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Informativo 12-STJ (EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA)


Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE
DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL
REGIME JURÍDICO
▪ O registrador pode impetrar mandado de segurança questionando a ordem do Juiz Diretor do Foro, que determinou
uma retificação no registro que o oficial entende indevida.

DIREITO CIVIL
BEM DE FAMÍLIA
▪ Imóvel que está em nome da sociedade empresária pode ser considerado bem de família se o sócio nele residir;
neste caso, contudo, será possível penhorar bens pessoais do sócio já que se trata de uma via de mão dupla: deve-
se proteger a moradia do sócio mas também o credor.

PESSOA JURÍDICA
▪ O sócio de pessoa jurídica não possui legitimidade ativa para pleitear indenização, em nome próprio, por danos ao
patrimônio da empresa.

CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO EXTRAJUDICIAL


▪ Realizada a consignação extrajudicial e manifestada a discordância do credor, o devedor deve ajuizar a ação no
prazo de 30 dias, sob pena de reputar-se sem efeito o depósito efetuado, desvinculando-se da extinção da obrigação
e impondo-se a rescisão do contrato.

ARBITRAGEM
▪ Existindo cláusula compromissória arbitral, a pretensão de produção antecipada de provas (sem demonstração de
urgência), deve ser promovida diretamente perante o Tribunal arbitral.

USUCAPIÃO
▪ Não é possível aproveitar o tempo anterior de posse de terceiros para complementação do quinquênio necessário à
declaração de prescrição aquisitiva no caso de usucapião especial urbana.

ALIMENTOS
▪ Em uma execução de alimentos a mãe da criança pode fazer transação com o pai devedor, dispensando que ele
pague uma parte dos valores atrasados.

DIREITO DO CONSUMIDOR
RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO
▪ A emissão, por terceiro, de boleto fraudado, configura fato exclusivo de terceiro somente quando evidenciado o
nexo causal entre as atividades desempenhadas pela instituição financeira e o dano vivenciado pelo consumidor.
▪ A empresa de intermediação imobiliária responde pela venda fraudulenta realizada por uma das corretoras que
prestava serviço na sociedade.
PLANO DE SAÚDE
▪ Os planos de saúde são obrigados a fornecer tratamento para combate ao câncer.
▪ O plano de saúde não está obrigado a custear bomba de insulina porque se trata de medicamento de uso domiciliar.
▪ Não é possível a resilição unilateral de contrato de plano de saúde durante o curso de tratamento médico.

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DIREITO EMPRESARIAL
AVAL
▪ O aval não se equipara à fiança no que diz respeito à possibilidade de usufruir do benefício de ordem, uma vez que
o avalista é um responsável autônomo e solidário.

DUPLICATA
▪ O posto de gasolina utilizava máquinas de cartão de crédito de uma instituição credenciadora; um terceiro deu um
golpe no posto utilizando uma máquina adulterada; o posto emitiu uma duplicata contra a instituição cobrando o
prejuízo; o STJ decidiu que isso não é possível.

CHEQUE
▪ Ocorrida a prescrição cambial, o cheque perde os atributos cambiários.

PROPRIEDADE INDUSTRIAL
▪ No caso de ato ilícito continuado, a prescrição não afeta as ocorrências posteriores ao marco temporal prescricional
para a tutela reparatória e inibitória, abrangendo apenas o período anterior.

CONTRATOS EMPRESARIAIS
▪ Não é razoável exigir prestação de contas detalhadas sobre investimentos do extinto Fundo 157 quando ausente a
especificação do valor investido e do período em questão.

SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
▪ A data-base da apuração de haveres em dissolução parcial de sociedade por tempo indeterminado corresponde ao
momento em que o sócio retirante deixa de contribuir para a atividade.

FALÊNCIA
▪ A decisão do Juiz do Trabalho desconstituindo a personalidade jurídica da empresa não significa, por si só, usurpação
da competência do juízo falimentar.
▪ A certidão expedida em feito executivo, na forma do art. 94, § 4º, da Lei 11.101/2005 enseja a presunção legal da
insolvência do devedor e não cabe exigir do credor a prova dessa circunstância fático-jurídica.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL
▪ A Assembleia Geral de Credores pode estabelecer um novo limite para atualização dos créditos, desde que conste
de forma expressa no plano de soerguimento.
▪ O que acontece com a execução de título executivo extrajudicial ajuizada pelo credor contra a empresa em
recuperação e os coobrigados na hipótese em que o titular do crédito concorda com a cláusula de supressão das
garantias inserta no plano de recuperação?

DIREITO PROCESSUAL CIVIL


COMPETÊNCIA
▪ Compete à 1ª ou a 2ª Turma do STJ julgar recurso especial discutindo a indenização do art. 59, I, da Lei 8.630/93
(atualmente revogada).

CITAÇÃO POR EDITAL


▪ A prévia expedição de ofício às concessionárias de serviços públicos, para fins de localização do réu, antes de se
autorizar a citação por edital, é facultativa.

LITISCONSÓRCIO
▪ O juiz, ao reconhecer a ilegitimidade ad causam de um dos litisconsortes passivos e excluí-lo da lide, deverá fixar os
honorários com base no art. 338, parágrafo único, do CPC.

DENUNCIAÇÃO DA LIDE
▪ Não é cabível a denunciação da lide em demanda que busca a declaração de inexigibilidade de débito, pois não
haverá uma condenação que justifique a introdução de uma nova lide dentro daquele processo principal.
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COISA JULGADA
▪ Se a parte não pediu tudo o que poderia, seja por opção ou por equívoco, sua pretensão ainda subsiste, restando-
lhe a possibilidade de ajuizar nova ação para requerer a complementação da indenização, a não ser que ocorresse
alguma hipótese de preclusão.

RECURSOS
▪ O recorrente deve comprovar o recolhimento do preparo e do porte de remessa e retorno de acordo com os volumes
existentes nos autos no momento da interposição do recurso.

IMPENHORABILIDADE
▪ A ausência de comprovação, pela parte executada, de que o imóvel penhorado é explorado pela família afasta a
incidência da proteção da impenhorabilidade.
▪ Os certificados em poder das instituições de ensino, recomprados pelo FIES e que excederem os débitos
previdenciários e tributários destas, estão sujeitos à penhora.
▪ O veículo adaptado para pessoa com mobilidade reduzida pode ter sua impenhorabilidade reconhecida.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO
PREVIDÊNCIA PRIVADA
▪ Ao julgar o Tema 955, o STJ modulou os efeitos da decisão reconhecendo a possibilidade de, nas ações ajuizadas
até 8/8/2018, ser possível a inclusão dos reflexos das verbas reconhecidas na Justiça do Trabalho.

DIREITO NOTARIAL
E REGISTRAL

REGIME JURÍDICO
O registrador pode impetrar mandado de segurança questionando a ordem do Juiz Diretor do
Foro, que determinou uma retificação no registro que o oficial entende indevida
ODS 8 E 16

O registrador poderá se socorrer de mandado de segurança contra ato administrativo que o


obrigue a aplicar regramento contra a sua convicção jurídica, uma vez que deve zelar pela
legalidade dos atos pertinentes à sua área de atuação, bem como por suas prerrogativas
funcionais.
STJ. 4ª Turma. AgInt no RMS 40.368-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 13/2/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João é registrador de imóveis.
Pedro apresentou requerimento endereçado a João solicitando a retificação da data de um registro.
João entendeu que o requerimento não poderia ser atendido considerando que o registro foi realizado
com base na data da prenotação. O registrador fundamentou a recusa na Lei de Registros Públicos (Lei nº
6.015/73 e no Código Civil).
Pedro, em vez de requerer a suscitação de dúvida, apresentou reclamação dirigida ao Juiz de Direito Diretor
do Foro, pedindo que a autoridade judicial determinasse ao registrador a retificação da data do registro.
O Juiz Diretor do Foro acolheu o pedido e determinou ao registrador a retificação no prazo de 48 horas.
Diante desse cenário, João impetrou mandado de segurança contra o ato do Juiz Diretor do Foro.
Sustentou que o registro foi efetuado com a data do protocolo, nos termos do artigo 1.246 do Código Civil.
Defendeu a legalidade do ato registral e que a autoridade coatora não possuía competência para
determinar a retificação do registro.

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O Tribunal de Justiça denegou o pedido, sob o argumento de que o Oficial do Registro de Imóveis não
dispunha de legitimidade, porque não tinha direito subjetivo líquido e certo oponível à decisão judicial, a
que tem a obrigação de cumprir.
Ainda inconformado, João interpôs recurso ordinário dirigido ao STJ sustentando que possui direito líquido
e certo, pois tem o dever de velar pela legalidade dos atos pertinentes à sua área territorial de atuação e
o direito de defender as suas prerrogativas e a inteireza das respectivas atribuições.

O STJ deu provimento ao recurso do registrador?


SIM.
No caso concreto, trata-se de mandado de segurança, cuja decisão, embora tenha sido proferida por Juiz
de Direito, tem cunho administrativo, já que fundamentada nos arts. 37 e 38 da Lei nº 8.935/94, que
confere ao Judiciário a atividade de controle dos serviços registrais:
Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos artes. 6º a 13,
será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal,
sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da
inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus
prepostos.
Parágrafo único. Quando, em autos ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a existência de
crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao
oferecimento da denúncia.

Art. 38. O juízo competente zelará para que os serviços notariais e de registro sejam prestados
com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade
competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação desses serviços, observados,
também, critérios populacionais e sócio-econômicos, publicados regularmente pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Nesse sentido, confira o seguinte precedente:


Compete ao poder judiciário a fiscalização dos atos dos notários, dos registradores e de seus prepostos,
bem como, de acordo com a organização judiciária local, aos seus órgãos a aplicação de sanção disciplinar
ao delegatário faltoso.
STJ. 2ª Turma. RMS 52.659/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/9/2017.

Diante desse cenário, podemos concluir que o registrador, na qualidade de agente público, pode, pelo
menos em tese, socorrer-se de mandado de segurança contra o ato administrativo que o obrigue a aplicar
regramento contra a sua convicção jurídica. Isso porque o registrador tem o dever de zelar pela legalidade
dos atos pertinentes à sua área de atuação, bem como por suas prerrogativas funcionais.
Ressalte-se que o registrador possui nítido interesse processual na propositura do mandado de segurança
considerando que, se cumprir a ordem, poderá sofrer consequências jurídicas decorrentes do
atendimento de um comando, em tese, ilegal. Por outro lado, caso simplesmente se recuse a obedecer,
poderá estar sujeito a processo administrativo disciplinar.

Em suma:
O registrador poderá se socorrer de mandado de segurança contra ato administrativo que o obrigue a
aplicar regramento contra a sua convicção jurídica, vez que deve zelar pela legalidade dos atos
pertinentes à sua área de atuação, bem como por suas prerrogativas funcionais.
STJ. 4ª Turma. AgInt no RMS 40.368-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 13/2/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

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DIREITO CIVIL

BEM DE FAMÍLIA
Imóvel que está em nome da sociedade empresária pode ser considerado bem de família se o
sócio nele residir; neste caso, contudo, será possível penhorar bens pessoais do sócio já que se
trata de uma via de mão dupla: deve-se proteger a moradia do sócio mas também o credor
ODS 8 E 16

Havendo desconsideração da personalidade jurídica, em proveito de sócio morador de imóvel


de titularidade da sociedade empresária devedora, poderão ser executados bens pessoais dos
sócios até o limite do valor de mercado do bem subtraído da execução, independentemente do
preenchimento de requisitos como má-fé e desvio de finalidade previstos no caput do art. 50
do Código Civil.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.514.567-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/3/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A empresa “XX” ingressou com execução cobrando R$ 500 mil da empresa “JJ”.
Foi encontrado um imóvel em nome da empresa executada: um apartamento.
O juiz determinou, então, a penhora desse imóvel para pagamento da dívida.
João, sócio da empresa “JJ”, apresentou embargos de terceiro provando que mora neste apartamento
com seus filhos, de forma que o imóvel se constitui em bem de família.
A exequente impugnou o pedido afirmando que o imóvel está em nome da empresa devedora e que a
dívida é da pessoa jurídica. Dessa forma, não há motivo para se conferir a proteção da impenhorabilidade
do bem de família.

Qual das duas teses prevaleceu no STJ? O imóvel que está em nome da pessoa jurídica, mas onde reside
o sócio também pode gozar da proteção de impenhorabilidade como bem de família?
Segundo a jurisprudência do STJ, a resposta é SIM.
No entanto, antes de mencionarmos os julgados do STJ que acolhem o argumento do devedor, é
importante fazermos algumas considerações.

Se fossemos analisar a pergunta acima pela ótica da autonomia patrimonial, a resposta seria “não”
O art. 1º, caput, da Lei nº 8.009/90 (Lei do Bem de Família) prevê que:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não
responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza,
contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo
nas hipóteses previstas nesta lei.

Se analisarmos a redação literal do art. 1º da Lei nº 8.009/90 perceberemos que a proteção legal é
conferida a imóvel de propriedade da pessoa física devedora, não havendo menção alguma à possibilidade
de reconhecimento da impenhorabilidade a imóveis pertencentes a pessoa jurídica, notadamente em
razão da inaplicabilidade dos conceitos de residência e moradia, bem como em virtude dos princípios da
autonomia da vontade e da autonomia patrimonial da sociedade empresarial.
Os bens pertencentes à pessoa jurídica da qual o devedor é sócio não integram o patrimônio deste, dada
a completa autonomia patrimonial da pessoa jurídica em face de seus membros.
A autonomia patrimonial configura via de mão dupla. Isso porque tem por objetivo:
• proteger o patrimônio dos sócios para que, em princípio, não respondam por dívidas relacionadas à
atividade empresarial; e

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• proteger o patrimônio da própria pessoa jurídica (e seus eventuais credores), no tocante a dívidas dos
sócios.

Dessa forma, a extensão da impenhorabilidade conferida pela lei a título de bem de família a imóveis
pertencentes ao patrimônio de pessoa jurídica implicaria, em regra, desrespeito à autonomia patrimonial
da empresa.

Se fossemos analisar a pergunta acima pela ótica da boa-fé objetiva, a resposta seria “não”
Impedir a penhora do imóvel da pessoa jurídica pelo simples fato de o sócio residir no local ofende, de
alguma forma, a vedação do venire contra factum proprium. Isso porque se o imóvel foi voluntariamente
transferido ao patrimônio da pessoa jurídica para integralização da quota do sócio no capital da sociedade
haverá um comportamento contraditório do sócio devedor alegar que esse imóvel é o seu bem de família.

O STJ, contudo, optou por responder “sim” à pergunta com base no direito fundamental à moradia,
corolário da dignidade da pessoa humana, razão pela qual é preciso que seja dada uma interpretação
ampliativa à proteção legal
Embora a Lei nº 8.009/90 confira proteção apenas ao imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade
familiar, sem mencionar a extensão do benefício a imóvel que não seja de propriedade do ocupante mas
de pessoa jurídica, há diversos julgados do STJ que reconheceram a impenhorabilidade de imóvel de
propriedade da empresa, caso comprovado que nele residam os sócios.
No início, o STJ conferia essa proteção apenas para imóveis de pequenas empresas familiares, cujas quotas
eram inteiramente pertencentes aos devedores e seus familiares, em razão da confusão patrimonial, na
prática, inerente a esse tipo de sociedade.
Atualmente, contudo, a aplicação desse entendimento ocorre de forma bem ampla.
A jurisprudência desta egrégia Corte orienta-se no sentido de considerar que é impenhorável a residência
do casal, ainda que de propriedade de sociedade comercial.
STJ. 4ª Turma. EDcl no AREsp 511.486/SC, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 3/3/2016.

(...) 1. Inafastável o entendimento desta Corte, que reconhece à impenhorabilidade de imóvel de


propriedade de pessoa jurídica quando servir de residência para a família do sócio.
2. “Não se faz necessário provar que o imóvel em que reside o devedor seja o único de sua propriedade
para que se reconheça a impossibilidade de penhora do bem de família, uma vez que essa exigência
inexiste no conjunto de normas que disciplina a matéria” (REsp n. 1.762.249/RJ, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/12/2018, DJe 7/12/2018).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
STJ. 4ª Turma. Ag no AREsp 909.458/SP, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 4/6/2019.

Ao se conferir a proteção da impenhorabilidade, o que se está fazendo é o contrário da desconsideração


da personalidade jurídica; trata-se da desconsideração da personalidade jurídica POSITIVA
O art. 50 do Código Civil prevê que, se houver confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e a de seus
sócios, isso é uma hipótese que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica. Isso para proteger
o interesse do credor:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios
da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
(...)

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§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios,


caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-
versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor
proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

O motivo que levou à criação da doutrina da desconsideração da personalidade, desde sua origem no
direito anglo-americano (disregard of the legal entity), foi afastar temporariamente a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica para satisfazer interesse do credor em razão de prática abusiva do sócio.
Quando o STJ reconhece que o imóvel que pertence à pessoa jurídica pode ser considerado bem de família
pelo simples fato de o sócio nele morar, o que o Tribunal está fazendo é o inverso da desconsideração da
personalidade jurídica. Isso porque neste caso se está afastando a personalidade jurídica da sociedade
empresarial para se conferir proteção ao devedor que utiliza imóvel de propriedade da empresa como
moradia.
Trata-se da denominada “desconsideração da personalidade jurídica positiva”, expressão cunhada pela
doutrina para justificar proteção conferida pela Lei nº 8.009/90 a imóvel pertencente à pessoa jurídica, no
qual residam os sócios.
Sustenta-se que “a teoria da desconsideração da personalidade sempre foi utilizada sob o aspecto
negativo (punitivo/repressivo) (...)”, propondo Fábio Ricardo Rodrigues Brasilino seja utilizada também
"sob o ponto de vista positivo, ou seja, para resguardo a dignidade da pessoa e outros valores
constitucionais" ("A desconsideração da personalidade jurídica positiva". Revista de Direito Empresarial:
ReDE, v. 2, n. 6, p. 91-105, nov./dez. 2014).

Proposta da Min. Maria Isabel Gallotti


No voto deste julgado ora comentado, a Min. Maria Isabel Gallotti defendeu os seguintes argumentos:
• como regra, a impenhorabilidade da Lei 8.009/90 destina-se às pessoas físicas. A desconsideração da
personalidade da empresa proprietária deve ocorrer em situações particulares, de forma a não tornar
letra morta o princípio basilar de direito societário da autonomia patrimonial;
• a base da aplicação da teoria da desconsideração rotulada “positiva” deve, portanto, ser a configuração
da pessoa jurídica como pequena empresa familiar, em que o imóvel de moradia, embora formalmente
em nome da empresa, na realidade, se confunda com o patrimônio da família.
• na linha da doutrina citada, impõe-se também a demonstração da boa-fé do sócio morador, que se infere
de circunstâncias a serem aferidas caso a caso, como ser o imóvel de residência habitual da família, desde
antes do vencimento da dívida, ou, em se tratando de construção, ter ela sido iniciada “antes da
instauração do processo executivo”.
• condutas como a compra pela sociedade de imóveis residenciais para a moradia dos sócios, de forma a
destituir a empresa de patrimônio apto a servir de meio para a satisfação das obrigações contraídas no
giro de seus negócios, não devem dar ensejo a esse tipo de desconsideração.
• por outro lado, a desconsideração quando aplicada nessas hipóteses particulares deve ser via de mão
dupla. Isso porque tem como pressuposto teórico a confusão entre o patrimônio da empresa familiar e o
patrimônio da família (ou “identidade de patrimônios”).
• havendo desconsideração da personalidade em proveito de sócio morador de imóvel de titularidade da
sociedade, haverá, na prática, desfalque do patrimônio social garantidor do cumprimento das obrigações
da pessoa jurídica e, portanto, sendo a desconsideração via de mão dupla, poderão ser executados bens
pessoais dos sócios até o limite do valor de mercado do bem subtraído da execução, independentemente
do preenchimento de requisitos como má-fé e desvio de finalidade previstos no caput do art. 50 do Código
Civil. A confusão patrimonial de ordem prática entre a sociedade familiar e o sócio morador, base para o
benefício, será igualmente a base para a excussão de bens particulares dos sócios.

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• essa solução preserva o princípio da integridade do capital social da empresa, atendendo à necessidade
de proteção da residência familiar, escopo da Lei nº 8.009/90, sem descurar, na medida do possível dos
direitos dos credores da sociedade.

Ficou assim no resumo do informativo original:


Havendo desconsideração da personalidade jurídica, em proveito de sócio morador de imóvel de
titularidade da sociedade empresária devedora, poderão ser executados bens pessoais dos sócios até o
limite do valor de mercado do bem subtraído da execução, independentemente do preenchimento de
requisitos como má-fé e desvio de finalidade previstos no caput do art. 50 do Código Civil.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.514.567-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/3/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

Confira trechos da ementa oficial:


(...) 1. A autonomia patrimonial da sociedade, princípio basilar do direito societário, configura via de mão
dupla, de modo a proteger, nos termos da legislação de regência, o patrimônio dos sócios e da própria
pessoa jurídica (e seus eventuais credores).
2. "A impenhorabilidade da Lei nº 8.009/90, ainda que tenha como destinatários as pessoas físicas, merece
ser aplicada a certas pessoas jurídicas, às firmas individuais, às pequenas empresas com conotação
familiar, por exemplo, por haver identidade de patrimônios." (FACHIN, Luiz Edson. "Estatuto Jurídico do
Patrimônio Mínimo", Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 154).
3. A desconsideração parcial da personalidade da empresa proprietária para a subtração do imóvel de
moradia do sócio do patrimônio social apto a responder pelas obrigações sociais deve ocorrer em
situações particulares, quando evidenciada confusão entre o patrimônio da empresa familiar e o
patrimônio pessoal dos sócios.
4. Impõe-se também a demonstração da boa-fé do sócio morador, que se infere de circunstâncias a serem
aferidas caso a caso, como ser o imóvel de residência habitual da família, desde antes do vencimento da dívida.
5. Havendo desconsideração da personalidade em proveito de sócio morador de imóvel de titularidade da
sociedade, haverá, na prática, desfalque do patrimônio social garantidor do cumprimento das obrigações
da pessoa jurídica e, portanto, sendo a desconsideração via de mão dupla, poderão ser executados bens
pessoais dos sócios até o limite do valor de mercado do bem subtraído à execução, independentemente
do preenchimento de requisitos como má-fé e desvio de finalidade previstos no caput do art. 50 do Código
Civil. A confusão patrimonial entre a sociedade familiar e o sócio morador, base para o benefício, será
igualmente o fundamento para a eventual excussão de bens particulares dos sócios.
6. Recurso especial provido para o retorno dos autos à origem, onde deve ser apreciada a prova dos autos
a respeito da alegação de residência dos sócios da empresa devedora no imóvel.

PESSOA JURÍDICA
O sócio de pessoa jurídica não possui legitimidade ativa para pleitear indenização, em nome
próprio, por danos ao patrimônio da empresa
ODS 16

Situação hipotética: a sociedade empresária Alfa celebrou contrato para adquirir a sociedade
empresária Beta. Posteriormente, esse contrato foi rescindido. Ocorre que a Alfa havia dado
um sinal de R$ 300 mil, que não foi devolvido. Diante disso, João, sócio majoritário da Alfa,
ajuizou ação contra a Beta pedindo o ressarcimento dos prejuízos. João é parte ilegítima.
O sócio de pessoa jurídica não possui legitimidade ativa para pleitear indenização, em nome
próprio, por danos ao patrimônio da empresa, uma vez que eventual procedência no pedido
beneficiaria diretamente a sociedade e contribuiria para a restauração do capital social
prejudicado.

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STJ. 4ª Turma. REsp 1.985.206-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 11/4/2023 (Info 12
– Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A sociedade empresária Alfa celebrou contrato para adquirir (incorporar) a sociedade empresária Beta.
Posteriormente, esse contrato foi rescindido.
Ocorre que a Alfa havia dado um sinal de R$ 300 mil, que não foi devolvido.
Diante disso, João, sócio majoritário da Alfa, ajuizou ação contra a Beta pedindo o ressarcimento dos prejuízos.
Em contestação, a requerida suscitou a ilegitimidade ativa de João porque os aportes financeiros foram
efetivados pela Alfa, sendo o autor apenas o sócio da empresa prejudicada.
Nesse contexto, a ré defendeu que o autor não poderia pleitear, em nome próprio, direito alheio,
pertencente à Alfa.

A discussão chegou até o STJ. O Tribunal acolheu os argumentos da requerida (Beta)?


SIM.
A realização de negócio jurídico se deu entre as empresas Alfa e Beta.
A empresa Alfa realizou os aportes financeiros em favor da Beta, não se podendo cogitar da participação
de João, ainda que sócio majoritário, como titular do direito ao ressarcimento dos valores.
O fato de João participar do capital social da Alfa não lhe confere a legitimidade ativa necessária para
pleitear, em nome próprio, direito pertencente à pessoa jurídica.
Para cumprimento da função social da empresa, notadamente pelos variados interesses que gravitam em
torno dela, estabelece-se todo um arcabouço de regras e fundamentos aptos a garantir que sua existência
não seja confundida com a dos sócios que compõem o capital social – sejam eles pessoas físicas ou
jurídicas–, permitindo-se, por intermédio da tecnicidade jurídica, o reconhecimento do atributo da
personalidade civil própria em consonância com o disposto no art. 45 do CC. Assim, salvo casos
excepcionais e expressamente previstos em lei, em que seja possível a demonstração do interesse jurídico
na demanda, não há como, à luz da teoria da asserção adotada pelo CPC, reconhecer modalidade de
legitimação extraordinária em favor do autor, muito menos desconsiderar a existência da pessoa jurídica
no contrato firmado.
O interesse econômico não se confunde com interesse jurídico, sendo, pois, inidôneo conferir ao sócio
legitimidade ativa ad causam para pleitear, em juízo, reparação por prejuízos alegadamente suportados
em virtude de descumprimento de contrato do qual, é certo, não figurou como parte.

Em suma:
O sócio de pessoa jurídica não possui legitimidade ativa para pleitear indenização, em nome próprio,
por danos ao patrimônio da empresa, uma vez que eventual procedência no pedido beneficiaria
diretamente a sociedade e contribuiria para a restauração do capital social prejudicado.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.985.206-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 11/4/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO EXTRAJUDICIAL


Realizada a consignação extrajudicial e manifestada a discordância do credor, o devedor deve
ajuizar a ação no prazo de 30 dias, sob pena de reputar-se sem efeito o depósito efetuado,
desvinculando-se da extinção da obrigação e impondo-se a rescisão do contrato
ODS 16

Caso hipotético: a empresa Alfa celebrou contrato de locação com promessa de compra e
venda de um imóvel com a empresa Beta. A prometida venda ocorreria após 5 anos de aluguel.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9


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Cinco anos depois, a Alfa realizou notificação extrajudicial endereçada à Beta informando que,
se a promitente compradora desejasse adquirir o imóvel, deveria realizar o pagamento do
valor de R$ 2 milhões, valor atualizado do bem. A Beta não concordou com os cálculos da Alfa,
diante disso, utilizou-se da consignação em pagamento extrajudicial, procedendo ao depósito
do valor de R$ 1,5 milhão em favor da promitente vendedora. A Alfa foi notificada do depósito
consignado extrajudicialmente e, por escrito, recusou-se expressamente a receber o depósito.
Argumentou que o valor depositado não incluiu a correção monetária do período.
Além disso, a Alfa ajuizou ação de rescisão contratual contra a Beta afirmando que a ré não
efetuou o pagamento no prazo e, que, portanto, não precisaria mais vender o imóvel para ela.
O pedido deve ser julgado procedente.
Se a empresa Beta considerava que a recusa da Alfa foi injusta, ela deveria ter ajuizado a ação
de consignação em pagamento no prazo de 1 mês. Como não fez isso, a legislação considera
que o depósito efetuado ficou sem efeito, não tendo mais o condão de extinguir a obrigação.
Aplica-se o art. 539, §§ 3º e 4º, do CPC.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.831.057-MT, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 20/6/2023 (Info 12
– Edição Extraordinária).

