da publicação .................................... 63

3.6.2 – Caracterização paradigmática e transição na quinta e sexta

publicações (a valorização do psíquico).......................................... 63

3.6.3 - Utilizando-se da Física (quinta e sexta publicações) ........................ 68

3.7 – Sétima publicação - Saúde Pública (creches) .............................................. 69

3.8 – Oitava publicação – Saúde Pública (Unidade Básica de Saúde) ................... 71

3.8.1 – Características e comentários das transições paradigmáticas

referente as publicações sétima e oitava .......................................... 72

3.8.2 - Utilizando-se da Física (sétima e oitava publicações) ....................... 79

3.9 – Quadro geral de tendências ........................................................................... 79

CAPÍTULO 4

DISCUSSÃO GERAL E CONCLUSÕES

4.- DISCUSSÃO GERAL ........................................................................................ 82

4.1– CONTEMPLANDO PERSPECTIVAS COMPARTILHANDO ANSEIOS... 91

4.2 - CONCLUSÕES ............................................................................................... 100

4.3 - NOTAS ............................................................................................................ 104

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 111


INTRODUÇÃO

“...estamos apenas no começo da


aventura. Assistimos ao surgimento de uma
ciência que não mais se limita a situações
simplificadas, idealizadas, mas nos põe diante
da complexidade do mundo real, uma ciência
que permite que se viva a criatividade
humana como a expressão singular de um
traço fundamental comum a todos os níveis da
natureza.”
Ilya Prigogine (1996:14)

Na evolução atual do conhecimento científico, pode-se observar que estamos


passando por rápidas e importantes transformações em diversas áreas. Muitos são os
que estão avaliando o que a ciência tem feito para nós mesmos ao longo da história e,
diante do como se encontra o mundo, outros questionam até que ponto a ciência
poderá efetivamente contribuir para melhorias em nossa qualidade de vida.
Nas atuais mudanças por que passa a Fonoaudiologia, evidencia-se o
surgimento de novos processos de discussão, um período de transição paradigmático
que envolve principalmente, sua caracterização como ciência, o delineamento de seu
objeto de estudo e o seu método de trabalho. Comparada com suas áreas afins, em
seu curto processo histórico, a Fonoaudiologia também necessita continuar
construindo sua identidade, seus limites, seu papel social, etc.
Chegamos a um modo de civilização que tem atingido econômico, político e
ecologicamente, níveis preocupantes de manutenção e de qualidade de vida. Todas as
áreas do conhecimento parecem estar passando por um processo que exige profundas
reflexões e medidas conjuntas das diversas áreas do saber. A Fonoaudiologia
também necessita repensar seus “modelos” e redirecionar objetivos diante de tantas
novas necessidades contemporâneas.
2

A cada dia surgem questões novas, conceitos e posturas que a Fonoaudiologia


tinha como fechados. Hoje, ao freqüentar congressos, simpósios e conferências, dá-
se conta da grande variedade de novos conhecimentos que estão sendo apresentados
e discutidos.
Em particular, compartilhando um pouco das origens e inspirações para
debruçar-me sobre este tema, confesso que a partir de uma espontânea convergência
de três caminhos distintos, surgiu o movimento que resultou nesse escrito.
Primeiramente da Ciência, depois do Místico e por último da Arte.
Sobre as idéias que norteiam a referida inspiração/motivação posso,
resumidamente, representá-las a partir dos ditos de David Bohm (Físico de
partículas), Paulo de Tarso (Apóstolo) e Chico Science (Cantor e Compositor). Idéias
que, além de dinamizarem este trabalho, ainda nos levarão a desenvolver inúmeras
outras propostas.
De acordo com de David Bohm:

1 – “A não percepção da realidade como algo único e unificado,


fragmentando o mundo e ignorando a interligação dinâmica de todas as
coisas, seria o erro de percepção responsável por muitos dos nossos
problemas, não só na ciência mas em nossa vida e em nossa sociedade. Se
utilizarmos uma visão geral do mundo como constituído de fragmentos
independentes, então é assim que a nossa mente tenderá a operar.”
Bohm (1998:9-17)

Admitindo que no conhecimento há também poder, não bastaria a inteligência


sem a sabedoria. Sem valores para ser e agir, sem ética e sem responsabilidades, não
basta perceber as múltiplas interrelações entre tudo. É preciso algo mais, algo que
transcenda o espírito humano para além de seus supostos limites.
A partir de Paulo de Tarso:

2 – “Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos.


Quando porém vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava
como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de
menino.
Porque agora vemos como em espelho, obscuramente, então veremos face a
face; agora conheço em parte, então conhecerei como também sou
conhecido.”
Tarso (1969:208. Co.13.9-12)
3

Diante da nossa ignorância perante os limites do Universo, imagino que possa


existir um estado de consciência (consciente ou inconsciente) em que a divisão seja
finalmente vencida. Em Paulo, podemos encontrar os mesmos anseios comuns a um
dos mais nobres objetivos de uma evolução dita espiritual, ou seja, a percepção e
vivência da unidade entre todas a coisas. Também no oriente (Taoistas, Budistas,
Hinduistas, dentre outros), a iluminação representaria, também, a obtenção deste
estado de unicidade.
Seria então por acaso, que tantas outras culturas revelam, em estudos
antropológicos, estes mesmos anseios de superar a divisão? Será que por caminhos
diferentes o ser humano, onde quer que esteja e em qualquer época, anseia esta
mesma necessidade (unidade) a partir das mesmas faltas (divisões)?
Segundo Chico Science:

3- “Deixar que os fatos sejam fatos naturalmente


Sem que sejam forjados para acontecer
Deixar que os olhos vejam pequenos detalhes lentamente
(...)E nunca lhes causar danos morais, físicos ou psicológicos”

Chico Science (1996)

Podemos encontrar na obra deste artista, uma síntese de motivações oriundas


da arte. Dois seriam os principais motivos. Primeiro a sua originalidade e a riqueza
de sua mistura de linguagens, estilos e ritmos de forma inteligente, bela e com forte
apelo social. É como se as pessoas estivessem desejosas de terem uma sensação de
unidade e o seu trabalho servisse como fio condutor que ligasse tantas coisas diversas
para um mesmo espaço de forma harmônica e coerente. O segundo motivo seria a
falta, ou seja, ele fez parte do nosso cotidiano e faleceu precocemente. A sua arte
teria muito a evoluir e a continuar demonstrando harmonia entre tantos supostos
opostos.
Em síntese, posso afirmar que o desejo autêntico que nos mobilizou para este
trabalho, está triadicamente composto tanto da rigidez dos ditames metodológicos da
ciência, quanto da incognoscível transcendência da espiritualidade, acrescidas da
leveza e da liberdade de expressão da arte. Sem estes três mínimos referenciais,
estaríamos em parte e não “inteiros”.
4

Também busco a unicidade. Entretanto, o dia-a-dia da nossa ciência


acadêmica ainda privilegia a dimensão intelectual, por isto será prioritariamente nela
o nosso campo de trabalho para desenvolver esta dissertação. Sem dúvida, o
intelecto, o contexto, o espírito, a emoção, a cultura, etc., sempre farão parte do berço
das nossas atitudes e de nossas negligências.
Contextualizando e apresentando as convergências motivacionais para este
trabalho, particularizo do ponto de vista acadêmico mais alguns detalhes afirmando
que, tendo iniciado minha formação profissional em Fonoaudiologia na década de
70, passei a complementar inúmeras lacunas teórico-práticas dos paradigmas daquela
época com uma segunda formação, no caso a Psicologia, especializando-me em
Psicologia Hospitalar e em Psicologia Transpessoal(1)1, que é uma recente área de
especialização, fruto das transições de paradigmas da Psicologia relacionando-se
com a Física, que por sua vez, tem se subdividido em uma linha mais científica e
outra que incorpora elementos místicos. Optei pela primeira.
Diante de todos estes caminhos, no final dos anos 80, percebia claramente
que a percepção fragmentada dentro dos fenômenos científicos, político-econômicos,
sociais, ecológicos, etc. e também, todos eles entre si, proporcionavam inúmeras
atitudes humanas extremamente inconseqüentes que, gradativamente, estavam
prejudicando a grande maioria da população de todo o planeta, principalmente, nos
países explorados pelo primeiro mundo. Caracterizava-se assim, uma crise de
percepção que exigia mudanças urgentes e radicais. A interdependência deste todo
interativo necessita de uma nova maneira de perceber o mundo e também, de agir
diante das interconexões entre todas as coisas.
Tentando pensar e atuar neste sentido, ainda na década de 80, após
participarmos do fim explícito do período ditatorial, participamos também dos
primeiros movimentos ecológicos e da fundação das primeiras organizações não
governamentais. No entanto, não sentia que a Fonoaudiologia estava preparada para
incorporar à sua visão predominantemente restrita as atividades de consultório,
tamanhos desafios mundiais, ou algumas das inúmeras transições paradigmáticas
contemporâneas. Deste modo, a Fonoaudiologia, em meu estado (PE), ficou à
margem deste sistêmico processo.

1
Devido à necessidade de mantermos um fio condutor dentro de uma temática tão diversa, alguns
complementos paralelos, esclarecimentos e sugestões de leitura, estarão em notas ao final do trabalho.
5

Contemporaneamente, um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade


é justamente esta transição da segmentação para a unificação, ou seja, mudar a
percepção de mundo como sendo um composto de partes isoladas para passar a
perceber um único mundo composto por interligações e interdependências entre
todas as coisas.
Certamente, para a Fonoaudiologia hoje, configura-se um novo cenário
bastante diferente daquele do início da sua legalização como profissão. Diversos
profissionais e pesquisadores têm questionado o seu fazer e proposto inúmeras novas
possibilidades para o seu exercício profissional.
Pensando em conhecer melhor as transformações de paradigmas que a
Fonoaudiologia tem incorporado nestas últimas décadas, explico que o princípio
norteador e eixo central deste trabalho será identificar e analisar tais transições tendo
sempre como pano de fundo, a referida crise de percepção (do mais para o menos
fragmentado) e a idéia de interconexidade trazida pela Física.
Quanto ao método utilizado, podemos adiantar que trata-se de um trabalho
bibliográfico que identifica e analisa algumas das principais incorporações
paradigmáticas que estão ocorrendo na Fonoaudiologia. O material necessário para
este estudo foi coletado através da leitura de publicações científicas, revistas, artigos
e livros especializados a que pude ter acesso. Tais escritos necessitaram demonstrar a
utilização de práticas e bases teóricas diferenciadas para que fossem selecionados
para o centro desta discussão.
O procedimento de análise constou, inicialmente, de uma caracterização
paradigmática de cada publicação, da identificação dos movimentos de transição e de
um ordenamento lógico de acordo com o grau de complexidade. A partir disto, foram
realizadas as análises destas transições referenciadas por alguns conceitos oriundos
da Física, em especial, o conceito de interconexidade.
Detalhando um pouco mais, torna-se necessário afirmar que na trajetória
deste caminho, foram necessárias a criação e o cumprimento de três etapas. Na
primeira, estudamos a idéia de paradigma científico e suas transições. Na segunda,
apresentamos uma noção sobre o conceito de interconexidade do ponto de vista da
Física, associando este conceito às idéias de imprevisibilidade e incerteza.
Conceitos que apesar de serem originários da Física, resguardando-se as suas
devidas aplicabilidades técnicas em seu campo de origem, portam uma idéia ou
6

noção de relações que, como operadores conceituais, nos serão muito úteis ao
lidarmos com transições paradigmáticas.
Na terceira etapa, passamos às oito publicações com as devidas
caracterizações e comentários para só então, chegarmos à uma discussão geral e às
conclusões do trabalho.
Após as noções sobre paradigma científico, com o auxílio da Física,
apresentam-se duas possíveis percepções sobre a realidade. Na primeira, ela será
apresentada como composta pela soma de todas as suas partes. Nesta concepção,
estas partes são independentes e separadas umas das outras. Na segunda, a realidade
será apresentada como algo único, indivisível, constituída por infinitos movimentos
em infinitas proporções. Nesta última concepção, apresenta-se a idéia de não haver
partes no Universo. A noção de partes surgirá da limitação dos nossos sentidos e do
nosso intelecto que não conseguem perceber e dimensionar tal condição de unidade.
Com os conceitos de paradigma, interconexidade e os dois diferentes modos
de perceber a realidade, investigamos a transição de paradigmas na Fonoaudiologia
através do estudo das incorporações que estão surgindo e aparecem delineadas nas
publicações selecionadas para este estudo.
Diferentemente da cronologia de um relato histórico, trabalhamos com
paradigmas na Fonoaudiologia a partir de suas transições, sem o compromisso
seqüencial por ordem de surgimento. Para tanto, as referidas incorporações foram
apresentadas e estudadas numa seqüência crescente de complexidade, na medida em
que o arcabouço teórico-prático fonoaudiológico está sendo acrescido de novos
elementos, relações e possibilidades.
Entretanto, para que não tivéssemos um expor literário desprovido de suas
devidas articulações, a cada recorte e comentário da literatura selecionada, seguiu-se,
quando necessário, um respectivo respaldo teórico a partir de alguns autores que
estejam propondo reflexões e/ou alterações importantes em sua prática
fonoaudiológica. Desta forma, apesar de não ser o objetivo principal do trabalho,
ganharemos, com estes respaldos, melhores condições para uma visão de movimento
dentro do processo de transição.
Vale salientar que, por uma questão de especificidade, a identificação das
incorporações e o estudo do percurso paradigmático foram priorizados em relação à
7

verticalização particular entre os inúmeros e polêmicos episódios característicos de


qualquer transição.
Com isto quero dizer que, por mais instigantes que detalhes de algumas
transições possam transparecer, devido à brevidade e objetividade de uma
dissertação, as referidas incorporações foram necessariamente apresentadas numa
coerente seqüência e dialogaram entre si apenas o necessário para justificar as
devidas transições, sem que se perdesse, privilegiadamente, uma concepção
globalizadora dos caminhos e possibilidades paradigmáticas que a Fonoaudiologia
tem percorrido.
Dispõe-se assim, ao final deste estudo, da compreensão de uma possível
organização de diferentes concepções paradigmáticas e de suas transições dentro da
Fonoaudiologia.
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CAPÍTULO 1
CONCEITO DE PARADIGMA

Se as idéias refletissem a nosso respeito


Nem todas elas juntas poderiam ser um de
nós. Portanto, quem de nós poderá pretender
conhecer o infinito?
Talvez da união de todas elas e todos nós é
que se forma este.
Se assim for, a ilusão do espelho satisfaria
apenas ao devaneio de viver.

O termo paradigma do grego “paradeigma” (“modelo”, “padrão”) foi usado


e aprofundado por Khun (1922-1996) que, associando o termo “científico”, passou
a afirmar preferencialmente que,

“ ‘paradigmas' (são) as realizações científicas universalmente reconhecidas


que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para
uma comunidade de praticantes de uma ciência” (Khun, 1995:13).

Khun (Ibid.:69) explica também que um paradigma não necessita de um


conjunto completo de regras. Com a Fonoaudiologia não seria diferente. Basta
identificarmos os princípios norteadores do início de sua prática profissional e
acompanharmos alguns dos novos acréscimos que estão sendo incorporados.
Desta forma, pode-se observar como algumas idéias centrais fazem circular
em torno de si, algumas outras diretamente associadas a elas caracterizando os
diversos núcleos paradigmáticos.
De forma mais geral, ao homem e à sua auto-atribuição de ser cientista ao
tentar explicar e dominar a realidade, cabe então perguntar se isto seria realmente
possível. Entretanto, inquietado pelas angustiantes dúvidas da existência e
9

perseguindo incessantemente algumas respostas, uma das inúmeras formas do


homem justificar o ato de viver e manter-se potencialmente vivo, poderia resumir-
se na lúcida e inconsciente, caótica e ordenada trajetória deste caminho.
Desde os primeiros anos de vida, como simples crianças, quando começamos
a perguntar aos adultos o “porquê” das coisas ao nosso redor até uma possível última
publicação como titulado e experiente cientista, percorremos um longo, nebuloso e
intrigante caminho herdado dos nossos antepassados. Em um processo que parece
não ter fim, existirá sempre a soma de todos os conhecimentos das gerações
anteriores, a repetição de inúmeras mesmas dúvidas e um imenso número de novas
outras.
Para não cometermos o costumeiro equívoco de considerar a história do
conhecimento humano como algo restrito apenas aos conteúdos da metade ocidental,
torna-se necessário justificar que neste trabalho não foi considerado o complexo e
milenar pensamento oriental em sua imensa multiplicidade.
Diferentemente do nosso, o conhecimento oriental, que possui métodos
diferenciados, não pode ser absorvido fragmentadamente, ou seja, de forma
desvinculada de uma experiência integrada entre o físico, o psicológico, o ecológico
e o espiritual, assim como é próprio da nossa atual cultura ocidental que distingue e
isola estas categorias uma das outras e não as vê sem divisões.
Dito isto e, reconhecendo as perdas decorrentes, recorreremos ao conceito
ocidental de “cosmologia” descrito por Boff (2000:49), como sendo a

“representação do mundo que nós formamos a partir de uma infinidade de


dados experimental-científicos, outros culturais, outros mitológicos, outros
estéticos, outros simbólicos, afetivos, outros místicos religiosos”.

Obviamente, percebendo a influência de todos estes fatores e, ainda, devido à


impossibilidade de trabalharmos com tantas dimensões ao mesmo tempo, para
circunscrevermos a idéia de paradigma a partir de uma visão cosmológica mais geral,
é que estamos recorrendo a Thomas Khun que, como historiador da ciência,
organizou e aprofundou algumas idéias específicas a respeito.
Em sua importante obra “A estrutura das revoluções científicas”, Khun
(1995:30) observou que os cientistas, cujas pesquisas estejam baseadas em
paradigmas compartilhados, estão sempre comprometidos com as mesmas regras e
10

padrões para a prática científica, ficando, desta forma, extremamente difícil, a


execução de mudanças paradigmáticas, principalmente no terreno da prática. Devido
a algumas semelhanças, isto terá um particular interesse para a Fonoaudiologia e para
algumas discussões deste trabalho.
Tais proposições, que serão discutidas nos próximos capítulos, demonstram,
exatamente, o diagnóstico de alguns problemas e soluções modelares para a
comunidade de praticantes da Fonoaudiologia.
Conscientes da impossibilidade de fugirmos de um atual e necessário
reducionismo em relação a todo o conhecimento, como também termina sendo o caso
da Fonoaudiologia, a comunidade científica global pode ser subdividida em diversos
sub-grupos. Boa parte destes, absorvem a mesma literatura técnica e dela retiram
muitas das mesmas lições. As fronteiras dessa “literatura-padrão”, compartilhada em
eventos e publicações periódicas, acabam por estabelecer limites e fronteiras em cada
objeto de estudo estimulando-se assim, uma uniformização de pensamento.
Para criarmos nossos objetos e entendê-los racionalmente, necessitamos de
modelos e, como somos muitos, fazendo diversos modelos em diferentes áreas, a
natureza, que é extremamente complexa e eternamente desafiante, sempre termina
por nos demonstrar a nossa incompletude. Segundo Khun (1995:171), “é difícil fazer
com que a natureza se ajuste a um paradigma”.
Para os cientistas, quantos mais colegas aceitarem um mesmo paradigma,
mais estável ele estará. Por diversas vezes, Khun (ibid.) afirma que além das
comunidades ou agrupamentos de cientistas, há também escolas nas ciências, ou seja,
aglomerados que a partir de pontos de vista incompatíveis, abordam o mesmo objeto
e apresentam entre si, um particular comportamento competitivo.
Os membros destas comunidades vêem a si próprios e são vistos pelos outros
como os únicos responsáveis por atingir objetivos comuns, como por exemplo,
manter o paradigma vigente, perpetuar as estruturas e treinar os respectivos
sucessores.

1.1 - TRANSIÇÃO ENTRE PARADIGMAS

A proliferação de teorias é benéfica para a ciência. A uniformidade de


pensamento debilita o poder crítico ameaçando até, o desenvolvimento individual.
11

Quando se exige que uma teoria nova ajuste-se à teoria aceita, preserva-se a teoria
antiga e não necessariamente a melhor (Feyerabend, 1977).
Evidentemente, o nosso esforço hermenêutico sobre a realidade
provavelmente, nunca atingirá um patamar estável por entre a soma de todos os
nossos conhecimentos provenientes do sensorial, do simbólico e do intuitivo. Desta
forma, a diversidade será sempre uma constante.
Admitindo uma visão mais ampla e unificadora do conhecimento, cientistas
de diferentes áreas tentam ordenar a multiplicidade complexa do saber científico.
Para alguns, o conhecimento científico forma uma hierarquia. Acima de todas as
teorias, estariam as que poderiam ser aplicadas em qualquer parte do Universo
conhecido. A segunda lei da termodinâmica, freqüentemente é citada como exemplo
desta condição.
A Termodinâmica, também chamada de ciência da complexidade, é a parte da
Física que estuda os processos de conservação e/ou dissipação de energia. A primeira
lei da termodinâmica afirma que a quantidade de energia total de um sistema sempre
se mantém constante. Na segunda lei, afirma-se que em todo processo, há uma
dissipação de energia transformada em calor, atrito, etc., de forma que não havendo
reposição, esta perda de energia leva a extinção do processo. Segundo esta lei, todo
sistema caminha espontaneamente de uma ordem, para uma desordem sempre
crescente (Gilbert, 1982:220; Capra, 1992:67).
Pensando em termos fonoaudiológicos, não seria difícil imaginar a nossa
adequação à termodinâmica, na medida em que nosso corpo/mente, em atividade
para a linguagem, constitui-se em um sistema aberto com trocas contínuas com o
meio ambiente. Sem as devidas reposições, nos extinguiríamos (Gleiser, 1998:217-
20). Dinamicamente, estamos sempre em atividade sim, mas quanto ao fato de
estarmos caminhando para uma desordem sempre crescente, isto, certamente, merece
aprofundamentos futuros.
Muitos cientistas e pensadores, utilizando diferentes referenciais, têm
abordado o problema dos paradigmas. De certa forma, conscientes ou não, todos nós
possuímos noções particulares e talvez seja extremamente salutar, estarmos
constantemente resignificando nossos próprios paradigmas, uma vez que, todos, ao
serem produzidos e publicados, poderiam, metaforicamente falando, conter em seu
12

bojo, também um “prazo de validade” e as suas “contra indicações” para os seus


respectivos consumidores.
Não seria difícil imaginar, por exemplo, a dificuldade de algum cientista,
identificado com sua teoria, incorporar idéias que abalem o núcleo organizador do
corpo teórico comum, sem que sofresse toda sorte de resistências, principalmente,
quando dessa base teórica, depender tanto a sobrevivência profissional quanto os
recursos financeiros institucionais para desenvolvimento de projetos científicos.
Dessa forma, torna-se um tanto difícil e árdua, por vezes, a comunicação profissional
entre diferentes grupos, sem resultar em mal-entendidos e, não raramente, conflitos
ideológicos, pessoais, institucionais ou até mesmo diplomáticos.
Diante da crescente diversidade teórica, dos inúmeros interesses político-
econômicos e dos infinitos fatores particulares, o presente questionamento sobre os
paradigmas fonoaudiológicos não estaria isento das possibilidades anteriormente
apresentadas. Falar em transição é sempre difícil, porém, inevitável. Sendo assim, a
partir desta primeira abordagem à noção de paradigma e à sua importância para o
desenvolvimento da própria trajetória humana, particularmente à Fonoaudiologia,
percebe-se que a transição de conhecimento também necessita ser constante,
competentemente avaliada e discutida.
Recorrendo à literatura fonoaudiológica que pude obter nestes últimos anos e
convivendo academicamente com alguns dos principais autores das tantas transições
que estão sendo publicadas hoje, percebi a presença de todos os aspectos
anteriormente citados, embora aqui, necessitemos elucidar apenas alguns mais
específicos. O certo é que, como cientistas e seres humanos, estaremos sempre
sujeitos a todas as influências socio-culturais de nossa época.
Segundo Khun (1995:148), a maior parte dos cientistas exerce sua atividade
solucionando quebra-cabeças e não investigando a natureza e os limites do
paradigma em que está inserido. Entretanto, na Fonoaudiologia pode-se encontrar
hoje um razoável número de publicações testando paradigmas, ou seja, lidando com
limites, questionamentos e mudanças.
Quando adotamos um referencial filosófico, político, sociológico,
psicológico, ou fundamentado em alguma outra área do saber, não é tarefa das mais
fáceis discutir os múltiplos aspectos de uma transição e no caso, o conhecimento
sobre transições do próprio conhecimento. Sendo assim, cada área do saber poderia
13

contribuir com a sua concepção particular, possibilitando uma infindável cadeia de


associações, que possivelmente, devido às dificuldades inerentes à linguagem técnica
e à própria diversidade de objetos, despertaria setorialmente, apenas o interesse focal
e particular de cada área.
Observando epistemologicamente e de forma cuidadosa, percebe-se,
historicamente, que a eleição de novos paradigmas nunca acontece em estágios,
passo a passo, sob o impacto da evidência e da lógica. O ponto específico da mutação
acontece de forma súbita, semelhante a uma conversão psicológica ou a uma
mudança de percepção entre figura e fundo. Mesmo sabendo que nenhum paradigma
satisfaz todas as nossas necessidades teóricas, as falhas e anomalias de um paradigma
dominante não são suficientes para questionar a sua validade e decretar o seu fim
(Kuhn, 1995).
A ciência existe dentro de cientistas. Pessoas possuem personalidades e
pertencem a diferentes culturas. Possivelmente existem inúmeras relações entre o
tipo de ciência e o como ela é desenvolvida, com o tipo de pessoa e cultura que a
desenvolve. Psicologicamente, também teremos que considerar que a identificação e
o apego para com as nossas próprias idéias e a nossa dificuldade em lidar com
experiências tanatológicas com o morrer, simbólico ou real, sempre despertam algum
desconforto.
A morte e o morrer ainda continuam sendo algumas das nossas maiores
incógnitas, tanto para o saber dito científico como para o conhecimento considerado
não científico. Justamente esse incômodo e o nosso estado de “ignorância” são
algumas das maiores fontes de motivação para o surgimento de novos paradigmas,
uma vez que, os anteriores também não conseguirão efetivamente, satisfazer as
necessidades humanas e as dúvidas existenciais mais íntimas sobre o fenômeno da
vida e sobre o mundo.
Admitindo que a partir desse “não saber” e vivenciando o desafio do
conhecimento diante da diversidade informacional, ao jovem cientista é cobrado,
pela própria comunidade científica, que também desenvolve a atividade de “caça de
adeptos”, um certo tipo de filiação, em que o iniciante primeiro terá que vincular-se
teoricamente a algum “grupo” pré-existente para só depois e muito raramente, poder
pensar por conta própria e assumir todos os riscos de sua “heresia rebelde”.
14

