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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.658.663 - RJ (2016/0152220-7)


RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : GRUPO OK CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA
ADVOGADO : MARCELO LUZ LEAL - RJ141876
ADVOGADOS : DÉBORA APARECIDA DE LIMA - DF030241
JORGE MACHADO ANTUNES DE SIQUEIRA E OUTRO(S) - DF033524
RECORRIDO : CATIA APARECIDA CHAIA DE MIRANDA
ADVOGADO : CARLOS ARTUR DE ARAÚJO GOES E OUTRO(S) - RJ096780

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial interposto por GRUPO OK


CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA, fundamentado exclusivamente na
alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/RJ.
Recurso especial interposto em: 14/12/2015.
Concluso ao gabinete em: 25/08/2016.
Ação: de obrigação de fazer cumulada com compensação de danos
morais, ajuizada por CATIA APARECIDA CHAIA DE MIRANDA, em desfavor do
recorrente, tendo em vista ausência de outorga de escritura pública definitiva de
imóvel já quitado, objeto de contrato de cessão de direitos entre as partes (e-STJ
fls. 2-11).
Sentença: julgou procedentes os pedidos para condenar o
recorrente à lavratura da escritura definitiva do imóvel, bem como ao pagamento
de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de danos morais (e-STJ fls. 130-132).
Decisão monocrática: deu parcial provimento à apelação interposta
pelo recorrente, apenas para reduzir a verba compensatória para R$ 5.000,00
(cinco mil reais).
Acórdão: negou provimento ao agravo interposto pelo recorrente,
mantendo a decisão unipessoal do relator, nos termos da seguinte ementa:

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AGRAVO INOMINADO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE


FAZER CONSISTENTE EM OUTORGA DE ESCRITURA DEFINITIVA DE IMÓVEL.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
Ação fundada em instrumento particular de cessão de direitos
relativamente à promessa de compra e venda de unidade habitacional em
regime de incorporação, na qual pretende a autora a outorga da escritura
definitiva de imóvel e reparação moral. Preliminar de ilegitimidade ativa
rejeitada. A hipótese é de colegitimação e não de litisconsórcio ativo necessário,
o qual a melhor doutrina não admite, pois o direito de ação não pode depender
da vontade de outrem sob pena de afronta ao acesso à justiça. Com efeito,
sendo a autora parte na relação material deduzida em juízo, segue-se que ela
possui legitimação ordinária para, isoladamente, propor a demanda com vistas a
exigir a outorga da escritura definitiva do bem. Ainda que isso não bastasse,
houve consentimento do colegitimado com o ajuizamento da ação. Prescrição
da pretensão indenizatória por dano moral afastada. O artigo 206,§ 3º, V, do
Código Civil, regula o prazo prescricional relativo às ações de reparação de danos
na responsabilidade civil extracontratual, de sorte que a pretensão indenizatória
da parte autora, nascida do inadimplemento contratual, obedece ao prazo
prescricional decenal, pois tem natureza contratual. Danos morais configurados.
Houve desídia da ré em possibilitar o registro da propriedade imobiliária em
nome da parte autora, o que traz tensão, aflição, angústia, mormente em se
constatando que sobre o bem pairou determinação judicial de indisponibilidade,
o que causa abalo emocional. Quantia indenizatória. Verba arbitrada em R$
8.000,00 (oito mil reais) que merece ser reduzida a R$ 5.000,00, diante do longo
tempo em que a autora já reside no imóvel, revelando-se mais compatível com
os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Ausente qualquer argumento capaz de infirmar a decisão
agravada.
DESPROVIMENTO DO RECURSO (e-STJ fl. 276).

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram


rejeitados (e-STJ fls. 313-319).
Recurso especial: alega violação dos arts. 333, I, e 535 do CPC/73;
186, 206, § 3º, e 927 do CC/02; 26, § 1º, e 27 do CDC. Além de negativa de
prestação jurisdicional, sustenta que:
i) deve-se aplicar o prazo prescricional trienal para a propositura de
ação cuja pretensão é de reparação civil;
ii) ainda que se aplicasse, na espécie, o CDC, cujo prazo prescricional é
quinquenal para a pretensão à reparação dos danos causados por fato do produto

