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Clérigo do Vaticano afirma que católicos

podem ser Maçons


25/02/2020 igreja católica, Maçonaria
Oito papas ao longo de 200 anos, numa enxurrada de 20 interdições legais, condenaram
a Maçonaria, pronunciando a excomunhão automática contra qualquer católico que se
torne membro de uma Loja Maçónica.

Agora, um novo livro de um membro do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-


religioso está a alegar que um católico praticante pode simultaneamente ser um Maçom
e que a pena de excomunhão “certamente não” pode ser aplicada aos “maçons
católicos”.

O padre Michael Heinrich Weninger lançou o seu estudo de 500 páginas intitulado
“Loge und Altar: Uber die Aussohnung von Katholischer Kirche und regularer
Freimaurerei” (Loja e Altar: Sobre a reconciliação entre a Igreja Católica e a
Maçonaria Regular), na passada quarta-feira (12.02.2020) em Viena, acompanhado pelo
Grão-Mestre Austríaco, Georg Semler, que esteve presente na mesa.
Georg Semler identifica-se como um “católico comprometido”, enquanto Weninger,
ordenado pelo Cardeal Christoph Schonborn em 2011, foi feito Maçom após celebrar a
missa na consagração da nova loja de Mark Master Masons nº 1954 em 2014.

Um comunicado maçónico informou os seus membros que “o irmão Rev. Michael foi
instalado e investido como capelão em cada uma das três lojas”, acrescentando que
Weninger estava “bem qualificado, pois vive no Vaticano como membro do Conselho
Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso, mas que trabalha em Roma”.

Weninger diz que apresentou cópias do seu livro ao papa Francisco, a Schonborn e a
altos oficiais da Cúria Romana. O Cardeal Schonborn terá respondido com “Nada, para
além de boa vontade”, referiu ele.

No entanto, em numa conferência de imprensa em 2013, o Papa Francisco atacou “um


lobby de Maçons” enquanto, numa visita a Turim em 2015, o pontífice falou das “piores
condições” para os jovens no final do século XIX, quando a “Maçonaria estava com
todo o vigor … havia odiadores de sacerdotes, e havia também satanistas “. Em 2017, o
pontífice obrigou o Cardeal Burke a expulsar os maçons dos Cavaleiros de Malta.

Heinrich Weninger (direita) e o Grão-Mestre, Georg Semler (esquerda), na apresentação


do livro
No lançamento do livro, Weninger narrou a sua experiência de ser abordado
repetidamente pelos Maçons católicos durante as suas viagens ao redor do mundo: “Eles
descreveram-me os seus problemas de consciência e problemas mentais, se forem
realmente excomungados por causa de sua associação [na Loja] “.
“E eu respondi-lhes com a consciência limpa, que não eram”, enfatizou, afirmando que
cerca de 2 milhões de católicos, são Maçons.

O antigo diplomata, agora a liderar o diálogo do Vaticano com o Islão, argumenta que
as condenações de anteriores papas à Maçonaria devem ser entendidas como “em última
análise, mais motivadas politicamente do que teologicamente“.
“É preciso diferenciar os diferentes tipos de Maçons”, afirma Weninger. Ele iliba as
Lojas sob a égide da Grande Loja de Inglaterra, que também inclui a Grande Loja da
Áustria, como “Maçons regulares”, que ele diz não serem, nem políticos, nem
anticatólicos.

Weninger admite que os maçons italianos e franceses eram frequentemente,


politicamente ou até militarmente, combativos contra a Igreja, mas descarta-os como
“pseudo-maçons”. Isto não se aplica à Maçonaria orientada pela UGLE, que é o modelo
para a maioria das Lojas do mundo, explica ele, observando que “a Maçonaria regular”
é “politicamente reservada” e “mantém um nível elevado de tolerância e incentiva os
seus membros a um certo nível de espiritualidade que é absolutamente compatível com
o cristianismo “. “Por muito tempo“, argumenta Weninger, “a Igreja não diferenciou
entre estes Maçons ‘regulares’ e outros, com tendências às vezes sectárias ou anti-
Igreja“.
Weninger também afirma que a confusão sobre se os maçons católicos são
excomungados decorre de uma contradição entre o Código de Direito Canónico de 1983
– que, segundo ele, removeu a condenação da Maçonaria contida no código de 1917 – e
uma declaração condenatória de 1983 da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF).