Sem dúvida, discordar do seu grupo de origem e propor novas idéias é um


comportamento de poucos. Este comportamento passa a ameaçar a pseudo
estabilidade conquistada pelos antecessores e como estamos falando de seres
humanos, sujeito a todo tipo de boicote, éticos ou não. Para algumas transformações
tanto teóricas quanto práticas, é muito comum coibir-se mudanças.
Seria interessante que se aprofundassem as possíveis relações entre o tipo de
ciência e o como ela é praticada, com o tipo de cientista, talvez nossas opções
científicas não sejam meramente casuais, isto é, certamente nossas semelhanças
estruturais, psíquicas e cognitivas, possibilitam o arranjo dos diversos tipos de
“ciências” e, consequentemente, também os tipos de grupos.
Quantas vezes nos é fácil identificar o tipo de cientista e a que grupo
pertence, apenas por seu vocabulário ou pela sua forma de se expressar? Isto talvez
revele, inclusive, a nossa necessidade de identidade e de auto imagem para nos
relacionarmos uns com os outros dentro da comunidade científica. Schnitman
(1996:11), chega a referir que estudos etnográficos identificam a comunidade
científica como “tribos” com vocabulário, práticas sociais e rituais próprios.
Analisando essa questão de um ponto de vista psicanalítico, poderíamos
acrescentar alguns conceitos sobre a idéia de transmissividade e incluir alguns
aspectos do inconsciente que demonstrariam, mais uma vez, algumas das inúmeras
dificuldades psicológicas que podem surgir durante a compreensão das transições de
paradigmas.
Os vínculos psíquicos entre as pessoas são particularmente muito importantes
para a constituição do indivíduo e de sua subjetividade. Acrescentando-se aos
inúmeros fatores internos, já descritos na literatura freudiana, o fato da inscrição do
“externo” no psiquismo individual, que vem da cultura dos grupos a que estejamos
submetidos. Referindo-se à formação da identidade de grupo, destaca-se ainda, a
possibilidade de algumas pessoas apresentarem o chamado mecanismo de
“cristalização” no qual torna-se extremamente difícil para elas, após a identificação
com algum grupo, alterar, de alguma forma, essa condição de cristalizado (Rojas,
1994).
Pode-se perceber que cientistas “cristalizados” a seus respectivos grupos
teóricos não demonstrarão interesses por mudanças paradigmáticas, a não ser que
seja de forma interna e coletiva ao seu grupo identificatório para que provavelmente,
15

não se sinta de alguma forma psiquicamente ameaçado em sua identidade e em sua


estabilidade psicológica.
Sem esquecer também do típico comportamento de ficar-se “em cima do
muro”, esperando-se o andar dos acontecimentos para poder-se decidir qual a forma
mais lucrativa de passar a pensar. Pode-se referir ainda, os comportamentos
tipicamente inconsistentes que são facilmente moldáveis a partir de boas
argumentações e vivem saltando de teoria em teoria, quase que por modismo.
Incluindo algumas possibilidades na dimensão psicológica individual para o
estudo da transição de paradigmas, não poderíamos deixar de considerar também,
que estamos sujeitos às mesmas arestas territoriais, a sentimentos conflitivos de
inveja, despeitos, complexos de superioridade, mediocridades e incompetências,
fanatismos e até mesmo, psicopatologias de toda ordem, presentes aonde quer que
estejamos. Se é assim na vida cotidiana, não seria diferente na convivência científica.
Por vezes, a essência de alguns conteúdos teóricos são relegados a segundo
plano, em detrimento de conflitos pessoais, ficando assim, o sapiens carente de
homos, ou seja, de mentes mais livres e independentes que, não compartilham do uso
da inteligência dissociada da sabedoria. Certamente, estes, dentre muitos outros
aspectos psíquicos, tenham a sua parcela de influência quando pensarmos em
transição de paradigmas científicos.
Por inúmeros e diferentes motivos, termina-se geralmente, por desenvolver
sofisticados sistemas de rejeição a novas idéias. Os resultados das pesquisas de
outros sistemas referenciais diferentes do vigente serão considerados má pesquisa
pelo simples fato de que esses resultados serão analisados sob a ótica do espectro de
possibilidades já determinadas pelo paradigma que estiver mantendo o fascínio da
comunidade científica dominante, ou seja, o paradigma “normal” no sentido de
aceito e normatizado como “ciência normal”.
Mudar idéias implica em mudar regras, mudar a prática anterior. A nova
teoria repercute inevitavelmente sobre muitos trabalhos científicos já concluídos com
sucesso, trabalhos que tiveram o aval de renomados cientistas, de instituições
importantes, em quem foram empregados muitas verbas que, possivelmente,
sustentam uma cadeia de investidores ou dão suporte a políticas públicas dirigidas
pelos que estão no poder. Como sabemos, a lógica do poder é manter-se no poder, a
16

qualquer custo. Se um paradigma está servindo a este propósito, ele não será
facilmente alterado (Khun, 1995: 25-30).
Por outro lado, aos novos paradigmas falta tudo. Não há ainda um arcabouço
teórico suficientemente desenvolvido para conquistar, de imediato, a sua validade.
Poucos aceitam vincular os seus nomes e as suas instituições. Não há concorrência
fácil de órgãos financiadores e muitos são os que se apresentam como defensores
importantes do paradigma normalizado. Utilizam-se todos os meios possíveis com o
objetivo refutar as idéias novas, uma vez que, nem todos os novos paradigmas se
mantêm e muitos acabam por cair no esquecimento. Consequentemente, a pressão
deste sistema tende a aumentar e a explodir em algum momento, demonstrando
assim, que sempre foram períodos difíceis, as transições científicas em todo o nosso
processo histórico.
Entretanto, na pós-modernidade do atual mundo globalizado e competitivo,
apregoa-se a necessidade de que profissionais, empresas e governos, possuam um
perfil criativo e tenham a extrema capacidade de responder às rápidas mudanças,
que, em efeito cascata, sempre partem dos centros geradores de conhecimento em
direção às áreas menos desenvolvidas do planeta perpetuando um histórico e antigo
sistema de exploração extrema. O conhecimento gerado fora dos grandes centros,
termina sendo reprimido na fonte. Por outro lado, poderão ser importados para os
grandes centros para serem aperfeiçoados no primeiro mundo e posteriormente
repassados, a altos custos, para os países mais pobres.
Diante de tantas e variadas possibilidades das quais apenas as descritas no
método deste trabalho poderão ser evidenciadas, falar em mudança de paradigmas
jamais será apenas um exercício cognitivo, experimental ou filosoficamente
reflexivo. Em qualquer dimensão a que uma idéia “nova e diferente” esteja
atingindo, inúmeros fatores pessoais, sociais, éticos, culturais, técnicos e político-
econômicos, dentre outros, estarão implícita e/ou explicitamente comprometendo sua
existência.
Compreendermos esta pluralidade é importante para percebermos a dimensão
e o quanto abrangente pode ser a idéia de paradigma. Teremos que dispor de uma
certa maleabilidade deste conceito para pensarmos, também, em transições
paradigmáticas. Os limites de um paradigma não são estáveis e universais, eles
podem ser diferentemente percebidos, delimitados se compreendidos.
17

CAPÍTULO 2
CONTRIBUIÇÕES DA FÍSICA

No Universo: “há movimento, mas não


existem, em última análise, objetos moventes; há
atividade, mas não existem atores; não há
dançarinos, somente a dança.”
Capra (1992: 86)

Como seres humanos, nos comunicamos, expressamos nossos desejos,


elaboramos nossos pensamentos e possuímos as necessárias condições para
percebermos o outro e interagimos com ele. Do que necessitamos para tudo isto?
Corpo? Pensamentos? Inteligência? Sempre poderemos infinitamente perguntar: de
que depende tudo isto? Historicamente, na humanidade, cada época tem proposto
suas respostas. Hoje, também possuímos as respostas do nosso tempo e como se
percebe, o tempo muda, as respostas mudam.
Entretanto, pode-se identificar um denominador comum, algo que seja e
constitua tudo que existe. A noção básica do que seja “ENERGIA” faz desta, a
matéria prima para tudo que conhecemos em seus diferentes estados, quantidades,
formas, dimensões, etc. Quer esteja condensada em forma de matéria ou em forma de
ondas, calor, luz, som, magnetismo, dentre outras, a sua essência básica será sempre
uma incógnita à nossa limitada compreensão. Existiria algo que não fosse constituído
de energia?
Refletindo apropriadamente, seria possível perceber que, como
fonoaudiólogos, também somos e necessitamos desta matéria prima em sua forma de
Som, da Voz, do Significado da Fala, da Luz das Imagens, da Matéria dos nossos
Neurônios, da Herança codificada nos Átomos do nosso DNA, dos nossos
18

Pensamentos, da nossa Inteligência, do Tempo, do Movimento, das Pessoas, das


Árvores, dos Animais, dos Planetas, de toda Ecologia e Cosmologia, de toda ordem e
de todo caos, etc.
Cientificamente, por não possuirmos uma teoria unificadora em tamanha
escala para todas estas dimensões, a Física torna-se um recurso atualmente possível
para tentarmos compreender parte da nossa realidade, devido à sua tendência de
pretender compreender e explicar como essa realidade funciona. Do como a
percebemos é que praticamos a nossa ciência e, como cientistas, os limites desta
percepção poderão influenciar diretamente o fruto do nosso trabalho, podendo então
gerar, sistemicamente, conseqüências para toda a natureza.
A Física foi, por muito tempo, considerada a ciência que mais descrevia a
noção fundamental de realidade, a fonte de metáforas para todas as ciências. Hoje,
ela demonstra indícios de reconhecer que a atual mudança geral de paradigmas nas
ciências, que se iniciou em seu íntimo, desloca-se em seu nível mais profundo para
as outras ciências da vida. Idéia adequadamente apresentada no filme de Bernt
Capra, (1990), cujo título é: O Ponto de Mutação.
A Física também está sendo preferencialmente utilizada neste trabalho
devido ao fato de que, segundo Capra (1998:29), ela foi a primeira ciência moderna
em que ocorreu a mais recente mudança radical de paradigmas. A Física ofereceu
recursos e cálculos matemáticos que proporcionaram uma nova concepção de
realidade para o mundo e para os cientistas, tendo muito a contribuir para o
pensamento científico contemporâneo e, sem dúvida, também para as disciplinas
em transição, como é o caso da Fonoaudiologia.
A história da Física revela que a sua grande crise começou na década de 20,
quando vários problemas ligados à estrutura atômica não puderam ser resolvidos a
partir dos conhecimentos newtonianos que, na época, fornecia as bases para o
paradigma científico vigente. Neste paradigma não podemos deixar de chamar à
cena a influência do filósofo, médico, físico e matemático francês René Descartes
(1596-1650) e, também, do físico, matemático, jurista e teólogo Isac Newton
(1642-1727).
Em um breve resumo histórico, pode-se constatar que o começo da ciência
moderna foi precedido e acompanhado pelo pensamento filosófico que levou o
homem a uma formulação extrema do dualismo espírito/matéria. Descartes (1976),
19

via o Universo como sendo dividido em dois reinos distintos: o da mente (res
cogitans) e o da matéria (res extensa).
Atribui-se a este autor, marco da filosofia moderna, o método de avaliação,
que utiliza o procedimento da dedução e persiste até hoje na rotina científica.
Utilizando a linguagem matemática, Descartes converteu o mundo material a uma
imensa máquina. Para ilustrar sua idéia usou como exemplo a imagem de um relógio.
Diante de qualquer defeito neste “relógio”, ou seja, no mundo, bastaria trocar a peça
defeituosa (Descartes, 1976:75). Dessa forma, nasce o reducionismo que viria a
nortear toda a ciência ocidental.
Por outro lado, em defesa do quanto se utiliza a idéia de segmentação oriunda
de Descartes, Souza (1998:24-25) lembra, apropriadamente, que os cientistas que
sucederam “o mestre” (Descartes) negligenciam a concepção de unidade cartesiana
ligada à imagem de Deus, tão presente em seus escritos e referendado com destaque
para toda a filosofia científica. A imagem divina surge como a do criador da mente e
da matéria, além de ser Ele (Deus) o inspirador do homem, entendido como um ser
que estava conseguindo compreender racionalmente toda a ordem natural. Na
compreensão da época, segundo Souza (ibid.), é como se Deus tivesse criado os
corpos, a força de gravidade e as leis fixas e imutáveis e, Newton as estivesse
decifrando.
Se foi nos sonhos do dia 10 para o dia 11 de novembro de 1619, com 23 anos
de idade, que Descartes percebeu a possibilidade de criar a ciência “definitiva”
utilizando a matemática, foi acordando de um sonho, quando uma maçã caiu em sua
cabeça, que Newton teria seu famoso insight despertando para a lei da gravidade.
Não sendo filósofo, este físico inglês nasceu 23 anos após os sonhos reveladores de
Descartes e teve a interpretação de sua obra como base filosófica no século XVII.
Sob a influência deste recortado referencial dito racionalista, Newton
desenvolveu a sua famosa Teoria Mecânica, que foi o principal fundamento da física
clássica. Nela, o mundo era entendido como um conjunto de partes isoladas e
independentes, regidas por leis previsíveis numa dimensão de tempo linear. Em seu
conceito de tempo, ele se deslocaria do passado, percorreria o presente e se
direcionaria para o futuro. Um sentido direcional também chamado de “flecha do
tempo” (Grof,1987:12-13; Capra,1998:34).
20

Stewart (1991:15), comenta que Newton também se referia ao universo como


uma máquina. Nesta visão, uma máquina é acima de tudo previsível e “sob condições
idênticas fará coisas idênticas”. Segundo este autor, os cientistas do século XVII e
XVIII foram compelidos a pensar assim, diante de um universo tão cheio de
encantamentos e surpresas.
Souza (1998:25-26) afirma que as proposições de Newton sobre a
movimentação dos corpos na imensa máquina do Universo já mencionada por
Descartes, só vieram a comprovar ainda mais a decodificação teórica newtoniana.
Segundo este autor, “Newton acrescentou ao método dedutivo matemático definido
por Descartes, a indução.” Isto significa que para uma teoria científica ser
considerada verdadeira, ela precisa ser comprovada por experimentos e justificada
por intermédio da matemática.
Torna-se importante então, esclarecer que o termo newtoniano-cartesiano que
será por diversas vezes utilizado neste trabalho deverá ser entendido como
representante de uma percepção da realidade, entendida como composta por
inúmeras partes separadas, independentes umas das outras e regidas por leis fixas.
No decorrer dos acontecimentos, foi em 1920, após o modelo da Física
newtoniana, que surgiu a Física Quântica(2). Considerada uma das mais radicais
revoluções paradigmáticas na ciência, a Quântica pode ser caracterizada como o
campo de especialização da Física que se dedica a estudar a estrutura interna dos
átomos e pode ser considerara, também, como um verdadeiro marco na história da
ciência ocidental.
Seguindo a sua evolução natural mais recente, a Física volta-se para discutir e
aprofundar as noções de tempo. Ilya Prigogine, em sua importante obra “O Fim das
Certezas”, apresenta uma série de complexas formulações a partir de novos
paradigmas na Física, que quebram a simetria entre passado e futuro que a física
newtoniana afirmava.
Segundo Prigogine (1996:11), “O desenvolvimento espetacular da física de
não-equilíbrio e da dinâmica dos processos dinâmicos, instáveis associados à idéia
de Caos força-nos a revisar a noção de tempo...” . Para este autor, a irreversibilidade
não parece um fenômeno tão simples. Ela está sendo identificada na base de um sem-
número de fenômenos novos.
21

Desta forma, pode-se concluir que, diante da presença da instabilidade, nada


garantiria a repetição de coisa alguma, inclusive a do tempo. Para Prigogine, foi a
instabilidade que possibilitou o surgimento da vida, “nesta concepção o tempo não
tem início e provavelmente não tem fim”.(p.13)
Ao referir-se à questão do tempo e do determinismo, este autor lembra que os
aspectos relacionados à previsibilidade do tempo vindo do passado, percorrendo o
presente e direcionando-se para o futuro, estão no centro do pensamento ocidental
desde a origem do que chamamos de racionalidade, situado ainda na época pré-
socrática. Pensava-se anteriormente que, se fossem dadas situações iniciais
apropriadas, esta compreensão sobre o direcionamento do tempo garantiria a
previsibilidade do futuro e a possibilidade de retroceder ao passado.
Prigogine (1996:12-13), afirma que “desde que a instabilidade é
incorporada, a significação das leis da natureza ganha um novo sentido. Doravante,
elas exprimem possibilidades.” Para este autor, hoje não se tem apenas leis, mas
também muitos eventos que não são dedutíveis das leis. Eles simplesmente surgem,
ficando para nós apenas as infindáveis análises das possibilidades conceituais.
Estamos diante da seguinte situação: tomamos consciência de que, como
seres humanos, não sabemos de que substância somos feitos. Não percebemos a
dimensão e nem as infinitas variáveis que atuam na parte da realidade que a nossa
limitada cognição percebe. Não sabemos das nossas exatas origens nem dos exatos
caminhos da nossa evolução. Sendo assim, como pensar em previsibilidade e em
certezas? Poderíamos até, coletar e expor a opinião de todos os autores que escrevem
sobre isto e, mesmo assim, não sairíamos da condição de “ignorar”.
Como pudemos vislumbrar, a questão dos novos paradigmas na ciência é tão
complexa que para amenizar tal situação diante da consciente incerteza que domina
os meios acadêmicos mais atualizados, Capra (1998:49-50) nos esclarece que a
ciência nunca pode nos fornecer uma compreensão completa e definitiva. Lida-se
sempre com descrições limitadas e aproximadas mas, “o fato de que podemos obter
um conhecimento aproximado a respeito de uma teia infinita de interconexões é uma
fonte de confiança e de força.”
Por não ser necessário um aprofundamento destas questões e diante das tantas
cogitações possíveis, teremos que trabalhar com o que dispomos, mesmo que seja um
conhecimento mutante, sabiamente aproximado e probabilístico. Diante da infinita
22

complexidade do Universo, todas as nossas certezas virariam apenas probabilidades?


Em sua área de estudo, Prigogine afirma já conseguir demonstrar isto.
Desta forma, o que cada especialista teria a dizer da sua respectiva área?
Particularmente, como fonoaudiólogos, ainda não há uma disponibilidade teórica
para tanto. Mas, penso ser provável algo semelhante ocorrer também com a
Fonoaudiologia.
Em suma, a evolução natural destas idéias, apesar de não necessitarem ser
pormenorizadas neste trabalho, estão direta ou indiretamente influenciando inúmeras
outras teorias dentro da Física que certamente, abalariam qualquer estudo sobre
paradigmas, como por exemplo, podemos citar a teoria do Caos(3), o modelo
Fractal(4), a teoria Inflacionária(5) ou ainda, a teoria Holográfica(6) dentre outras,
todas podendo ser relacionadas à Fonoaudiologia em futuras pesquisas.
Diante de tantas possibilidades, pode-se, a partir de Capra (1994:11-13;
1998:48-50), afirmar que do ponto de vista da Física uma das principais mudanças
do pensamento científico contemporâneo é a noção de que em qualquer sistema
complexo a dinâmica do todo poderia ser compreendida a partir das propriedades das
partes. O Universo era percebido como um conjunto de partes isoladas. Hoje, as
propriedades das partes no Universo só podem ser entendidas a partir da dinâmica do
todo.
De acordo com o referido autor, pensava-se que na natureza havia estruturas
fundamentais e também, que havia forças e mecanismos por cujo intermédio estas
estruturas interagiam, dando assim, nascimento ao processo. No novo paradigma
científico, cada estrutura é vista como manifestação de um processo subjacente. Toda
teia de relações no Universo é intrinsecamente dinâmica.
Pensava-se também, que as descrições eram objetivas, isto é, independentes
do observador humano e do processo de conhecimento. A idéia do conhecimento
como construção – leis fundamentais, princípios fundamentais, etc. – tem sido usada
na ciência e na filosofia ocidentais por milênios. Durante as transições conceituais
dentro da Física, sentiu-se que os alicerces do conhecimento estavam se
desagregando.
Formulou-se então, a idéia de rede, devido à percepção da realidade como
uma rede de relações interconexas em que a existência está condicionada às
23

múltiplas relações, representando os fenômenos observados sem hierarquias nem


alicerces.
Ao final desta breve apresentação de perspectivas da Física e sua imensa
dimensão de conteúdos para um estudo de transição de paradigmas na ciência, torna-
se apropriado, após tal contextualização mais geral, especificar o nosso foco de
interesse para continuar a desenvolver as principais idéias deste trabalho.
Além da noção de que não existe nada em separado, que tudo mantém
contínuas relações, na análise da transição de paradigmas da Fonoaudiologia
priorizaremos o conceito de interconexidade utilizado pela Física. Este item
específico apresenta uma significativa expansão que viaja da Física para outras áreas
do conhecimento que, conscientemente, está sendo devidamente adaptado para outras
áreas do saber como um operador conceitual.
Segundo Prigogine (1996:11), os novos conhecimentos da Física são hoje,
“amplamente utilizados em áreas que vão da cosmologia até a ecologia e às ciências
sociais, passando pela química e pela biologia.” Sobre a possível migração de
conceitos entre disciplinas, podemos nos reportar a Edgar Morin, um dos seus
principais defensores. Em sua famosa publicação “Introdução ao pensamento
complexo” Morin (1990:169) apresenta as seguintes idéias:

“Os conceitos viajam e vale mais que viajem. É melhor que não viajem
clandestinamente. E também é bom que viajem sem serem detectados pelos
fiscais da alfândega! Com efeito, a circulação clandestina dos conceitos tem,
apesar de tudo, permitido às disciplinas evitarem a asfixia e o
engarrafamento. A ciência estaria totalmente engarrafada se os conceitos
não migrassem clandestinamente.”

Por outro lado, muito apropriadamente nos lembram Sokal e Bricmont


(1999:18), que ao falarem da dificuldade em importar conceitos entre diferentes
áreas científicas, muitas vezes o desconhecimento teórico e terminológico de uma
área poderá provocar as chamadas “imposturas intelectuais” ao tentarmos aproximar
conteúdos distintos entre a Física e demais outras ciências ou áreas do conhecimento.
Niels Bohr, um dos principais físicos responsáveis pela transição de
paradigmas na área quântica, comentando sobre a relação indispensável entre
disciplinas diferentes, afirma que, em sua própria experiência, essas relações,
24

“ implicam uma ligação geral que é importante para o problema da unidade


do conhecimento. Com efeito, a aplicação do arcabouço conceitual não
apenas serviu para restabelecer a ordem nos respectivos ramos do
conhecimento, como também revelou analogias em nossa postura com
respeito à análise e à síntese da experiência em campos aparentemente
distintos do conhecimento, sugerindo a possibilidade de uma descrição cada
vez mais abrangente.” Bohr (1995:85-86).

Desta forma, para fundamentar uma utilização “legalizada” de alguns


operadores da Física em relação à Fonoaudiologia, torna-se necessário uma
fundamentação em alguns conceitos básicos desenvolvidos pela Física para que
compreendamos a coerência da transposição analógico-interconexa que será utilizada
neste trabalho na forma de operadores conceituais.
Para que o conceito de interconexidade fosse estabelecido, pode-se
resumidamente, dizer que dois outros conceitos, também originados da Física,
compartilham de sua gênese. São eles, a função ondulatória e o conceito de ordem
implícita. No sentido de apoiar a compreensão da percepção da realidade como sendo
algo unificado e indivisível, é que estamos recorrendo a estes referenciais.
São desnecessárias explicações técnico-científicas aprofundadas na área da
Física. É importante compreender que quando a percepção newtoniano-cartesiana era
o paradigma dominante da Física, percebia-se o mundo como composto por partes
isoladas regidas por leis fixas e estáveis. A mudança desta estabilidade paradigmática
surge com os pressupostos da Física da década de 20.
O conceito de função ondulatória dos elétrons faz cair por terra a
compreensão newtoniana para a dimensão atômica. Estudando-se a intimidade dos
fenômenos sub-atômicos, foi percebido que as partículas apresentavam outras
características que não as newtonianas.
Na verdade, um simples elétron não se constituía em um corpo separado
circulando ao redor de um núcleo regido por leis de rotação e translação, estáveis e
previsíveis. Ele apresentava o duplo comportamento, imprevisível e simultâneo, de
ser uma onda e uma partícula ao mesmo tempo (7). A realidade começava a parecer
assim, diferente da imaginada, não sólida, imaterial e imprevisível.
Da mesma forma, o conceito de ordem implícita também vai antagonizar-se
ao modelo newtoniano-cartesiano, na medida em que não vê partes e nem vê
25

independência. O Físico David Bohm, em sua famosa obra “A Totalidade e a Ordem


Implicada” aborda, apropriadamente este tema afirmando que,

“ a palavra ‘implícito’ vem do verbo ‘implicar’ que significa ‘dobrar para


dentro’ (assim como a multiplicação quer dizer dobrar muitas vezes).
Portanto, podemos ser levados a explorar a noção de que, num certo sentido,
cada região (do universo) contém uma estrutura total ‘envolvida’ ou
‘dobrada’ dentro dela” (Bohm, 1998:200).

Para compreendermos que em todo o Universo a parte está contida no todo


assim como o todo está, de alguma forma, contido nas partes, este autor tenta facilitar
a compreensão dos que não lidam com a Física através de uma analogia simplificada.
Bohm (ibid.) apresenta a idéia de uma ordem implicada em uma simples
transmissão de TV. Para ele, o monitor desdobra a imagem que lhe chega em forma
de onda de rádio, ou seja, a onda de rádio transporta a imagem visual numa ordem
implicada. A função do receptor (aparelho de TV) será apenas explicar a ordem
implícita, ou seja, “desdobrá-la” na forma de uma nova imagem visual.
Desta forma, se pudéssemos, apropriadamente, desdobrar qualquer parte do
Universo, poderíamos “tê-lo” novamente? Ou, em essência, não existem partes?
Penso ser extremamente fecunda, a idéia da “não divisão” a partir da possibilidade de
sermos realmente, um todo único indivisível.

2.1 - A INTERCONEXÃO

De acordo com a Física, as nossas partes mais íntimas, as chamadas partículas


subatômicas, não têm significado enquanto entidades isoladas. Elas só podem ser
entendidas como interconexões ou correlações entre vários processos.
Capra (1998:41) explica esta questão afirmando que

“as partículas subatômicas não são ‘coisas’, são interconexões entre coisas,
e estas, por sua vez, são interconexões entre outras coisas, e assim por
diante. Na teoria Quântica, nunca acabamos chegando a alguma ‘coisa’;
sempre lidamos com interconexões.”

Continua este autor, referindo que, da mesma forma, não se pode decompor o
mundo em unidades elementares, que existam de maneira independente. Na
26

composição mais íntima de tudo que existe, a natureza não nos mostra blocos de
construção isolados mas, em vez disso, temos uma complexa teia de relações entre
várias partes de um todo unificado; o mundo parece assim, um complicado tecido de
eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam, se sobrepõem ou se
combinam e, por meio disso, determinam a textura do todo indivisível que será
regido por uma ordem implícita.
Na compreensão desta ordem implícita, será necessário percebermos que se
todo o Universo é entendido como único, o que rege uma “parte” será também, o que
rege o todo. Tudo que acontece atinge o todo e, este mesmo todo deverá estar
consciente de tudo simultaneamente, uma vez que não há divisões nem separações.
Tudo que percebemos como “partes” estará em constante interconexão.
Capra (1991:26), utilizando o conceito de interconexão numa dimensão
ampliada e procurando entender o mundo de uma forma não segmentada, realiza uma
junção entre a Física teórica e a vida cotidiana. Ele afirma que

“a crença de que todos esses fragmentos - em nós mesmos, em nosso


ambiente e em nossa sociedade - são efetivamente isolados, pode ser
encarada como a razão essencial para a atual série de crises sociais,
ecológicas e culturais. Esta crença tem nos alienado da natureza e dos
demais seres humanos gerando uma distribuição injusta de recursos naturais
e dando origem à desordem econômica e política, a uma onda crescente de
violência (espontânea e institucionalizada) e a um meio ambiente feio e
poluído, no qual a vida não raro se torna física e mentalmente insalubre.”

Desta forma, o conceito de interconexão passa a se expandir do micro para o


macro cosmo atingindo a tudo que existe e compõe o Universo. Nada estaria isolado
sem estar em infinitas relações ou independente. A idéia de Universo e corpo único
passa a ser um dos princípios básicos da existência. Sob um certo sentido, 1 (um)
seria, então, o único número possível.
Sobre a possibilidade de se pensar em qualquer divisão em alguma parte do
todo, que é o Universo, Capra (1994:83) expressa adequadamente esta possibilidade,
afirmando que

“O fato decisivo é que, todas as vezes que você delineia uma parte e a separa
do restante, você comete um erro. Você isola do todo algumas das
interligações física ou conceitualmente, e diz: ‘Isto agora é o que eu chamo
27

de parte’. Sei que ela está ligada deste e daquele modo ao resto, mas não
posso levar em consideração todas essas ligações , pois isso se torna
complicado”. Por isso elimino algumas delas no processo de delinear a
parte.” (Sem grifo no original)

Devido às nossas limitações perceptivas diante do todo, deveremos entender,


neste trabalho, que tudo que existe (macro e micro cosmo) estará continuamente em
infinitas conexões, ou seja, interconexões.
Qualquer bloco deste todo que seja identificado pela nossa mente, isto é,
partículas, átomos, moléculas, substâncias, células, tecidos, órgãos, pessoas,
sociedades, ecossistemas, sistemas planetários, etc., deverá ser entendido como
apenas uma delimitação de alguma região deste todo indivisível.
Cada região só será percebida pelos nossos sentidos devido ao fato de ela
estar em nosso espectro perceptivo (com ou sem auxilio de equipamentos) e possuir
um movimento diferente do que está a sua volta. Uma mesma substância, ou seja a
ENERGIA, comporia a tudo e seria a matéria prima fundamental.
A quantidade desta matéria prima, sua distribuição, seus movimentos, sua
direção ou qualquer propriedade que venhamos a identificar dela será a condição
para a ilusão sensório-intelectual de pensarmos que existam partes distintas e
separadas no Universo.
Uma pessoa seria apenas uma pessoa distinta de um animal, de uma árvore ou
de uma pedra, mas se questionarmos onde começa e onde termina um ser humano,
veremos que as fronteiras podem ser quase invisíveis se utilizarmos o referido
conceito de interconexão.
Para uma pessoa existir, ela necessitou da genética e da sobrevivência de
todos os seus ancestrais, que por sua vez, necessitaram de toda matéria ingerida e
expelida de um ecossistema que suportasse todas estas trocas, de um planeta com
temperatura e gases estáveis em um sistema planetário harmônico numa galáxia que
protegesse tais condições durante um período de tempo suficiente, que por sua vez,
também, necessitou de inúmeras condições para desenvolver-se entre bilhões de
outras galáxias, etc., etc., etc...
Torna-se extremamente interessante e necessário para a natureza deste
trabalho, ver alguns exemplos de como disciplinas distintas podem ser coerentemente
associadas para a compreensão de fenômenos antes pouco compreendidos. Tal
28

contextualização auxiliará uma visualização do conceito de inteconexidade nas


transições paradigmáticas da Fonoaudiologia.
O neurofisiologista Karl Pribram, da Universidade de Stanford, autor do
clássico livro de neurofisiologia “Language of the brain”(8) e o físico David Bohm,
da Universidade de Londres e discípulo de Einstein, o formulador da teoria da
relatividade(9), partiram dos princípios da Física que geraram o conceito de
interconexidade e chegaram à noção holográfica. Apesar de estarem em áreas
científicas diferentes, ambos se convenceram das mesmas possibilidades quanto ao
modelo holográfico.
O Dr. Bohm, após anos de insatisfação com os modelos teóricos que
tentavam explicar diversos fenômenos encontrados na Física Quântica e o Dr.
Pribram, diante dos diversos enigmas neurofisiológicos que estava estudando, ao
lidarem com uma visão de realidade em que tudo seja e esteja interconexo regido por
uma ordem implícita universal, concluíram que os nossos cérebros constroem
matematicamente a realidade concreta, interpretando padrões de freqüências
provenientes de muitas dimensões. O cérebro seria um Holograma(10) interpretando
um Universo holográfico.
A princípio, seria muito enigmático tentar entender tais afirmações sem os
conceitos de interconexidade e ordem implícita. Percebe-se que, se tudo está em
interconexão, o nosso cérebro não existiria como parte isolada no Universo. Se tudo
está regido por uma ordem implícita o nosso cérebro também estaria regido pela
mesma ordem. Relembrando Bohm, qualquer “parte” do Universo o conteria
implicitamente.
Logo, o nosso cérebro interpreta padrões de interferência provenientes de
muitas dimensões (presente, passado e futuro) de forma limitada a partir de seus
sentidos, sua capacidade de memória, sua imaginação e sua consciência.
Com relação a este último item, consciência, quero ressaltar um último
exemplo útil às associações futuras neste trabalho. Refiro-me às pesquisas do
psiquiatra americano, o Dr. Istanislav Grof, do psicólogo brasileiro o Dr. Leo Matos
e às pesquisas do médico indiano o Dr. Deepak Chopra. Todos particularizam em
suas áreas de estudo, o conceito de interconexidade.
Utilizando os mesmos conhecimentos oriundos da Física, estes pesquisadores
concordam com os estudos na área da percepção holográfica e adaptam estes
29

referenciais em suas práticas terapêuticas. Em sua importante obra “Além do cérebro