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ou serviço, a pretensão estaria fulminada pela prescrição;
iii) não há que se falar em danos morais na presente hipótese, pois
trata-se de mero inadimplemento contratual;
iv) é certo que o promitente comprador pode exigir do promitente
vendedor a outorga da escritura definitiva do imóvel; contudo, cabe ao promitente
comprador efetuar a averbação do direito real relativo ao contrato de compra e
venda do imóvel;
v) a própria desídia da recorrida ao deixar de averbar os seus direitos
reais sobre o bem concorreu para o mero aborrecimento que alega ter sofrido; e
vi) se a averbação tivesse sido feita pela recorrida, a indisponibilidade
dos bens da empresa recorrente não incidiria sobre o bem objeto da lide (e-STJ fls.
333-345).
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/RJ inadmitiu o recurso
especial interposto por GRUPO OK CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA
(e-STJ fls. 362-365), ensejando a interposição de agravo em recurso especial (e-STJ
fls. 376-383), que foi provido e reautuado como recurso especial, para melhor
exame da matéria (e-STJ fl. 415).
É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.658.663 - RJ (2016/0152220-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : GRUPO OK CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA
ADVOGADO : MARCELO LUZ LEAL - RJ141876
ADVOGADOS : DÉBORA APARECIDA DE LIMA - DF030241
JORGE MACHADO ANTUNES DE SIQUEIRA E OUTRO(S) - DF033524
RECORRIDO : CATIA APARECIDA CHAIA DE MIRANDA
ADVOGADO : CARLOS ARTUR DE ARAÚJO GOES E OUTRO(S) - RJ096780
EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA


COM COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CONTRATO
DE CESSÃO DE DIREITOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE
OUTORGA DA ESCRITURA DEFINITIVA DO IMÓVEL. PRAZO PRESCRICIONAL
APLICÁVEL À PRETENSÃO COMPENSATÓRIA. RESPONSABILIDADE
CONTRATUAL. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL. DANOS MORAIS
CONFIGURADOS.
1. Ação de obrigação de fazer cumulada com compensação de danos
morais, tendo em vista ausência de outorga de escritura pública definitiva
de imóvel já quitado, objeto de contrato de cessão de direitos entre as
partes.
2. Ação ajuizada em 19/10/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em
25/08/2016. Julgamento: CPC/73.
3. O propósito recursal é definir: i) se houve negativa de prestação
jurisdicional na hipótese; ii) qual o prazo prescricional aplicável na espécie;
e iii) se o recorrente deve ser condenado à compensação de danos morais,
em virtude da ausência de outorga de escritura definitiva de imóvel à
recorrida.
4. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC/73, rejeitam-se os embargos de
declaração.
5. A pretensão da recorrida é a compensação de danos morais
supostamente causados pela ausência de outorga de escritura pública
definitiva de imóvel já quitado, ou seja, sua pretensão está fundada em
inadimplemento contratual.
6. Nas controvérsias relacionadas à responsabilidade contratual, aplica-se a
regra geral (art. 205 CC/02) que prevê dez anos de prazo prescricional e,
quando se tratar de responsabilidade extracontratual, aplica-se o
disposto no art. 206, § 3º, V, do CC/02, com prazo de três anos.
7. Na espécie, a notificação extrajudicial – hábil a interromper o prazo
prescricional – foi feita pela recorrida em 2007 e a demanda foi ajuizada
em 2011, motivo pelo qual deve ser mantido o reconhecimento de não
ocorrência da prescrição na espécie.
Documento: 96650054 - EMENTA, RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 13
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8. Muito embora o entendimento de que o simples descumprimento
contratual não provoca danos morais indenizáveis, a Corte local, na espécie,
reconheceu uma particularidade do caso concreto, uma vez que a ausência
de outorga da escritura não causou aflição e angústia à recorrida somente
pelo fato de a mesma ver-se impossibilitada de promover o registro da
propriedade imobiliária, mas também pelo fato de ter pairado sobre o bem
determinação judicial de indisponibilidade, razão pela qual deve ser mantido
o arbitramento de danos morais.
9. Recurso especial conhecido e não provido.

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ADVOGADO : MARCELO LUZ LEAL - RJ141876
ADVOGADOS : DÉBORA APARECIDA DE LIMA - DF030241
JORGE MACHADO ANTUNES DE SIQUEIRA E OUTRO(S) - DF033524
RECORRIDO : CATIA APARECIDA CHAIA DE MIRANDA
ADVOGADO : CARLOS ARTUR DE ARAÚJO GOES E OUTRO(S) - RJ096780

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR):

O propósito recursal é definir: i) se houve negativa de prestação


jurisdicional na hipótese; ii) qual o prazo prescricional aplicável na espécie; e iii) se
o recorrente deve ser condenado à compensação de danos morais, em virtude da
ausência de outorga de escritura definitiva de imóvel à recorrida.

