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AS ORIGENS DA DESIGUALDADE REGIONAL

NO BRASIL

D avid D enslow *

O Professor N athaniel Leff de Columbia preparou um a


nova hipótese p ara explicar as disparidades dos níveis de
desenvolvimento no Nordeste e Sudeste do B ra sil(1). Ele res­
suscitou um velho argum ento, que “O nordeste ficaria bem
m elhor como um a unidade política separada” no século an te­
rior à I G uerra M undial, dando a este argum ento um a nova
visão:
— Como as exportações do café cresceram, elas levaram
a. tax a cam bial a um nível mais alto do que de outro modo
prevaleceria. Isto afetou contrariam ente o açúcar e o algo­
dão, que exigiram um a mais baixa tax a esterlina-mil-réis p ara
a exportação, por isto originou um a queda real dos preços
(moeda in tern a corrente). Como a curva de oferta é ascen­
dente, suas exportações eram mais baixas do que de outra
form a seriam. A crescente supervalorização da tax a cambial
para o açúcar e o algodão era um processo dinâmico, que aliado
ao peso crescente do café, no mercado cambial, retirou, cada
vez mais, grandes quantidades de açúcar e algodão brasileiros

* David Denslow, Jr., “D epartm ent of Economics, U niversity of


Florida and CAEN, F ortaleza”. Agradeço as críticas feitas a
um prim eiro rascunho, por M.B. Connoly.
1. Desenvolvim ento Econômico e Desigualdade Regional: Origens
do Caso Brasileiro, Revista B rasileira de Economia, vol. 26, n.° 1
(Janeiro-M arço, 1972) pp. 3-21; e “Economic Developm ent and
Regional Inequality: Origens of th e B razilian Case”, “Q uarterly
Jo u rn al of Econom ics” vol. 86, n.° 2 (Maio, 1972), pp. 243-262.
E sta n o ta geralm ente segue a apresentação do segundo artigo
de Leff, n a qual seu raciocinio está m ais plenam ente desen­
volvido.
Lst. Econ., São Paulo V 3 — n.3 1 p. 65 — 88 abril 197.
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dos m ercados m undiais (via preços) e provocou um a grande


redução n as vendas externas destes produtos(2).
O propósito deste com entário sobre o artigo de Leff é
m ostrar que ele não forneceu u m a justificativa satisfatória
mesmo p a ra defender sua hipótese ou p ara elim inar outras
explicações.

I — Uma Estrutura para Discussão:


Para facilitar a discussão dos artigos de Leff é útil
sublinhar alguns traços de um a região, S, que pode influen­
ciar outra, N, ju n tan d o a isto um a união alfandegária, um a
única m oeda corrente, e um m ercado comum. Suponham os
que h a ja três bens relevantes p ara a região N: não comerciá­
veis, x.; importáveis, x^; e exportáveis, x^, Os x^ não repre­
sentam som ente os nomes dos bens, m as tam bém as q u an ti­
dades “per cap ita” P ara sim plificar a exposição será feita a
hipótese de que cada indivíduo em N ten h a a m esm a renda,
e ten h a o mesmo m apa de utilidade e que a função “efetiva”
de bem -estar social é um a função crescente da m édia das
funções de utilidades dos indivíduos.
S e o N é sim ultaneam ente m uito aberto e especializado,
isto é, uma simplificação justificável para presum ir que x^
não e n tra n a função de bem-estar.
(1) W = W (X l,x 2)

Neste caso, os exportáveis são produzidos som ente como


um meio de se obter os importáveis, e a fronteira de possibili­
dade da produção “per capita”.

(2) f (X i, x3) = 0
pode ser modificada de ecordo com:

(3) f (X!, x2/T ) = 0

onde o T é o term o de troca, assumido exógeno. Isto é, N


produz pouco x3 e compra muito pouco x2 para afetar os

2. “Econom ic D ev elo p m ent”, pp. 257-58.


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preços m undiais. D uas condições necessárias p ara maximi-


zação de W, equações (3) e (4) são representadas pela
F ig u ra 1.
f2 W2
(4) = -------
fiT Wi
(onde os índices representam a derivada parcial de f e w).
F ig u ra 1. Maximização do bem -estar n a região N.

a) Efeito da união alfandegária


Quando N form a um a união alfandegária com S, am bas
as regiões fixarão tarifas comuns em x^ e x Suponhamos
que na união alfandegária N seja capaz de vender x^ para
S n um preço m ais alto que o do m ercado m undial, m as deve
em troca comprar x 2 de S num preço mais alto que o do
m ercado m undial ou tam bém pagar um imposto de im por­
tação cujas receitas irão p ara S. O bem -estar da região N.
au m en tará ou dim inuirá n a m edida em que o efeito líquido
eleve ou abaixe T. Isto pode ser visto n a figura 1, n a qual
um aum ento em T desloca a curva de possibilidade de pro­
dução para fora por A T /T vezes x , e um decréscimo em T
desloca-a p ara dentro n a m esm a proporção (3).

3. Os a rtig o s que tr a ta m d a te o ria d as uniões a lfa n d e g á ria s podem


se r a c h a d o s em P. R obson, ed ito r “In te rn a tio n a l Econom ic
I n te g ra tio n (P en g u in , B altim ore, 1971)”.
b) Efeito de um a união m onetárias ; : ' C
Suponham os que cada 3d ten h a um preçò n a m oeda local
pi, e que todos, exceto o primeiro, ten h am um preço em ester­
lina, qi. A tax a cambial, r, é um núm ero em- libras esterlinas
necessário p ara com prar um a unidade da moeda local. De
acordo com os termos de troca muridiais, q2 se igualará a
q3/T e, dada a. ta x a cambial, p2 se igualará a q3/rT — Em
concorrência perfeita, o m ais alto’ nível possível de bem -estar
será alcançado‘ somente se a razão de p 2 para pj for igual
ao valor absoluto da declividade da curva de possibilidades
de produção, no seu ponto tangencial a um a função de bem-
-estar, ou

P2 q3 f2 w2
(5) = ------- = ------ = -------
Pi Pirt fiT Wi
As condições dadas em (5) podem ser obtidas através da
flexibilidade de P A ou r, presumindo que q3 e T são determi­
nados exogenamente. Mas suponha que p j caia bastante e
que r suba, devido a urpa união m onetária com a região S,
que tem receitas de exportação crescentes. O resultado é
m ostrado n a figura 2.
F igura 2. Nível do Preço inflexível e Taxa de Câmbio
Supervalorizada n a Região N.

Os preços relativos reduzirão a produção dos exportáveis


de modo que cada pessoa consum irá no ponto A em vez de
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no ponto E ótimo, devido ao racionamento dos importávêis.