- nascimento morte e transcendência em psicoterapia”, Grof (1987:21-23)
desenvolve e exemplifica diversas condições em que a interconexidade e a ordem
implícita fazem com que a memória cerebral seja proporcional à memória de toda a
espécie e de todo o Universo. O mesmo acontece com a consciência(11), ou seja, na
consciência dita humana, estaria também a mesma consciência implícita do
Universo.
Matos (1987:38), também adota o conceito de interconexidade. Em seu livro
“Drogas ou meditação”, ele explica a dimensão transpessoal da consciência: “o
termo transpessoal conota um ou vários estados de consciência que transcende o
conceito da pessoa ou a idéia de ego.” Segundo este autor, nos diversos estados que
podem ser atingidos pela consciência humana, freqüentemente transpõe-se os limites
se separação que a pessoa impõe a si mesma em relação ao espaço e ao tempo.
No estado transpessoal, a consciência ultrapassa os limites do “ego” humano
pessoal e percebe-se como qualquer uma outra forma de vida em qualquer tempo
(presente, passado ou futuro). É comum o relato de estados de unicidade com o
Universo e experiências transcendentes que podem ser integradas naturalmente à
vida cotidiana ou desencadear estados de desequilíbrio psíquico.
Finalmente em Chopra (1991:83-84), encontramos o relato da utilização do
processo PET tomográgfico(12), que permite observar o cérebro holograficamente
enquanto ele está pensando. Segundo este autor, com este processo pôde-se provar
que enquanto o cérebro está ativo, como numa sensação de dor ou em uma intensa
lembrança, observa-se moléculas girando não em um ponto específico mas, em
diversos pontos simultaneamente.
Acrescenta ainda que não só no cérebro há modificações, mas, no corpo todo,
devido “às cascatas de neurotransmissores e moléculas afins” que estão interconexas
ao cérebro, como se o corpo todo fosse uma unidade sem divisões. Este autor chega a
questionar se, na verdade, nosso corpo material é que conseguiu desenvolver
pensamentos, ou seríamos pensamentos que conseguiram montar uma máquina
orgânica(13).
Com este necessário e breve relato de apenas alguns autores que estão
metabolizando alguns dos mesmos operadores oriundos da Física utilizados neste
30

trabalho, espero ter denunciado a importância dessa temática para o desenvolvimento


científico de modo geral, e em especial, para o cientista que estuda a linguagem.
A Física, também tem desenvolvido pesquisas na área de linguagem. Como
exemplo, podemos citar ainda, os estudos liderados por David Bohm ao tentar
desenvolver uma forma de comunicação que expresse a unicidade. Segundo Bohm
(1998:12), a nossa linguagem sendo segmentada (sujeito-verbo-objeto) por si só, já
efetua a fragmentação do pensamento, dificultando a compreensão e a vivência de
uma realidade não fragmentada.
Para solucionar este problema, Bohm refere também, estar desenvolvendo o
Reomodo (modo fluente) que se constitui em um novo modo de utilizar a linguagem,
abrindo caminho para que a consciência e a realidade não estejam separadas uma da
outra.
Na linha extrema deste modo de pensar, encontramos as idéias de
Skolimowski (1995:104), que entende a linguagem como parte da trama da evolução,
Segundo o autor, a linguagem “... foi entrelaçada nos fios da evolução em certo
ponto de seu desenvolvimento. Ela desaparecerá desse enredo em um outro ponto da
evolução em expansão...”. Logo, a evolução natural do Universo nos levaria a um
período pós-lingüístico e até mesmo, possivelmente, pós-cognitivo, caso o processo
evolutivo tenha sua continuidade e transcenda-se às condições atuais.
Embora muito distante, este estado de transição, contemporaneamente, já está
sendo abordado por diversos autores. Horgan (1998), por exemplo, em seu livro “O
fim da ciência “, reúne a opinião de diversos autores na área da Física, Filosofia,
Matemática, Psicologia, Biologia, etc. e discute os limites do conhecimento
científico e da Filosofia. Muitos destes autores concordam que a ciência e a Filosofia
poderão ter um fim.
Sem dúvida, após vislumbrarmos a dimensão destes exemplos, pode-se
perceber que ainda há muito para ser pesquisado com base nas noções de
interconexidade e ordem implícita, tanto dentro quanto fora dos supostos limites
entre a Física e as outras disciplinas.
Sob a influência dos referenciais expostos, os conceitos de parte e todo
ganham uma nova utilidade. A noção de “Parte” ainda nos será muito útil, por causa
do consciente reconhecimento das nossas limitações cognitivas e associativas diante
31

da infinitude do “Todo”. Mesmo diante da compreensão da interconexidade,


prevalecerá a nossa “inevitável” percepção segmentada sobre a realidade.
Afirmar que alguma coisa não possui relações com alguma outra, significará,
presumivelmente, que o autor desta afirmação apenas desconhece quais seriam as
inúmeras relações. A noção de observador que não seja um participante influenciador
do que observa, passa a ser melhor compreendida a partir do conceito de
interconexidade, ou seja, não existe observador e sim participante.
Portanto, uma compreensão intelectual destes pressupostos associada a uma
experimentação real cotidiana, gerará níveis progressivos de percepção sobre a
realidade e, conseqüentemente, níveis mais elevados de consciência no sentido de
percepção da unidade entre todas as coisas.
Ao final deste capítulo ao fazermos uma abordagem operacional sobre alguns
pontos ligados à Física, longe de dogmatismos acadêmicos ou de inferências
indevidas, esperamos ter deixado claro, com a sinopse dos autores aqui apresentados,
uma compreensão e a dimensão que poderá ser atingida com o termo “interconexo”.
Este termo, que será diversas vezes utilizado neste trabalho servirá, repito, como um
operador conceitual que porta a intrínseca idéia de relações entre diferentes áreas (ou
partes) dentro de um organismo que é único (o Universo).
Se pudéssemos fazer uso de uma percepção não segmentada da realidade, o
termo interconexo seria aplicável apenas para diferentes campos do todo indivisível.
Entretanto, como não dispomos de uma percepção da realidade em que não existam
partes, o termo interconexo estará, ligando e associando as partes que, agora
conscientemente, dividiremos da realidade.
Deste momento em diante, podemos, mais confortavelmente, compreender as
possíveis interconexões da linguagem com todas as dimensões do Universo. Tal
compreensão será necessária para as discussões ao final do trabalho.
32

CAPÍTULO 3
APRESENTAÇÃO COMENTADA DO MATERIAL

“O que observamos não é a natureza em si,


mas a natureza exposta ao nosso método de
investigação”
Heisenberg (apud. Paty, 1995:147)

A apresentação dos recortes na literatura científica que se segue estará sendo


exposta e desenvolvida da seguinte forma: as duas primeiras publicações
apresentaram casos clínicos e, após a exposição destes, identificaremos suas
caraterísticas paradigmáticas particulares a partir dos principais conceitos que foram
desenvolvidos no capítulo sobre paradigmas.
Com este mesmo padrão, seguiremos enfatizando as principais idéias de cada
conjunto de publicações que indiquem alguma estabilidade ao modelo que estiver
sendo utilizado em cada conjunto do material. Sucessivamente, iremos apresentando
outras publicações que demonstrem diferenciações e/ou acréscimos às
caracterizações paradigmáticas das publicações antecedentes. De forma
complementar, seguem alguns comentários e reflexões em sintonia com os objetivos
do trabalho, realizados pelo próprio autor da publicação ou por outros que estiverem
utilizando os mesmos referenciais paradigmáticos.
Após as exposições comentadas, apresentaremos um quadro resumo que
ordenará as tendências que forem observadas nas transições de paradigmas da
Fonoaudiologia. Observar sintética e ordenadamente uma visão global de tendências
entre pontos iniciais e direcionamentos emergentes na Fonoaudiologia, facilitará a
percepção das transições assim como as múltiplas interconexões. Isto viabiliza um
aprofundamento no processo de discussões gerais ao final do trabalho.
33

3.1 - PRIMEIRA PUBLICAÇÃO - CASO CLÍNICO N-1

Esta primeira publicação será o recorte de um relato de atendimento


fonoaudiológico que estará enfocando um paciente adulto, com distúrbio de
compreensão por afasia de Wernicke. Segundo Parente e Tiedman (1989:13-16),

“o paciente era um senhor de 54 anos, solteiro do sexo masculino,


etilista crônico, levou um tombo, batendo a cabeça. Anteriormente ao
acidente era taciturno, só falava português tinha nível de escolarização
superior e utilizava-se da escrita em seu trabalho, tendo publicado em
revistas especializadas de sua profissão.”

Em seguida, os autores passam a descrever dados da tomografia cerebral


referindo que este paciente,

“apresentou três coágulos no cérebro, sendo feita uma trepanação


no dia seguinte. A tomografia e a ressonância magnética pós-cirúrgicas
mostraram uma lesão frontal e outra temporal no hemisfério esquerdo, e
também uma pequena lesão temporal no direito”.

Após esta breve descrição, os autores passam a relatar os resultados de sua


avaliação explicando a utilização do teste Beta MT-86. Dentre outras características,
este teste solicita a nomeação de figuras, de números, repetição de palavras, de
frases, leitura de palavras e discriminação auditiva:

“Nas provas de designação de figuras sob comando oral acertou


todas tarefas de designação de figuras a partir de palavras isoladas, frases
intransitivas e frases com componentes espaciais ( ex: o gato está em cima da
cadeira ) (...) A nomeação de figuras foi muito falha: das trinta figuras
nomeou 28 com neologismos sem qualquer relação com o estímulo (...) o
paciente conseguiu repetir três palavras corretamente e em outras duas, além
da repetição correta, acrescentou sílabas (...) Na leitura de palavras
apresentou três acertos, outros três após correções e um acerto com
acréscimos. Apresentou duas trocas semânticas e das 21 trocas fonêmicas, 13
eram permutações, 4 permutações com correção, uma perseveração com
troca fonêmica e uma com aproximações, uma troca fonêmica simples e um
acréscimo silábico...”
34

Após as descrições do processo terapêutico em que foi utilizado “o


desenvolvimento do mecanismo perceptual da forma auditiva”, os autores relatam
que

“O estudo do caso aponta uma dificuldade perceptual seletiva que


manteve o processo de constância de forma auditiva, apesar de algumas
vezes ineficaz, mas perdeu decodificação fonêmica essencial à obtenção do
significado adequado. Desta forma ele não percebe seus neologismos, mas já
consegue perceber sua emissão quando corresponde ou se aproxima de uma
palavra da língua.”

3.1.1 - CARACTERÍSTICAS PARADIGMÁTICAS DA PRIMEIRA


PUBLICAÇÃO

Identificando as bases norteadoras desta intervenção, pode-se perceber que


neste tipo de situação há uma precisa preocupação em quantificar e classificar a
linguagem (trocas semânticas, fonêmicas, neologismos...). O material de teste trazido
à cena (teste Beta MT-86) é um material pré-fabricado (já está pronto) aplicado com
o objetivo de obter, prioritariamente, quantificações sobre “erros” no desempenho.
A pessoa atendida, com pouco investimento no relacionamento intersubjetivo
(terapeuta-paciente), é descrita e chamada de “paciente” à semelhança do modelo
médico. Sobre o paciente, são apresentados inúmeros dados clínicos cerebrais
(Tomografia e ressonância magnética) pré e pós cirúrgicos.

3.2 - SEGUNDA PUBLICAÇÃO – ÁREA ESCOLAR

Esta publicação é um estudo publicado na revista Pró-Fono, realizada por


Bergamo et al. Segundo as autoras, ao pretender estudar a história de
desenvolvimento de um grupo de crianças com queixas de dificuldade escolar e/ou
no aprendizado da leitura e escrita, realizaram uma análise do registro das
informações contidas em anamneses de 30 prontuários de escolas de primeiro grau,
da rede pública, aplicados em escolares de ambos os sexos, numa faixa etária de 6 a
12 anos e 3 meses de idade, com graus de escolaridade, variando de 1ª à 4ª séries do
Primeiro Grau.
35

Estes prontuários continham avaliações realizadas por fonoaudiólogas


pertencentes ao serviço ambulatorial do Hospital São Paulo (UNIFESP-EPM). As
autoras afirmam que para diagnosticar uma criança com dificuldades de
aprendizagem, é necessário um estudo dos múltiplos aspectos que interferem no
desenvolvimento da criança.
Metodologicamente, Bergamo et al. (1999: 90-93) relata que:

“desprezamos os prontuários que continham relatos de crianças que


freqüentavam escola especial, crianças que apresentavam diagnóstico
etiológico de encefalopatia crônica infantil não-evolutiva (ECINE) e também
prontuários de crianças que freqüentavam escolas normais e que, segundo
informações registradas, não foram capazes de realizar as provas de leitura
e escrita tornando-se impossível a obtenção de informações sobre suas
dificuldades específicas.
Estudamos também os relatos dos comportamentos observados nos
pacientes, bem como aspectos indicativos de alterações encontrados nas
provas escritas, que eram comuns à maioria dos prontuários.”

Os demais aspectos importantes foram as informações das anamneses que


indicavam alterações sobre a gestação, parto, desenvolvimento motor e de
linguagem, comportamento auditivo e psíquico, fala e voz. Consideraram como
presença de alterações nas informações gestacionais, relatos sobre a ocorrência de
fatores de risco para a gestação: o uso de medicamentos, exposição à radiação e a
produtos químicos, incompatibilidade de fator Rh, doenças como caxumba,
toxoplasmose, rubéola, gripe, herpes, sífilis, citomegalovírus, além de sangramentos,
anemia, diabetes, hipertensão e amniocentese.
Em relação ao parto, foram reunidas informações sobre a ocorrência de pré e
pós maturidade, a necessidade de indução de trabalho de parto, a ruptura prematura
de membranas, a presença de sangramentos, dados de cianose perinatal, peso inferior
a 1500g e Apgar baixo.

Sobre o desenvolvimento motor:

“consideramos apenas as informações sobre a idade em que a criança


começou a andar e quanto ao desenvolvimento da linguagem, foi considerado
apenas o início de produção da fala de cada criança.”
36

Sobre a audição:

“Denominamos aspecto do desenvolvimento auditivo, todas as informações


relatadas quanto à ocorrência de otites de repetição com e sem purgação e
uso de medicamentos ototóxicos.”

Sobre o aspecto psíquico:

“Para o comportamento psíquico, agrupamos informações quanto às


relações de dependência da criança, de agressividade, de agitação, de
inquietude, de medo, de insegurança, a presença de sono agitado, de enurese
noturna e hábitos de sucção digital e/ou chupeta.”

Quanto à fala:

“Coletamos informações cobre a presença de omissões, substituições,


adições e distorções fonêmicas durante a emissão oral das crianças.”

Quanto à voz:

“Reunimos informações sobre a ocorrência de rouquidão, soprosidade,


baixa intensidade vocal, alterações da ressonância, qualidades vocais
inadequadas à idade (excessivamente aguda ou infantilizada) e nódulos de
pregas vocais.

As autoras relataram os seguintes resultados conclusivos ao final do trabalho:

“ As principais alterações relatadas e identificadas nas anamneses foram:


Alterações no comportamento psíquico – 63,3%
Alterações na produção de fala – 50,0 %
Alterações gestacionais, do desenvolvimento de linguagem e do aspecto
auditivo – 36,7%
Intercorrências de parto e alterações de voz – 33,3%
Alterações do desenvolvimento motor - 13,33% ”

Elas comentaram também, que a alta ocorrência de informações sobre a


presença de alterações no decorrer do desenvolvimento, sugere a necessidade de se
implantar programas permanentes de triagem fonoaudiológica em pré-escolares.
37

3.2.1 - CARACTERÍSTICAS PARADIGMÁTICAS DA SEGUNDA


PUBLICAÇÃO.

Identificando as bases norteadoras desta publicação, pode-se perceber que


neste tipo de paradigma, há uma precisa preocupação em quantificar e classificar as
ocorrências de linguagem em percentuais, como se fossem garantidas as conclusões.
Para estudar a história de desenvolvimento do referido grupo de crianças, o
levantamento procurou abranger aspectos múltiplos, como os psíquicos, os de
produção de fala, de voz, aspectos motores e informações clínico-médicas, ou seja,
dados de organicidade, como por exemplo, as tantas informações sobre as condições
de gestação e parto. A inclusão do aspecto psíquico restringe-se a dados
comportamentais genéricos.

3.2.2- CARACTERIZAÇÃO DESTE PRIMEIRO NÚCLEO


PARADIGMÁTICO. PUBLICAÇÕES UM E DOIS.

Muitos são os autores que têm refletido sobre os limites e abrangências deste
modelo na Fonoaudiologia, como por exemplo, Cunha (1997b), Figueiredo Neto
(1988), Freire (1994), Millan (1990), Passos (1996), dentre outros.
Neste núcleo paradigmático, há uma evidente influência positivista e uma
forte aproximação do modelo clínico oriundo da medicina, ou seja, o modelo
biomédico. Esta perspectiva teórico prática não é restrita à Fonoaudiologia. Sendo
assim, torna-se necessário entendermos como a Fonoaudiologia tem articulado, a
partir deste núcleo inicial, os seus referenciais ao longo das sucessões de seus
paradigmas.
De acordo com Cavalheiro (1997:179), desde a década de 30 já havia o
interesse em se combater as “impurezas da língua (sotaques estrangeiros e dialetos
regionais do país) como forma de atingir um único padrão de fala.”
Consensualmente, sabe-se que as práticas fonoaudiológicas são anteriores à
sua institucionalização. Sob forte influência do modelo pedagógico, o fonoaudiólogo,
que não era assim denominado no Brasil até a década de 60, avaliava, corrigia e
ensinava padrões de fala corretos baseados nos fundamentos da fonética.
38

Vale ressaltar que o termo pedagógico utilizado restringe-se à atividade


condicionante no trabalhar com estímulos e respostas controladas. Em termos
educacionais o fonoaudiólogo poderá, segundo Cappelletti (1985:87-89),
desenvolver atitudes educativas profiláticas e também, optimizar a linguagem. Para
esta autora, só o fato do fonoaudiólogo “estar-com” os educadores e “estar-com” o
paciente por si só, já será uma atitude educacional.
O processo pedagógico de correção (pautado pelo behaviorismo) era
realizado, preferencialmente, de forma individual. Com o natural interesse pelo
diagnóstico e não só pela sintomatologia é que o considerado “de ordem
educacional”, passa a ser também, considerado “de ordem médica”.
Apesar do objetivo deste trabalho não ser historiográfico, torna-se necessário
um breve resumo nesta área apenas para ilustrar uma enriquecedora
contextualização. De acordo com Cunha (1997b:13-14), as práticas fonoaudiológicas
no Brasil tiveram seu início na década de 20. Só na década de 60 foram legitimadas
academicamente através dos cursos de graduação em Fonoaudiologia. Na década de
70, surgem os primeiros cursos de pós-graduação.
Freire (1994:26), caracterizando a década de 70, afirma que a maioria das
publicações da área fonoaudiológica sofre a influência dos estudos sobre aquisição
de linguagem baseados no inatismo chomskyniano. Segundo ela, a compreensão
sobre a linguagem, dividida em sistema fonológico, sintático, semântico e
pragmático, levou à crença de que a linguagem pode ser separada em compreensão e
produção.
Conseqüentemente, os exames de linguagem derivados das idéias lingüísticas
estruturalistas de Chomsky (1992), tenderiam a acompanhar tais divisões, avaliando,
segmentadamente, cada um dos componentes da linguagem citados no parágrafo
anterior.
Podemos observar que a partir de Cunha (1997a:01-03), privilegia-se uma
relação direta entre a informação coletada e o diagnóstico fonoaudiológico. Esta
autora explica que se a queixa da mãe é de que a criança troca letras para falar, a
Fonoaudiologia, neste primeiro paradigma, diagnostica esta criança como portadora
de “distúrbio de linguagem caracterizado pela substituição de fonemas consonantais
sonoros, pelos surdos correspondentes”. Se os pais queixam-se de que a filha está
com três anos, é surda e ainda não fala nada, o diagnóstico será de “retardo de
39

aquisição de linguagem associado a deficiência auditiva”. Cunha acrescenta que este


modelo reafirma, com outras palavras (termos técnicos), o enunciado dos clientes.
Fica para a década de 80, de acordo com Cunha (1997b:13-14), o real
desenvolvimento da atividade de pesquisa em que se enfocava a busca de um
processo de construção de uma identidade clínica. Nos anos 90, há uma verdadeira
corrida aos “primórdios de uma epistemologia fonoaudiológica”. Na tentativa de
explicar o objeto e o método fonoaudiológico, ela conclui este breve relato afirmando
que os princípios teóricos e filosóficos das práticas iniciais da Fonoaudiologia jamais
foram suspensos e existem até os dias de hoje.
Seguramente, pode-se afirmar o consenso entre os fonoaudiólogos de que as
bases teóricas e filosóficas deste primeiro modelo, permeavam o início do exercício
profissional desta categoria quando de sua legalização oficial na década de 70.
Ao relembrar que o percurso deste trabalho não é historiográfico, assunto já
extensamente discutido na produção científica da Fonoaudiologia, facilmente, pode-
se perceber que, na concepção da base teórico-filosófica na gênese da
Fonoaudiologia, há uma extrema e importante influência do behaviorismo(14) e do
positivismo(15) em sua forma de pensar e agir.
A importância do modelo positivista não se dá apenas de forma direta em
relação à Fonoaudiologia. Ele também influencia o pensar/agir da Fonoaudiologia
através de suas relações com a parte positivista da Medicina, da Lingüística, da
Psicologia e da Pedagogia. Estas por sua vez, receberam e ainda recebem, uma forte
influência positivista até os dias de hoje. Obviamente, influências que não poderão
ser aqui tratadas em detalhes para que não desviemos da focalização temática em
relação à transição de paradigmas na Fonoaudiologia.
Para contextualizarmos o que foi exposto nos dois últimos parágrafos e as
publicações anteriormente citadas, torna-se necessário trazermos alguns autores e
associarmos alguns de seus comentários à identificação paradigmática, para que
deste modo, possamos observar os acréscimos que estão ocorrendo ao longo da
epistemologia fonoaudiológica, sem, no entanto, nos determos, pormenorizadamente,
na atraente discussão das particularidades de cada paradigma.
Sendo assim, vale ressaltar a atenção para a necessidade que ambas as
primeiras publicações apresentaram, em valorizar os diversos dados orgânicos. Para
ambos os exemplos, podemos ter uma explicação bastante objetiva a respeito das
40

semelhanças entre a forma de pensar/agir de um fonoaudiólogo e a forma de


pensar/agir de um médico.
Ramos (1998:07), comentando sobre a prática fonoaudiológica sob este
paradigma, acrescenta que “o fonoaudiólogo seria como um médico que cura o seu
paciente doente através de receitas prontas: as técnicas de remoção de sintomas.”
Nas idéias terapêuticas referenciadas no orgânico, percebe-se uma importante
questão discutida por Foucault (1987) em sua obra “ O nascimento da clínica”. Ele
observa que o método anátomo-clínico, que até os dias de hoje ainda possui muita
influência teórico-prática, além de separar o corporal do mental, este método
apresenta uma centralização no corpo como objeto, agindo sobre ele no sentido de
desvelar e controlar seu funcionamento. O método anátomo-clínico procura também,
criar estratégias terapêuticas para corrigir os desvios e disfunções que possam
acometer o corpo.
Neste sentido, a noção de objeto poderá ser compreendida aqui, como o
sensorialmente passível de observação, mensuração e reprodutibilidade. Subtrai-se o
sujeito mantendo-se apenas, na observação, os elementos pertinentes ao objeto focal.
Revela uma verdade que, também, poderá ser confirmada por outros observadores.
Segundo Clément et al. (1994:279), “objetivo” no sentido de “independente e
autônomo em relação ao sujeito”, um espaço em que não se contamina as
observações com as opiniões particulares do observador. Poder-se-ia acrescentar que
nesta percepção objetiva, além de desviar-se o olhar da subjetividade constituinte da
pessoa atendida, evita-se também, a intersubjetividade tanto na relação terapeuta-
paciente quanto na relação terapeuta-família.
Entretanto, a clínica fonoaudiológica que privilegia a objetividade, ao lidar
com aspectos subjetivos pode demandar uma “não” exclusão total do sujeito. Souza
(2000:07) afirma que

“... antes corresponde a uma de suas vertentes de efetuação. A objetividade


concerne a atividade cognitiva de discriminar e organizar sistematicamente
aquilo que apreende do mundo, digamos assim, natural e social.”

O autor justifica que a objetividade deriva da suspensão dos julgamentos


morais, preconceitos e valores que podem constituir um objeto de conhecimento, sem
excluir a dimensão subjetiva. Qualquer tentativa de cisão entre os aspectos objetivos
41

e os subjetivos comprometerá um deles e isto não é uma atitude que revele


maturidade científica, pois ambas são instâncias da mesma condição humana.
Sob forte influência da percepção objetiva, o modelo biomédico adota a
estratégia de rastrear informações à procura do diagnóstico de uma patologia. Em
seguida, ele proporciona uma volta ao estado anterior. Segundo Freire (1994:18),
para que a medicina possa chegar a seu diagnóstico toma, como objeto de estudo,
sinais e sintomas que evidenciarão alguma doença, cujas causas deveram ser
pesquisadas à procura do diagnóstico definitivo.
Como se percebe neste paradigma, a patologia (entendida do ponto de vista
biomédico) é que será o foco principal do interesse do fonoaudiólogo. De acordo
com Ramos (1998:11), “o paciente será considerado a partir da manifestação
patológica que apresenta.”. Reproduzindo este modelo, o fonoaudiólogo apresenta-
se com diversas anamneses, cada uma específica para alguma patologia de
linguagem (como por exemplo, Afasia, Paralisia Cerebral, Gagueira, dentre outras).
Como pudemos observar na primeira publicação, os dados de organicidade
neurológica e na segunda publicação, as informações contidas nas 30 anamneses dos
escolares, ambos os contextos seguem o mesmo princípio ou núcleo paradigmático
descrito anteriormente. Entretanto, o segundo aponta para uma multiplicidade de
interesses ao investigar mais de um fator, na tentativa de sua compreensão melhor.
Neste sentido, percebendo mudanças neste núcleo paradigmático, Meinberg
(1990:109-110) aponta que mesmo nas terapias de voz, dicção e coordenação
corporal, consideradas mais mecânicas, “o treinamento muscular apenas não é
suficiente, é preciso que o afetivo e o cognitivo do paciente sejam respeitados...”
Entretanto, as avaliações utilizadas possuem a característica de serem
previamente confeccionadas para facilitar a caracterização detalhada da patologia
fonoaudiológica. Visa-se uma terapia que faça com que o paciente volte aos seus
padrões anteriores ou aos mais próximos do normal. Em tal contexto, segundo Millan
(1990:11), o paciente do fonoaudiólogo passa a ser um exemplo vivo das
características esperadas em cada patologia.
O conceito adotado de patologia apoia-se fortemente nos referenciais do
modelo biomédico de base positivista. A medicina também recebeu e ainda recebe,
a forte influência do positivismo. A divulgação e a credibilidade ao positivismo é
tão expressiva que (apropriadamente) podemos entender a sua forte influência nas
42

mais diversas áreas do conhecimento, relembrando os ditos do matemático e


filósofo francês Auguste Comte (1789-1857). Antagonizando-se à filosofia
teológica e metafísica de sua época, Comte (1996:15) chega a afirmar que,

“...hoje se tornou impossível, a todos os observadores conscientes de seu


século, desconhecer a destinação final da inteligência humana para os
estudos positivos, assim como seu afastamento, de agora em diante
irrevogável, destas vãs doutrinas e destes métodos provisórios, que só
poderiam convir a seus primeiros passos. Essa revolução fundamental se
cumprirá, assim, necessariamente em toda a sua extensão. Se lhe resta
alguma conquista a fazer, algum ramo principal do domínio intelectual a
invadir, podemos estar certos de que a transformação se operará do mesmo
modo por que se efetuou em todos os outros.”