Aplicação do Código de Processo Civil de 1973, pelo


Enunciado administrativo n. 2/STJ.

1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL (art. 535 do


CPC/73)
O acórdão recorrido não padece do vício de omissão porque, de forma
clara e fundamentada, examinou a questão relativa à suposta ocorrência de
prescrição arguida pelo recorrente.
Ressalte-se que, não obstante não tenha se manifestado
expressamente sobre a aplicação do prazo prescricional quinquenal previsto no
CDC (art. 27), acabou por aplicar o prazo prescricional decenal previsto na
legislação civil, o que implicitamente afasta o prazo prescricional previsto na
legislação consumerista.

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Assim, não se vislumbra a alegada negativa de prestação jurisdicional.

2. DO PRAZO PRESCRICIONAL APLICÁVEL PARA AS HIPÓTESES


DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Por ser tema prejudicial à outra questão versada no bojo do recurso
especial, passa-se, preliminarmente, à análise da matéria atinente à prescrição.
Inicialmente, convém registrar que, na hipótese sob julgamento, a
discussão preliminar gira em torno da ocorrência ou não da prescrição da
pretensão compensatória da recorrida pelos eventuais danos morais alegadamente
sofridos.
Fato é que o pleito de compensação de danos morais é fundado na
ausência de outorga, por parte do recorrente, da escritura definitiva do imóvel, a
despeito de sua integral quitação e, ainda, de interpelação extrajudicial promovida
por aquela no intuito de compelir o recorrente a “tomar providências no que tange
à lavratura da escritura definitiva de compra e venda” (e-STJ fl. 91).
Mostra-se clarividente, com efeito, estar-se diante de um
inadimplemento contratual por parte do recorrente, que defende a aplicabilidade
do art. 206, § 3º, V, do CC/02, sob o argumento de que prescreveria em 3 (três)
anos a pretensão de reparação da civil da recorrida.
O TJ/RJ, por sua vez, entendeu ser inaplicável mencionado dispositivo
legal, pois seu comando referir-se-ia tão somente às hipóteses de responsabilidade
civil extracontratual, senão veja-se:

Conforme sabido, o artigo 206, § 3º, V, do Código Civil, regula o


prazo prescricional relativo às ações de reparação de danos na responsabilidade
civil extracontratual, de sorte que a pretensão indenizatória da parte autora,
nascida do inadimplemento contratual, obedece ao prazo prescricional decenal,
pois tem natureza contratual (e-STJ fl. 280).

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Quanto ao ponto, frisa-se que, recentemente, a 2ª Seção deste STJ
firmou o entendimento de que, nas controvérsias relacionadas à responsabilidade
contratual, aplica-se o prazo prescricional geral de 10 (dez) anos, previsto no art.
205 do CC/02, ao passo que, quando se tratar de responsabilidade extracontratual,
será aplicado o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/02.
Com efeito, o prazo prescricional de 10 (dez) anos deve ser aplicado a
todas as pretensões do credor nas hipóteses de inadimplemento contratual,
incluindo o da reparação de perdas e danos por ele causados (EREsp 1.280.825/RJ,
2ª Seção, DJe 02/08/2018).
Ressalte-se, ainda, que, em 15/05/2019, a Corte Especial concluiu o
julgamento do EREsp 1.281.594/SP, em que, por maioria de votos, consagrou o
mesmo entendimento firmado na 2ª Seção, no sentido de que o prazo de
prescrição aplicável às hipóteses de pretensão fundadas em inadimplemento
contratual é o decenal, previsto no art. 205 do CC/02.
Por fim, a fim de espancar eventual alegação de ocorrência de
negativa de prestação jurisdicional quanto ao ponto, mister discorrer acerca da
inaplicabilidade do prazo quinquenal previsto no art. 27 do CDC.
De acordo com o disposto no mencionado dispositivo legal:

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos


danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste
Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e
de sua autoria.

Com efeito, vale lembrar que o TJ/RJ deixou expressamente


consignado que, na hipótese, é “evidente a falha na prestação do serviço e a
responsabilidade objetiva do fornecedor, nos termos do art. 14 do CDC, haja vista a
violação ao dever de cooperação inerente à boa-fé objetiva” (e-STJ fl. 282).

