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entrevista Época – Qual é o perfil dos integrantes

Abhijit Banerjee da “nova classe média” mundial?


Banerjee – Em termos gerais, a nova

“A classe média
classe média investe na família, e
não em negócios. Eles têm empregos
urbanos estáveis, com salário fixo. Não
são bem pagos. Ganham o suficiente

não quer ser rica” para garantir a educação dos filhos e


pagar um tratamento de saúde para os
pais. Seriam, por exemplo, um garçom
de um bom restaurante na Índia ou
Para o economista indiano, o sonho da “nova classe um operário em uma grande fábrica
média” mundial é que os filhos não voltem à pobreza chinesa. Esse seria um membro típico da
nova classe média. Apenas uma pequena
parte mantém o próprio negócio, como
Rafael Pereira
um bar ou uma mercearia. Normalmen-

C
omo você definiria o padrão de vida de uma pessoa te, não empregam ninguém, a não ser
os familiares. Nesse caso, parecem ter
que pertence à “classe média”? Ela paga os estudos dos filhos até a um negócio próprio, mas na prática são
faculdade? Tem plano de saúde e viaja de vez em quando com a família como um encanador, alguém que traba-
para a praia? A frieza dos números mostra uma realidade diferente. “Essas são lha por conta própria. É uma classe que
características dos ricos, quando se analisa a distribuição de renda nos países cresceu muito no Brasil nos anos 1960,
vem crescendo rapidamente na China
pobres ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil”, afirma o economista e de maneira mais lenta na Índia.
indiano Abhijit Banerjee, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(MIT). Banerjee publicou em 2007 os resultados de uma pesquisa feita em Época – Cem milhões de brasileiros per-
tencem à “nova classe média”. Quais serão
17 países da América Latina, África e Ásia, como China e Índia. O trabalho
os efeitos da crise mundial sobre eles?
revelou quem são e o que fazem os integrantes da “nova classe média” Banerjee – O perigo é a queda na criação
mundial, aqueles que acabaram de ultrapassar os limites da pobreza. de empregos. Fábricas vão demitir s

Em geral, seus integrantes não têm per- quem é


fil empreendedor, recebem salários baixos Abhijit Banerjee, de
e só investem na casa e na educação dos 47 anos, é professor
filhos. De passagem pelo Brasil, Banerjee de Economia
falou a ÉPOCA sobre os sonhos da “nova Internacional
classe média” e as formas mais eficazes no Instituto de
para reduzir a pobreza no mundo. Tecnologia de
Massachusetts,
Época – O senhor estudou 17 países para onde fundou e
definir a “nova classe média” mundial. dirige o centro de
Quem são seus integrantes? estudos da pobreza
Abhijit Banerjee – A nova classe média, Abdul Latif Jameel
como nós a definimos, é feita de Poverty Action Lab
pessoas que vivem com uma renda
diária que vai de US$ 2 a US$ 10. Pode o que fez
parecer pouco, mas em países como Formou-se em
Índia, Tanzânia e Paquistão quem vive Economia na Índia e
com US$ 10 ganha mais que 80% da obteve o doutorado
população – e muito pouca gente ganha na Universidade
mais que isso. Se a “verdadeira” classe Harvard.
média fosse de pessoas que ganham Foi professor
US$ 10 ao dia, então a idéia de que na Universidade
a classe média estaria no centro da Princeton
distribuição de renda de um país seria
descartada. Com o corte que fizemos, O que publicou
estamos falando numa população com Making Aid
renda superior à dos 20% mais pobres e Work (2007)
inferior à dos 20% mais ricos.

84 > época , 22 de dezembro de 2008 Foto: André Valentim/ÉPOCA


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e restaurantes fecharão, para continuar Época – Até onde vai a educação dos nunca teve um crescimento vertiginoso
com os exemplos do garçom e do ope- filhos? Eles chegam à faculdade? na urbanização. No Brasil, a rápida urba-
rário. A criação ou manutenção desses Banerjee – Tipicamente, eles estudam até nização criou uma classe de pessoas que
empregos depende diretamente da completar o ensino médio, em colégios vieram à cidade grande com esperança.
demanda por bens e serviços, e essa de- públicos, mas não chegam à faculdade. No fim dos anos 1980 e início dos 1990,
manda está encolhendo. Mas os maio- É claro que há exceções, mas de maneira a esperança virou frustração. É perigoso
res efeitos da crise se abaterão sobre geral é o que ocorre. A intenção é que para qualquer sociedade ter de lidar
os ricos. Apesar disso, não seria certo os filhos estudem, aprendam uma com isso. Na Índia, as pessoas só partem
dizer que os ricos são os mais vulnerá- profissão e consigam um emprego. do campo para a cidade com uma
veis, porque eles não precisarão tirar oferta clara de emprego, de um amigo
os filhos da escola caso algo dê errado Época – Os membros da “nova classe ou familiar. Mesmo assim, é sempre um
em seus negócios. Já os muito pobres, média” brasileira não se vêem como trabalho temporário. Eles vão sozinhos,
dependendo da forma como seus países pertencendo a ela, mas como pobres. O não levam a família. A chave da questão
lidem com a crise, poderão ser os mais mesmo ocorre com a classe média “tradi- da violência é a desigualdade. A desigual-
beneficiados no curto prazo. A China cional”. Eles não se vêem como ricos. dade na Índia é historicamente baixa,
vai combater a crise investindo em Banerjee – É assim em todo o mundo. mas está crescendo. Existe em meu país
infra-estrutura, criando mais empregos Quem trabalha para o governo quase a preocupação de que ela se reverta
para os mais pobres. sempre se enquadra na classe média. em um aumento da criminalidade.