Segundo Capra (1992:116-155), neste modelo biomédico de influência


positivista, os mecanismos biológicos são vistos como a base da vida, os eventos
mentais são encarados como fenômenos secundários e o corpo humano é considerado
como uma máquina que pode ser analisada parte por parte. O papel do médico é
intervir física ou quimicamente para consertar alguma destas partes que apresente
algum defeito. O indivíduo como um todo, seu mundo psíquico e suas relações
(familiares, sociais e ecológicas) não são devidamente consideradas, nem na
determinação das causas nem nas proposições de cura.
Procurando entender melhor esta postura fonoaudiológica fortemente
sedimentada no modelo biomédico, não podemos deixar de voltar a nos referir ao
médico, físico, matemático e filósofo René Descartes(1596-1650). Em sua obra “O
Discurso do Método”, Descartes (1976:75) descreve analogamente, o funcionamento
do ser humano comparado ao funcionamento de um relógio (uma máquina). Ambos
seriam compostos por partes e, um defeito em alguma delas prejudicaria o
mecanismo geral. Desta forma, consertando o defeito da parte “quebrada”, todo o
mecanismo voltaria a funcionar normalmente.
Recordemos agora, o conceito apresentado por Amorim (1982:17), em que,
referindo-se à atividade do fonoaudiólogo, diz que ela deverá ser exercida através do
estudo do organismo, da voz, da linguagem e da audição. Como processo
terapêutico, deve-se realizar exercícios e treinamentos para restabelecer a função
verbal.
43

Notadamente, nestes últimos parágrafos, percebe-se que uma prática


fonoaudiológica neste paradigma, demonstra perceber a disfunção da comunicação,
como uma relação defeituosa entre estímulo e resposta.
Sendo a linguagem vista como função orgânica, ela será diagnosticada a
partir de seus aspectos considerados defeituosos, para depois, encaminhar-se,
fonoaudiologicamente, o seu conserto. Como afirma Souza (1999:228-229), o que se
quer, usualmente, neste paradigma, é apenas “restaurar o equilíbrio funcional do
corpo, reabilitando comportamentos e funções comunicativas tidas por
desejáveis...”. A patologia estará apenas no paciente e, mesmo assim, em apenas
algum aspecto isolado dele.
Sua intervenção na tentativa de resolver este impasse será realizada através de
estratégias de condicionamentos comportamentais adaptados, hierarquicamente, de
acordo com as condições particulares de cada paciente, de forma a levá-lo,
individualmente, à reabilitação total ou parcial, de acordo com os padrões de
normalidade vigentes. Segundo Millan (1993:20), neste paradigma cuida-se só do
indivíduo porque a própria noção de família, freqüentemente, está reduzida apenas à
mãe e não a todas as pessoas que fazem parte do dia-a-dia da criança.
Um outro aspecto característico deste núcleo paradigmático é o discurso.
Com relação ao tipo de discurso adotado no modelo biomédico, pode-se afirmar, a
partir de Orlandi (1996:15), que o discurso identificado como autoritário é o
preferencialmente utilizado neste modelo adaptado para a Fonoaudiologia, em seu
núcleo paradigmático inicial. Neste tipo de discurso há, inclusive, uma
hierarquização, em que um assume uma postura de dominação e o outro assume a
correlata postura de submissão, ou seja, o objeto é mantido unilateralmente e fica no
domínio de uma das partes entre os comunicantes.
Segundo esta autora, o discurso autoritário se diferencia do discurso lúdico e
do discurso polêmico, na medida em que a informação e a comunicação dão lugar à
função poética, ao exagero, à polissemia aberta, como no discurso lúdico, ou como
no discurso polêmico. Apesar de adotar uma polissemia controlada este tipo de
discurso mantém o objeto e o faz circular entre os participantes da relação
comunicativa.
Sob a perspectiva do discurso autoritário na relação terapeuta-paciente, o
fonoaudiólogo detém o conhecimento científico, controla e direciona a relação e o
44

discurso. De posse desta condição, ele determina as ações a serem tomadas no


momento que for por ele decidido. Pedagogicamente, ao modelo behaviorista, o
terapeuta ensina o padrão desejado. Dentro deste modelo, citam Jakubovicz e
Cupello (1996:59) que, no trabalho com afásicos, o fonoaudiólogo deve:

“...identificar as necessidades do tratamento, avaliar as seqüelas lingüísticas,


intervir na recuperação das seqüelas, administrar as dificuldades do meio
que estejam impedindo o tratamento, aconselhar a família de como lidar com
o afásico e pesquisar os melhores meios de estimular.”

Do lado oposto nesta relação, o paciente da Fonoaudiologia ouve e cumpre


dentro de suas possibilidades. Referindo-se às idéias deste primeiro núcleo
paradigmático, Freire (1994:85) comenta que há uma tendência de tomar-se a
representação do paciente como sendo o lado negativo do par e a do fonoaudiólogo,
como sendo a do provedor, surgindo assim, uma “cristalização de papéis.”
O atendimento fonoaudiológico neste paradigma dá-se de forma
preferencialmente individual, em um setting previamente estabelecido, que
proporcione as referidas condições anteriormente citadas para o exercício da
Fonoaudiologia neste núcleo paradigmático.
Arantes (1994:29), referindo-se ao modelo tradicional, ressalta a segmentação
dos momentos de “entrevista, avaliação e terapia”, comentando que estes são
constitutivos da intervenção fonoaudiológica neste modelo. Acrescenta que nesta
visão, o profissional adota uma outra postura difícil de ser utilizada fora deste
modelo. Ao obter respostas de sua entrevista, o fonoaudiólogo as toma como
“verdades” reveladoras da etiologia, ou seja, dados ligados ao orgânico que
justifiquem o estado patológico.
Após sua intervenção, o processo de alta será preferencialmente decidido
pelo terapeuta em seu setting. A partir do seu saber sobre a patologia e sobre o
desempenho de seu paciente, decide o momento mais apropriado para terminar o
processo.
A família não é, normalmente, incluída neste processo terapêutico. Quando o
é, será solicitada apenas para que compreenda as explicações do terapeuta sobre suas
conclusões clínicas e para que execute tarefas determinadas pelo terapeuta. Passos
(1996:54) acrescenta que o fato de Fonoaudiologia importar algumas posturas
práticas por empréstimos a determinadas outras disciplinas é que a levou a não
45

perceber as relações entre a linguagem e todas as complexas relações de uma


dinâmica familiar.

3.2.3 - UTILIZANDO-SE DA FÍSICA (PRIMEIRO NÚCLEO)

De acordo com a noção de realidade inspirada na separação e independência


(segundo Newton) e da segmentação dissecativa (em Descartes), uma compreensão
newtoniano-cartesiana particular para este contexto nos revela que a divisão e a
separação ganham destaque neste tipo de paradigma, na medida em que apenas o
observável e o objetivo recebem o foco de atenções.
O profissional demonstra intenções de neutralidade, de separação e de pouco
envolvimento com o seu paciente. Manipula as situações dentro de idéias de
previsibilidade. Ausenta-se de envolvimentos psico-afetivos e parece possuir certezas
em sua dinâmica causa-efeito que estabelece com seu paciente. Bohrn (1995:87) ao
comentar sobre os efeitos da Física newtoniana, diz que “esse tipo de explicação
determinista ou causal, levou à concepção mecanicista da natureza e passou a
figurar como um ideal da explicação científica em todos os campos do
conhecimento, independente do modo de obtenção do conhecimento.”
Dentro do sensorialmente detectável, o sintoma diretamente ligado ao
orgânico será privilegiado. As suas relações com o psíquico, com a dinâmica familiar
e com o social, ficarão secundariamente afastadas.
O sujeito, com suas características particulares, não emerge das divisões no
indivíduo. Ele tem voz, articulação, escrita, fala, audição... mas, a intenção de
segmentar e dividir faz com que o profissional trate de cada coisa isoladamente e o
próprio daquela pessoa (subjetivo e particular), seus aspectos psíquicos individuais e
relacionais, que estão presentes na constituição dinâmica da linguagem sejam
afastados do foco de interesses.
Fica assim, a noção de interconexidade bastante comprometida diante da
necessidade de separações e estudos isolados de apenas algumas partes em
detrimento de outras. A língua não está interconexa com quem a utiliza. Ela fica
abstrata, abstraída, segmentada do sujeito, podendo então, ser analisada e
quantificada objetivamente.
46

3.3 - TERCEIRA PUBLICAÇÃO- CASO CLÍNICO

O caso clínico apresentado é oriundo do livro “A linguagem como Processo


terapêutico” da fonoaudióloga Regina Maria Freire. Trata-se de uma criança com 3
anos e 10 meses que apresenta retardo de linguagem. A criança é portadora de fissura
palatina transforamem unilateral total que, segundo a autora, foi operada e não
deveria apresentar, teoricamente, seqüelas em nível de desenvolvimento da
linguagem. Observemos assim, o seguinte recorte, a partir de Freire (1994:62-65):

(mãe e filha estão sentadas no chão, diante de duas caixas de


brinquedo)
mamão
Esse é do irmão também?
Como chama isso?
mamão
Fala: bo-la.
moo-ma

Essa aqui é do irmão? mão

Como é que chama o irmão? mão

Como é o nome dele?


papai
Não, é Gui.
mão
Não é irmão.
mão
É Gui.
mão
Tá bom.

A própria autora realiza alguns comentários e dá ênfase, inicialmente, ao fato


de que na relação mãe e filha está existindo uma interação de linguagem ineficaz.
Caso a representação simbólica, que a mãe faz de seu filho, seja a de uma criança
incapaz de se comunicar oralmente (provavelmente devido a patologia anatômica),
ela, como mãe, tenderá a assumir uma tarefa pedagógica de tentar ensinar a criança a
falar.
Segundo a autora, a ineficiência surge no momento em que as pessoas que
entram em interlocução com esta criança, quer a mãe, quer um fonoaudiólogo
47

desatento a esta questão, não privilegiam as representações simbólicas inerentes à


linguagem. Para que isto não aconteça, segundo a autora, é necessário que haja uma
mobilidade entre os papéis discursivos que aproxime os interlocutores. Desta forma,
os adultos forneceriam uma perspectiva estruturante da linguagem das crianças
portadoras de retardo de linguagem. É através da perspectiva da linguagem, enquanto
atividade, que se chega à simbolização.
Sob estes referenciais, a autora comenta que o papel do terapeuta é
proporcionar, através do uso da linguagem, uma constante possibilidade de significar
e re-significar o mundo social dentro de um processo sócio-histórico.
Para exemplificar uma interação eficaz, Freire (1994:92-96) apresenta o
seguinte trecho:

“Em realidade a prática fonoaudiológica assenta-se sobre dois pilares: de


um lado as possibilidades comunicativas da criança - o paciente – e, do
outro, o poder estruturador da linguagem de seu interlocutor – o
fonoaudiólogo - . isto quer dizer que não basta ter uma teoria de linguagem
para compreender o significado das marcas subjetivas deixadas pelo sujeito
em sua linguagem. É necessário que o mesmo paradigma avalie o papel
estruturador da linguagem do fonoaudiólogo em sua interação com o
paciente.”

E passa a recortar alguns momentos eficazes, como por exemplo, neste


primeiro, a fonoaudióloga adota a estratégia de descrever as ações da criança,
evitando a cristalização de papéis. Neste caso o sistema comunicativo gestual é
passível de interpretação e é traduzido lingüisticamente pelo terapeuta.
(fala do terapeuta)
(criança brincando com o posto de gasolina)

põe o carro
isso aí
empurra, isso!
Pera lá, senão ele cai, menina!
Ih! deu uma trombada!
Agora põe ele lá, isso! E enrola.
Põe ele aí, isso aí, aí, aí!
Tá bom, chega.
Para, assim, ó, assim.
Agora enrola aqui!
Vai...
Isso! Agora ele sai, ó!
Vai! Olá, saiu o bibi!
48

Opa!
Vai lá, não enrolou!
Deixa vê!
Aqui. Ó pronto!
Pronto, já enrolou.
O bibi já saiu!

No exemplo 3 em seu livro, a fonoaudióloga adotará uma estratégia dialógica


utilizada com o objetivo de criar conflito e levar a criança a ser verbal. A afirmação
do terapeuta Ih! Num fala!, em resposta ao silêncio da criança, provocará o referido
conflito.
(brincando de dar banho na boneca)

Tá lavando o quê?
(A criança tem sua atenção voltada
para a atividade de lavar a boneca
e nem olha para a fonoaudióloga)
Que que cê tá lavando?
Hum?
Tá lavando o bumbum?
O pé, a mão...que cê tá lavando,
Hein, menina?
(cutucando a criança)
Tô falando com você!
Tô perguntando cê ta lavando o quê?
(olha para a fonaudióloga)
Qué responder, faz favor, ahn?
(olha para a boneca)
Tá lavando o quê?
Ih! num fala!
a, a, a, a
Que cê tá lavando?
O pé?
(gesto afirmativo de cabeça)
Então fala o pé, né!

Desta forma, seguem-se inúmeros outros recortes em que a relação


terapêutica vai demonstrando um desenvolvimento particular. Segundo a autora, não
caminhou do gesto para a palavra e desta para a frase, como se fossem etapas
obrigatórias. O observado foi uma passagem gradativa do gesto de figura para fundo
e a palavra tomando o lugar de figura.
49

Diferenciando esta proposta do método de terapia tradicional,


Freire(1994:145) afirma que “nesta abordagem não há um planejamento prévio, o
trabalho terapêutico se desenvolve a partir do que vai sendo falado, recortado,
discutido.” Ela finaliza criticando a inadequação dos materiais didáticos que tendem
a colocar os parceiros dialógicos em lugares fixos, dificultando a mobilidade de
papéis.
Quando é dito para a criança “então fala o pé né! ” pode-se observar que foi
evitada a conduta pedagógica de ensinar o conceito “pé”. Por outro lado, a terapeuta
provoca uma inquietude solicitando uma ação correspondente e não uma passiva
atitude de só aprender conceitos.

3.4 - QUARTA PUBLICAÇÃO – CASO CLÍNICO

Em sua dissertação de mestrado, a fonoaudióloga Suzana Carielo da Fonseca,


apresenta um estudo sobre afasia. A autora apresenta o trabalho, revelando seu
desconforto com os métodos de reabilitação de cunho notadamente
comportamentalista.
O recorte incidirá sobre o relato do como a autora analisou um momento
distinto de pausa, hesitação e repetição que, em uma preocupação meramente estética
da linguagem, pareceriam fatos apenas formais, isolados. Entretanto, ao adotar um
outro referencial teórico, a autora dá diferentes interpretações e diferentes condutas
terapêuticas para cada situação, como por exemplo:
Segmento 4 – Fonseca (1995:129-131)

(J) e (T) falavam sobre uma viagem de (J) ao interior da Bahia

1. (T) – E Alcobaça, então...

2. (J) – E Alcobaça se... se formou assim. Inclusive tinha


um...um...como é que é, rapaz? Co...Co é que
Chã... chafariz, não é chafariz. É um... é um
Monumento histórico. Não é um... é antigo
né, que... que é dessa época.
3. (T) – Como é que é esse monumento? É uma estátua?
O que é?

4. (J) – ( )
50

5. (T) – É um forte?

6. (J) – Não , não é não!

7. (T) – É uma construção antiga?

8. (J) – Não, não é. Não é. Pera aí... é um negócio de... de...


de amá...de amarrar escravos.

9. (T) – De amarrar escravos? Um pelourinho?

10. (J) – Pelourinho!

Utilizando-se da descrição dos processos metafóricos (relação de


semelhanças entre segmentos lingüísticos) e metonímicos (fragmentos de textos de
uma cena vivida e utilizados em outra) descritos em De Lemos (1992)(16), a autora
revela que as hesitações, pausas e repetições no caso de (J) tendiam a uma dispersão,
especificamente no segmento 8.(J) diferentemente da conduta oposta de um possível
fechamento.
Segundo a autora, a hesitação de (J) apresenta a característica de conflito
entre o som e o sentido, ou seja, ele pronuncia e, simultaneamente, ouve
interpretando. Diante da ameaça de perder o sentido do que emite, ele hesita e pára.
Nestas condições, há uma simultaneidade entre a posição de quem fala e a de quem
ouve. Ele fica sob efeito do que ele mesmo diz, isto é, ele interpreta a si mesmo.
Para a autora, o fonoaudiólogo, neste momento, não deve ter uma conduta de
controle, nem de condicionamentos lingüísticos. Para que não se assuma uma
posição de mero decodificador, deve-se contar com a função de intérprete
apresentada pela pessoa portadora do quadro.
Ela propõe então, uma não utilização de tipologias mas sim, um ressaltar de
singularidades. De acordo com a autora, uma tipologia representa sempre uma
tentativa de homogeneização, principalmente se vier associada às circunscrições de
lesões cerebrais. O ideal e preferível será que o fonoaudiólogo perceba o modo
particular de como a linguagem se articula e (des)articula e como ela se manifesta no
dizer de quem está na condição de afásico.
51

3.4.1 - CARACTERIZAÇÃO E TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA DA


TERCEIRA E QUARTA PUBLICAÇÕES. A VALORIZAÇÃO DO
LINGÜÍSTICO.

Não há preocupações em quantificar e classificar erros na linguagem. Não


foram aplicados testes padronizados e não foram realizadas afirmações a partir de
“certezas” como no primeiro núcleo paradigmático. As autoras demonstraram não
priorizar os dados de organicidade. Houve relações de diálogo em um contexto
discursivo do tipo polêmico tendo a linguagem recebido uma atenção especial.
Do ponto de vista lingüístico, pode-se observar que diferentes correntes de
compreensão da linguagem proporcionam ao fonoaudiólogo reflexões diversas do
modelo inicial, ligadas ao Estruturalismo e à Gramática Gerativa. É consenso entre
os fonoaudiólogos poder citar-se a Pragmática, a Enunciação e a Análise do
Discurso, dentre outros.
Com um longo percurso historiográfico, a valorização do lingüístico (que não
será aprofundada para não fugirmos aos objetivos iniciais deste trabalho) segundo
Toschi (1998:10-14), apresenta um importante momento de transição.
Esta autora afirma que no início deste século, Freud e Saussure, ao romperem
com a noção de indivíduo psicológico que tem controle sobre ele mesmo, fazem
nascer as bases do pensamento moderno. Supera-se a noção behaviorista de controle
em que a linguagem seria adquirida como comportamento através do estímulo-
resposta.
Concordando com esta posição, Surreaux (1999:8) acrescenta que
antecedendo esta transição, o homem que já havia enfrentado duas outras transições
paradigmáticas importantes, ou seja, a frustração de que a terra não era o centro do
Universo e a afirmação darwiniana de descendermos do macaco. Continua Surreaux
afirmando que essa contextualização é importante para tomarmos consciência de que
depois de Saussure (1977), não podemos afirmar sermos donos do nosso dizer e
depois de Freud, com suas afirmações sobre o inconsciente, não podemos afirmar ter
“controle” consciente sobre tudo que falamos.
Nas publicações 3 e 4, a partir de um foco lingüístico, as autoras adotaram um
modelo diferenciado do olhar orgânico funcional presente no modelo biomédico
52

positivista. Este lingüístico foi, em ambos os casos, trabalhado de um ponto de vista


discursivo, passível de interpretação, atividade de escuta e interação.
Na terceira publicação, foram utilizados princípios do sócio-construtivismo.
A autora demonstra a sua diferenciação do modelo antecessor, quando enfatiza a
relação dos interlocutores com a criança e a mobilidade dialógica de papéis. Não
privilegiará, simplesmente, a produção estética. Para isso, demonstra incorporar
novos referenciais, mais interconexos.
A percepção demonstrada, passa dos conteúdos estáticos (newtoniano-
cartesianos) observáveis, para conteúdos que necessitam de interpretação. Estes
estudos só são perceptíveis no contexto intervalar de relações e das memórias, em
situações concretamente dinâmicas, estimuladas conscientemente, de forma
espontânea, sem um prévio determinismo. Estes princípios nortearam também o
processo interventivo. Fato este que também ocorre na quarta publicação. Nesta
situação, a terapeuta revela seu olhar diferenciado do modelo anterior, discordando
da relação orgânica entre topodiagnóstico e funcionamento da linguagem.
Ocorre assim, uma atenção à singularidade na medida em que prefere colocar
a linguagem em funcionamento para perceber suas particularidades. No caso
descrito, vale ressaltar a característica apresentada com relação ao olhar
pormenorizado, sobre a produção lingüística em que o termo subjetivo aqui, poderá
ser entendido, a partir de Clément et al. (1994:364), como aquilo que se relaciona
com o sujeito. Aquilo que lhe é pessoal, próprio de si mesmo.
Para que um fonoaudiólogo perceba o implícito lingüístico em uma simples
hesitação, foi necessário um acréscimo perceptivo e reflexivo. Refiro-me ao flagrar
que a pessoa com aquele quadro afásico estava interpretando a si mesmo e por isso,
hesitando.
Mais uma vez, novas interconexões são disponibilizadas. Não basta a
informação objetiva. Interpretá-la é condição básica para que o fonoaudiólogo não se
coloque na postura de ficar investindo na decodificação e no controle sobre a
produção de seu paciente. A linguagem, segundo Lane (1997:18) participa da nossa
capacidade de nos reproduzirmos e de nos re-inventarmos, de avançar a nossa
consciência do aqui e agora para o espaço e o tempo.
Neste sentido, ao lidar com a linguagem, o fonoaudiólogo que se restringia a
observar os aspectos formais, passa a analisar a linguagem no sujeito constituinte
53

desta e nesta linguagem e também, a si mesmo, interativamente. O fonoaudiólogo


interpreta o que está diante dele e não apenas contabiliza estatisticamente e compara
dados coletados.
Com relação às possibilidades de interpretação e suas influências para a
transição paradigmática que deslocou-se do primeiro núcleo em direção aos aspectos
subjetivos do indivíduo, será mais apropriado evitar repetições desnecessárias e
realizar algumas pormenorizações sobre o problema da interpretação, somente após
os dois casos que seguem. Eles também utilizarão o interpretar como uma de suas
bases norteadoras.
No trabalho com aspectos da subjetividade, o fonoaudiólogo necessariamente,
entra em interconexão com inúmeras outras esferas, como por exemplo, a ideológica,
a inconsciente e a cultural.
Neste aspecto, como cita o foniatra Mauro Spinelli, muitos estudiosos ao
publicarem obras dedicadas a linguagem, impressionam pela “escassez de como os
autores conceituam `linguagem`”. É muito comum, uma certa confusão entre língua,
fala e linguagem. Referindo-se a esta última, o autor acrescenta que para que o
conhecimento da língua atinja níveis que permitam surgir as capacidades
características da linguagem, é necessário que a pessoa vá além do estudo e da
prática de diálogos. Importará também, os inúmeros aspectos relativos à cultura de
uma comunidade lingüística (Spinelli, 1996:17-19).
Arantes (1994:28) refere que o fonoaudiólogo, ao escolher sua filiação
teórica, deve evitar “apropriações e usos parciais e irrefletidos”. Afirma ainda que
se o fonoaudiólógo abandona as regras da lingüística tradicional, inevitavelmente, o
seu olhar volta-se para a linguagem durante seu funcionamento “como discurso,
como atividade”.
No caso deste núcleo paradigmático, privilegiar a linguagem é estar diante do
todo que ela é e não só do que ela aparenta objetivamente.
54

3.4.2 - UTILIZANDO-SE DA FÍSICA (TERCEIRA E QUARTA


PUBLICAÇÕES)

Da Física será importante recordar que o nosso principal referencial será o


conceito de interconexão e, secundariamente, as noções de imprevisibilidade e
incerteza.
Observando o que sintetiza Palladino (1986:1-11) e Vieira (1997:1-4) sobre
as origens e tentativas de compreensão sobre a linguagem humana, as primeiras
idéias, ao saírem da esfera do místico, passaram a ser compreendidas de um ponto de
vista puramente biológico. Em seguida, passou-se o estudar a influência do meio
ambiente para só então, chegar ao indivíduo psicológico e social.
Sem dúvida que houve uma expansão e um aumento de interconexões ao
adotar-se um modelo diferenciado do estruturalismo gerativista, associados ao olhar
orgânico funcional do modelo biomédico positivista em ambos os casos, trabalhado
de um ponto de vista bem mais próximo de um certo empirismo (17), em que o
discursivo necessitou de um aprofundamento na interação (com o externo) das
relações pessoais, a partir da necessidade de se captar conteúdos além do imediato e
objetivo, ou seja, do observável.
Necessitou-se de uma atividade de escuta mais aguçada, interpretação e uma
diferenciada interação em que, segundo Lier De Vitto (1995:51), a linguagem faz,
dialeticamente, deslizamentos sobre a própria linguagem inserida numa rede de
formas e sentidos. Nessa rede, o som emitido é “capturado e transformado numa
cadeia de significantes.”
Acrescentando ao sensorialmente detectável, o sintoma diretamente ligado ao
orgânico não será dicotomicamente separado. Passa a haver relações com o psíquico,
com a dinâmica familiar e com o social.
O sujeito, com suas características particulares, emerge das anteriores
divisões no indivíduo. Ele tem voz, articulação, escrita, fala, audição... mas, a
intenção de interconectar faz com que o profissional trate de cada coisa de forma
mais associativa considerando o próprio daquela pessoa (subjetivo e particular), seus
aspectos psíquicos individuais e relacionais que estão presentes na constituição
dinâmica da linguagem, incluindo-os em seu foco de interesses.
55

Fica assim, a noção de interconexidade bem menos comprometida diante da


necessidade newtoniano-cartesiana (ainda presente) de separações e estudos. A
língua passa a ficar mais interconexa com quem a utiliza, ou seja, não fica abstrata,
abstraída, segmentada do sujeito, sem necessitar ser quantificada objetivamente.
Caso essa tendência expansiva de aumento de interconexões venha sendo
mantida, provavelmente, teremos que passar por um dimensionamento de percepção
em nível holográfico para a compreensão da linguagem. Teremos que considerar que
todos os mecanismos e imagens mentais no trato com a linguagem estejam, de
alguma forma, em contínua interconexão com todas as dimensões implícitas do
Universo.
Nesta linha de compreensão, com bases nos conceitos de interconexão, ordem
implícita e percepção holográfica, uma simples criança, por exemplo, tentando
apreender a linguagem, poderia ser entendida como o próprio Universo ensinando a
ele mesmo o que ele já sabe, ou seja, o deslocamento de informações entre diferentes
campos dentro de si mesmo. Sem dúvida, tais especulações poderiam ser, em um
futuro próximo, algo corriqueiro e usual. Para isso, muitas transições antecederiam
tal contexto.
Voltando a pensar na comparação entre o modelo anterior e suas transições,
percebe-se que não se pode ter a mesma expectativa de exatidão e certezas ao
lidarmos com o aspecto interpretativo. As situações se tornam mais imprevisíveis na
medida em que o fonoaudiólogo não lida com relações de estímulo-resposta, testes
padronizados, quantificações e atitudes pedagógicas para se ensinar modelos. A
possibilidade discursiva do aparecimento de um sujeito próprio e único, trás consigo
um maior número de variáveis imprevisíveis, contextos maleáveis e uma criatividade
que permeará situações mais expontâneas.
Logo, a percepção de realidade deverá ser adaptada a uma visão de homem
menos simplista e previsível, para outro mais complexo e criativo. Aproximando-se
assim, de uma compreensão de realidade como a formulada a partir dos conceitos de
interconexidade e ordem implícita apresentados neste trabalho.
56

3.5 - QUINTA PUBLICAÇÃO- CASO CLÍNICO

Sem a necessidade de pormenorizar seus pontos polêmicos internos,


apresento este caso de intervenção fonoaudiológica com uma criança portadora de
lesão cerebral. A fonoaudióloga Heloísa Tavares de Lacerda, em sua dissertação de
Mestrado, relata que a criança M. iniciou sua terapia fonoaudiológica aos nove meses
de idade e interrompendo-a aos quatro anos e quatro meses por sua indicação.
Em anamnese realizada com a mãe, a fonoaudióloga obteve os seguintes
dados: (Lacerda, 1987:62-76)

“gestação normal, mas com uma infecção urinária constante, que já


vinha ocorrendo antes da gravidez. Ruptura da bolsa d’água aos seis meses,
com perda de líquido amniótico, iniciando o trabalho de parto com duração
aproximada de doze horas (...) o bebê permaneceu na clínica de prematuros
por vinte dias.” (p.62)

Ela continua descrevendo as condições de amamentação e dados da evolução


clínica: Aos dois meses de idade, a criança foi diagnosticada como portadora de uma
Síndrome de Little (paralisia espástica em extensão de membros inferiores, com
hipertonia dos adutores da coxa) sendo submetida a uma série de cirurgias
ortopédicas.
No primeiro encontro com a fonoaudióloga, os pais falaram sobre as queixas
que tinham da criança e sobre suas expectativas em relação ao seu trabalho. A
fonoaudióloga fez um levantamento desde a gestação da criança até aquele momento:

“incluí nessa pesquisa como a criança passou pelas etapas de


alimentação: seio, mamadeira, introdução de alimentos salgados, introdução
de colher, canudo e copo; a modificação natural na textura dos alimentos até
chegar aos sólidos. Observei e manuseei os órgãos fonoarticulatórios de M.
visando analisar aspectos como a morfologia, reflexos (...).Realizei um
levantamento dos sons que M. produziu durante toda a situação de avaliação
(...) Analisei os dados, tentando compreender como se travava a batalha de
padrões funcionais sob a interferência de padrões patológicos nessa
região.” (p.66)

No relacionamento da criança com seu meio ambiente, ela identificou as


posturas em que permanecia durante o dia e, em especial, as posturas e manifestações
da criança que davam mais prazer à mãe no contato com sua filha. Segundo ela, “isso
57

possibilitaria uma maior compreensão da dinâmica mãe-filha na qual eu fatalmente


iria intervir.” (p.67)
Refere em suas observações o seguinte: “não me limitei a ver somente o que
M. conseguia fazer em cada postura mas, com o objetivo de entender como fazia,
procurei situações que sozinha não poderia buscar, por causa de suas limitações
motoras globais.”(p.68)
Em seguida passa a descrever o que observou na postura sentada, de bruços e
barriga para cima:

“da análise desses dados procurava compreender o momento de seu


desenvolvimento cognitivo, e a partir dessa compreensão para o trabalho que
juntas iríamos vivenciar. Já que partia do pressuposto de que para M. era
importante a retirada ativa de experiências do seu meio e a interpretação
dessas mesmas experiências feitas por ela, o trabalho desenvolvido se baseou
nas constatações dos dados fornecidos pela avaliação, como as que se
seguem.” (p.69)

Neste ponto a autora comenta sobre o quanto era importante para a


criança

“repetir determinadas situações e utilizar o próprio corpo para


experimentar suas próprias ações e demonstrava que para algumas situações
estava passando da primeira fase do Período Sensório-motor, descrito por
Piaget, para a segunda fase; porém em outras situações estava começando a
passar da segunda para a terceira fase.” (p.70)

Durante o retorno aos pais, a fonoaudióloga procura fazê-los ver que havia
uma coerência entre os aspectos motores globais, os específicos dos órgãos
fonoarticulatórios e a linguagem. Os pais insistiam em saber a possibilidade de M.
falar ou não. Sob este aspecto a autora refere:

“coloquei que, a princípio, não poderia dar uma resposta


satisfatória a eles, mas que considerava prioritário no trabalho suas
possibilidades de comunicação, independente do fato de M. falar. Era, a meu
ver, muito importante que ela realizasse trocas com o seu meio, fossem elas
verbais ou não e, também, que se fizesse entender, mesmo que não viesse a
falar. Conversamos bastante sobre o que era a linguagem, a fala – da forma
isolada como eles a entendiam – e a comunicação. (...) Expliquei que, na
minha maneira de ver, não era importante buscar o que ela não tinha,
porque senão a criança que eu encontraria seria outra e não M.(...) se usasse
58

como parâmetro qualquer outra criança tida como normal para explicar o
“déficit” de M. não estaria ajudando-os a compreendê-la mas sim criando
uma expectativa à qual ela talvez não pudesse corresponder.” (p.73)

Finalmente, depois desta discussão, os pais optaram por não receber


orientação específica para um trabalho em casa. A partir desta decisão, a
fonoaudióloga os alertou para o fato de que um deles, ou os dois, precisariam entrar
em algumas das sessões para esclarecer alguma técnica (behaviorista) de manuseio
para as funções de alimentação. Fato que era objetivamente associado, de forma
coerente, às condutas diferenciadas da terapia neste paradigma.
A autora revela que no trabalho com os pais, que durou um ano, realizou
algumas intervenções em paralelo, através de algumas reuniões que eram realizadas
fora do trabalho das terapias. Havia uma conversa sobre o que estava sendo
desenvolvido. As reuniões eram, via de regra, solicitadas pela terapeuta. Segundo a
autora, os pais ficaram menos ansiosos e adaptaram suas expectativas à realidade de
sua filha. A mãe passou a entrar nas sessões de terapia quando queria ou quando era
solicitada, para que visse alguma técnica específica de manuseio para as funções de
alimentação.
Sobre o relacionamento com a mãe no espaço terapêutico, ela revela que,

“em muitas situações (quando M. queria) a mãe vinha brincar


conosco. Essas situações inicialmente eram ‘constrangedoras’. Porque a
fonoaudióloga ‘brincava’ com a criança e a mãe tentava ensinar a filha, o
que incluía dar modelos lingüísticos a ela e, ao mesmo tempo, exigir dela
verbalizações para cada pensamento ou ação feita. Nessas situações iniciais
transparecia a idéia de que era a fala da criança que se objetivava no
trabalho fonoaudiológico e como conseqüência disso ela – a mãe –
necessitava que a filha ouvisse modelos corretos, depois os falasse para
então ser corrigida, até que não precisasse mais de correção. Assim, o que
acabava acontecendo é que a mãe explicitava excessivamente todas as ações
feitas pala criança. Por exemplo: / olha a bola, M. / , / cadê o pente? /
quando nós três estávamos vendo o pente e a bola. Ou ainda, / você vai pegar
o nenê? / quando M. já havia posto a boneca no colo. Com o passar do
tempo, entretanto, a mãe pôde perceber que o próprio contexto garantia de
forma significativa a comunicação, não havendo a necessidade de
sobrecarregar a criança com modelos lingüísticos para descrever as ações.”
(p.76)

Após este relato, autora comenta que foi importante deixar a própria criança
dirigir o seu processo terapêutico de acordo com suas necessidades e que nunca foi
59

submetida a situações de treino articulatório, de movimentos e de sons de maneira


isolada.
As decisões sempre privilegiavam o interesse de M. Exemplificando, a autora
relata uma passagem em que ela e a fisioterapeuta decidiram contrariar tudo que
sabiam de padrões patológicos motores para privilegiar aspectos cognitivos.
A fonoaudióloga relata que após M. ter realizado uma cirurgia oftalmológica
e estar começando a se arrastar para locomover-se, entrou numa fase de vencer
obstáculos que se interpunham entre ela e um objeto almejado. Para garantir uma
vivência ativa, em um momento bastante significativo do seu desenvolvimento
cognitivo, decidiram contrariar as normas de inibição de reflexos e permitir que M.
usasse as suas atuais possibilidades para ter suas próprias experiências. Só depois que
ela vivenciasse essa aquisição, é que se retomava as exigências motoras quanto a um
padrão que não a tensionasse tanto.