O governo de N poderia re sta u rar o equilíbrio no ponto E
taxando as im portações e subsidiando as exportações, a menos
que fosse impedido de fazer assim por um acordo de união
alfandegária com a região S.
c) Efeito de um m ercado comum:
Se a região N fosse perder, ao longo do tempo, sua v an ta­
gem comparativa na produção de x , a curva de possibili-
3
dades de produção “per cap ita” deslocar-se-ia p ara dentro.
Se no mesmo tem po aquela curva estivesse se deslocando p ara
fora n a região S, um m ercado comum, removendo todas as
restrições nos movimentos de fatores, ajudaria a região N,
desde que a mão-de-obra m igrasse de N p ara S, até que os
níveis de utilidade atingíveis, nas duas regiões, fossem
idênticos.
Mesmo sem restrições legais, a existência de fricção pode
im pedir a ocorrência da m igração necessária p ara igualar os
níveis de utilidade. Neste caso o efeito da união m onetária
pode ser desejável n u m sentido dinâmico, se isto encorajasse
m aior m igração, presumindo-se que a perda das vantagens
com parativas de N fosse um processo contínuo. <4>

II — A Proposição de Leff
A influência de p a rtilh a r com o Sudeste a m esm a nacio­
nalidade, sobre a economia do Nordeste, no século XIX, era,
n u m prim eiro nível, de aproximação, o resultado líquido dos
efeitos da união alfandegária, da união m onetária e do m er­
cado comum. Em bora m uitos aspectos possíveis do desen­
volvimento d a economia do Nordeste, que são relacionados
às exportações e estejam , por este motivo, relacionados a
qualquer coisa que possa ter influenciado o nível das expor-

4. E ste p o n to é a d o ta d o p o r R.I. M cK innon, “O ptim um C urrency


A reas”, “A m erican Econom ic Review, vol. 53, pp. 717-24; reim -
p resso em R.N. Cooper, editor, “In te rn a tio n a l F in a n c e ” (P enguin,
B altim o re, 1969) pp. 223-34. A m ig raç ão p o d eria n ã o ser n eces­
s á ria se o te o re m a d a igualização dos preços dos fa to re s de
L e rn e r-S a m u e lso n fosse aplicável, m as ele é in ap licáv el qu an d o
N e S são especializados em d ife re n te s p ro d u to s de exportação.
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tações, eles não serão tratad o s aqui. E sta seção está lim itada
à discussão da evidência levantada por Leff, de acordo com
a e stru tu ra apresentada n a Seção I.

a) União A lfandegária
Com relação ao efeito da união alfandegária, a posição
de Leff é que a união com o Sudeste levou os term os de
troca do Nordeste, T, a um a queda. “P arte do rápido declínio
das exportações do açúcar foi devida ao fato de que o Nordeste
vendeu um a porção crescente da sua produção de açúcar p ara
o Sudeste brasileiro. O volume to tal das exportações, entre­
tanto, era provavelmente m uito m ais baixo do que seria se o
Nordeste tivesse tido um acesso livre à totalidade do mercado
m undial. Além do m ais. exportações inter-regionais não
trouxeram com elas as im portações de capital, que ajudaram
a financiar a industrialização do Sudeste. Finalm ente, os
ganhos de bem -estar das exportações inter-regionais foram
reduzidos, porque o valor, a preços internacionais, das receitas
de mil-réis geradas era comprimido pela a lta ta rifa protecio­
n ista brasileira. E sta aum entou os preços de m uitas m erca­
dorias acim a dos níveis do mercado mundial<5>.”
Também:
“Uma p arte crescente da produção do Nordeste foi ven­
dida p ara o Sudeste brasileiro. E ntretanto, não h á nenhum
indício de um fluxo contínuo de capital do Sudeste p ara o
Nordeste. Daí, um a co n trap artid a daquelas vendas inter-
-regionais do Nordeste deve ter sido exportações do Sudeste
p ara o Nordeste(6).”
Leff não apresenta nenhum a evidência q u an titativ a p ara
su sten tar suas afirmações. Uma olhada em alguns dados
sugere que elas não devem ser aceitas sem prova. Os rela­
tórios dos consulados inglês e am ericano de Recife, o m aior
entreposto do Nordeste, m ostram que d u ran te o últim o quarto
de século anterior à I G uerra Mundial, 70 por cento das
exportações de açúcar desta cidade foram p a ra outros portos
brasileiros, quase que totalm ente p a ra o Sul.

5. “Econom ic D ev elopm ent” p. 259n.


6. “Econom ic D ev elopm ent” p. 247n.
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TABELA 1
MÉDIA ANUAL DAS EXPORTAÇÕES DE AÇÚCAR DE
RECIFE — MILHARES DE TONELADAS CURTAS

Portos Portos Total


estrangeiros brasileiros
1850s 54 9 63
1880s 85 56 141
1891-1915 44 104 145

N um a época em que o preço do açúcar não refinado em


Londres era equivalente a 40 dólares a tonelada, a tarifa
brasileira sobre o açúcar era de $ 220 a tonelada. Em 1905
esta ta rifa foi reduzida p ara $ 54. Os preços internos eram
tão altos que o açúcar de beterraba europeu e o açúcar de
c a n a cubano com eçaram a e n tra r no Brasil apesar da tarifa,
e o governo teve que dobrar a tarifa em 1908. Como resultado,
o açúcar mascavo era vendido por $ 164 a tonelada no Rio
de Janeiro com parado com os $ 43 a tonelada em L o n d res^.
Além disso, as com panhias têxteis do sul com praram p arte do
seu algodão no Nordeste. Logo, é possível que o Nordeste
tivesse piorado m ais ainda sem o acesso favorável aos m erca­
dos sulistas, que amenizou tan to o im pacto do declínio
secular das vantagens com parativas do Nordeste, como a
aspereza d a influência do ciclo internacional de negócios.
Em relação aos fluxos de capital inter-regionais, nós
sim plesm ente não temos nenhum a evidência disponível, se o
Nordeste era um investidor líquido no Sudeste, como qualquer
um pode esperar de um fluxo de capital em um a região em
declínio, ou o Sudeste um investidor líquido no Nordeste,
como pode-se esperar da oferta de crédito comercial por um a
m ais avançada região im portadora.
Se as tarifas e os preços eram tal que o Nordeste sofreu
u m a perda líquida d a união com o Sudeste, é um a questão
com plexa e em pírica que ninguém tentou responder de um
modo rigoroso. Note-se que, de acordo com os relatórios con­
sulares, tecidos e comestíveis eram responsáveis por dois

7 “U n ited S ta te s C om ercial R elatio n s” 1908, vol. I, pp. 118-19 vol. I I


p. 324. B oletim A grícola (R ecife), O u tu b ro 1908, pp. 591-92;
O u tu b ro 1912, pp. 727-33.
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terços do valor das im portações em Recife, n a segunda m etade


do século XIX. Não é impossível que o Nordeste fosse capaz
de obter mais, destas importações, vendendo seu açúcar e
algodão p a ra o Sul n u m a base favorável, do que teria alcan­
çado através do “acesso direto ao mercado m undial”. N atu­
ralm ente, a e stru tu ra de im portações que teria existido sem
tarifas, não é conhecida. Agora, sim plesm ente não podemos
dizer se o efeito d a união alfandegária com o Sudeste, em
função d a m esm a nacionalidade, foi danosa ou ajudou o
Nordeste.