Época – Quais são os sonhos Época – O senhor dirige o Poverty Action


que definem a “nova classe média”? Lab, organização que identifica ações real-
Banerjee – Seu sonho é manter seu sta- mente efetivas no combate à pobreza.
tus e pagar as contas em dia. Ter uma
TV e um veículo, que seria um carro
A chave da Banerjee – Não é à toa que somos todos
economistas (risos). Somos mais de
compacto no Brasil e uma boa bicicleta violência é a 30 em todo o mundo. O que a gente faz
na Índia. E dinheiro para gastar com os
problemas mais comuns de saúde. desigualdade. Na com o PAL é identificar as estratégias
mais eficazes para ajudar os pobres.

Época – Contentar-se apenas com


índia, ela ainda Não é tentar transformar pobres
em ricos, mas melhorar sua qualidade
o necessário não é negar a esperança? é baixa, mas está de vida. Temos muitos patrocinadores,
Banerjee – Para a nova classe média, isso
já é um sonho. São pessoas cujos pais crescendo. Há e normalmente quem doa dinheiro
fica preocupado em saber se ele está
viviam de bico e saíram da margem da
pobreza. Agora, a nova classe média
quem tema um sendo bem usado. O que fazemos
é pesquisar formas para garantir isso.
aumento da


precisa educar seus filhos para que eles Garantir que, assim como um investi-
mantenham o conforto de hoje. Muitas mento financeiro qualquer, o dinheiro
vezes, quem pertence hoje à nova classe criminalidade para combater a pobreza dê retorno.
média foi o único entre os irmãos que
conseguiu se estabelecer. Pense do ponto Época – O que o senhor faria
de vista de um pobre. Esse é o sonho dos Mas uma enfermeira de hospital público se tivesse US$ 1 milhão para gastar
pobres. O novo membro da classe média não se vê como pobre, porque atende em uma causa humanitária?
luta para assegurar sua condição e para pessoas mais pobres que ela. Por outro Banerjee – Acho que se existe uma ma-
que todos os seus descendentes sejam lado, um motorista particular pode neira barata de melhorar a qualidade de
como ele. Esse é o desafio. ganhar o mesmo que a enfermeira, mas vida dos pobres é dar acesso a necessi-
se vê como pobre porque trabalha para dades básicas de saúde. Vacinar crianças
Época – A “nova classe média” ainda pessoas mais ricas. A visão econômica e e tratar a água, por exemplo. O retorno
tem tantos filhos quanto seus pais? social difere porque depende sempre de é muito alto, e o investimento é baixíssi-
Banerjee – A classe média tem muito com quem você está se comparando. mo. Portanto, identificaria essas neces-
menos filhos que os pobres, e isso é sidades ao redor do mundo e pulveri-
uma característica fundamental. É um Época – A violência é um grande pro- zaria o investimento nessas pequenas
dado em comum em todos os países blema no Brasil. Ela é considerada como coisas. O que vejo nos lugares pobres
que estudamos. Tem a ver com o desa- o resultado da desigualdade social. Mas que conheço é que as pessoas têm uma
fio de investir nas próximas gerações. a Índia tem quase 1 bilhão de pobres e vida muito estressante. Não encontram
Não para que os filhos sejam ricos um é considerada um país seguro. Qual é a tempo para coisas simples como levar
dia, mas para que nunca se tornem diferença entre o Brasil e a Índia? as crianças para vacinar. Dar incentivos
pobres. Os pais querem assegurar Banerjee – A urbanização brasileira para que façam isso pode mudar essa
aos filhos um emprego como o deles. iniciada nos anos 1960 foi acompanhada percepção. Dar, por exemplo, R$ 0,20
Quanto menos filhos, mais fácil por um crescimento brutal da desigual- para vacinar cada criança. Eu poria
é assegurar esse futuro. dade na distribuição da renda. A Índia meu milhão de dólares nisso.  u

86 > época , 22 de dezembro de 2008

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