Pagamento em consignação
Se alguém está devendo uma quantia em dinheiro ou tem a obrigação de entregar uma coisa para o
credor, a forma “normal” de fazer isso é por meio do pagamento.
No entanto, algumas vezes, o devedor, mesmo querendo, não consegue pagar. Isso acontece, por
exemplo, quando o devedor não pode ou não quer receber. Também ocorre quando o devedor não tem
certeza para quem deve pagar.
Em tais situações, o ordenamento jurídico prevê que o devedor deverá fazer o pagamento em consignação.
Esse tema é tratado tanto no Código Civil (arts. 334 a 345) como no CPC (arts. 539 a 549).

Hipóteses
Segundo o art. 335 do CC, o pagamento em consignação ocorre nas seguintes situações:
I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;
II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;
III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto
ou de acesso perigoso ou difícil;
IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;
V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

Obs: existem outras hipóteses de pagamento em consignação previstas em outras leis, como, por
exemplo, no art. 164 do CTN.

Espécies
A consignação em pagamento pode ser:
a) EXTRAJUDICIAL:
É aquela que é feita diretamente pelo devedor, sem propor uma ação judicial para isso.
Só cabe consignação extrajudicial em caso de dívida de dinheiro.
Está prevista nos §§ 1º a 4º do art. 539 do CPC.
Como funciona:
- O devedor, ou o terceiro que quer pagar a dívida, vai até um banco situado no lugar do pagamento e
deposita a quantia devida.
- Em seguida, o banco notifica o credor, por via postal, de que foi feito este depósito e concede um prazo
de 10 dias para ele se manifestar.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10


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- Se o credor não se pronunciar no prazo, deve-se considerar que o devedor ficou liberado da obrigação.
- A quantia fica no banco à disposição do credor, que poderá sacá-la.
- Por outro lado, o credor poderá, por escrito, recusar-se a receber o depósito, hipótese na qual o devedor
deverá propor, em 1 mês, ação de consignação, instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa.
- Não proposta a referida ação no prazo de 1 mês, torna-se sem efeito o depósito.
“O prazo de um mês para o ingresso da ação de consignação em pagamento serve tão somente
para que o devedor não sofra os efeitos da mora, de maneira que, transcorrido esse prazo, a
propositura da demanda continua possível, desde que o devedor realize a consignação do valor
principal acrescido dos juros e devidas correções, que contarão da data de vencimento da
obrigação583. Segundo o art. 539, § 3.º, do Novo CPC, após o decurso do prazo legal, o depósito
extrajudicial perderá os seus efeitos, o que dá a entender que o autor “devedor” deverá realizar
um novo depósito.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil.
Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1.496).

Vale ressaltar que a consignação em estabelecimento bancário (consignação extrajudicial) é uma


faculdade do autor, ou seja, ele pode decidir propor diretamente a ação judicial de consignação, não
precisando ingressar primeiro com a consignação extrajudicial.

b) JUDICIAL
Realizado por meio da propositura de ação de consignação em pagamento.
O julgado comentado refere-se à consignação extrajudicial.

Imagine a seguinte situação hipotética:


A empresa Alfa celebrou contrato de locação com promessa de compra e venda de um imóvel com a
empresa Beta.
A prometida venda ocorreria após 5 anos de aluguel e a definição do preço do imóvel envolveria um
cálculo relacionado com a valorização do bem no período.
Em 20/05/2013, a empresa Alfa (promitente vendedora) realizou notificação extrajudicial endereçada à
empresa Beta informando que, se a promitente compradora desejasse adquirir o imóvel, deveria realizar
o pagamento do valor de R$ 2 milhões.
A empresa Beta não concordou com os cálculos da empresa Alfa, diante disso, no dia 29/05/2013, utilizou-
se da consignação em pagamento extrajudicial, procedendo ao depósito do valor de R$ 1,5 milhão em
favor da promitente vendedora.
A empresa Alfa foi notificada do depósito consignado extrajudicialmente e, por escrito, recusou-se
expressamente a receber o depósito. A Alfa argumentou que o valor depositado não incluiu a correção
monetária do período.
Além disso, a Alfa ajuizou ação de rescisão contratual contra a Beta afirmando que a ré não efetuou o
pagamento no prazo e, que portanto, não precisaria mais vender o imóvel para ela.
A Beta contestou a demanda e alegou que teria efetivado o pagamento, mediante a consignação em
pagamento extrajudicial.
O juiz julgou o pedido da Alfa improcedente por entender que houve pagamento mediante consignação
extrajudicial.
O Tribunal de Justiça confirmou a sentença.
Ainda inconformada, a Alfa interpôs recuso especial.

O STJ deu provimento ao recurso da Alfa? O contrato foi considerado rescindido?


SIM.
Como vimos acima, a consignação em pagamento é modalidade de extinção das obrigações.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11


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A legislação possibilita ao devedor liberar-se da obrigação assumida por intermédio do depósito da coisa
devida, vale dizer, embora este não constitua pagamento, é tomado pela legislação como pagamento para
o seu efeito primacial de extinção das obrigações.
Para que o depósito realizado tenha por consequência a extinção da obrigação, o Código Civil exige que
concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido
o pagamento (art. 336). Objetivamente, portanto, a consignação produzirá o mesmo efeito liberatório do
pagamento stricto sensu desde que o depósito se dê na forma, tempo e modo devidos e de maneira
integral.
Se o devedor não é obrigado a receber a prestação qualitativa ou quantitativamente diversa da
contratada, também não poderá ser compelido a receber o depósito de prestação distinta.
O STJ, no julgamento do REsp 1.108.058/DF, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, - Tema 967
- reconheceu que:
Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de
improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional.
STJ. 2ª Seção. REsp 1108058-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF da 5ª Região),
Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/10/2018 (Recurso Repetitivo – Tema 967) (Info 636).

Apesar de o precedente acima se referir às ações de consignação em pagamento, seu espectro alcança
também as consignações extrajudiciais, considerando que o efeito material de extinção das obrigações
não decorre da ação judicialmente proposta, mas do fato do depósito, que pode, ao talante do devedor,
e se a prestação o comportar, ser realizado também em instituição financeira, a teor do disposto nos arts.
334 do Código Civil e 540, § 1º, do Código de Processo Civil.
Vale ressaltar que a correção monetária não constitui acréscimo ao valor da obrigação, senão uma forma
de manutenção do poder de compra da moeda, eventualmente corroído pelo fenômeno inflacionário. Por
conseguinte, o depósito efetuado pela empresa sem contemplar a correção monetária do período revela-
se parcial e não tem o efeito liberatório legalmente determinado.

O que a empresa Beta deveria ter feito após a recusa da Alfa?


Se a empresa Beta considerava que a recusa da Alfa foi injusta, ela deveria ter ajuizado a ação de
consignação em pagamento no prazo de 1 mês.
Como não fez isso, a legislação considera que o depósito efetuado ficou sem efeito, não tendo mais o
condão de extinguir a obrigação.
Nesse sentido, confira o art. 539, §§ 3º e 4º do CPC:
Art. 539 (...)
§ 3º Ocorrendo a recusa, manifestada por escrito ao estabelecimento bancário, poderá ser
proposta, dentro de 1 (um) mês, a ação de consignação, instruindo-se a inicial com a prova do
depósito e da recusa.
§ 4º Não proposta a ação no prazo do § 3º, ficará sem efeito o depósito, podendo levantá-lo o
depositante.

Em suma:
Realizada a consignação extrajudicial e manifestada a discordância do credor, o devedor deve ajuizar a
ação no prazo de 30 dias, sob pena de reputar-se sem efeito o depósito efetuado, desvinculando-se da
extinção da obrigação e impondo-se a rescisão do contrato.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.831.057-MT, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 20/6/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12


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ARBITRAGEM
Existindo cláusula compromissória arbitral, a pretensão de produção antecipada de provas
(sem demonstração de urgência), deve ser promovida diretamente perante o Tribunal arbitral
ODS 16

No CPC/1973, a jurisdição estatal tinha competência para conhecer, provisoriamente, da ação


de produção antecipada de provas, considerando que o legislador atribuía natureza cautelar
para essa demanda.
O CPC/2015 não trouxe mais um livro próprio sobre Processo Cautelar. Esse novo diploma
estabeleceu novos institutos processuais que instrumentalizam o direito material à prova.
Diante dessas alterações, surgiram diversas vozes no âmbito acadêmico e doutrinário
defendendo que o Poder Judiciário não tem mais competência para, em caráter provisório,
conhecer de ação de produção antecipada de prova nos casos em que não há urgência. Esse foi
o entendimento adotado pelo STJ.
Desse modo, a urgência (impossibilidade prática de se aguardar a constituição da arbitragem)
é a única exceção legal à competência dos árbitros, nos termos do art. 22-A da Lei de
Arbitragem.
Ausente esta situação de urgência toda e qualquer pretensão - até mesmo a relacionada ao
direito autônomo à prova, instrumentalizada pela ação de produção antecipada de provas,
fundada nos incisos II e II do art. 381 do CPC/2015 - deve ser submetida ao Tribunal arbitral,
segundo a vontade externada pelas partes contratantes.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.023.615-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/3/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação adaptada:


A RENOVA é uma empresa de capital aberto, dedicada ao desenvolvimento de projetos e exploração de
energia hidrelétrica, eólica e solar.
O art. 59 do estatuto da companhia prevê a solução de conflitos por meio de arbitragem.
Em 02/09/2019, um grupo de acionistas minoritários ajuizou, na Justiça estatal, ação de produção
antecipada de provas, com fundamento no art. 381, III, do CPC, visando à exibição de todos os documentos
da RENOVA ENERGIA S/A, desde 2014 até a data do ajuizamento da ação:
Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:
(...)
III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

O objetivo era tomar conhecimento de fatos relacionados à atuação de ex-administradores e acionistas.


A RENOVA ofereceu resposta arguindo a incompetência absoluta do Poder Judiciário em razão da cláusula
compromissória disposta em seu estatuto, de modo que o juízo estatal seria competente apenas para
julgar medidas cautelares ou urgentes (art. 22-A da Lei nº 9.307/96), e não haveria nenhuma urgência no
pedido, uma vez que se discutia fatos ocorridos entre 2014 e 2017:
Art. 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a
concessão de medida cautelar ou de urgência.
Parágrafo único. Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não
requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação
da respectiva decisão.

O Tribunal de Justiça afastou a incidência da cláusula compromissória, por entender que a competência
seria do Poder Judiciário para processar e julgar ação de produção de prova mesmo que sem o requisito
da urgência.
Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13
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A RENOVA interpôs recurso especial, alegando ser o Poder Judiciário absolutamente incompetente para
apreciar um pedido de produção antecipada de prova, fundado os incisos II e III do art. 381 do CPC/2015,
sem o requisito de urgência/cautelaridade, nos termos exigidos no art. 22-A da Lei nº 9.307/96.

O STJ concordou com os argumentos da RENOVA?


SIM.
No CPC/1973, a jurisdição estatal tinha competência para conhecer, provisoriamente, da ação de
produção antecipada de provas, considerando que o legislador atribuía natureza cautelar para essa
demanda.
O CPC/2015 não trouxe mais um livro próprio sobre Processo Cautelar. Esse novo diploma estabeleceu
novos institutos processuais que instrumentalizam o direito material à prova. Diante dessas alterações,
surgiram diversas vozes no âmbito acadêmico e doutrinário defendendo que o Poder Judiciário não tem
mais competência para, em caráter provisório, conhecer de ação de produção antecipada de prova nos
casos em que não há urgência. Esse foi o entendimento adotado pelo STJ.
Desse modo, a urgência (impossibilidade prática de se aguardar a constituição da arbitragem) é a única
exceção legal à competência dos árbitros, nos termos do art. 22-A da Lei de Arbitragem.
Ausente esta situação de urgência toda e qualquer pretensão - até mesmo a relacionada ao direito
autônomo à prova, instrumentalizada pela ação de produção antecipada de provas, fundada nos incisos II
e II do art. 381 do CPC/2015 - deve ser submetida ao Tribunal arbitral, segundo a vontade externada pelas
partes contratantes.

Em suma:
A partir da vigência do CPC de 2015, existindo cláusula compromissória arbitral estabelecida entre as
partes, a pretensão de produção antecipada de provas, desvinculada da urgência, deve ser promovida
diretamente perante o Tribunal arbitral, não subsistindo a competência (provisória e precária) do Poder
Judiciário.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.023.615-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/3/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

USUCAPIÃO
Não é possível aproveitar o tempo anterior de posse de terceiros para complementação do
quinquênio necessário à declaração de prescrição aquisitiva no caso de usucapião especial urbana

Importante!!!
ODS 1, 11 E 16

É admitida a soma das posses na usucapião especial urbana?


• é permitida a sucessio possessionis (soma das posses causa mortis);
• não é admitida a possibilidade de accessio possessionis (soma das posses por ato inter vivos).
Fundamento legal: art. 9º, § 3º, do Estatuto da Cidade.
Além disso, se fosse aceita a accessio possessionis na usucapião especial urbana, estaria
havendo um afastamento da finalidade constitucional dessa peculiar modalidade de
usucapião.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.799.625-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 6/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

Usucapião
Usucapião é...
- um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


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- por determinados anos


- agindo como se fosse dono
- adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)
- desde que cumpridos os requisitos legais.

Usucapião especial urbana


A usucapião especial urbana é prevista no art. 183 da CF/88, sendo também reproduzida no art. 1.240 do
CC e no art. 9º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).
Para se ter direito à usucapião especial urbana, é necessário preencher os seguintes requisitos:
a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos,
sem oposição de ninguém;
c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família;
d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural).

Algumas observações:
• Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé;
• Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez;
• É possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do
imóvel é menor que 250m2, não se incluirá a área comum, como salão de festas etc, mas tão somente a
parte privativa);
• O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.

A usucapião especial urbana foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Constituição da República
de 1988, e tem por escopo “permitir o acesso dos mais humildes a melhores condições de moradia, bem
como para fazer valer o respeito à dignidade da pessoa humana, erigido a um dos fundamentos da
República (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal)” (trecho do voto do Min. Dias Toffoli no julgamento
do RE 422.349).

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


Em julho de 2003, João vendeu um imóvel para Daniel.
Em 2008, Antônio vendeu para Paulo.
Em 2012, Paulo vendeu para Nonato.
Essas “vendas” ocorreram sem registro no registro de imóveis.
Assim, o imóvel ainda se encontra registrado em nome de João.
Em 2014, Nonato ajuizou ação de usucapião especial urbana.
O autor argumentou que está na posse do imóvel há apenas 2 anos. No entanto, pediu que fosse
acrescentado à sua posse a posse exercida por seus antecessores, a fim de conseguir atingir o tempo de 5
anos exigido pelo art. 1.240 do Código Civil.

Em tese (sem ainda enfrentarmos o caso concreto), é possível a soma das posses para fins de usucapião?
SIM. Isso está previsto no art. 1.243 do Código Civil:
Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes,
acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas,
pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.

A soma das posses inter vivos é chamada de acessio possessionis, algo como “compra da posse”.
A soma das posses causa mortis, isto é, decorrente de herança, é denominada sucessio possessionis.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15


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No caso concreto, essa soma das posses é possível? É possível o aproveitamento do tempo anterior de
posse de terceiros para complementação do quinquênio (5 anos) no caso de usucapião especial urbana?
NÃO.
Se formos analisar apenas o Código Civil, vamos perceber que não existe nenhuma proibição de que seja
feita a soma das posses para a usucapião especial urbana. O art. 1.243 do CC não restringe a possibilidade
de acréscimo/soma de posses a alguma modalidade específica de usucapião. Assim, o art. 1.243 apresenta
previsão de caráter genérico.
Vale ressaltar, contudo, que o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que também rege a usucapião pro-
moradia, autoriza apenas a sucessio possessionis (soma das posses causa mortis), não mencionando a
possibilidade de accessio possessionis. Veja o que diz o art. 9º, § 3º:]
Seção V
Da usucapião especial de imóvel urbano
Art. 9º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta
metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
(...)
§ 3º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu
antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

Diante desse cenário de antinomia aparente, o STJ concluiu que não é possível a acessio possessionis na
usucapião especial urbana, especialmente porque essa modalidade de usucapião tem como uma de suas
características a pessoalidade da posse. Nesse sentido, confira a lição da doutrina:
“A pessoalidade da posse é fundamental. Tanto na usucapião urbana como na rural, ninguém
poderá adquirir propriedade pela habitação no local por outra pessoa (detentor ou possuidor
direto), sob pena de ferir o desiderato constitucional. É por isso que a usucapião urbana também
é conhecida como usucapião pro moradia. Essa exigência de habitação efetiva na coisa
desqualifica a possibilidade de êxito para aqueles que apenas eventualmente ocupam o imóvel,
como naquelas hipóteses de utilização de bens nas épocas de férias e feriados.
(...)
A outro giro, parece-nos incompatível com a finalidade social prevista na Constituição que o
possuidor pretenda beneficiar-se da acessio possessionis para completar os cinco anos de posse.
Não poderá o candidato a usucapião somar o seu prazo ao de quem lhe cedeu a posse, já que os
cinco anos pedem posse pessoal.
Ao inverso, a sucessio possessionis é permitida, pois o que se defere é a proteção à entidade
familiar, e não a um de seus membros isoladamente. Assim, se ao tempo do óbito o sucessor já
residia no local - mesmo que não tenha coabitado desde o início da posse -, não haverá quebra do
período possessório de cinco anos.
(...)
Importa asseverar a inadmissibilidade de uma interpretação literal do dispositivo [artigo 1.243 do
CC), pois a mesma acarretaria ofensa à teleologia de Constituição Federal. Isto é, admitir a acessão
de posses no prazo exíguo de cinco anos, inevitavelmente, sacrifica a exigência de se beneficiar as
entidades familiares, culminando por incentivar práticas puramente comerciais de aquisição e
venda de posses para fins de usucapião.”
(FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais. v. 5, 18 ed.
rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2022, p. 485).

Essa foi também a conclusão exposta no Enunciado n. 317 aprovado na IV Jornada de Direito Civil,
realizada pelo Conselho da Justiça Federal, cujo teor ora se transcreve: “A accessio possessionis de que

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16


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trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239
e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade da usucapião constitucional urbano e rural,
arts. 183 e 191, respectivamente”.
Distancia-se do escopo constitucional entender-se pela compatibilidade entre o instituto da accessio
possessionis com a usucapião especial urbana, porquanto inarredável o caráter pessoal e humanitário
inerente a essa. Trata-se de modalidade de aquisição da propriedade imóvel singular, com especificidades
próprias, a exemplo do prazo relativamente diminuto, comparativamente aos demais modos, bem assim
a exigência da finalidade precípua de moradia e de o requerente não ser titular de nenhum outro imóvel
urbano ou rural.

Em suma:
Não é possível aproveitar o tempo anterior de posse de terceiros para complementação do quinquênio
necessário à declaração de prescrição aquisitiva no caso de usucapião especial urbana.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.799.625-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 6/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

ALIMENTOS
Em uma execução de alimentos a mãe da criança pode fazer transação com o pai devedor,
dispensando que ele pague uma parte dos valores atrasados

Importante!!!
ODS 16

O fato de os genitores transacionarem sobre parcelas pretéritas dos alimentos devidos à


criança ou adolescente não configura, por si, conflito de interesse entre os representantes
legais e o incapaz, devendo sempre ser analisadas as peculiaridades do caso concreto para
avaliar a real necessidade de nomeação de curador especial.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.822.936/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 20/6/2023 (Info 12
– Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Beatriz, criança representada pela mãe, iniciou execução de alimentos contra o pai, na qual cobrou
parcelas pretéritas dos alimentos que não tinham sido pagas pelo genitor.
Na audiência de conciliação, os genitores de Beatriz transacionaram acerca de tais parcelas, sendo que a
genitora renunciou de parte delas.
Sendo mais detalhado: o débito era de R$ 3.270,00. O pai quitou R$ 2 mil e ficou liberado de pagar R$
1.270,00. Além disso, passou a pagar regularmente a pensão alimentícia dos meses subsequentes.
O acordo foi homologado pelo juiz.
O Ministério Público, atuando como fiscal da ordem jurídica, interpôs recurso de apelação, no qual
argumentou que a obrigação alimentar possuía caráter irrenunciável e personalíssimo, motivo pelo qual
não poderia ter sido objeto de transação.
Sustentou ainda que estaria presente conflito de interesses entre a criança e os genitores e que, por isso,
haveria necessidade de nomeação de curador especial, conforme dispõe o art. 72, I, do CPC, o art. 142,
parágrafo único, do ECA, art. 671, II, do CPC e 1.692 do CC:
CPC
Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:
I - incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele,
enquanto durar a incapacidade;
(...)

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17


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Art. 671. O juiz nomeará curador especial:


I - ao ausente, se não o tiver;
II - ao incapaz, se concorrer na partilha com o seu representante, desde que exista colisão de
interesses.

ECA
Art. 142. Os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores
de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou
processual.
Parágrafo único. A autoridade judiciária dará curador especial à criança ou adolescente, sempre
que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável, ou quando carecer de
representação ou assistência legal ainda que eventual.

CC
Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho,
a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial.

O STJ acolheu os argumentos do Ministério Público?


NÃO.

É possível a renúncia dos alimentos pretéritos devidos e não prestados


Inicialmente, é importante esclarecer que:
É irrenunciável o direito aos alimentos presentes e futuros (art. 1.707 do Código Civil).
Contudo, o credor pode renunciar aos alimentos pretéritos devidos e não prestados. Isso porque a
irrenunciabilidade atinge o direito, e não o seu exercício.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.529.532-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/06/2020 (Info 673).

Ausência de conflito de interesses


O simples fato de haver entre os genitores acordo sobre as parcelas pretéritas dos alimentos devidos ao
menor não configura, por si, conflito de interesses, devendo sempre serem analisadas as peculiaridades
do caso concreto.
Na situação analisada, em que pese o perdão de cerca de 1/3 da dívida, não se vislumbra, em princípio,
qualquer ilegalidade na referida transação, sobretudo porque não subsiste nos autos quaisquer elementos
a revelar a prática de coação ou mesmo quadro de extrema penúria que denunciasse eventual abusividade
no exercício da renúncia parcial do crédito.
Em reforço, cabe salientar que, no presente caso, não se identifica grave prejuízo a alimentada, na medida
em que, ao que se percebe, sua genitora proveu seu sustento no período em que o pai permaneceu
inadimplente.

Em suma:
O fato de os genitores transacionarem sobre parcelas pretéritas dos alimentos devidos à criança ou
adolescente não configura, por si, conflito de interesse entre os representantes legais e o incapaz,
devendo sempre ser analisadas as peculiaridades do caso concreto para avaliar a real necessidade de
nomeação de curador especial.
STJ. 4ª Turma. Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 20/6/2023
(Info 12 – Edição Extraordinária).

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18


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DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO


A emissão, por terceiro, de boleto fraudado, configura fato exclusivo de terceiro somente
quando evidenciado o nexo causal entre as atividades desempenhadas pela instituição
financeira e o dano vivenciado pelo consumidor
ODS 12 E 16

No caso concreto, João comprou um automóvel de Pedro. Vale ressaltar que ainda faltava
Pedro pagar uma parte do financiamento ao banco. João deu uma entrada para Pedro e
assumiu o valor do financiamento que ainda estava pendente de pagamento.
O adquirente realizou a quitação via boleto bancário, recebido pelo vendedor através de e-
mail supostamente enviado pelo banco.
Entretanto, ficou comprovado que o boleto não foi emitido pela instituição financeira, mas sim
por terceiro estelionatário, e o e-mail usado para o envio do boleto também não é de
titularidade do banco.
No caso concreto, a operação foi efetuada, em sua integralidade, fora da rede bancária.
Portanto, não houve falha na prestação dos serviços e a fraude não guarda conexidade com a
atividade desempenhada pelo recorrente, caracterizando-se como fato exclusivo de terceiro.
Logo, o banco não possui responsabilidade.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.046.026-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João realizou a compra de um veículo de Pedro.
João deu uma entrada para Pedro e se comprometeu a pagar à instituição financeira as parcelas que
faltavam do financiamento bancário, mediante boleto.
O comprador pagou o boleto bancário.
Acreditando ter quitado o carro, João dirigiu-se ao DETRAN para a vistoria de transferência de
propriedade, ocasião em que descobriu que o gravame de alienação ainda não havia sido baixado.
Em contato com o Banco, foi informado de que a quantia paga através do boleto não havia sido recebida.
O Banco informou que provavelmente se tratava de uma fraude virtual, pois o dinheiro havia sido desviado
para uma conta de terceiro, provavelmente devido a um vírus que teria alterado a sequência numérica do
boleto e inserido os dados da conta do fraudador no lugar da conta do verdadeiro credor.
João ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais em face do Banco.

A discussão chegou até o STJ. O banco foi condenado a indenizar João?


NÃO.
A jurisprudência do STJ compreende que a atividade bancária, por suas características de disponibilidade
de recursos financeiros e sua movimentação sucessiva, tem por resultado um maior grau de risco em
comparação com outras atividades econômicas. Consequentemente, foi editada a Súmula nº 479, que
preconiza:
Súmula 479-STJ: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito
interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Mesmo assim, para que o banco responda é necessário que se demonstre a existência de um liame de
causalidade entre as atividades desempenhadas pela instituição financeira e o dano vivenciado pelo
consumidor. Esse liame (nexo de causalidade) pode ser interrompido caso evidenciada a ocorrência de:
• fato exclusivo da vítima ou de terceiro (art. 14, § 3º, II, do CDC); ou

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19


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• evento de força maior ou caso fortuito externo (art. 393 do CC).

Ocorrendo uma dessas situações haverá a exclusão da responsabilidade do fornecedor.

Fato exclusivo de terceiro


O fato exclusivo de terceiro consiste na atividade desenvolvida por uma pessoa sem vinculação com a
vítima ou com o aparente causador do dano, que interfere no processo causal e provoca com exclusividade
o dano.
Vale ressaltar que, se o fato de terceiro ocorrer dentro da órbita de atuação do fornecedor, ele se equipara
ao fortuito interno, sendo absorvido pelo risco da atividade. Em outras palavras, neste caso, o banco
responde.

No caso concreto, o STJ entendeu que houve fato exclusivo de terceiro e que ele não ocorreu na órbita
de atuação do fornecedor
Na hipótese, houve a compra de um automóvel por meio de financiamento obtido junto ao banco.
O adquirente realizou a quitação via boleto bancário, recebido por e-mail supostamente enviado pelo
banco. Entretanto, ficou comprovado que o boleto não foi emitido pela instituição financeira, mas sim por
terceiro estelionatário, e o e-mail usado para o envio do boleto também não é de titularidade do banco.
No caso concreto, a operação foi efetuada, em sua integralidade, fora da rede bancária. Portanto, não
houve falha na prestação dos serviços e a fraude não guarda conexidade com a atividade desempenhada
pelo recorrente, caracterizando-se como fato exclusivo de terceiro.

Em suma:
A emissão, por terceiro, de boleto fraudado, configura fato exclusivo de terceiro apto a excluir a
responsabilidade civil da instituição financeira.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.046.026-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO


A empresa de intermediação imobiliária responde pela venda fraudulenta realizada
por uma das corretoras que prestava serviço na sociedade
ODS 16

A administradora responde objetivamente pela falha na prestação dos serviços de


intermediação imobiliária consubstanciada na venda fraudulenta de imóveis realizada por
corretora a ela vinculada.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.893.395-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 26/6/2023 (Info
12 – Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João decidiu vender sua casa e, para isso, contratou a Alfa Ltda, empresa especializa na prestação de
serviços de intermediação imobiliária.
O imóvel foi anunciado e, após alguns dias, a corretora Regina, da imobiliária Alfa, apresentou a João um
comprador do imóvel.
Após as tratativas, a venda foi concretizada. Regina recebeu a sua comissão de corretagem.
Em seguida, Regina aproveitou-se da confiança adquirida e ofereceu a João uma suposta oportunidade de
investimento imobiliário, com a compra de um apartamento que estavam à venda na imobiliária.
João aceitou realizar o negócio e assinou o contrato nas dependências da imobiliária Alfa, depositando o
preço do imóvel em uma conta bancária indicada por Regina.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20


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Em seguida, João descobriu que os documentos eram falsos e que ele havia sido enganado por Regina,
que sumiu com o dinheiro recebido.
João ingressou com ação de indenização por danos morais e materiais contra a Imobiliária Alfa.
A ré contestou alegando que não participou dos fatos e sustentou que Regina não tinha vínculo
empregatício com a imobiliária. Afirmou que os atos praticados por Regina não tiveram relação com a sua
atuação profissional, haja vista que decorreu da relação de amizade que ela construiu com o autor.