3.5 1 - CARACTERÍSTICAS PARADIGMÁTICAS DA QUINTA


PUBLICAÇÃO.

Identificando as bases norteadoras deste caso, pode-se perceber que neste tipo
de situação não há uma preocupação em quantificar e classificar as ocorrências de
linguagem. Os dados de organicidade também se fazem presentes, porém com uma
ênfase bem menor.
A conduta terapêutica não segue o modelo biomédico. Utiliza um discurso
mais polêmico e menos pedagógico (behaviorista) em situações contextualizadas e
mais espontâneas. Aspectos subjetivos do paciente e de suas relações familiares
começam a ser valorizados e incluídos na dinâmica terapêutica. Em sua atuação, a
fonoaudióloga dedicou momentos ao cliente, à família, ao encontro com ambos e
decisões conjuntas com a fisioterapeuta.
No relacionamento com a família, percebe-se que começa a haver uma
preocupação com a relação psico-afetiva mãe-filho para o desenvolvimento da
linguagem. No relacionamento interdisciplinar com a Fisioterapia, a Fonoaudiologia
desenvolvida neste caso, revela uma convivência que incorpora o desenvolvimento
psicológico cognitivo associado ao desenvolvimento motor e de linguagem.
60

Neste caso, o caráter humanista fenomenológico existencial(18) fica evidente,


a partir da valorização do cliente como sujeito que age, tem vontades, interesses e
autonomia de decisões. A subjetividade individual, particular e contextualizada
ganha um espaço importante em todo o processo, distinta do modo anterior em que
havia uma centralização, não no sujeito, mas na aplicação da técnica pela técnica
como nos modelos pedagógico e biomédico fortemente inspirados no positivismo.
Diante de uma percepção newtoniano-cartesiana, que tende à separação,
pode-se constatar que as relações com o paciente e familiares começam a ser
estabelecidas, diferentemente, numa proximidade mais estreita e mais interconexa.
Sem a intenção de neutralidade e distanciamento, o terapeuta está mais imerso no
processo e o desenvolve sem os aspectos de previsibilidade, característicos da
postura de inspiração positivista.

3.6 - SEXTA PUBLICAÇÃO- CASO CLÍNICO N- 6

A fonoaudióloga Sandra Maria Rodrigues de Oliveira, após percursos


teóricos na introdução de seu trabalho, critica a forma de atuação pedagógica para o
atendimento fonoaudiológico com a criança surda e seus familiares. Segundo a
autora, quer seja chamado de treinamento auditivo, reabilitação aural, audiologia
educacional ou audioterapia, o princípio norteador sempre se repete. Desta forma,
apresentando suas insatisfações quanto ao modelo pedagógico, refere estar buscando
“um outro caminho”.
Oliveira (1995:9-97), relata o caso de uma criança de 5 anos portadora de
surdez neurosensorial bilateral de grau profundo. Afirma que: “seus dados
audiológicos eram animadores, usava dois aparelhos, a audiometria mostrava bons
restos auditivos, principalmente nos graves...”(p.9). De início, a autora afirma ter
considerado os dados audiológicos e a disposição da família como mais importantes
do que a própria criança.
Na dinâmica familiar, a autora percebeu que “ mãe e filho mostraram possuir
uma relação forte; num certo momento ela se levantou para sair, mas ele se
agarrou a ela e fez cara de choro, falei então, que ela poderia ficar.”(p.11)
Durante o processo terapêutico seria importante que a família refletisse
constantemente sobre as conexões entre os múltiplos aspectos que surgem em todo o
61

processo. A autora reforça a idéia de que “a família pode se liberar de pontos de


vista anteriores e encarar suas dificuldades de uma nova perspectiva. Os membros
da família se sentem convidados a imaginar novas alternativas.” (p.12), ou seja,
criar condições para que sejam resignificadas.
Exemplificando, a autora faz o seguinte recorte:

“Numa ocasião, a mãe me perguntou sobre o meu relacionamento


com seu filho, referindo-se ao comportamento dele em terapia.

T: Você não acha que dá para saber como ele está quando sai
daqui?
M: É, então ele tá normal, mas como eu te falei,
Mas eu queria saber aqui dentro.
T: Você acha que aqui é diferente?
M: Queria saber como ele fica com você. Queria uma
janelinha para ficar olhando. (risos).

A mãe está mostrando sua dificuldade em vê-lo relacionando-se


comigo, de pensar na possibilidade que ele possa se relacionar sem ela e
procura respostas de minha parte, eu procuro continuar questionando para
que ela tenha de perceber essa questão e o valor no desenvolvimento de seu
filho.
Percebo o desejo que ela tem da resposta, mas também percebo
como esse momento pode ser rico para conversarmos sobre sua ansiedade e
não aplacá-la. O terapeuta pode ter o que dizer, mas isto pode aparecer sob
forma de pergunta.” (p.89)

A terapeuta faz uma série de intervensões reflexivas e afirma que “a mãe vai
percebendo que seu filho pode ser independente dela, e que isso pode ajudá-lo no
desenvolvimento de sua linguagem...” (p.90). Além das sessões individuais, a autora
revela que a mãe participava de reuniões de grupo de pais e que necessitou incluir
também o pai e os irmãos. Segundo ela, “ nesse trabalho, também verifiquei a
importância de considerar a família toda e não restringir a atenção à mãe.” (p.90).
Denunciando a necessidade de um movimento de singularização para cada
família no processo terapêutico e admitindo que o trabalho não foi específico com a
deficiência auditiva e sim com a singularidade de cada sujeito (mãe e filho), a autora
revelou que ele “passou a ter possibilidade de comunicar-se e expressar-se
simbolicamente de maneiras variadas – gestos, desenhos, expressões faciais. Com
isso, a linguagem oral emergia espontaneamente” (p.97).
62

Durante seu atendimento familiar, ao relatar para a mãe o bom desempenho


lingüístico da criança na terapia, a referida autora percebe que o desempenho da
criança foi melhor em seu consultório do que na sua residência de seu cliente. Ela
estava de certa forma incomodando esta mãe devido ao tipo de relação simbiótica
que mantinha com seu filho. Imediatamente, passa a adotar uma outra postura em
relação à anterior e assume um outro padrão, como poderemos verificar no recorte do
seguinte trecho:

T: O que você tá achando dele?


M: Olha... eu tô achando que ele tá bem melhor. Tá evoluindo bem né,
porque antigamente ele não falava frases, só falava “mamãe” e eu
tô achando que ele tá indo bem Sandra. Agora ele é um pouco tímido,
ele tá indo devagar, mas tá indo bem.
T: Então queria que você me falasse um pouco mais disso. Como é
essa timidez, é com todo mundo?
M: É com todo mundo.
T: É em casa, na escola...
M: Encontra uma pessoa, a pessoa conversa com ele, ele não responde;
aí na hora em que a pessoa vai embora, eu falei “tchau” ...(p.80)

Notadamente, a terapeuta não realiza uma negligência seletiva sobre este tipo
de conteúdo discursivo e passa a incorporá-lo, conscientemente, no processo
terapêutico. Entretanto, não adota uma postura pedagógica de orientadora ou de
instrutora de exercícios caseiros para estimular a linguagem, fazendo com que a mãe
assuma papel de terapeuta.
Diferenciadamente, a terapeuta passa a lançar perguntas que possibilitam a
mãe iniciar algumas reflexões sobre o assunto e poder conscientizar-se melhor de seu
próprio contexto. Isto proporcionaria uma melhoria qualitativa na relação com seu
filho, na relação familiar e, conseqüentemente, na condição interativa de linguagem
da própria criança.
Em suas conclusões finais, vale ressaltar que a autora afirma ser importante
não dissociar a expressão oral da simbolização, lembrando que, “a Psicologia, por
um lado, e a Psicanálise, por outro, podem nos ajudar a compreender a estruturação
do sujeito psíquico, seu processo de humanização.”(p.97).
63

3.6.1 - CARACTERIZAÇÃO PARADIGMÁTICA DA SEXTA


PUBLICAÇÃO

Nitidamente, neste recorte de caso clínico, pode-se destacar a importância


dispensada à criança e suas relações familiares e às relações do terapeuta com esta
dinâmica familiar. Há uma cumplicidade elaborativa junto à família, com a inclusão
desta, em todas as fases do processo. Entretanto, só a criança será o cliente e não a
família inteira, diferentemente da psicoterapia familiar, em que todo o grupo familiar
poderá ser terapeutizado.
A conduta terapêutica também não seguiu o modelo tradicional
comportamentalista. Não houve medidas pedagógicas para ensinar a criança a falar
nem de como a mãe devesse se comportar. De forma diferenciada, a terapeuta
proporcionava reflexões junto à mãe visando beneficiar o desenvolvimento
lingüístico de seu cliente.
Ela trabalhava com situações criadas e não pré-programadas. Não lidava com
testes padronizados, preferindo perceber a linguagem e as relações de forma
espontâneas. Ao valorizar os aspectos simbólicos, revelava ser importante recorrer à
Psicologia e à Psicanálise para que o fonoaudiólogo trabalhe com a linguagem além
de seus aspectos estruturais e considere as particularidades psicológicas do sujeito
humanizando um pouco mais a relação.

3.6.2 - CARACTERIZAÇÃO PARADIGMÁTICA E TRANSIÇÃO


NA QUINTA E SEXTA PUBLICAÇÕES. A VALORIZAÇÃO
DO PSÍQUICO.

Neste acréscimo do trato com a subjetividade, é aberto um leque de inúmeras


possibilidades. No atual núcleo de transições há um deslocamento do núcleo
positivista, pedagógico e biomédico, na medida em que as noções de homem, de
mundo e de linguagem são modificadas. A percepção de realidade receberá
diferentes contextualizações. Inúmeras outras relações serão postas em interconexão.
Segundo Palladino (1991:177), “a patologia não emerge de um organismo vazio de
significados e sim de um sistema repleto de significações interconectadas”.
64

Como exemplo destas interconexões pode-se perceber, no caso da criança


com paralisia cerebral, as associações que a terapeuta realizou entre a linguagem, a
cognição e o desenvolvimento motor e, no caso da criança com surdez, o quanto a
terapeuta observou a dinâmica entre a criança e a mãe e entre ela com ambos.
Neste paradigma, ao incluir-se discursivamente no processo, o fonoterapeuta
amplia sistemicamente o circular da/na linguagem, possibilitando a particularização e
a subjetivação que diferencia essencialmente este tipo de ampliação interventiva
fonoaudiológica. Nela, além de escutar o saber que o cliente trará sobre si, escutava
também a cada membro da família, diferenciadamente.
Desta forma, pode-se perceber toda a cadeia relacional familiar, a posição que
o cliente ocupa, as heranças, as expectativas e o potencial demonstrado individual e
coletivamente. Neste proceder, a própria linguagem utilizada com essa família
sofrerá uma certa contextualização, na medida em que, afastando-se do cientificismo
técnico generalizante, possibilita-se ao fonoaudiólogo contextualizar os fatos,
nomear e personificar os atores. Millan (1993:23) ilustra estas afirmações dizendo
que à clínica não chega uma doença e um informante e sim, uma criança e sua
família, ou seja, uma complexa rede de relações interconexas.
Segundo Passos (1996:54-55), a Fonoaudiologia tem percebido que muitos
dos sintomas de linguagem apresentam em seu sub-texto conteúdos psíquicos que
revelam quase sempre disfunções na base da dinâmica das relações familiares. De
acordo com esta autora, a base teórica por empréstimos, oriundos da Medicina, da
Lingüística, da Educação e da Psicologia não dão conta de um sujeito que ao
expressar seu sintoma, revela-se por inteiro (incluindo sua dinâmica familiar e
social). Reforçando suas afirmações ela diz que: “tal constatação parece explicitar
uma crise e, a partir dela, um pedido de moratória, para que daí possa emergir um
novo paradigma.”
Nas palavras de Sobrinho (1996:21), “...tradicionalmente pouco discutida na
clínica fonoaudiológica, a questão da escuta acabou por se impor porque teve
reconhecido seu papel fundamental no exercício clínico...”. Desta forma, pode-se
perceber a atual carência do campo fonoaudiológico a respeito da conceituação e da
dinâmica do psiquismo. À Fonoaudiologia, torna-se emergencialmente útil uma
compreensão e diferenciação do paradigma psicanalítico e em especial a sua forma
de trabalhar com a interpretação.
65

Devido à importância do problema da interpretação para este núcleo


paradigmático e retomando o que foi referido no final dos dois casos anteriores sobre
a importância da interpretação para o atual momento de transição na fonoaudiologia,
torna-se necessária uma compreensão mais específica sobre esta temática. Desta
forma, antes da utilização da Física na compreensão deste núcleo paradigmático,
serão acrescentadas a esta particularização, algumas linhas sobre o problema da
interpretação.
Hanns (1996:285) explica que no Alemão, a palavra interpretação é Deutung
(Deut-: radical do verbo deuten, “interpretar” e –ung: sufixo de substantivação que
geralmente significa “ção” em português) e refere-se à descoberta dos sentidos não
evidentes, dos significados acrescentados. Para este autor, Freud por vezes, utilizava
este termo também para apontar para um sentido adicional ao sentido já evidente.
Especificamente na interpretação psicanalítica, Hornstein (1989:21) afirma
que:
“a interpretação tem por meta, descobrir o conteúdo latente
encoberto pelo conteúdo manifesto, assinalando a modalidade do conflito
defensivo apontado, em última instância, para a análise das ansiedades e
desejos através das fantasias inconscientes que as encarnam”.

Cunha (1997b) desenvolve apropriadamente em seu livro “Fonoaudiologia e


Psicanálise”, a necessidade de se ampliar a relação Linguagem-Fonoaudiologia-
Inconsciente em prol da qualidade de atuação profissional.
Historicamente, a Fonoaudiologia bem mais nova em relação à Psicanálise,
não poderia traçar o mesmo percurso reducionista com a linguagem, assim como a
Psicanálise freudiana fez com o inconsciente.
Hoje, sabe-se que os limites do inconsciente humano não se ajustam aos
aspectos estruturais, entendidos a partir dos conceitos de interconexidade e ordem
implícita que estão sendo propostos pela Física. Certamente, os limites da linguagem
sobre estes mesmos pressupostos, terão uma mesma reflexão. É útil que a
Fonoaudiologia mantenha contato com as pesquisas destes limites expondo-se a tudo
sem preconceitos para não comprometer sua evolução e, principalmente, sua
habilidade crítica.
Hanns (1996:290), em seus estudos psicanalíticos, afirma que a interpretação
“... aplica-se a algo que se faz a algum elemento isolado do material, tal qual uma
66

associação..”. Segundo ele, a interpretação termina por ser uma “construção” que
será posta perante o sujeito da análise como um fragmento da história primitiva que
foi esquecida por ele.
Se recorrermos ao próprio Freud, veremos que a interpretação é algo tão
importante para a psicanálise, que ela será utilizada, inclusive sobre o material
proveniente dos sonhos. Segundo Freud (1953:15), “Seria um erro supor que seria o
bastante uma mera comparação do sonho com a vida desperta para evidenciar a
relação existente entre ambos.” Freud, quando aborda o problema da interpretação
dos sonhos, denuncia a ingenuidade de fazer-se relações imediatas sem o ato da
interpretação, pois, muitos conteúdos terminam ficando ocultos.
Não que a Fonoaudiologia deva trabalhar com o material onírico desta forma,
mas que seja percebido que em qualquer interpretação, os inconscientes e todos os
seus dinamismos, tanto de quem fala, quanto de quem ouve, sempre estarão presentes
nesta relação.
Sabe-se que a interpretação psicanalítica acontece exclusivamente dentro de
seu setting, de forma precisa e no momento apropriado, segundo os pressupostos da
própria psicanálise, que utilizada o material proveniente dos sonhos, de outras
produções do inconsciente (como os atos falhos, os sintomas, etc.), ou o próprio
discurso do analisado que, de alguma forma, poderá indicar a manifestação de algum
conflito defensivo.
Ao afirmar que o conceito de escuta não é exclusivo da Psicanálise, Arantes
(1994:33) comenta que para o fonoaudiólogo, a compreensão do ato de escutar é
marcada pela atenção àquele que fala e o espaço intersubjetivo que envolve a fala. É
importante à clínica fonoaudiológica, compreender a linguagem não só como
comunicação mas também como efeito de sentido.
De acordo com Palladino (1986:1-11), a escuta não deve ser reservada a
algum momento específico da clínica fonoaudilógica. Ela faz parte de todo o
processo terapêutico. A atividade de escuta não será limitada exclusivamente à
pessoa com problemas de linguagem. Frazão (1996:55) chama a atenção aos “ efeitos
distintos da atividade interpretativa do adulto”, pois, ela ressalta a importância de se
resgatar, juntamente com a família, a forma como os pais interpretam o estado de
linguagem que um filho apresenta.
67

Neste espaço mais amplo, com mais interconexões, o fonoaudiólogo vai


passando para níveis mais complexos em relação a cada nível anterior. Como
exemplo disto, pode-se observar como a terapeuta conduziu a pergunta da mãe da
criança com surdez sobre o seu relacionamento com seu filho. No caso, percebendo o
tipo de dinâmica envolvida, a terapeuta preferiu estimular uma atitude reflexiva à
mãe.
O fato crucial é que, ao deparar-se com a linguagem, abre-se a possibilidade
do fonoaudiólogo ir além da literalidade do código. Reconhecendo algumas
expressões do inconsciente na dinâmica da linguagem, este fonoaudiólogo passa a ler
e a ouvir o que antes não existia para ele; passa a comprometer-se com a finalidade
da qual o inconsciente se serve do “falar mal” e o que, provavelmente, ele quer dizer
com isso.
Dessa forma, neste paradigma, o fonoaudiólogo não mais se limita à
comunicação e à intervenção pedagógica visando corrigir defeitos de fala. Passa a
considerar os múltiplos sentidos de nossas simbolizações produzidas no (agora
considerado) inconsciente.
O uso de um específico e adaptado tipo de interpretação, permite ao
fonoaudiólogo um transcender da queixa e a emergência do que é próprio e singular.
A atividade de “escuta” possibilita a percepção de uma demanda que, de início, se
apresenta opaca e intencionalmente será reelaborada conjuntamente com o outro. Isto
se dá através da valorização exclusiva do movimento discursivo da linguagem, em
que a atenção será dirigida para o equívoco, para a falha, para o deslize e para o
efeito metafórico.
Para a Fonoaudiologia, passa a ser evidente também, que existe uma
importante relação entre a interpretação, o silêncio e a incompletude. Interpreta-se
não só a linguagem, mas também o silêncio ou o silenciamento de quem fala. O
silêncio possui significados, exigindo do profissional um certo discernimento entre o
saber, o como e o quando interpretar, ao trabalhar com linguagem e subjetividade
neste núcleo paradigmático.
A transição frente a esse tipo de demanda necessitará de muitas adaptações e
de uma cautelosa investigação de conteúdos nas diversas abordagens do vastíssimo
campo psicológico deste final de século.
68

Analisando ou interpretando o modus operandi dos profissionais que, neste


paradigma, trabalham com a linguagem fazendo uso da interpretação (tanto no
lingüístico quanto no psíquico), pode-se verificar um deslocamento que se direciona
de um espaço perceptivo menor para outro maior, do rígido para o móvel, do
impessoal para o particular, do racional para o intuitivo, ou ainda, da classificação de
sintomas e nosologias para relações de sentido.
Outro fator que possibilita este elevado nível interativo-terapêutico é
conhecer e participar do dia-a-dia de seu cliente no próprio ambiente em que vive,
aguçando-se assim, a escuta e a contínua avaliação em todas as fases do processo.

3.6.3 - UTILIZANDO-SE DA FÍSICA (QUINTA E SEXTA


PUBLICAÇÕES)

A partir dos recursos que a Física tem disponibilizado para a neurociência e


para os mais recentes estudos sobre a consciência, comparativamente, o modelo
tradicional de Psiquiatria, de Psicologia e de Psicanálise passa a ser percebido como
estritamente personalista e biográfico. Estes estudos acrescentaram novos níveis,
domínios e dimensões, mostrando a psique humana como essencialmente
proporcional ao universo total e a tudo da existência (Grof, 1987).
A Fonoaudiologia, lidando com a subjetividade e em movimento de
expansão, não poderia, inadvertidamente, desconsiderar os novos pressupostos e
olhar para o fenômeno linguagem, atribuindo-lhe apenas características
newtoniano/cartesianas em sua forma de teorização, de interação clínica e de atuação
no social.
Possuímos uma dupla identidade: a individual e a de todo, ou seja, a de que
somos um (individualmente, em um movimento distinto do movimento do restante)
e a de que não há limites precisos entre onde começa e onde termina uma pessoa
(como, interconexamente ocorre com tudo no Universo). Desta forma, a
interpretação do “outro” seria na verdade, em sentido ampliado, uma auto-
interpretação.
A partir dos conceitos de interconexidade e ordem implícita do Universo,
possuiríamos um mesmo inconsciente. Ele é comum a todo o Universo, presente e
constituinte de todo que existe, sem tempo (atemporal) e sem localização específica
69

(não-local). Diferente da segmentada característica estruturalista que Freud atribuiu


ao inconsciente (19), dividindo-o e atribuindo-lhe determinadas formas de relação
entre as partes. Entretanto, a partir da nossa limitada percepção, com particular
dinamismo, cada “um” estaria em seu próprio movimento dentro dos constantes
movimentos da massa total do Universo. Desta forma, a identidade de “um” e a
identidade de “todo” não seriam excludentes.
Certamente, seria assim possível apenas tomarmos consciência “do outro”
naquilo que nossos inconscientes (de parte), em comum acordo, permitissem ser
elucidado (conscientizado) ou ainda, no que apresentasse ressonância projetiva entre
eles. Percebemos mais facilmente no outro (que somos nós mesmos) aquilo que, de
alguma forma, também nos incomoda e foi despertado pela presença, em
ressonância, do mesmo fenômeno do “outro”, permanecendo nossos pontos cegos,
que são as nossas dificuldades particulares mais inacessíveis pela consciência, ainda
inconscientizados à espera das necessárias condições para serem conscientizados ou
recalcados (no sentido de esquecidos).
Diante da insuficiência da nossa linguagem e diante dos fenômenos da
natureza, interpretar significará também, submeter esses infinitos fenômenos, à nossa
limitada linguagem, à nossa limitada compreensão, à nossa ínfima capacidade de
armazenamento e ao nosso reduzido nível de processamento de interconexões.

3.7 - SÉTIMA PUBLICAÇÃO - TRABALHO NA ÁREA DE SAÚDE


PÚBLICA (CRECHES).

Esta publicação é referente a um trabalho na área de saúde pública em


audiologia. O título é “ A Fonoaudiologia e o trabalho interdisciplinar na Saúde
Pública: uma triagem auditiva em creches ” e foi publicado pelas fonoaudiólogas
Fabiana Guimarães Moura e Simone Lopes da Silva.
Na introdução do trabalho Moura e Silva (1996:447-454) afirmam que,

“ As práticas em saúde pública devem priorizar, além do atendimento


ambulatorial, as ações coletivas, cujo objetivo é a prevenção de processos
patológicos. (...) Sendo as creches consideradas locais de risco para o
desenvolvimento de doenças infantis devido ao grande número de crianças
pequenas de classe socioeconômica muito baixa, com más condições de
70

higiene e nutrição, CERRUTI (1992) propõe o desenvolvimento de trabalhos


de promoção de saúde nestas instituições, através de equipe interdisciplinar,
incluindo reuniões com os funcionários, a fim de prestar esclarecimentos
sobre assuntos pertinentes à sua população.”

No decorrer do relato, as autoras afirmaram realizar sensibilizações com


grupos de funcionários a partir da necessidade que ia surgindo. Devido aos baixos
recursos, tiveram que mobilizar procedimentos simples e rápidos para a avaliação
auditiva. Foram utilizados instrumentos musicais e sons ambientais no lugar de um
audiômetro.

“O trabalho foi realizado em duas etapas, triagem auditiva e


sensibilização, sendo que o período que o antecedeu foi destinado a
observações semanais nas creches sobre a rotina e a dinâmica destas
instituições, a fim de caracterizar a população para que pudessem ser
traçadas as diretrizes desse trabalho. (...)

Após explicarem diversos procedimentos técnicos para a execução dos


exames, como por exemplo, otoscopias, faixas de freqüência sonora, distâncias para
a estimulação, dentre outros, as autoras apresentaram os seguintes resultados:
Na avaliação otoscópica, 112 das 232 orelhas examinadas não apresentaram
problemas e 120 apresentavam rolha de cera.
Na avaliação instrumental, das 116 crianças examinadas, 96 passaram nas
provas, 13 não colaboraram e 7 apresentaram falhas.

Concluindo:
“Observamos que apenas 37 crianças não apresentaram nenhum tipo
de alteração nas duas avaliações (instrumental e otoscópica)
Sobre as sensibilizações, a fonoaudióloga da UBS (Unidade Básica de
Saúde) e uma das pediatras realizaram as reuniões onde foram abordados
vários aspectos do tema `audição’: a sua relação com o desenvolvimento da
linguagem, fisiologia, prevenção de problemas auditivos e higiene da orelha
externa.(...) a partir da participação dos familiares foram levantadas
questões específicas sobre crendices populares, desenvolvimento da
linguagem e hábitos orais(...)
Realizamos as sensibilizações dos funcionários com a presença das
ADI’s, auxiliares de enfermagem, funcionários da cozinha, da limpeza e as
diretoras das creches. Contamos com a participação da fonoaudióloga da
UBS e uma assistente social...
Os resultados efetivos das sensibilizações não puderam ser
analisados, pois dependem de um processo de reorganização das condutas
71

pessoais, processo esse que se dá ao longo do tempo. Talvez um


acompanhamento longitudinal dessas creches pudesse registrar os
resultados.”

3.8 - OITAVA PUBLICAÇÃO - TRABALHO NA ÁREA DE SAÚDE


PÚBLICA (UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE).

Esta publicação é referida como um trabalho fonoaudiológico em unidade


básica de saúde. Foi publicado pelas fonoaudiólogas Estela Maria Guidi Gomes e
Nida Renata Remencius. Segundo as autoras, o objetivo do trabalho foi propor
modelos de recepção, triagem e intervenção, diferentes do modelo clínico tradicional.
No relato de suas experiências, Gomes e Remencius (1997:183-86),
procurando adaptar os poucos recursos e o déficit de pessoal às necessidades da
população atendida, descrevem a importância do trabalho com os pais e/ou
familiares.