b) União M onetária:
Leff usa duas técnicas de quantificação b astan te dife­
rentes p ara su sten tar sua tese de que as exportações do café
reduziram as exportações do açúcar e do algodão, d u ran te
os anos de 1822 a 1914, um a n a Revista B rasileira de Econo­
m ia e a o u tra no “Q uarterly Jo u rn al of Economics”. Desde que
o últim o artigo no QJE não repudia a técnica utilizada n a
RBE, devemos supor que ele considera am bas aproximações
válidas e trab alh a com um a de cada vez.
Na RBE, Leff dá os resultados da seguinte regressão,
utilizando dados anuais p ara dois períodos.
(6) log P = b log q + b log 1
3t 1 3t 2 (— )
r t

A variável p3 é o preço em mil-réis de um produto de


exportação, q3 seu preço esterlino, r o núm ero de libras ester­
linas necessárias p ara com prar um mil-réis, e t o ano. In te n ­
cionalm ente, eu om iti o term o erro que sempre aparece nas
equações de regressão. Os resultados dos coeficientes “b eta”
das regressões foram:

Produto Período b b
í 2

1822-1873 0.88 0.42


Algodão 1874-1914 0.79 0.74
Açúcar 1822-1873 0.86 0.53
1874-1914 0.79 0.50
Estes resultados, de acordo com Leff, “m ostram as varia­
ções n a tax a cam bial exercendo um a influência q u a n tita ti-
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vãm ente im portante nas variações anuais nos preços em


mil-réis do açú car e algodão”(8).
Sem logaritm os, a equação (6) pode ser escrita:
b,
1 b*>
(7) P = q (_ )
st 3t r t
Daí, a equação (6) pode ser vista como sendo simples­
m ente um a identidade que diz que o preço em mil-réis é o
produto do preço esterlino e o inverso da taxa cambial em
-es terlino/m il-r éis.
E ntão b l e b2 são unidades e os coeficientes “b eta’' são
desvios-padrão, do logaritm o (l / r ) t, respectivam ente, divi­
dido pelo desvio-padrão do logaritm o p3t. (coeficientes “b eta”
são raram en te usados em pesquisas econômicas). P ara um a
explicação veja A rthur S. Goldberger, Econometric Theory
(Wiley, New York, 1964 p. 197) Desde que os coeficientes
“b eta” variam de acordo com a correlação entre as variáveis
independentes e não dizem nada diretam ente sobre aquela
correlação, mais inform ação pode ser agregada por um a an á­
lise de variância. Leff corretamente muda sua análise para
aproveitar esta técnica no seu artigo no Quartely Journal
of Economics. A crítica abaixo, de sua interpretação de aná­
lise de variância também se aplica para a sua análise dos
coeficientes “b eta”
No QJE Leff utiliza a tabela 2 p ara a sua análise.
Tabela 2: Contribuição relativa, com todas as variáveis
em logaritm os, da variância da tax a cambial, do preço
esterlino de cada m ercadoria, e do term o covariância da
variança total dos preços em mil-réis das exportações de
açúcar e algodão do Brasil:
Var. Var. 2Cov.
Produção e Período (In l / r ) (In s3) (In l / r , ln s3)
por cento por cento por cento
1822-1873 89 91 -80
Acúcar
1874-1913 76 35 -10
1822-1873 27 80 - 6
Algodão
1874-1913 67 22 12

8. “D esenvolvim ento Econôm ico, p. 17.


Leff in terp reta estes dados como m ostrando que a tax a
cam bial era m ais im portante; n a determ inação das variações
anuais nos preços em mil-réis de açúcar e algodão, no segundo
período do que no primeiro. Deles, ele conclui que o açúcar
e o algodão tom aram -se altam ente suscetíveis à influência
dos efeitos do café nas variações da tax a cambial no segundo
período. No prim eiro período, o açúcar teve um papel mais
im portante n a determ inação das flutuações da tax a cambial:
A grande contribuição do term o covariância (açúcar,
1822-1873), reflete a im portância dos preços esterlinos do
açúcar n a determ inação do valor anual da exportação brasi­
leira de açúcar e, dada a grande participação do açúcar nó
total das exportações brasileiras, naquele período, tam bém n a
determ inação da oferta total de divisas do país.
A análise que Leff faz destes resultados é confusa. Sua
conclusão de que a influência do café é dem onstrada pelo
fato que mais de dois terços da variância em ambos, no preço
do açúcar e do algodão, são explicados por variações n a tax a
cambial de 1874 a 1913, poderia ser razoável se a tax a cambial
estivesse crescendo. Mas, como pode ser vista n a tabela 3,
a tax a em esterlino-mil-réis estava caindo.
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TABELA 3
EXPORTAÇAO DQ CAFÉ E A TAXA CAMBIAL (9)

Período . Exportação do café índice da Taxa Cambial


Valor médio anual £ esterlina/m il-réis
1821-30 719 100
1831-40 2,153 89
1841-50 2,266 69
1851-60 ; 4,974 71
1861-70 6,800 61
1871-80 ' - 11,962 63
1881-90 12,962 52
1891-00 18,810 25
1900-10 24,420 36
1911-13 42,600 42

9. C alculado a p a r tir dos dados obtidos n a seção h istó ric a do I n s ti­


tu to B rasileiro de G eo g rafia e E s ta tístic a — A nuário E sta tístic o
(Rio de Jan e iro , 1941).
— 75 —

Suponha que o setor do café impedisse a tax a cam bial


de descer totalm ente. Então, a contribuição da variação n a
ta x a cam bial p ara a variação total teria sido m uito reduzida
en q u an to que a influência do café n a tax a cambial teria sido
m uito m aior (se fosse positiva como Leff presum e).
Com respeito ao algodão a interpretação mais plausível
dos resultados das análises de variância é que elas refletem
a grande am plitude das variações em preços esterlinos do
algodão no período de 1822 a 1873 — o “boom” da década de
1822, o “boom” da década de 1830, e a escassez da década de
1860, em contraste com sua relativa estabilidade de 1874 a
1913, como m ostrado n a tabela 4.

TABELA 4
VARIAÇÃO DO PREÇO DO ALGODÃO £ POR TONELADA

Período Mais alto Mais baixo Variação


1822-1873 171 28 143
1874-1913 80 32 48

Q uanto ao açúcar, Leff está exagerando quando diz que


“A grande covariância reflete a im portância do preço ester­
lino do açúcar n a determ inação da oferta total de divisas do
p aís” Ela o faz até certo ponto, porém, mais do que isso, ela
reflete a alta correlação entre os preços do açúcar e outras
determ inantes da tax a cambial do Brasil durante o primeiro
período, especialm ente os preços de outras colheitas de expor­
tação. A baixa covariância entre os preços do açúcar e a
ta x a cam bial de 1874 a 1913 pode indicar que a intervenção
governam ental, n a form a de políticas m onetárias altern a ti­
vam ente expansionárias e contracionistas, teve um efeito
m aior nas variações da tax a cambial do que no primeiro
período.
Realm ente, a im portância da política m onetária n a deter­
m inação d a tax a cam bial é sugerida por um a regressão dada
por Leff num outro artigo p ara os anos 1822-1913. O resul­
tado foi: - —