A controvérsia chegou ao STJ. A empresa possui responsabilidade civil neste caso?


SIM.
No caso concreto, deve ser aplicada a teoria da aparência considerando que os fatos levaram o autor a
crer que ele estava realizando um legítimo negócio de compra e venda mediante tratativas intermediadas
pela corretora.
A corretora fazia parte da, então, administradora de imóveis. Por isso a imputação de responsabilidade à
sociedade empresária pelos danos decorrentes da prestação dos serviços de corretagem, e não apenas
aparentemente a ela vinculada.
A existência da relação do consumidor com o corretor da administradora de imóveis demandada,
fornecedora de serviços imobiliários, é o fundamento por que responde ela, seja na forma do art. 932, III,
do CCB, pelos atos danosos que viesse ele a, em razão de sua atividade, causar, seja na forma do art. 14
do CDC.
Apenas a culpa exclusiva do consumidor vitimado ou de terceiro seria apta a afastar a responsabilidade
da imobiliária, no entanto, isso não ficou demonstrado no caso concreto.

Em suma:
A administradora responde objetivamente pela falha na prestação dos serviços de intermediação
imobiliária consubstanciada na venda fraudulenta de imóveis realizada por corretora a ela vinculada.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.893.395-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 26/6/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

PLANO DE SAÚDE
Os planos de saúde são obrigados a fornecer tratamento para combate ao câncer
ODS 16

A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de


cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma
diretriz na resolução normativa.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.057.814-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 29/5/2023 (Info 12
– Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Regina foi diagnosticada com câncer na região peritoneal, uma doença rara e agressiva.
A paciente realizou cirurgia e quimioterapia, mas as lesões continuaram, de modo que o médico que a
acompanhava indicou um tratamento de imunoterapia, com a prescrição de três sessões do uso do
medicamento Yervoy, que tem como objetivo potencializar o sistema imunológico para combate ao câncer.
Regina é usuária de um plano de saúde que, no entanto, recusou-se a custear o tratamento sob a alegação
de que ele não é coberto pelo rol de procedimentos da ANVISA.
Diante desse cenário, Regina ajuizou ação de obrigação de fazer contra o plano de saúde.
O pedido foi julgado procedente, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça.
Inconformado, o plano de saúde interpôs recurso especial alegando que o rol de procedimentos da ANS é
taxativo e que esse tratamento requerido não se encontra ali previsto.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21


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O STJ deu provimento ao recurso do plano de saúde?


NÃO. Vamos entender com calma.

O que é esse rol da ANS?


ANS é a sigla para Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia sob regime especial, responsável
pela regulação dos planos de saúde.
Uma das atribuições da ANS é a de elaborar uma lista de procedimentos que deverão ser obrigatoriamente
custeados pelas operadoras de planos de saúde. Essa competência está prevista no art. 4º, III, da Lei nº
9.961/2000:
Art. 4º Compete à ANS:
(...)
III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para
os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades;

Assim, a ANS prepara uma lista (um rol) de tratamentos que deverão ser obrigatoriamente fornecidos
pelos planos de saúde.

Esse rol de procedimentos e eventos da ANS é explicativo ou exaustivo?


Em junho de 2022, o STJ decidiu que o rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra,
taxativo (STJ. 2ª Seção EREsp 1886929-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2022).
Ocorre que, depois de uma grande mobilização popular, o Congresso Nacional editou a Lei nº
14.454/2022, que buscou superar o entendimento firmado pelo STJ.
A Lei nº 14.454/2022 alterou o art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), incluindo o § 12, que
prevê o caráter exemplificativo do rol da ANS:
Art. 10 (...)
§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova
incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde
contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as
diretrizes de atenção à saúde.

Vale ressaltar, contudo, que, para o plano de saúde ser compelido a custear, é necessário que esteja
comprovada a eficácia do tratamento ou procedimento, nos termos do § 13, também inserido:
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que
não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela
operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas
e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema
Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de
tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para
seus nacionais.

Ainda não se sabe o que o STJ irá decidir depois dessa alteração legislativa.

Voltando ao caso concreto: por que o STJ negou provimento ao recurso do plano de saúde?
O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica
indicada por profissional habilitado na busca da cura.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22


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Além disso, a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar)
é desimportante à análise do dever de cobertura de exames e medicamentos para o tratamento de câncer,
em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa.
A propósito, no mesmo sentido “é possível que o plano de saúde estabeleça as doenças que terão
cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado, sendo abusiva a negativa de cobertura do
procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para sua realização de
acordo com o proposto pelo médico. No caso, trata-se de fornecimento de medicamento para tratamento
de câncer, hipótese em que a jurisprudência é assente no sentido de que o fornecimento é obrigatório.”
(STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.941.905/DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/11/2021).

Em suma:
A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura
de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na
resolução normativa.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.057.814-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 29/5/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

PLANO DE SAÚDE
O plano de saúde não está obrigado a custear bomba de insulina
porque se trata de medicamento de uso domiciliar
ODS 16

Os planos de saúde não estão obrigados a cobrir bomba infusora de insulina (e insumos),
equipamento utilizado em ambiente domiciliar, para o controle da glicemia de paciente
diagnosticado com diabetes mellitus do Tipo 1.
STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl nos EREsp 1.987.778-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado
em 3/4/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Lucas, criança de seis anos de idade, foi diagnosticada com Diabetes tipo 1.
Com a descoberta da doença, Lucas passou a fazer uso contínuo de insulina para controlar os níveis de
glicose em seu sangue e evitar uma crise de hipoglicemia.
Como o caso era de difícil controle, o médico de Lucas prescreveu para ele um sistema de infusão contínua
de insulina denominada bomba infusora de insulina, como forma de melhorar o controle glicêmico e a
qualidade de vida, uma vez que substitui a necessidade de múltiplas aplicações diárias de insulina.
Os pais de Lucas solicitaram que o plano de saúde custeasse a bomba infusora de insulina e os insumos
necessários.
A operadora negou o custeio, sob o argumento de que se trata de um medicamento de uso domiciliar.
Medicamento de uso domiciliar é aquele prescrito pelo médico para administração em ambiente externo
ao da unidade de saúde.
A bomba infusora de insulina é um aparelho que pode ser adquirido em farmácias, sendo, portanto,
considerado medicamento de uso domiciliar.
Lucas, representado por seus pais, ajuizou ação contra o plano de saúde exigindo o custeio do tratamento.

O plano de saúde é obrigado a fornecer medicamentos para tratamento domiciliar (remédios de uso
domiciliar)?
REGRA: em regra, os planos de saúde não são obrigados a fornecer medicamentos para tratamento
domiciliar.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23


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EXCEÇÕES. Os planos de saúde são obrigados a fornecer:


a) os antineoplásicos orais (e correlacionados);
b) a medicação assistida (home care); e
c) os incluídos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para esse fim.

Assim, os medicamentos receitados por médicos para uso doméstico e adquiridos comumente em
farmácias não estão, em regra, cobertos pelos planos de saúde. Isso porque, em regra, os planos de saúde
(que integram o Sistema da Saúde Suplementar) somente são obrigados a custear os fármacos usados
durante a internação hospitalar. As exceções ficam por conta dos antineoplásicos orais para uso domiciliar
(e correlacionados), os medicamentos utilizados no home care e os remédios relacionados a
procedimentos listados no Rol da ANS.

O tema é tratado no art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98


O art. 10 lista em seus incisos tratamentos, procedimentos e medicamentos que os planos de saúde não
são obrigados a fornecer.
O inciso VI afirma que, em regra, o plano de saúde não é obrigado a fornecer medicamentos para
tratamento domiciliar, ressalvado o disposto no art. 12, I, “c” e II, “g” da Lei.
O art. 12, I, “c” e II, “g” preveem que os planos de saúde são obrigados a fornecer antineoplásicos orais (e
correlacionados). Confira:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-
ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no
Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a
internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as
exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
(...)
VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas
‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;

Art. 12. (...)


I - quando incluir atendimento ambulatorial:
(...)
c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos
para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes;
II - quando incluir internação hospitalar:
(...)
g) cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral,
procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de
procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em
âmbito de internação hospitalar;

Exceção 1: antineoplásicos
Antineoplásicos são medicamentos que destroem neoplasmas ou células malignas. Têm a função,
portanto, de evitar ou inibir o crescimento e a disseminação de tumores. Servem, portanto, para
tratamento de câncer. Existem alguns medicamentos antineoplásicos que são de uso oral e, portanto,
podem ser ministrados em casa, fora do ambiente hospitalar. A lei prevê que esses medicamentos, se
prescritos pelo médico como indicados para o tratamento do paciente, devem ser obrigatoriamente
fornecidos pelo plano de saúde.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24


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Exceção 2: medicação assistida (home care)


Se o paciente está em home care (tratamento domiciliar), o plano de saúde também será obrigado a
fornecer a medicação assistida, ou seja, toda a medicação necessária para o tratamento e que ele
receberia caso estivesse no ambiente hospitalar.
O home care significa fornecer para o paciente que está em casa o mesmo tratamento que ele receberia
caso estivesse no hospital. Se, no hospital, o paciente teria que tomar o remédio “X” a cada 8h, este
medicamento deverá ser custeado pelo plano de saúde, tal qual ocorreria se estivesse internado.
Obs: essa exceção é uma decorrência do fato de que o STJ entende que os planos de saúde podem ser
obrigados a custear o home care.

Exceção 3: outros fármacos que sejam incluídos pela ANS como sendo de fornecimento obrigatório
A norma do art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98 é voltada à operadora de plano de saúde, a qual, na contratação,
pode adotar tal limitação. Esse dispositivo, contudo, não proíbe que a ANS (“órgão regulador setorial”)
inclua determinados medicamentos como sendo de custeio obrigatório no rol de cobertura mínima
assistencial, ainda que sejam de uso domiciliar.

Voltando ao caso concreto: o pedido de Lucas foi acolhido pelo STJ?


NÃO.
Segundo a jurisprudência do STJ, é lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de
medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para
administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e
correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos no rol da ANS para esse fim.
Interpretação dos arts. 10, VI, da Lei nº 9.656/1998 e 19, § 1º, VI, da RN nº 338/2013 da ANS (atual art.
17, parágrafo único, VI, da RN nº 465/2021) (STJ. 3ª Turma. REsp 1.692.938/SP, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 27/4/2021).
Domiciliar, de acordo com a lei, refere-se a ambiente que, necessariamente, contrapõe-se a ambulatorial
e a hospitalar, com o que se exclui da cobertura legal o fornecimento de medicamentos que, mesmo
prescritos pelos profissionais da saúde e ministrados sob sua recomendação e responsabilidade, devam
ser utilizados fora de ambulatório ou hospital (STJ. 4ª Turma. REsp 1883654/SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 08/06/2021).
Portanto, os medicamentos receitados por médicos para uso doméstico e adquiridos/aplicados
comumente em farmácias não estão, em regra, cobertos pelos planos de saúde (STJ. 3ª Turma. REsp
1692938/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/04/2021).
A universalização da cobertura não pode ser imposta de modo completo e sem limites ao setor privado,
considerando que, nos termos do art. 199 da Constituição Federal e art. 4º da Lei nº 8.080/90, a assistência
à saúde de iniciativa privada é exercida em caráter complementar, sendo certo que a previsão dos riscos
cobertos, assim como a exclusão de outros, é inerente aos contratos.

Em suma:
Os planos de saúde não estão obrigados a cobrir bomba infusora de insulina (e insumos), equipamento
utilizado em ambiente domiciliar, para o controle da glicemia de paciente diagnosticado com
diabetes mellitus do Tipo 1.
STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl nos EREsp 1.987.778-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
3/4/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

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PLANO DE SAÚDE
Não é possível a resilição unilateral de contrato de plano de saúde
durante o curso de tratamento médico
ODS 3 E 16

Em regra, a resilição unilateral é válida por se tratar de contrato de trato sucessivo ou


execução continuada, mas é abusiva quando realizada durante o tratamento médico que
assegure a sobrevivência ou a preservação da incolumidade física e/ou psíquica do
beneficiário.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp 1.995.955-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
26/6/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

Modalidades de planos de saúde


O art. 16, VII, da Lei nº 9.656/98 prevê que existem três modalidades de planos de saúde:
a) individual ou familiar;
b) coletivo empresarial e
c) coletivo por adesão.

Plano de saúde individual


O plano de saúde individual é aquele em que a pessoa física contrata diretamente com a operadora ou
por intermédio de um corretor autorizado. A vinculação de beneficiários é livre, não havendo restrições
relacionadas ao emprego ou à profissão do usuário em potencial (art. 3º da RN n. 195/2009 da ANS).

Planos de saúde coletivo


O plano de saúde coletivo é aquele contratado por uma empresa, conselho, sindicato ou associação junto
à operadora de planos de saúde para oferecer assistência médica e/ou odontológica às pessoas vinculadas
às mencionadas entidades, bem como a seus dependentes.
São dois os regimes de contratação de planos de saúde coletivos:
b) o coletivo empresarial, o qual garante a assistência à saúde dos funcionários da empresa contratante
em razão do vínculo empregatício ou estatutário (art. 5º da RN nº 195/2009 da ANS); e
c) o coletivo por adesão, contratado por pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial,
como conselhos, sindicatos, cooperativas e associações profissionais (art. 9º da RN nº 195/2009 da ANS).
Nos contratos de plano de saúde coletivo, portanto, a relação jurídica de direito material envolve uma
operadora e uma pessoa jurídica que atua em favor de uma classe (coletivo por adesão) ou em favor de
seus respectivos empregados (coletivo empresarial).

Rescisão em caso de plano de saúde INDIVIDUAL


No caso de plano de saúde individual, a própria Lei nº 9.656/98 reservou um tratamento mais restritivo
para eventual rescisão.
O art. 13, parágrafo único, II, da Lei previu o seguinte:
Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1º desta Lei têm
renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança
de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação.
Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência
mínima de um ano, sendo vedadas:
(...)
II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da
mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses
de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o
quinquagésimo dia de inadimplência; e

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Logo, o parágrafo único do art. 13 da Lei nº 9.656/98 proíbe a rescisão unilateral imotivada do plano
privado de assistência à saúde individual ou familiar por iniciativa da operadora.

E a rescisão em caso de plano de saúde COLETIVO?


Em se tratando de plano de saúde coletivo (com quantidade igual ou superior a 30 beneficiários), a
operadora pode fazer a rescisão unilateral e imotivada do contrato coletivo se cumpridos três requisitos:
a) o contrato contenha cláusula expressa prevendo a possibilidade de rescisão unilateral;
b) o contrato esteja em vigência por período de pelo menos 12 meses;
c) haja a prévia notificação da rescisão com antecedência mínima de 60 dias.

Esses requisitos estão previstos no art. 17 da Resolução Normativa DC/ANS nº 195/2009.


Desse modo:
É possível a resilição unilateral do contrato coletivo de saúde, uma vez que a norma inserta no art. 13, II,
b, parágrafo único, da Lei 9.656/98 aplica-se exclusivamente a contratos individuais ou familiares.
STJ. 4ª Turma. AgInt nos Edcl no ARESP 1.197.972/SP, Rel. Min. Raul Araújo, DJ 20/3/2019.

Obs: em se tratando de contratos coletivos de plano de saúde com menos de 30 usuários, o STJ entende
que eles se assemelham aos planos individuais ou familiares e, por isso, incide o CDC, obrigando a
operadora a apresentar uma justificativa idônea para validar a rescisão unilateral, tendo em vista o escasso
poder de barganha da estipulante, a vulnerabilidade do grupo de usuários e o necessário respeito aos
princípios da boa-fé e da conservação dos contratos (STJ. 2ª Seção. EREsp 1.692.594/SP, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, julgado em 12/2/2020).

Exceção: não é possível a resilição unilateral quando realizada durante o tratamento médico que
assegure a sobrevivência ou a preservação da incolumidade física e/ou psíquica do beneficiário
Segundo entendimento dominante no STJ:
A resilição unilateral do plano de saúde revela-se abusiva quando realizada durante o tratamento médico
que possibilite a sobrevivência ou a manutenção da incolumidade física do beneficiário ou dependente,
ainda que superado o prazo a que se refere o art. 30, § 1º, da Lei nº 9.656/98.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.836.823/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/2/2022.

Em regra, a resilição unilateral é válida por se tratar de contrato de trato sucessivo ou execução
continuada, mas é abusiva quando realizada durante o tratamento médico que assegure a sobrevivência
ou a preservação da incolumidade física e/ou psíquica do beneficiário.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp 1.995.955-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 26/6/2023
(Info 12 – Edição Extraordinária).

DIREITO EMPRESARIAL

AVAL
O aval não se equipara à fiança no que diz respeito à possibilidade de usufruir do benefício de
ordem, uma vez que o avalista é um responsável autônomo e solidário
ODS 16

Situação hipotética: a sociedade empresária JJ Ltda. celebrou com o Banco um contrato de


mútuo, a ser pago em 24 meses. João, sócio da pessoa jurídica, figurou como avalista no

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contrato. A empresa tornou-se inadimplente. Diante disso, o Banco ingressou com ação de
execução contra João. O executado apresentou embargos à execução alegando que deveria ser
observado o benefício de ordem, considerando que não se obrigou solidariamente com a
empresa nem renunciou à garantia do benefício de ordem. Assim, João pediu que somente
fosse responsabilizado se não fosse possível obter o valor do patrimônio da empresa.
Os argumentos de João devem ser acolhidos? Não. Isso porque João figurou como avalista (e
não como fiador). No aval, não existe benefício de ordem.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 2.027.935-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 17/4/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A sociedade empresária JJ Ltda. celebrou com o Banco um contrato de mútuo, a ser pago em 24 meses.
João, sócio da pessoa jurídica, figurou como avalista no contrato.
A empresa tornou-se inadimplente.
Diante disso, o Banco ingressou com ação de execução contra João.
O executado apresentou embargos à execução alegando que deveria ser observado o benefício de ordem,
considerando que não se obrigou solidariamente com a empresa nem renunciou à garantia do benefício
de ordem.
Assim, João pediu que somente fosse responsabilizado se não fosse possível obter o valor do patrimônio
da empresa.

Os argumentos de João devem ser acolhidos?


NÃO. Isso porque João figurou como avalista (e não como fiador).
No aval, não existe benefício de ordem.
Vejamos as principais diferenças entre os dois institutos.

AVAL FIANÇA
Aval é o ato cambial de garantia por meio do qual um Fiança é um tipo de contrato por meio
indivíduo (chamado de “avalista”), mesmo sem ser o do qual um indivíduo (chamado de
devedor principal, se compromete a pagar o valor do “fiador”) assume o compromisso junto
título de crédito. ao credor de que irá satisfazer a
“O aval é o ato cambiário pelo qual uma pessoa (avalista) obrigação assumida pelo devedor, caso
se compromete a pagar título de crédito, nas mesmas este não a cumpra (art. 818 do Código
condições que um devedor desse título (avalizado).” Civil).
(COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol.
1. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 539).
É uma garantia cambial. É uma garantia civil.
Significa que é regida pelo regime jurídico cambial.
É considerada uma obrigação autônoma. É uma obrigação acessória.
Assim, ainda que a obrigação garantida seja nula, em
regra, continua válida a obrigação do avalista. Exceção:
se a nulidade da obrigação garantida decorrer de vício de
forma, não permanecerá a obrigação do avalista.
Não admite o benefício de ordem. Admite o benefício de ordem.
Assim, o avalista pode ser acionado juntamente com o Assim, em regra, a responsabilidade do
avalizado porque existe responsabilidade solidária. fiador é subsidiária. Todavia, é possível
(e muito comum) que haja a previsão

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28


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da cláusula de solidariedade na qual o


fiador renuncia ao benefício de ordem.
Deve ser lançado no título (princípio da literalidade). Pode ser aposta no próprio contrato ou
em instrumento apartado.
Não admite, pelo avalista, alegação de exceções pessoais A fiança admite, pelo fiador, a alegação
do avalizado. de exceções pessoais do afiançado.

Benefício de ordem
A jurisprudência do STJ possui entendimento consolidado no sentido de que o aval não se equipara à
fiança para o fim de admitir o benefício de ordem, uma vez que o avalista constitui um responsável
autônomo, de sorte que é garantia dotada de autonomia substancial, na qual a sua existência, validade e
eficácia não estão ligadas à obrigação avalizada.
No caso concreto, João figurou como avalista no título executivo. Conforme já explicado, o aval é ato
cambiário por meio do qual uma pessoa (avalista) garante o pagamento de um título em favor do devedor
principal ou de um coobrigado. Assim sendo, é uma garantia pessoal e autônoma, oferecida como reforço
a obrigação de alguém que já figura no título, de modo que não se aplica o benefício de ordem.

Em suma:
O aval não se equipara à fiança no que diz respeito à possibilidade de usufruir do benefício de ordem,
uma vez que o avalista é um responsável autônomo e solidário.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 2.027.935-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 17/4/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

DUPLICATA
O posto de gasolina utilizava máquinas de cartão de crédito de uma instituição credenciadora;
um terceiro deu um golpe no posto utilizando uma máquina adulterada; o posto emitiu uma
duplicata contra a instituição cobrando o prejuízo; o STJ decidiu que isso não é possível
ODS 16

A emissão de duplicata não constitui via adequada para a cobrança, da instituição


credenciadora, de crédito titularizado por comerciante que aceita instrumentos de
pagamento (cartões) na comercialização de produtos e serviços e que, em virtude de fraude
praticada por terceiro, deixa de recebê-lo.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.036.764-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/2/2023 (Info 12
– Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação adaptada:


Stone Pagamentos S/A é uma empresa que atua como credenciadora no ramo de atividades denominada
mercado de meio de pagamentos, responsável por credenciar o estabelecimento para a aceitação dos
meios eletrônicos de pagamento, sendo a responsável por capturar, processar e liquidar a transação.
A credenciadora opera por meio de autorização do Banco Central do Brasil e como credenciadora implanta
as máquinas de venda que são locadas ou vendidas aos lojistas para realizar transações de pagamento
com instrumentos de pagamento.
Em resumo, a Stone é autorizada pelo Bacen a credenciar os estabelecimentos, processar e autorizar
transações de cartão de crédito, débito e pré-pago.
O posto de gasolina Disbrave tornou-se cliente da Stone, em 09/11/2018, e passou a utilizar a máquina de
cartão para as suas transações.

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Ocorre que o Posto foi vítima de uma fraude cometida por um terceiro que trocou a máquina de cartão
utilizada pelos frentistas por uma outra máquina que o fraudador vinculou a uma conta não pertencente
ao Posto. Assim, os clientes passavam o cartão, mas o dinheiro ia para uma conta vinculada ao fraudador.
O Posto, depois que descobriu a fraude, emitiu uma duplicata em desfavor da Stone cobrando o valor do
prejuízo sofrido. A Stone resolveu pagar a duplicata e depois discutir em juízo.
As transações fraudulentas ocorreram de 11 a 14 de março, totalizando a quantia de R$ 57.037,00, mas
como a Stone agiu logo que soube do golpe, o fraudador recebeu “apenas” o R$ 21 mil, sendo o restante
bloqueado.
A Stone acredita que não tem responsabilidade pelo prejuízo, pois tomou todas as medidas cabíveis de
segurança quando soube do golpe. Diante disso, ingressou com ação declaratória de nulidade do título
(duplicata) e restituição de valor contra o posto de combustíveis.
Alega que quitou equivocadamente o título e requer a nulidade da duplicada emitida sem justo motivo
com a restituição do valor pago.
A requerida contestou e aduziu, em síntese, a regularidade da duplicada emitida.
Em pedido reconvencional, requereu a indenização dos prejuízos sofridos, em caso de declaração da
nulidade da duplicada. Afirmou que a autora falhou ao prestar os serviços contratados, causando-lhe
prejuízo.
O Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos formulados na ação principal e extinguiu sem resolução
do mérito a reconvenção por falta de interesse de agir.
De acordo com o Juiz de origem, é responsabilidade da autora enquanto operadora fiscalizar a operação
do sistema e coibir possíveis fraudes.
A Stone interpôs apelação sustentando que a forma como o cliente utiliza a sua máquina é de sua exclusiva
responsabilidade. Alega que apenas quitou o título pois foi induzida a erro e para evitar que fosse inscrita
nos órgãos de proteção de crédito, o que geraria enormes prejuízos a clientes e fornecedores.
O TJSP e negou provimento a apelação da autora, mantendo a sentença.
A Stone interpôs recurso especial alegando que o posto de gasolina emitiu duplicata fora das hipóteses
legais.

O STJ concordou com as alegações da autora?


SIM.
A duplicata representa o crédito do vendedor relativamente à importância faturada ao comprador, por
conta de mercadorias vendidas, ou o crédito do prestador de serviços pela importância faturada ao
tomador dos serviços.
As faturas inerentes à venda de mercadorias ou à prestação de serviços, e as respectivas duplicatas,
representativas desses créditos, só podem ser emitidas pelo vendedor ou pelo prestador do serviço,
jamais pelo comprador ou por aquele em favor de quem o serviço foi prestado, ainda que visando à
cobrança de crédito decorrente da mesma relação jurídica.
Na relação jurídica existente entre as partes, é a autora que figura como prestadora de serviços à parte
ré, ao disponibilizar-lhe meio de pagamento que, na atualidade, é utilizado pela esmagadora maioria de
comerciantes (máquinas de processamento de pagamentos mediante cartão de crédito/débito).
No caso concreto, verifica-se que a parte ré (posto de gasolina) emitiu a duplicata com o objetivo de cobrar
valor correspondente a prejuízos sofridos em decorrência de ato praticado por terceiro.
A instituição credenciadora (no caso, a Stone), ao efetuar pagamentos aos lojistas (liquidação de
transação), não figura como compradora de suas mercadorias, tampouco como tomadora de serviços por
eles prestados. Ao contrário, são os lojistas que se utilizam dos serviços prestados pela entidade
credenciadora.
Desse modo, apesar de os lojistas serem credores das importâncias relativas à venda de seus produtos ou
serviços, descontadas as taxas pertinentes, não podem exigi-las por meio da emissão de duplicatas,
vinculados que estão esses títulos à existência de uma obrigação de pagar por produtos ou serviços
adquiridos.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30


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Com menos razão ainda o posto de gasolina poderia ter se utilizado da emissão de duplicata para cobrar
da instituição credenciadora um suposto crédito resultante de responsabilidade civil.

Em suma:
A emissão de duplicata não constitui via adequada para a cobrança, da instituição credenciadora, de
crédito titularizado por comerciante que aceita instrumentos de pagamento (cartões) na comercialização
de produtos e serviços e que, em virtude de fraude praticada por terceiro, deixa de recebê-lo.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.036.764-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/2/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

CHEQUE
Ocorrida a prescrição cambial, o cheque perde os atributos cambiários
ODS 16

Após a prescrição cambial, o cheque perde os atributos cambiários, permitindo na ação


monitória a discussão do negócio jurídico subjacente e a oposição de exceções pessoais a
portadores precedentes ou ao próprio emitente, com o ônus da prova da ilicitude do negócio
jurídico incumbido ao devedor.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.020.895-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/2/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

NOÇÕES GERAIS SOBRE CHEQUE


O que é o cheque?
O cheque é...
- uma ordem de pagamento à vista
- que é dada pelo emitente do cheque
- em favor do indivíduo que consta como beneficiário no cheque (ou seu portador)
- ordem essa que deve ser cumprida por um banco
- que tem a obrigação de pagar a quantia escrita na cártula
- em razão de o emitente do cheque ter fundos (dinheiro) depositados naquela instituição financeira.