“Nosso objetivo geral nesses grupos é proporcionar aos participantes a


reflexão e discussão de como se realiza o processo de comunicação e os
fatores que o influenciam. Como objetivos específicos:
Esclarecer a atuação do fonoaudiólogo e sua inserção na unidade.
Fornecer subsídios para compreensão do desenvolvimento de linguagem e
audição.
Refletir a respeito dos fatores sócio-culturais; familiares; emocionais e
orgânicos que interferem no desenvolvimento do indivíduo.
Avaliar os encaminhamentos necessários a outras áreas (de saúde,
educacionais, esportivas, etc.)
Proporcionar um convívio grupal de pessoas com queixas semelhantes,
facilitando o domínio dos participantes sobre suas `queixas`, em vista da
responsabilidade e cooperação na busca de soluções.”

Para o cumprimento de tais objetivos, relatam ter utilizado,

“uma metodologia participativa grupal aproveitando o conhecimento


popular e os conteúdos expressos no primeiro encontro para o levantamento
dos temas a serem discutidos (...) o grupo de orientações vem sendo
reconstituído a cada instante como uma experiência que busca democratizar
o acesso ao serviço de fonoaudiologia, além de orientar o nosso trabalho a
partir do `encontro` com a demanda: suas dúvidas, dificuldades,
necessidades e questões particulares de saúde.”
72

Neste mesmo trabalho, as autoras relatam algumas outras atuações, como por
exemplo:

“em grupos de desenvolvimento infantil junto a equipe de saúde


mental.
Atuamos ainda na unidade em grupos educativos onde podemos
contribuir com nossa formação e experiência ( ex.: grupos de gestantes, de
puericultura e saúde bucal).
Nossa equipe de saúde tem priorizado trabalhos externos com a
comunidade (creches, escolas, delegacia de ensino, etc.), valorizando a
atuação preventiva, o maior contato com a realidade local e a possibilidade
de formar multiplicadores. Temos constatado na prática, a importância e
alcance dessas ações quando passamos a entender o adoecer inserido num
contexto social mais abrangente.”

Referindo-se, conclusivamente, a este tipo de intervenção, as autoras


comentam que:

“muitas vezes, o profissional vê-se sozinho numa trama que parece


cristalizada. Talvez uma saída seja buscar `aliados`, uma equipe que
compartilhe dúvidas, certezas e responsabilidades num campo de atuação da
fonoaudiologia ainda com um longo caminho a ser trilhado.”

3.8.1 - CARACTERIZAÇÃO E COMENTÁRIOS DA TRANSIÇÃO


PARADIGMÁTICA REFERENTE ÀS PUBLICAÇÕES
SÉTIMA E OITAVA.

A Fonoaudiologia neste núcleo, apresenta basicamente duas características.


Primeiro, a demonstração de uma consciência social, na medida em que pretende
disponibilizar os seus serviços para a população. Eles poderão ser oriundos de
qualquer um dos núcleos paradigmáticos. Em segundo, a revisão dos seus conceitos
de saúde e doença, passando a lidar com uma Fonoaudiologia que pense também em
prevenção e qualidade de vida.
Neste núcleo paradigmático apresentado, há um movimento de expansão em
que o fonoaudiólogo passa a lidar não só com a realidade individual de sua clientela,
mas também, com os problemas em escala social. Nesta dimensão, é necessário que
haja uma compreensão sócio-histórica além de uma base político-ideológica.
73

No Brasil, em relação à Fonoaudiologia, constata-se que o modelo de atuação


profissional predominante é o “clinicista”, ou seja, o atendimento clínico
“individual”. Neste modelo já dispomos de um certo know-how em relação à “quase”
inexistência de teoria e prática ligadas à área social.
Fato este, facilmente constatado, ao observarmos a ênfase na estrutura dos
currículos de graduação e pós-graduação ou no número de trabalhos publicados, nas
temáticas escolhidas para os congressos, encontros, etc.
É notório que o processo de globalização e neoliberalização tem agravado os
problemas sociais nos países em desenvolvimento. Dessa forma, incluir essas
reflexões no âmbito fonoaudiológico não parece tarefa das mais fáceis.
Do ponto de vista da Fonoaudiologia, alguns movimentos nesta direção já
podem ser objeto de reflexões. Maia (1997:163) afirma que:

“quando uma categoria profissional começa a indagar para que e para quem
realiza o seu trabalho, acaba por concluir que a finalidade de toda ação a
ser feita é o homem, inserido em uma sociedade que deveria se transformar,
para que as necessidades de todos pudessem ser atingidas.”

No processo de formação profissional, inclusive do fonoaudiólogo, pode-se


observar um método pautado pelo predomínio das divisões, através das inúmeras
especializações, profissionalizações, classes, cursos, níveis, etc., em que é muito
utilizada a inculcação, entendida como sendo uma forma de decidir pelo aluno o
aprendizado que deve lhe interessar. Um modelo preferencialmente utilizado, nas
relações de dominação entre classes sociais (Orlandi,1996).
Com a formação fundamentada nestes moldes (fragmentados) é que a
Fonoaudiologia, com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde) em 1988, inicia
uma participação mais ativa nos serviços públicos de saúde. Com os diversos
concursos realizados por inúmeras prefeituras, houve um despertar para esta parcela
do mercado de trabalho.
De acordo com Mendes (1999:214), a Fonoaudiologia na área pública fica
tendo que se dividir em dois distintos projetos. O modelo liberal privado, cujo
objetivo é privilegiar os interesses das indústrias e corporações da área de saúde.
Neste modelo, os cuidados com a saúde são vendidos sob um predomínio
assistencial, não havendo um planejamento epidemiológico e sim, leis de mercado.
74

Os serviços de saúde são comprados de acordo com as possibilidades sócio-


econômicas dos usuários.
Por outro lado, em um segundo projeto, no SUS, a saúde deve ser tratada
como um direito universal de todo cidadão e não uma simples relação comercial de
compra e venda. As medidas precisam ser planejadas localmente de forma específica
para cada região, levando-se em conta o social e o ambiental que, segundo a referida
autora, deve equacionar “os processos sócio/econômico/culturais que engendram as
condições de saúde de uma dada população”.
Costa (2000:2), em seu artigo sob o título “Ações nos Deixam mais Fortes”,
exemplifica um duplo olhar político da fonoaudiologia, informando sobre o processo
de negociações em Brasília entre os donos de plano de saúde e a categoria
fonoaudiológica. Por outro lado, discute a Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência. Comenta ações mais localizadas como por
exemplo, o programa de Atenção à Saúde da Comunicação Humana em São Paulo,
voltado às ações preventivas de detecção e reabilitação da saúde auditiva e vocal e a
atuação de políticos junto a diversas prefeituras, elaborando leis que facilitem o
desenvolvimento de ações preventivas.
De acordo com Servilha et al. (1994:83), a Fonoaudiologia não poderá ficar
sujeita à instabilidade, à vontade política sem a definição de uma política objetiva
com ações integradas da população com os serviços de saúde.
Para trabalhar neste contexto, a Fonoaudiologia não pode, simplesmente, sair
do seu setting tradicional e ir de encontro à população. Neste núcleo paradigmático,
não basta entender de Anatomia, Patologia, Lingüística e Psicologia. Tornam-se
necessários mais alguns acréscimos.
Befi (1997), demonstra muito claramente em seu livro “Fonoaudiologia na
atenção primária à Saúde” que a grande maioria dos currículos de graduação em
Fonoaudiologia não satisfaz às mínimas condições para a atuação em saúde pública e
em saúde coletiva, tanto no corpo teórico quanto nas atividades práticas de estágio.
Ao também concordar com a precária condição dos currículos, Servilha et al.
(1994:84) refere que é escassa a bibliografia fonoaudiológica nesta área. Acrescenta
que apesar das dificuldades para o desenvolvimento de pesquisas neste campo, há um
esforço da Fonoaudiologia, mais recente, que “está tentando redimensionar seu
saber para dar conta das exigências da Saúde Pública no Brasil.”
75

Segundo Ramos (1991:10), a Fonoaudiologia tem direcionado sua prática


para as camadas de maior poder aquisitivo. Este privilégio econômico e social deixa
a maior parte da população desprovida das possibilidades que a Fonoaudiologia tem
e poderá vir a ter. De acordo com a autora, para que a Fonoaudiologia supra este
déficit, ela necessita negar esse passado, aproveitar alguns de seus elementos e
construir uma nova práxis nesta recente área de estudos que está atuando.
Ramos justifica suas afirmações dizendo ser necessário que a Fonoaudiologia
abandone sua conduta “populista assistencialista”, saia dos consultórios e dos
espaços acadêmicos e realize um movimento de aproximação do cotidiano das
pessoas, principalmente nos bairros populares.
Sobretudo, a autora enfatiza que deve-se abandonar a ideologia benevolente e
caridosa assistencialista, para passar a atuar de forma participativa. Neste sentido, o
profissional não fica, passivamente, a espera de seus pacientes, ele vai até a
população. Não se limita a trabalhar apenas em sua área específica, ele coloca todos
os recursos da sua profissão em prol da qualidade de vida como um “todo”.
Neste sentido, a autora afirma que à Fonoaudiologia

“ ... caberia trabalhar nos indivíduos e grupos a visão de mundo, a


autopercepção enquanto pessoas e grupos, reavaliar hábitos, atitudes,
valores e práticas individuais e coletivas, familiares e grupais, no sentido de
uma consciência mais plena da sociedade...” (p.15).

Para Ramos (ibid.), a participação da comunidade é a única forma de garantir


a evolução dos serviços de saúde no sentido de serem efetivamente voltados para as
reais necessidades da população.
Nesta perspectiva paradigmática, de um ponto de vista mais geral em um
processo de desalienação ideológica, não basta ao fonoaudiólogo, como também a
nenhum cientista, criar teorias e não questionar a utilização do seu produto. Para
descobrir e criar é preciso primeiro questionar. A ciência nunca foi neutra. Ela serve
para construir, destruir ou no mínimo alterar cursos de ação. Do ponto de vista da
ideologia dominante, como cita Demo (1996:36),

“ cientista bom é aquele que se apropria de conhecimentos para


dominar a realidade, mas é essencial que não seja crítico, o que faz da
ciência, tendencialmente, produto conservador ou pelo menos útil à ideologia
76

conservadora, na figura do idiota especializado: competente formalmente,


tapado politicamente”. (grifo do autor).

Normalmente, o contato do fonoaudiólogo com a população dá-se numa


esfera assistencialista, como a do sétimo caso, ou seja, apenas prestam-se serviços
especializados. A população é atendida nos postos de saúde, creches, hospitais,
maternidades, associação de moradores, etc., como se estivesse freqüentando um
serviço privado de qualidade inferior. Entra numa longa fila de espera, recebe
passivamente o serviço e sai. Quando muito, recebe “aulas” sobre Fonoaudiologia.
Por outro lado, ao poder adotar uma postura participativa, como foi esboçada
na oitava publicação, o fonoaudiólogo estimularia e participaria das decisões da
comunidade. O seu investimento seria no sentido de proporcionar autonomia à
população dentro de um processo democrático. Avalia-se o contexto e elegem-se as
prioridades. Neste processo de negociação, todos os recursos da Fonoaudiologia
serão disponibilizados em prol das decisões coletivas.
Mesmo atuando em ações primárias, secundárias e terciárias paralelamente,
deve haver um maciço investimento em educação. Segundo Vieira et.al (1995:61), o
processo educativo é tarefa constante de todos os profissionais que trabalham com
saúde. Desta forma, as relações interdisciplinares em Saúde Pública tendem a ser
extremamente mais próximas e mais interconexas.
De certa forma, provavelmente repetiremos o dilema da Medicina que,
segundo Fontes (1995:77-79), consegue gerar uma teoria extremamente holística ao
afirmar que a saúde deve atingir três níveis: o individual, o social e o ecológico.
Porém, não consegue colocar isto em prática durante suas condutas terapêuticas.
Como atividade recente, a atuação participativa fonoaudiológica necessita de
intensas e apropriadas pesquisas. Neste sentido, vale lembrar a possibilidade da
pesquisa-ação que, de acordo com Thiollent (1998:44), “está associada a escolhas
valorativas tais como o reconhecimento de causas populares, a prática da
Democracia ao nível local, a busca de autonomia, a negação da dominação, etc.”
Hoje, consciente de que não adianta mais praticar a sua cura e, repetidas
vezes, devolver o indivíduo para o caos social em que muitos de nós nos
encontramos, o fonoaudiólogo tem percebido que não poderá continuar a se proteger
dentro das universidades e dos consultórios.
77

Neste paradigma, ele está constatando em seu cotidiano, que toda omissão
acaba por retornar em forma de problemas de toda ordem, principalmente os sociais
(como os altos índices de desemprego ou os baixos salários, o aumento da violência,
das doenças, da pobreza, etc.).
Ser fonoaudiólogo pensando em qualidade de vida significa, antes de tudo,
não compactuar com o vício assistencialista que caracteristicamente sempre foi
praticado com a população empobrecida, diante de apenas algumas poucas iniciativas
para desenvolver uma consciência realmente participativa.
De modo geral, passar a vivenciar tudo isso na prática, talvez seja mais
importante do que teoricamente ficar procurando entender as suas particularidades, o
que seria, provavelmente, o nosso primeiro impulso acadêmico.
Há neste paradigma a consciência de que como fonoaudiólogos somos
técnicos, intelectuais e estamos do lado privilegiado da sociedade. O problema
começa já na dificuldade de nos aceitarmos comprometidos com o quadro de
pobreza, cujos “culpados” costumamos identificar (fragmentadamente) como estando
fora do nosso grupo social: são os políticos, os ricos, o sistema, etc., jamais também
os fonoaudiólogos.
Na verdade, fazemos trabalho intelectual e não manual, estamos do lado dos
dominantes e neste sentido, devemos ter a consciência de que, por não existir riqueza
sem exploração, para possuirmos tantos “privilégios” é necessário que muitos outros
paguem com sua pobreza por isso. A miséria das populações não é coisa do “destino”
ou porque “Deus quis assim...” mas, é por força de um processo histórico que lhes
impõe forçosamente essa condição (Demo, 1988).
Mais do que boas intenções, vale a realidade. Certamente, quando o
fonoaudiólogo se interessa por políticas sociais, também está implícito o seu instinto
de sobrevivência. Para manter nossos privilégios, por vezes, é necessário expandir o
nosso raio de ação, o nosso mercado de trabalho podendo sim, estarmos também
motivados por convicções éticas, humanistas, ideológicas, pessoais, etc.
Sem dúvida, isoladamente, a probabilidade de insucesso para qualquer
profissão de área de saúde é evidente. Se possuímos um conceito de saúde
fragmentado e realizamos atitudes e ações fragmentadas, os resultados não poderiam
fugir a regra.
78

Desta forma, a discutibilidade termina por ser um dos pontos mais


importantes no compromisso “científico fonoaudiológico” presente neste terceiro
núcleo paradigmático. Não só referindo-se aos aspectos formais, torna-se necessário
abordar os aspectos ideológicos. Discutível, não apenas a vestimenta com a qual a
ideologia dominante aparece ou tenta não aparecer ao fonoaudiólogo, mas sobretudo,
seus conteúdos e suas conseqüências. Dominação dissimulada de que o
fonoaudiólogo poderá estar sendo vítima e/ou reproduzindo desapercebidamente para
a população.
Desta forma, é importante que cada fonoaudiólogo (ou cada instituição
formadora de profissionais) decida se irá concordar com a ideologia dominante e
reproduzir seus mecanismos de controle, se prefere desconhecer esse fato e
alienadamente, reproduzir os mecanismos necessários à manutenção da ideologia
dominante ou se não medirá esforços para conscientizar-se e proporcionar a
conscientização da população usuária de seus serviços.
A concepção de saúde neste núcleo paradigmático apontará para uma
concepção bem mais ampla em que haja uma certa compatibilidade entre teoria e
prática. Mendes (1999:218) sugere que, a partir da escuta dos usuários dos serviços
públicos de saúde em Fonoaudiologia e do diálogo com os profissionais das unidades
básicas de saúde, é que poderemos refletir sobre a lógica dos serviços e os critérios
da atuação profissional,

“evidenciando suas concepções, prioridades e critérios para atender


e se relacionar com a clientela; criando um campo propício à produção e
sedimentação de um saber, capaz de fazer emergir os referenciais teóricos e
técnicos que direcionem nossa prática e, ao mesmo tempo, possa abri-los à
críticas, reorientações e recriações.”

A partir do que foi exposto é importante o preparo do profissional para


enfrentar todos os níveis de dificuldades que surgem neste núcleo paradigmático.
Não só atingindo a área de saúde e educação, mas atingindo toda a atividade humana
quer seja política, econômica, social, científica, cultural, etc..
79

3.8.2. - UTILIZANDO-SE DA FÍSICA (SÉTIMA E OITAVA


PUBLICAÇÕES)

Sem dúvida, nesta perspectiva de Saúde Pública, teremos aqui uma maior
necessidade de que o fonoaudiólogo utilize um pensamento sistêmico (no sentido de
rede e de interconexões). Divergindo da segmentação newtoniano-cartesiana, a visão
de homem e de realidade, neste contexto, necessitará de todas as interconexões
interdisciplinares que puderem ser identificadas.
Para pensar e agir em rede, a Fonoaudiologia terá que estar em intensa
interconexão com todas as outras áreas do conhecimento, pois todas participam com
os seus conceitos de saúde e doença, prevenção e qualidade de vida.
Como uma percepção holográfica, todas as áreas deverão projetar sua
imagem na tela deste contexto para formar uma única figura. Jamais a imagem desta
figura será vista igualmente por todos devido ao fato de cada um estar em um ponto
estratégico diferenciado. Por isso, para que se amenize a fragmentação, os
investimentos no nível de consciência sistêmico em rede deverão ser uma constante.
Mesmo com toda imprevisibilidade e incertezas, para evitar o descompasso,
as ações de cada um deverão ser conhecidas e discutidas por todos, a partir de
estudos epidemiológicos globais e locais. Todos os que atuam devem atuar em rede.
Todos os que formam profissionais, devem formar em rede. Todos os que
manipulam recursos, devem manipulá-los em rede. Para isto, todos teriam que deixar
de pensar e de agir em separado (newtoniano-cartesianamente) e abrir-se às
interconexões.

3.9 - QUADRO REFERENCIAL DE TENDÊNCIAS

Após a caracterização dos movimentos paradigmáticos entre as publicações é


importante em um estudo desta natureza, facilitar a compreensão destes movimentos
ordenando estas transições. Desta forma, passemos agora a apresentar
esquematicamente, os principais deslocamentos em seus sentidos direcionais.
Para ordenar este sentido, tomo como referencial, os acréscimos em expansão
reveladores de aumento das interconexidades. A partir de um ponto inicial situado no
primeiro núcleo, identifico as tendências dos movimentos e das mudanças percebidas
80

nos demais núcleos. Da esquerda para a direita teremos o momento inicial


identificado e apenas o sentido para onde as transições estão se deslocando e não, um
pólo oposto estático, estável e caracteristicamente definido.

Quadro nº - 1
REFERENCIAL DE TENDÊNCIAS

Tendências que caracterizam os Tendências que caracterizam os


primeiros princípios paradigmáticos na movimentos de transição em relação ao
Fonoaudiologia modelo inicial da Fonoaudiologia

Paradigma newtoniano-cartesiano Paradigma mais sistêmico-holístico

- Positivismo – Behaviorismo -Psicanálise, Psicologia


(Fenomenologia – Existencialismo)
- Modelo teórico: - Modelo teórico:
Biomédico/pedagógico busca de seu próprio modelo.
por empréstimos a outras disciplinas.
- Clínica que focaliza a objetividade Clínica que inclui a subjetividade
- Predomínio do discurso autoritário - Predomínio do discurso polêmico
- Individual curativo - Social, preventivo e ecológico
- Utiliza um modelo de linguagem - Modelos de linguagem que incluem o
estruturalista e gerativista social, a interação, o ideológico, a
cultura e o inconsciente.

Generalizações: Generalizações:

- Ênfase na parte - Ênfase na totalidade


- Divisão - Unificação
- Análise - Síntese
- Generalização - Particularização
- Quantitativo - Qualitativo
- Determinismo - Indeterminismo responsável
- Tendência reducionista - Tendência ampliativa e relacional
- Fixo - Flexível
- Exatidão - Imprevisibilidade
- Ênfase no controle - Ênfase na participação
- Codificação - Metáfora
- Previsibilidade e acumulação - Descontinuidade e instantaneidade
- Procura causas - Procura sentidos
- Auto-afirmativo - Integrativo
- Dominação - Parceria
- Exclusão do sujeito (dualismo) - Inclusão do sujeito (unicismo)
- Realidade sensorial e objetiva - Realidade ampliada e interconexa
- Literal (imediato) - Intuitivo (reflexivo)
- Experimental - Experiencial
- Linear - Não linear
81

- Sujeito e língua, distintos - Sujeito e língua indissociáveis


- Sentido imediato - Sentido ideológico
- Linguagem clara - Linguagem opaca
- Interação objetiva - Interação intersubjetiva
- Avaliar utilizando a comunicação e a - Avaliar utilizando a interação
interpessoalidade contextualizada e espontânea
- Sujeito independente - Sujeito ideológico
- Apropriação individual da linguagem - Apropriação social da linguagem
- Questionário - Diálogo
- Compreensão - Interpretação
- (Terapeuta X paciente) - Terapeuta – sujeito
- Queixa - Demanda
- Padrão estético para a linguagem - Sentido da linguagem
- Sintoma: indivíduo - Sintoma: Sujeito – família –sociedade
- Normal X patológico relações ecológicas
- Só o dito (Silêncio negligenciado) - O dito e o não dito (O significado do
silêncio)
- Erro, inadequação - Falha, deslize
- Classificação de sintomas - Relações de sentido
- Ouve - Escuta
- Terapeuta educador, treinador - Terapeuta fonoaudiólogo
82

CAPÍTULO 4

DISCUSSÃO GERAL E CONCLUSÕES

Quando sinto, sei que existo.


Quando penso, sei que não existo.
E o que digo, será interpretado
Por quem também sente e pensa.

Atento ao foco deste trabalho, que são as transições paradigmáticas


contemporâneas na Fonoaudiologia pensadas a partir do conceito de interconexidade
como operador conceitual da Física, um primeiro aspecto a ressaltar, descrito no
capítulo sobre paradigmas, é o fato da insatisfação com o modelo anterior que
mobiliza alguns cientistas a proporem novos modelos.
A cada nova proposta que surge, nas mais diversas áreas, tende-se a aumentar
as interconexões. Como muitos estão propondo diversos modelos nas mais diferentes
áreas do saber, seria inevitável que as mútuas influências provocassem reações “em
cadeia” por toda a rede de conhecimentos atingindo também, a Fonoaudiologia.
As críticas ao positivismo não são privilégio dos paradigmas fonoaudiológicos.
A insatisfação da Fonoaudiologia com o modelo pedagógico e com o modelo
biomédico embasados numa visão positivista newtoniano-cartesiana, certamente
trouxe um leque de novas opções.
Da multiplicidade de paradigmas que possam estar existindo na
Fonoaudiologia, os aqui selecionados, ao serem analisados sob os referenciais
expostos, merecem, a meu ver, uma dupla particularização.
Na primeira, como foi referido por Chico Science, na introdução deste
trabalho, “...Deixar que os olhos vejam pequenos detalhes lentamente...”. E na
83

segunda, deveremos relembrar o alerta de Bohm, “... se utilizarmos uma visão geral
do mundo como constituído de fragmentos independentes, então é assim que a nossa
mente tenderá a operar...”. Procuraremos ordenar um sentido direcional entre a
multiplicidade paradigmática com que nos deparamos para que as percepções
fragmentadas tornem-se harmoniosas, ou seja, um olhar mais próximo, observando
particularidades paradigmáticas, e um outro mais distante que procure uma visão
global, com o auxílio de alguns dos referenciais da Física.
Olhando para os pequenos detalhes de como atua um fonoaudiólogo no
material apresentado, pôde-se perceber seu núcleo paradigmático a partir de sua
visão clínica de linguagem, sua visão de homem e, no seu processo terapêutico, o
privilégio que ele dá ao corpo, às produções lingüísticas, aos dados subjetivos e
também, à dimensão social.
Para refletir e discutir sobre os núcleos paradigmáticos que foram
apresentados, adotaremos um caminho norteador que terá seu início pelo paradigma
positivista, pedagógico, biomédico e seguirá para o núcleo paradigmático de base
lingüística. Passará pelo núcleo de base psíquica e finalizará seu percurso com o
paradigma de atuação social.
De acordo com o estudo de paradigmas apresentado no início deste trabalho,
percebemos que após o estabelecimento de algum referencial paradigmático,
seguem-se as necessárias condições para que este paradigma deixe de responder às
novas questões que, inevitavelmente, vão surgindo. As novas pesquisas e associações
de conhecimentos vão fornecendo estabilidade ou ameaçando o paradigma vigente.
No caso da Fonoaudiologia, pôde-se observar no material coletado, acrescido
do respaldo teórico dos autores selecionados, diversos pontos que demonstravam
ameaçar o paradigma vigente e proporcionar o surgimento de diversas novas
maneiras no fazer fonoaudiológico.
Com a produção de conhecimentos na área da subjetividade, com o interesse
pelos dados relacionais e pelo psiquismo, o então paradigma vigente de base
newtoniano-cartesiana, positivista e biomédico passou a revelar uma série de
limitações.
Este paradigma apresentava a idéia de uma certa estabilidade como por
exemplo, a previsibilidade revelada através do uso de testes padronizados que
84

quantificavam os quadros patológicos, os prognósticos com certo grau de precisão e


as anamneses adaptadas para cada tipo de problema fonoaudiológico.
Existia a tendência de abstrair, separar a língua do sujeito. A linguagem era
objetivamente tida como exata e o processo terapêutico era pautado pelas noções de
estímulo-resposta, de controle com pouco ou nenhum envolvimento pessoal por parte
do fonoaudiólogo. Lidava-se muito mais com certezas do que com probabilidades.
Neste primeiro modelo paradigmático, o conceito de saúde e doença tende a
abranger segmentadamente, apenas alguma função de linguagem de forma isolada e
não interativamente, associada aos demais aspectos (mais abrangentes) conhecidos
do ser humano.
Para ameaçar a estabilidade e as certezas deste paradigma e iniciar uma
transição, surgiram os conhecimentos e estudos sobre a subjetividade. Com o
entendimento de alguns fonoaudiólogos sobre este assunto, certamente, problemas
relacionados à percepção das particularidades de cada pessoa, das influências de seu
material psíquico e de suas relações familiares, fizeram com que alguns
fonoaudiólogos demonstrassem a necessidade de novos paradigmas em seu pensar e
agir.
Como o paradigma vigente (primeira e segunda publicações), em que há o
privilégio dos dados objetivos, procurava excluir o sujeito de seus dados
manipuláveis, ele não dava conta dos tantos outros questionamentos que surgiam a
respeito dos aspectos subjetivos (nas publicações de três a seis).
Para alguns, esta transição paradigmática, com relação a este primeiro modelo,
viria através da Lingüística; para outros, através da Psicologia e da Psicanálise. A
linguagem que era transparente, passou a ser percebida como opaca, carregada de
conteúdos que necessitavam ser interpretados, tanto no aspecto individual, quanto
nas dimensões do social e do cultural.
Apesar de continuar possuindo aspectos newtoniano-cartesianos em sua
concepção de realidade, nesta transição houve uma ampliação na visão de homem e
uma aproximação entre as partes segmentadas deste homem. A relação tornou-se
mais interativa, tanto do terapeuta com seu paciente/cliente, quanto do terapeuta com
a família. Lida-se então, muito mais com a espontaneidade e probabilidades do que
com as certezas.
85