(8) log 1 = -2.02 + 0,82 log Mt - 0,017 t


( r \ (2.15) (5.6) (3.6)
- n ^

Onde r é a tax a cam bial em libras esterlinas por mil-réisr


M é o estoque de m oeda no Brasil, t se refere ao ano, e os
números entre parêntesis são razões t (10). Embora com uma
ção não prove nenhum a causação, em conjunto com um a
noção “a priori,, sobre a determ inação da tax a cambial ela
indica que um modelo deve incluir um a política m onetária.
A proporção de que o aum ento das exportações do café
resultou n u m a alta tax a cam bial poderia estar errada se as
divisas obtidas fossem suficientem ente com pensadas por des­
pesas de im portação geradas através d a influência do setor
café, ou se a influência política do setor café resultasse em
políticas m onetárias inflacionárias. É possível que am bas as
condições houvessem sido alcançadas.
Uma alta propensão p ara im portar é b astan te plausível
p ara um a economia de exportação especializada ta l como a
do Sudeste brasileiro no século XIX. Leff se opõe a esta
possibilidade referindo-se a um incidente em 1906, quando os
plantadores de café uniram -se aos industriais exigindo um a
redução de 30 por cento n a tax a cambial. Isto, ele disse, “é
evidência de que a propensão m arginal p a ra im portar do
setor do café não é alto” O com portam ento dos plantadores
de café, embora não seja surpreendente, não convence n in ­
guém que a propensão p ara im portar, em ú ltim a análise
atribuível às exportações de café, era baixa. Q ualquer que
fosse aquela propensão, os plantadores de café favoreceram
a desvalorização porque isto redistribuiu em seu favor a renda
dos trabalhadores e credores.
Na verdade, Leff atribui efeitos ao setor café que servem
como indicações de que a pressão p ara baixo n a tax a cambial,
causada pelas im portações atribuíveis ao setor café, era subs­
tancial. Ele afirm a que no Sudeste o crescim ento das expor­
tações do café levaram a altas rendas através de um ‘‘alto
m ultiplicador do comércio exterior” e devido a m ais rápidas
taxas de urbanização. Celso F urtado sugere que o m ultipli­
cador da renda das exportações de café era alto devido à
existência de trabalho excedente, e a que estes trabalhadores,
quando empregados, im portavam alim entos e vestimentos,
em vez de viver n u m a base de subsistência(11>. A urbanização,

10. De N a th a n ie l Leff, “E stim a tiv a d a R e n d a Provável n o B rasil


no Século X I X com B ase no s D ados sobre a M o e d a " R ev ista
B ra sile ira de Econom ia, vol. 26 n.° 2 (A bril-Jiinho, 1972).
11. V eja n o ta 12.
— 77 —

por causa do efeito dem onstração e localização, tam bém


au m en ta a propensão a im portar. Talvez estes resultados do
aum ento das exportações do café, expliquem parcialm ente
porque a tax a cam bial brasileira caiu du ran te o século XIX.
Um a o u tra razão p ara a queda no valor do mil-réis é
ilustrado pelo incidente de 1906. Os plantadores de café
usaram su a influência política p ara encorajar a política de
depreciação da moeda. Às vezes a tax a cambial era estável
ou levem ente crescente por alguns anos — como no princípio
d a década de 1870, no final da década de 1880, e de 1899 a
1906 — por causa da política m onetária de contenção, e nestas
ocasiões os nordestinos queixavam-se das altas taxas cambiais.
Mas estes aum entos tem porários das taxas ocorriam a despeito
de, e não por causa do setor café.
Leff disse que o influxo de capital induzido pelo setor
café era fonte de “pressões p ara um a m ais alta tax a cambial
do que se obteria n a ausência das exportações do café” De
o u tra forma, Furtado, acha que desde que “um a grande parte
do ca p ital” im portado pelo Brasil no século XIX era “para
em préstim os públicos ou p ara investimento no setor privado
com juros garantidos”, a “rigidez nos serviços do capital
estrangeiro” adicionou-se à pressão p ara baixo no valor do
mil-réis. Ele observa que com exceção de casos especiais —
em períodos em que pesadas dívidas públicas foram contraídas
com objetivos não-econômicos, tais como a G uerra do P ara­
guai e a consolidação da dívida pública — as entradas de
capital eram sempre menores que os serviços da dívida.
Os fluxos de capital são apenas um aspecto do modelo
de F u rtad o de determ inação da tax a cam bial(12). Sua expli­
cação do declínio n a tax a cambial, apesar do aum ento do
preço do café e das exportações, é que o valor do mil-réis res­
pondeu assim etricam ente às flutuações dos preços do café.

12. F o rm a ç ã o E conôm ica do B rasil (o itav a edição, São Paulo, E di­


to r a N acional, 1968) pp. 163-83. O m odelo de F u rta d o foi c riti­
cado, com o sendo excessivam ente sim plista, por M ircea Buescu,
“C afé, C âm bio e In fla ç ã o no B rasil, 1850-1900”, V erbum , vol.
XXVI, n.° 4 (D ezem bro 1969), pp. 373-93; e “Um C apítulo d a
In fla ç ã o B rasileira, 1870-1880” V erbum , vol. XXVTI, n.° 4
(D ezem bro 1970), pp. 381-97. O u tra s discussões dos d e te rm i­
n a n te s d a ta x a cam b ial n o B rasil n o século X IX são fe ita s por
J.F . N orm ano, “B razil: A S tu d y of Econom ic T ypes” (New York,
re im p re ssa p o r Biblo e T a n n e n , 1968) pp. 189-201, e por
D elfim N eto, “O P ro b lem a do C afé no B rasil” (F acu ld ad e de
C iências E conôm icas e Sociais, U niversidade de S ão Paulo, 1959).
— 78 —