“Trata-se de uma ordem de pagamento, na medida em que seu criador não promete efetuar pessoalmente
o pagamento, mas promete que terceiro irá efetuar esse pagamento. Esse terceiro deverá ser um banco,
no qual o criador do cheque deverá ter fundos disponíveis. À luz desses fundos, o banco efetuará o
pagamento das ordens que lhe forem sendo apresentadas, vale dizer, o cheque se tornará exigível sempre
no momento em que for apresentado ao sacado (vencimento sempre à vista).” (TOMAZETTE, Marlon.
Curso de Direito Empresarial. Vol. 2. São Paulo: Atlas, 2011, p. 218).

Personagens
a) emitente (sacador): aquele que dá a ordem de pagamento;
b) sacado: aquele que recebe a ordem de pagamento (o banco);
c) beneficiário (tomador, portador): é o favorecido da ordem de pagamento, ou seja, aquele que tem o
direito de receber o valor escrito no cheque.

Título executivo
O cheque é título executivo extrajudicial (art. 784, I, do CPC 2015). Assim, se não for pago, o portador do
cheque poderá ajuizar ação de execução contra o emitente e eventuais codevedores (endossantes,
avalistas). Essa ação de execução é conhecida como “ação cambial”.

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O que é o chamado “prazo de apresentação do cheque”?


É o prazo de que dispõe o portador do cheque para apresentá-lo ao banco sacado, a fim de receber o valor
determinado na cártula.
Ex: João passa um cheque de 2 mil reais para Eduardo. O prazo de apresentação é o tempo que Eduardo
tem para levar o cheque ao banco e receber o valor.
O prazo de apresentação começa a ser contado da data da emissão do cheque.

De quanto é o prazo de apresentação?


30 dias 60 dias
Se o cheque é da mesma praça do pagamento Se o cheque for de praça diferente
(município onde foi assinado é o município da (município onde foi assinado é diferente do
agência pagadora). município da agência pagadora).
O prazo será de 30 dias se o local da emissão do O prazo será de 60 dias se o local da emissão do
cheque (preenchido pelo emitente) for o mesmo cheque (preenchido pelo emitente) for diferente
lugar do pagamento (local da agência pagadora do lugar do pagamento (local da agência pagadora
impressa no cheque). Nesse caso, diz-se que o impressa no cheque). Nesse caso, diz-se que o
cheque é da mesma praça (mesmo município). cheque é de outra praça.
Ex: em um cheque de uma agência de São Paulo Ex: em um cheque de uma agência de São Paulo
(SP), o emitente datou e assinou São Paulo (SP) (SP), o emitente datou e assinou Manaus (AM)
como local da emissão. como local da emissão.

Se o beneficiário apresenta o cheque ao banco mesmo após esse prazo, haverá pagamento?
SIM, mesmo após o fim do prazo de apresentação, o cheque pode ser apresentado para pagamento ao
sacado, desde que não esteja prescrito.

Então para que serve esse prazo de apresentação?


A doutrina aponta três finalidades:
1) O fim do prazo de apresentação é o termo inicial do prazo prescricional da execução do cheque.
2) Só é possível executar o endossante do cheque se ele foi apresentado para pagamento dentro do
prazo legal. Se ele foi apresentado após o prazo, o beneficiário perde o direito de executar os
codevedores. Poderá continuar executando o emitente do cheque e seus avalistas.
Súmula 600-STF: Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o
cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária.
3) O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil ou não comprovar a recusa de pagamento
perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de
apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável (art. 47, § 3º, da Lei n.
7.357/85).

Qual é o prazo prescricional para a execução do cheque?


6 meses, contados do fim do prazo de apresentação do cheque. Atente-se que o prazo prescricional
somente se inicia quando termina o prazo de apresentação, e não da sua efetiva apresentação ao banco
sacado. Logo, os seis meses iniciam-se com o fim do prazo de 30 dias (mesma praça) ou com o término do
prazo de 60 dias (se de praças diferentes).

Mesmo estando o cheque prescrito, ainda assim será possível a sua cobrança?
SIM. Com o fim do prazo de prescrição, o beneficiário não poderá mais executar o cheque. Diz-se que o
cheque perdeu sua força executiva. No entanto, mesmo assim, o beneficiário poderá cobrar o valor desse
cheque por outros meios, quais sejam:

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1) Ação de enriquecimento sem causa (“ação de locupletamento”): prevista no art. 61 da Lei do Cheque
(Lei nº 7.357/85). Essa ação tem o prazo de 2 anos, contados do dia em que se consumar a prescrição da
ação executiva.
2) Ação de cobrança (ação causal): prevista no art. 62 da Lei do Cheque. O prazo é de 5 anos, nos termos
do art. 206, § 5º, I, CC.
3) Ação monitória.

Desse modo, estando o cheque prescrito (sem força executiva), ele poderá ser cobrado do emitente por
meio de ação monitória?
SIM. O beneficiário do cheque poderá ajuizar uma ação monitória para cobrar do emitente o valor
consignado na cártula. Existe até uma súmula que menciona isso: Súmula 299-STJ: É admissível a ação
monitória fundada em cheque prescrito.

Características do cheque enquanto título de crédito


O cheque é um título de crédito. Logo, submete-se aos princípios da literalidade, da abstração, da
autonomia das obrigações cambiais e da inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.
a) Literalidade: os direitos resultantes do título são válidos pelo que nele se contém, mostrando-se
ineficazes, do ponto de vista cambiário, escritos (como a quitação, o aval e o endosso) que não estejam
na própria cártula. Existe uma frase que espelha este princípio: “O que não está escrito no título não existe
no mundo cambiário”.
b) Autonomia: o possuidor de boa-fé exercita um direito próprio, que não pode ser atrapalhado por conta
de relações jurídicas anteriores entre o devedor e antigos possuidores do título. Assim, o possuidor de
boa-fé do título de crédito não tem nada a ver com o fato de o título ter vícios ou defeitos anteriores. Se
ele é o atual possuidor e está de boa-fé, tem direito ao crédito (obs: existem algumas exceções ao princípio
da autonomia, que não interessam no momento).
c) Abstração: os títulos de crédito, quando circulam, ficam desvinculados da relação que lhe deu origem.
Ex: João comprou um notebook de Ricardo, entregando-lhe uma nota promissória. Ricardo endossou a
nota promissória para Rui. Ricardo acabou nunca levando o computador para João. Rui (que estava de
boa-fé) poderá cobrar de João o crédito constante da nota promissória e o fato do contrato não ter sido
cumprido não poderá ser invocado para evitar que João pague o débito. Isso porque, como o título
circulou, ele já não tem mais nenhuma vinculação com o negócio jurídico que lhe deu origem.

Os princípios acima elencados têm por objetivo conferir segurança jurídica ao tráfego comercial e à
circulação do crédito. Se a pessoa que recebeu um título de crédito (aparentemente válido) pudesse ficar
sem o dinheiro por força de vícios anteriores ou por conta de uma quitação que não consta na cártula,
isso geraria um enorme risco ao portador, o que desestimularia as pessoas a aceitarem títulos de crédito.

OPOSIÇÃO DE EXCEÇÃO PESSOAL AO PORTADOR DE CHEQUE PRESCRITO


Imagine a seguinte situação hipotética:
Maria contratou João para fazer os móveis de sua casa.
Ficou combinado que Maria iria pagar R$ 10 mil em 5 cheques “pré-datados” (pós-datados) de R$ 2 mil,
que deveriam ser descontados um em cada mês.
João não entregou os móveis e sumiu, razão pela qual Maria determinou ao banco a sustação dos cheques,
nos termos do art. 36 da Lei nº 7.357/85 (Lei do Cheque):
Art. 36. Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer
sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão
de direito.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33


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Ação monitória proposta por terceiro de boa-fé


O que fez João? Repassou os cheques, como forma de pagamento, para Pedro.
Assim, Pedro adquiriu, de boa-fé, os cheques de João por meio de endosso.
Pedro tentou sacar os cheques, mas não conseguiu recebê-los em virtude de estarem sustados.
Diante disso, Pedro procurou um advogado para saber sobre seus direitos.
O advogado verificou que Pedro demorou muito para agir e, portanto, os cheques já estavam prescritos.
Mesmo assim, o advogado disse que tinha uma solução: Pedro poderia ajuizar uma ação monitória contra
Maria, a emitente dos cheques.
Assim, Pedro, portador das cártulas já prescritas, ingressou com ação monitória contra Maria.

Contestação
Maria contestou a demanda alegando que os cheques foram emitidos para pagamento de um serviço que
não foi realizado.
Assim, como a parte contratada não cumpriu sua obrigação, ela afirmou que tem o direito de sustar os
cheques e não pagar a quantia que está ali prevista.
O que Maria alegou foi aquilo que, em direito cambiário, é chamado de “exceção pessoal”.

Abrindo um parêntese para explicar o que são “exceções pessoais”


Juridicamente, um dos sentidos da palavra “exceção” é o de defesa. Assim, o termo “exceção” pode ser
utilizado como sinônimo de defesa em alguns casos.
Em direito cambiário, quando falamos em “exceções pessoais”, estamos querendo dizer que são defesas
que a pessoa que emitiu o título de crédito possui em relação àquele em favor de quem foi emitido o título
de crédito.
Ex: Pedro quer comprar um celular de Mário e emite uma nota promissória. A origem da nota promissória
é a compra e venda (trata-se da causa subjacente/causa debendi). O celular apresenta vício e, por isso,
Pedro não paga o valor da nota promissória e devolve o celular. Se Mário executar essa nota promissória,
Pedro poderá invocar, como exceção pessoal, que a causa subjacente não se concretizou. Trata-se de uma
exceção pessoal do emitente em relação ao beneficiário do título.
As exceções pessoais podem ser invocadas (alegadas) pelo emitente para deixar de pagar o beneficiário
do título. No entanto, em regra, as exceções pessoais não podem ser utilizadas contra pessoas de boa-fé
que receberam o título. Isso está previsto no art. 916 do Código Civil:
Art. 916. As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente
poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.

Assim, se Mário já havia passado a nota promissória para Juliana, uma terceira pessoa, e ela estava de
boa-fé, Juliana poderá executar o título cobrando o valor de Pedro. Este, coitado, ficará com o celular
quebrado e terá que pagar o valor do título para Juliana. Obviamente que, depois, Pedro poderá tentar
cobrar de Mário aquilo que foi pago. No entanto, repito, não poderá invocar contra Juliana sua exceção
pessoal porque o título circulou e agora encontra-se com alguém considerado terceiro de boa-fé.

Fechando o parêntese e voltando ao caso concreto:


Pedro contra argumentou dizendo que Maria não pode invocar essa exceção pessoal porque o cheque é
um título de crédito e ele (Pedro) é terceiro de boa-fé.
Logo, deve ser aplicado ao caso concreto, o princípio da autonomia. Desse princípio, surge o conhecido
princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei
do Cheque (Lei nº 7.357/85):
Art. 25. Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador
exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo
se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34


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Quem tem razão neste caso: Pedro ou Maria?


Maria.
De fato, o cheque, por ser um título de crédito, é regido pelo princípio da autonomia. Uma das
decorrências da autonomia é o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé,
consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85).
Justamente por conta disso, a jurisprudência afirma que o devedor somente pode opor ao portador do
cheque exceções fundadas na relação pessoal com o próprio portador ou em aspectos formais e materiais
do título, a não ser que constatada a má-fé deste.
Logo, se não for caracterizada a ma-fé do portador, deve ser preservada a autonomia do título cambial.

Peculiaridade do caso: os cheques já estavam prescritos


No caso concreto, os cheques que embasaram o ajuizamento da ação monitória já estavam prescritos.
Vimos acima que, mesmo o cheque estando prescrito, ele pode ser cobrado.
No entanto, se o cheque está prescrito, ele perde as suas características cambiárias, tais quais a
autonomia, a independência e a abstração.
Assim, como o cheque prescrito perdeu a autonomia, não se aplica mais o conhecido princípio da
inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, previsto no art. 25 da Lei do Cheque (Lei nº
7.357/85). Na prática, isso significa que o réu da ação monitória – que está sendo cobrado pelo cheque
prescrito – poderá sim opor exceções pessoais, ou seja, argumentos de defesa baseados na relação pessoal
que ele (devedor) tinha com o destinatário do cheque, ainda que esse cheque agora esteja sendo cobrado
por um terceiro de boa-fé.

Em suma:
É possível a oposição de exceção pessoal ao portador de cheque prescrito.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.669.968-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

O STJ reiterou esse entendimento no julgado noticiado neste Informativo:


Após a prescrição cambial, o cheque perde os atributos cambiários, permitindo na ação monitória a
discussão do negócio jurídico subjacente e a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes
ou ao próprio emitente, com o ônus da prova da ilicitude do negócio jurídico incumbido ao devedor.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.020.895-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/2/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

Se o cheque estiver prescrito e, por conseguinte, extintas suas características cambiárias, a pretensão se
fundará no fato jurídico que precedeu e motivou a sua emissão, impedindo que uma parte enriqueça de
forma indevida à custa da outra.
Ocorrida a prescrição cambial, o cheque perde os atributos cambiários, sendo possível, na ação monitória,
a discussão do negócio jurídico subjacente e a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes
ou ao próprio emitente do título.
Com a oposição de embargos monitórios, o rito torna-se comum, admitindo a discussão de todas as
matérias pertinentes à dívida, como valores, encargos, inexigibilidade ou até mesmo a própria
legitimidade da obrigação, sendo imperioso que o juiz cumpra o saneamento do processo.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35


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CÉDULAS DE CRÉDITO
Na execução de CPR, mesmo em formato cartular, em regra,
não é necessário que o credor apresente o título original

Mudança de entendimento

Atualize o Info 693-STJ


ODS 11 E 16

Na execução de Cédula de Produto Rural em formato cartular, a exigência de apresentação do


título original somente deve ocorrer diante de alegação concreta e motivada pelo devedor da
falta de exigibilidade, liquidez e certeza do título.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.013.526-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Moura Ribeiro,
julgado em 28/2/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

Títulos de crédito
O título de crédito é um documento por meio do qual se prova que existe uma obrigação entre o(s)
credor(es) e o(s) devedor(es), nos termos do que ali está escrito.
O conceito tradicional de título de crédito foi dado há décadas por um jurista italiano chamado Cesare
Vivante: “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele
contido ou mencionado”.
Essa definição foi adotada pelo CC-2002:
Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele
contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

Os títulos de crédito são muito importantes para a economia porque eles facilitam a obtenção e a
circulação do crédito, além de conferirem maior segurança para os credores. Ex: se a pessoa quer comprar
uma mercadoria, mas não tem dinheiro no momento, ela poderá assinar uma nota promissória e entregá-
la ao vendedor, comprometendo-se a pagar a quantia em 30 dias. Houve a concessão de um crédito de
forma simplificada e o credor terá em mãos uma garantia de pagamento. Com isso, mais negócios podem
ser realizados.

Títulos rurais
Existem alguns títulos de crédito que são gerais e mais conhecidos, como é o caso da letra de câmbio,
duplicata, cheque etc.
No entanto, a experiência mostrou que seria interessante que fossem criados alguns títulos de crédito
com características específicas, para facilitar as negociações envolvendo determinados setores da
economia.
Em suma, verificou-se a necessidade de criar títulos de crédito específicos para algumas transações
empresariais.
No caso da atividade rural, por exemplo, foram idealizados quatro títulos de crédito específicos, chamados
de “títulos rurais”. São eles:
a) Cédula de crédito rural;
b) Cédulas de produto rural;
c) Nota promissória rural;
d) Duplicata rural.

Cédulas de Produto Rural (CPR)


As cédulas de produto rural foram criadas pela Lei nº 8.929/94 com o objetivo de estimular o
financiamento privado da atividade rural. Existem duas espécies de CPR:
• CPR física (art. 1º da Lei);

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36


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• CPR financeira (art. 4º-A da Lei).

CPR física CPR financeira


A cédula de produto rural física (CPR física) é um Na CPR financeira, o produtor rural ou a
título de crédito por meio do qual o produtor associação de produtores emite a CPR, recebendo
rural ou a associação de produtores rurais o dinheiro correspondente a “X” produtos rurais
(inclusive cooperativas) se compromete, em um (ex: 100kg de café, tipo tal) e comprometendo-se
documento, a entregar produtos rurais em um a fazer a liquidação financeira da CPR (pagar a
momento futuro, recebendo, desde já, o quantia emprestada) em determinada data e
pagamento por essa venda. segundo os juros ali estipulados.
No dia do vencimento, o produtor rural entregará Em vez de entregar o produto rural, o produtor irá
ao credor os produtos rurais prometidos. pagar ao credor o valor do que tomou
emprestado.
Em outras palavras, a CPR física representa a Em outras palavras, a CPR financeira representa a
documentalização de um contrato de compra e documentalização de um contrato de
venda de produtos rurais, por meio do qual o financiamento, por meio do qual o produtor rural
vendedor recebe o pagamento antecipadamente, (ou associação) recebe um valor em dinheiro,
comprometendo-se a entregar os produtos rurais comprometendo-se a pagar em uma
em uma determinada data. determinada data futura.
Caso o emitente seja inadimplente, o credor Caso o emitente seja inadimplente, o credor
poderá ajuizar ação de execução para a entrega poderá ajuizar ação de execução por quantia
de coisa. certa.
É parecida com uma duplicata mercantil. É parecida com uma nota promissória.
Art. 1º Fica instituída a Cédula de Produto Rural Art. 4º-A. Fica permitida a liquidação financeira
(CPR), representativa de promessa de entrega de da CPR de que trata esta Lei, desde que
produtos rurais, com ou sem garantias observadas as seguintes condições:
cedularmente constituídas. I - que sejam explicitados, em seu corpo, os
referenciais necessários à clara identificação do
preço ou do índice de preços, da taxa de juros, fixa
ou flutuante, da atualização monetária ou da
variação cambial a serem utilizados no resgate do
título, bem como a instituição responsável por sua
apuração ou divulgação, a praça ou o mercado de
formação do preço e o nome do índice;
II - que os indicadores de preço de que trata o
inciso anterior sejam apurados por instituições
idôneas e de credibilidade junto às partes
contratantes, tenham divulgação periódica,
preferencialmente diária, e ampla divulgação ou
facilidade de acesso, de forma a estarem
facilmente disponíveis para as partes contratantes;
III - que seja caracterizada por seu nome, seguido
da expressão "financeira".

Cédula de produto rural cartular e escritural


A Lei nº 13.986/2020 alterou a Lei da cédula de produto rural (Lei nº 8.929/94) e, a partir dessa mudança,
passou a ser possível que a emissão destas cédulas se dê de forma:
a) cartular (“em papel”); ou
b) escritural (eletrônica).

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37


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Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética:


João, um avicultor, emitiu uma cédula de produto rural financeira (CPR-F), em formato cartular, mediante
a qual se obrigou a pagar a quantia de R$ 100 mil (equivalente a 10 toneladas de frango) ao Banco do
Brasil, que lhe emprestou o dinheiro.
João tornou-se inadimplente e o Banco ajuizou execução de título extrajudicial.
O devedor apresentou embargos à execução argumentando que:
- o Banco juntou aos autos da execução apenas a cópia do título executivo extrajudicial (e não a
reprodução digitalizada de seu original), de forma que não há título executivo hábil a embasar a ação;
- aplicam-se às cédulas de produto rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial. Assim, por
possuírem a característica de serem transmissíveis via endosso, exige-se a apresentação do original do
título para o ajuizamento da ação de execução.

A exigência do devedor para que o credor apresente o título original, despida de qualquer outro
argumento, deverá ser aceita pelo juiz?
NÃO. O entendimento atual do STJ é no sentido de que:
Na execução de Cédula de Produto Rural em formato cartular, a exigência de apresentação do título
original somente deve ocorrer diante de alegação concreta e motivada pelo devedor da falta de
exigibilidade, liquidez e certeza do título.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.013.526-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Moura Ribeiro,
julgado em 28/2/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

Antigamente, a jurisprudência exigia que o credor apresentasse o título porque não havia como
reproduzir-se igual e porque sua posse pelo credor, originário ou circulado, era a única prova documental
possível da existência da obrigação.
Nos tempos atuais, contudo, os documentos são arquivados em meio eletrônico e a reprodução tem o
mesmo valor do título, fazendo a mesma prova que o original (art. 425, VI, do CPC/2015):
Art. 425. Fazem a mesma prova que os originais:
(...)
VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando juntadas
aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela
Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por
advogados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração.

A finalidade de eventual determinação judicial de exibição do título original é certificar a ausência de


circulação, isto é, garantir a identidade entre o credor que demanda o crédito e aquele que de fato teria
direito a receber o pagamento.
No entanto, essa exibição não é obrigatória, como regra geral. Cabe ao juiz decidir acerca da necessidade
de apresentar o título original apenas quando o devedor alegar fatos concretos que impeçam a cobrança
da dívida. Como vimos acima, o art. 425, VI, do CPC estabelece que as reproduções digitalizadas de
qualquer documento público ou particular têm o mesmo valor probatório que os originais, salvo se houver
alegação fundamentada e motivada de adulteração.
O § 1º do art. 425, por sua vez, estabelece que o detentor das versões digitalizadas dos documentos
mencionados no inciso VI deve preservar os originais até o término do prazo para ação rescisória:
Art. 425 (...)
§ 1º Os originais dos documentos digitalizados mencionados no inciso VI deverão ser preservados
pelo seu detentor até o final do prazo para propositura de ação rescisória.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38


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Embora o credor possa endossar o título para terceiros, ele tem a obrigação legal de manter a posse do
original até o prazo limite para a propositura da ação rescisória. Além disso, o § 2º do art. 425 permite que
o juiz determine o depósito da cópia digital do título executivo extrajudicial no cartório ou secretaria:
Art. 425 (...)
§ 2º Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou de documento relevante à
instrução do processo, o juiz poderá determinar seu depósito em cartório ou secretaria.

Com base nessas disposições legais, conclui-se que a exigência de apresentar o título original deve ocorrer
somente quando o devedor alegar de forma concreta e fundamentada a falta de exigibilidade, liquidez e
certeza do título. A falta de contestação em relação à circulação da Cédula de Produto Rural, ou a
possibilidade de execução duplicada, são consideradas formalidades desnecessárias que prejudicam a
celeridade da prestação jurisdicional.

PROPRIEDADE INDUSTRIAL
No caso de ato ilícito continuado, a prescrição não afeta as ocorrências posteriores ao marco
temporal prescricional para a tutela reparatória e inibitória, abrangendo apenas o período anterior
ODS 16

A utilização indevida de conjunto-imagem (trade dress), com embalagens semelhantes para


produtos que exploram a mesma atividade econômica, configura ilícito continuado, que se
renova periodicamente.
A prescrição, tanto para a tutela reparatória quanto para a inibitória, afeta apenas o período
antecedente ao marco temporal prescricional, mas não as ocorrências registradas em período
mais recente e, portanto, não alcançado pelo lapso prescricional.
A prescrição não tem o condão de tornar lícita uma atuação, que se repete no trato continuado,
a qual a lei repudia.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.107.167-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. para acórdão Min.
Raul Araújo, julgado em 7/3/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

O caso concreto foi o seguinte:


A UNILEVER BRASIL LTDA é uma empresa fabricante de diversos produtos de higiene pessoal, limpeza,
alimentos e sorvetes, como, por exemplo, os produtos das marcas OMO, COMFORT, FOFO, SEDA, AXE,
DOVE, CLOSE-UP, REXONA, HELLMANN’S, KIBON, KNORR, entre outras.
Além dessas marcas, a UNILEVER detém, no Brasil, os direitos de exploração da famosa marca MAIZENA.
A marca MAIZENA, pioneira no seguimento (amido de milho), é comercializada no mercado brasileiro há
mais de 130 anos e lidera as vendas do seguimento de mercado.
Além disso, em decorrência do enorme valor agregado da marca, a UNILEVER obteve diversos registros da
marca MAIZENA perante o INPI.
Em 09/01/2018, o INPI declarou o alto renome da marca MAIZENA, o que lhe garante proteção especial
em todos os ramos de atividade, na forma do art. 125, da LPI:
Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção
especial, em todos os ramos de atividade.

Ao longo de todo o período de comercialização, os respectivos produtos sempre tiveram identidade visual
própria, amplamente conhecida:

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 39


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Apesar de todos esses fatos, a UNILEVER tomou conhecimento de que a empresa NEILAR IND. E COM. DE
ALIMENTOS LTDA lançou no mercado um produto semelhante que vem sendo comercializado sob o nome
“MAISCERTA” em embalagem com idêntica identidade visual:

A UNILEVER entendeu que o produto lançado pela NEILAR objetivava “pegar carona” no sucesso da marca
tradicional e assim angariar clientela.
Diante desse cenário, UNIVELER ingressou com ação cominatória cumulada com indenização por perdas
e danos em face da empresa NEILAR.
Ao final, formulou, entre outros, os seguintes pedidos:
(1) que a requerida fosse compelida a se abster de fabricar, comercializar, divulgar ou utilizar a qualquer
título os produtos MAISCERTA na forma atual ou sob qualquer padrão visual que se assemelhe ou
confunda com a embalagem da MAIZENA, sob pena de multa diária de R$50.000,00;
(2) a requerida fosse condenada a compor as perdas e danos patrimoniais, inclusive os lucros cessantes,
sofridos pelas Autoras em decorrência da prática de atos de concorrência desleal, a serem apurados em
liquidação de sentença, nos moldes do disposto nos artigos 208 a 210 da LPI;
(3) a requerida fosse condenada a ressarcir as Autoras pelos danos morais oriundos da prática do ato
ilícito, em valor não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

A ação foi proposta em 07/11/2019 perante a 1ª Vara Empresarial da Comarca de São Paulo/SP.
Citada, a requerida apresentou contestação.
Entre outros fundamentos, alegou a prescrição da pretensão.
De acordo com a peça defensiva, os prazos prescricionais para a arguição da pretensão de abstenção de
uso da marca e reparação por danos causados pelo suposto uso indevido seriam de 10 anos e 5 anos,
respectivamente, conforme previsão no art. 205 do CC e art. 225 da Lei nº 9.279/96.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 40


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No caso concreto, a UNILEVER teria tomado conhecimento da comercialização da marca MAISCERTA em


26/11/2004, quando notificou extrajudicialmente a empresa requerida (3º Cartório de Registro de Títulos
e Documentos de SP), ou seja, 16 anos antes da propositura da ação.
Portanto, no seu entender, o prazo prescricional para manejar as ações inibitória e indenizatória já havia
se exaurido, motivo pelo qual a ação deveria ser extinta.
Em réplica, a autora alegou que o caso em debate se configura como um ilícito continuado, de modo que
o termo inicial do prazo prescricional se renova dia após dia.
Nesse passo, o fato de a autora ter enviado notificação extrajudicial em 2004 não teria qualquer influência
na prescrição.

A questão chegou até o STJ. Para o Tribunal, a pretensão está realmente prescrita?
NÃO.
No caso, verifica-se a existência de relação de trato continuado, em que há um ilícito relativo ao conjunto-
imagem (trade dress), com embalagens semelhantes para dois produtos que exploram a mesma atividade
econômica, o mesmo nicho de mercado consumidor.
Trade dress ou conjunto-imagem consiste no conjunto de elementos distintivos que caracterizam um
produto, um serviço ou um estabelecimento comercial fazendo com que o mercado consumidor os
identifique. É o conjunto de caraterísticas visuais que forma a aparência geral de um produto ou serviço.
O trade dress é violado quando uma empresa imita sutilmente diversas características da marca
concorrente (normalmente a líder do mercado) com o objetivo de confundir o público e angariar vendas
com base na fama da marca copiada.
A proteção jurídica que se dá ao trade dress existe para se combater a utilização indevida de elementos e
caracteres que, relacionados à marca, personalizam e distinguem produtos e serviços ofertados no
mercado, a exemplo de embalagens, cores, designs, desenhos, decorações, dentre outros - os quais, por
vezes, não integram o registro dessa marca, mas possuem alto poder de influência na liberdade volitiva
dos consumidores.
A finalidade precípua de tal amparo legal é coibir confusão e má associação por parte do público
consumidor, garantindo, por outro lado, o exercício da livre concorrência.
Trata-se de um ato lesivo continuado tanto para a tutela reparatória requerida na ação como também
para a tutela inibitória quanto ao uso de embalagem semelhante àquela já registrada anteriormente.
Esse ilícito se renova mês a mês. Se tivesse cessado a prática, contar-se-ia a prescrição e, findo o prazo
prescricional a partir do momento em que interrompida a prática, ter-se-ia a incidência da prescrição a
fulminar a própria pretensão inibitória, pois relativa a um período já ultrapassado no tempo, mas, no caso,
periodicamente, continua a ocorrer o ilícito.
Verifica-se que a prescrição afeta apenas o período antecedente ao marco temporal prescricional, mas
não as ocorrências registradas em período mais recente e, portanto, não alcançado pelo lapso
prescricional.
A prescrição não tem o condão de tornar lícita uma atuação que a lei repudia. Nessas condições, deve ser
afastada a prescrição quanto ao pleito inibitório.