Nas diferenciações ao modelo positivista e biomédico, além de identificar no


sujeito suas particularidades, a falta de uma percepção das influências do contexto
familiar sobre a gênese e o desempenho de linguagem, levaram alguns
fonoaudiólogos à introdução da dinâmica das relações familiares em todo o processo
de intervenção fonoaudiológica.
O conceito de saúde e doença fonoaudiológico, nesta primeira transição
paradigmática, tende a acrescentar à sua visão de homem e de mundo, pautada por
uma postura behaviorista comportamental, os aspectos lingüístico e psíquicos ligados
à subjetividade. O Sócio-lingüístico amplia a visão da Lingüística anterior, de
características inatistas e o referencial psicológico psicanalítico amplia a visão
anterior pautada pela Psicologia Comportamental.
O ser humano passa a ser considerado portador de uma “consciência”
existencial-fenomenológica e de um inconsciente psicanalítico. Ambos, para a
Fonoaudiologia, no sentido de uma reversão ao cartesianismo. Na psicanálise
teremos uma subjetividade que transcende a racionalidade presente nas outras
psicologias, ou seja, com a nossa submissão quase total ao inconsciente que,
estudado de forma biográfica, revela um sujeito único e, de certa forma,
newtonianamente “isolado”.
Porque a realidade nunca é evidente, interpretar é preciso. Porque a
comunicação nunca é unívoca, interpretar é inevitável. Diferentemente da
Psicanálise, a interpretação, em Fonoaudiologia, atuará em uma outra esfera,
diferente das intervenções psicoterapêuticas. Isto necessita ficar muito claro para
ambas as áreas.
Um aspecto importante a ressaltar, é o fato de que Freud utilizava a fala como
principal meio de comunicação. Fica flagrante uma certa dificuldade com relação ao
“corporal” supervalorizando-se portanto, a fala. Cabe assim, perguntar: e as pessoas
que estão impossibilitadas organicamente da emissão oral? Elas estariam isentas de
seu movimento discursivo, de cometer falhas, transferências, equívocos, metáforas,
etc.? Claro que não. A própria Psicanálise contemporânea vem discutindo este
aspecto e adaptando-se a esse contexto.
Necessita-se de um tomar de consciência especial com relação às
possibilidades de interferência das nossas próprias projeções e das transferências e
contra-transferências existentes em todo o processo de relação terapêutica. Deste
86

modo fica bem mais evidente, a necessidade de muitos investimentos por parte desse
novo profissional, não só no nível intelectual ou na prática de supervisões
personalizadas, mais também, no seu próprio processo psicoterapêutico individual
em relação às suas particularidades.
Antes e depois de Freud, o inconsciente continua sendo um imenso desafio
para a humanidade e a interpretação, como ato de atribuir sentido, continuará por
muito tempo sendo uma ferramenta apreciável para qualquer processo “terapêutico”
inclusive na Fonoaudiologia.
É importante lembrar que a Psicanálise, com seus diversos estudos e revisões,
tem estado exposta à opinião de inúmeros autores de diferentes culturas e épocas.
Torna-se extremamente coerente que o fonoaudiólogo conheça, ao menos, algumas
das principais bases norteadoras do pensamento psicanalítico, descritas, além de
Freud, também por J. Lacan, D. Winnicot, Melanie Klein e ainda pelos dissidentes C.
Jung e W. Reich, dentre outros, como também, as discussões nas escolas mais
recentes.
Um fator enriquecedor na compreensão de qualquer paradigma é compreender
a opinião de alguns dos seus principais críticos. Visitar os extremos que podem
oscilar desde alguns mais tradicionais, como o próprio Lacan, em sua defesa e
manutenção de seus pressupostos, até outros mais radicais como Souza (1998:52),
quando compara a noção de inconsciente da Psicanálise com os estudos mais
recentes sobre a consciência, ele afirma: “A Psicanálise freudiana pretendeu ser
início meio e fim de uma nova ciência: ela mesma”. Este autor procura chamar a
atenção para a compreensão do inconsciente a partir dos conceitos de
interconexidade e ordem implícita sem limitarmos o inconsciente à visão freudiana.
Seguindo esta mesma linha de raciocínio, não podemos esquecer que nos
estudos psíquicos, esta área oferece um vasto campo. Em seus paradigmas, ao sair do
Positivismo e do Behaviorismo, segundo Goulart (1987:65), esta área foi enriquecida
pela Psicanálise e pela base fenomenológica existencial. Atualmente, de acordo com
Grof (1987), está sendo acrescida pela área Transpessoal.
Todas estas áreas de estudo merecem igual atenção por parte da
Fonoaudiologia em suas futuras transições, uma vez que, mais cedo ou mais tarde,
alguns pesquisadores vão sentir novas faltas, farão novos questionamentos, realizarão
87

novas pesquisas e lançarão novas propostas em um infinito processo de renovação e


crescimento.
Sem a pretensão de ficar interpretando os diferentes tipos de interpretações,
neste sentido, falar de sentidos relacionados ao inconsciente será algo sempre
arriscado. Não conhecemos efetivamente seus limites, sua dinâmica e, muito menos,
as variáveis que podem interferir neste complexo recorte chamado linguagem.
Apesar de fundamental neste núcleo paradigmático, o ato de interpretar pode
tornar-se um problema também para o fonoaudiólogo, quando passar a ser
sistemático e obrigatório. Deve-se tomar cuidado para não se utilizar um quadro
referencial inadequado na conclusão de alguma significação em um dado contexto.
Deve-se considerar a própria arbitrariedade inerente a todo e qualquer sistema de
referencias (Doron e Parot, 1998).
Consciente de que não existe uma relação paritária entre linguagem,
pensamento e mundo, o fonoaudiólogo pode beneficiar-se ao realizar registro
gravado de sua atuação para uma posterior interpretação do seu material (terceira
publicação), ultrapassando a noção de produção certa-errada da linguagem. A
interpretação de registros permitirá, ao clínico, uma inserção melhor na compreensão
do processo interativo-terapêutico com a linguagem, que é o seu objeto de trabalho.
Em um período rico em transformações como este, não podemos deixar de
pensar no chamado “padrão de qualidade”, ou seja, a importância da supervisão.
O fonoaudiólogo que trabalha aprofundando os inúmeros aspectos ligados à
subjetividade, com interpretação e com a dimensão psíquica, necessita ser
supervisionado por colegas da área psíquica ou por fonoaudiólogos capacitados (para
assuntos ligados à Fonoaudiologia). É importante que o fonoaudiólogo esteja
beneficiando-se de seu processo psicoterapêutico individual, como condição
necessária à essa nova habilidade profissional neste paradigma.
Como exemplo (ilustrativo), podemos citar a passagem dialógica descrita no
caso de paralisia cerebral (p.87 do caso): “a mãe está mostrando sua dificuldade de
vê-lo relacionar-se comigo”. Sem dúvida, não é fácil lidar com as situações de
transferência e contratransferência. Isto denuncia a qualidade de envolvimento
pessoal e profissional que cada fonoaudiólogo irá estabelecer.
No caso observado, a fonoaudióloga não entrou em competição com a mãe
disputando a afetividade da criança. Sem negligenciar o fato, proporcionou um
88

ambiente reflexivo sobre o que estava acontecendo. É oportuno lembrar, que mesmo
os mais experientes psicólogos e psicanalistas não dispensam a prática de serem
psicoterapeutizados e/ou analisados.
Desta forma, parece ser coerente, utilizarmos a pouca consciência que
possuímos, para pelo menos, admitirmos a nossa limitação. A partir daí, falar e ouvir
uns aos outros, cônscios dessa perspectiva.
Como fonoaudiólogos, em qualquer dos paradigmas, se conseguirmos a mesma
ênfase demonstrada pela prática psicanalítica às supervisões e às orientações entre
colegas, bem como o incentivo ao investimento psicoterapêutico individual
constante, certamente diminuiremos os inúmeros e possíveis equívocos de
interpretações no campo fonoaudiológico e melhoraremos a qualidade das
intervenções.
Preocupa-nos a existência necessária de uma certa maturidade pessoal e
profissional para que o fonoaudiólogo, que sai de currículos de base positivista,
formado em cursos que ofereceram, unicamente, o modelo biomédico, passe a
trabalhar com a dimensão da subjetividade.
Saberia este profissional evitar uma tentativa de dicotomização objetivo-
subjetiva em detrimento de alguma destas dimensões? Certamente, no trato com o
humano (individual e coletivo), elas seriam indissociáveis para a atividade clínica.
Saberia, também, diferenciar sintomas orgânicos de sintomas conversivos? Quais
seriam os seus critérios para indicar ou não um cliente para um acompanhamento
psicológico, psiquiátrico ou psicanalítico, diante das inúmeras abordagens
existentes?
Hoje, em muitas situações, é o fonoaudiólogo o primeiro profissional a entrar
em contato com determinadas situações clínicas. Muitas delas exigem a atuação de
várias especialidades. O fator tempo e o tipo de trabalho exercido poderão influenciar
decisivamente no prognóstico. Desta forma, justifica-se a necessidade de que o
profissional de fonoaudiologia, em qualquer especialidade, tenha as necessárias
condições para realizar a indicação mais acertada para outros profissionais e, se
possível, desenvolver trabalhos conjuntos.
Em um outro movimento paradigmático, assim como o privilégio à
objetividade foi questionado pela incorporação da atenção à subjetividade, uma
segunda transição paradigmática veio questionar o modelo clinicista de atuação
89

profissional, ou seja, a atenção do fonoaudiólogo para questões além de seu setting


terapêutico, no primeiro ou no segundo núcleo paradigmático.
Dá-se aí mais um movimento de transição (sétima e oitava publicações). As
questões sociais não eram respondidas pelos paradigmas anteriores. Assim como o
primeiro paradigma não respondia às questões ligadas à subjetividade e à dinâmica
familiar, o segundo paradigma não respondia às questões ligadas ao conhecimento da
dinâmica das relações sociais e ambientais.
Percebendo que não só a família, mas, também, toda a sociedade
interpenetrava-se na dinâmica das questões fonoaudiológicas, certamente, realizou-se
mais uma transição ampliando as interconexões e o olhar fonoaudiológico para a
realidade.
Neste terceiro núcleo paradigmático, a concepção de saúde e de doença tende a
abranger o indivíduo em seus aspectos orgânicos, psíquicos individuais e suas
relações com todo o núcleo familiar. O conceito de saúde e doença passa a abranger
as populações, a estimular conhecimentos na área de prevenção, a entender e, de
forma crítica, posicionar-se politicamente, relacionando-se com outros conceitos de
saúde e doença mais gerais, ao lidar com a influência do meio ambiente (local e
global) em níveis extremamente interdisciplinares.
Ao realizar a segunda transição, alguns fonoaudiólogos começam a pensar e a
agir na área de Saúde Pública e Saúde Coletiva. Importante, também, é percebermos
que disciplinas afins já desenvolviam este núcleo paradigmático em suas
especialidades. A Fonoaudiologia, com um certo atraso, está sendo uma das últimas a
trabalhar com esta dimensão.
Torna-se importante perceber que um paradigma não anula outro. Todos
podem co-existir e se desenvolver teórico-praticamente. Entretanto, não será
apropriado fazer-se uso de um ecletismo aleatório, utilizando o que for percebido
como sendo o melhor em cada paradigma. Há riscos, como por exemplo, se um
fonoaudiólogo que esteja pautado por princípios subjetivos ligados à Psicanálise
ortodoxa (que privilegia o atendimento individual) quiser trabalhar com fonoterapia
em grupo. Ele terá algumas dificuldades teóricas e práticas para respaldar sua clínica.
Terá que recorrer assim, a outras possibilidades (não ortodoxas) dentro da própria
Psicanálise ou recorrer à Psicologia (em sua multiplicidade de opções).
90

De outra forma, se um profissional que esteja pautado nos princípios que


privilegiam a objetividade no modelo biomédico for exercer um cargo em uma
Unidade Básica de Saúde, numa comunidade extremamente empobrecida, não seria o
mais apropriado (neste paradigma) de sua parte, exercer uma prática assistencialista
(alienada e alienante) mas sim, desenvolver uma contextualização epidemiológica e,
sobretudo, participar ativamente dos problemas e soluções da comunidade.
É preocupante a necessidade de que exista uma maturidade político-ideológica
em um profissional que não recebeu este tipo de formação e passa a atuar em
comunidades empobrecidas. Estaria este profissional alimentando o sistema de
opressão das classes dominantes (de onde saiu) e mantendo, desapercebidamente, o
estado de empobrecimento contínuo da população a que presta serviços? De que
adianta receber alta clínica fonoaudiológica e voltar para um estado de miséria que
atinge todos os níveis?
Por outro lado, nada impede que um profissional, por exemplo, possua um
transitar consciente no terceiro paradigma e realize um condicionamento auditivo ao
mais clássico estilo behaviorista. O problema não é a técnica, é o todo. Em um
expediente semanal de 40 horas, como esse profissional distribui sua atividade?
Quais os recursos de que ele dispõe em seu arsenal de métodos? Qual o
conhecimento teórico-filosófico, político-ideológico deste profissional? Deve-se ser
prisioneiro de um paradigma?
Claro que não. É necessário que haja discernimento e competência para
manipular diversidades, bem como a interconexão, a pesquisa, o engajamento e,
certamente, uma certa porosidade que não permita a segmentação excessiva e sim a
respiração, o contato e o confronto fronteiriço transformador.
Nesse sentido, há de se concordar com Feyerabend (1977) quando em seu
livro “Contra o Método”, ele estimula um certo inconformismo e uma total liberdade
para que ciência, cientistas e comunidade, possam progredir efetivamente.
Um outro aspecto importante, com a chegada dos aspectos subjetivos no trato
com a problemática fonoaudiológica, é “visão do todo” humanística, que transcende
o corporal e inclui o mental (psíquico) e passa do individual para o coletivo, mas não
tem demonstrado interesse em continuar do psíquico para o espiritual, ou
transcendente. Fato que será algo complexo e sugestivo de futuras pesquisas.
91

Chamo a atenção para o espaço do sagrado, não algum em particular, mas a


dimensão humana em relacionar-se com a enorme diversidade de paradigmas nesta
categoria. De alguma forma, o tipo e a qualidade deste relacionamento poderá
favorecer ou prejudicar o estado de harmonia ou de doença de uma pessoa, tanto em
sua dimensão individual e familiar, quanto em sua dimensão sócio-ambiental. O
desconhecimento e/ou a negligência de um profissional nesta área poderá ter
conseqüências importantes para aqueles a quem ele presta serviço.
Após a clareza deste breve percurso, percebe-se que o leque de opções
paradigmáticas está a cada dia aumentando. É extremamente importante, que as
escolas de formação profissional e de pós-graduação percebam este pluralismo e
forneçam as necessárias condições para que estudantes e profissionais da área
possam entender, em profundidade, as polêmicas razões destas transições, bem como
conhecer o lado prático das mesmas para que possam realizar, conscientemente, suas
escolhas, sem perder de vista as interconexões e as necessidades do contexto global.

4.1- CONTEMPLANDO PERSPECTIVAS, COMPARTILHANDO


ANSEIOS.

Confesso que, como seria de se presumir ao trabalharmos com uma temática


desta importância, não poderia deixar de vislumbrar possibilidades futuras.
Sem dúvida, admito que muito fui transformado pelas diversificadas leituras
que foram necessárias para a confecção deste trabalho. Com o aumento do nosso
nível de consciência sobre as infinitas interconexões, a cada dia mais complexas,
para o qual se dirige a ciência (e também a Fonoaudiologia), exige-se, logo de início,
duas posturas básicas para que este nível de consciência seja adequadamente
vivenciado.
Primeiro, possuir a capacidade de se atualizar diante de tantas informações
novas que surgem simultaneamente nas mais diversas áreas. Tais informações
exigem bem mais inteligência humana e artificial (informatizada) para serem
armazenadas, processadas e compreendidas. Em segundo, adquirir um certo
discernimento que incluiria toda uma ética para a sua utilização.
92

Sem pretender abrir esse leque de discussões, para ambas as posturas, o mais
importante passa a ser o fato de que todas as informações devam ser percebidas de
forma sistemicamente integrada, ou seja, interconexa.
Neste sentido, as repercussões são tantas, que apenas algumas puderam ser
aqui delineadas. A Fonoaudiologia, por vivenciar íntimas relações de natureza
essencialmente interdisciplinar, poderá levar algumas vantagens em relação a
algumas outras disciplinas neste provável desafio comum para as próximas décadas.
Pensando particularmente nas relações entre a Fonoaudiologia e a linguagem,
diante de sua natureza, complexidade, fluidez, multiplicidade, pluralidade,
heterogeneidade, subjetividade e de sua geniosa dinâmica auto-organizadora,
certamente os estudos sobre a linguagem nos proporcionarão ainda, muitas surpresas
diante das possibilidades dos novos paradigmas.
Sem dúvida, na exposta compreensão complexa da realidade, o modelo de
linguagem adotado influencia o tipo de prática profissional. Desta forma, seguindo a
evolução do conhecimento, provavelmente haverá a necessidade de utilizarmos
novos modelos de linguagem que incluam a não localidade dos eventos, a
interconexidade, a ordem implícita e a transcendência do tempo-espaço, numa
dimensão que atinja holograficamente, qualquer fenômeno em toda a rede sistêmica
no Universo.
Certos de estarmos ainda muito longe de tal possibilidade, a linguagem poderia
ser metaforicamente compreendida como sendo (ao mesmo tempo) o filme, o script,
o autor, o ator, a tela e o espectador. Nela, todas essas situações aconteceriam ao
mesmo tempo e em todos os tempos (presente, passado e futuro).
A partir de tais referenciais, uma criança, em seu processo de aquisição de
linguagem, poderia ser comparada, em cada uma de suas fases (do nascimento à
morte), a apenas mais um capítulo da reprise de um filme inédito. Se neste
interacionismo ampliado, todas as “partes” contiverem implicitamente o todo,
utilizando a noção de unicidade, poderíamos pensar que um ser humano
“aprendendo” seria o Universo ensinando a si mesmo o que ele já sabe, para depois,
esquecer e relembrar novamente. E se isto não estiver fluindo adequadamente, ele
cria fonoaudiologias para resolver-se.
Sob tais condições, quase inacessíveis à nossa lógica usual, falar em
subjetividade seria também admitir nossas múltiplas identidades: a imagem que
93

fragmentadamente criamos sobre nós mesmos, a que os outros (também em


fragmentos) fabricariam a nosso respeito e a identidade do próprio Universo sem
divisões. Mesmo assim, teríamos que admitir que todas essas possíveis percepções
não seriam estáticas e estariam sempre em constantes transformações.
Desta forma, não seria a subjetividade senão um mero instante particular de
nossa dividida e limitada percepção? Como então perceber que um inconsciente
pessoal também seria, simultaneamente, o inconsciente do Universo? E ainda, que na
dinâmica da linguagem, o Universo geraria e absorveria autofagicamente a tudo, de
forma totalmente integrada sem nenhuma divisão?
Uma das possibilidades dos princípios originados na Física Quântica é a de que
não estejamos descobrindo a realidade, mas participando de sua criação. Desta
forma, não existiria futuro que não tivesse sido pensado e não haveria percepção do
presente que não estivesse sendo pensada.
Sabendo disto, há a possibilidade de podermos criar o nosso futuro. Abrem-se a
partir daí, inúmeras discussões filosóficas, éticas, morais, etc. Como essas discussões
não são derivações almejadas, fica-nos somente o desejo de que a Fonoaudiologia
não negligencie tais dimensões no “futuro”.
Diante da idéia do conceito de interconexão, estando e sentindo-se em relação
sistêmica de igualdade com as outras disciplinas, também poderá dispor de uma
ampla diversidade de posturas teóricas e práticas em seu arcabouço particular.
Poderá estar mais autônoma para pensar conscientemente, em especialidades
(mais divisões) sem perder o conceito de rede, mantendo a consciência de que as
divisões internas (e entre as profissões), são meramente uma exigência prática. As
divisões neste caso, não seriam fruto do desenvolvimento de um saber científico e,
muito menos, fruto de um acreditar que a realidade seja ou funcione assim.
A contínua e crescente compreensão da complexidade e o direcionamento
expansivo apresentado na atual Fonoaudiologia, se competentemente vivenciados,
contribuirão de certa forma, para os “nossos” grandes objetos que são a
sobrevivência e a qualidade de vida, na medida em que direciona o fonoaudiólogo
para uma postura mais interconexa, menos condicionada e mais reflexiva do que
antes.
Como fonoaudiólogos, também nos sentimos desafiados a, sistemicamente,
passarmos para um novo nível de compreensão de homem e de mundo. Um nível
94

mais complexo que o anterior em que serão produzidas inúmeras novas idéias a partir
de um não enclausuramento dentro de modelos restritos e pseudo-estáticos, de uma
contínua autocrítica edificante e, sobretudo, de muitas relações com um maior
número possível de outras disciplinas.
Na impossibilidade da consciência plena, optar por uma não simplificação
segmentadora, significa denunciar constantemente os limites, as insuficiências e as
carências do pensamento do modelo paradigmático que estivermos utilizando. É
importantíssimo distinguir as coisas sem isolar umas das outras.
É neste sentido que a Fonoaudiologia deverá se assegurar para que suas
transições não redundem “no mesmo” disfarçado de interativo. Como profissão
recente e de visão cosmológica diversa e imprecisa, há de se compreender que em
nossa simplificada visão de homem e de mundo, ainda estamos, como
fonoaudiólogos, muito próximos do período de controle dos estímulos e das
respostas. Ainda não estamos lidando com um ser integral, um ser humano,
sociológico, filosófico, político, antropológico, teológico, ecológico e cósmico.
De certo modo, para a Fonoaudiologia, a percepção e vivência de tal
complexidade poderá enriquecer suas perspectivas terapêuticas mais imediatas, na
medida em que neste enfoque multidimensional de uma complexização expansiva, o
fator criatividade favoreça decisivamente um modo não seqüencial de pensar/agir,
aberto ao imprevisível e ao abandono, total ou parcial, das práticas tradicionais.
É na concepção de rede, que todos se relacionam intrinsecamente. O
crescimento de uma “parte” significa o crescimento de todas, porque ao
relacionarem-se novamente, haverá um crescimento mútuo em expansão.
É importante questionar também, uma outra possibilidade de complexização.
De um ponto de vista prático, será que em algum momento a Fonoaudiologia passará
a trabalhar com a sua matéria prima “linguagem” além do limite do estado normal de
vigília (ou consciência ordinária), incorporando os estados alterados de consciência?
Assim como a Psicologia iniciou seus estudos nesta área em meados dos anos
sessenta, a Fonoaudiologia da era 2000 também poderá sentir esta mesma
necessidade, uma vez que a linguagem nos habita por inteiro (em todos os níveis de
consciência) e pode desarmonizar-se e ser terapeutizável em qualquer de suas
dimensões (individuais e/ou transpessoais).
95

De modo geral, pensando nas interconexões que temos que, responsavelmente,


assumir como cientistas e no efeito “dominó” que nossas ações ou negligências terão
sobre nós mesmos, uma coisa nos transparece como certa, individual e
coletivamente: todas as nossas ações dependerão do nosso nível de consciência sobre
o “todo” e sua dinâmica. Como nos é impossível a generalização e a unânime
padronização, para cada cientista corresponderá uma ciência e para cada nível de
consciência uma Fonoaudiologia, porque todas as fonoaudiologias (positivistas ou
não) precisam existir e são igualmente importantes para a evolução humana.
Pensando agora na segunda transição paradigmática, percebo que tratar de
questões globais dentro de cada disciplina e agir sistêmico-localmente a partir da
visão geral, deixou de ser uma simples especulação filosófica para se concretizar na
qualidade do nosso dia-a-dia e no como viveremos nos próximos anos. Como
fonoaudiólogos, estamos em transições sim, pois no Universo “não” existe nada fixo,
imóvel.
Diante desta dimensão, seria mais apropriado tentar manter, exclusivamente, as
nossas ciências confinadas às paredes dos nossos laboratórios e à proteção ilusória
dos limites dos nossos consultórios? Ou devemos assumir o verdadeiro tamanho dos
nossos problemas para atuar simultaneamente em todas as suas faces, com a devida
ênfase onde for demonstrado ser mais necessário?
Pensando em Saúde Pública, poderíamos então questionar: qual o tamanho do
nosso “setting”? Sem dúvida, a delimitação do espaço físico e a obtenção de um
certo controle sobre as circunstâncias facilitam muito a atividade fonoaudiológica.
Diante de uma proposta que só caiba nesta dimensão, metaforicamente falando, o
tamanho do setting de uma profissão passa a ser proporcional ao tamanho de sua
consciência.
O impacto da interconexidade e da complexização contínua têm gerado um
desafio adicional para todas as ciências: deixar de trabalhar com sistemas fechados e
passar a trabalhar com sistemas abertos. O objeto de uma ciência deixa de ser um
recorte único e passa a ser um sistema o mais aberto possível que uma determinada
geração de cientistas tenha condições de gerenciar. Sabemos que não existimos
isoladamente, mas também sabemos que é impossível trabalhar com toda a rede de
relações.
96

Nas questões públicas, a simplicidade do dualismo cartesianamente


apresentado parece ser uma teoria sem muitas perspectivas de crescimento, pelo fato
de ter feito uma distinção estrita entre o “mental” e o “físico” e não conseguir
construir uma relação inteligível entre os dois e nem entre eles e o meio ambiente.
Do mesmo modo, podemos pensar que a distinção entre o ser humano e seu
ambiente seja outra distinção estrita. Aceitar, sem restrições, o dualismo e a divisão
significa desistir de toda a visão científica de mundo que levou quase quatro séculos
para ser obtida na evolução do conhecimento ocidental.
Para a Fonoaudiologia que, a seu modo, também, lida com a linguagem e
possui a consciência de que ela está inserida constitutivamente nestes dois reinos
(mental e físico), dualisticamente falando, privilegiar o lado das idéias ou ”mental”
do seu objeto já extremamente subdividido entre outras disciplinas, está sendo o
caminho mais viável na atual transição de paradigmas.
Entretanto, utilizando um paradigma de visão “não-dualista” que leve em
consideração a interconexidade entre todas as coisas, para gerenciar tal condição a
Fonoaudiologia fica diante de grandes dificuldades que, a seu tempo, desafiarão a
capacidade integrativa dos nossos hemisférios diante da quantidade e dimensão das
novas informações.
Na concepção de rede, um referencial não anula outro. Nenhum ponto seria
fundamental em relação aos outros. Todos são igualmente importantes porque todos
são um. Certamente, fonoaudiólogo do corpo e fonoaudiólogo da mente não é o auge
de nossas capacidades como ciência. A Fonoaudiologia social e ambiental pedem
passagem.
Do individual para o público, passamos, conseqüentemente, a ter a
consciência de que a imagem que fazemos de nós mesmos (individualmente) é um
recorte no tecido total da realidade, e mesmo assim, um auto-recorte submetido às
limitações flutuantes de nossas condições psicológicas, culturais, intelectuais, etc. A
nossa auto-imagem passa a ser uma simples “caricatura” e não o que considerávamos
como sendo o nosso “eu”.
Deveríamos considerar que a nossa auto-imagem deverá ser exatamente, a
consciência da nossa “caricatura”, da nossa “máscara”, ou da nossa “não
individualização”, convivendo com a consciência de que, na verdade, não somos
exatamente o que conseguimos fragmentadamente imaginar de nós mesmos.
97

Poderíamos transpor esses mesmos questionamentos “individuais” para a


ciência fonoaudiológica e admitir que a Fonoaudiologia seria uma caricatura
consciente de um tipo de recorte na rede, no subsistema do conhecimento (conhecido
e não conhecido).
Diante destas perspectivas, como passar a entender a subjetividade,
especialmente na Fonoaudiologia? Como adequar o fazer a partir desse novo nível de
complexidade na ciência hoje? Seria aceitável uma avaliação da linguagem indicar
que ela seja íntegra, sadia e o indivíduo doente, numa sociedade doente, em um
mundo ecologicamente doente? Quais seriam então, os nossos novos conceitos de
saúde e de prática fonoaudiológica decorrentes da percepção de unicidade (corpo-
mente-mundo...)?
Sem dúvida, tais questionamentos merecem o esforço de gerações, uma vez
que a complexidade dos “novos” paradigmas nos colocam diante de mais uma
importante situação: os problemas de que trata uma área qualquer do conhecimento
não estão isolados. Eles interferem e recebem interferência de todas as outras áreas
do saber (em rede) formalizado como ciência ou não.
Admitindo-se que a parcela de conhecimento científico de que dispomos não
retrata a realidade, ela mesma transcenderia em muito esta condição. Sendo assim,
como pensar em soluções individuais? Acionar o movimento da “minha” ciência sem
considerar o movimento interativo das outras ciências não parece ser uma decisão
coerente e apropriada.
Para não tentarmos resolver nossos próprios problemas fonoaudiológicos
(particulares) e deixar de olhar para o contexto mundial, restringindo-se
inadvertidamente a um intimismo metaforicamente cego, teremos que perceber que
fazer ciência, fazer Fonoaudiologia no complexo contexto mundial de hoje, é algo
muitíssimo comprometedor.
Admitindo-se que a matéria prima da ciência seja o conhecimento e,
percebendo que, de alguma forma, ele sempre foi utilizado como instrumento de
dominação, conclui-se que o conhecimento é um fator decisivo nas relações entre
países ricos e pobres.
O estilo de vida que nós, raça humana, temos adotado é o de ainda não nos
percebermos sistemicamente como um organismo único. Isto tem gerado
98

conseqüências danosas a nós mesmos e à nossa qualidade de vida. Basta ver como
está o mundo hoje.
Sob uma visão ecológica mais profunda, o planeta Terra (o nosso) poderia ser
entendido como um organismo vivo único, que regula o meio ambiente para a sua
própria sobrevivência enquanto vaga pelo espaço.
Infelizmente, o comportamento de alguns de nós humanos poderia ser
comparado a um câncer que degenera o próprio organismo. Inadvertidamente, pode-
se estar indo nesta direção ou não, de forma consciente ou equivocada, ou ainda,
simplesmente negligenciando a atitude de impedir o alastramento destrutivo. Tais
afirmativas poderiam ser válidas tanto para a postura de uma profissão, no caso a
Fonoaudiologia que está em discussão, quanto a de cada leitor, individualmente.
Coletivamente, enquanto raça humana, ao mesmo tempo em que chegamos ao
ponto de estarmos colocando em risco a nossa própria sobrevivência, a nossa ciência
já possui conhecimentos suficientes para saber que esse atual modelo de ciência
newtoniano-cartesianamente segmentada, mecanicista e pretensamente neutra, de
fato, tem estado a serviço da exploração do homem pelo homem. Não está servindo à
maioria, nem está melhorado o mundo. Deste modo, pensar em transições é pensar
também qual a melhor Fonoaudiologia, para quem realizá-la, e de que maneira.
Dentre os fonoaudiólogos, pode-se observar que alguns se alienam diante de
tais questionamentos, outros se colocam diante do atual modelo predominantemente
mecanicista, numa postura conformista, tentando manter e conservar o que já existe,
outros ainda, de forma reformista, tentam fazer apenas algumas pequenas
modificações dentro do mesmo modelo. Alguns, no entanto, desenvolvem uma
postura realmente transformadora.
Caso a Fonoaudiologia, ou parte dela, conecte-se aos paradigmas que
incorporarem a interconexidade, estará necessariamente atrelada a valores de
cooperação e parcerias em que as noções de dominação passam a ser substituídas por
mútuas redes não hierárquicas de cooperação, numa visão de desenvolvimento
sustentável.
Isto garantirá, provavelmente, uma qualidade de vida ainda melhor para as
gerações seguintes e não, a herança de caóticas ruínas como resultado de sobras
inconseqüentes. Neste sentido, a maioria dos profissionais em Fonoaudiologia não
99

poderia deixar de incorporar criticamente tais preceitos em algum momento de suas


diversas fases de transição paradigmática.
Diante da natureza infinitamente transformadora que dinamiza o Universo,
desenvolver apego a algum paradigma e querer mantê-lo estável, significa estar indo
contra a própria dinâmica básica do Universo. A frustração dos conservadores parece
inevitável. Entretanto, se estaremos constantemente sendo mudados e mudando
continuamente, parece-nos que a opção que nos resta é apenas poder influenciar na
direção e/ou na velocidade das transformações.
Não conhecemos todas as variáveis que atuam em nossos processos de
transformação nem todas as leis que atuam nestes processos. De certa forma,
tentando fugir de uma aleatoriedade irresponsável, utilizar todo o conhecimento de
que já dispomos, parece ser o mais apropriado. É importante que estejamos
acompanhando os limites e pesquisando continuadamente, novas possibilidades.
100