Embora a declaração da Congregação para a Doutrina da Fé não seja vinculativa nos


termos da lei canónica, ela tem um certo peso teológico, admite Weninger.

Na Declaração de 1983 sobre as Associações Maçónicas, pessoalmente autorizada pelo


Papa João Paulo II, o então Cardeal Ratzinger declarou inequivocamente:

“O julgamento negativo da Igreja em relação às associações maçónicas permanece


inalterado, pois os seus princípios sempre foram considerados inconciliáveis com a
doutrina da Igreja e, portanto, a participação neles permanece proibida. Os fiéis que se
inscrevam em associações maçónicas estão em estado de grave pecado e podem não
receber a Santa Comunhão”.
Contra a tentativa de Weninger de distinguir entre maçons “regulares” e “irregulares”, a
declaração também tornou explícito que “não é da competência das autoridades
eclesiásticas locais julgar a natureza das associações maçónicas, o que implicaria uma
derrogação ao que foi referido acima“.
Weninger também insiste que a condenação do Cardeal à Maçonaria não desfaz o
diálogo iniciado no final da década de 1960 pelo então arcebispo de Viena e presidente
do Secretariado para os Não-Crentes, Cardela Franz Konig, que manteve conversações
com os Maçons austríacos, alemães e suíços após o Concílio Vaticano II (1962-1965).

Esse diálogo culminou na Declaração de Lichtenau (1970), explica Weninger, que


afirmou que a Maçonaria não era uma ameaça para a Igreja e recomendou que todas as
sanções da Igreja contra os Maçons fossem retiradas.

Contudo, o canonista Edward F. Condon, na sua dissertação de doutoramento de 2015


da Faculdade de Direito Canónico da Universidade Católica da América, observa que “a
benignidade percebida da Loja é imaterial, uma vez que é … a filosofia subjacente da
Maçonaria que a torna tóxica para a fé“.
Condon manifesta choque com “a presunção dos autores” da Declaração de Lichtenau,
que, ele ressalta “não abordou a objecção central da Igreja, ao longo dos séculos, à
Maçonaria – que sua própria natureza promoveu indiferentismo religioso e
entendimento secundário de se ser membro da Igreja“.
No lançamento do livro, o Grão-Mestre austríaco Semler reiterou o ponto da Declaração
de Lichtenau, de que a Maçonaria não é uma religião e tem amor pelo próximo em
comum com a Igreja.

Mas, de acordo com Condon, “mesmo os rituais básicos de iniciação da Maçonaria nas
Lojas Azuis, comuns a todos os ritos e países, envolvem uma renúncia pelo menos tácita
à eficácia do baptismo de alguém através da afirmação de que alguém estava ‘a andar
nas trevas’ e agora ‘busca a luz que somente a Maçonaria pode trazer’“.
Os altos graus do Rito Escocês prevalecentes nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha,
“áreas de Maçonaria supostamente benigna, envolvem denúncias explícitas do papa e da
Igreja Católica”, refere Condon, explicando:

Se o Aprendiz [Maçom] continuar, como esperado, até ao grau de Mestre Maçom, ele
ainda aprenderá, afirma ele, que a Igreja Católica é um agente de tirania espiritual e
temporal com a qual ele deve lutar e considerar que seja ele o agente de Deus em
oposição. Ele passará por outro ritual de olhos vendados e seminu, no qual simulará a
sua própria morte e ressurreição, e aprenderá que é a Maçonaria que o ensinará a
interpretar a Sagrada Escritura em vez da Igreja.

“Existe sólida argumentação canónica para considerar o juramento maçónico como


uma ofensa mais grave do que um acto explícito de heresia“, afirma Condon em Heresy
by Association: The Canonical Prohibition of Freemasonry in History and in the
Current Law (Heresia por Associação: A Proibição Canónica da Maçonaria na História
e na Lei Actual).
Apesar disto, Semler espera um gesto oficial de reconciliação com os Maçons por parte
do Vaticano, que pode incluir uma reunião entre os Grão-Mestres e o Papa Francisco,
ou mesmo entre os Grão-Mestres e o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

O livro de Weninger é baseado na sua tese de doutoramento “Ober die Aussohnung von
Katholischer Kirche und regulárer Freimaurerei (“Sobre a reconciliação da Igreja
Católica e da Maçonaria Regular”) concluída em 2019, na Pontifícia Universidade
Gregoriana, administrada por jesuítas.

Tradução de António Jorge

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