Em suma:
No caso de ato ilícito continuado, a prescrição não afeta as ocorrências posteriores ao marco temporal
prescricional para a tutela reparatória e inibitória, abrangendo apenas o período anterior.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.107.167-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. para acórdão Min.
Raul Araújo, julgado em 7/3/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

DOD PLUS – JULGADO CORRELATO


Termo inicial da prescrição pelo uso indevido de marca industrial
O termo inicial do prazo prescricional de cinco anos (art. 225 da Lei nº 9.279/1996) para pleitear
indenização pelos prejuízos decorrentes do uso de marca industrial que imite outra preexistente,

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 41


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suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia registrada (art. 124, XIX), é a data da
violação do direito à propriedade industrial e se renova enquanto houver o indevido uso.
STJ. 4ª Turma. REsp 1320842-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2013 (Info 524).

CONTRATOS EMPRESARIAIS
Não é razoável exigir prestação de contas detalhadas sobre investimentos do extinto Fundo 157
quando ausente a especificação do valor investido e do período em questão
ODS 16

O Fundo 157, criado pelo Decreto-Lei n. 157/1967, permitia que os contribuintes


direcionassem parte do imposto devido na declaração do Imposto de Renda para aquisição de
quotas de fundos administrados por instituições financeiras. Esse benefício fiscal vigorou de
1967 a 1983, com o objetivo de promover o mercado de capitais brasileiro.
O autora requereu que o banco fosse compelido a prestar as contas do investimento por ele
feito no Fundo 157, na forma do art. 551 do CPC, especificando-se as receitas, a aplicação das
despesas e os investimentos. Todavia, trata-se de inicial padronizada, na qual não há indicação
do valor aplicado e o ano (ou anos) em que feita a aplicação. No genérico pedido, deixa claro
que também não sabe - ele próprio - se já sacou total ou parcialmente o valor investido.
Como se trata de um investimento relacionado à própria declaração de imposto de renda, não
é razoável exigir que a atual instituição financeira administradora do Fundo de Ações forneça
informações acerca do valor investido em uma data imprecisa (entre 1967 e 1983) para fins
de abatimento do imposto de renda devido. Além disso, o autor não apresenta motivo para ter
dúvidas sobre o número de cotas e valores correlacionados ao seu CPF, conforme extrato da
CVM.
Portanto, não há necessidade concreta de intervenção do Poder Judiciário para obter
prestação de contas sobre investimentos não especificados pelo autor em uma data não
informada. Embora as contas prestadas pela instituição financeira não reproduzam
mensalmente a evolução do fundo e não tenham sido prestadas de forma mercantil, elas
apresentam o valor nominal e o número de cotas do autor, de forma cronologicamente viável.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.994.044-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti,
julgado em 13/6/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

O que é “Fundo 157”?


O Fundo 157, que foi criado pelo Decreto Lei nº 157, de 10.02.1967, tratava-se de uma opção dada aos
contribuintes de utilizar parte do imposto devido quando da Declaração do Imposto de Renda, em
aquisição de quotas de fundos administrados por instituições financeiras de livre escolha do aplicador.
Somente pessoas que declararam Imposto de Renda, nos exercícios entre 1967 e 1983, e que tinham
Imposto devido neste mesmo período, são os que podem, ainda, possuir aplicação no referido Fundo.
https://www.gov.br/pt-br/servicos/consultar-saldo-de-fundo-157-cvm

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, durante o período compreendido entre 1967 até 1983, optou por utilizar 10% do valor devido a título
de imposto de renda na aquisição de cotas do Fundo 157, administrado pelo Banco XXX.
Ele afirma que nunca teve qualquer notícia acerca dos resultados dessa aplicação financeira.
João relata que, com o intuito de obter informação acerca da destinação de seu investimento, em junho
de 2019, enviou carta, com AR, para o Banco solicitando esclarecimentos do capital investido.
Apesar disso, a instituição financeira não teria respondido.
Diante desse cenário, em julho de 2019, João ajuizou ação de exigir contas contra o Banco pedindo para
que a instituição financeira:

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42


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1) demonstre em quais ações e debêntures foram aplicados os valores, quais foram os rendimentos dos
títulos e demais valorizações;
2) pague eventuais valores que sejam devidos ao autor decorrentes dos investimentos realizados.

O Banco contestou a demanda alegando:


• a falta de interesse de agir do autor porque não houve demonstração de pedido administrativo idôneo,
não atendido em prazo razoável (REsp 1.349.453/MS);
• a pretensão é manifestamente contrária à boa-fé objetiva considerando que o autora alega ter feito um
investimento sem sequer mencionar o ano (fala que teria ocorrido entre 1967 a 1983).

A controvérsia chegou até o STJ. O Tribunal concordou com o pedido do autor?


NÃO. O STJ decidiu que:
Não é razoável exigir prestação de contas detalhadas sobre investimentos do extinto Fundo 157 quando
ausente a especificação do valor investido e do período em questão.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.994.044-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti,
julgado em 13/6/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

O Fundo 157, criado pelo Decreto-Lei n. 157/1967, permitia que os contribuintes direcionassem parte do
imposto devido na declaração do Imposto de Renda para aquisição de quotas de fundos administrados
por instituições financeiras. Esse benefício fiscal vigorou de 1967 a 1983, com o objetivo de promover o
mercado de capitais brasileiro.
A Resolução nº 49/1967, do Conselho Monetário Nacional, regulamentou a administração desses
recursos, determinando que fossem administrados por meio de fundos de investimento. O aporte de
recursos no Fundo 157 era feito por meio da aquisição de certificados de compra de ações, e a instituição
financeira responsável podia adquirir ações ou debêntures emitidas por empresas que atendiam aos
requisitos legais. Após várias mudanças, o benefício fiscal foi revogado em 1983, e os fundos foram
transformados em fundos mútuos de investimento ou incorporados a fundos mútuos de ações, conforme
determinações do Conselho Monetário Nacional (CVM). A regulamentação atual dos fundos de
investimento é estabelecida pela Instrução CVM n. 555/2014.
No caso, a parte autora requereu que o banco fosse compelido a prestar as contas do investimento por
ele feito no Fundo 157, na forma do art. 551 do CPC, especificando-se as receitas, a aplicação das despesas
e os investimentos. Todavia, trata-se de inicial padronizada, na qual não há indicação do valor aplicado e
o ano (ou anos) em que feita a aplicação. No genérico pedido, deixa claro que também não sabe - ele
próprio - se já sacou total ou parcialmente o valor investido.
Como se trata de um investimento relacionado à própria declaração de imposto de renda, não é razoável
exigir que a atual instituição financeira administradora do Fundo de Ações forneça informações acerca do
valor investido em uma data imprecisa (entre 1967 e 1983) para fins de abatimento do imposto de renda
devido. Além disso, o autor não apresenta motivo para ter dúvidas sobre o número de cotas e valores
correlacionados ao seu CPF, conforme extrato da CVM.
Portanto, não há necessidade concreta de intervenção do Poder Judiciário para obter prestação de contas
sobre investimentos não especificados pelo autor em uma data não informada. Embora as contas
prestadas pela instituição financeira não reproduzam mensalmente a evolução do fundo e não tenham
sido prestadas de forma mercantil, elas apresentam o valor nominal e o número de cotas do autor, de
forma cronologicamente viável.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 43


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SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
A data-base da apuração de haveres em dissolução parcial de sociedade por tempo indeterminado
corresponde ao momento em que o sócio retirante deixa de contribuir para a atividade
ODS 16

Na sociedade com prazo indeterminado, a dissolução parcial, segundo a jurisprudência do STJ,


pode dar-se, em tese, a qualquer momento, desde que rompida a affectio societatis e que seja
viável a continuidade da sociedade empresária em relação aos sócios remanescentes.
A sentença, nesse caso, apenas declara a dissolução parcial da sociedade. Não a desconstitui.
Logo, a data de efetiva saída do sócio fixa o momento temporal que deve ser considerado como
data de corte na apuração de haveres
STJ. 4ª Turma. REsp 1.372.139-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 28/2/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Dissolução de uma sociedade:


A dissolução de uma sociedade pode ser:
a) Parcial: quando um ou alguns dos sócios saem da sociedade, mas ela é preservada.
b) Total: quando a sociedade é extinta.

Dissolução parcial de sociedade


Ocorre, portanto, quando um ou alguns se desligam da sociedade, mas ela continua existindo. A isso
também se dá o nome de “liquidação parcial da sociedade”.
Uma das hipóteses de dissolução parcial de sociedade é o direito de retirada (direito de recesso, direito
de denúncia), ou seja, é a saída do sócio por iniciativa própria. Ele simplesmente não quer mais fazer parte
daquela sociedade.
Nesse caso, o sócio que deixar a sociedade receberá a parte que lhe cabe no patrimônio social,
continuando a sociedade em relação aos demais sócios.

Apuração de haveres
O cálculo do valor devido ao sócio que deixa a sociedade é feito por meio de um procedimento
denominado de apuração de haveres e que está previsto no art. 1.031 do CC e no art. 599, III, do CPC 2015.
Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota,
considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em
contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em
balanço especialmente levantado.
§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor
da quota.
§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação,
salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

Para que o sócio exerça seu direito de retirada é indispensável a propositura de ação judicial?
Depende:
• Se a sociedade empresária for por prazo determinado: SIM. Isso porque o Código Civil exige que ele
prove uma justa causa (art. 1.029).
• Se a sociedade empresária for por prazo indeterminado: NÃO. O sócio precisará apenas notificar
extrajudicialmente os demais sócios com antecedência mínima de 60 dias (art. 1.029). Caso ele não
concorde com os valores que a sociedade quer lhe pagar a título de apuração de haveres, poderá propor
ação para discutir apenas isso.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 44


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Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética:


Henrique é sócio de uma sociedade limitada que tem outros dois sócios: Pedro e Tiago.
Vale ressaltar que se trata de uma sociedade por prazo indeterminado.
Em 30/11/2009, Henrique discutiu com os demais sócios e, a partir desse dia, nunca mais compareceu na
sede da empresa, não contribuindo em mais nada para as atividades da sociedade.
Em 02/02/2010, Henrique ajuizou ação de dissolução parcial da sociedade empresária com apuração de
haveres contra a sociedade e os demais sócios.
Os sócios contestaram, oportunidade em que concordaram com a retirada de Henrique, mas discordaram
da apuração de haveres na forma indicada pelo autor.
Em 02/02/2012, transitou em julgado a sentença determinando a dissolução da sociedade e a apuração
de haveres.

Ficou, contudo, uma dúvida: o valor que Henrique irá receber relativo às suas cotas sociais deverá ser
calculado com base na data da efetiva saída (30/11/2009) ou tendo como referência o dia em que
transitou em julgado a sentença (02/02/2012)?
A data da efetiva saída. Conforme decidiu o STJ:
A data-base da apuração de haveres em dissolução parcial de sociedade por tempo indeterminado
corresponde ao momento em que o sócio retirante deixa de contribuir para a atividade.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.372.139-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 28/2/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

O tema é tratado no art. 1.031 do Código Civil:


Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota,
considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em
contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em
balanço especialmente levantado.
§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor
da quota.
§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação,
salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

Então, segundo o caput do art. 1.031 do CC, a liquidação da quota será feita com base na situação
patrimonial da sociedade na “data da resolução”.
A controvérsia é a respeito da interpretação da expressão "data da resolução" na apuração dos valores de
um sócio retirante em uma dissolução parcial de uma sociedade por tempo indeterminado. A dúvida é se
essa data é a efetiva saída do sócio ou o trânsito em julgado da sentença de exclusão.
Na dissolução parcial, o desafio é calcular o valor a ser pago ao sócio retirante. Em sociedades por prazo
indeterminado, a data da saída efetiva do sócio é considerada o ponto de corte para a apuração dos
valores. Após a saída, eventuais prejuízos são suportados exclusivamente pelos sócios que optam por
continuar na empresa.
A data que serve como referência para o cálculo corresponde ao momento em que o sócio retirante deixa
de contribuir para a atividade e de assumir os riscos do negócio. Corresponde também ao momento em
que, por consequência, o sócio retirante deixa de receber os benefícios da atividade quando não tem mais
responsabilidade pelos ônus dessa mesma atividade.
Destaque-se que, diferentemente de uma sociedade de capital, que privilegia o aspecto patrimonial da
relação societária em detrimento das relações pessoais entre os sócios, na sociedade de pessoas
predomina o caráter intuitu personae. As características pessoais e indissociáveis do sujeito que ocupa a
posição de sócio importam mais do que a sua contribuição patrimonial às finalidades da sociedade

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 45


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propriamente dita. Nesse tipo de sociedade, o sócio, pessoa dotada de atributos singulares e
personalíssimos, é, em regra, insubstituível.
A jurisprudência do STJ já estabelecia, antes do CPC/2015, que a data-base para a apuração dos valores é
quando o sócio manifesta a intenção de se retirar da sociedade limitada por tempo indeterminado,
considerando-se o decurso do prazo de 60 dias após a notificação da retirada aos demais sócios (art. 1.029
do CC/2002).
Na dissolução parcial de uma sociedade por prazo indeterminado, a sentença apenas declara a dissolução,
não a desconstitui. Portanto, os efeitos retroagem à data real do desligamento do sócio da sociedade.
Os valores devidos ao ex-sócio, espólio ou sucessores serão integrados até a data estabelecida para a
resolução da sociedade, incluindo os lucros, juros sobre o capital próprio e, se aplicável ao caso, inclui-se
a remuneração pela participação na administração social. Após essa data, incidem apenas correção
monetária e juros contratuais ou legais.
Por fim, os juros legais começam a contar a partir da citação, quando a sociedade e os demais sócios são
considerados em mora. O prazo de tolerância estabelecido no § 2º do art. 1031 do Código Civil, de 90 dias
após a liquidação dos valores, permite à sociedade levantar os recursos necessários para pagar a parte do
sócio retirante, desde que a apuração e o pagamento ocorram sem litígio judicial.

DOD PLUS – JULGADO CORRELATO QUE TEVE RESULTADO DIFERENTE POR CONTA DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO
Momento em que se considera dissolvida a sociedade empresária para fins de apuração de haveres
Na hipótese em que o sócio de sociedade limitada constituída por tempo indeterminado exerce o direito
de retirada por meio de inequívoca e incontroversa notificação aos demais sócios, a data-base para
apuração de haveres é o termo final do prazo de 60 dias, estabelecido pelo art. 1.029 do CC/02.
STJ. 3ª Turma. REsp 1602.240-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

FALÊNCIA
A decisão do Juiz do Trabalho desconstituindo a personalidade jurídica da empresa
não significa, por si só, usurpação da competência do juízo falimentar
ODS 16

A mera decisão de desconstituição da personalidade jurídica pela Justiça trabalhista, por si só,
não enseja o reconhecimento de usurpação da competência do juízo falimentar, porque não
atinge direta e concretamente os bens da massa falida. Ao contrário, é medida secundária que
se limita a estender a responsabilidade trabalhista aos sócios e/ou outras empresas do grupo.
A Lei de Falências não retira de outros juízos a possibilidade de instauração de incidentes de
desconsideração da personalidade jurídica ou de reconhecimento da existência de grupo
econômico.
Após as alterações promovidas pela Lei nº 14.112/2020, em especial quanto ao princípio da
cooperação, inexiste conflito de competência quando da constrição de bens pela Justiça
especializada, cabendo ao juízo da recuperação exercer o controle sobre o ato constritivo do
outro juízo que diga respeito a bens da massa e, para tanto, valer-se, se necessário, da
cooperação judicial prevista no art. 69 do CPC.
STJ. 2ª Seção. AgInt no CC 190.942-GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 30/5/2023 (Info
12 – Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação adaptada:


O Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Verde/GO (“Juízo falimentar”) declarou a falência
do GRUPO MARGEM.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 46


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Em 2019, a falência foi estendida para as empresas TOTAL S/A (“TOTAL”) e RIO GRANDE S/A (“RIO
GRANDE”), sendo concedida a continuação provisória.
A empresa TOTAL cedeu, à título gratuito, o imóvel industrial a empresa RIO GRANDE.
No início de 2020, no interregno da continuidade provisória das atividades, a empresa RIO GRANDE
contratou cerca de 300 funcionários e, meses depois, demitiu todos os 300 funcionários, sem o pagamento
das verbas trabalhistas.
A empresa GOLDEN IMEX S/A, arrendou a planta industrial originalmente ocupada pela empresa RIO
GRANDE S/A, juntamente com todos os equipamentos necessários à produção, recontratando parte dos
funcionários que prestavam serviços no antigo empreendimento.
O contrato de arrendamento foi homologado pelo JUÍZO DA FALÊNCIA.
Em maio de 2020 a massa de trabalhadores demitidos pela RIO GRANDE, na busca de seus direitos, passou
a ajuizar, individualmente, reclamatórias trabalhistas.
O Juízo Trabalhista reconheceu a sucessão entre as empresas e incluiu a GOLDEN IMEX LTDA como
responsável solidária pelo débito trabalhista, nos termos do art. 448-A da CLT.
Na decisão trabalhista não houve penhora ou constrição de bens das empresas em falência.
A GOLDEN IMEX LTDA ingressou com conflito de competência alegando que o JUÍZO TRABALHISTA invadiu
a competência exclusiva e absoluta do JUÍZO DA FALÊNCIA por responsabilizá-la pelo pagamento das
verbas trabalhista, uma vez que eventual sucessão deveria ser decidida pelo juízo falimentar.
Defendeu que o arrendamento da planta frigorífica foi autorizado e homologado pelo Juízo da falência e,
em consequência, é competência exclusiva desse Juízo decidir pela ocorrência da sucessão empresarial.

O STJ concordou com os argumentos da GOLDEN IMEX?


NÃO.
A mera decisão de desconstituição da personalidade jurídica pela Justiça trabalhista, por si só, não
enseja o reconhecimento de usurpação da competência do juízo falimentar, porque não atinge direta e
concretamente os bens da massa falida.
STJ. 2ª Seção. AgInt no CC 190.942-GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 30/5/2023 (Info 12
– Edição Extraordinária).

A decisão de desconstituição da personalidade jurídica é medida secundária que se limita a estender a


responsabilidade trabalhista aos sócios e/ou a outras empresas do grupo. Assim, eventual acerto ou
desacerto dessa decisão deve ser impugnado na via recursal própria, pois o conflito de competência não
se presta a essa função.
Com efeito, no processo trabalhista em questão, não há decisão de efetiva constrição sobre bens da
empresa em recuperação judicial, o que, em tese, atrairia a incidência das Súmulas 480 e 581 do STJ:
Súmula 480-STJ: O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens
não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa.

Súmula 581-STJ: A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e
execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial,
real ou fidejussória.

No mesmo sentido:
Não caracteriza conflito de competência a determinação feita pelo Juízo do Trabalho de instauração de
incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa em recuperação judicial ou falida,
direcionando os atos de execução provisória para os sócios da suscitante. Isso porque, em princípio, salvo
decisão do Juízo universal em sentido contrário, os bens dos sócios ou de outras sociedades do mesmo
grupo econômico da devedora não estão sujeitos à recuperação judicial ou à falência.
STJ. 2ª Seção. AgInt nos EDcl no CC 172.193/MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 30/3/2021.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 47


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Aliás, vale lembrar ainda que em nenhum momento a Lei de Falências retira de outros juízos a
possibilidade de instauração de incidentes de desconsideração da personalidade jurídica ou de
reconhecimento da existência de grupo econômico.
Não bastasse isso, registre-se que o STJ tem decidido que, após as alterações promovidas pela Lei nº
14.112/2020, em especial quanto ao princípio da cooperação, não se configura mais conflito de
competência quando a decisão já determinou a constrição judicial sobre o patrimônio da empresa em
recuperação (CC 181.190/AC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em
30/11/2021, DJe 7/12/2021), cabendo ao juízo da recuperação exercer o controle sobre o ato constritivo
e, para tanto, valer-se, se necessário, da cooperação judicial prevista no art. 69 do CPC. Referido
precedente, embora trate de execução fiscal, é plenamente adequado ao aqui exposto, especialmente por
trazer, de forma didática, a mudança na jurisprudência introduzida pela nova lei.

FALÊNCIA
A certidão expedida em feito executivo, na forma do art. 94, § 4º, da Lei 11.101/2005 enseja a
presunção legal da insolvência do devedor e não cabe exigir do credor a prova dessa
circunstância fático-jurídica
ODS 16

O art. 94, II, § 4º, da Lei nº 11.101/2005 prevê que:


Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: (...)
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora
bens suficientes dentro do prazo legal; (...)
§ 4º Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com
certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.
A certidão expedida na forma prevista no referido dispositivo legal enseja a presunção legal
da insolvência do devedor, sendo descabido exigir do credor a prova dessa circunstância
fático-jurídica.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.681.533-GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
24/4/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

Quem pode requerer a falência do empresário ou da sociedade empresária?


A pessoa que requer a falência é chamada de “sujeito ativo” da falência (deve-se lembrar que a falência
acarreta um processo judicial).
Segundo o art. 97 da Lei nº 11.101/2005, podem requerer a falência do devedor:

I — o próprio devedor;
(Obs.: é a chamada autofalência.)

II — o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante;


(Obs.: ocorre no caso de empresário individual que morre e os seus herdeiros percebem que o falecido
estava em situação de insolvência, razão pela qual optam por requerer a falência.)

III — o cotista ou o acionista do devedor;


(Obs.: ocorre quando o sócio da sociedade empresária (seja ele cotista ou acionista) entende que a
empresa está insolvente e que o único caminho é a falência.)

IV — qualquer credor.
(Obs.: é a hipótese que ocorre em 99% dos casos.)

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 48


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Hipóteses nas quais pode ser requerida a falência:


O art. 94 prevê que a falência poderá ser requerida em três hipóteses.
I — Impontualidade injustificada
Quando o devedor, sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 salários-
mínimos na data do pedido de falência.
Adotou-se, neste inciso, o critério da impontualidade injustificada.

II — Execução frustrada
Quando o devedor é executado por qualquer quantia líquida, mas não paga, não deposita e não nomeia à
penhora bens suficientes dentro do prazo legal.
A lei presume que o devedor, ao adotar esse comportamento na execução contra si proposta, demonstra
estar insolvente. Para o legislador, o devedor praticou um “ato de falência”, ou seja, um ato de quem está
em falência. Adotou-se, neste inciso, o chamado critério da enumeração legal.

III — Atos de falência


Quando o devedor pratica uma série de atos listados nas alíneas do inciso III do art. 94 da Lei nº
11.101/2005.
Aqui, a lei também presumiu que o devedor está falido pelo fato de ter praticado algum dos
comportamentos descritos na lei. Assim, também se adotou neste inciso o chamado critério da
enumeração legal.

Insolvência jurídica X insolvência econômica


No pedido de falência é desnecessário que o requerente demonstre a insolvência econômica do devedor.
Se ele não pagou a dívida e esta se enquadra na descrição dos incisos do art. 94, é possível fazer o pedido
de falência independentemente da condição econômica real do empresário.
O pressuposto para a instauração de processo de falência é a insolvência jurídica, que é caracterizada a partir
de situações objetivamente apontadas pelo ordenamento jurídico no art. 94 da Lei nº 11.101/2005: a
impontualidade injustificada (inciso I), execução frustrada (inciso II) e a prática de atos de falência (inciso III).
A insolvência que autoriza a decretação de falência é presumida, uma vez que a lei presume que o
empresário individual ou a sociedade empresária que se encontram em uma das situações apontadas pela
norma estão em estado pré-falimentar.
É bem por isso que se mostra possível a decretação de falência independentemente de comprovação da
insolvência econômica, ou mesmo depois de demonstrado que o patrimônio do devedor supera o valor
de suas dívidas.
Verifica-se, assim, que a falência é diferente da chamada insolvência civil. O pressuposto da insolvência
civil é a insolvência econômica (art. 748 do CPC), o que não se exige no caso da falência.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.433.652-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/9/2014 (Info 550).

Feita essa revisão, imagine a seguinte situação hipotética:


A empresa Alfa ingressou com execução de título extrajudicial contra a empresa Beta cobrando R$ 5
milhões, processo que tramita na 4ª Vara Cível.
Citada, a executada não pagou o débito nem ofereceu bens à penhora. Apesar de terem sido feitas
diversas diligências, também não foram encontrados bens passíveis de constrição.
Diante disso, a credora requereu, na Secretaria da 4ª Vara Cível, que fosse expedida certidão atestando
que ali tramita uma execução por quantia líquida, não paga, e na qual não houve depósito nem
oferecimento de bens à penhora.
A certidão foi expedida.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 49


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De posse dessa certidão, a credora, com fundamento no art. 94, II c/c art. 97, IV, da Lei nº 11.101/2005,
formulou pedido de falência da empresa Beta.
O pedido de falência foi distribuído para a 1ª Vara de Falências.
Citada, a empresa Beta contestou o pedido.
Alegou, entre outros fundamentos, que não seria possível a formulação de pedido de falência na
pendência de ação executiva, pois, no seu entender, não se admitiria a coexistência de execução singular
e execução coletiva com base no mesmo título e contra o mesmo devedor. Em outras palavras, o credor
deveria optar por uma ou por outra. Se optar pela falência, deve comprovar que desistiu da execução
mediante apresentação de sentença prolatada pelo juízo competente.
Em outra frente, afirmou que o princípio da preservação da empresa não permite que o pedido de falência
seja utilizado como mero instrumento de coação para a cobrança de dívidas. Como fundamento dessa
alegação, sustentou que o credor não se desincumbiu de demonstrar a existência de outros credores, nem
do alegado estado de insolvência da empresa.

Sentença extinguindo a execução


Em seguida, foi prolatada sentença julgando extinto o pedido de decretação de falência, sem resolução
de mérito.
De acordo com a sentença, o processo falimentar visa, precipuamente, a exclusão da empresa em
dificuldade do mundo dos negócios, a fim de preservar a credibilidade do mercado, por meio da liquidação
da empresa em estado de insolvência irreversível.
Todavia, no caso concreto, estaria claro que a real intenção do credor não era instaurar uma execução
coletiva, mas sim de utilizar o instituto da falência como instrumento de coação para pagamento da dívida
inadimplida.
Para o juiz, a credora deveria ter provado a insolvência da devedora, não sendo, para isso, suficiente juntar
a certidão mencionada no art. 94, § 4º, da Lei nº 11.101/2005.

Para o STJ, agiu corretamente o magistrado?


NÃO.
O pedido falimentar inicial estava amparado em certidão expedida pelo juízo que processa a execução de
título extrajudicial, na qual não houve pagamento, depósito ou nomeação de bens suficientes para
garantia do juízo. A hipótese, portanto, subsume-se, de modo preciso, ao comando normativo do art. 94,
II, e § 4º, da LFRJ:
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
(...)
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens
suficientes dentro do prazo legal;
(...)
§ 4º Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com certidão
expedida pelo juízo em que se processa a execução.