4.2 - CONCLUSÕES

“ Nenhum paradigma jamais explica todos


os fatos presentes, e muitos paradigmas presentes
podem relacionar-se teoricamente frente ao mesmo
conjunto de dados. No entanto, em algum estágio
do desenvolvimento, funcionam como camisas-de-
força conceituais que interferem drasticamente com
a possibilidade de novas descobertas e explorações
de novas áreas da realidade.” (sem grifo no
original)
Grof (1987:3)

No material coletado, foi possível perceber a existência de três núcleos


paradigmáticos e duas importantes transições de paradigmas. O primeiro núcleo
paradigmático está ligado ao positivismo, fundamentado no modelo biomédico com
forte característica newtoniano-cartesiana. O segundo, apresenta relações mais
próximas com aspectos ligados à subjetividade e o terceiro, apresenta preocupações
com o coletivo.
A primeira transição paradigmática acontece a partir das necessidades que
foram surgindo e das críticas iniciais ao modelo do primeiro núcleo. Esta transição
veio com a inclusão dos aspectos subjetivos, subdividindo-se em duas vertentes.
Uma ligada à Lingüística (diferenciada da estruturalista) e outra ligada ao psíquico,
referente à Psicologia (não comportamental) e à Psicanálise.
A segunda transição paradigmática surge a partir das críticas ao modelo
clinicista privado, adotado no exercício profissional fonoaudiológico dos dois
primeiros paradigmas. Esta transição inclui preocupações político-epidemiológicas e
o trato com a Saúde Coletiva. Pode-se perceber que neste núcleo há mais uma
101

subdivisão. A que atua nas comunidades utilizando uma forma de intervenção


assistencialista e outra, a que atua na comunidade a partir de métodos participativos.
No dinamismo dos três núcleos paradigmáticos e das duas transições, o trajeto
destes deslocamentos demonstra partir do “indivíduo” passível e controlável para o
“sujeito”(psíquico e lingüístico) ator e ativo e, finalmente, deste “indivíduo-sujeito”,
na relação privada, para as relações com o coletivo.
Ao deslocar-se do primeiro paradigma, a Fonoaudiologia almejava por um
sujeito menos controlável, mais consciente e autêntico (psíquico e lingüisticamente).
No terceiro paradigma, pôde-se perceber que o próprio fonoaudiólogo passa a
almejar o não ser alienadamente controlado pela ideologia dominante (a estar mais
consciente nas relações sociais e a ser mais autêntico). Tanto no sentido interno de
classe profissional (para si), como no sentido qualitativo de seu trabalho (para a
população), a Fonoaudiologia está transformando sua prática assistencialista em
direção a uma prática participativa ao relacionar-se com a população.
Em outras palavras, seria como se o fonoaudiólogo percebesse o quanto ele era
autoritário e manipulador com seus pacientes e passou a ser mais dialógico com seus
parceiros de terapia, para só então, perceber que a ideologia dominante o tratava do
mesmo modo como ele se relacionava com seus pacientes. Daí, necessitou que ele e
seus parceiros de tratamento e prevenção, juntos, não fossem mais manipulados
autoritariamente, pela ideologia dominante.
Na compreensão das transições fonoaudiológicas estudadas, ao utilizarmos os
operadores da Física apresentados, percebe-se que a Fonoaudiologia necessitou de
inúmeras interconexões e de uma expansão perceptiva que, tendo se iniciado com
uma resumida percepção de simples erros ou sintomas isolados na linguagem, passou
a perceber as relações destes sintomas não com apenas uma região do organismo,
mas com o orgânico considerado em seu “todo”.
Do organicismo, foram identificadas as relações com o psíquico. Na
linguagem, perceberam-se as relações do observável e quantificável com o sentido
oculto, com a subjetividade particular de cada produção e com o ideológico-cultural
lingüístico.
O indivíduo, que era visto como único, isolado, foi inserido em um contexto
familiar e social. A sociedade, por sua vez, é inserida em um contexto ecológico de
mútuas relações interdisciplinares.
102

Metaforicamente falando, no Big-bang da Fonoaudiologia, o núcleo


gravitacional do primeiro modelo não foi suficiente para conter toda a energia
acumulada. Energias que, tendo entrado pelas porosidades de cada núcleo
necessitavam constantemente, de expansão. Com a explosão inicial, muitas outras
foram se sucedendo como uma reação em cadeia para várias direções (lingüísticas,
psicológicas e sociais).
O movimento de expansão, simultaneamente, aumentou o nível de percepção
sobre a realidade e elevou o nível de consciência. Diante do princípio da incerteza,
quem sabe no futuro haja a probabilidade de que um contexto ecológico profundo
possa ser visto como inserido em uma percepção progressiva e expansivamente
maior, até que as percepções segmentadas sejam minimizadas ao máximo.
De forma geral, para as ciências, caso essa tendência venha se mantendo, uma
visão sistêmica (no sentido de interações) mais amadurecida e aprofundada superará
a noção fragmentada de que o homem é o centro de tudo e o ser mais importante. Isto
será possível, na medida em que sejam deslocados os valores antropocêntricos em
direção a novos valores, numa visão ecocêntrica em que todos os seres vivos sejam
vistos como membros de comunidades ligadas umas às outras. Estas constituem uma
complicada rede de interdependências entre todos os seres vivos, entre os seres vivos
e o planeta, entre o planeta e todo o Universo e, finalmente, todos entre si de forma
interconexa.
Em particular, cada atitude fonoaudiológica, que nasça dentro ou fora dela, em
qualquer dos seus múltiplos contextos ou paradigmas, poderá vir a estar vinculada a
uma base conceptual mais ampla que vise uma não segmentação, contextualizada em
seu arcabouço teórico particular de forma que, qualquer ponto da rede poderá
perceber-se e agir como tal.
Seria utópico se existisse uma Fonoaudiologia em nível de consciência máximo
que, simultaneamente, trabalhasse com os dados objetivos e subjetivos da linguagem,
do psiquismo e tivesse uma atuação no social de forma participativa. A segmentação
parece ser inevitável. Não há condições de nos mantermos atualizados, tanto na
teoria quanto na prática, em todos os paradigmas ao mesmo tempo.
Entretanto, cada um em sua área poderá exercê-la a partir de uma compreensão
de realidade newtoniano-cartesiana (segmentada) ou a partir de uma compreensão
sistêmico-interconexa em que se coloque a sua área particular, em rede de interações,
103

conectada, influenciando e sendo conscientemente influenciada. Uma prática aberta à


criatividade e à transformação, assim como nos parece ser a essência básica do
Universo, em que a própria noção de dentro e fora da Fonoaudiologia (divisão)
perderia seu sentido diante da contínua unicidade do Universo.
Apesar de, mesmo desta forma diferenciada, continuarmos em separação, esta
simples mudança de percepção, provavelmente, teria condições de melhorar o
desempenho de todos os que estiverem nesta mesma sintonia, ou seja, pensar
globalmente para só então tomar as inevitáveis atitudes particulares no respectivo
paradigma a que estejamos filiados.
A partir do estudo das transições na Fonoaudiologia, penso que uma possível
meta-contribuição deste trabalho tenha sido possibilitar percepções cada vez menos
segmentadas da realidade, estimulando um pensar-agir mais contextualizado, que
leve em consideração a interligação e interdependência entre “todas” as coisas ou um
maior número delas. Este trabalho foi particularmente endereçado àqueles que se
identifiquem com alguns dos pontos focalizados e estejam despertos para refletir
sobre a sua própria dinâmica teórico-prática inserida no atual contexto mundial.
Ao investigarmos as transições de paradigmas em Fonoaudiologia, podemos
concluir que estamos evoluindo de situações menos complexas para outras mais
complexas, a partir do crescente número de novas interconexões e isto exige dos
novos profissionais e dos que estão constantemente em atualização, um considerável
aumento permanente de suas capacidades.
Após esta longa jornada, na qual o próprio conteúdo deste trabalho, a partir dos
operadores da Física, demonstra a tolice em assumirmos autorias individuais,
deixemos assim, como a alternância entre uma sístole e uma diástole, que o pulsar da
vida faça vida na Fonoaudiologia e que a insatisfação seja uma constante. Deste
modo, quem é de intimidade que aprofunde o íntimo da Fonoaudiologia. Quem é de
expansão que a socialize e que nesta mútua dependência para a manutenção tanto da
ciência quanto da vida, ambos primem pela qualidade.
Pensando em paradigmas, estimo que este trabalho (ou estes múltiplos recortes
na rede), longe de pretensões herméticas, tenha contribuído para melhorar a
qualidade da realidade que estaremos fabricando, pois, do como respondemos ou não
a alguns dos poucos questionamentos aqui focalizados, surgirá a complexa história
da multiplicidade de algum dos nossos futuros.
104

_________________________
4.3 - NOTAS

1 - A Psicologia Transpessoal foi fundada na década de 60 nos Estados Unidos, por


Maslov e Sutich. No Brasil, desde a década de 80, a ABPT (Associação Brasileira de
Psicologia Transpessoal), em convênio com a Copenhague University, oferece curso
de especialização. Segundo Matos (1987:38), “ O termo transpessoal conota um ou
vários estados de consciência que transcende o conceito de pessoa ou idéia do ego”.
Torna-se imponderável, no entanto, esclarecer que já existem inúmeras
subdivisões. Como seria de se esperar, ao migrarmos para tais conteúdos levamos
conosco a nossa bagagem de origem oriunda da nossa vivência anterior ou
associações que tenhamos consciente ou inconscientemente efetuado.
Gradativamente, no processo de ampliação da percepção de realidade, devido ao
natural apego às teorias que transportamos, vamos moldando a nossa roupagem
particular aos conteúdos que possam estar sendo disponibilizados .
Desta forma, uma certa complicação situa-se entre os que desenvolvem áreas
místicas e/ou esotéricas dizendo-se terapeutas transpessoais. Vale salientar que a
nossa inerente transpessoalidade está à disposição de todos no próprio cosmos.
Entretanto, a psicoterapia transpessoal constitui-se em um método distinto destes,
que segue exclusivamente a linha “científica” de seus fundadores.

2- De acordo com Capra (1992:71-73), a teoria Quântica estruturou-se nas três


primeiras décadas deste século e credita a um grupo internacional de Físicos a sua
criação. Dentre eles destacam-se: Max Plank, Albert Einstein, Niels Bohr, Louis De
Broglie, Erwin Schrödinger, Wolfgang Pauli, Werner Heisenberg e Paul Dirac.
O nome “Quântica” deriva do fato de Einstein ter chamado, inicialmente, as
partículas de luz por este nome. É a área da Física que estuda a estrutura interna dos
átomos e as partículas subatômicas. O Quantum é considerado pelos físicos como
uma entidade elementar e indivisível.
Alguns físicos levantam a hipótese de que o “Quanta” é a matéria-prima da qual o
universo é feito. Enquanto outros como Eddington (apud. Chopra, 1991:150) refere
que: “ a matéria prima de todo universo é substância mental”. Para o físico britânico
Hawking (ibid.:28): “ É a unidade indivisível em que as ondas podem ser emitidas ou
absorvidas”.

3- Cientificamente, o termo “caos” pode apresentar diversos significados. Lorenz


(1996:15-18) explica que na complexa Teoria do Caos, o termo “caos” é entendido
como a idéia de que está ausente alguma ordem que deveria estar presente ou para
denotar a aleatoriedade de algum fenômeno. Entretanto, o autor afirma que este
termo vem adquirindo diversos significados com o passar dos anos. Refere ainda,
que no futuro, a teoria do “caos” poderá rivalizar em importância, sobre o
pensamento científico contemporâneo, com a teoria da relatividade e a teoria
quântica.

4- De acordo com as explicações e configurações “fractais” a que se refere


Mandelbrot (apud. Stewart, 1991: 234), fractal seria “um mesmo modelo que se
repete” ao longo de muitas escalas (macro e micro) no Universo. Desenvolvida desde
a década de 50, esta teoria é considerada prima matemática da teoria do caos. Os
105

fractais, segundo os físicos, oferecem uma nova linguagem para descrever a forma
do caos.

5- Esta teoria apresentada por Guth (1997:1-12) em seu livro “A Teoria


Inflacionária”, revela a possibilidade de que a energia possa surgir do nada e
transformar-se em qualquer coisa.

6- A holografia foi desenvolvida originalmente para melhorar a microscopia


eletrônica. É um método de fotografia especial no qual o campo ondulatório da luz
refletida por um objeto é registrado numa chapa sob forma de um padrão de
interferência, semelhante às ondas provocadas na superfície de um lago ao serem
atiradas várias pedras simultaneamente. Se pudéssemos congelar instantaneamente
esse lago, um segundo após serem atiradas as pedras, veríamos diversos círculos
concêntricos se interpenetrando, ou seja, visualizaríamos o padrão de interferências
dessas ondas.
Quando o registro fotográfico ou holograma é exposto a um feixe de luz laser, o
padrão ondulatório original é regenerado e uma imagem tridimensional aparece. A
luz laser possui características de coerência e pureza necessárias para a gravação e
iluminação da chapa holográfica, uma vez que é composta da soma total de todas as
linhas cruzadas, resultantes do perpasse das ondas captadas e registradas nela, ou
seja, o padrão de interferência resultante.
Uma chapa de filme holográfico possui a intrigante possibilidade de ao ser
dividida em pedaços, cada uma dessas pequenas partes pode reproduzir a imagem
original da chapa inteira. Demonstra-se assim que cada parte contém de certa forma,
o todo.
De acordo com Pribran (apud. Talbot,1991:79), o cérebro não registra
simplesmente impulsos elétricos e sim padrões de interferência holográficos. Na
influência da noção de tempo-espaço sob a teoria holográfica, os físicos afirmam que
o fluxo do tempo é produto de uma série constante de descobrimentos e
encobrimentos. Quando o presente se encobre e se torna passado, ele não deixa de
existir. O passado está ativo no presente como um tipo de ordem implícita. Em vez
de desaparecer no esquecimento, ele permanece registrado holograficamente. Pode-
se ter acesso a ele mais de uma vez e de qualquer lugar que estejamos, uma vez que o
registro do passado, igualmente holográfico, possui uma natureza não-localizada,
podendo-se ter acesso a ele a partir de qualquer ponto da “estrutura” espaço-tempo
Wilber (1995:12).

7 – Função ondulatória
A partir do que descreve a literatura especializada, identifica-se que foi o físico
Niels Bohr (apud. Atkins, 1994:376) que em suas afirmações, introduziu as primeiras
polêmicas informações sobre a estrutura atômica, que geraram, posteriormente, as
inúmeras transições paradigmáticas no início deste século:

“ as partículas subatômicas não seguem as leis mecânicas newtonianas de rotação,


translação e deslocamento.. Na concepção central da mecânica quântica está a idéia da
wavefunction (função ondulatória) As partículas não possuem previsibilidade espacial,
elas podem se comportar ora como onda ora como partículas. Só podemos estudar a
condição de uma partícula, se utilizarmos a noção de probabilidade e não de certezas.”
(tradução e ênfase minhas)
106

Para ilustrar essa peculiar propriedade identificada nas partículas, podemos citar o
exemplo descrito por (Talbot, 1991) ao imaginarmos a trajetória de uma bola de
boliche sobre uma pista coberta de pó. Quando não estivermos olhando para a bola,
ela estará deixando rastros em forma de onda. Mas quando olharmos para ela, ela se
torna uma bola e começa a deixar rastros de bola de boliche, continuando a sua
trajetória com ambos os padrões simultaneamente.
Logo que o fenômeno da função ondulatória foi descoberto, o físico Herbert
(apud. Talbot, 1991:57), diz que tal realidade algumas vezes o faz imaginar que às
suas costas o mundo é sempre “um fluxo ininterrupto e radicalmente ambíguo de
sopa quântica”. Mas toda vez que ele vira e tenta olhar para a sopa, seu olhar a
congela instantaneamente e ela volta a se transformar em realidade habitual”. Ele
usou também, uma imagem mitológica semelhante ao legendário rei Midas. Este rei
nunca conheceu a sensação da seda ou a carícia de uma mão, porque tudo que tocava
virava ouro. De forma análoga, ele afirma que “do mesmo modo, os humanos não
podem experimentar a verdadeira textura da realidade quântica, porque tudo o que
tocamos se transforma em matéria.”

8- Esta importante obra, referida no livro de Talbot (1991:359), foi um dos mais
importantes livros deste autor e causou inúmeros debates entre os estudiosos desta
área.
Karl Pribram. Language of the Brain (Linguagens do Cérebro-Monterey, Calif.:
Wadsworth Publishing, 1977), p.123

9- A Teoria da Relatividade apareceu na brilhante mente do físico Albert Einstein


que aos 16 anos de idade, após ter sonhado que estava sentado em um foguete de
papel, começava a se deslocar na velocidade da luz e via o mundo parado. Muitos
anos depois, com base matemática, é que conseguiu provar sua teoria.
Nela todas as medidas que envolvem espaço e tempo perderam seu significado
absoluto, ficando esses termos reduzidos a papéis subjetivos de elementos da
linguagem. Na sua teoria, o espaço e o tempo são tratados em termos iguais e se
acham inseparavelmente vinculados. Pode-se deduzir que partículas possam se
deslocar do presente para o passado (Gilbert, 1982; Capra, 1991).

10- Para que o leitor possa ter a idéia de uma imagem holográfica ou holograma,
sugerimos visualizá-la em Talbot (1991:36). Nesta obra, há uma imagem holográfica
que aparece projetada dentro de um cilindro livre no espaço e uma pessoa passa a
mão dentro desta imagem sem tocá-la.

11- Para Grof (1987:67), não há limites e demarcações claras no campo da


consciência. Por fins didáticos, ele apresenta quatro níveis básicos 1- A barreira
sensorial, 2- O inconsciente individual, 3- O nível de nascimento e morte e 4- O
nível transpessoal. Neste último, ultrapassa-se os tradicionais modelos psiquiátricos
e psicanalíticos, essencialmente personalísticos e biográficos, para trabalhar com o
nível de consciência que transcenda os limites da auto-imagem do “eu”.
A fundamentação teórica desta abordagem possui um dos seus pilares
fundamentados na Física quântica. Isto gera uma série de novas possibilidades, tanto
para as noções de saúde e doença, quanto para os diversos métodos terapêuticos.
Diversas técnicas estão sendo desenvolvidas atualmente. Todas trabalham em algum
107

ou vários estados de consciência que podem estar localizados em algum desses


períodos, a saber:
1) O espaço psicodinâmico, entendido aqui como as memórias do período
compreendido entre o nascimento e momento atual, a partir do corte do cordão
umbilical, até o momento presente. Neste espaço localizam-se a maioria das
abordagens psicoterapêuticas.
2) O período do inconsciente perinatal, que vai da concepção ao corte do cordão
umbilical.
3) As possíveis memórias e/ou fantasias do inconsciente coletivo e dos sonhos que
transcendam, ou não, o espaço-tempo.
4) Os estados transpessoais em qualquer nível de consciência, em que se transcenda
a auto-imagem ou o conceito de ego.

12- Também conhecido como petscan, o sistema PET (Tomografia por Emissão de
Pósitron) possibilita que moléculas de carbono, constituintes da glicose, sejam
marcadas com radioisótopos. Em seguida, esta glicose é injetada no cérebro. Quando
o cérebro metaboliza esta glicose marcada, pode-se visualizar tridimensionalmente a
sua utilização através deste sistema tomográfico (Chopra, 1991:84).

13 - Como médico, o Dr. Deepak Chopra desenvolve uma série de estudos que
utilizam os conhecimentos da Física apresentados neste trabalho. Em seu livro “A
cura quântica”, ele revela algumas de suas conclusões sobre os limites entre mente e
matéria citando inclusive, diversos trabalhos de centros de pesquisa nesta área. O
referido autor estimula uma verdadeira transição de paradigmas ao afirmar que: “...a
medicina pode estar radicalmente errada ao insistir que a matéria seja superior à
mente. Pode ser verdade que uma célula nervosa crie pensamentos, mas é
igualmente verdadeiro que o pensamento crie células nervosas.” (Chopra, 1991:39).
Chopra, propõe o seguinte dilema, ao estudar os mecanismos bioquímicos
cerebrais, em especial os neuropeptídeos. Afirma que pela primeira vez na história da
ciência, a mente tem uma base visível para se posicionar. Antes, a ciência declarava
que somos máquinas físicas que, de alguma forma, aprenderam a pensar. Agora,
desponta a idéia de que somos pensamentos que aprenderam a criar uma máquina
física (Chopra,1991:91).

14- O Behaviorismo, que tem em Skinner (1904-1990) um dos seus mais importantes
representantes, trabalha com a idéia de que o homem possui um comportamento
totalmente explicável e manipulável, segundo um modelo simplificado de causa e
efeito. Mantém sobre o ser humano, uma visão determinista, mecanicista-
newtoniana, em que se transfere para o meio ambiente, a função de determinar e
moldar o comportamento. Em Skinner (1978) no seu livro “walden II”, chega a
propor um “novo mundo” com uma sociedade passível de ser adequadamente
modelada através de um “competente” controle.
Certamente, com o reforço dos ditames da revolução industrial em que a
Psicologia Comportamental contribuía para a seletividade entre os seres humanos
braçais e os seres humanos intelectuais. Diante da forma de produção de trabalho,
parecia haver um tipo de louvor ao cartesianismo que, dualmente, separava o corpo
da mente, em reinos distintos.
108

15- Comte (1996), formulou os três temas básicos de desenvolvimento do espírito


humano e também, de toda a ciência. O progresso do espírito, a organização do
mundo do simples para o complexo e finalmente, o pensamento positivo. Neste
último, a observação passa a ser mais importante do que a própria imaginação e a
argumentação, introduzindo à ciência, as noções de: investigação real, certezas,
precisão e real utilidade.
A proposição básica deste trabalho não é o aprofundamento filosófico particular
de nenhuma área. Sobre Comte no entanto, torna-se necessário tecer mais alguns
comentários devido a sua importância contextual.
Situando historicamente suas ideias, devemos apropriadamente recordar que
Comte, também era um fervoroso militante político. Discordava que os reis
nascessem com o sagrado poder sobre a humanidade e idealizava uma organização
social e política que fosse produto das luzes da razão. Obviamente, do mesmo modo
que Locke (1996), não poderia concordar com o inatismo. Acreditava que todas as
medidas sociais deveriam ser julgadas de acordo com seus efeitos sobre a classe mais
numerosa e mais pobre. Dizia que as antigas instituições sociais e políticas, eram
fruto de pensamentos teológicos que não correspondiam ao estado de
desenvolvimento das ciências de sua época.
Desta forma, seria apropriado propor algo diferente, algo que surgisse da
confiável experiência observável humana e não da metafísica, da imaginação ou das
deduções filosóficas abstratas. Para o positivismo, observar e estabelecer um
conhecimento das relações constantes entre os fenômenos, tornaria possível a
previsão e a determinação.
Com o positivismo, Comte participa da criação do “primeiro paradigma”
constituído por um conjunto de regras epistemológico-metodológicas.
A partir destes pressupostos iniciais, a história da ciência desenvolve inúmeros
capítulos contra e/ou a favor do positivismo. Severino (apud. Passos, 1996:13-25),
afirmando que o positivismo por ser o primeiro paradigma, não significa estar em
desuso. Ainda muito utilizado como referencia, pode-se identificar
epistemologicamente duas posturas: a neopositivista e a transpositivista. Na primeira,
procura-se radicalmente afirmar que o único conhecimento verdadeiro é o
conhecimento científico. Cabe à Filosofia, apenas fornecer subsídios lógico-
matamáticos para apoiar essa categórica afirmação. Já no transpositivismo, aceita-se
a idéia de que a ciência sofre uma série de influências psicológicas, sociais,
econômicas, culturais, históricas, dentre outras.
Para o positivismo, apenas as “verdades” científicas ou positivas podiam ser
admitidas. As outras, como o conhecimento metafísico por exemplo, eram
completamente desconsideradas por não poderem sofrer um caráter experimental. As
verdades positivas exigiam a mensuração e reprodutibilidade técnica dos
experimentos de laboratório. Apenas a Física, a Química, a Fisiologia, a Astronomia
e a Física social (Sociologia), eram consideradas como ciências.
Na visão de mundo positivista, segundo Durozoi e Russel (1996:375), as
“coisas” possuem um caráter inacessível, e diante disso, só pode-se considerar como
verdadeiro, aquilo que for passível de ser cientificamente demonstrável por relações
lógicas e leis conhecidas. De acordo com Clément et al. (1994:307), a própria
linguagem usualmente usada pelos positivistas, possui uma exatidão científica
inteiramente redutível à formulações técnicas que emergem de suas observações
diretas dos seus objetos de estudo
109

16- De Lemos (1982), como lingüista, ao trabalhar com os conceitos de


especularidade, complementaridade e reciprocidade, passa a exercer uma forte
influência sobre a Fonoaudiologia, na medida em que possibilita uma base teórica
que incide diretamente no fazer clínico fonoaudiológico.
A adoção de um modelo teórico interacionista permite uma gradativa transição da
concepção neo-racionalista de Chomsky, que vê a linguagem como inata,
segmentada, para uma postura antagônica interacionista. Isto possibilita que o
fonoaudiólogo tenha acesso ao simbólico com seu parceiro diádico que, por razões
patológicas, ficou comprometido neste simbólico.
De Lemos, objetivando dar um suporte empírico ao modelo interacionista que
passou a utilizar, recorreu às teorias de Saussure, Lacan e Jakobson. A partir destes
referenciais, passou a trabalhar com o metafórico e o metonímico. Para De Lemos
(1992), falar significa efetuar operações de seleção (metáforas, condensações,
substituições) e combinações (metonímias, deslocamentos, contiguidade). Ela
qualifica de processos metonímicos, as relações em presença. O valor de um
significante será determinado pela oposição a outros significantes que se associam a
este. Já os processos metafóricos serão qualificados como relações em ausência. Eles
se referem a significantes que não estão aparecendo na cadeia dinâmica de
significantes. Uma metáfora carrega em si, de forma implícita, muitos outros
significados.
Na relação entre os processos metafóricos e metonímicos, De Lemos (1999:7)
aponta para uma relação de solidariedade entre eles e identifica duas alternativas
viáveis em se utilizar tais processos para o trabalho com linguagem: primeiro, a
possibilidade de se interpretar enunciados como produto de relações; segundo, o fato
de ser possível uma resignificação constante.
Desta forma, longe de categorias e estruturas lingüísticas, De Lemos contribui
para que a Fonoaudiologia pudesse lidar com mudanças estruturais do ponto de vista
lingüístico e subjetivo.

17- O conhecimento empirista surge da experiência tanto externa, representada por


nossas sensações, quanto interna, representada pelos nossos sentimentos. Esse
conhecimento também possuirá a capacidade de eleger seus próprios objetos,
princípios e conteúdos (Durozoi e Russel,1996).
Representando bem esses pressupostos sobre a valorização da experiência,
podemos nos referir a Locke (apud. Clément, 1994:113) não no sentido de quando
ele afirma que a alma humana é semelhante a uma “tábua rasa” ou uma página
branca, mas quando ele nega os princípios inatos.
O empirismo, considerado muito mais um método do que uma doutrina,
psicologicamente opõe-se ao racionalismo inatista. Afirma que nada surge do próprio
ser. De acordo com Lalande (19--:356), “um empirista jamais admitiria a presença,
no indivíduo, de princípios de conhecimento evidentes”. Sendo assim, para o
empirismo, tudo que constitui o indivíduo surge do que ele experiencia. Neste
sentido, a compreensão do conhecimento fica bem mais interconexa.

18- De acordo com Stratton e Hayes (1994:189), a Psicologia Humanista


intimamente ligada à abordagem fenomenológica no campo da Psicologia, enfatiza a
pessoa como um todo e a sua potencialidade para mudanças. Rejeitando a abordagem
dita reducionista, opõe-se à idéia de que a ação humana seja simples condições de
mecanismos separados. Formalmente contra as investigações de laboratório (primeira
110

força), eles defendem a tese de que os psicólogos devem ficar atentos para as
atitudes, os valores e as respostas às situações sociais, inclusive aos experimentos.
Carl Rogers, certamente, pode ser considerado o mais ilustre representante desta
concepção na área da Psicologia.

Na Fenomenologia, podemos entender que se trata do estudo dos eventos ou


fenômenos que podem ser percebidos. Um psicólogo que pertença a esta abordagem
dá ênfase à importância de se perceber os eventos como a pessoa envolvida os vê. O
principal referencial será a pessoa. A percepção objetiva dos eventos será
considerada de pouco valor no estudo do comportamento humano (Stratton e
Hayes, 1994:104).
De acordo com Merleau-Ponty (1994:502), “a coisa vista é em si mesma aquilo
que dela penso (..) não existe juízo que não brote da própria configuração dos
fenômenos ”. A fenomenologia, dentre tantas possíveis definições, é para um mundo
que já está presente antes mesmo da nossa reflexão.
Já o Existencialismo enfatiza o autodeterminismo em detrimento do determinismo
ambiental ou desenvolvimental. Também dá ênfase à responsabilidade que toda
pessoa deve ter por suas ações na sociedade, com base na consideração de que o
indivíduo é sempre livre para agir e assumir as possíveis conseqüências.
Para esta abordagem filosófica, os indivíduos somente podem ser compreendidos
em termos de sua existência no mundo e das escolhas. Pode-se destacar os estudos de
Jean Paul Sartre e na Psicologia, os trabalhos de R.D. Laing.

19- Sendo a base desta concepção, a estrutura é vista como um modelo abstrato
constituído pelo conjunto de elementos ou partes e cada um desses elementos só
encontrará sentido nas relações que mantêm com os outros. Nesta interdependência,
a modificação de um único elemento gera, consequentemente, alterações no conjunto
da estrutura.
Sendo a estrutura considerada um modelo, de acordo com Durozoi e Russel
(1996:109), ela não pertencerá propriamente ao objeto estudado. Ela,
necessariamente, será uma abstração, uma construção intelectual que surge a partir
da análise.
111

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