A assim etria decorre de seu postulado no sentido de que


as im portações e gastos públicos declinaram vagarosam ente
quando as exportações caíram , m as au m en taram rapidam ente
quando as exportações subiram . A lentidão do declínio nas
im portações causou pressão n a balança de pagam entos, as
quais foram antecipadas pelos especuíadores de divisas. A
lentidão do declínio dos gastos públicos quando o imposto
sobre as receitas das exportações de café caíram , levou o
governo a au m en tar a oferta m onetária quando a ren d a real
estava caindo, o que acelerou a pressão p a ra baixo no valor
do mil-réis. A oferta m onetária aum entou m ais rapidam ente
n a década de 1890, quando os produtores de café desfrutaram
seu m aior poder político.
Em resumo, nós sim plesm ente não sabemos se a influ­
ência to tal do setor cafeeiro n a ta x a cam bial d u ra n te o século
X IX foi positiva, como Leff teria dito ou negativa como F u r­
tado sugere. D ada a dificuldade de se estim ar equações com
defasagens distribuídas, eu indago se haverá u m a resposta
definitiva no fu tu ro próximo.
E a respeito dos preços no Nordeste: eram eles rígidos
p ara baixo como Leff sugere? Em bora a resposta deva espe­
ra r m aior disponibilidade de índices de preços, alguns dados
de salários dispersos são sugestivos. Parece que a economia
no Nordeste era b astan te ab erta e que os salários eram a ju sta­
dos aos preços esterlinos das exportações do açúcar e do algo­
dão. No Ceará, por exemplo, os salários diários em mil-réis
p a ra os trabalhadores rurais era de 1$280 em 1863, no auge
do “boom” do algodão.
Quando o preço do algodão caiu em 1871, os salários
baixaram p a ra $500. Q uando os preços do açúcar caíram
em 1884, os salários dos trabalhadores da cana, em Alagoas,
caíram de 1$000 ao dia p a ra $500, e depois p a ra $350. O
“boom” de exportação da I G uerra M undial e a depressão
seguinte tam bém causaram m udanças nos salários em mil-
-réis, que au m en taram de 1$000 ao dia, em 1915 p ara 4$000 em
1918, e depois caíram p a ra 1$500 em 1921<13>.
13. R a im u n d o G irão, H istó ria E conôm ica do C eará (F o rtaleza, I n s ­
titu to do C eará, 1947), p. 224; M oacir M edeiros de S a n t’a n a ,
C o n trib u içã o à H istó ria do A çúcar em A lagoas (Recife, M useu
do A çúcar, 1970), pp. 155-170. D ias M artin s, A P ro d u ção d a s
N ossas T e rra s (Rio de Ja n e iro , Im p re n s a N acional, 1915), pp.
47-48. Jo sé B eserra, A com issariado d a A lim en tação P ú b lica
e as R equisões Civis (Rio de J a n e iro , Im p re n s a N acional, 1918),
p assim . B rasil, S u p e rin te n d ê n c ia d a A g ricu ltu ra, S alário s de
T ra b a lh a d o re s (Rio de Ja n e iro , Im p re n s a O ficial, 1924).
— 79 —

Em resum o, qu an to ao ponto crucial de sua hipótese,


o efeito d a união m onetária, Leff falhou em fornecer dados
convincentes, ou de que o efeito to tal do setor cafeeiro n a
ta x a cam bial fosse positivo, ou que os salários em mil-réis
e preços no Nordeste fossem inflexíveis p a ra baixo.

c) M ercado Comum:
O efeito do m ercado comum, pelo fato de estar o Nor­
deste ligado ao Sudeste n u m a simples nação, era provavel­
m ente de pouco significado, um a vez que, n as condições do
século XIX, u m a ta l m igração — como ocorreu a despeito
do alto custo de tran sp o rte e o ü tras fricções — provavelm ente
teria acontecido, mesmo se as duas regiões fossem nações
separadas.
A exceção a esta afirm ação é que a m arin h a inglesa teria
impedido algum as das vendas de escravos no Nordeste p a ra
o Sudeste, fossem as duas regiões separadas. Em relação ao
fluxo de capital, sua direção líquida, como m encionado an te­
riorm ente, é desconhecida. A tualm ente, não podemos dizer
se o efeito do m ercado com um sobre renda “per ca p ita” no
Nordeste foi positivo ou negativo.

Desde que, mesmo a direção dos efeitos d a união alfan­


degária, união m onetária e m ercado comum sobre o Nordeste,
é desconhecida, pouco pode-se dizer sobre o efeito líquido
dos três.

XH — Explicações alternativas
Frequentem ente, o tratam en to dado por um au to r a expli­
cações altern ativ as p a ra um fenômeno é trazido a público
som ente com o objetivo de situ ar no contexto seu próprio
tratam en to definitivo. O esforço de Leff p a ra recusar outras
interpretações assum e u m a m aior im portância do que usual­
m ente, contudo, ta n to por causa do espaço que devota a isto
como por causa d a inadequação da evidência positiva apre­
sen tad a p a ra sua hipótese. Ele divide as interpretações a n te ­
riores em dois campos: conseqüências sobre a dem anda do
açúcar e algodão, e conseqüências sobre a oferta.

a) D em anda
Do lado d a dem anda, Leff rejeita o argum ento que as
políticas comerciais dos poderes da E uropa e dos Estados
— 80 —

Unidos causaram o declínio das exportações do Nordeste b ra­


sileiro, u m a vez que “o algodão brasileiro, que não fora excluí­
do do m ercado mesmo antes do advento do livre comércio,
acabou sendo do m ercado inglês” Se os Estados Unidos
forneceram um m ercado em ráp id a expansão p a ra o café do
Brasil, por que não p a ra o açúcar?
A inadequação destes argum entos pode ser indicada
brevem ente. Com respeito à dem anda inglesa p a ra o algodão,
ele ignora a distinção im portante entre algodão de fibra
c u rta e longa, fa lh a em m encionar a com petição egípcia, e
subestima o papel da competição dos Estados Unidos. F ur­
tado sublinhou corretam ente a im portância da competição
am ericana.
Q uando a produção em larg a escala começou nos Estados
Unidos. . o preço esterlino do algodão caiu m ais do que
dois-terços e perm aneceu neste nível — com algum as flu tu a­
ções — desde a década de 1830. Neste nível de preços o lucro
do negócio de algodão era extrem am ente baixo p ara o Brasil
e era um m ero com plem ento p a ra a economia de subsistência
n as regiões produtoras.
R elativam ente à dem anda p a ra o açúcar, e a incapaci­
dade das exportações de açúcar brasileiro p ara acom panhar
as exportações do café p a ra os Estados Unidos, Leff não faz
m enção à en trad a, livre de tarifas dadas ao açúcar de Havaí
e Porto Rico, à crescente produção protegida do açúcar da
Louisiana, ou d a redução de ta rifa concedida ao açúcar cuba­
no. Ele tam bém não deu n en h u m a indicação da extensão em
que o açú car brasileiro foi excluído do m ercado inglês pelo
“dum p in g ” do açúcar de beterraba subsidiado no continente.

b) O ferta:
Pelo lado da oferta, Leff considera dois tipos de expli­
cação, econômica e sócio-cultural. A explicação econômica
é o alto custo do trab alh o depois da abolição d a escravatura
e o alto custo do transporte, dentro do Brasil. Ele rejeita o
prim eiro porque a participação do Brasil no m ercado inglês
havia caído mesmo antes de term in ar o comércio de escravos,
e rejeita o segundo porque a participação do Brasil no m er­
cado de algodão inglês não m elhorou depois da construção
de ferrovias d u ra n te a segunda m etade do século XIX.