Segundo a jurisprudência do STJ, a certidão expedida na forma prevista no referido dispositivo legal (art.
94, II e § 4º) enseja a presunção legal da insolvência do devedor, sendo descabido exigir do credor a prova
dessa circunstância fático-jurídica.
Portando, a conclusão da sentença diverge do entendimento consolidado do STJ.
Em suma:
A certidão expedida em feito executivo, na forma do art. 94, II, § 4º, da Lei nº 11.101/2005 enseja a presunção
legal da insolvência do devedor e não cabe exigir do credor a prova dessa circunstância fático-jurídica.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.681.533-GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 24/4/2023
(Info 12 – Edição Extraordinária).

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 50


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RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A Assembleia Geral de Credores pode estabelecer um novo limite para atualização dos créditos,
desde que conste de forma expressa no plano de soerguimento
ODS 16

Em regra, a atualização do crédito habilitado no plano de soerguimento, mediante incidência


de juros de mora e correção monetária, é limitada à data do pedido de recuperação judicial.
Tal compreensão está amparada na norma expressa do art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005.
Contudo, é perfeitamente possível que o plano de soerguimento estabeleça, em relação à
atualização dos créditos, norma diversa daquela prevista no art. 9º, II, da referida lei,
sobretudo pelo caráter contratual da recuperação judicial, tanto que o respectivo plano
implica novação da dívida, podendo o devedor e o credor renegociar o crédito livremente.
O referido dispositivo legal estabelece um parâmetro mínimo para atualização dos créditos
que serão habilitados no plano, isto é, a data da decretação da falência ou do pedido de
recuperação judicial.
A Assembleia Geral de Credores, portanto, tem liberdade para estabelecer um novo limite de
atualização dos créditos desde que seja para beneficiar os credores, não podendo fixar uma
data anterior ao pedido de recuperação judicial. Nesse ponto, o art. 9º, II, da Lei nº
11.101/2005 é norma cogente, pois estabelece uma proteção mínima aos credores no tocante
à atualização dos valores devidos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.936.385-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 7/3/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Recuperação judicial
A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a
superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e,
com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores.
A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado
um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência.

Fases da recuperação
De forma resumida, a recuperação judicial possui 3 fases:
a) Postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento;
b) Processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva;
c) Execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial.

Habilitação dos créditos


Depois que a recuperação judicial é decretada ocorre a habilitação dos créditos que deverão ser pagos
pela empresa recuperanda.
Assim, as pessoas que tiverem créditos para receber da empresa em recuperação deverão apresentá-los
ao administrador judicial, na forma do art. 9º da Lei nº 11.101/2005.
A verificação dos créditos será realizada, então, primeiro pelo administrador judicial, com base nos livros
contábeis e nos documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem
apresentados pelos credores. A partir desse trabalho inicial, confecciona-se um edital cujo teor pode ser
alterado por novas habilitações ou divergências quanto aos créditos ali relacionados.

Valor do crédito atualizado


O credor deverá apresentar ao administrador judicial da recuperação judicial o valor do seu crédito,
atualizado com juros e correção monetária, nos termos do art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005:

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 51


Informativo
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Art. 9º A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º, § 1º, desta Lei deverá
conter:
(...)
II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação
judicial, sua origem e classificação;

Vale ressaltar que o termo final da incidência dos juros e correção monetária é a data do pedido de
recuperação judicial. Isso significa dizer que todos os créditos serão necessariamente atualizados até a
data do pedido de recuperação judicial. A partir de então, poderá o plano deliberar modificação das
condições originalmente contratadas, impedindo a fluência de juros e correção monetária após o
requerimento de recuperação judicial.

Feita essa revisão, imagine a seguinte situação adaptada:


A UNIALCO S.A é uma sociedade anônima de capital fechado, que atua na produção de derivados da cana
de açúcar (usina de cana de açúcar).
Em 13/11/2015, passando por dificuldades financeiras, a UNIALCO formulou pedido de recuperação
judicial.
Na ocasião, os credores aprovaram um plano de recuperação judicial que dizia o seguinte:
8. PAGAMENTO DOS CREDORES TRABALHISTAS (CLASSE I)
8.1. O valor do pagamento dos créditos trabalhistas deve obedecer ao valor indicado nas certidões
emitidas pelos juízos trabalhistas.
(...)
Correção monetária: os créditos trabalhistas serão corrigidos monetária e mensalmente pelo IGPM-FGV.

Um dos credores dessa empresa é João, que detinha crédito trabalhista definitivamente constituído em
10/04/2018 (após o deferimento do pedido de RJ), no valor de R$8.140,19.
De posse da certidão expedida pela Justiça do Trabalho, João requereu a habilitação de seu crédito na
recuperação judicial.
O pedido foi submetido a perícia contábil, que apurou que o montante a ser habilitado seria R$11.976,53,
que correspondia ao valor indicado na certidão emitida pelo juízo trabalhista (Cláusula 8.1, do plano)
devidamente corrigido.
Vale ressaltar que o perito levou em consideração o dia 10/04/2018 como sendo a data final de correção
monetária.
A UNIALCO discordou dessa perícia. No seu entender, as cláusulas do plano deveriam ser interpretadas na
forma do art. 9º, II, da Lei 11.101/2005, ou seja, o crédito a ser habilitado seria aquele atualizado até a
data do pedido de recuperação judicial, que era 13/11/2015.
Vamos entender com calma.

Primeira pergunta: a previsão do art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005 consiste em norma de caráter cogente,
a impedir a adoção de outra forma de atualização do crédito, ou é possível que o plano de soerguimento
estabeleça um novo critério de atualização?
A Assembleia Geral de Credores pode estabelecer um novo limite para atualização dos créditos, desde
que conste de forma expressa no plano de soerguimento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.936.385-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 7/3/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

Em regra, a atualização do crédito habilitado no plano de soerguimento, mediante incidência de juros de


mora e correção monetária, é limitada à data do pedido de recuperação judicial.
Tal compreensão está amparada na norma expressa do art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 52


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Contudo, é perfeitamente possível que o plano de soerguimento estabeleça, em relação à atualização dos
créditos, norma diversa daquela prevista no art. 9º, II, da referida lei, sobretudo pelo caráter contratual
da recuperação judicial, tanto que o respectivo plano implica novação da dívida, podendo o devedor e o
credor renegociar o crédito livremente.
O referido dispositivo legal estabelece um parâmetro mínimo para atualização dos créditos que serão
habilitados no plano, isto é, a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial.
A Assembleia Geral de Credores, portanto, tem liberdade para estabelecer um novo limite de atualização
dos créditos desde que seja para beneficiar os credores, não podendo fixar uma data anterior ao pedido
de recuperação judicial. Nesse ponto, o art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005 é norma cogente, pois estabelece
uma proteção mínima aos credores no tocante à atualização dos valores devidos.

No caso concreto, quem tem razão: João ou a UNIALCO?


A UNIALCO. Isso porque essa cláusula sobre correção monetária não afastou expressamente a regra do
art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005.
A cláusula do plano de soerguimento que eventualmente afaste a regra prevista no referido dispositivo
legal, estabelecendo, por exemplo, que a atualização do valor do crédito ocorrerá em momento posterior
à data do pedido de recuperação judicial, deve ser expressa. Isso porque, no silêncio do plano de
recuperação judicial, valerá a regra disposta no mencionado artigo.
No caso, considerando que a cláusula do plano de recuperação judicial da recorrente não afastou
expressamente a regra do inciso II do art. 9º da Lei de Recuperações Judiciais e Falências, pois apenas
estabeleceu que os credores trabalhistas (classe I) terão seus créditos habilitados pelo valor da certidão
laboral obtida nos juízos trabalhistas, conforme reconhecido em decisão transitada em julgado, sem dizer
absolutamente nada acerca da data-limite de atualização dos respectivos valores, deverá prevalecer o
disposto na norma legal.
Assim, não havendo disposição expressa no plano de recuperação judicial que estabeleça uma data
diferente daquela prevista no art. 9º, inciso II, da Lei n. 11.101/2005 para atualização dos créditos
trabalhistas, não se pode presumir que a norma legal fora afastada apenas por ter sido acordado que o
valor de pagamento dos créditos deverá obedecer ao que ficou determinado na sentença trabalhista.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL
O que acontece com a execução de título executivo extrajudicial ajuizada pelo credor contra a
empresa em recuperação e os coobrigados na hipótese em que o titular do crédito concorda
com a cláusula de supressão das garantias inserta no plano de recuperação?
ODS 16

A cláusula que prevê a supressão das garantias somente é eficaz em relação ao credor titular
da garantia que com ela concordar expressamente, o que ocorreu no caso em análise.
No que respeita à sociedade em recuperação judicial, com a aprovação do plano e a
consequente novação dos créditos, a execução contra ela ajuizada deve ser extinta.
No que tange aos coobrigados, a execução deverá ficar suspensa.
No caso de descumprimento do plano dentro do prazo de fiscalização judicial, o credor poderá
requerer a convolação da recuperação judicial em falência. Os credores terão seus direitos e
garantias reconstituídos nas condições originalmente contratadas, de modo que a execução
contra os coobrigados, antes suspensa, poderá prosseguir.
No caso de o descumprimento do plano se dar após o prazo de fiscalização judicial, a novação
torna-se definitiva, cabendo ao credor requerer a execução específica do plano (título
executivo judicial) ou pedir a falência do devedor, situação em que a execução contra o
coobrigado deve ser extinta.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 53


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STJ. 3ª Turma. REsp 1.899.107-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/4/2023 (Info
12 – Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação adaptada:


A empresa GRECA era credora da empresa SULTEPA, em decorrência de um “contrato de confissão de
dívida” datado de 25/02/2013 no valor total de R$2 milhões, a ser pago em 60 parcelas.
O crédito era garantido por RONALDO e RICARDO.
Como o débito não foi pago nas datas avençadas, a credora ajuizou execução por título extrajudicial em
face da SULTEPA e dos coobrigados.
A execução foi distribuída à 2ª Vara Cível de Araucária/PR.
Durante o curso dessa execução, a SULTEPA ingressou com pedido de recuperação judicial em Porto
Alegre/RS.
O processamento da recuperação judicial foi deferido e o plano de recuperação devidamente aprovado
pelos credores (inclusive a exequente) e homologado em 14/11/2016.
Mencionado plano previa, em sua cláusula 7.3, a exoneração da responsabilidade de todos os terceiros
coobrigados pelas garantias prestadas em favor da recuperanda. A cláusula foi assim redigida:
7. A partir do exposto conclui-se que a aprovação do Plano e a consequente concessão do estado
recuperacional gerará os seguintes efeitos: (...)
7.2. Novação de todas as dívidas e obrigações abarcadas pelo presente Plano, liberando os coobrigados,
bem como a extinção de todas as garantias prestadas pelas recuperandas e/ou terceiros;
7.3. A extinção de todas as ações e execuções movidas em desfavor das empresas do GRUPO SULTEPA,
seus controladores, suas controladas, coligadas, afiliadas e outras sociedade pertencentes ao mesmo
grupo societário ou econômico, seus fiadores, avalistas e garantidores, isentando as recuperandas e os
seus sócios de toda e qualquer obrigação relacionada a tal dívida aqui abrangida e paga, gerando, assim,
a quitação ampla e geral, bem como acarretando a liberação de toda e qualquer penhora e constrições
existentes;

Com fundamento nesse plano de recuperação, a SULTEPA e os coobrigados RONALDO e RICARDO


peticionaram na execução por título extrajudicial postulando a extinção do processo (execução).
O juiz, contudo, não concordou com o pedido de extinção.
O magistrado acolheu em parte o pedido da SULTEPA apenas para suspender a execução em relação à
recuperanda, determinando o prosseguimento do feito em relação aos demais coobrigados.

Agravo de instrumento interposto pela SULTEPA (sociedade em recuperação), RONALDO e RICARDO


(coobrigados)
Os executados (SULTEPA, RONALDO e RICARDO) não concordaram e interpuseram agravo de instrumento.
Alegaram, em síntese, que a decisão agravada representa violação ao plano de recuperação aprovado, de
forma a quebrar a ordem de pagamentos estabelecidas no cronograma aprovado pela vontade da maioria
dos credores. Além disso, como o crédito está arrolado na recuperação judicial, não se verifica interesse
processual no prosseguimento da execução, mesmo porque essa duplicidade de procedimentos
acarretaria privilégio indevido em relação aos demais credores, além de possibilitar o pagamento em
duplicidade.
Ressaltou que, como há previsão expressa no plano da desoneração dos coobrigados, não incidiria no caso
a tese firmada no Tema 885 do STJ:
A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz
suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral,
por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput,
e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos
da Lei n. 11.101/2005.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 54


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STJ. 2ª Seção. REsp 1.333.349/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/11/2014 (recurso repetitivo
– Tema 885.

TJ deu parcial provimento apenas para suspender a execução


O TJ/PR deu parcial provimento ao agravo para determinar a suspensão da execução em relação a todos
os executados/agravantes, a fim de resguardar o cumprimento do plano de recuperação.
Segundo o acórdão, é certo que, a princípio, a recuperação judicial da empresa devedora principal não
deveria afetar o feito executivo promovido em face dos coobrigados do título de crédito, nos termos do
art. 49 §1º da Lei de Falências e Recuperação Judicial, entretanto, no caso dos autos, existe previsão
expressa de que haveria a liberação dos terceiros garantidores a quaisquer títulos.

Recurso especial
Os executados (SULTEPA, RONALDO e RICARDO) interpuseram recurso especial alegando que a pretensão
seria a de extinguir a execução, na forma do art. 59, da Lei nº 11.101/2005, e não suspender a execução,
como determinado no acórdão.
Pediram, portanto, a extinção da execução.

O que decidiu o STJ?


O STJ deu parcial provimento ao recurso especial para determinar a extinção da execução somente em
relação à SULTEPA (sociedade em recuperação judicial).
A cláusula que prevê a supressão das garantias somente é eficaz em relação ao credor titular da garantia
que com ela concordar expressamente.
No caso concreto, a credora (GRECA) concordou com o plano, sem ressalvas, de modo que a cláusula
liberatória tem eficácia em relação a ela.

Em relação à empresa recuperanda (SULTEPA):


Com a aprovação do plano e a consequente novação dos créditos, a execução contra ela ajuizada deve ser
extinta, pois não será possível prosseguir, já que o descumprimento do plano acarretará a convolação da
recuperação em falência (no prazo de fiscalização judicial), a execução específica do plano ou a decretação
da quebra com fundamento no art. 94, III, “g”, da LREF (decorrido o prazo de fiscalização judicial).
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
(...)
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
(...)
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

Em relação aos coobrigados (RONALDO e RICARDO):


Na hipótese de aprovação do plano de recuperação judicial, os créditos serão novados, com a constituição
de título executivo judicial (art. 59, § 1º, da Lei nº 11.101/2005):
Art. 59 (...)
§ 1º A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo judicial (...)

A partir daí, existem três cenários possíveis:


1) o cumprimento do plano;
2) o descumprimento do plano dentro do prazo de fiscalização judicial; ou
3) o descumprimento do plano após o prazo de fiscalização judicial.

Situação 1

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 55


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Na hipótese de cumprimento do plano de recuperação judicial, o débito estará pago e, portanto, os


coobrigados estarão desonerados, já que o credor concordou com a supressão das garantias.

Situação 2
No caso de descumprimento do plano dentro do prazo de fiscalização judicial, o credor poderá requerer a
convolação da recuperação judicial em falência, nos termos dos arts. 61, § 1º, e 73, IV, da LREF e os
credores terão seus direitos e garantias reconstituídos nas condições originalmente contratadas (art. 61,
§ 2º, da LREF). Em outras palavras, a novação será revertida:

Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o juiz poderá determinar a manutenção
do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no
plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial,
independentemente do eventual período de carência.
§ 1º Durante o período estabelecido no caput deste artigo, o descumprimento de qualquer
obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nos termos do
art. 73 desta Lei.
§ 2º Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições
originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos
validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.

Assim, o credor vai se habilitar na falência pelo valor original do crédito e nada obsta que prossiga na
execução contra os coobrigados, com base no título executivo que teve suas garantias restabelecidas,
ainda que originalmente tenha aderido à cláusula de supressão. Ficam ressalvadas, porém, as hipóteses
em que o bem dado em garantia foi alienado ou substituído.

No caso de descumprimento do plano dentro do prazo de fiscalização judicial, o credor vai se habilitar
na falência pelo valor original do crédito e nada obsta que prossiga na execução contra os coobrigados,
com base no título executivo que teve suas garantias restabelecidas, ainda que originalmente tenha
aderido à cláusula de supressão.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.899.107-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/4/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Situação 3
Já no caso de o descumprimento do plano se dar após o prazo de fiscalização judicial, a novação torna-se
definitiva, nos termos do art. 62 da Lei nº 11.101/2005, cabendo ao credor requerer a execução específica
do plano (título executivo judicial) ou a falência com base no art. 94, III, “g”, da Lei nº 11.101/2005.
Art. 62. Após o período previsto no art. 61 desta Lei, no caso de descumprimento de qualquer
obrigação prevista no plano de recuperação judicial, qualquer credor poderá requerer a execução
específica ou a falência com base no art. 94 desta Lei.

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:


(...)
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
(...)
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

Nessa situação, a princípio, não será mais possível a execução dos coobrigados diante da consolidação da
novação.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 56


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Conclusão
Nesse contexto, a execução deve ser extinta somente em relação à recuperanda e permanecer suspensa
em relação aos coobrigados até o final do período de fiscalização judicial.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA
Compete à 1ª ou a 2ª Turma do STJ julgar recurso especial discutindo
a indenização do art. 59, I, da Lei 8.630/93 (atualmente revogada)

Baixa relevância para concursos


ODS 16

Compete às Turmas integrantes da Primeira Seção do STJ julgar recursos que tenham por
objeto a indenização do art. 59, I, da Lei nº 8.630/93, decorrente do cancelamento da inscrição
profissional dos trabalhadores portuários avulsos, desvinculados do sistema pela Lei de
Modernização dos Portos.
STJ. Corte Especial. CC 179.005-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/2/2023 (Info 12
– Edição Extraordinária).

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:


O trabalhador portuário avulso deve ser cadastrado em um órgão gestor de mão de obra (OGMO), que
fará a intermediação desse trabalhador avulso com as empresas contratantes (atualmente regida pelo art.
32, da Lei nº 12.815/2013).
Até 2013, esse registro era disciplinado pela revogada Lei nº 8.630/93 (também chamada de “Leis dos
Portos”). Mencionada lei previa, em seu art. 59, I, uma espécie de indenização como compensação pelo
cancelamento do registro profissional do trabalhador portuário avulso:
Art. 59. É assegurada aos trabalhadores portuários avulsos que requeiram o cancelamento do
registro nos termos do artigo anterior:
I - indenização correspondente a Cr$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de cruzeiros), a ser paga
de acordo com as disponibilidades do fundo previsto no art. 64 desta lei;
(...)

Mencionado dispositivo legal previa, ainda, que essa indenização seria paga com recursos do Fundo de
Indenização do Trabalhador Portuário – FIFT.
Durante a vigência dessa lei, João laborou como trabalhador avulso, porém o OGMO não reconheceu
formalmente vínculo.
Em razão disso, esse trabalhador ingressou com reclamação trabalhista, que foi julgada procedente, sendo
o vínculo judicialmente reconhecido.
Acontece que, apesar do reconhecimento desse vínculo, o trabalhador não recebeu a indenização prevista
no art. 59, I, da Lei nº 8.630/93.
Em razão disso, João ingressou com uma ação de indenização contra o Banco do Brasil (gestor do fundo)
visando o recebimento da indenização.
Essa ação foi proposta na Justiça estadual.
O pedido foi julgado procedente, condenando o Banco do Brasil no pagamento da indenização.
O Banco do Brasil não concordou e interpôs apelação, mas o TJ manteve a sentença.
Inconformado, o Banco do Brasil interpôs recurso especial.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 57


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Entre outros fundamentos, alegou que seria mero gestor do fundo (FITP) e que tinha por função, além da
gestão, efetuar os pagamentos de acordo com as disponibilidades do fundo.
Como o fundo não dispõe mais de recursos, o Banco do Brasil estaria impossibilitado de realizar o
pagamento, não se podendo exigir que o pagamento seja feito com recursos próprios do banco.
Por esse motivo, a sentença estaria em contrariedade com o que dispõe a parte final do art. 59, I, da Lei
8.630/93.

Qual órgão do STJ será competente para julgar esse recurso especial?
Uma das Turmas integrantes da 1ª Seção, ou seja, a 1ª ou a 2ª Turma.
Compete às Turmas integrantes da Primeira Seção do STJ julgar recursos que tenham por objeto a
indenização do art. 59, I, da Lei n. 8.630/1993, decorrente do cancelamento da inscrição profissional dos
trabalhadores portuários avulsos, desvinculados do sistema pela Lei de Modernização dos Portos.
STJ. Corte Especial. CC 179.005-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/2/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

A Lei nº 8.630/93, revogada pela Lei nº 12.815/2013, dispunha sobre o regime jurídico da exploração dos
portos organizados e das instalações portuárias, tendo criado o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) e
criou o Fundo de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso (FITP), de natureza contábil, para prover
recursos para indenização pelo cancelamento do registro do trabalhador portuário avulso", atribuído a
sua gestão ao Banco do Brasil S.A.
A indenização prevista no art. 59, I, da Lei nº 8.630/93 tem origem no cancelamento da inscrição
profissional dos trabalhadores portuários avulsos no Órgão Gestor de Mão de Obra, no contexto da
mudança de regime jurídico decorrente da Lei de Modernização dos Portos.
Não há dúvida de que o pagamento da indenização pleiteada pelo autor e gerida pelo Banco do Brasil S.A.,
na qualidade de gestor do Fundo de Indenização do Trabalhador Portuário - FITP, depende da
comprovação do cancelamento da inscrição profissional do trabalhador portuário avulso.
Nesse contexto, considerando que a relação jurídica litigiosa vincula-se à inscrição/cancelamento de
registro profissional, nos termos do art. 9º, § 1º, IV, do RISTJ, resta configurada a competência das Turmas
de Direito Público, integrantes da Primeira Seção do STJ, para julgamento do recurso em que se discute a
indenização prevista no art. 59, I, da Lei nº 8.630/93, independentemente de que entes públicos integrem
ou não o polo passivo da demanda.

CITAÇÃO POR EDITAL


A prévia expedição de ofício às concessionárias de serviços públicos, para
fins de localização do réu, antes de se autorizar a citação por edital, é facultativa
ODS 16

O § 3º do art. 256 do CPC prevê o seguinte: “§ 3º O réu será considerado em local ignorado ou
incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo
juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de
concessionárias de serviços públicos.”
O referido dispositivo legal deve ser interpretado no sentido de que o Juízo tem o dever de
buscar todos os meios possíveis de localização do réu, para se proceder à respectiva citação
pessoal, devendo requisitar informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos
ou de concessionárias de serviços públicos, antes de determinar a citação por edital.
No entanto, a requisição de informações às concessionárias de serviços públicos consiste em
uma alternativa dada ao Juízo, e não uma imposição legal, não se podendo olvidar que a
análise, para verificar se houve ou não o esgotamento de todas as possibilidades de localização

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 58


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do réu, a fim de viabilizar a citação por edital, deve ser casuística, observando-se as
particularidades do caso concreto.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.971.968-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/6/2023 (Info 12
– Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A empresa Alfa ajuizou execução de título extrajudicial contra João.
O executado não foi localizado para ser citado pessoalmente.
O oficial de justiça fez diversas diligências para tentar encontrar João, em endereços diversos, mas não
teve êxito.
O executado foi procurado em 7 endereços distintos, devendo ser ressaltado ainda que houve a consulta
do endereço do réu nos sistemas informatizados à disposição do Juízo que acessam cadastros de órgãos
públicos. Mesmo assim, ele não foi encontrado em nenhum desses endereços.
A exequente requereu, então, a citação por edital, nos termos do art. 256 do CPC:
Art. 256. A citação por edital será feita:
I - quando desconhecido ou incerto o citando;
II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando;
III - nos casos expressos em lei.

O juiz, contudo, leu o § 3º do art. 256 do CPC e ficou com uma dúvida. Vamos primeiro verificar o que diz
esse dispositivo:
Art. 256 (...)
§ 3º O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua
localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos
cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.

O magistrado pensou: antes de determinar a citação por edital, é obrigatório que eu expeça ofício às
concessionárias de serviços públicos para tentar localizar o réu? Se eu determinar a citação por edital
antes de adotar essa providência, haverá nulidade?
A resposta é não.
O § 3º do art. 256 do CPC deve ser interpretado no sentido de que o juízo tem o dever de buscar todos os
meios possíveis de localização do réu, para se proceder à respectiva citação pessoal, devendo requisitar
informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços
públicos, antes de determinar a citação por edital.
No entanto, a requisição de informações às concessionárias de serviços públicos consiste em uma
alternativa dada ao Juízo, e não uma imposição legal. Assim, a providência do § 3º do art. 256 do CPC não
é sempre obrigatória, devendo-se analisar, com base nas peculiaridades do caso concreto, se houve ou
não o esgotamento de todas as possibilidades de localização do réu, a fim de viabilizar a citação por edital.
No caso concreto, antes de deferir a citação por edital da parte executada, o Juízo de origem diligenciou
perante 7 endereços distintos. Houve a consulta do endereço do réu nos sistemas informatizados à
disposição do Juízo que acessam cadastros de órgãos públicos. Mesmo assim, ele não foi localizado.
Logo, embora não tenha havido requisição de informações às concessionárias de serviços públicos, houve
a pesquisa de endereços nos cadastros de órgãos públicos, por meio dos sistemas informatizados à
disposição do Juízo (Bacen Jud, Renajud, Infojud e Siel), como determina o § 3º do art. 256 do CPC/2015,
não havendo que se falar, portanto, em nulidade da citação por edital.

Em suma:
A prévia expedição de ofício às concessionárias de serviços públicos, para fins de localização do réu,
antes de se autorizar a citação por edital, é facultativa.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 59


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STJ. 3ª Turma. REsp 1.971.968-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

LITISCONSÓRCIO
O juiz, ao reconhecer a ilegitimidade ad causam de um dos litisconsortes passivos e excluí-lo da
lide, deverá fixar os honorários com base no art. 338, parágrafo único, do CPC

Assunto já apreciado no Info 760-STJ


ODS 16

O arbitramento de honorários advocatícios em caso de exclusão de litisconsorte, ainda no


início do trâmite processual, sem qualquer oposição do autor, deve observar a regra do art.
338, parágrafo único, do CPC/2015:
Art. 338. Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo
prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial
para substituição do réu. Parágrafo único. Realizada a substituição, o autor reembolsará as
despesas e pagará os honorários ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três
e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, § 8º.
STJ. 3ª Turma. REsp 1935852-GO, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/10/2022
(Info 760).

O juiz, ao reconhecer a ilegitimidade ad causam de um dos litisconsortes passivos e excluí-lo


da lide, pode fixar os honorários advocatícios entre 3 e 5% do valor atualizado da causa, nos
termos do art. 338, parágrafo único, do CPC.
STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.902.149-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado
em 3/4/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João ajuizou ação contra Pedro e Tiago.
O valor da causa era de R$ 1 milhão.
Os réus apresentaram contestação. Tiago arguiu a sua ilegitimidade passiva.
João concordou com o argumento da ilegitimidade e, em razão disso, o juiz proferiu decisão interlocutória
excluindo Tiago da lide e determinando o prosseguimento do feito contra Pedro.

O autor (João) terá que pagar honorários advocatícios de sucumbência ao litisconsorte excluído (Tiago)?
SIM.
Diante disso, o juiz, na mesma decisão, condenou o autor ao pagamento das custas por ela despendidas,
além de honorários advocatícios fixados em 3% sobre o valor da execução, com fundamento no art. 338,
parágrafo único, do CPC:
Art. 338. Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo
invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial para
substituição do réu.
Parágrafo único. Realizada a substituição, o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários
ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa
ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, § 8º.

Assim, o juiz condenou João a pagar honorários advocatícios de R$ 30 mil (3% de R$ 1 milhão).

Recurso de Tiago

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 60


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Tiago recorreu pedindo o aumento do percentual sob o argumento de que o art. 85, § 2º do CPC impõe
10% como o mínimo que pode ser fixado:
Art. 85 (...)
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o
valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o
valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Logo, a decisão do magistrado teria sido ilegal.