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Destarte, além de delinear expressamente a relação de consumo
entre as partes, registra, de forma inegável, o defeito na prestação do serviço por
parte daquele que tinha o dever de outorgar a escritura definitiva do imóvel.
Nesse jaez, a par da discussão acerca da configuração, na hipótese, de
fato do produto ou serviço, destaca-se que esta Corte perfilha o entendimento de
que a pretensão de reparação de danos morais decorrentes do vício de qualidade
na prestação do serviço causador da insatisfação atrai a incidência do CDC, cujo
prazo prescricional é de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 27 do referido códex
(AgInt no AREsp 152.724/SP, 4ª Turma, DJe 15/03/2017; REsp 1.488.239/PR, 3ª
Turma, DJe 07/03/2016).
Contudo, convém recordar que, por vezes, esta Relatora já expôs o
seu entendimento quanto à aplicabilidade não exaustiva da legislação
consumerista, destacando que as regras de autonomia e especificidade do CDC
merecem temperamento, sobretudo em virtude do próprio teor do seu art. 7º, que
admite expressamente a possibilidade de justaposição da lei consumerista com
outras normas compreendidas no sistema geral de defesa do consumidor (REsp
1.009.591/RS, 3ª Turma, de minha relatoria, DJe 23/08/2010).
Ainda, conforme ensinam Claudia Lima Marques, Antônio Herman V.
Benjamin e Bruno Miragem:

Diante da pluralidade atual de leis, há que se procurar o diálogo,


utilizando a lei mais favorável ao consumidor. (...) não é o CDC que limita o
Código Civil, é o Código Civil que dá base e ajuda ao CDC, e se o Código Civil for
mais favorável ao consumidor do que o CDC, não será esta lei especial que
limitará a aplicação da lei geral (art. 7º do CDC), mas sim dialogarão à procura da
realização do mandamento constitucional de proteção especial do sujeito mais
fraco. Assim, por exemplo, se o prazo prescricional ou decadencial do
CC/2002 é mais favorável ao consumidor, deve ser este o usado,
pois, ex vi art. 7º do CDC, deve-se usar o prazo prescricional mais
favorável ao consumidor (Marques, Claudia Lima, Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor / Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin,
Bruno Miragem. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos
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Tribunais, 2013) (grifos acrescentados).

Ressalte-se que esta Relatora mantém a sua convicção acerca da


questão, entendendo ser impossível generalizar a regra de especialidade do CDC,
que deve ser ponderada e interpretada em consonância com o seu art. 7º (REsp
782.433/MG, 3ª Turma, de minha relatoria, Rel. para acórdão Min. Sidnei Beneti,
DJe 20/11/2008).
Assim, caberá sempre ao juiz um olhar mais cuidadoso, atento à
observância ao diálogo das fontes - com fundamento e licença do próprio art. 7º do
CDC -, exigindo a análise da razoabilidade de se aplicar o prazo prescricional
previsto no CDC quando há no ordenamento jurídico normas inegavelmente mais
favoráveis ao próprio consumidor lesado.
Na espécie, é incontestável que a aplicação do prazo prescricional
previsto na legislação civil – 10 (dez) anos – mostra-se mais favorável à recorrida,
razão pela qual deve ser aplicado, aliás seguindo antigo posicionamento adotado
por esta Relatora (REsp 782.433/MG, DJe 20/11/2008; e REsp 1.009.591/RS, DJe
23/08/2010).
Amparando-se no art. 7º do CDC, porta de licença para aplicação da
Teoria do Diálogo das Fontes, e no intuito de proteger o consumidor lesado,
deve-se aplicar, na hipótese, o prazo prescricional previsto na legislação civil - mais
favorável à recorrida.

3. DA HIPÓTESE DOS AUTOS


Como salientado, o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, §
3º, V, do CC/02 somente pode ser aplicado para a hipótese de reparação civil
decorrente de responsabilidade extracontratual.
Deve-se aplicar, portanto, o prazo decenal geral previsto no art. 205

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do CC/02 nas hipóteses em que se tratar de responsabilidade contratual.
Frisa-se, por oportuno, que o prazo prescricional decenal tem como
termo inicial a data da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo,
qual seja, do próprio inadimplemento contratual em si.
Deve-se ter mente, ainda, que a recorrida passou a ter direito à
outorga da escritura definitiva do imóvel quando da quitação do preço. A
propósito, vale citar:

CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO


AJUIZADA PELO COMPRADOR. OBRIGAÇÃO DE OUTORGA DE ESCRITURA
DEFINITIVA ASSUMIDA COM O ADVENTO DA QUITAÇÃO. PAGAMENTO DO
PREÇO. CONSTITUIÇÃO EM MORA. DESNECESSIDADE.
1.- Com a quitação do preço, a obrigação assumida de outorga da
escritura definitiva se tornou líquida e vencida, o que constitui em mora o
devedor em seu vencimento, independentemente de interpelação, conforme
prevê a primeira parte do artigo 960 do Código Civil de 1916 (caput do art. 397
do atual Código Civil).
Recurso Especial conhecido e provido (REsp 813.736/ES, 3ª
Turma, DJe 07/06/2010).

Destarte, a data do pagamento da última parcela relativa à compra do


imóvel deve ser considerada para fins de contagem do prazo prescricional decenal,
não se podendo desconsiderar, ainda, a existência de notificação extrajudicial
promovida pela recorrida – e datada de abril de 2007, conforme consignado no
acórdão recorrido (e-STJ fl. 281) –, hábil a interromper o prazo prescricional
alegado, nos termos do art. 202, V, do CC/02.
Inexiste nos autos – e isto se diz com base nos fatos delineados pelas
instâncias ordinárias – informação quanto à data de quitação do preço do imóvel.
Contudo, o TJ/RJ consignou expressamente que a notificação extrajudicial foi feita
pela recorrida em 2007 e a demanda foi ajuizada em 2011, motivo pelo qual deve
ser mantido o reconhecimento de não ocorrência da prescrição na espécie.

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4. DOS DANOS MORAIS
Por oportuno, convém tecer algumas considerações a respeito do
dano moral, para analisar se, na hipótese, ele restou configurado, o que ensejaria,
consequentemente, a condenação do recorrente à sua compensação.
De fato, para haver a compensação dos danos morais, devem estar
preenchidos os três pressupostos da responsabilidade civil em geral, quais sejam: a
ação, o dano e o nexo de causalidade entre eles. Apenas nessa hipótese surge a
obrigação de indenizar. Esse destaque é importante porque “nem todo atentado a
direitos de personalidade em geral é apto a gerar dano de cunho moral” (BITTAR,
Carlos Alberto. Reparação Civil por danos morais. São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2015,
p. 60), pois os danos podem esgotar-se nos aspectos físicos ou materiais de uma
determinada situação. Diga-se, não é qualquer situação geradora de incômodo que
é capaz de afetar o âmago da personalidade do ser humano.
Pode-se acrescentar que dissabores, desconfortos e frustrações de
expectativa fazem parte da vida moderna, em sociedades cada vez mais complexas
e multifacetadas, com renovadas ansiedades e desejos e, por isso, não se mostra
viável aceitar que qualquer estímulo que afete negativamente a vida ordinária
configure dano moral.
Nesse contexto, a jurisprudência do STJ vem evoluindo, de maneira
acertada, para permitir que se observe o fato concreto e suas circunstâncias,
afastando o caráter absoluto da presunção de existência de danos morais
indenizáveis.
Convém lembrar que esta Corte possui entendimento pacífico no
sentido de que o mero inadimplemento contratual não causa, por si só, dano moral
a ser compensado.
Vale analisar, portanto, a situação específica versada nos presentes
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autos, a fim de que se possa concluir se a ausência de outorga da escritura
definitiva do imóvel foi capaz de produzir nos adquirentes dano moral, hábil a ser
compensado.
Na hipótese, o TJ/RJ destacou expressamente que a inércia da na
outorga da escritura não somente teria causado aflição e angústia à recorrida pelo
fato de a mesma ver-se impossibilitada de promover o registro da propriedade
imobiliária, mas também pelo fato de que sobre o bem pairou
determinação judicial de indisponibilidade, o que, inclusive, a Corte local
considerou como peculiaridade do caso concreto (e-STJ fl. 282).
Quanto ao quantum compensatório, revela-se ser razoável o arbitrado
pelo Tribunal de origem, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), motivo pelo
qual o acórdão recorrido deve ser mantido quanto ao ponto por seus próprios
fundamentos.

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por


GRUPO OK CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA e NEGO-LHE PROVIMENTO,
para manter o acórdão recorrido quanto ao reconhecimento de não ocorrência de
prescrição e quanto ao arbitramento dos danos morais na espécie.

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