14. Form ação, pp. 120-21.


— 81 —

A explicação sócio-cultural é que os plantadores n u m a


sociedade escravista m ostravam um com portam ento não-eco-
nômico e que “as restrições social e cu ltu ral re tard aram a
aceitação de novas tecnologias”. Estes dois argum entos estão
intim am ente ligados m as têm ênfases diferentes. O prim eiro
acentua a motivação do empresário e o segundo a restrição
im posta a ele pelo contexto social. Leff diz que o prim eiro
argum ento é inconsistente com a expansão das exportações
pelos cafeicultores, proprietários de escravos. Também, “os
resultados das equações de resposta da oferta que foram esti­
m adas p ara o açúcar e o algodão, e p ara outras exportações
brasileiras no século X IX ” num artigo não publicado de sua
autoria, “geralm ente não indicam um processo de a ju sta ­
m ento m ais longo p a ra as m ercadorias produzidas no Nor­
deste, do que p ara as outras exportações do B rasil”

Com respeito ao segundo argum ento sócio-cultural, Leff


concorda que tan to os plantadores de açúcar como de algodão
estavam atrasados em relação aos de outros países n a adoção
de novas técnicas, e que o atraso não era sem pre devido ao
preço relativo dos fatores, desde que algum as inovações eram
poupadoras ta n to em capital como em trabalho escravo.
Mas ele rejeitou esta in terpretação por duas razões. Primeiro,
ela “supõe que os retornos p a ra os produtores eram determ i­
nados principalm ente pelos preços internacionais, e negligen­
cia . . . o fato de que os preços recebidos pelos produtores
brasileiros eram tam bém afetados pela tax a cam bial que era
usada p a ra converter preços esterlinos p ara a moeda domés­
tic a ”. Segundo, isto não é consistente com os resultados de
um episódio nas décadas de 1870 e de 1880, quando o governo
brasileiro ten to u deter o declínio do Nordeste, promovendo a
introdução da tecnologia m oderna do açúcar por com panhias
estrangeiras. O governo experim entou grandes dificuldades
em fazer com que as com panhias estrangeiras (que não esta­
vam, presum ivelm ente lim itadas pela tradições culturais do
Nordeste) tom assem as concessões oferecidas. Além disso,
m uitos dos em preendim entos que foram iniciados, usando a
m ais m oderna tecnologia, tiveram m ais perdas que lucros.

O tra ta m e n to de Leff das intérprétãções de oferta não


é m ais convincente do que aqueles que lidam com a dem anda.

Em relação aos preços dos escravos e ferrovias, cada u m


dos seus argum entos assum e “ceteris paribus” Mas desde
que as prim eiras ferrovias no Nordeste foram construídas
— 82 —

d u ra n te as décadas seguintes à abolição dos escravos, é pos­


sível que elas não ten h am trazido n en h u m a expansão das
exportações porque o preço dos escravos estava aum entando
ju stam en te n a m edida em que os custos de tran sp o rte esta-
vam caindo. Uma possibilidade m elhor é que as ferrovias
não se estenderam b astan te dentro das zonas algodoeiras p ara
fazer m u ita diferença, especialm ente dado que elas cobravam
altas taxas. Talvez, um m elhor teste da relevância do tra n s ­
porte é o aum ento da produção que se seguiu ao program a de
construção de estrada nas zonas algodoeiras d u ran te a década
de 1930(15).
A discussão de Leff quanto às explicações sócio-culturais
é igualm ente inconclusiva. Seu trabalho não publicado, em
que a reação da oferta era tão rápida no Nordeste como no
Sudeste, pode sim plesm ente refletir o fato que as árvores
cafeeiras começam a alcançar um a proveitosa colheita 4 ou
5 anos depois de plantadas, enquanto as árvores do algodão
de fibras longas dão seus melhores resultados no segundo
ano, e a cana é colhida 18 meses depois de plantada. Sua
referência aos escravos das plantações de café é tam bém
m uito casual. M uitos autores estão cientes do fato de que
os plantadores no Sul do Brasil u saram trabalho escravo e
atrib u em supostas diferenças sociológicas entre o Sudeste
e o Nordeste a outras causas.
O exemplo de Leff sobre o apelo do governo brasileiro a
em presários estrangeiros p a ra construir usinas açucareiras
como um exemplo de progresso poderia ser usado em sentido
oposto. Uma das razões que fizeram as fábricas não lucrarem
era que eles não foram capazes de obter cana suficiente dos
plantadores brasileiros, alguns dos quais falharam em respei­
ta r contratos escritos, que concordam com a interpretação de
que o contexto sócio-cultural im pedia inovações<16).
O uso que Leff faz da tax a cam bial p a ra explicar atrasos
técnicos é difícil de in terp retar, mesmo com su a afirm ação

15. P a r a o a u m e n to d a p ro d u ção no C eará, p o r exem plo, v e ja G irão,


“H istó ria E conôm ica,” pp. 219-20. H ouve ta m b é m m u d a n ç a s n a s
re g u la m e n ta ç õ e s em rela ç ã o a im p o rta ç ã o de algodão n a d é c a d a
de 1930, a s q u a is podem te r tid o um efeito m a io r do que as
n o v a s e s tra d a s.
16. E s ta n ã o foi a ú n ic a c a u s a de s u a in cap acid ad e. P a r a u m a
a v a lia ç ã o p o n d e ra d a v e ja R ic h a rd G ra h a m , “B rita in a n d th e
O n se t of M o d ern izatio n i n B razil: 1850-1914 (C am bridge, U n i­
v e rsity P ress, 1968), pp. 152-53.”
— 83 —

que “os m enores preços internos (p ara o açúcar e algodão)


tam bém reduziram os retornos, no Brasil, de investim entos
►em nova tecnologia, que eram rendosos em outros países”

Isto explicaria u m a baixa tax a de investim entos m as sem


elaboração isto não explicaria porque os brasileiros investiam
«em técnicas obsoletas se o progresso técnico era, como dizia
Leff, às vezes poupador ta n to de capital como de trabalho.
As inovações específicas que ele m enciona são descaroçadora
de algodão, m elhores engenhos de açúcar, e as m áquinas a
vapor. Nos três casos parece que a ta x a cam bial supervalo-
rizada teria aum entado a tendência p a ra su b stitu ir um a
m ão-de-obra doméstica, relativam ente superavaliada, por
m aquinaria im portada. Em síntese, nem a evidência de Leff
p ara sua própria hipótese nem seus argum entos co n tra outras
hipóteses são convincentes e somos deixados sim plesm ente
com u m a o u tra explicação insustentável. Deve-se n o ta r de
passagem que Leff e as interpretações previam ente existentes
não são necessariam ente exclusivas. Poderia ter havido um
núm ero de condições existentes, todas suficientes p a ra terem
feito o Nordeste perder suas participações dos m ercados de
açúcar e algodão.