O STJ acolheu o argumento de Tiago?


NÃO.
A regra do § 2º do art. 85 do CPC/2015 determina que os honorários advocatícios sejam fixados entre o
mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não
sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
Já a disposição do § 8º do referido dispositivo legal prescreve que, nas causas em que for inestimável ou
irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos
honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
A 2ª Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.746.072/PR, decidiu que os honorários advocatícios de
sucumbência devem ser fixados, via de regra, sobre o valor do proveito econômico obtido ou, não sendo
possível quantificar o proveito econômico do vencedor da demanda, sobre o valor atualizado da causa:
Os honorários advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma subsidiária, ou seja:
• quando não for possível o arbitramento pela regra geral; ou
• quando for inestimável ou irrisório o valor da causa.
Assim, o juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios somente pode ser utilizado de forma
subsidiária, quando não presente qualquer hipótese prevista no § 2º do art. 85 do CPC.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.746.072-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em
13/02/2019 (Info 645).

Assim, no caso concreto, não se deve aplicar o § 8º do art. 85 do CPC.


Contudo, no caso em exame, trata-se de fixação de honorários em caso de exclusão de litisconsorte, ainda
no início do processo, sem que houvesse oposição do autor, situação na qual o magistrado não está
obrigado a fixar honorários sucumbenciais mínimos de 10% do valor da causa, consoante julgado recente
da 3a Turma do STJ:
O art. 85, § 2º, do CPC, ao fixar honorários advocatícios mínimos de 10% sobre o valor da causa, teve em
vista as decisões judiciais que apreciassem a causa por completo. Decisões que, com ou sem julgamento
de mérito, abrangessem a totalidade das questões submetidas a juízo.
Assim, nas hipóteses de julgamento parcial, como ocorre na decisão que exclui um dos litisconsortes
passivos sem por fim a demanda, os honorários devem observar proporcionalmente a matéria
efetivamente apreciada.
Nesse sentido é o Enunciado nº 5 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: Ao proferir decisão parcial
de mérito ou decisão parcial fundada no art. 485 do CPC, condenar-se-á proporcionalmente o vencido a
pagar honorários ao advogado do vencedor, nos termos do art. 85 do CPC.
Desse modo, os honorários advocatícios sucumbenciais, nos casos de decisões parciais de mérito, devem
observar a parcela da pretensão decidida antecipadamente.
STJ. 3ª Turma. REsp 1760538-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 24/05/2022 (Info 738).

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 61


Informativo
comentado

O STJ entendeu que, neste caso, a verba de honorários deve ser fixada consoante o contido no art. 338 do
CPC, situação semelhante à de substituição do réu prevista no artigo.
Art. 338. Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo
invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial para
substituição do réu.
Parágrafo único. Realizada a substituição, o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários
ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa
ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, § 8º .

Deve ser levada em consideração a complexidade da demanda, o tempo de duração da lide até a exclusão
da litisconsorte e o trabalho que foi desempenhado pelo patrono até este momento.
Sendo assim, no caso, entendeu-se adequada a fixação dos honorários para 3% sobre o valor atualizado
da causa, tendo em vista a extinção da ação sem resolução do mérito.

Em suma:
O juiz, ao reconhecer a ilegitimidade ad causam de um dos litisconsortes passivos e excluí-lo da lide,
pode fixar os honorários advocatícios entre 3 e 5% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 338,
parágrafo único, do CPC.
STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.902.149-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
3/4/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

DENUNCIAÇÃO DA LIDE
Não é cabível a denunciação da lide em demanda que busca a declaração de inexigibilidade de
débito, pois não haverá uma condenação que justifique a introdução de uma nova lide dentro
daquele processo principal
ODS 16

Caso adaptado: Gustavo assinou contrato de consórcio com a Consortio S.A., que incluía um
seguro de vida da XXX Seguros. Gustavo faleceu durante a vigência do contrato. Até essa data,
ele havia pagado todas as parcelas do consórcio. Após sua morte, os pagamentos cessaram. A
Consortio ingressou com execução para cobrar as parcelas vencidas após a morte. O espólio
de Gustavo ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de débito argumentando que, devido
ao seguro de vida incluído no contrato, as parcelas restantes deveriam ser quitadas pela
seguradora. Diante da situação, a Consortio pediu a denunciação da lide da XXX Seguros. O STJ
afirmou que isso não era permitido.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.763.709-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/4/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Gustavo celebrou contrato de consórcio com a Consortio S.A. Neste contrato de consórcio, havia também
embutido um contrato de seguro de vida, cuja seguradora era a HSBC Seguros.
Gustavo faleceu em 20/06/2006, durante a vigência do contrato.
Até então, todas as parcelas estavam sendo pagas normalmente.
Após o falecimento, as prestações do consórcio deixaram de ser quitadas.
Diante desse cenário, a Consortio ajuizou execução de título extrajudicial em razão do inadimplemento de
prestações vencidas após o falecimento do quotista.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 62


Informativo
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O juiz determinou a penhora de um imóvel que estava registrado em nome do falecido.


O espólio de Gustavo ajuizou ação contra a Consortio pedindo a declaração de inexistência do débito e,
por conseguinte, o levantamento da penhora que recaiu sobre o imóvel, além da extinção da execução de
título extrajudicial.
O espólio alegou que o débito já foi quitado, uma vez, junto com o consórcio, também foi contratado um
seguro de vida. De acordo com a previsão da apólice de seguro, falecendo o consorciado, a seguradora se
comprometeria a quitar todas as parcelas vincendas do consórcio. Logo, a Consortio (administradora do
consórcio) deve buscar o pagamento da seguradora, não tendo o espólio qualquer obrigação pelas
prestações vencidas após a morte.
Diante disso, a Consortio propôs denunciação à lide contra a HSBC Seguros que teria recusado a cobertura
securitária, em razão de condição de saúde pré-existente de Gustavo e que não teria sido informada.

Cabe denunciação da lide neste caso?


O STJ entendeu que não.
A denunciação da lide é uma modalidade de intervenção de terceiros, na qual o denunciante (autor ou réu
da ação principal) promove, no mesmo processo em que litiga com o seu adversário, uma ação de regresso
antecipada, caso sofra uma condenação. Todavia, não será cabível em toda e qualquer demanda, existindo
exceções na própria lei, como, por exemplo, a que veda essa hipótese de intervenção nas relações de
consumo (art. 88 do CDC), assim como nos casos em que o denunciante não sofre efeito condenatório.
Diante desse cenário, não há como admitir a denunciação da lide em uma demanda em que se busca a
declaração de inexigibilidade de um débito, simplesmente porque, no caso, não haverá condenação que
pudesse justificar a inclusão de uma nova lide dentro daquela principal.
Vale ressaltar, ainda, que a admissibilidade de uma denunciação da lide, no caso em que foi declarada a
inexistência do débito cobrado em processo diverso, como a execução de título extrajudicial, traria
evidente tumulto processual e ofensa ao princípio da celeridade, o que não pode ser admitido.

Em suma:
Não é cabível a denunciação da lide em demanda que busca a declaração de inexigibilidade de débito,
pois não haverá uma condenação que justifique a introdução de uma nova lide dentro daquele processo
principal.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.763.709-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/4/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

COISA JULGADA
Se a parte não pediu tudo o que poderia, seja por opção ou por equívoco, sua pretensão ainda
subsiste, restando-lhe a possibilidade de ajuizar nova ação para requerer a complementação da
indenização, a não ser que ocorresse alguma hipótese de preclusão
ODS 16

O pedido complementar de indenização por danos materiais formulado em ação diversa da


referente à indenização já obtida, com trânsito em julgado, sendo as partes e a causa de pedir
as mesmas, não está acobertado pela coisa julgada caso inclua danos não contemplados na
primeira ação, ainda que decorrentes dos mesmos fatos.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.046.349-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18/4/2023 (Info 12
– Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João contratou a Alfa Ltda para construir uma mansão.
O imóvel foi entregue com vícios estruturais que prejudicavam a sua utilização.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 63


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O autor ingressou com ação cautelar de antecipação de provas (processo X) para apurar os prejuízos
sofridos. Nessa ação cautelar foi feita uma perícia inicial que constatou que seria necessários reparos no
imóvel que custariam R$ 180 mil.
Com base nessa informação, João ajuizou ação de indenização por danos materiais contra a empresa
cobrando R$ 200 mil (processo Y).
Neste processo Y, foi feita uma perícia mais completa na qual se descobriu que havia também vícios
estruturais na construção, de forma que o prejuízo total não era apenas de R$ 200 mil, mas sim de R$ 500
mil (ou seja, 300 mil a mais do que estava sendo cobrado na ação de indenização).
O juiz julgou o pedido procedente para condenar a ré a pagar R$ 200 mil ao autor. O magistrado disse que
não poderia condenar a pagar R$ 500 mil porque estava limitado ao pedido formulado na petição inicial.
O autor deixou a sentença transitar em julgado.
Em seguida, João ajuizou outra ação indenizatória requerendo a indenização complementar no valor de
R$ 300 mil (processo Z).
O juiz julgou o pedido procedente condenando a empresa a pagar os R$ 300 mil.
A condenada recorreu alegando que a sentença violou a coisa julgada.
A controvérsia chegou até o STJ.

A sentença violou a coisa julgada?


NÃO.
Em uma primeira ação de indenização, a parte autora obteve uma indenização contra empreiteira que
entregou a obra com diversos vícios, que prejudicava seu uso. Porém, durante o processo, foi constatado
que os danos eram mais graves do que inicialmente estimado. O autor limitou o valor do pedido na
primeira ação, que resultou em uma indenização menor.
Por sua vez, na segunda ação de indenização, houve um ajuizamento buscando a diferença entre o valor orçado
para a reconstrução e o valor da condenação na primeira ação. O pedido foi mais extenso, embora extraído do
mesmo fato, pois, no laudo pericial produzido na fase probatória da primeira ação, apurou-se que os vícios de
construção eram mais graves do que os anteriormente apontados pelo perito na ação cautelar.
Salienta-se que a coisa julgada que reconheceu a existência de danos materiais se formou em relação aos
vícios indicados no primeiro laudo pericial, o da ação cautelar, que serviu de base para a propositura da
primeira ação indenizatória.
Nesse contexto, mesmo que o laudo produzido na fase probatória da primeira ação indenizatória tenha
sido mais abrangente quanto aos defeitos de construção do imóvel em questão, não foram considerados
para efeitos de decisão, já que o juiz limitou a procedência dos pedidos aos danos materiais. E, mesmo
que aquela sentença tenha admitido a existência de danos em maior extensão, ainda assim, limitou a
indenização ao pedido formulado na inicial.
Não se trata, na verdade, de violação das disposições do art. 503 do CPC, já que a hipótese em discussão
não diz respeito a regra de julgamento total ou parcial, isso porque a primeira lide foi julgada no limite de
sua proposição. O fato é que o pedido ficou aquém dos danos efetivamente sofridos pelo autor.
Assim, se a parte não pediu tudo o que poderia, seja por opção ou por equívoco, sua pretensão ainda
subsiste, restando-lhe a possibilidade de ajuizar nova ação para requerer a complementação da
indenização, a não ser que ocorresse alguma hipótese de preclusão, que, no caso, não foi discutida.

Em suma:
O pedido complementar de indenização por danos materiais formulado em ação diversa da referente à
indenização já obtida, com trânsito em julgado, sendo as partes e a causa de pedir as mesmas, não está
acobertado pela coisa julgada caso inclua danos não contemplados na primeira ação, ainda que
decorrentes dos mesmos fatos.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.046.349-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18/4/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 64


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RECURSOS
O recorrente deve comprovar o recolhimento do preparo e do porte de remessa e retorno de
acordo com os volumes existentes nos autos no momento da interposição do recurso

Baixa relevância para concursos


ODS 16

O recorrente deve comprovar o recolhimento do preparo e do porte de remessa e retorno de


acordo com os volumes existentes nos autos na interposição do recurso, independentemente
da abertura de novos volumes após a data de protocolização do recurso.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.576.852-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 7/3/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

O que é o preparo?
Consiste no pagamento das despesas relacionadas com o processamento do recurso.
No preparo incluem-se:
• taxa judiciária (custas);
• despesas postais com o envio dos autos (chamado de “porte de remessa e de retorno” dos autos).

“Preparar” o recurso é nada mais que pagar as despesas necessárias para que a máquina judiciária dê
andamento à sua apreciação. O pagamento do preparo é feito, comumente, na rede bancária conveniada
com o Tribunal.

Momento do preparo
O CPC afirma que a parte que está recorrendo da decisão precisa comprovar o preparo no momento da
interposição do recurso. Logo, o preparo (recolhimento do valor) deve ser feito antes da interposição do
recurso e, junto com o recurso interposto, o recorrente deve juntar o comprovante do pagamento.

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:


Na vigência do CPC/1973, João interpôs apelação dirigida ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
Na época, o processo ainda era físico.
O TJ/SP não conheceu do recurso de apelação sob o argumento de que o apelante não recolheu o preparo,
deixando de efetuar o pagamento integral das despesas do seu porte de remessa e retorno.
Vale ressaltar que o valor do porte de remessa e retorno dos autos era calculado com base na quantidade
de volumes que o processo físico tinha.
No TJ/SP paga-se 1,672 UFESP por volume de autos (Provimento 833/2004, atualizado pelo Provimento
CSM nº 2.684/2023).
João recolheu o porte de remessa e retorno com base em um único volume de processo.
Ocorre que, ao juntar a peça recursal, o 1º volume extrapolou seu tamanho máximo e foi obrigado a se
abrir um 2º volume.
Assim, quando João interpôs o recurso, só havia 1 volume. Com a juntada da apelação, o processo passou
a ter 2 volumes.
Ocorre que João havia recolhido o porte de remessa e retorno de apenas 1 volume.
Reforçando a explicação: a apelação foi interposta em 26/05/2009, acompanhada do comprovante de
pagamento relativo a um volume e o termo de abertura do 2º volume deu-se apenas no dia 19/10/2009,
ou seja, em data posterior à propositura da apelação.

O TJ agiu corretamente ao não conhecer do recurso por deserção?


NÃO.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 65


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O recorrente deve comprovar o recolhimento do preparo e do porte de remessa e retorno de acordo


com os volumes existentes nos autos na interposição do recurso, independentemente da abertura de
novos volumes após a data de protocolização do recurso.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.576.852-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 7/3/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

Segundo a regra do art. 511 do Código de Processo Civil de 1973, o recorrente, ao interpor o recurso, deve
comprovar o pagamento do preparo recursal, incluído o porte de remessa e retorno, sob pena de
reconhecimento da deserção.
Nota-se, portanto, que a norma processual estabelece o momento correto para se comprovar o
recolhimento do preparo e das despesas de porte de remessa e retorno, qual seja, no ato da interposição
do recurso.
Por essa razão, determinar que o recorrente recolha novas custas de porte de remessa e retorno a cada
volume formado após a interposição de seu recurso parece se distanciar da legislação de regência.
Com efeito, após a interposição do recurso, não há como o recorrente prever a abertura de novos volumes
dos autos do processo e saber quanto eventualmente terá que desembolsar futuramente, o que fugiria,
inclusive, da razoabilidade.
Dessa forma, a melhor interpretação a ser dada à norma do art. 511 do CPC/1973 é a de que o recorrente
deve comprovar o recolhimento do preparo e do porte de remessa e retorno de acordo com os volumes
existentes nos autos no momento da interposição do recurso, sendo indiferente a abertura de novos
volumes após a data de protocolização do recurso.
Assim, a eventual abertura de um segundo ou mais volumes após a interposição do recurso não enseja a
complementação dos valores correspondentes ao preparo e ao porte de remessa e retorno.

IMPENHORABILIDADE
A ausência de comprovação, pela parte executada, de que o imóvel penhorado
é explorado pela família afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade

Importante!!!

Atualize o Info 689-STJ


ODS 16

O art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC preveem que é impenhorável a pequena
propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família.
Assim, para que o imóvel rural seja impenhorável, são necessários dois requisitos:
1) que seja enquadrado como pequena propriedade rural, nos termos definidos pela lei; e
2) que seja trabalhado pela família.
Quem tem o encargo de provar esses requisitos? Quem tem o encargo de provar os requisitos
da impenhorabilidade da pequena propriedade rural? O devedor.
O art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da
impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o
devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa
ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o
qual consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua
família.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.913.234-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/2/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 66


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Imagine a seguinte situação hipotética:


João comprou uma máquina agrícola do fornecedor “Agromércio” e, como garantia do pagamento,
assinou nota promissória no valor de R$ 20 mil.
O devedor não efetuou o pagamento na data do vencimento, razão pela qual o fornecedor ingressou com
execução de título extrajudicial, tendo sido penhorado um imóvel rural que está em nome de João.
O executado alegou que o imóvel em questão é impenhorável, considerando que se trata de pequena
propriedade rural onde pratica agricultura juntamente com a mulher e os filhos.

Impenhorabilidade do pequeno imóvel rural trabalhado pela família


O art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC estabelecem:
CF/88. Art. 5º (...)
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não
será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva,
dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

CPC/Art. 833. São impenhoráveis:


VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

“A norma visa proteger famílias de pequenos agricultores, sabidamente menos favorecidas, que vivem
basicamente do que produzem em suas propriedades rurais. Por outro lado, verifica-se também existir o
"interesse social em manter a família presa à propriedade rural. Quanto mais famílias, maior o
desenvolvimento agropecuário do país" (BONAVIDES, Paulo. Comentários à constituição federal de 1988.
Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 151).

Requisitos
Para que o imóvel rural seja impenhorável, é necessário que cumpra dois requisitos cumulativos:
1) seja enquadrado como pequena propriedade rural, nos termos definidos pela lei; e
2) seja trabalhado pela família.

Voltando ao exemplo:
O juiz deferiu o pedido de João e desconstituiu a penhora sobre o imóvel.
O exequente recorreu argumentando que o devedor apenas alegou, mas não provou, que o imóvel
preenche os dois requisitos acima listados e que garantiriam a sua impenhorabilidade.

A tese defendida pelo exequente foi aceita pelo STJ? O que o executado tem que provar para ter direito
à impenhorabilidade de que trata o art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC? Quem tem o encargo
de provar os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural?
SIM. O devedor.
É ônus da parte executada comprovar que a propriedade se enquadra no conceito legal de pequena
propriedade rural e que o imóvel penhorado é explorado pela família

O art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC preveem que é impenhorável a pequena propriedade
rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família.
Assim, para que o imóvel rural seja impenhorável, são necessários dois requisitos:
1) que seja enquadrado como pequena propriedade rural, nos termos definidos pela lei; e
2) que seja trabalhado pela família.

Até o momento, não há uma lei definindo o que seja pequena propriedade rural para fins de
impenhorabilidade. Diante da lacuna legislativa, a jurisprudência tem tomado emprestado o conceito
estabelecido na Lei nº 8.629/93, a qual regulamenta as normas constitucionais relativas à reforma agrária.
Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 67
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Em seu art. 4º, II, alínea “a”, atualizado pela Lei nº 13.465/2017, consta que se enquadra como pequena
propriedade rural o imóvel rural “de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de
parcelamento”.

Quem tem o encargo de provar esses requisitos? Quem tem o encargo de provar os requisitos da
impenhorabilidade da pequena propriedade rural?
O devedor.
O art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da
pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação
desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que
orientou a criação dessa norma, o qual consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência
do executado e de sua família.

A ausência de comprovação, pela parte executada, de que o imóvel penhorado é explorado pela família
afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.913.234-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/2/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

IMPENHORABILIDADE
Os certificados em poder das instituições de ensino, recomprados pelo FIES e que excederem os
débitos previdenciários e tributários destas, estão sujeitos à penhora

Assunto já apreciado no Info 690-STJ


ODS 16

Os recursos públicos recebidos por instituição de ensino superior privada são impenhoráveis,
pois são verbas de aplicação compulsória em educação.
Contudo, deve-se fazer uma distinção entre os valores impenhoráveis e aqueles penhoráveis.
Os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional (CFT-E), de fato, não são penhoráveis, haja
vista a vinculação legal da sua aplicação.
De outro lado, ao receber os valores decorrentes da recompra de CFT-E, as instituições de
ensino incorporam essa verba definitivamente ao seu patrimônio, podendo aplicá-la da forma
que melhor atenda aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder público.
Assim, havendo disponibilidade plena sobre tais valores, é possível a constrição de tais verbas
para pagamento de obrigações decorrentes das relações privadas da instituição de ensino.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.760.784-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 6/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

FIES
FIES é a sigla para Fundo de Financiamento Estudantil, programa desenvolvido no âmbito do Plano
Nacional de Educação (PNE), instituído pelo Ministério da Educação.
Sua finalidade primordial é a concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos
da educação profissional, técnica e tecnológica, e em programas de mestrado e doutorado com avaliação
positiva, conforme determinado pelo art. 1º, caput e § 1º, da Lei nº 10.260/2001.
Trata-se de programa de fundamental importância porque busca concretizar o direito fundamental de
acesso à educação para todos, previsto no art. 205 da CF/88, principalmente por se tratar de uma política
pública que prioriza a promoção de acesso de famílias de baixa renda à educação superior.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 68


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Como funciona o FIES para o aluno?


O estudante interessado, faz a sua pré-inscrição no programa (FiesSeleção), momento em que informará
os seus dados, o curso desejado e a instituição de ensino superior (IES) em que deseja estudar.
Caso o estudante atenda aos critérios estabelecidos pelo MEC (nota igual ou superior a 450 pontos no
Enem, nota maior que zero na redação e renda familiar de até 3 salários mínimos de renda bruta familiar
mensal per capita), poderá ser selecionado para obter o financiamento conforme lista de classificação.
A instituição de ensino superior deverá ter previamente aderido ao Fies.
Se o estudante for selecionado, ele deverá comparecer ao agente financeiro escolhido (Banco do Brasil ou
Caixa Econômica Federal) para formalizar o contrato de financiamento do Fies.
A partir daí o estudante estará apto para começar seus estudos com recursos do Fies.
Durante o curso, ele pagará, a cada três meses, somente um valor relativo aos juros (algo em torno de R$
150,00).
Ao término de cada semestre, ele deverá realizar o aditamento de seu contrato para o próximo semestre
letivo, podendo ser de forma simplificada, quando não há necessidade de novo comparecimento ao
agente financeiro, ou não simplificada, quando há necessidade de comparecimento do estudante ao
agente financeiro em virtude de alguma alteração contratual mais relevante (por exemplo, troca dos
fiadores).
Após a conclusão do curso, o beneficiário terá um período de carência para que comece a pagar as parcelas
relativas à amortização do seu financiamento. É como se fosse um prazo para que ele possa ser inserido
no mercado de trabalho.
Terminado o período de carência, o estudante inicia o pagamento das parcelas mensais de seu
financiamento, cujo prazo de pagamento poderá ser de até três vezes o período do curso objeto de
financiamento.

Como funciona o FIES para a instituição de ensino superior (chamada de IES)?


Para poder participar do Fies, as mantenedoras de IES devem atender determinadas condições
estabelecidas pelo MEC, e assinar o Termo de Adesão ao programa.
Posteriormente, antes do início de cada semestre letivo, deverão firmar o Termo de Participação, no qual
detalharão os cursos e as vagas que serão ofertadas no âmbito do programa.
Após o estudante estar matriculado na IES, inicia-se o curso financiado pelo programa.
Como contrapartida (“pagamento”), a IES não recebe diretamente “dinheiro”. Ela recebe um título público
conhecido pela sigla CFT-E, que significa Certificados Financeiros do Tesouro - Série E.

CFT-E
O CFT-E está disciplinado no art. 7º da Lei nº 10.260/2001:
Art. 7º Fica a União autorizada a emitir títulos da dívida pública em favor do FIES.
§ 1º Os títulos a que se referem o caput serão representados por certificados de emissão do
Tesouro Nacional, com características definidas em ato do Poder Executivo.
§ 2º Os certificados a que se refere o parágrafo anterior serão emitidos sob a forma de colocação
direta, ao par, mediante solicitação expressa do FIES à Secretaria do Tesouro Nacional.
§ 3º Os recursos em moeda corrente entregues pelo FIES em contrapartida à colocação direta dos
certificados serão utilizados exclusivamente para abatimento da dívida pública de
responsabilidade do Tesouro Nacional.

Na medida em que há a prestação do serviço educacional, os títulos CFT-E são repassados às Instituições
de Ensino Superior (IES).
A instituição pode utilizar esses títulos para pagar contribuições sociais previdenciárias. Se a instituição
não tiver débitos de contribuições previdenciárias, pode utilizá-los para quitar os demais tributos federais,
conforme determinam o art. 10, caput e o § 3º, da Lei nº 10.260/2001:

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 69


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Art. 10. Os certificados de que trata o art. 7º serão utilizados para pagamento das contribuições
sociais previstas nas alíneas a e c do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de
1991, bem como das contribuições previstas no art. 3º da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007.
(...)
§ 3º Não havendo débitos de caráter previdenciário, os certificados poderão ser utilizados para o
pagamento de quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, e
respectivos débitos, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar,
exigíveis ou com exigibilidade suspensa, bem como de multas, de juros e de demais encargos legais
incidentes.

E se a IES não tiver mais débitos tributários para pagar com os títulos?
Caso a mantenedora não possua débitos relativos a esses tributos ou, ainda, caso, após a quitação dos
tributos, reste algum excedente de títulos em sua posse, ela poderá oferecê-los no processo de recompra
realizado pelo agente operador.
Nesse caso, o FNDE resgata esses títulos junto às mantenedoras e entrega o valor financeiro equivalente
ao resgate atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). Veja a redação do art. 13 da Lei nº
10.260/2001:
Art. 13. O Fies recomprará, no mínimo a cada trimestre, ao par, os certificados aludidos no art. 9º,
mediante utilização dos recursos referidos no art. 2º, ressalvado o disposto no art. 16, em poder
das instituições de ensino que atendam ao disposto no art. 12.

Imagine a seguinte situação hipotética 1:


Uma empresa ajuizou execução de título extrajudicial contra uma IES que aderiu ao FIES.
O juízo de primeiro grau deferiu a penhora de créditos que a instituição de ensino possuía e que eram
oriundos do FIES.
Essa penhora é possível?
NÃO.
São absolutamente impenhoráveis os créditos vinculados ao programa Fundo de Financiamento
Estudantil FIES constituídos em favor de instituição privada de ensino.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.588.226-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/10/2017 (Info 614).

O art. 833, IX, do CPC/2015 prevê o seguinte:


Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em
educação, saúde ou assistência social;

O programa Fundo de Financiamento Estudantil-FIES destina-se à concessão de financiamento a


estudantes de cursos superiores não gratuitos, considerando sua renda familiar mensal bruta per capita,
a qual, atualmente, está limitada a 03 (três) salários mínimos. Trata-se, portanto, de programa que
concretiza política pública voltada a promover educação para a população de menor renda.
Muito mais que constituir simples remuneração por serviços prestados, os créditos recebidos
do FIES retribuem a oportunidade dada aos estudantes de menor renda de obter a formação de nível
superior, de aumentar suas chances de inserção no mercado de trabalho formal e, por conseguinte, de
melhorar a qualidade de vida da família.
Como se vê, são recursos vinculados a um fim social, e, portanto, impenhoráveis.
Permitir a penhora desses recursos públicos transferidos às instituições particulares de ensino poderia
frustrar a adesão ao programa e, em consequência, o atingimento dos objetivos por ele traçados.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 70


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Imagine a seguinte situação hipotética 2:


Uma empresa ajuizou execução de título extrajudicial contra uma IES que aderiu ao FIES.
O juízo de primeiro grau deferiu a penhora dos recursos obtidos pela IES com a “venda” dos títulos CFT-E
que ela não utilizou para pagamento de seus débitos tributários.
Essa penhora é possível?
SIM.
É possível a penhora de recursos oriundos da recompra pelo FIES dos valores dos títulos Certificados
Financeiros do Tesouro - Série E (CFT-E), de titularidade das instituições de ensino, que eventualmente
sobrepujam as obrigações legalmente vinculadas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.761.543/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/03/2021 (Info 690).