IV — O Declínio das Exportações de Açúcar e de Algodão

Num esforço p ara inserir u m a n o ta m ais positiva neste


com entário, eu ofereço aqui u m a explicação plausível das
perdas de participação do Nordeste nos m ercados m undiais
de algodão e açúcar d u ran te o século XIX. Eu creio que o
açúcar e o algodão devem ser tratados separadam ente.
a) A çúcar(17>
Em bora o m ercado m undial p a ra açúcar te n h a se expan­
dido d u ra n te o século XIX, a participação do Nordeste brasi­
leiro neste m ercado declinou por causa da com petição do
açúcar de b eterrab a subsidiado n a E uropa por causa do fato
de a proteção ta rifá ria no m ercado dos Estados Unidos g aran ­
tir o açúcar do Havaí, Porto Rico, e Louisiana. A ta rifa
atin g iu a 80 por cento dos preços do açúcar nos portos de

17. A e v id ê n c ia em apoio d a in te rp re ta ç ã o d a d a n e s ta subseção


e n c o n tra -s e em m in h a tese (“D e p a rtm e n t of Econom ics, Y ale”)
e s u a a c e ita ç ã o ou re je iç ã o deve a g u a r d a r u m a possibilidade
m a io r d este m a n u sc rito .
— 84,—

origem. Isto deixou o Nordeste brasileiro com petindo com


C uba pelo restan te do m ercado norte-am ericano. O açúcar
cubano recebeu redução de 20 por cento n a ta rifa e benefi­
ciado por vantagens de localização as quais, cerca de 1910,
deram -lhe um a m argem de comercialização de 10 dólares a
tonelada (aproxim adam ente 25 por cento do preço do açúcar)
sobre a do Brasil. Mas a produtividade dos fatores no Brasil
era tam bém m uito m enor no crescim ento da cana e n a ex tra­
ção do a ç ú c a r.,
A razão principal p ara a m enor produtividade no Nor­
deste brasileiro era que a região açucareira é m ontanhosa,
e fértil apenas em pedaços de terra. Antes da década de 1880
isto im portou pouco, desde que as economias de escala n a
extração dó açúcar eram lim itadas. Mas o progresso n a
tecnologia dos m etais nas décadas de 1870 e de 1880 fez
econômico o uso de ferrovias p ara carregar açúcar dos campos
p a ra as fábricas e grandes m áquinas de engenho p ara extrair
m ais suco de cada tonelada de cana. O Nordeste ten to u acom­
p a n h a r a transform ação de pequenos engenhos p a ra grandes
usinas centrais, m as não poderia fazê-lo tão lucrativam ente
por causa das condições geográficas.
b) Algodão:
Stanley Stein escreveu h á 15 anos atrá s que a “explicação
satisfató ria p ara a incapacidade do cultivo do algodão em
se expandir no B rasil”, pode ter sido o alto custo de tra n s­
porte do interior p a ra portos da costa. Ele observou que “o
advento das ferrovias não forneceu m elhoram entos apreciá-
veis”(18). U m a visão geral das fontes prim árias acessíveis
indica que a intuição de Stein foi correta.
A m aior p arte do crescim ento do algodão no Brasil veio
de um a área d a m etade do tam anho do Texas, ou da m etade
das áreas som adas dos 5 m ais im portantes Estados produ­
tores de algodão do sul dos Estados Unidos anterior à guerra,
C arolina do Sul, Georgia, Alabama, Mississippi e Louisiana.
No Brasil, a faixa de algodão começava a cerca de 50 m ilhas
da costa e se estendia cerca de 200 m ilhas p ara o oeste.
Começando a uns dois graus abaixo do equador, em tom o
do rio P arnaíba, ele corria p a ra o sul, 600 ou 700 m ilhas,
p a ra incluir p arte d a bacia do rio São Francisco.

18. ‘‘T h e C o tto n T ex tile I n d u s try in B razil: 1850-1950” (C am bridge,


H a rv a rd U n iv ersity P ress, 1957), pp. 221n3 e 222n5.
— 85 —

O P arn aíb a e o São Francisco são os únicos rios nave­


gáveis n a zona algodoeira. Os barcos a vapor podem navegar
um as 100 m ilhas acim a no prim eiro, e talvez 50 m ilhas no
segundo..; N enhum dos rios carregaram um a grande porção
do algodão brasileiro. Isto significa contraste grande p a ra
o uso feito das redes dos rios que conduziam em barcações de
algodão p a ra C harleston, Savannah, Mobile e New Orleans.
Se os “anos de 1815 a 1860 m arcam a idadé áu rea do barco
fluvial a vapor nos Estados Unidos”(19) eles m arcam ^ c o n ti­
nuidade d a idade do cavalo e da m ula no Nordeste do Brasil.
O tran sp o rte do algodão feito pelos cavalos era caro.
Em qualquer lugar os custos de comercialização nos Estados
Unidos antes d a g uerra eram sem pre m enores que u m á centé­
sim a p arte de um a libra. Os plantadores de café sempre
lam entavam -se que seus custos de comercialização absorviam
m etade do preço de m ercado(20). D u ran te a escassez de algo­
dão n a década de 1860 a zona algodoeira no Brasil expandiu-
se ta n to p a ra o oeste que o tran sp o rte das fazendas m ais
distantes custava ta n to como uns 15 centavos a libra. G eral­
m ente e n a m aioria das fazendas, o custo era m enor, .embora
ain d a alto em com paração com os Estados Unidos. Em 1872
em Pernam buco, por exemplo, a tax a de tran sp o rte por bestas
de carga era 2 centavos a libra por 150 milhas^21)- N enhum a
carroça atin g ia as áreas algodoeiras. Mesmo as prim eiras
ferrovias no Nordeste, que d atam do final da década de 1850,
forneceram pouca aju d a p a ra os fazendeiros de algodão.
Exceto por duas pequenas linhas no extrem o norte, elas
só levemente alcançavam as zonas algodoeiras(22)- Por causa
de sua a lta tax a de frete e os custos de baldeação, m uitos
fazendeiros achavam m ais b arato enviar o algodão pelas

19. G eorge R ogers T aylor, “T he T ra n s p o rta tio n R evolution: 1815-


1860, (New Y ork, H a rp e r & Row, 1951)” p. 58.
20. G av in W rig h t, “T h e Econom ics of C o tto n in th e A ntebellum
S o u th ” (Ph.D . d isse rta tio n , Yale, 1969), p. 137. J o h n C. B ra n n e r,
“C o tto n in th e E m p ire of B ra z il” (U n ited S ta te s D e p a rtm e n t of
A g ricu ltu re, M iscellaneous) S pecial R ep o rt n.° 8, W ash in g to n ,
G o v e rn m e n t P rin tin g O ffice, 1885), pp. 45, 79.
21. G re a t B rita in , “P a rlia m e n ta ry P a p e rs,” 1865, vol. 53, p. 40 —
(U n ited S ta te s, C om m ercial R elatio n s, 1872), p. 105.
22. A e x te n sã o d as fe rro v ia s e x iste n te s em c a d a E stad o do N ordeste,
a n u a lm e n te , de 1858 a 1925, é d a d a em G ra c ilia n o M artin s,
“V iação F é rre a n o N ordeste, 1858-1925,” “Livro do N o rd este”
(R ecife, D iário de P ern am b u co , 1925), pp. 142, 46.
m ulas de carga por todo o cam inho p a ra o porto, ao invés
de sim plesm ente p a ra o term inal ferroviário m ais próximo.
Em 1884 em Pernam buco, os plantadores em Flores, Triunfo,
e Vila Bela (todos aproxim adam ente a 200 m ilhas de Recife)
ach aram que o frete pela ferrovia tom ava 25 a 30 por cento
do valor de seu algodão(23).
A inadequação do tran sp o rte no Nordeste era p arte causa
e p arte efeito das técnicas extensivas lá usadas p a ra o cultivo
do algodão. Desde que o m o n tan te produzido no Brasil,
n u n ca tem um grande efeito nos preços do algodão, a ausên­
cia de rios, estradas e ferrovias reduziu o valor da te rra
usada p a ra o algodão e resultou em p rática de uso intensivo
da terra.
O utros fatores tam bém contribuíram p a ra baixar a
produção do algodão por m ilha quadrada.
As terras que form avam a faixa algodoeira no século X IX
são u m a região intratável. O algodão era plantado em
pequenas fazendas espalhadas com técnicas de queim ada e
cultivo de m atas. Em Seridó, região da P araíb a e Ceará, que
produziu, de todos o m elhor algodão, as fazendas eram sepa­
radas por m ilhas, cada u m a perto de u m a fonte de água. As
árvores algodoeiras p lantadas perto das fontes e riachos pro­
duziam 8 vezes m ais que as dos planaltos. Mesmo perto das
fontes o cultivo do algodão perene no Seridó produzia som ente
um quarto, por acre, das variedades da produção do sul dos
Estados Unidos (24>.
Nos Estados Unidos “n a década de 1820 o mecanism o
principal p a ra o crescim ento da produção do algodão era a

23. B ra n n e r, “C o tto n ” p. 25.


24. E s te p a rá g ra fo b a se ia -se em H en ry K o ster, “T rav els in B razil”
(L ondon, L o n g m an s, 1816) pp. 167-69; L.F. T o llen are, “N otas
D o m in icais T o m ad a s D u ra n te U m a V iagem em P o rtu g a l e no
B rasil em 1816, 1817 e 1818” (São S alvador, L iv ra ria P rogresso
E d ito ra , 1956) pp. 113-16-, 170. José B e rn a rd o F e rn a n d e s G am a,
“M em órias H istó ricas d a P ro v ín c ia de P e rn a m b u c o ” (R ecife, F a ­
ria,.! 844), pp. 17-18; J o h n C. B ra n n e r, “P re lim in a ry R e p o rt on
O b serv a tio n s u p o n In se c ts In ju rio u s to C otton, O range, A nd
S u g a r C ane in B ra z il”, U n ited S ta te s D e p a rtm e n t of A g ricu ltu re,
A n n u a l R ep o rt, 1884, pp. 63-69. B ra n n e r, C otton, p. 30. A rno S.
P earse, “B ra z ilia n C o tto n : B eing th e R ep o rt of th e I n te r n a tio n a l
C o tto n M ission th ro u g h th e C o tto n S ta te s,” m a rç o a se te m b ro
1921 (M an ch ester, 1922), pp. 52-53, 133-50, 174.
— 87 —

m igração p a ra o oeste”(25). No Brasil, o crescim ento da pro­


dução tam bém aconteceu através do deslocam ento p a ra oeste
•das fronteiras algodoeiras. Mas enquanto nos Estados Unidos
•'‘o processo de m igração era em grande m edida irreversível”,
no B rasil as terras de fronteira perm aneceram m arginais.
Elas eram abandonadas ou usadas p a ra cu ltu ras de subsis­
tência quando o preço do algodão caia. N ada n a fronteira
brasileira correspondeu às grandes rotas fluviais correndo
pelas plantações do Alabama, Tennessee, Mississippi, A rkan­
sas, e Louisiana p a ra o Golfo do México. E sta é u m a razão
pela qual o Brasil não reteve sua participação no m ercado de
algodão europeu. ,

O utras dificuldades que a produção de algodão brasileiro


teve que en fren tar foram as taxas de exportação e a especia­
lização (por causa do solo e clima) em algodão de fibra longa,
que dem andava u m a técnica de trabalho intensiva. As taxas
de exportação eram , às vezes, tão altas como quatorze por
cento “ad valorem ”(26>. A especialização em algodão perene
e ra inicialm ente um a vantagem por causa do prêmio pago
pela a lta qualidade. E sta vantagem desapareceu com a inven­
ção da descaroçadeira de serra, ú til apenas p a ra o algodão
•de fibra cu rta; com a extensão do cultivo de fibras longas
p a ra novas regiões, especialm ente Egito e Flórida, e com a
invenção de m aq u in aria que poderia produzir fio de a lta
qualidade a p a rtir do algodão de fibra curta.

V — RESUMO:

Leff cita W.A. Lewis^2?) como tendo notado que “o preço


m undial do açúcar caiu entre 1883 e 1913” Mas, Leff diz:
a queda do valor das exportações de açúcar brasileiro era
m uito m aior do que ocorria p a ra outros exportadores de
açúcar. A m aior queda que Lewis cita é a de M auritius,
onde o valor das exportações de açúcar caiu n u m a tax a
an u a l de aproxim adam ente dois por cento. O declínio no
Brasil foi m uito maior.

25. W rig h t, “E conom ic of C o tto n ” p. 159.


26. As ta x a s sobre a e x p o rta ç ã o de café tiv e ra m um im p a c to lim i­
ta d o n a s re c e ita s dos cafeicu lto res em razão d a g ra n d e p a r t i­
cip aç ão do B rasil n a o fe rta m u n d ia l de café.
27. “A spects of T ro p ical T ra d e ”, 1883-1965 (U ppsala, 1969), p. 10.
— 88 —

Provavelm ente, n en h u m a o u tra im portante região produ­


to ra de açúcar experim entou um a depreciação d a tax a cam ­
bial, en tre 1883 e 1913, tão ráp id a como no Brasil. Na verdade,
Simonsen e Peasche atribuíram a sobrevivência da indústria
aos baixos salários e à ráp id a queda da tax a cam bial(28).
Leff falhou em prover evidência satisfatória m ostrando a
im portância q u an titativa, talvez mesmo a direção, do elo
d a tax a cam bial en tre as exportações brasileiras de café, algo­
dão e açúcar. A razão disso pode ser por ele pensar que: esta
in terp retação , pareceria evidente dem ais p a ra valer a pena
discutir, não fosse pela m á percepção quanto às origens das
diferenças regionais no Brasil, introduzida pelas explicações
anteriores.

Realm ente, o elo da tax a cam bial entre as exportações


de café no Sul e as exportações do açúcar e algodão no Nor­
deste, éra complexo. Um a determ inação adequada de sua
relevância requeria um a análise em pírica cuidadosa.

A produção do café no Sul do Brasil provavelm ente pro­


duziu m uitos efeitos no Nordeste. E ntre as possibilidades
estão o elo tax a cambial, a crescente dem anda do Sul pelas
exportações do Nordeste, a crescente produção de açúcar em
Cuba, a p a rtir do declínio das plantações cafeeiras desta ilha,
e o desenvolvimento de um a in fra -estru tu ra no Rio e São
Paulo, que perm itiu o crescimento de uma indústria açnea*
reira nestas regiões. Se for feita um a análise cuidadosa ela
pode m uito bem m ostrar o prim eiro destes efeitos como sendo
o menos importante.

28. R o b erto C. S im onsen, H istó ria E conôm ica do B rasil: 1500-1820,


H e rm a n n P aa sch e , K u ltu r — u n d R eisekizzen aus N ord — u n d
M ittel — A m erika; E n tw o rfe n a u f e in e r zum S tu d iu m d e r
Z u c k e rin d u strie (Je n a , F isch er, 1891), p. 233.

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