Conforme vimos acima, o STJ possui o entendimento de que os recursos públicos recebidos por instituição
de ensino superior privada são impenhoráveis, pois são verbas de aplicação compulsória em educação.
Contudo, deve-se fazer uma distinção entre os valores impenhoráveis e aqueles penhoráveis.
Os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional (CFT-E), de fato, não são penhoráveis, considerando que
sua aplicação possui uma vinculação legal.
Por outro lado, ao receber os valores decorrentes da recompra de CFT-E, as instituições de ensino
incorporam essa verba definitivamente ao seu patrimônio, podendo aplicá-la da forma que melhor atenda
aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder público.
Assim, havendo disponibilidade plena sobre tais valores, é possível a constrição de tais verbas para
pagamento de obrigações decorrentes das relações privadas da instituição de ensino.
Ademais, o art. 10, § 1º, da Lei nº 10.260/2001, ao vedar a negociação pelas IES com outras pessoas
jurídicas de direito público dos certificados de dívida pública emitidos em favor do FIES, nada dispõe sobre
os valores oriundos da recompra dos títulos e que serão incorporados definitivamente ao patrimônio da
instituição de ensino.
Nota-se, ainda, que se fosse outro o raciocínio adotado, seria necessário que a IES prestasse contas aos
órgãos de controle do poder público sobre as quantias recebidas da recompra dos CFT-E, por se tratar de
verba pública de aplicação obrigatória, demonstrando que tais valores foram efetivamente aplicados em
educação, o que não ocorre.
Por conseguinte, vedar a constrição dos valores oriundos da recompra frustraria as expectativas dos
credores da instituição de ensino, haja vista que atualmente boa parte de sua renda é proveniente dos
repasses do FIES e do processo de recompra dos CFT-E.
Dessa forma, não se vislumbra nenhum óbice legal à penhora dos valores oriundos da recompra dos CFT-
E, pelo contrário, mostra-se, inclusive, salutar aos ordenamentos jurídico e econômico que essas verbas
possam ser objeto de constrição em caso de inadimplemento das obrigações decorrentes das relações
privadas das IES, dando maior credibilidade ao sistema jurídico e garantindo aos credores que haverá
opções para se buscar o crédito na eventual configuração da mora da instituição de ensino.
O entendimento acima foi reiterado pelo STJ:
Os certificados em poder das instituições de ensino, recomprados pelo FIES e que excederem os débitos
previdenciários e tributários destas, estão sujeitos à penhora.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.760.784-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 6/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 71


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IMPENHORABILIDADE
O veículo adaptado para pessoa com mobilidade reduzida
pode ter sua impenhorabilidade reconhecida
ODS 3, 10 E 16

O veículo adaptado para pessoa com mobilidade reduzida pode ter sua impenhorabilidade
reconhecida, desde que efetivamente demonstrada sua essencialidade no caso concreto.
Caso hipotético: o Banco ingressou com execução de título extrajudicial contra Regina.
O juízo de primeiro grau determinou a penhora de um veículo HYUNDAI/CRETA, ano 2018,
que estava em nome de Regina. A executada recorreu pedindo a reforma da decisão sob o
fundamento de que esse veículo seria impenhorável, considerando que a devedora possui
artrodese no retropé direito, o que gera limitações em suas atividades laborais diárias e que
esse veículo é adaptado para sua condição física. Regina explicou ainda que, inclusive, detém
Carteira Nacional de Habilitação Especial.
O STJ concordou com argumentos da autora.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.945.680-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 12/6/2023 (Info 12 –
Edição Extraordinária).

Imagine a seguinte situação hipotética:


O Banco ingressou com execução de título extrajudicial contra Regina.
O juízo de primeiro grau determinou a penhora de um veículo HYUNDAI/CRETA, ano 2018, que estava em
nome de Regina.
A executada interpôs agravo de instrumento pedindo a reforma da decisão sob o fundamento de que esse
veículo seria impenhorável, considerando que a devedora possui artrodese no retropé direito, o que gera
limitações em suas atividades laborais diárias e que esse veículo é adaptado para sua condição física.
Regina explicou ainda que, inclusive, detém Carteira Nacional de Habilitação Especial.
Diante disso, a devedora pediu o reconhecimento da impenhorabilidade com base no art. 833, V, do CPC:
Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis
necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

O Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo sob o argumento de que “o simples fato de o automóvel
ser utilizado por pessoa com mobilidade reduzida não induz a automática conclusão de sua
impenhorabilidade, pois não há previsão legal para tanto.”
Ainda inconformada, Regina interpôs recurso especial insistindo na tese de que ela é pessoa com
deficiência física, que o veículo é adaptado às suas necessidades especiais e que, por isso, é impenhorável.

Os argumentos de Regina foram acolhidos pelo STJ?


SIM.
O Tribunal de origem consignou o seguinte:
“(...) o simples fato de o automóvel ser utilizado por pessoa portadora de mobilidade reduzida não
induz a automática conclusão de que se cuida de bem indispensável. Em outros termos, a mera
conveniência do uso do automóvel para o deslocamento pessoal, não constituiu causa de
impenhorabilidade contemplada pelo art. 833 do CPC. Embora se cuide de veículo adaptado, a
documentação apresentada não indica que o carro seja o único meio viável para sua locomoção,
ou seja, apesar de ser inquestionável que o veículo facilita o deslocamento, não há efetiva
comprovação de que é imprescindível ou essencial para tanto.”

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 72


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Todavia, a situação apresentada possui peculiaridades que devem ser consideradas para a análise da
essencialidade do veículo. O automóvel em questão é adaptado e utilizado por pessoa com mobilidade
reduzida.
Em tais casos, embora não seja o único meio viável para sua locomoção, não há como considerar que o
veículo em questão seja, para seu proprietário, uma mera conveniência, pois são notórias as dificuldades
enfrentadas pelas pessoas com mobilidade reduzida quando necessitam utilizar de transportes públicos
nos seus deslocamentos diários.
Assim, a própria necessidade de adaptação do veículo depõe a favor da essencialidade do bem e
demonstra, no caso concreto, a necessidade de reconhecimento de sua impenhorabilidade.
Aplica-se, na situação, o art. 8º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015):
Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à
maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à
previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao
desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e
tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre
outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar
pessoal, social e econômico.

Em suma:
O veículo adaptado para pessoa com mobilidade reduzida pode ter sua impenhorabilidade reconhecida,
desde que efetivamente demonstrada sua essencialidade no caso concreto.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.945.680-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 12/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA
Ao julgar o Tema 955, o STJ modulou os efeitos da decisão reconhecendo a possibilidade de, nas
ações ajuizadas até 8/8/2018, ser possível a inclusão dos reflexos das verbas reconhecidas na
Justiça do Trabalho
ODS 8 E 16

Nas demandas ajuizadas na Justiça comum até 8/8/2018 (Tema repetitivo 955/STJ), admite-
se a inclusão no benefício de previdência complementar dos reflexos das verbas reconhecidas
na Justiça Trabalhista, condicionada à previsão regulamentar, e desde que observados os
aportes necessários.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.931.439-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
3/4/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).

Este julgado envolve um assunto um pouco complexo, que demanda uma explicação mais demorada.
Inicialmente, irei relembrar o Tema 955 do STJ, em seguida o Tema 1021 e, por fim, o EREsp 1.557.698/RS.
Analise se o concurso para o qual você está estudando cobra esse assunto e, em caso, negativo, fique
apenas com a leitura da conclusão acima exposta.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 73


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O QUE DECIDIU O STJ NO TEMA 955 (RESP 1.312.736-RS)


Entidades de previdência privada
Existem duas espécies de entidade de previdência privada (entidade de previdência complementar): as
entidades de previdência privada abertas e as fechadas.

ABERTAS (EAPC) FECHADAS (EFPC)


As entidades abertas são empresas privadas As entidades fechadas são pessoas jurídicas,
constituídas sob a forma de sociedade anônima, organizadas sob a forma de fundação ou
que oferecem planos de previdência privada que sociedade civil, mantidas por grandes empresas ou
podem ser contratados por qualquer pessoa física grupos de empresa, para oferecer planos de
ou jurídica. As entidades abertas normalmente previdência privada aos seus funcionários.
fazem parte do mesmo grupo econômico de um Essas entidades são conhecidas como “fundos de
banco ou seguradora. pensão”.
Exs: Bradesco Vida e Previdência S.A., Itaú Vida e Os planos não podem ser comercializados para
Previdência S.A., Mapfre Previdência S.A., Porto quem não é funcionário daquela empresa.
Seguro Vida e Previdência S/A., Sul América Ex: Previbosch (dos funcionários da empresa
Seguros de Pessoas e Previdência S.A. Bosch).
Possuem finalidade de lucro. Não possuem fins lucrativos.
São geridas (administradas) pelos diretores e A gestão é compartilhada entre os representantes
administradores da sociedade anônima. dos participantes e assistidos e os representantes
dos patrocinadores.

“Entidades patrocinadoras” (patrocinador)


Patrocinador (ou entidade patrocinadora) é a empresa ou grupo de empresas que oferece plano de
previdência privada fechada aos seus funcionários. Funciona da seguinte forma: os empregados pagam
uma parte da mensalidade e o patrocinador arca com a outra.
Obs: existem alguns entes públicos que também oferecem plano de previdência privada aos servidores.
Neste caso, este ente público é que será o patrocinador.
A entidade patrocinadora oferece o plano de previdência privada por meio de uma entidade fechada de
previdência privada. Enfim, só existe entidade patrocinadora no caso de plano fechado de previdência privada.
Os benefícios mais comuns que são oferecidos pela previdência complementar fechada são os seguintes:
aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por invalidez e pensão por morte.

Participante
Participante é a pessoa física que adere ao plano de previdência complementar oferecido por uma
entidade fechada de previdência complementar (EFPC). O participante, para poder aderir a esse plano,
tem que estar vinculado à entidade patrocinadora (ex: ser funcionário do patrocinador).
O valor das contribuições vertidas pelo participante para a entidade de previdência é descontado de seu
salário no momento do pagamento.

Reserva de poupança (ou de benefício)


Reserva de poupança é o total das contribuições efetuadas pelo participante para o plano. Sobre este
valor, mensalmente, incide correção monetária.

Complementação de aposentadoria
É a quantia paga pela entidade de previdência privada como aposentadoria à pessoa que contratou a
previdência complementar. É como se chama a aposentadoria paga pela previdência privada.
O Tema 955 refere-se aos planos de previdência privada fechada.

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 74


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Imagine a seguinte situação hipotética:


A Fundação Banrisul de Seguridade Social é uma entidade fechada de previdência complementar,
instituída em 1963, pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A, com o objetivo de complementar os
benefícios concedidos pela Previdência Social aos seus empregados.
João era funcionário do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (sociedade de economia mista) e, nesta
condição, era participante do plano de previdência complementar oferecido para os funcionários da
empresa (era participante do plano de previdência do Banrisul).

Personagens
Fundação Banrisul: entidade fechada de previdência privada.
Banco Banrisul: patrocinador.
João: participante.

Voltando ao caso
O regulamento do plano de previdência previa que o valor da “complementação de aposentadoria”
deveria ser calculado a partir da média aritmética simples dos salários de participação do associado. Em
outras palavras, o valor da aposentadoria deveria ser calculado com base no salário que o indivíduo
recebia e que também servia como parâmetro para as contribuições pagas pelo empregado.
Assim, suponhamos que o empregado recebia R$ 5 mil de salário. Todos os meses era descontado 10%
para a previdência fechada. A sua aposentadoria deveria ser calculada com base no salário recebido.

Aposentadoria de João
Após muitos anos trabalhando no Banco, João completou o tempo necessário e pediu o pagamento da
complementação de aposentadoria.
A Fundação Banrisul calculou o benefício com base nos salários recebidos por João e passou a pagar a
complementação de aposentadoria.

Reclamação trabalhista
O que você ainda não sabe é que João, logo após se aposentar, ingressou com uma reclamação trabalhista
contra o Banco alegando que trabalhava todos os dias fazendo horas extras e que, apesar disso, a empresa
não lhe pagava o respectivo valor.
A Justiça do Trabalho julgou a ação procedente e reconheceu o direito do autor à percepção de diferenças
salariais por causa do não pagamento de trabalho extraordinário realizado de forma habitual.
A sentença transitou em julgado e João recebeu as respectivas verbas trabalhistas.

Ação revisional de complementação de aposentadoria e cobrança de diferenças


João propôs, então, uma segunda ação.
Ele ajuizou, na Justiça Estadual, contra a Fundação Banrisul, uma ação revisional de complementação de
aposentadoria e cobrança de diferenças.
Na ação revisional, João alegou que seu salário foi “aumentado” na Justiça e que essa diferença deverá
produzir efeitos também na aposentadoria paga pela entidade fechada. Assim, pediu para que o juiz
determinasse a revisão da complementação de aposentadoria em virtude da inclusão das diferenças
salariais obtidas por força de decisão judicial.

Esse é, portanto, o tema jurídico que foi debatido neste julgado:


As horas extras habituais incorporadas ao salário do participante de plano de previdência privada por
decisão da Justiça do Trabalho produzem efeito para fins de recálculo da aposentadoria já concedida? É
possível incluir, nos cálculos dos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade
fechada de previdência privada, as horas extraordinárias habituais incorporadas por decisão da Justiça
trabalhista à remuneração do participante de plano de previdência complementar? A complementação
de aposentadoria poderá ser recalculada neste caso?

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 75


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NÃO.
Se o benefício de complementação de aposentadoria já tiver sido concedido, não será possível a inclusão
dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos
da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria.

Mas o participante ficará, então, no prejuízo?


NÃO. A justa reparação pelo eventual prejuízo que o participante do plano de previdência complementar
tiver sofrido em decorrência de ato ilícito de responsabilidade da patrocinadora, que implicou em
benefício de complementação de aposentadoria menor do que aquele que lhe seria devido, deve ser
buscada na via processual adequada, ou seja, em ação movida contra o ex-empregador.
Assim, em nosso exemplo, João deverá ajuizar ação, na Justiça do Trabalho, contra o Banco dizendo: além
da diferença de salário pelo acréscimo das horas extras, eu quero também que a instituição financeira seja
condenada a me indenizar pelo fato de eu ter recebido uma aposentadoria menor do que teria direito.

Modulação dos efeitos


O STJ decidiu, portanto, que as entidades de previdência não podem ser condenadas a incluir as verbas
remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial
dos benefícios de complementação de aposentadoria.
O participante prejudicado deverá cobrar esse prejuízo da empresa empregadora (patrocinadora) na
Justiça do Trabalho.
Ocorre que essa questão demorou muitos anos para ser decidida. Nesse período, muitas ações que foram
ajuizadas na Justiça comum contra as entidades de previdência ficaram sobrestadas (suspensas)
esperando a definição do STJ.
Além disso, em inúmeros casos o prazo que os participantes tinham para ajuizar ação contra a empresa
empregadora já passou, tendo ocorrido a prescrição.
Diante disso, o STJ decidiu modular os efeitos dessa decisão acima explicada e afirmou o seguinte:
No caso das ações ajuizadas contra as entidades de previdência na Justiça comum até a data do presente
julgamento (08/08/2018), admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias (horas extras),
reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de
complementação de aposentadoria, desde que:
1) isso esteja previsto no regulamento do plano (de forma expressa ou implícita) e
2) haja a recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte de valor a ser apurado
por estudo técnico atuarial em cada caso, ou seja, o participante pague retroativamente as diferenças das
contribuições previdenciárias que a ele cabia com base no valor maior do salário.

Teses fixadas (com destaque para a letra “c”, abaixo):


a) A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de
reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já
concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência
privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela
Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de
aposentadoria.
b) Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo
na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a
ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho.
c) Modulação dos efeitos da decisão (art. 927, § 3º, do CPC/2005): nas demandas ajuizadas na Justiça
comum até a data do presente julgamento - se ainda for útil ao participante ou assistido, conforme as
peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias (horas extras),
reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de
complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar (expressa ou implícita) e à

Informativo 12-STJ (Edição Extraordinária) (25/07/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 76


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recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte de valor a ser apurado por estudo
técnico atuarial em cada caso.
d) Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva
matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores
correspondentes a tal recomposição devem ser entregues ao participante ou assistido a título de
reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência
complementar.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.312.736-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 08/08/2018 (Recurso
Repetitivo – Tema 955) (Info 630).

O QUE O STJ DECIDIU NO TEMA 1021 (RESP 1.740.397-RS)


No Resp 1.740.397, discutiu-se a possibilidade de se ampliar a tese fixada no Tema 955 (Resp
1.312.736/RS, acima explicado).
No Tema 955 foi discutida a possibilidade de se incluir os reflexos das horas extras habituais no cálculo da
renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria.
No Tema 1021 debateu-se se poderia ser ampliado esse entendimento para a incorporação de quaisquer
outras verbas remuneratórias (e não apenas horas extras habituais).

É possível? O entendimento do Tema 955 (no qual se falou em horas extras) vale para quaisquer outras
verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho após a concessão do benefício?
SIM. Por essa razão, o STJ decidiu utilizar os mesmos argumentos invocados no Tema 955 e firmar uma
tese mais ampla no Tema 1021.
A afirmação da tese mais ampla, para que o enunciado estabelecido no Tema 955/STJ seja aplicável ao
pedido de incorporação de quaisquer verbas remuneratórias no benefício já concedido, mostra-se
adequada e coerente, pois a verba em si (horas extras habituais) não foi motivo determinante para o
entendimento fixado no julgamento do REsp 1.312.736/RS.
O que efetivamente se decidiu foi pela impossibilidade da incorporação pretendida, não obstante haver
previsão no plano de que verbas de natureza remuneratória (naquele caso específico, as horas
extraordinárias habituais) deveriam compor a base de cálculo das contribuições do patrocinador e do
participante e servir de parâmetro para o cálculo da renda mensal inicial do benefício, dada a natureza do
regime de capitalização - que exige a prévia formação de reserva capaz de garantir o pagamento do
benefício - e a inviabilidade da recomposição dessa reserva. Desse modo, seja qual for a espécie de verba
remuneratória reivindicada perante a Justiça do Trabalho, é possível concluir, como se afirmou no
repetitivo anterior, pela impossibilidade de sua incorporação no benefício de previdência complementar,
caso não haja o prévio aporte, nos termos exigidos pelo respectivo regulamento, porque invariavelmente
haverá prejuízo para o equilíbrio atuarial do plano.
A tese mais abrangente se mostra, portanto, não apenas adequada, mas necessária para assegurar a
isonomia e conferir segurança jurídica em sua aplicação pelos diversos Tribunais do País.

Teses fixadas no Tema 1021 (com destaque para o item III, abaixo):
I) A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de
reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já
concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência
privada, é inviável a inclusão dos reflexos de quaisquer verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça
do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria.
II) Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo
na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a
ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho.
III) Modulação dos efeitos da decisão (art. 927, § 3º, do CPC/2015): nas demandas ajuizadas na Justiça
comum até 8/8/2018 (data do julgamento do REsp n. 1.312.736/RS - Tema repetitivo n. 955/STJ) - se ainda

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for útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos
reflexos de verbas remuneratórias, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal
inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar de
que as parcelas de natureza remuneratória devem compor a base de cálculo das contribuições a serem
recolhidas e servir de parâmetro para o cômputo da renda mensal inicial do benefício, e à recomposição
prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte, a ser vertido pelo participante, de valor a ser
apurado por estudo técnico atuarial em cada caso.
IV) Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva
matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores
correspondentes a tal recomposição devem ser entregues ao participante ou assistido a título de
reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência
complementar.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.740.397-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/10/2020 (Recurso
Repetitivo – Tema 1021) (Info 684).

JULGADO NOTICIADO NESTE INFORMATIVO


Neste julgado noticiado no Info 12 Edição Extraordinária, o STJ reafirmou a modulação dos efeitos feita no
Tema 955:
Nas demandas ajuizadas na Justiça comum até 8/8/2018 (Tema repetitivo 955/STJ), admite-se a inclusão
no benefício de previdência complementar dos reflexos das verbas reconhecidas na Justiça Trabalhista,
condicionada à previsão regulamentar, e desde que observados os aportes necessários.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.931.439-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 3/4/2023
(Info 12 – Edição Extraordinária).

O STJ ao julgar o Tema 955 e, em seguida, o Tema 1021, modulou os efeitos do entendimento e
estabeleceu que, nas demandas ajuizadas na Justiça comum até 8/8/2018 (data do julgamento do
repetitivo Tema 955) - se ainda for útil ao participante ou assistido -, admite-se a inclusão dos reflexos de
verbas remuneratórias, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos
benefícios de complementação de aposentadoria.
Condiciona-se, apenas, à previsão regulamentar de que as parcelas de natureza remuneratória devam
compor a base de cálculo das contribuições a serem recolhidas e servir de parâmetro para o cômputo da
renda mensal inicial do benefício, e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o
aporte, a ser vertido pelo participante, de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso
(Resp 1.312.736/RS, Segunda Seção, julgado em 8/8/2018, DJe 16/8/2018 e REsp 1.778.938/SP, Segunda
Seção, julgado em 14/10/2020, DJe 11/12/2020).
Nos termos dos mencionados julgados, facultou-se ao autor verter as parcelas de custeio de
responsabilidade do patrocinador, se pagas a menor, para recompor a reserva e poder receber o benefício
integral, pois não poderia demandá-lo na causa em virtude de sua ilegitimidade passiva ad causam.
Desse modo, deverá ser verificado em liquidação de sentença, a ser apurado por estudo técnico atuarial,
o montante de custeio que o trabalhador deveria contribuir se o empregador tivesse pagado corretamente
as verbas salariais à época, devendo eventual diferença ser compensada com os valores a que faz jus o
participante em virtude da integração da referida verba remuneratória no cálculo do benefício
suplementar.
Portanto, a cota-parte do participante pode ser compensada com valores a serem recebidos com a revisão
do benefício complementar.

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EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) O registrador poderá se socorrer de mandado de segurança contra ato administrativo que o obrigue a
aplicar regramento contra a sua convicção jurídica, uma vez que deve zelar pela legalidade dos atos
pertinentes à sua área de atuação, bem como por suas prerrogativas funcionais. ( )
2) Havendo desconsideração da personalidade jurídica, em proveito de sócio morador de imóvel de
titularidade da sociedade empresária devedora, poderão ser executados bens pessoais dos sócios até o
limite do valor de mercado do bem subtraído da execução, independentemente do preenchimento de
requisitos como má-fé e desvio de finalidade previstos no caput do art. 50 do Código Civil. ( )
3) O sócio de pessoa jurídica possui legitimidade ativa para pleitear indenização, em nome próprio, por
danos ao patrimônio da empresa, uma vez que eventual procedência no pedido beneficiaria também o
sócio. ( )
4) Realizada a consignação extrajudicial e manifestada a discordância do credor, o devedor deve ajuizar a
ação no prazo de 30 dias, sob pena de reputar-se sem efeito o depósito efetuado, desvinculando-se da
extinção da obrigação e impondo-se a rescisão do contrato. ( )
5) A partir da vigência do CPC de 2015, existindo cláusula compromissória arbitral estabelecida entre as
partes, a pretensão de produção antecipada de provas, desvinculada da urgência, deve ser promovida
diretamente perante o Tribunal arbitral, não subsistindo a competência (provisória e precária) do Poder
Judiciário. ( )
6) É possível aproveitar o tempo anterior de posse de terceiros para complementação do quinquênio
necessário à declaração de prescrição aquisitiva no caso de usucapião especial urbana. ( )
7) O fato de os genitores transacionarem sobre parcelas pretéritas dos alimentos devidos à criança ou
adolescente não configura, por si, conflito de interesse entre os representantes legais e o incapaz,
devendo sempre ser analisadas as peculiaridades do caso concreto para avaliar a real necessidade de
nomeação de curador especial. ( )
8) A emissão, por terceiro, de boleto fraudado, não configura fato exclusivo de terceiro apto a excluir a
responsabilidade civil da instituição financeira. ( )
9) A administradora responde objetivamente pela falha na prestação dos serviços de intermediação
imobiliária consubstanciada na venda fraudulenta de imóveis realizada por corretora a ela vinculada. (
)
10) A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura de
medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução
normativa. ( )
11) Os planos de saúde estão obrigados a cobrir bomba infusora de insulina (e insumos) para o controle da
glicemia de paciente diagnosticado com diabetes mellitus do Tipo 1. ( )
12) Em regra, a resilição unilateral é válida por se tratar de contrato de trato sucessivo ou execução
continuada, mas é abusiva quando realizada durante o tratamento médico que assegure a sobrevivência
ou a preservação da incolumidade física e/ou psíquica do beneficiário. ( )
13) O aval se equipara à fiança no que diz respeito à possibilidade de usufruir do benefício de ordem. ( )
14) A emissão de duplicata não constitui via adequada para a cobrança, da instituição credenciadora, de
crédito titularizado por comerciante que aceita instrumentos de pagamento (cartões) na comercialização
de produtos e serviços e que, em virtude de fraude praticada por terceiro, deixa de recebê-lo. ( )
15) Após a prescrição cambial, o cheque perde os atributos cambiários, permitindo na ação monitória a
discussão do negócio jurídico subjacente e a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes
ou ao próprio emitente, com o ônus da prova da ilicitude do negócio jurídico incumbido ao devedor. ( )
16) No caso de ato ilícito continuado, a prescrição não afeta as ocorrências posteriores ao marco temporal
prescricional para a tutela reparatória e inibitória, abrangendo apenas o período anterior. ( )
17) A data-base da apuração de haveres em dissolução parcial de sociedade por tempo indeterminado
corresponde ao momento em que o sócio retirante deixa de contribuir para a atividade. ( )

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18) A mera decisão de desconstituição da personalidade jurídica pela Justiça trabalhista, por si só, não enseja
o reconhecimento de usurpação da competência do juízo falimentar, porque não atinge direta e
concretamente os bens da massa falida. ( )
19) A certidão expedida em feito executivo, na forma do art. 94, II, § 4º, da Lei nº 11.101/2005 enseja a
presunção legal da insolvência do devedor e não cabe exigir do credor a prova dessa circunstância fático-
jurídica. ( )
20) A Assembleia Geral de Credores não pode estabelecer um novo limite para atualização dos créditos,
considerando que isso já é expressamente definido pela lei. ( )
21) No caso de descumprimento do plano dentro do prazo de fiscalização judicial, o credor vai se habilitar
na falência pelo valor original do crédito e nada obsta que prossiga na execução contra os coobrigados,
com base no título executivo que teve suas garantias restabelecidas, ainda que originalmente tenha
aderido à cláusula de supressão. ( )
22) A prévia expedição de ofício às concessionárias de serviços públicos, para fins de localização do réu, antes
de se autorizar a citação por edital, é facultativa. ( )
23) O juiz, ao reconhecer a ilegitimidade ad causam de um dos litisconsortes passivos e excluí-lo da lide, pode
fixar os honorários advocatícios entre 3 e 5% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 338,
parágrafo único, do CPC. ( )
24) Não é cabível a denunciação da lide em demanda que busca a declaração de inexigibilidade de débito,
pois não haverá uma condenação que justifique a introdução de uma nova lide dentro daquele processo
principal. ( )
25) O pedido complementar de indenização por danos materiais formulado em ação diversa da referente à
indenização já obtida, com trânsito em julgado, sendo as partes e a causa de pedir as mesmas, não está
acobertado pela coisa julgada caso inclua danos não contemplados na primeira ação, ainda que
decorrentes dos mesmos fatos. ( )
26) A ausência de comprovação, pela parte executada, de que o imóvel penhorado é explorado pela família
não afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade. ( )
27) O veículo adaptado para pessoa com mobilidade reduzida pode ter sua impenhorabilidade reconhecida,
desde que efetivamente demonstrada sua essencialidade no caso concreto. ( )

Gabarito
1. C 2. C 3. E 4. C 5. C 6. E 7. C 8. E 9. C 10. C
11. E 12. C 13. E 14. C 15. C 16. C 17. C 18. C 19. C 20. E
21. C 22. C 23. C 24. C 25. C 26. E 27. C

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